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ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DA ECONOMIA COMO CIÊNCIA

SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES COM A PRÁXIS RELIGIOSA.

APRESENTAÇÃO.

Este trabalho trata-se de um compêndio sobre as principais Escolas Econômicas,


que balizaram o surgimento da economia como ciência social ao longo das
discussões sobre a questão da geração e acumulação da riqueza, no decorrer da
evolução das relações sociais de produção.
No desenrolar dessas discussões, as escolas econômicas exerceram
significativas influências sobre a estrutura produtiva dos países, fazendo gerar
conflitos sociais de profunda abrangência com conseqüências diversas, tanto no
aspecto econômico quanto nos aspectos políticos e sociais das nações.
Tais conflitos podem ser observados durante as profundas transformações
econômicas e sociais observadas no Planeta, principalmente a partir do século
XVIII, com a intensificação das atividades manufatureiras ocorridas na Inglaterra e
estendidas por toda a Europa, Estados Unidos e Japão.
Esses conflitos podem ser identificados como: as duas guerras mundiais, a
devastação e eliminação de castas sociais inteiras, a intensificação da subdivisão
de classes sociais geradas pela acumulação de riquezas, a formação de bolsões
de miséria absoluta por todos os continentes, a intensificação dos conflitos
políticos e econômicos em escala global, etc.
Nesse contexto, de maneira resumida, este estudo, busca analisar a influência
das principais escolas econômicas sobre as estruturas produtivas, que ocorreram
durante a construção da Economia como Ciência Social; mais especificamente, a
partir do período feudal.
Na medida do possível, Ele procura identificar, o cenário e o pensamento
econômico reinante, bem como a influência dos pressupostos econômicos sobre
a vida social existente em cada período distinto da história da humanidade, dando
ênfase às épocas e as tendências históricas em que o conjunto dos pressupostos
que formam as pilastras das escolas econômicas foram criados.
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Ao mesmo tempo, dentro dos aspectos políticos, sociais e econômicos, este


estudo procura identificar as características das forças de produção, além das
estratégias criadas pelas ideologias dominantes, para se perpetuarem no poder.
No aspecto religioso, a elaboração deste estudo tornou-se necessário, em virtude
da existência de várias abordagens econômicas citadas na Bíblia e que foram
apresentados na obra “As Manifestações Divinas Analisadas Sob Ótica
Científica”, de autoria do mesmo autor, e que agora são colocadas à baila para
análise.
Esses tópicos aparecem nas admoestações do Profeta Amós, no capítulo oito de
sua obra; nas de Isaías, no capítulo cinco, versículos de oito a dez; nas de São
Tiago apóstolo, no capítulo cinco; nas do apóstolo Paulo, em sua segunda
epístola à Timóteo, no capítulo vinte e dois, versículo seis; e ainda, na epístola de
São Paulo aos Romanos, no capítulo quatro, versículo também quatro; todas
apresentadas no Tomo II do presente estudo.
De acordo com essas abordagens, considera-se que, essas parábolas só poderão
ser interpretadas com maiores propriedades, se forem inter-relacionadas com os
principais pressupostos econômicos que determinaram e determinam ainda, as
relações de produção, até os dias atuais. (grifo nosso).
Essa abordagem se fará numa linguagem científica, sem fundo religioso, para que
o interessado possa ter melhor noção dos assuntos a serem discutidos em cada
capítulo, no aspecto empírico e social.
No decorrer da obra serão feitas interfaces entre algumas citações bíblicas
consideradas interessantes, com os relatos científicos, e que foram desenvolvidos
ao longo da formação da Economia como Ciência Social, para se adquirir maior
propriedade de cunho científico, nos debates a serem desenvolvidos no
desenrolar do presente trabalho.
Dessa forma, o texto ater-se-á mais nas discussões das relações de produção na
ótica da política econômica, fazendo abordagens em outros campos sociais,
sempre que necessário, de acordo com a evolução das idéias.
De maneira geral, a proposta deste estudo é fazer uma breve análise a respeito
do processo de formação das idéias econômicas que se consolidaram, ao longo
da história, e que se transformaram em base ideológica, fomentando a maneira
de pensar de toda sociedade, seja ela capitalista ou não.
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Em respeito ainda aos preceitos acima, considera-se que, o processo de


consolidação dos pressupostos econômicos se dá através da criação dos
chamados “núcleos centrais” caracterizados pelas premissas básicas, “cercados
por um cinto protetor de hipóteses auxiliares que deve suportar o impacto dos
testes”. Lakatos (1978, p. 49-52) apud Blaug (1993, p. 75). Isso, em outras
palavras quer dizer: - capacidade de resistir a críticas e premissas filosóficas
contrárias. (grifo nosso).
Nesse aspecto, é dada ênfase na análise de comportamento da relação capital-
trabalho, bem como na forma como essa relação veio se comportando ao longo
da evolução do pensamento econômico, numa abordagem dialética.
Para consolidar essa assertiva, partir-se-á da análise do período feudal,
observando como se deu o processo evolutivo da sociedade nesse estágio e, de
que forma os reflexos dessa evolução atingiram os períodos subseqüentes, tais
como: o mercantilismo, o processo transitório do mercantilismo para o
capitalismo, e por último, o surgimento do próprio capitalismo, até atingir os diais
atuais.
Como o estudo versa sobre o comportamento da relação capital – trabalho, ao
longo do processo histórico de desenvolvimento das relações econômicas de
produção, considera-se que não há melhor instrumental a ser utilizado, como
objeto de análise, do que os princípios da dialética marxista, ou mais
propriamente, do materialismo histórico, numa visão holística, em detrimento da
visão cartesiana. Isso é feito porque, assevera-se como pressuposto, que a visão
cartesiana está inserida na visão holística.
Nessa ótica, em que pese se possa fazer uma análise partindo da visão holística
para a cartesiana, uma vez que esta última está embutida na primeira,
infelizmente, não há como fazer o caminho inverso, ou seja; partir da visão
cartesiana para se chegar a uma visão holística, em virtude de que, a visão
cartesiana constitui-se apenas por pequenos fragmentos da visão holística, tendo
a dialética como instrumento norteador de análise desta última. (grifo nosso).
Essa situação, ocorre devido à complexidade de análise que envolve a visão
holística uma vez que, seus pressupostos, abrangem um raio de variáveis muito
mais complexas e intermitentes que a visão cartesiana.
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A visão cartesiana, por seu turno, é uma visão inflexível, retangular, que analisa o
comportamento das relações sociais de produção, de uma maneira estanque, por
intermédio de variáveis isoladas e funcionando como se fosse um relógio.
Na realidade não é isso que acontece com a evolução das relações de produção,
que se desenvolve, como o curso de um rio caudaloso, cheio de contornos e
afluentes, fazendo das relações de produção um complexo de envolvimentos
históricos, filosóficos, antropológicos, sociológicos e, por isso, contraditórios, mas
que porém, se ajustam num princípio comum, definido pela Escola Neoclássica,
como a necessidade e a busca por bem estar econômico e social.
Entrementes, essa busca por bem estar, diverge de acordo com o tempo, o
momento histórico, os aspectos psicológicos, sociológicos e a existência de
recursos produtivos necessários para atender a situação econômica e social, de
cada momento.
Transformar isso tudo numa visão cartesiana seria um desafio que nem os mais
bem preparados ousariam tentar; no entanto, é isso que prevalece no campo
econômico atual, onde os economistas se tornaram escravos de cálculos
matemáticos, que deveriam estes por último, serem utilizados apenas como
recursos de análise e não como instrumentos determinadores do comportamento
da economia como um todo.
Por outro lado, utiliza-se a visão holística, tendo a dialética como instrumental
básico de observações, porque se considera que, esse é o fundamento que
melhor explica o comportamento da relação capital trabalho, com todas suas
implicações e complexidades de análise, que ocorrem, ao longo da evolução do
processo econômico de produção.
Além de tudo, a dialética é um recurso que analisa o processo de produção de
maneira contínua, sem criar variáveis isoladas e muito menos, inflexíveis. Na
dialética todas as variáveis se encontram em movimento, acompanhando as
mudanças constantes nas relações de produção.
Acredita-se que, para o presente estudo, esse é o melhor instrumental que se
pode utilizar para explicar o funcionamento do sistema como um todo.
A práxis também está inserida nesse contexto. Para efeito de análise neste
trabalho, considera-se práxis, segundo visão marxista, a aplicação prática dos
aspectos teóricos nas relações de produção e distribuição das riquezas, no
campo econômico e social.
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Nesse contexto, de volta à análise da formação do esqueleto do presente estudo,


