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Obras Hídricas – Aproveitamento Hidroelétrico

Por Victor Maiadezembro 11, 2018

1. Avaliação de potencial hidráulico


Primeiramente, cabe-nos lembrar que hidroeletricidade é a principal fonte de geração de
energia elétrica no Brasil. Da potência total instalada no país (da ordem de 103,8 GW),
aproximadamente 75% é proveniente das hidrelétricas (dados da ANEEL). Quando fala-
mos em termos de energia gerada (MWh), essa participação chega a algo em torno
dos 90%.
E qual a diferença entre potência e energia? Por definição a potência é a capacidade de
produção de energia por unidade de tempo (unidade de medida: MW), enquanto energia é
a capacidade de realizar algum trabalho ao longo do tempo (unidade de medida: MWh).
As hidrelétricas (ou hidrelétricas) são normalmente classificadas, de acordo com a sua
potência instalada (P, em MW = megawatts) em: (1) centrais geradoras hidrelétricas (ou
“mini-centrais”) – CGH (P < 1MW); (2) pequenas centrais hidrelétricas – PCHs (1 ≤ P ≤
30 MW e, normalmente, com área total de reservatório igual ou inferior a 3 km², atendendo
ao disposto na Resolução ANEEL 652/2003, arts. 3º e 4º); ou (3) usinas hidrelétricas –
UHEs (P > 30 MW).
A propósito, é muito comum usarmos as siglas AHE (de “Aproveitamento”) e UHE (de
“Usinas”) para designarmos as hidrelétricas. A rigor, não há justificativa técnica para a
diferenciação. É uma questão “de estilo” de cada técnico optar por uma ou outra denomi-
nação.
Na avaliação do potencial hidráulico bruto de um aproveitamento hidroelétrico utiliza-se a
seguinte fórmula (considerando o peso específico da água de 1.000 kgf/m³):
Pb = 9,81.Q.Hb
Onde Pb: potência hidráulica bruta (kW); Q: vazão que passa pelas turbinas (m³/s); Hb:
queda bruta, ou diferença entre os níveis d’água: (i) no reservatório a montante e (ii) ime-
diatamente a jusante da turbina (m).
Observando-se a fórmula vemos que o potencial hidráulico de uma hidrelétrica depende,
basicamente, (1) da vazão do rio e (2) da queda d’água (diferença de nível à montante e à
jusante da barragem). Observação: o número 9,81 guarda relação com a aceleração da gra-
vidade (expressa em m/s²).
Considerando que a queda bruta não é aproveitada integralmente, devido à ocorrência de
“perdas de carga”, utiliza-se a queda útil (H), que é a bruta, descontadas as perdas de car-
ga.
Além destas perdas que ocorrem na condução da água até a turbina, devem ser considera-
das as perdas dentro da turbina, e aquelas decorrentes dos atritos internos ao gerador.
Desta forma, considerando-se um fator de “eficiência” (rendimento) do conjunto eletrome-
cânico, a potência instalada da hidrelétrica é dada pela seguinte fórmula:
P = 9,81.Q.H.η

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Onde P: potência instalada (kW); Q: vazão que passa pelas turbinas (m³/s); H: queda útil
(m); η: rendimento do conjunto turbina-gerador.

2. Etapas de um empreendimento hidrelétrico


Um ponto importante a destacar é que a construção de hidrelétricas depende da obtenção
de Concessão da União, visto que os potenciais de energia hidráulica constituem bens da
União (CF/88, art. 20, inciso VIII).
De acordo com o atual modelo do setor elétrico, temos os seguintes procedimentos:
1. para as mini-centrais é necessária apenas a comunicação à Agência Nacional de Ener-
gia Elétrica (ANEEL) para fins de registro;
2. para as PCHs é necessária uma Autorização do Poder Concedente (não é necessário
disputa via leilão público, porém, caso dois ou mais empreendedores demonstrem inte-
resse, ganhará a autorização aquele que apresentar o melhor projeto, segundo regras es-
tabelecidas pelas resoluções da ANEEL); e
3. para a construção de uma hidrelétrica é necessária uma concessão para uso do bem
público (potencial hidráulico), que é obtida via leilão.
No caso de leilão, atualmente o Poder Concedente adota o critério de menor tarifa. É esta-
belecida uma tarifa máxima de venda de energia do empreendimento, e os concorrentes
fazem oferta de tarifas menores, vencendo aquele que oferecer a menor tarifa ao consumi-
dor. No modelo vigente, podem participar do leilão tanto empresas estatais, como empre-
sas totalmente privadas, sendo comum a participação de consórcios de empresas estatais e
privadas.
Antes da realização dos leilões, os critérios a serem adotados passam por análise do TCU
(vide Acórdãos nos 2.138/2008-TCU-PL e 602/2008-TCU-PL, referentes aos leilões das
UHEs Santo Antônio e Jirau, respectivamente).
Entre as exigências para um empreendimento ir para leilão destacam-se a necessidade do
Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) aprovado e a emissão de Licença
Prévia (LP) do órgão ambiental competente.
Os estudos para implantação de uma hidrelétrica são complexos e necessitam de uma série
de análises, envolvendo, entre outros, aspectos energéticos, econômicos, ambientais e
construtivos.
As etapas dos estudos de avaliação e aproveitamento de potenciais hidráulicos são dividi-
das na seguintes fases principais: (1) estimativa do potencial hidrelétrico, (2) estudos de
inventário hidrelétrico, (3) estudos de viabilidade, (4) projeto básico e (5) projeto executi-
vo.
São exigidos que os estudos abranjam todas as etapas citadas, no entanto, para as pequenas
centrais hidrelétricas – PCHs, empreendimentos de menor porte (até 30 MW e área do lago
bem reduzida), não são necessárias todas as etapas, por se tratar de um aproveitamento de
menor vulto e complexidade. Pela legislação atual, até mesmo os procedimentos de licen-
ciamento ambiental são mais simplificados para as PCHs, estimulando empreendedores
privados a investir neste tipo de aproveitamento.
Para fins de projeto e análise econômica, normalmente se considera a vida útil do empre-
endimento como 50 anos, apesar de alguns empreendimentos durarem muito mais do que
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isso e do período da Concessão ser limitado, por Lei, a 35 anos (dos quais 5 são normal-
mente considerados para projetos e construção).
Apresentamos a seguir um resumo do significado (produtos esperados) de cada uma das
etapas de avaliação do potencial hidroelétrico, onde sublinhamos o que é principal de ser
observado por vocês, conforme estabelecido pela ANEEL e Eletrobrás no documento Di-
retrizes para Projeto Básico de UHEs.
1. Estimativa do Potencial Hidrelétrico:
É a etapa dos estudos em que se procede a análise preliminar das características da bacia
hidrográfica, especialmente quanto aos aspectos topográficos, hidrológicos, geológicos e
ambientais, no sentido de verificar a vocação da bacia para geração de energia elétrica.
Essa análise, exclusivamente pautada nos dados disponíveis (cartografia em escala pouco
detalhada, pesquisas e informações existentes etc.), permite efetuar uma primeira avalia-
ção do potencial, definir prioridades, prazos e os custos dos estudos da etapa seguinte.
2. Estudos de Inventário Hidrelétrico:
É a etapa em que se determina o potencial hidrelétrico da bacia hidrográfica e se estabelece
a melhor divisão de queda, mediante a identificação dos aproveitamentos que, no seu con-
junto, propiciem o máximo de energia, ao menor custo e com o mínimo impacto ao meio
ambiente.
Essa divisão de queda é a pré-seleção da melhores locais “barráveis” dentro da bacia. É
como se nesse momento fossem estabelecidos quais seriam os “possíveis eixos” para futu-
ras barragens naquela bacia.
Essa análise é efetuada com base em dados secundários, complementados com essenciais
informações de campo, e pautado em estudos básicos cartográficos, hidrometeorológicos,
energéticos, geológicos e geotécnicos, ambientais e outros usos de água. Dessa análise
resultará um conjunto de aproveitamentos, suas principais características, índices custo –
benefício e índices ambientais.
Embora a duração dessa fase possa levar até 4 anos, percebe-se, atualmente, a redução des-
ses prazos, notadamente em função dos dados já disponíveis em órgão públicos em todo o
país, visto que a grande maioria das bacias já tem informações parciais relativas a estudos
de inventário.
Para completar o conjunto de informações importantes acerca desta importante fase na
avaliação do potencial hidrelétrico de uma bacia hidrográfica, cumpre destacarmos que
muitos dos principais cálculos para a determinação do potencial energético de uma bacia
são hoje feitos por programas computacionais.
Imaginem que a função de um inventário é a de selecionar a “melhor” divisão de quedas,
considerando o máximo benefício (energético/econômico) com o mínimo custo (econômi-
co/social/ambiental), certo? Mas como isso é feito na prática? Ora, selecionando inúmeras
“alternativas” de divisões de queda!
Cada alternativa de partição de queda considera diversos eixos de barragens em locais
distintos (a montante ou a jusante), bem como várias opções de altura de barragens (lem-
brando que a definição da altura de queda é importante para a geração, certo?). Portanto,
podemos ter, por exemplo, 5 barragens de grande altura (e grande potência individual), ou
10 de alturas menores (e menor capacidade de geração individual). Para vocês terem uma

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idéia, segundo informações de alguns professores da UFRJ, no inventário hidrelétrico do
rio Tocantins (onde se localiza a maior hidrelétrica exclusivamente em território brasileiro,
a UHE Tucuruí) foi proposto um conjunto com mais de uma centena de alternativas inici-
ais de divisões de queda.
Um exemplo de programa computacional bastante usado nas simulações econômico-
energéticas e ambientais de um estudo de inventário é o “Sistema de Inventário Hidroelé-
trico” (SINV), do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), do grupo Eletrobrás.
Quem estiver curioso para conhecer mais sobre esse e outros programas computacionais do
CEPEL, pode visitar: www.cepel.br/servicos/descprog.shtm
Uma importante função das simulações computacionais na fase de inventário é quantificar
o real benefício energético da regularização de vazões proporcionada pelos grandes reser-
vatórios. Pois bem, um grande reservatório que consiga exercer função de regularizador de
vazões a jusante contribui para aumentar a garantia e confiabilidade da geração de ener-
gia em todas as UHEs que estão abaixo dele na cascata. Logo, concluímos que o “benefício
energético” de um reservatório de regularização (acumulando água nos períodos úmidos e
liberando nos períodos de estiagem) não se atém apenas à geração na própria UHE, mas
sim se estende para todas as demais UHEs a jusante. Dessa forma, tal benefício deve ser
quantificado sempre por meio da simulação “conjunta” de todos os aproveitamentos (e
respectivos reservatórios), operando simultaneamente na bacia, tendo como dados de en-
trada as características estimadas inicialmente para cada UHE e a série histórica de vazões
medidas na bacia que está sendo inventariada.
Falamos dos benefícios, mas… e os custos? Na fase de estudos de inventário são aceitas
planilhas orçamentárias menos detalhadas do que aquelas obrigatórias por Lei para efeito
de Projeto Básico, seguindo orientação do Manual de Inventário, no formato usualmente
conhecido como “Orçamento Padrão Eletrobrás” (OPE). A padronização dos custos é ne-
cessária para que se permita a comparação entre alternativas distintas.
É importante também destacar que após anos deixando a responsabilidade da realização
dos inventários para as empresas (estatais e iniciativa privada), o Governo Federal, a partir
de 2004, retomou a responsabilidade pela execução dos principais estudos de inventário
no Brasil. Para tal, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao
Ministério de Minas e Energia (MME), atualmente responsável pela contratação e fiscali-
zação da execução desses estudos.
Deve-se destacar também que o órgão regulador do setor elétrico (ANEEL) é o responsá-
vel pela análise e aprovação dos estudos de inventário, nos termos das Resoluções Norma-
tivas ANEEL nos 393/1998 e 398/2001.
1. Estudos de Viabilidade:
É a etapa em que se define a concepção global de um dado aproveitamento, da divisão de
queda selecionada na etapa anterior, visando sua otimização técnico- econômica e ambien-
tal e a obtenção de seus benefícios e custos associados.
Essa concepção compreende o dimensionamento do aproveitamento, as obras de infra-
estrutura local e regional necessárias a sua implantação, o reservatório, a área de influên-
cia, os outros usos da água e as ações sócio-ambientais correspondentes.
Nesta fase, é possível se estudar alternativas de melhoria da locação do eixo da barragem,