depois do breve levantamento das características básicas do feudalismo, é dada
ênfase às principais premissas econômicas do mercantilismo, vindo a seguir, a
análise dos pressupostos básicos da Escola Fisiocrática, da Escola Clássica,
Subconsumista, Marxista, Neoclássica, da Demanda Efetiva; até se prender ao
estudo das características fundamentais do capitalismo na atualidade.
Vale ressaltar ainda que, esta não é uma obra eminentemente conceitual; pelo
contrário, ela é instigadora no sentido de fazer com que o leitor passe a analisar
os aspectos abordados no presente trabalho, de maneira mais criteriosa, concisa,
crítica e objetiva considerando todos os aspectos da evolução das relações
sociais de produção, ao longo da história da humanidade.
Isso é feito para que se traga uma luz ao entendimento dos emaranhados de
acontecimentos políticos, econômicos e sociais atuais, sempre fazendo uma
ponte com as parábolas religiosas, a fim de se desvendar de maneira mais
criteriosa, o que acontece no meio científico, econômico, filosófico e porque não
religioso.
Os pontos conceituais mais abrangentes que podem ser estendidos à sociologia,
à antropologia e teoria política embora não citados, estão embutidos na presente
obra.
Para percebê-los, exige do público leitor um maior refinamento no conhecimento
desses conceitos.

O autor.
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1. Introdução aos Estudos da Economia Política

Quando se aborda temas relacionados à Economia Política, tem-se que


considerar uma série de fatores sócio-econômicos que envolvem todas as
camadas sociais que compõem a população de um país, ou de uma região.
Isso ocorre porque, os interesses são diversos, os envolvimentos dos grupos nos
conceitos econômicos são por demais complexos, o que implica em posições
ideológicas contrárias quanto a questões: da produção, da distribuição da riqueza,
da escolha do quê deve ser produzido, dos critérios para produção dessas
riquezas, etc.
Para simplificar a análise e facilitar a forma de seu estudo, a economia, além da
sua tradicional subdivisão entre macroeconomia e microeconomia, também está
subdividida em: Economia Política ou Economia Normativa e Economia Positiva.
Uma das principais características da Economia Positiva é destituí-la de qualquer
caráter ideológico, fazendo com que ela, se preocupe em analisar a natureza
como ela é.
Isso envolve análise de todos os aspectos da economia, sem exceções; a forma
como ela está constituída, sua estrutura, a análise e quantificação dos recursos
de produção existentes, a característica da população, etc.; em suma, a
Economia Positiva, é um estudo das relações de produção sem implicações
doutrinárias.
Em muitos casos, só o conhecimento da natureza econômica não basta para
explicar todos os fatos relacionados à constituição da sociedade. Assim sendo,
muitas vezes, essa análise exige que se faça a identificação da corrente
ideológica dominante, para que se tenha o diagnóstico, das relações de causa e
efeito, sobre o objeto econômico estudado, bem como a extensão de seus
reflexos à sociedade como um todo.
Em que pese haja implicações da economia positiva nesse contexto, esses
aspectos já fogem à sua realidade. É aí que entram os preceitos da Economia
Normativa ou Economia Política.
Nessa ótica a Economia Normativa procura analisar os fatos econômicos e como
esses fatos devem ser tratados, uma vez que nessa concepção, há muito de
envolvimento da ideologia sobre a estrutura do pensamento econômico reinante.
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Na maioria das vezes, não há nada de errado com os critérios da economia


positiva. Os problemas centram-se nos aspectos normativos que as elites
dominantes criam e adotam, como partes da construção da economia como
ciência social.
Assim, no desenvolver deste trabalho, esses questionamentos serão
contemplados paulatinamente, quando forem analisadas as principais premissas
das mais variadas escolas de pensamento econômico, como as escolas: clássica,
neoclássica, marxista, subconsumista, etc.
As escolas: marxista e subconsumista, embora sejam consideradas como
fazendo parte da escola clássica, serão estudadas em separado, por elas terem
surgido como críticas ao pensamento reinante de Adam Smith, Jean Baptist Say,
David Ricardo e John Stuart Mill, considerados os principais pensadores da visão
clássica tradicional.
Esse critério é adotado, como maneira de facilitar o entendimento do leitor, a
respeito dos principais questionamentos, que forem abordados, durante as
discussões realizadas.
Atualmente, a estrutura dominante pertence à burguesia, e a fundamentação do
pensamento econômico, que foi imposto por essa classe, sobre o processo de
produção é o capitalismo.
Assim sendo, o objeto de análise principal do presente estudo, passa a ser a
burguesia e sua estrutura econômica dominante fundamentada no sistema
capitalista, se atendo sempre, a análise, nos aspectos da Economia Política.
Assim, tratar como a riqueza é distribuída no meio social ao longo da história,
analisando as teorias econômicas e suas implicações sociais, em cada período, é
que passa a ser objeto do presente estudo, na ótica da Economia Política.
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2. Economia Política: Conceito, origem e evolução.

Para Gastaldi (1992, p. 3) a Economia Política é; “simultaneamente arte e


ciência”, [...] “é a ciência que trata das leis que governam a produção, a circulação
e o consumo das riquezas. Essas leis, eminentemente econômicas, pressupõem,
como é óbvia, a existência de uma atividade humana especificamente econômica.
Ademais, a Economia é eminentemente social, pois o homem não desenvolve
qualquer atividade objetivando a satisfação das suas necessidades, a não ser
dentro de uma sociedade, e com a ajuda direta ou indireta desta”.
Sandroni (2000, p. 191), considera Economia Política como a:
Ciência que estuda as relações sociais de produção, circulação, e
distribuição de bens materiais, definindo as leis que regem tais relações.
Procura também analisar o caráter das leis econômicas, sua
especificidade, seu caráter histórico e suas relações mútuas. Nesse
sentido, é uma ciência fundamentalmente teórica, valendo-se dos dados
fornecidos pela Economia Descritiva e pela História Econômica.

Os dois conceitos citados acima são mais que suficientes para definir a
importância e a abrangência da Economia Política.
Fundamentando-se nesses princípios, este estudo, se aterá nos dados fornecidos
pela História Econômica ao longo do desenvolvimento das relações de produção,
para se ter maiores recursos de análise, a fim de buscar um melhor entendimento
do que se passa pela economia política atual, compreender o papel dessa ciência
dentro da sociedade e o motivo que faz outros cientistas sociais denominarem os
Economistas de: “lacaios do governo”. (BLAUG, 1993, p. 18).
O que realmente ocorre, é que, segundo Blaug (1993, p. 17-18):
Não há muito de errado com a metodologia econômica padrão assim
como é exposta no primeiro capitulo de qualquer livro de teoria
econômica; o que há de errado é que os economistas não praticam o
que pregam.

Mas, por que os economistas não praticam o que apregoam?