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desde que tal alteração não seja significativa e não prejudique a geração total de energia da
bacia hidrográfica. Caso as alterações propostas sejam significativas, em especial quando
se pretende alterar sensivelmente a altura de queda, um novo estudo de inventário deve ser
realizado, para aprovação da ANEEL.
É importante comentar isto porque sendo o potencial hidráulico um bem de propriedade da
União, todo cuidado deve ser tomado nos estudos para que não se configure, a posteriori,
qualquer “desperdício” de potencial de geração. Portanto, os estudos energéticos que de-
terminarão os “benefícios” da UHE nesta fase de viabilidade devem ser muito bem feitos,
com base em dados confiáveis acerca das características hidrológicas da bacia (pois a água
é o “combustível” da UHE, certo?), além de especificações técnicas minimamente adequa-
das acerca do rendimento dos equipamentos turbo-geradores. Além disso, os custos tam-
bém devem ser corretamente avaliados, pois erros grosseiros podem “inviabilizar” o AHE
na forma como foi definido nos estudos de inventário. Para tal, é importante definir bem os
preços unitários de cada serviço da planilha orçamentária, bem como os quantitativos da
obra, tais como: escavação em solo e em rocha, injeções nas fundações, volumes de aterro,
concreto e aço das estruturas, equipamentos especiais etc.
Na viabilidade, como vimos, o foco deixa de ser a bacia hidrográfica como um todo (com
todos os AHEs selecionados na alternativa “ótima”) para ser uma UHE individualizada.
Portanto, a simulação energética deve igualmente ter como foco a UHE em estudo. Porém,
isto não significa que devamos “ignorar” as demais UHEs, pois, como vimos, o benefício
energético esperado na UHE sob estudo pode ser maior em virtude da regularização de
vazões proporcionada pelos reservatórios a montante dela.
Apenas como curiosidade, um dos programas tradicionalmente utilizados para tais simula-
ções energéticas na fase de viabilidade é o chamado “Modelo de Simulação a Usinas Indi-
vidualizadas (MSUI)”, elaborado e mantido pela Eletrobrás. Este modelo também é usado
como ferramenta para realizar o rateio da energia assegurada hidráulica do sistema, con-
forme Portaria nº 258, de 28 de julho de 2008, do Ministério de Minas e Energia (mais
detalhes
em: www.eletrobras.gov.br/ELB/data/Pages/LUMISD28EA113PTBRNN.htm). Outro mo-
delo adotado atualmente com finalidade muito similar ao do MSUI é o “Modelo de Simu-
lação a Usinas Individualizadas de Subsistemas Hidrotérmicos Interligados (SUISHI-O)”,
do CEPEL (www.cepel.br/servicos/descprog.shtm).
A principal referência técnica (“manual”) usada para a elaboração dos Estudos de Viabi-
lidade Técnica e Econômica (EVTE) são as “Instruções” publicadas pela Eletrobrás. Deste
documento extraímos o seguinte, acerca dos objetivos de um EVTE:

Objetivos dos Estudos de Viabilidade

O conceito de Estudos de Viabilidade, considerado nestas Instruções, visa a objetivos bem


determinados, quais sejam:

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 Concluir sobre a exeqüibilidade ou não do aproveitamento através de avaliações, análi-
ses e definições fundamentadas nos custos e nos benefícios múltiplos que podem ser
obtidos, de acordo com as diretrizes estabelecidas nestas Instruções;
 Subsidiar a tomada de decisões quanto à época de início de construção do aproveita-
mento hidrelétrico;
 Subsidiar a elaboração dos documentos necessários para licenciamento ambiental;
 Subsidiar as ações junto a órgãos públicos e privados, visando otimizar a utilização dos
recursos naturais existentes na área do futuro aproveitamento, e promover sua inserção
na região.
Para que os objetivos mencionados sejam atingidos, é necessário que os estudos sejam
realizados de maneira uniforme e homogênea, devendo, portanto, ser considerado o em-
prego dos critérios básicos que devem nortear a qualidade e quantidade dos estudos. Os
critérios básicos utilizados deverão ser indicados nos estudos.”
Os Estudos de Viabilidade se constituem em documento de suporte técnico para os proces-
sos de licitação da concessão. Atualmente, da mesma forma como comentado para os estu-
dos de inventário, boa parte dos estudos de viabilidade disponíveis se encontra a cargo do
próprio governo federal (Poder Concedente), neste caso representado pela EPE. Fazemos
também a mesma observação em relação ao fato de que a ANEEL é a responsável pela
análise e aprovação dos estudos de viabilidade, nos termos das Resoluções Normativas
ANEEL no 395/1998.
Um conceito de grande importância para a implantação das hidrelétricas é o de “aprovei-
tamento ótimo”, que é definido nos Estudos de Viabilidade. A seguir trecho do art. 5º da
Lei 9074/95, que obriga a realização do EVTE antes da Concessão:
“§ 2º Nenhum aproveitamento hidrelétrico poderá ser licitado sem a definição do “apro-
veitamento ótimo” pelo poder concedente, podendo ser atribuída ao licitante vencedor a
responsabilidade pelo desenvolvimento dos projetos básico e executivo.
 3º Considera-se “aproveitamento ótimo”, todo potencial definido em sua concepção
global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis d’água operativos,
reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para divisão de quedas de
uma bacia hidrográfica.”
O período de duração dessa etapa de EVTE depende sobremaneira da qualidade dos traba-
lhos realizados na fase de inventário, mas, usualmente, situa-se entre 1 e 2 anos.

1. Projeto Básico:
É a etapa em que o aproveitamento, concebido nos Estudos de Viabilidade, é detalhado de
modo a definir, com maior precisão, a segurança das estruturas através do desenvolvimento
das características técnicas do projeto, as especificações técnicas das obras civis e equipa-
mentos eletromecânicos, bem como os projetos sócio-ambientais. Para fins de estudos
energéticos, a metodologia é muito similar àquela adotada na fase de viabilidade, adequan-
do- se apenas as características finais da UHE (agora mais detalhadas). Inclusive, os
mesmos modelos computacionais MSUI e SUISHI-O podem ser utilizados.
Excepcionalmente, verificamos que o vencedor do leilão da concessão propõe melhorias
no projeto básico, inclusive com pequenos deslocamentos do eixo da barragem em relação

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àquele definido nos estudos de viabilidade. Este caso ocorreu com o vencedor da licitação
da UHE Jirau, no rio Madeira. O consórcio apresentou projeto básico que deslocava o eixo
para jusante a uma distância da ordem de 7 km. Como justificativa, apresentou argumentos
convincentes de que poderia reduzir sensivelmente os custos da obra (menor quantidade
de escavação em rocha, menor tamanho do canteiro de obras etc.). Dessa forma, a nova
solução de engenharia consubstanciada no projeto básico foi aprovada pela ANEEL, com o
acompanhamento (controle externo) do TCU.
Da mesma forma como vimos para o EVTE, a principal referência técnica usada para a
elaboração do Projeto Básico também foi editada pela Eletrobrás. Podemos, na visão do
setor elétrico, concluir preliminarmente o seguinte sobre os objetivos de um Projeto Básico
de UHE:

Objetivo do Projeto Básico

Atender a obrigatoriedade legal da elaboração do Projeto Básico, além de garantir a quali-


dade técnica e sócio-ambiental dos projetos. Desta forma, o Projeto Básico estará garan-
tindo os critérios de segurança das estruturas e dos equipamentos, bem como o compromis-
so de disponibilidade de energia para atendimento ao mercado, através do detalhamento
das características técnicas das obras civis e dos equipamentos eletromecânicos e da elabo-
ração de suas correspondentes especificações técnicas.
O tempo estimado para a elaboração do Projeto Básico situa-se na faixa de 1 a 2 anos.
Em virtude de sua importância, o conceito de Projeto Básico é definido, no âmbito das
Obras Públicas, pela Lei nº 8.666/93 (art. 6º, inciso IX) como:
“conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, pa-
ra caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação,
elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem
a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento,
e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e
do prazo de execução”.
Da definição acima, verifica-se, portanto, que a exigência legal pressupõe a existência dos
estudos anteriores (inventário hidrelétrico e viabilidade). Em outras palavras, a definição
legal é mais ampla que o detalhamento das etapas mencionadas sob o “enfoque tradicio-
nal” da engenharia.
Sob esse enfoque “tradicional”, temos que muitos engenheiros ainda enxergam a elabora-
ção do Projeto Básico como algo “opcional”. De fato, as próprias normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) dão a entender isso, vide definição de projeto bási-
co na NBR 13531/1995. Contudo, o Tribunal de Contas da União por diversas oportuni-
dades manifestou seu entendimento de que o Projeto Básico possui este nome por ser a
BASE para a realização da licitação. Portanto, trata-se de elemento indispensável para a
contratação das obras públicas.
Apesar do entendimento do TCU, é comum ainda vermos alguns agentes públicos, em par-
ticular no setor elétrico, que mantém o entendimento errôneo de que o Projeto Básico pode

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ser “simplificado”, pouco detalhado, como se este documento fosse uma mera formalidade
ou, pior, um “instrumento de ficção” (Voto do Acórdão 133/2000).

1. Projeto Executivo
É a etapa em que se processa a elaboração dos desenhos de detalhamento das obras civis e
dos equipamentos eletromecânicos, necessários à execução da obra e à montagem dos
equipamentos. Nesta etapa, são tomadas todas as medidas pertinentes à implantação do
reservatório e dos projetos sócio- ambientais.
De acordo com a Lei n° 8.666/93, o conceito de Projeto Executivo pode ser resumido co-
mo o “conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de
acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT)”. Apesar de acharmos esta definição da Lei de Licitações bastante incompleta
(pois dá a entender que o Projeto Básico não precisaria ser feito com base também nas
Normas da ABNT…), ela é a que vale. Além disso, o mais importante é saber que a Lei
permite que este projeto seja desenvolvido simultaneamente à execução da obras (Lei
8666/93, art. 7º, § 1º). Dessa forma, a duração do Projeto Executivo é a mesma da Obra, a
qual, no caso de grandes hidrelétricas, normalmente se situa no intervalo entre 4 e 6 anos.
Ao final dessa etapa de Projeto Executivo devemos ter todos os desenhos definitivos que
expressem com fidedignidade os serviços executados, também chamados de “as built”
(“conforme construído”).
Portanto, diante do que acabamos de ver, é importante destacar que para fins de leilão
para Concessão da hidrelétrica são exigidos apenas os Estudos de Viabilidade e a Licença
Prévia do órgão ambiental, mas para o Contrato de Execução da Obra da Hidrelétrica, no
caso da Concessão ter sido obtida por empresa Estatal, as exigências são semelhantes às de
outras obras públicas. Ou seja, o Projeto Básico do empreendimento, devidamente deta-
lhado (inclusive em seu orçamento), é obrigatório para o Edital de Licitação da Constru-
ção!
Perceberam bem que são duas etapas distintas: a Licitação para Concessão do empreendi-
mento e a Licitação para Contratação da Obra? Essa distinção é importante pessoal.
Em resumo, atentem para os seguintes pontos relevantes pessoal:
1º – Os estudos do setor elétrico iniciam avaliando, de forma um tanto “grosseira” (sem
precisão) o potencial da bacia como um todo, reunindo e aproveitando as informações já
disponíveis (Estimativa do Potencial Hidrelétrico).
2º – Em seguida, nos Estudos de Inventário, determina-se o potencial hidrelétrico da bacia
e é definida a melhor partição de quedas, além de estabelecidas as principais características
de cada aproveitamento. Nesta etapa é feita uma avaliação integrada da bacia, envolvendo
aspectos de usos múltiplos e ambientais.
3º – Observa-se que, até a fase de estudos de inventário, as análises são efetuadas conside-
rando o conjunto de empreendimentos.
4º – Nos Estudos de Viabilidade (feitos individualmente para cada aproveitamento), defi-
nem-se a concepção global da hidrelétrica e é feita uma otimização de benefícios e custos
(uma espécie de “refinamento” sobre os estudos anteriores, chegando ao chamado “poten-
cial ótimo”), além do dimensionamento do aproveitamento.

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5º – Com os estudos de viabilidade, é possível obter a Licença Prévia do órgão ambiental
(LP), que é exigida para o empreendimento ir ao leilão de Concessão. Ou seja, o
EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental) é elaborado
nessa etapa do estudo. Deve-se preocupar tanto com a infraestrutura local quanto com a
regional, visando à implantação do empreendimento. É necessário, entre outros, o projeto
de integração da usina com a rede básica de transmissão de energia elétrica. Esse projeto
deve ser submetido à apreciação do Operador Nacional do Sistema – ONS, responsável
pela operação da rede básica nacional, e também à aprovação do órgão regulador.
6º – Com os estudos de viabilidade aprovados e a licença prévia emitida, o aproveitamento
hidroelétrico pode ir para leilão, de forma a ser definida a empresa (ou consórcio) que irá
obter a concessão para construir e explorar o empreendimento.
7º – Depois de concedido, o empreendedor deve elaborar o Projeto Básico (ou “Projeto
Básico de Engenharia” – PB, como também é conhecido). Nesta etapa são definidas com
precisão as características técnicas da hidrelétrica para fins de projeto/programação da
obra. No caso de empresas estatais, o projeto deve atender todas as exigências necessárias
para o processo licitatório de contratação da obra, conforme exigido pela Lei 8666/1993.
8º – Com o projeto básico deve ser obtida a Licença de Instalação (LI) junto ao órgão am-
biental, sendo o Projeto Básico Ambiental (PBA) elaborado nesta etapa.
9º – Por fim, no Projeto Executivo é feito um detalhamento do projeto básico, abrangen-
do aspectos construtivos, dos equipamentos e ambientais.
Ressaltando que as soluções técnicas devem já estar previstas no básico, é comum o de-
senvolvimento do projeto executivo concomitante com a execução da obra.
10º – Após o término da obra, é necessária a Licença de Operação (LO), emitida pelo
mesmo órgão ambiental competente, antes de iniciar a operação da hidrelétrica.
A atuação do TCU relativo às obras ganha maior importância a partir dos estudos de viabi-
lidade, visto que as tarifas de energia elétrica aos consumidores serão definidas com base
nesses estudos. Já o projeto básico servirá de base para a contratação da obra, no caso da
concessão ser de uma estatal.
A próxima figura resume o ciclo de planejamento (estudos), projeto, implantação
(construção) e operação de uma usina hidrelétrica, bem como a obtenção do necessá-
rio licenciamento ambiental.
Chamamos a atenção para o fato de que, em todas as etapas de estudos, devem ser levados
em consideração tanto os aspectos técnicos- econômicos como também os sócio-
ambientais, além de avaliados os usos múltiplos da água do reservatório, conforme legisla-
ção vigente. Devem ser avaliadas as possibilidades de compartilhamento do reservatório
com outros usos, de forma a maximizar os benefícios da obra. As eclusas (transposição do
desnível da barragem pela navegação), o abastecimento d’água, a irrigação, a criação de
peixes e o turismo no lago são alguns exemplos de usos múltiplos que devem ser analisa-
dos nos estudos para implantação de hidrelétricas.