Entendemos que a análise e a compreensão dessa questão, deve ser estendida
ao objetivo do presente estudo.
Para isso, essa análise será feita a partir do estudo da origem da burguesia, no
período feudal. Classe essa que implantou o capitalismo; sistema econômico que,
rege a humanidade até nossos dias.
A maioria dos economistas considera que, para se compreender o processo de
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formação da economia como ciência social, basta estudar essa ciência, a partir da
Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, no século XVIII, por intermédio da
obra, “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, publicada em 1776.
É mais que certo que a obra de Smith foi fundamental para que se implantasse
um modelo de pensamento econômico sistemático, conciso e esclarecedor a
respeito dos principais questionamentos econômicos da época.
Entretanto, ele não esgota por si só, todo o processo de evolução da teoria
econômica ao longo da história, além de conter, muitas premissas, até certo ponto
ingênuas, na versão da economia atual.
Como exemplo da assertiva acima, basta citar: a consideração de Smith a
respeito da inexistência de crises no capitalismo; a regulação do mercado pela
“mão invisível”; a existência da chamada “concorrência perfeita”; e outros
enunciados, que, voltar-se-á a comentar no momento oportuno.
Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que, a visão de excedente econômico de
Smith, só foi possível, devido a brilhante contribuição de outro grande pensador
da época, François Quesnay, que vislumbrou e definiu a criação desse
excedente, durante o processo da produção agrícola, batizado por esse último, de
“produto líquido”.
Na realidade, Smith apenas transferiu a lógica de raciocínio de criação de produto
líquido de Quesnay, que se fundamentava na produção agrícola, para as
atividades manufatureiras, rebatizando-o de excedente econômico.
A noção da criação do produto líquido de Quesnay, ou excedente econômico de
Smith foi fator fundamental para que este último criasse a teoria do valor trabalho,
o que deu base para a formulação de toda sua teoria econômica, apresentada em
sua principal obra, de cunho econômico.
Para se entender a formação do pensamento econômico atual, faz-se necessário
dar continuidade na análise das premissas básicas, das principais teorias
econômicas, que surgiram, ao longo do avanço das relações de produção.
Ao mesmo tempo, este trabalho procura ainda, demonstrar o grau de influência
exercida na economia, pelas elites detentoras do poder, e como elas ainda hoje
agem, para dominar o pensamento econômico reinante.
Independente de quaisquer ideologias dominantes ou tendenciosidades, o
presente estudo está pautado ainda, nas abordagens de (HUBERMAN, 1985,
p.07) quando este afirma:
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O ensino da história se ressente quando pouca atenção se


dispensa ao seu aspecto econômico, e a teoria econômica se
torna monótona quando divorciada de seu fundo histórico. A
“Ciência triste” continuará triste, enquanto ensinada e estudada
num vácuo histórico. A lei da renda de Ricardo é, em si, difícil e
insípida. Mas situada entre proprietários de terras e industriais, na
Inglaterra do inicio do século XIX, ela se tornará animada e
significativa.
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3 - ASPECTOS EVOLUTIVOS DAS PRINCIPAIS DOUTRINAS


ECONÔMICAS.

3.1 - A IDADE MÉDIA.

Na concepção do presente trabalho, a Idade Média é um período que se estende


da queda do Império Romano do Ocidente no Século V depois de Cristo até
meados do século XVIII.
Ainda, esse período é subdividido em vários outros sub-períodos, dentre os quais
cabe destacar: O século V até o Século IX, que corresponde ao processo de
decadência das cidades da Europa Ocidental e o crescimento das atividades no
campo.
O Século IX até o Século XV, caracterizado pelo predomínio das atividades no
campo, que corresponde ao Período Feudal, e o seu auge, que vai do Século XII
até o Século XIV.
O Século XV até o Século XVIII, marcado pelo período mercantil.
Quanto à subdivisão da época medieval em estágios distintos, cabe observar que,
a origem do período feudal está intercalada ao processo de decadência das
cidades européias.
Esse processo se deu de forma lenta e somente se intensificou, a partir do
momento em que a Igreja se transformou na base política-religiosa das cidades
européias passando a determinar, quais eram as atividades que poderiam ser
realizadas ou não, coibindo as práticas que ela considerava pecaminosas.
A transição da queda das cidades e a intensificação das atividades no campo ao
mesmo tempo em que se contrastam também se misturam, uma vez que ambos,
se deram de maneira concomitante, fazendo com que a subdivisão do período
medieval só é considerada, como referencial de análise, a fim de facilitar o
entendimento do processo dialético do materialismo histórico.
No Século XVIII, passa a prevalecer na Europa, o Sistema Capitalista, surgido a
partir da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra em 1776, decorrente da
descoberta da máquina a vapor marcando o fim do período medieval.
Na ótica econômica, esse período coincide com a publicação, pela primeira vez,
da obra de Adam Smith, denominada “A Riqueza das Nações”, que é considerado
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o primeiro trabalho de cunho fundamentalmente científico-econômico e que


possibilitou, a transformação da Economia, numa ciência social.
Para o presente estudo é considerado apenas o período que parte do Século V,
caracterizado pelo início da queda das cidades, até a primeira metade do Século
XX, marcada pela obra de John Maynard Keynes, “A Teoria Geral do Emprego do
Juro e da Moeda” publicada em 1936.
Dentro dessas propostas são analisados apenas os pilares das mais variadas
escolas econômicas que surgiram, em virtude dos exaustivos debates em torno
das relações sociais de produção e que serviram de sustentação, para tornar a
Economia na ciência social mais refinada, complexa e brilhante da atualidade.

3.1.1 – Da cidade para o campo (Século V ao Século IX).

Da queda do Império Romano, no Século V, depois de Cristo, até o Século IX, a


base da economia se encontrava nas cidades e nas conquistas militares de Roma
Antiga.
Até meados do século V, as conquistas militares, além da subjugação dos povos,
permitiam aos romanos se apropriarem de toda riqueza encontrada, por
intermédio de pilhagens e outros tipos de coerções, principalmente pelo
estabelecimento de leis que regulamentavam a cobrança de impostos e taxas, em
troca de proteção.
Depois da queda do Império Romano do Ocidente no Século V, a vida nas
cidades parece que desapareceu como se fosse por passe de mágica. São
poucas as obras que falam dessa transição da base econômica, das cidades
romanas para o campo, durante o período feudal.
Entretanto, para que melhor se possa entender e interpretar esse período,
encaixando-o no processo dialético, essa análise é fundamental.
Na realidade, “as cidades se desenvolveram por toda a Europa. Muitas eram
muradas como medida de proteção. (A palavra town, da língua inglesa, significava
originalmente ‘cerca’, ‘cercado). Essas cidades eram até certo ponto auto-
suficientes, com ofícios e artesanato, mercadores e atividade comercial e de
transações bem desenvolvida”. (BELL, 1976, p. 67).
A vida nas cidades permaneceu ativa, até meados do século IX. O que provocou
a mudança da base econômica na sociedade medieval da época, da cidade para
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o campo, foi um novo fato, caracterizado pela rápida ascensão do catolicismo,


como religião predominante, o que afetou profundamente, a vida dos povos da
Europa na época.
Como a Igreja se tornou a principal força religiosa e social na Europa, trazendo
com ela novos dogmas e novas imposições religiosas.
A base da filosofia da Igreja católica era a abstinência da usura, da avareza, da
ganância, das atividades do comércio etc; isso porque, essas atividades
econômicas que formavam as bases da sociedade da época, eram consideradas
como pecaminosas.
Assim, “Seus habitantes eram freqüentemente impedidos em suas atividades
comerciais por um superior ou bispo em cuja jurisdição residissem” 1.
No século VIII, os bispos, cujas catedrais geralmente se localizavam em
uma cidade, exerciam completa soberania sobre o povo e suas terras.
Quando o comércio praticamente desapareceu no século IX,
desapareceram os últimos sinais de vida para as cidades, com seus
organismos autônomos, e elas caíram sob o controle absoluto dos
bispos. Os habitantes eram mais ou menos dependentes da Igreja, e os
bispos tinham poderes tanto temporais como espirituais. (BELL 1976, p.
67).