Outro ponto importante a observar em relação ao reservatório é o chamado efeito de “re-


manso” do lago, estudado pela disciplina de hidráulica fluvial. Trata- se de um trecho do
rio onde ocorre a mudança de regime “rápido” para o regime “lento” das águas dentro do

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reservatório. Nessa região de remanso ocorre uma sobrelevação das águas em relação tanto
ao nível d’ água original do rio (sem reservatório) quanto em relação ao nível “horizontal”
médio do reservatório. Dessa forma, tal sobrelevação afeta também o nível de jusante de
uma UHE que se encontra imediatamente a montante do referido reservatório, podendo
acarretar a perda de alguma altura de queda para a geração. Além disso, nessa região o lago
tende a alargar outras áreas, além das computadas pela simples curva topográfica corres-
pondente ao NA Max. normal.
Para determinar a grandeza dessa sobrelevação, são usados modelos matemáticos para a
simulação hidráulica do perfil de linha d’água. Tais modelos devem ser calibrados com
dados medidos no local (seções topobatimétricas e da hidrologia), sendo um dos modelos
mais conhecidos o HEC-RAS (“Hydrologic Engineering Centers – River Analysis System”,
ou, traduzindo, “Sistema de Análise de Rios” do Centro de Engenharia Hidrológica do
Exército dos EUA).
A figura a seguir esclarece bastante sobre o efeito de remanso.
a) Estruturas componentes de um aproveitamento hidroelétrico
A escolha do local e da concepção do “arranjo” (distribuição das estruturas) de uma usina
hidrelétrica depende de uma série de fatores particulares, tais como condições topográficas,
geológicas e hidrológicas. A escolha da concepção do arranjo de uma UHE, mesmo para
engenheiros experientes, é uma arte, sendo normalmente resultado de um processo iterati-
vo, no qual várias opções são concebidas, dimensionadas e orçadas, até se chegar à melhor
solução.
Na definição do arranjo deve-se considerar a segurança, o custo global (obra, operação e
manutenção), aspectos sócio-ambientais, usos múltiplos e outras variáveis, conforme já
abordamos.
Basicamente há três tipos de arranjos “básicos” para as centrais hidrelétricas:
(1) de represamento (CHR); (2) de desvio (CHD); e (3) de derivação (CHV).
Nas centrais hidrelétricas de represamento, são aquelas que a tomada d’água é localizada
junto à barragem, ou seja, o circuito hidráulico de adução é basicamente composto pela
tomada d’água, conduto forçado e casa de força.
Para as centrais de desvio e de derivação deve ser acrescentado o “sistema de baixa pres-
são”. O circuito hidráulico de adução é basicamente composto por: (i) tomada d’água, (ii)
conduto de baixa pressão (canal ou túnel), (iii) conduto de alta pressão (conduto forçado,
que pode ser também um túnel) e (iv) a casa de força.
Nesses casos, podem ocorrer os chamados “transientes hidráulicos” (variações bruscas de
pressão no interior das tubulações, em virtude de aberturas e fechamentos do fluxo na saída
destas), em especial na região entre o sistema de baixa e o de alta pressão. Para mitigar os
efeitos dos transientes hidráulicos, necessitamos de estruturas “aliviadoras de pressão”, tais
como a “câmara de carga” ou a “chaminé de equilíbrio”.
A diferença básica entre as centrais de desvio e de derivação é que esta última opera entre
dois rios, realizando uma “transposição” de águas, ou seja, “derivando” a água do rio 1
para o rio 2, conforme mostra a figura a seguir:
Fazem parte do arranjo geral de uma UHE:

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1. Barragem – É uma estrutura em solo ou concreto construída no vale do rio, da ombrei-
ra de uma margem para a da outra, com o objetivo de elevar o nível de água do rio até o
nível máximo normal do reservatório.
2. Dique – É uma estrutura usualmente em solo, que fecha eventuais pontos onde existam
“selas topográficas” (pequenos vales), a fim de evitar “fuga” (perda) da água do reser-
vatório.
3. Sistema de desvio do rio – Em geral, fica localizado junto à barragem, com o objetivo
de desviar, temporariamente, as águas do rio por meio de (i) canal, (ii) galerias, (iii)
adufas (vãos no meio das estruturas de concreto), (iv) túneis ou mesmo (v) “estrangu-
lamento” do leito do rio (por meio de “ensecadeiras” = pequenas barragens provisó-
rias), de modo a permitir a construção das demais estruturas (localizadas no leito do rio)
em uma zona seca.
4. Circuito de geração – Constituído por (i) canais, (ii) tomadas d’água, (iii) condutos ou
túneis de adução de baixa pressão, (iv) eventuais chaminés de equilíbrio ou câmaras de
carga, (v) condutos ou túneis forçados de alta pressão, (vi) casa de força externa ou
subterrânea e (vii) canal ou túneis de fuga. O circuito de geração tem por finalidade
aduzir a água para a transformação de energia mecânica em energia elétrica.
5. Estrutura de vertimento – Composto de (i) canal de aproximação, (ii) vertedouro com
ou sem controle (comportas), (iii) dissipador de energia e (iv) canal de restituição. Co-
mo no caso do circuito de geração, as obras das estruturas de vertimento podem ficar
localizadas junto ou distante da barragem, dependendo das características particulares
do sítio em estudo.
6. Descarregador de fundo – Estrutura dotada de comportas ou válvulas para liberar as
águas para jusante da barragem.
7. Sistema de transposição de desnível – São estruturas que permitem a transposição de
cargas ou passageiros transportados pela via navegável, superando o desnível decorren-
te da implantação da barragem. São estruturas normalmente conhecidas como eclusas
de navegação. Pessoal, quem não conhece o funcionamento de uma eclusa (ou quiser
mais detalhes) pode recorrer à seguinte anima-
ção: www1.folha.uol.com.br/folha/turismo/americadosul/brasil-barra_bonita- eclu-
sa.shtml
8. Sistema de transposição de fauna aquática migratória – São estruturas que permitem a
transposição da ictiofauna (fauna aquática), superando o desnível decorrente da implan-
tação da barragem por meios de (i) escadas de peixes (pequenos tanques com aberturas
no fundo, dispostos conforme os degraus de uma escada convencional) ou (ii) cami-
nhões tanques que coletam os peixes no pé da barragem e os despeja a montante.
9. Subestação – É a instalação elétrica responsável por elevar a tensão de saída para a
transmissão da energia elétrica gerada na usina, “injetando-a” no sistema elétrico (a
elevação da tensão tem por objetivo reduzir as perdas de energia, por transformação em
calor, na linha de transmissão).
Na figura a seguir temos uma ilustração “tridimensional” de uma UHE típica, a qual
pode ajudar bastante na visualização e compreensão de plantas e cortes de arranjos de usi-
nas. Podemos ver: barragem (face de jusante, com caminho para chegar à crista), vertedou-