Quem praticava tais atividades eram taxados de hereges e punidos severamente


pela igreja, uma vez que esse tipo de prática era considerado pecado, um ato
ofensivo a Deus. A Igreja costumava excomungar as pessoas que praticassem a
atividade de comércio.
A proposta da Igreja era estabelecer uma base social e econômica na Europa, de
forma semelhante, à da sociedade judaica, descrita na Bíblia.
Bell (76, p. 27) argumenta que “a maioria dos personagens do Antigo Testamento
dedicavam-se à agricultura e não à indústria e ao comércio”.
Como se não bastasse isso, Bell (76, p. 67), ainda argumenta que “nos séculos X,
XI e XII, houve uma luta quase constante entre a populaça (sic) e o superior ou
bispo, pela obtenção de privilégios e até de independência ou de entidades
políticas independentes”.
Essa luta, traduzia-se pelo estabelecimento de leis cada vez mais severas à
população das cidades, que tinham como objetivo aumentar as receitas para as
classes dominantes (igreja, juízes e fidalgos), por intermédio da cobrança de
impostos, taxas, dízimos, além de proibições de atividades consideradas
1
Op cit.
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pecaminosas.
Tais fatores associados tornaram a vida nas cidades insuportável, o que obrigou a
população local, principalmente as pessoas mais abastadas que se dedicavam às
atividades do comércio e produção artesanal, a se transferirem para o campo,
para viverem da agricultura, onde ali, as leis baseadas em imposições severas
eram mais brandas ou, praticamente não existiam.
A intensificação da transferência da população mais abastada para o campo -
como forma de fugir das opressões econômicas e políticas, exercidas por
intermédio de imposição de leis cada vez mais absurdas, de toda natureza e para
todos os objetivos, principalmente para aumentar receitas e garantir regalias à
igreja e aos governantes - provocou o aumento do arrendamento de terras dos
nobres e da própria Igreja, para os novos habitantes, fazendo crescer o número
dos feudos e da população do campo.
A migração brusca da população mais abastada, da cidade para o campo, por
conseguinte, provocou mudanças significativas na vida campal, e com isso, a
base da formação da riqueza econômica, que antes era centrada nas cidades se
transferiu também para o campo.
O feudalismo, que apareceu na Europa Ocidental no transcurso do
século IX, representou a volta da sociedade a uma existência rural. Os
senhores de terra tenderam a se transformar em grupos sem lei e
tornaram-se independentes dos reis. Foi a época da fundação de
grandes Estados. Tais propriedades existiram no Império Romano e em
outros Estados anteriores como a Gália e a Alemanha; contudo as
propriedades com grandes terras e seus dependentes, da Idade Média,
trouxeram significativas mudanças econômicas e sociais com
conseqüências de grande alcance. As unidades eram em sua maioria
auto-suficientes, sendo o comércio e as transações reduzidos a uma
insignificância. [...] Foi o fato de o povo depender do proprietário da terra
o que fez deste um pequeno soberano. Os senhores da terra se
converteram cada vez mais nos verdadeiros dirigentes do povo porque
os reis não os podiam controlar. (BELL, 1976, p. 66).

Foi assim que a propriedade da terra e sua exploração se transformaram com o


decorrer do tempo, na base da riqueza da sociedade feudal. (grifo nosso).
Na sua concepção, Bell (1976, p. 66), considera que embora com a transferência
do poder econômico das cidades para o campo, o que evitou uma situação de
completa anarquia, promovida pela falta de leis no campo, foi a auto-suficiência
dos feudos e a capacidade dos senhores feudais criarem leis locais, para evitar a
bagunça generalizada, uma vez que tanto os reis quanto os estados perderam a
capacidade de organizar a sociedade da época, controlar os fluxos de recursos e
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manter uma política de ordem na sociedade da época.


Finalmente, passavam a dirigentes praticamente independentes que
faziam as suas próprias leis. Dessa maneira o sistema feudal se tornou
um substituto do governo, garantindo um mínimo de lei e de ordem. No
final o feudalismo declinou, surgindo os Estados fortes. A despeito de
suas muitas características indesejáveis, o feudalismo salvou a Europa
Ocidental da anarquia e ao fazê-lo, estabeleceu uma base para o
desenvolvimento do governo moderno. (BELL, 1976:66).

Para Bell, não foi a quantidade excessiva de leis e a pressão exercida pelos
governantes e bispos por intermédio de proibições, taxações e obrigações
diversas, sobre os habitantes das cidades, para obter maiores receitas, que
fizeram com que estes últimos, se transferissem para o campo, levando consigo a
base da riqueza econômica.
Embora defensor dessa idéia, Bell não explicita os verdadeiros motivos que
motivaram a transferência dos habitantes mais abastados da cidade para o
campo.
Diferentemente de Bell, a história não deixa dúvidas de que, realmente, o que
provocou a transferência da população abastada da cidade para o campo, foi o
excesso de leis criadas para garantir a legalidade da elevação da carga tributária,
aumento de taxas, e outros tipos de pressões econômicas e sociais visando
financiar os excessos praticados pela Coroa, pela aristocracia e pela Igreja.
É justamente sobre essa última versão que o presente estudo ganha corpo e
ainda considera que; por conseguinte, novamente, foram os excessos de leis
embasadas em obrigações, pressões, cargas tributárias, imposições, visando
garantir regalias, criadas pelos senhores feudais que, também, motivou a queda
do regime feudal, e o ressurgimento das novas cidades, como será visto em
páginas posteriores da presente obra. (grifo nosso).
A lei do homem, no decorrer da história, sempre foi utilizada como um instrumento
de coerção, de arbitrariedades, utilizadas pela classe dominante, para transformar
uma ilegalidade numa legalidade, por intermédio de instrumentos éticos. Assim, o
excesso de lei se transforma num obstáculo ao desenvolvimento econômico e
social, garantindo o interesse apenas dos mais abastados. (grifo nosso).
O apóstolo Paulo que afirma que:
Sabemos, pois que a lei é boa, para aquele que usa dela legitimamente:
sabendo isto, que a lei não foi posta para o justo, mas para libertinos e
desobedientes, para os ímpios, e pecadores, para os irreligiosos e
profanos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas. Para os
devassos, sodomitas, roubadores de homens, para os mentirosos e
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perjuros, e para tudo o que é contra a sã doutrina. (PRIMEIRA


EPÍSTOLA DE SÃO PAULO A TIMOTEO. Cap. 01. Vers. 08 –10).

De acordo com São Paulo, a lei dos homens só foi criada para agrilhoar o
indivíduo, tornando-o escravo dos interesses dos grupos hegemônicos,
principalmente para aqueles que vivem de rendas. Sendo assim, a lei do homem
não tem sentido no meio social, onde prevalece a justiça do espírito, da fé da
caridade e do trabalho sincero, honesto e virtuoso.
Mais à frente, São Paulo ainda assevera:
Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. Tudo me é permitido,
mas eu de ninguém me farei escravo. (PRIMEIRA EPÍSTOLA DE SÃO
PAULO AOS CORÍNTIOS. Cap. 06. Vers. 12).

Por enquanto, a observação de São Paulo apóstolo, tem-se mostrado coerente no


aspecto dialético, com o desenrolar da história da humanidade, pelo menos, no
que concerne à época medieval, correspondendo à queda das cidades.
De maneira objetiva, pode-se dizer que, os fatos históricos observados no
aspecto dialético, durante toda a vigência do período medieval, no que concerne à
queda das cidades, só fazem reforçar as argumentações do Apóstolo Paulo.
De acordo com a concepção do mesmo Apóstolo, a lei é o principal instrumento
de coerção utilizado pelo homem. Assim sendo, o ser humano só consegue
subjugar seu semelhante, por intermédio desse instrumento. (grifo nosso).
É por isso que São Paulo afirma que, “jamais ele será escravo de alguém”, uma
vez que, ele não vivia segundo as leis dos homens e sim, segundo as leis do
Senhor ou do espírito, que se baseia no princípio de “amar a Deus sobre todas as
coisas e ao irmão como a ti mesmo”. (grifo nosso).
Analisar-se-á a mesma hipótese, aplicada já no processo que estuda a formação
e decadência do regime feudal, no aspecto dialético, a ser abordado no capítulo a
seguir.
17

3.1.2 – O Feudalismo: conceito, origem e evolução.

Feudalismo pode ser definido como o sistema econômico-social que resultou da


queda do Império Romano no Século V, da decadência das cidades, e do fim do
sistema escravocrata, ocorrido na Europa, que se estendeu “até a queda de
Constantinopla nas mãos dos turcos otomanos, no século XV”. (CÁCERES, 1993,
p. 62).
Segundo Sandroni (2000, p. 237), o sistema feudal atingiu seu apogeu entre os
séculos XI e XIV.
A sociedade nesse período era subdividida em: nobreza, clero, camponeses e
vilões. A nobreza, por conseguinte, era subdividida em: suseranos e vassalos.
Os suseranos eram os proprietários de terras que podiam, através de acordo,
transferir os feudos para outros nobres. Nesse caso, os nobres que recebiam as
terras passavam a serem denominados de vassalos.
Os acordos entre suseranos e vassalos nada mais eram que vínculos de
assistência mútua. Nesse caso, os vassalos tinham o dever de apoiar os
suseranos em todas as suas empreitadas, principalmente guerras, além de pagar
taxas de arrendamento e impostos. Ao mesmo tempo, os suseranos tinham por
obrigação proteger os vassalos em caso de conflitos e outros tipos de pressões
externas, que porventura estes viessem a sofrer.
O clero, também era detentor de grande quantidade de terras e se subdividia
ainda em: alto clero e baixo clero. O alto clero era composto por autoridades
eclesiásticas que podiam ascender ao papado.
Já o baixo clero era composto de religiosos pertencentes às famílias mais
humildes, que abandonavam a vida material para ajudar os mais pobres,
passando a viver única e exclusivamente do que a natureza lhes oferecia.
Os camponeses ou servos eram considerados parte dos feudos, tinham que
prestar serviços aos senhores feudais em troca de proteção, segurança e
alimentação.
(HUBERMAN, 1985, p. 16) afirma que, havia vários graus de servidão nos feudos,
tornando difícil aos historiadores delinear as diferenças entre os diversos tipos.
O mesmo autor (p.16) subdivide ainda, a classe servil em: Servos de domínio;
servos fronteiriços e os aldeões.
Os servos de domínio, “viviam permanentemente ligados à casa do senhor e
18