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ro (com comportas), 04 condutos forçados, casa de força, canal de fuga, emboque de jusan-
te dos túneis de desvio etc.
Na figura a seguir, temos o arranjo “tradicional” da UHE Água Vermelha (rio Gran-
de), mostrando a casa de força junto ao vertedouro, ambos no meio do rio, entre duas
barragens de terra.
Já na próxima figura, da UHE Furnas (rio Grande), podemos ver outro arranjo, dife-
renciado em relação ao da UHE Água Vermelha por termos tanto o vertedouro
quanto a tomada d’água separados da barragem (localizados nas encostas do vale).
A figura a seguir é da UHE Três Marias, localizada no rio São Francisco, onde pode-
mos ver o vertedouro na encosta do vale e a tubulação de adução de água para a casa
de força passando por baixo da barragem.
Nas últimas figuras da nossa série “arranjos criativos de UHEs”, temos a UHE Itaú-
ba, localizada em uma meandro (grande curva) do rio Jacuí, no qual temos um desní-
vel de 16 metros e um canal adutor de 120m de comprimento (a primeira figura com
o arranjo geral de desvio e a segunda com um detalhes da tomada d’água, vertedouro
e casa de força).

3. Turbinas e Geradores
Os grupo geradores respondem diretamente pelas transformações e qualidade da energia
de uma usina, bem como pela estabilidade operacional dos sistemas que conduzem e su-
portam as massas energéticas.
Os grupos geradores podem ter eixo horizontal ou vertical, ter acoplamento direto ou com
amplificação de rotação (entre eixo do rotor da turbina e o gerador).
Os principais componentes são as turbinas e os geradores.

Tipos de TURBINAS e aplicações

A queda líquida (m) e a vazão de projeto por turbina (m3/s) são os parâmetros utiliza-
dos para a escolha preliminar do tipo de turbina. Na escolha, deve-se analisar, além dos
parâmetros técnicos e preço, a disponibilidade para fornecimento de peças sobressalentes,
por parte do fabricante.
As turbinas podem ser de dois tipos:
1. De ação: o escoamento através do rotor ocorre sem variação de pressão (turbinas tipo
Pelton);
2. De reação: o escoamento através do rotor ocorre com variação de pressão (turbinas tipo
Francis, Kaplan e Bulbo). As turbinas de reação, ao contrário das de ação, devem tra-
balhar afogadas.
A seguir encontra-se um gráfico de muita utilidade para o processo de escolha do tipo e
da potência máxima das unidades de turbinas, em função (i) da queda líquida (já desconta-
das as perdas hidráulicas) e (ii) da potência nominal das unidades.

A próxima figura ilustra o rotor dos três tipos de turbina mais usados. A foto da es-
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querda representa a turbina tipo Kaplan, a do centro é a Francis e a da direita a Pel-
ton, que serão descritas em seguida.

Turbina Pelton

Trata-se de uma turbina de ação. Pode ter eixo vertical ou horizontal.


A Pelton se caracteriza por um rotor com pás ou conchas na periferia e por uma tubulação
de adução alimentando um ou mais injetores. Tem por característica a transformação da
(1ª) “energia potencial de queda” em (2ª) “energia cinética no jato injetor”, para, em segui-
da, ser convertida em (3ª) “energia mecânica no rotor da turbina”. A incidência do jato
d’água nas pás da turbina é tangencial.
A figura seguinte ilustra uma Turbina Pelton de eixo horizontal, com um único inje-
tor (vista lateral), e outras Turbina Pelton, de eixo vertical, e seis injetores (em plan-
ta).
A elevação do ponto mais baixo do rotor deve ser aproximadamente 1 (um) metro acima
do nível de água máximo de jusante, de modo que suas conchas fiquem distantes do espe-
lho d’água, evitando o efeito indesejável de frenagem.
Opera em quedas altas (quedas de 100 a 500m, podendo alcançar até quedas da ordem de
1.900) e baixa vazão. Podem alcançar potências por unidade maiores que 100 MW.
Turbina Francis
Trata-se de uma turbina de reação. Pode ter eixo vertical ou horizontal. No caso da do eixo
horizontal, é necessário uma caixa espiral (carcaça) na entrada da turbina e tubo de sucção
na saída. A água entra em direção transversal ao eixo do rotor, e sai na mesma direção do
eixo.
Opera em situações intermediárias de queda e vazão, com boa aceitabilidade em várias
situações. Pode ser adotada para quedas entre 8 e 600m. É a que apresenta maiores potên-
cias por unidade, da ordem de 850MW.
A figura seguinte ilustra a caixa espiral (externamente, tubulação em aço, e interna-
mente, mostrando o rotor em planta – vista superior) de uma turbina Francis.

Turbina Kaplan ou Bulbo

As turbinas Kaplan foram antecedidas por turbinas denominadas “hélice”. Tais turbinas
possuem como característica principal a geometria do rotor composta por um cubo com
pás em forma de asa de sustentação (o número de pás varia de 2 a 8). Quando as pás eram
fixadas rigidamente ao cubo, essas turbinas denominavam-se “rotor-hélice”.
Com o passar do tempo foram desenvolvidas pás que se movimentam em relação ao cubo,
acarretando em nova classe de turbinas denominadas Kaplan. Normalmente as turbinas
Kaplan são de eixo vertical, mas também existem algumas versões de eixo horizontal ou
até inclinado, como nas turbinas “Kaplan- S” ou “tubular-S” como também é conhecida (o
nome provém do formato do tubo adutor, que lembra a letra “S”).

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Na figura a seguir, a turbina Kaplan posicionada na casa de força e o detalhe esque-
mático das pás variáveis.
Atualmente uma turbina tubular muito conhecida para alturas de queda muito baixas é a
turbina Bulbo (eixo horizontal). O diferencial desta turbina é que o gerador é ligado à tur-
bina mediante uma engrenagem cilíndrica ou planetária que aumenta a pequena velocida-
de da turbina até 10 vezes e reduz, assim, o tamanho do gerador. Desse modo, o gerador
pode ser colocado em um poço a montante da turbina (bulbo), dentro do tubo de sucção.
Tanto nas turbinas Kaplan quanto nas Bulbo, a movimentação das pás confere capacidade
de regulação da vazão e água entra e sai na mesma direção do eixo. São utilizadas para
baixas quedas (de centímetros até 70m) e grandes vazões.
A figura a seguir ilustra, em planta e em corte, o posicionamento típico da turbina
Bulbo (notar o gerador dentro do “bulbo”, colocado no interior do tubo de sucção, na
frente da turbina).
Devemos destacar que as Usinas do rio Madeira, em Rondônia (UHE Santo Antônio e
UHE Jirau) terão, cada uma, 44 unidades de turbinas Bulbo, com uma potência nunca
antes fabricada no mundo (77 MW), representando um grande desafio tecnológico. Os pro-
jetos dessas usinas passaram pela análise no TCU quando do leilão para a concessão dos
empreendimentos.

Tipos de GERADORES ELÉTRICOS e aplicações

Os geradores são os equipamentos responsáveis por transformar a energia mecânica produ-


zida pela turbina em energia elétrica.
De acordo com a resolução ANEEL nº 407/200, para todos os efeitos legais, a Potência
Instalada de uma UHE é determinada pela capacidade de seus geradores, e na ode suas
turbinas (que, por vezes, até podem apresentar capacidades mais elevadas de produção de
energia), sejamos: “A potência instalada de uma central geradora (em kW) é definida, em
números inteiros, pelo somatório das potências elétricas ativas nominais das unidades
geradoras da central”.
Como classificação típica, tais equipamentos podem ser: (i) síncronos ou (ii) assíncronos
(ou de indução)
Os geradores síncronos têm maior aceitação e são mais utilizados, pois são máquinas elé-
tricas que trabalham com velocidade constante, igual à velocidade síncrona, que é função
(i) da freqüência da tensão gerada (no Brasil = 60 Hz, lê- se: “Hertz”; ou 60 “ciclos por
segundo”) e (ii) do número de pares de pólos do “rotor” do gerador (peça dinâmica, que
gira). A parte que fica fixa é conhecida pela denominação “estator”. Com o giro do rotor
dentro do estator temos, por efeitos eletromagnéticos, a produção da energia elétrica. Os
geradores síncronos são capazes de produzir tanto energia ativa como reativa. Pessoal, não
entraremos em maiores detalhes sobre os tipos de “energia ativa” e “reativa”, pois a expli-
cação demandaria conhecimentos avançados de eletricidade, fugindo ao escopo de nosso
curso. Ademais, tal conhecimento não é cobrado no programa do TCU 2009, ok?
Os geradores assíncronos (ou de indução) possuem a característica básica de trabalharem
com rotações levemente diferentes da rotação síncrona. Só produzem potência ativa.

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São diversas as formas possíveis de “acoplagem” entre o eixo da turbina e o gerador. Se-
lecionamos dois tipos mais comuns para eixos verticais (sendo possível algumas variações
destes): (1) arranjo “convencional”, com um mancal combinado guia-escora, posicionado
acima do rotor do gerador, e um mancal guia abaixo do rotor (neste caso a turbina tem seu
próprio mancal-guia)– usado para grupos com velocidades mais altas (acima de 250 “rota-
ções por minuto”, ou 250 “rpm”); (2) arranjo tipo “umbrella” (= “guarda-chuva”, em in-
glês), dispensando o mancal guia superior, temos uma grande redução na altura do grupo
gerador, com economias nas dimensões da casa de força – usado para máquinas de baixas
velocidades (abaixo de 200 rpm).
A figura a seguir ilustra os arranjos mencionados para eixos verticais.
Também no caso dos eixos horizontais, temos uma vasta gama de possibilidades de aco-
plamento.
A figura a seguir ilustra alguns tipos de arranjos para eixos horizontais (mais comuns
em PCHs), de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT).

4. Aspectos construtivos de aproveitamentos hidrelétricos


Os estudos de planejamento para a construção e montagem de um aproveitamento hidroe-
létrico devem ser realizados de forma detalhada, visando estabelecer o Cronograma de Im-
plantação do empreendimento. Esses estudos devem considerar as seguintes fases princi-
pais: (i) a implantação do canteiro e do acampamento (inclusive as estradas de acesso); (ii)
o “desvio” do rio; (iii) a seqüência construtiva da estruturas principais e auxiliares; e (iv)
os esquemas de montagem de equipamentos eletromecânicos.
A primeira pergunta que vocês podem fazer é: como a barragem é construída se a água
continuando escoando pela calha do rio? Temos que “parar” o rio
Na verdade, antes de ser iniciada a construção da barragem, o rio precisa ser “desviado de
seu curso natural.
As obras de desvio do rio, necessárias para que as obras permanentes possam ser realizadas
no seu leito ou calha, consistem basicamente nos seguintes componentes auxiliares (não
necessariamente adotados concomitantemente): (1) ensecadeiras, (2) condutos, (3) canais
e/ou (4) túneis. Em determinadas situações (dependendo do tipo de arranjo escolhido) po-
demos utilizar, como auxiliares para escoar a vazão de desvio, a tomada d’água, as com-
portas de fundo e mesmo os vertedouros (em geral, concretados parcialmente). Pessoal,
normalmente a vazão de desvio é calculada com TRs que variam entre 25 e 50 anos, mas,
em casos excepcionais (em especial nas regiões onde temos dados hidrológicos pouco con-
fiáveis), o projetista pode adotar vazões bem maiores, com recorrência da ordem de 100
anos. Detalhe importante: o cronograma de obras é sempre formulado para a execução do
desvio no período de estiagem da bacia (para a maior parte do Brasil, entre maio e setem-
bro), reduzindo riscos e custos do desvio. Este período favorável ao desvio é denominado
“janela hidrológica”.
O desvio pode ser feito em duas fases, como na figura a seguir (parte A), ou, se as
condições topográficas e geológicas assim o permitirem, através de um ou mais túneis
escavados em rocha ou canais de desvio (parte B).