trabalhavam em seus campos durante todo o tempo, não apenas por dois ou três
dias na semana” 2.
Os servos fronteiriços eram camponeses muito pobres “que mantinham pequenos
arrendamentos de um hectare, mais ou menos, à orla da aldeia”. 3
Os aldeões por sua vez, “que nem mesmo possuíam um pequeno arrendamento,
mas apenas uma cabana e deveriam trabalhar para o senhor como braços
contratados, em troca de comida” 4.
No aspecto puramente econômico, pode-se considerar que a sociedade feudal
compreendia apenas três classes principais: a dos sacerdotes, guerreiros e
trabalhadores, estes últimos considerados como “o homem que trabalhava
produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar”. Huberman (85, p.
11).
(CÁCERES,1993, p. 66) afirma que:
A sociedade feudal era caracterizada por uma imobilidade social, onde
cada grupo possuía uma honra específica. O clero criou a ideologia das
três ordens: os clérigos, os senhores leigos e os produtores, cada qual
exercendo uma função específica para manter o corpo social,
considerado uma criação divina. Os primeiros oravam, os segundos
guerreavam e mantinham a ordem através das armas e os terceiros
trabalhavam. A igreja criava, dessa forma, uma justificativa de caráter
religioso para a desigualdade social.

Ainda existiam os vilões, que eram um tipo de servo especial. Os vilões possuíam
“privilégios pessoais e econômicos. Distanciavam-se muito dos servos, na estrada
que conduz à liberdade, gozavam de maiores privilégios e menores deveres para
com o senhor”. (HUBERMAN, 1985, p. 16).
Além disso, sobre os trabalhadores, considerados como classes inferiores,
“compostos por camponeses, vilões e livres, recaíam todos os impostos”.
(BARSA, CD. 2004).
Huberman (85, p. 14), ainda assevera que:
O camponês vivia numa choça do tipo mais miserável. Trabalhando
longa e arduamente em suas faixas de terra espalhadas (todas juntas
tinham, em média, uma extensão de 6 a 12 hectares, na Inglaterra, e 15
a 20, na França), conseguia arrancar do solo apenas o suficiente para
uma vida miserável. Teria vivido melhor, não fora o fato de que, dois ou
três dias por semana, tinha que trabalhar a terra do senhor, sem
pagamento.

2
Op. cit.

3
Idem.
4
Ibidem.
19

Ainda, como estratégia de enriquecimento, via busca do aumento da arrecadação


de impostos, obtenção de rendas extras, garantia de proteção e fortalecimento de
seu exército, os senhores feudais costumavam utilizar-se da propriedade da terra,
fazendo arrendamentos e concessões de direitos do seu uso, aos vassalos.
O papel do rei era eminentemente decorativo, considerado e respeitado apenas
como suserano dos suseranos e tidos ainda, como elo de ligação entre os
cristãos, considerados pessoas comuns e o alto clero. “Não havia um governo
forte na Idade Média capaz de se encarregar de tudo. A organização, no todo,
baseava-se num sistema de deveres e obrigações do princípio ao fim”.
(Huberman, 85, p. 18).
Podemos considerar que, o poder no período feudal era descentralizado, variando
de feudo para feudo, onde os senhores feudais mais fortes e organizados é que
determinavam as regras básicas de domínio.
Dessa maneira, os reis, não tinham praticamente força econômica ou política
absoluta, ficando estas características, concentradas nas mãos dos senhores
feudais e do clero.
Aos servos praticamente não cabiam direitos, mas apenas obrigações, para com
os seus senhores.
Uma das únicas vantagens atribuídas aos servos se baseava no direito de
proteção, mas que na maioria das vezes, eram ignoradas pelos nobres, que, por
conseguinte, restringia sua preocupação, em apenas aumentar a exploração
desses camponeses, a fim de acumularem mais riqueza.
(DOBB, 1977, p. 60 – 61) comenta que:
A fonte da qual a classe dominante feudal extraia a sua renda, e a única
pela qual ela podia ser aumentada, era o tempo de trabalho excedente
da classe servil, além daquela que se fazia necessário para prover à
própria subsistência dela. Com o estado baixo e estacionário da
produtividade de trabalho nessa época, pouca margem restava para a
qual esse produto excedente pudesse ser aumentado e qualquer
tentativa de fazê-lo tendia a ser à custa do tempo dedicado pelo produtor
ao cultivo de sua própria e modesta terra, levando logo a sobrecarregar
sua força além de limites humanos, ou então reduzir sua subsistência
abaixo do nível de uma existência animal [...] Nas palavras de um autor
francês, ‘para o cavaleiro ou barão o camponês, servo ou livre, era
apenas uma fonte de receita; em tempo de paz eles o oprimiam em casa
tanto quanto podiam, com impostos e corvéias, e na guerra, nos
territórios estrangeiros, eles o pilhavam, assassinavam, incendiavam e
esmagavam... O camponês era a criatura a explorar no país e a destruir
no exterior, e nada mais’ [...] ‘não há uma só palavra de piedade para os
camponeses cujas casas e colheitas são queimadas, e que são
massacrados às centenas, ou levados com pés e pulsos agrilhoados’. O
vilão, que por toda parte encontramos desprezado como criatura inferior,
20

não é tomado absolutamente como um fim da política, mas apenas


como instrumento e meio de enriquecimento de seus senhores.

Quanto às feiras, vilas e depois cidades, estas foram criadas em volta dos
castelos ou muros das cidades mais antigas, que tinham entrado em decadência
em períodos anteriores, mais especificamente; do século V ao século IX,
conforme observado anteriormente.
De maneira dedutiva, esse período caracteriza-se por apresentar uma vida
campal, onde a economia se fundamentava na exploração e na propriedade da
terra. Assim sendo, as atividades no campo era a base da riqueza econômica do
sistema feudal.
Assim, o nível de riqueza da população da Europa, na época, passou a ser
determinada pela quantidade de feudos, possuído por cada nobre. Quem
detivesse a maior quantidade de feudos, era considerada a classe social mais
abastada. Dessa maneira, a posse da terra, se transformou no maior objeto de
cobiça, em toda a Europa Ocidental e Central.
Isso porque, além de ser a base da riqueza, os feudos eram auto-suficientes,
produzindo praticamente tudo que o proprietário precisasse para sua
sobrevivência.
Huberman (1985, p. 19) nos conta que; “a terra e apenas a terra era a chave da
fortuna de um homem”.
Assim, a demanda por terra, se elevou de maneira extraordinária, por
praticamente toda a Europa.
Os senhores feudais, para aumentarem seu nível de riqueza, procuravam adquirir
e arrendar para os vassalos, a maior quantidade de feudos possível.
Alguns nobres possuíam vários feudos, outros alguns domínios, e outros
um número de feudos espalhados por lugares diferentes. Na Inglaterra,
por exemplo, um barão rico tinha propriedades formadas de cerca de
790 arrendamentos. Na Itália, vários grandes senhores possuíam cerca
de 10 mil feudos. (HUBERMAN, 1985, p. 19).