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Construção da barragem com o uso de ensecadeiras (a) ou túnel (b)

A ensecadeira é uma espécie de “barragem provisória” (em terra ou enrocamento – parte


do material é simplesmente “lançado”, parte é compactado), construída com a finalidade
de desviar o rio. Em outras palavras, trata-se de uma obra necessária para a execução da
hidrelétrica, mas que ao final da construção pode ser destruída, ficar submersa ou ser par-
cialmente aproveitada no arranjo final do aproveitamento.
Os esquemas de desvio do rio variam em função dos aspectos topográficos, hidrológicos e
geológico-geotécnicos do sítio. A seguir apresentamos a vocês uma breve descrição de
três diferentes situações:
1. – Sítios em vales abertos:
Na primeira fase, após a construção da ensecadeira, com o rio escoando em sua calha
natural (“estrangulado”) ou em canal escavado em uma das margens, executam-se partes
das estruturas do vertedouro, dos muros, da casa de força e da barragem, na margem oposta
(área que fica “seca” por meio de potentes bombas que retiram água da cava).
Na segunda fase, após a construção das ensecadeiras de montante e jusante (e a retirada da
ensecadeira de primeira fase), com o rio escoando pelas adufas/galerias sob o vertedouro
(ou sob a barragem), conclui-se a execução da casa de força, do vertedouro e da barragem.
Concluída a execução das estruturas de barramento, fecham-se as adufas/galerias de des-
vio e inicia-se a operação de enchimento do reservatório.
1. – Sítios em Vales Encaixados:
No caso dos vales encaixados, a diferença básica é que, na primeira fase, o rio é desviado
por túneis escavados em uma das margens.
1. – Sítios em Vales Medianamente Encaixados:
No caso dos vales medianamente encaixados, na primeira fase, o rio poderá ser desviado
por galerias de concreto, ou por tubulações, construídas em uma das margens.
Frequentemente, o detalhamento do projeto de canteiro de obras é de responsabilidade do
empreiteiro civil. No caso de obras públicas, há sempre a necessidade de orçamento analí-
tico (detalhado, com todas as composições de custos unitários) do canteiro. Portanto, não é
possível se aceitar um orçamento pouco detalhado como aquele apresentado na etapa de
estudos iniciais de avaliação do potencial (inventário e viabilidade), no formato usualmen-
te conhecido como “Orçamento Padrão Eletrobrás” (OPE), lembram dele?
Parâmetros fundamentais da “logística” da obra devem ser estabelecidos, os quais deverão
ser observados na estimativa da área necessária ao canteiro de obras, devendo-se prever as
seguintes instalações: reservatório de água potável; reservatório de água industrial; escri-
tórios diversos e depósitos; almoxarifados específicos; refeitório; posto de saú-
de/enfermaria; estacionamentos; subestação de energia do canteiro; central de britagem e
de concreto; áreas para pilhas de estoque de agregados; depósito de cimento; pátio de tubu-
lação; pátio de carpintaria; pátio de armação; pátio de pré-moldados (eventual); pátios de
estocagem e de pré-montagem; instalação de ar comprimido; oficina mecânica.
O acesso à área de execução das obras deverá ser controlado e só deverá ser permitido às
pessoas envolvidas diretamente com a obra, sob pena de responsabilização do construtor

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em caso de acidentes a terceiros, ou mesmo danos à obra causado por estranhos.
As estradas de serviço deverão ser revestidas com brita ou cascalho, visando-se manter a
trafegabilidade durante todo o ano. Deve-se prever a rega das mesmas, visando-se evitar
nuvens de poeira causadas pelo tráfego prejudiciais a manter uma boa visibilidade.
Deverá ser prevista, também, uma área para o acampamento, próxima à obra, que deverá
apresentar condições de abrigar o pessoal envolvido na obra que
não se conseguir alojar aproveitando a infra-estrutura local (cidades vizinhas).
O dimensionamento do pessoal a ser mobilizado para a obra deverá ser elaborado com base
nos histogramas de produção e nos índices de produtividade de execução dos principais
serviços: limpeza, escavação e tratamento das fundações, produção industrial de concretos
diversos, execução de aterros compactados e montagens dos equipamentos principais.

Os esquemas de montagem dos equipamentos eletromecânicos principais das hidrelétricas


(turbina e gerador) serão variáveis em função do tipo e porte desses equipamentos e das
particularidades de cada fabricante.
É importante destacar que já na fase de construção deve-se visar o futuro, ou seja, deve-se
prever como será a operação e a manutenção do Aproveitamento Hidrelétrico.
Portanto, um item de significativa importância diz respeito à “instrumentação” de monito-
ramento das estruturas da UHE. Vejamos alguns instrumentos importantes para se acom-
panhar o desempenho de uma UHE, os quais devem ser projetados e construídos concomi-
tantemente ao desenvolvimento das obras.

1. Reservatório:
1. Deve-se prever sistemas de controle do estado geral do reservatório e das suas en-
costas, objetivando a verificação do processo de assoreamento, da contenção e re-
moção de plantas aquáticas (sistemas flutuantes, tais como o “log-boom”), bem
como de verificação da qualidade da água do reservatório e de jusante.
2. Barragem de Terra e Enrocamento – Deve-se prever instrumentação, para monitorar,
principalmente:
0. Sistema de drenagem;
1. Surgimento de água a jusante (água transparente, ou com sedimentos? cuidado
com o “piping”!);
2. Trincas, erosão, recalques e solapamentos;
3. Vegetação indesejável.
3. Barragem de Concreto e Vertedouro – Deve-se prever instrumentação, para observar:
0. Sistema de drenagem;
1. Surgimento de água a jusante;
2. Estado geral do concreto (trincas e erosão).
4. Canal Adutor – Deve-se prever sistemas para acompanhar:
0. Estado geral da grade – limpeza e reparos;
1. Estado geral da estrutura do canal

1. Tomada d’Água – Deve-se prever instrumentação, para monitorar:

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1. Estado geral do concreto (trincas e erosão);
2. Estado geral da grade – limpeza e reparos;
3. Estado geral das comportas – reparos;
4. Estado geral do pórtico/talha – lubrificação.

1. Conduto Forçado – Deve-se prever instrumentação, para averiguar:


1. Estado geral do conduto, apoios e flanges das juntas de dilatação – reparos/pintura;
2. Estado geral do leito e das canaletas de drenagem – reparos/limpeza.
2. Casa de Força- Deve-se prever instrumentação, para verificar periodica-
mente:
0. Estado geral do concreto (trincas e erosão);
1. Sistema de drenagem (poço) – limpeza;
2. Instalações.
3. Subestação – Deve-se prever sistemas de verificação do estado geral da área da plata-
forma e do sistema de drenagem (trincas e erosão).

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