Assim, os séculos XI e XII, considerados o auge do período feudal,


experimentaram um surto de crescimento e desenvolvimento extraordinário,
sendo que, o século X - século do domínio total da Igreja - foi caracterizado por
“um período de paz e lenta recuperação” (Bell, 1976, p. 67).
A população do campo nesse período apresentou um crescimento significativo,
principalmente por parte das classes mais abastadas.
Como a posse da terra era o fator fundamental para a determinação do nível de
21

riqueza de cada proprietário de terras, e as atividades de comércio estavam


proibidas nas antigas cidades, a concorrência pela obtenção de terra, se tornou
cada vez mais acirrada.
Entretanto, a simples posse da terra, não era o único fator de determinação da
riqueza. Consorciado com a posse da terra, para efetivarem seu grau de riqueza,
os nobres tinham que fazer esses feudos produzirem de alguma forma.
Uma das maneiras de traduzirem a posse da terra em riqueza efetiva, era
arrendarem essas terras aos vassalos, em sua maioria, oriundos das cidades em
estágio de decadência.
O reflexo da concorrência generalizada entre os senhores feudais pela posse da
terra e sua exploração, resultou em situação de conflitos sob forma de guerras
internas, que marcaram todo esse período.
Huberman (1985, p. 19), afirma que “para vencer as guerras, era preciso aliciar
tanta gente quanto possível, e a forma de fazê-lo era contratar guerreiros,
concedendo-lhes terra em troca de certos pagamentos e promessa de auxílio,
quando necessário”.
Como a base da riqueza econômica se transferiu das cidades para o campo, os
níveis de pressão daqueles que viviam de rendas, principalmente a Igreja, os
nobres e a aristocracia estéril, que bajulavam a Coroa em troca de privilégios,
também se transferiu da cidade para o campo.
Uma das formas de fazer tal pressão foi por intermédio, novamente, da criação e
regulamentação de leis. Essas leis se tornavam cada vez mais severas,
impositoras e unilaterais à medida que os senhores feudais sentiam a
necessidade de aumentar suas receitas, ampliarem seus exércitos e
conquistarem novas terras, principalmente sobre os vassalos, e estes, por
conseguinte, sobre os camponeses.
Dobb (1977, p. 63), argumenta que “as necessidades da classe feudal dominante
no sentido de uma renda crescente exigiam uma pressão maior e novas
exigências sobre os produtores. Em primeiro lugar, havia uma tendência (que
parece ter operado com mais vigor no continente do que na Inglaterra) para que o
número de vassalos se multiplicasse, por um processo chamado subenfeudação,
para fortalecer o poderio militar dos senhores maiores”.
Por seu turno, Huberman (1985, p. 19), corroborando com as palavras de Dobb,
afirma ainda que; “à medida que o tempo corria, as propriedades maiores tendiam
22

a ser divididas em arrendamentos menores, mantidos por um número cada vez


maior de nobres de uma linhagem ou de outra. Por que? Simplesmente porque os
senhores descobriram a necessidade de ter tantos vassalos quantos pudessem, e
a única forma de o conseguir era cedendo parte de sua terra”.
Os vassalos, por conseguinte, pressionados pelos suseranos, transferiam a
responsabilidade pela geração da riqueza para os camponeses, por intermédio da
exploração cada vez mais severa do trabalho destes últimos.
Dobb, (1977, p. 3) ainda complementa:
Combinado ao crescimento natural das famílias nobres e a um aumento
no número de dependentes, isto aumentava as dimensões da classe
parasítica que tinha de ser sustentada pelo trabalho excedente da
população servil. Acresciam-se a isto os efeitos da guerra e banditismo,
que podiam ser quase tomados como partes integrantes da ordem
feudal e aumentavam as despesas das casas feudais e da Coroa ao
mesmo tempo em que espalhavam o desperdício e devastação pelo
país. Enquanto a tributação e pilhagem diminuíam as forças produtivas,
as exigências feitas ao produtor aumentavam.

Outro problema sério que passou a ocorrer no período feudal, como forma de
aumentar a riqueza da nobreza, foi a busca por aumento da produção no campo.
Esse novo fato provocou uma redução paulatina da produtividade das terras,
levando-as quase à exaustão.
Indiferentes a isso, os senhores feudais faziam exigências e mais exigências aos
servos por aumento de produção tornando a vida da classe camponesa
insustentável.
Essas pressões provocaram as fugas dos trabalhadores de toda natureza - seja
vassalo, trabalhador livre ou servo - dos feudos para as feiras, que
posteriormente, se transformaram em vilas, o que ao longo do tempo, em função
do seu crescimento e importância, transformaram-se novamente, em cidades.
De acordo com Maurice Dobb (1977:64):
O resultado dessa pressão maior foi não só exaurir a galinha que punha
ovos de ouro para o castelo, mas provocar pelo desespero, um
movimento de emigração ilegal das propriedades senhoriais — uma
deserção maciça por parte dos produtores, que se destinava a retirar do
sistema seu sangue vital e provocar a série de crises nas quais a
economia feudal iria achar-se mergulhada nos séculos XIV e XV. A fuga
dos vilões que deixavam a terra muitas vezes assumia proporções
catastróficas tanto na Inglaterra quanto em outros lugares, e não apenas
servia para aumentar a população das cidades crescentes, como e
principalmente no continente contribuía para a continuação das
quadrilhas de proscritos da vagabundagem e jacqueries periódicas.

Esses acontecimentos, no período feudal, induzem à novos questionamentos,


23

como por exemplo: - quais fatores novos, levaram ao aumento da exploração da


nobreza sobre os camponeses, por intermédio da criação de leis cada vez mais
severas e outros tipos de coerções?
As respostas plausíveis a essa indagação são basicamente duas:
1º) a invasão da Europa pelos muçulmanos, seguidores de Maomé.
2º) a ascensão e o fortalecimento de uma nova classe social extremamente forte,
no caso, a burguesia, que surgiu das camadas inferiores no período feudal.
Esses são fatores cruciais que provocaram mudanças nesse período, provocando
sua decadência, e o conseqüente surgimento do mercantilismo, que se
transformou na base da riqueza econômica da nova elite, no caso, a burguesia,
como será visto, no subitem seguinte. (grifo nosso).

3.1.3. – Do Campo para as Cidades: o Surgimento da Burguesia.

O imobilismo econômico da Europa Ocidental foi severamente afetado pela


invasão dos seguidores de Maomé, no início do século VIII.
BELL (1976, p. 67) relata que as invasões dos muçulmanos na primeira metade
do século VIII, no sul da Europa, e o controle do Mediterrâneo por parte destes,
provocaram mudanças significativas na rota das atividades econômicas e na vida
das cidades dessa parte do continente europeu.
Nesse período, como já visto, as atividades de comércio em larga escala eram
consideradas pecaminosas, e a base da formação da riqueza econômica era o
cultivo da terra, que estava centralizada, nas mãos dos senhores feudais.
Esses fatores representavam um sério obstáculo ao desenvolvimento das
atividades do comércio, que de maneira muito debilitada, se concentrava nas
mãos dos bispos e de alguns nobres. (HUBERMAN, 85, p. 26).
Por seu turno, cabe salientar que, um dos resultados da invasão árabe foi o
controle das rotas das atividades de comércio pelo Mediterrâneo e também o
domínio do acesso ao Oceano Atlântico por parte destes.
Assim, para evitar confrontos com os árabes, a rota de comércio dos europeus foi
transferida para o interior do continente, o que possibilitou ao longo tempo, o
surgimento, crescimento e desenvolvimento das cidades interioranas, em torno
dessas rotas.
No entanto, as rotas comerciais interioranas, que surgiram, praticamente de
24

maneira forçada, não eram das mais seguras e de fácil acesso.


Huberman (1985, p. 26), nos conta que as estradas interioranas constituíam um
sério obstáculo ao desenvolvimento do comércio. Isso, porque as mesmas eram
“estreitas, mal feitas, enlameadas e geralmente inadequadas às viagens”.
Além de tudo, elas “eram compostas por duas espécies de salteadores –
bandidos comuns e senhores feudais que faziam parar os mercadores e exigiam
que estes pagassem direitos para trafegar em suas estradas abomináveis”.
(HUBERMAN, 85, p. 26).
Ao mesmo tempo, no período feudal, como a base da formação da riqueza
econômica se encontrava na exploração da terra, e, como eram os camponeses
que sustentavam de maneira forçada as classes mais abastadas, a retirada direta
destes do trabalho no campo, significava diminuição de mão-de-obra qualificada,
o que reduzia, a margem de excedente gerado pela classe servil, causando
impacto negativo na acumulação da riqueza, por parte dos senhores feudais.
Ainda insatisfeitos com o nível de acumulação obtida, para aumentar o seu
poderio sobre o sistema, os senhores feudais criavam leis cada vez mais severas,
procurando dessa forma, impedir a liberdade da classe servil e “legalizando” o
aumento de parasitismo sobre estes últimos.
Como era impossível a ascensão social no período feudal, a responsabilidade
pelo transporte das mercadorias, recaía sobre a classe mais pobre, que estava
situada na base da pirâmide social, e eram consideradas apenas porque existiam,
no caso; os aldeões ou “pés descalços”, como já visto.
Então, sendo assim, a responsabilidade pelo transporte das mercadorias foram
repassadas para os pés descalços, que realizavam esse tipo de serviço, em troca
de alimento, proteção e outros tipos de assistência.
Infelizmente, ainda para essa classe servil, o simples transporte das mercadorias
não representava nenhuma melhoria para sua situação econômico-social.
Durante o trajeto, em virtude da atuação dos ladrões que roubavam as
mercadorias, e dos próprios senhores feudais, que cobravam pedágios nas
estradas, para permitir a passagem por suas terras; costumeiramente, os pés
descalços eram roubados e até massacrados.
Além disso, mesmo que fossem apenas roubados, tendo a sorte de não perderem
a vida durante as viagens; quando chegavam ao destino, caso estivessem sem as
mercadorias ou parte delas, esses eram severamente punidos pelos seus
25

senhores.
Com o decorrer do tempo, já sabendo do seu fim, caso perdessem as
mercadorias nas viagens, os pés descalços passaram, eles próprios, a roubar as
mercadorias e fugir com o fruto do roubo, para outras regiões da Europa, se
tornando ambulantes e formando quadrilhas de proscritos.
Em muitos outros casos, alguns pés descalços inclusive, se associavam com
ladrões para desviarem as próprias mercadorias que transportavam.
Outros grupos de pés descalços, depois de terem acumulado certa quantidade de
mercadorias, fugiam para outros feudos, onde procuravam vender o produto do
roubo, nos cruzamentos das estradas, nas feiras, depois vilas; à beira dos
castelos, nos pés das muralhas das antigas cidades, fazendo surgirem novas
levas de comerciantes ambulantes, no período feudal.
HUBERMAN, (85, p. 35), nos conta que:
Se é de fato que as cidades crescem em regiões onde o comércio tem
uma expansão rápida, na Idade Média temos de procurar cidades em
crescimento na Itália e Holanda. E é exatamente onde elas surgiram
primeiro. À medida que o comércio continuava a se expandir, surgiam
cidades nos locais em que duas estradas se encontravam, ou na
embocadura de um rio, ou ainda onde a terra apresentava um declive
adequado. Tais eram os lugares que os mercadores procuravam. Neles,
além disso, havia geralmente uma igreja, ou uma zona fortificada
chamada ‘burgo’ que assegurava proteção em caso de ataque.
Mercadores errantes descansando nos intervalos de suas longas
viagens esperando o degelo de um rio congelado, ou que uma estrada
lamacenta se tornasse transitável outra vez, naturalmente se deteriam
próximo aos muros de uma fortaleza, ou à sombra da catedral. E como
um número cada vez maior de mercadores se reunia nesses locais,
criou-se um ‘faudeburg’ ou ‘burgo extramural’. E não demorou muito
para que o arrabalde se tornasse mais importante do que o próprio
burgo antigo.

Foi assim, que surgiram as feiras durante o período feudal e que, mais tarde, se
tornaram cidades. Para esse processo evolutivo, a atividade do comércio foi
fundamental. (grifo nosso).
De início, os senhores feudais ignoravam as fugas dos pés descalços e mais
tarde burgos, porque estes além de serem considerados insignificantes, não
trabalhavam diretamente nas atividades agrícolas, que era a atividade que
realmente gerava riquezas.
Além de tudo, os senhores feudais eram muito abastados para se importarem
com o roubo de um pouco de mercadorias, por parte dos pés descalços, uma raça
estéril e, portanto, descartável.
Mesmo assim, quando estes eram pegos em flagrante, conforme visto, eram
26

imediatamente executados da pior maneira possível, tanto por parte dos senhores
feudais, como por parte da Igreja.
Em virtude da intensificação das pressões exercidas pelos senhores feudais,
igreja e reis, os servos passaram a acompanhar os pés descalços, em suas
fugas, fazendo aumentar o número de vendedores ambulantes e habitantes das
vilas e depois cidades, que passaram a existir pela Europa inteira.
Outro fator interessante a observar, foi a aproximação entre os pés descalços e
os comerciantes árabes, seguidores de Maomé. Como parte da Europa Ocidental
foi conquistada por estes últimos, houve, de certa forma, uma incorporação dos
costumes árabes pela região da Europa conquistada, principalmente por Portugal
e Espanha, com destaque para as atividades de comércio, que era praticada em
larga escala pelo povo muçulmano.
Acostumados a comercializar, os árabes ensinaram as principais técnicas de
comercialização aos pés descalços, que estenderam a prática dessa atividade,
por toda a Europa.
Com o tempo, a intensificação das atividades de comércio transformou as feiras
em burgos e depois cidades, o que facilitou a fixação dos aldeões ou pés
descalços nestas, transformando estes, em comerciantes e depois, burgueses.
De início, as atividades de comércio eram ignoradas pela sociedade feudal,
principalmente porque não era a base da formação da riqueza econômica da
época, e sim a posse e o cultivo da terra. Além de tudo, as atividades de
comércio, eram praticadas por grupos considerados como proscritos e
vagabundos, o que a tornava uma atividade isenta de leis que as regulamentasse
isentado-a assim livre de quaisquer impedimentos.
Assim, os pés descalços e depois burgos, ficavam livres para praticarem a
atividade de comércio fazendo este ofício crescer, intensificar e se alastrar por
toda a Europa, gerando rendas extras e conseqüente acumulação de capital.
Assim, como resultado dessa atividade, foi criada pelo interior de toda a Europa
Ocidental, cidades que se destacavam pela liberdade e pela intensificação do
comércio realizada pelos seus habitantes, os burgueses, nova classe ascendente
e que, antes, eram denominados simplesmente de “pés descalços”. (grifo nosso).
A liberdade, o desejo de fuga dos pesados impostos praticados no campo, fez
com que grande parte da população, principalmente servos e vassalos, fugisse
para as cidades aglomerando-as de todo tipo de cidadãos.
27

A população das cidades queria liberdade. Queria ir e vir quando lhe


aprouvesse. Um velho provérbio alemão, aplicável a toda a Europa
Ocidental, Stadtluft macht frei (‘O ar da cidade torna um homem livre’),
prova que obtiveram o que almejavam”. (HUBERMAN, 1985:37).

Os únicos obstáculos às atividades do comércio, no início eram, além das


distâncias, as condições de transporte e comercialização dos frutos dos roubos
realizados pelos pés descalços.
O crescimento das cidades e o desenvolvimento das atividades de comércio
provocaram o fortalecimento dos pés descalços que, rapidamente, se
transformariam em burguesia como nova classe ascendente, passando a fazer
frente à supremacia política e econômica da nobreza e do clero.
Já na condição de burgueses, o mais importante para esses era a libertação das
cidades, que se encontravam nas mãos dos senhores feudais e da Igreja, que,
esses últimos, indiferentes ao crescimento destas, aproveitavam dessa situação
para aumentaram a arrecadação de impostos, “desfrutar os monopólios, criar taxa
e serviços, e dirigir os tribunais de justiça, tal como faziam em suas propriedades
feudais”. (HUBERMAN, 1985:37).
Indignados com essa situação, a burguesia começou a se unir e fazer pressão
contra a nobreza e o clero, com o objetivo de tornarem as cidades livres.
Por outro lado, se não bastasse isso para a nobreza, os feudos passaram a sofrer
pesadas perdas da mão-de-obra servil.
Isso ocorreu porque, com a ascensão da burguesia como nova força econômica,
os senhores feudais, para poder fazer frente ao enriquecimento dessa nova
classe social, passaram a aumentar a pressão e fazer novas exigências sobre os
camponeses que sobraram no campo. Isso se fazia por intermédio da exigência
por aumento de produção (corvéias) e produtividade, além de outros tipos de
coerções sobre a população servil e que eram regulamentadas e, portanto,
legalizadas, por intermédio de leis.
Dobb (1977, p. 63) nos conta que “de início, o crescimento do comércio com a
atração de artigos exóticos que tornavam disponíveis e as possibilidades abertas
de produzir um saldo para o mercado, reforçara a tendência a intensificar a
pressão feudal sobre o campesinato e, como já observamos, o século XIII na
Inglaterra se marcou por um aumento na obrigação de trabalho nas propriedades
maiores do país e principalmente nas terras do clero. Uma narrativa
contemporânea se queixa de que os senhores ‘estão destruindo os camponeses
28

pelas exigências e tributos’, e ‘exigindo-lhes tributos pela força e opressão’”.


As leis eram os principais instrumentais utilizados para impor tais opressões, o
que ainda, acabava com quaisquer possibilidades de direitos à população servil,
ficando estas restritas, apenas, à deveres para com os seus senhores. Dessa
forma, os servos não tinham mais direitos e sim, obrigações.
Outra conseqüência das pressões e novas exigências, por aumento de
produtividade no campo, foram a exaustão das terras, que passaram a ocorrer em
larga escala, nas propriedades feudais.
Assim, não tendo mais como aumentar a produção, e conseqüentemente a
produtividade, sentindo-se sobrecarregados; os camponeses, com o tempo,
conforme já afirmado, passaram a fugir com maior intensidade dos feudos e se
instalarem nas cidades, provocando significativas baixas de mão-de-obra
qualificada, no campo.
Ao contrário do campo que era marcado pelo excesso de tributação, legalizada
novamente por intermédio de leis coercitivas e unilaterais, taxas, exigências e
todo tipo de opressão; a vida nas cidades era livre, sem quaisquer tipos de
exigências e, onde a população podia desenvolver as atividades que lhes
conviessem e à sua maneira.
Essa situação gerava um contraste extremamente significativo entre a cidade e o
campo. Huberman (1985, p. 36) comenta que “toda a atmosfera do feudalismo era
a da prisão, ao passo que a atmosfera total da atividade comercial na cidade era
a da liberdade”.
Ao mesmo tempo, cabe acrescentar que, as leis criadas pelos governantes, tanto
das cidades quanto depois dos feudos, para “legalizar” e ao mesmo tempo
viabilizar a parasitagem sobre as classes produtivas, por intermédio de impostos,
taxas, corvéias, foi fator decisivo para fazer intensificar a fuga da população mais
explorada dos setores marcados pelos excessos de coerções, para as regiões
que possibilitavam maior segurança, liberdade e paz, garantidas pela inexistência
das leis. Com a fuga das classes produtivas, para outras regiões, iam junto a base
da formação da riqueza econômica. (grifo nosso).
No primeiro momento, nos primórdios do período medieval, esse fato ocorreu,
marcado pela fuga das classes mais exploradas, das cidades medievais para o
campo; depois, já num segundo momento da história, com o aumento das
pressões sobre a população mais explorada já no campo, no período feudal, o
29

fato voltou a ocorrer, desta vez por intermédio da fuga da população servil do
campo para as cidades. Tudo isso em busca de liberdade e fuga das leis
unilaterais e coercitivas. (grifo nosso).
Esse último fato, já marca o fim do sistema feudal e surgimento do mercantilismo,
que foi o último capítulo, pode-se dizer assim, da época medieval.
Como já observado exaustivamente nas páginas anteriores, a base da riqueza da
idade medieval, considerada, do século I até o século VIII, se concentrava nas
cidades.
Assim sendo, nesse período, como as cidades eram denominadas, a base da
riqueza econômica da época, o interesse pelo controle destas, eram disputadas
de maneira cada vez mais intensa, pelos governantes desse período.
Quem participava dessa cúpula e estabelecia os critérios de domínio, como já
visto, primeiro foram os burgos governantes, depois; com a ascensão da Igreja ao
poder definitivo, esse controle passou para os bispos.
Os instrumentos utilizados para efetivarem esse controle se davam por intermédio
da opressão e da cobrança de impostos, regulamentadas por leis severíssimas e
de toda natureza, para aumentar a fonte de renda das classes dominantes e
parasitárias.
Para fugirem desse tipo de coisas, as classes produtivas, que praticavam
principalmente as atividades de comércio (tido como atividade pecaminosa pela
Igreja), passaram a abandonar as cidades, para viverem no campo, onde estes
últimos, podiam desfrutar de toda liberdade para realizar a atividade que
quisessem.
Como visto, com a transferência da classe produtiva da cidade para o campo,
esse fato gerou a decadência da primeira e ascensão da atividade no campo,
fazendo transferir também a base da riqueza econômica da cidade para este
último.
Com a intensificação da atividade no campo, já no período feudal, para
usufruírem de maiores regalias, novamente, as classes parasitárias, também se
transferiram para o campo, sempre procurando se impor, por intermédio da
criação de leis coercitivas e proibitivas, fazendo aumentar a pressão sobre as
classes produtivas já, agora, centralizadas no campo.
Esse fato tornou a vida nos feudos insustentável, uma vez que as leis só
garantiam os direitos às classes mais abastadas.
30

O resultado dessas pressões, novamente, foi a fuga; primeiro das pessoas mais
pobres, discriminadas e portanto, ignoradas pela sociedade da época (os pés
descalços), depois para os servos, que trabalhavam diretamente na terra, em
busca da liberdade das feiras, vilas, depois cidades, que começavam novamente
a surgir na Europa.
Esse fato fez revigorar as atividades do comércio, uma vez que, não tendo outras
fontes de receitas, os pés descalços negociavam tudo que tivesse valor na época
e podia lhes gerar uma fonte de renda adicional para garantirem suas
sobrevivências.
Esse fato fez surgir uma nova classe social, conforme já dito, oriunda de um dos
setores mais pobres da época, no caso os pés descalços, que deram origem aos
comerciantes; primeiro ambulantes, depois já fixados nas cidades, estes se
transformaram em burgueses.
Ao mesmo tempo, a fuga dos trabalhadores e artesãos para as cidades, mais o
empobrecimento das terras agricultáveis por problema de exaustão, provocou o
enfraquecimento dos senhores feudais que, a partir daí, começaram a intensificar
suas ações sobre as cruzadas, não mais com o objetivo de libertar as cidades
santas, mas de fazer assaltos, pilhagens, massacres a fim de recuperar suas
riquezas.
Além das ações sobre as cruzadas, os senhores feudais intensificaram suas
pressões sobre as cidades, através do aumento da cobrança de impostos e
outras exigências sobre estas, para garantir a geração de novas fontes de rendas.
As terras das cidades pertenciam aos senhores feudais, bispos, nobres,
reis. Esses senhores feudais, a princípio, não viam diferença entre suas
terras na cidade e as outras terras que possuíam. Esperavam arrecadar
impostos, desfrutar os monopólios, criar taxas e serviços e dirigir os
tribunais de justiça, tal como faziam em suas propriedades feudais.
(HUBERMAN, 1985:37).

O aumento das pressões, impostos e taxas sobre as cidades, provocaram um


descontentamento dos burgueses, originários das famílias mais pobres, em sua
maioria, dos antigos pés descalços, depois trabalhadores e artesãos, que haviam
fugido dos feudos para tentarem nova vida no meio urbano.
Não satisfeitos ainda, com a cobrança cada vez maior de pesados impostos, os
senhores feudais contratavam mercenários para saquearem, roubarem as
riquezas dos mercadores (burgueses), quando estes visitavam seus feudos, para
venderem as mercadorias nas feiras.
31

Esse fato provocava cada vez mais, indignação por parte da classe social
ascendente.
Para se livrarem dessa situação, os burgueses se associaram aos reis por
intermédio de um acordo tácito (acordo entre cavalheiros).
Por intermédio desse acordo, a burguesia se comprometia a passar o poder
político para as mãos dos reis, e estes, em troca, libertavam as cidades
garantindo o poder econômico aos burgueses.
Como a burguesia já detinha certo poderio financeiro, a missão desta, era a
criação e financiamento de exércitos cada vez mais fortes, que eram repassados
aos reis, para lhes garantir a supremacia política, por intermédio do absolutismo e
o oferecimento de outras regalias.
Em troca, os reis libertavam as cidades para os burgueses, garantindo-lhes o
poder econômico, ao mesmo tempo, em que os livrava do jugo da nobreza. Assim
era estabelecido um processo “ganha-ganha” entre os burgueses ascendentes -
que controlariam a economia - e os reis - que passariam a ter o domínio político
sobre o novo sistema estabelecido.
É bom lembrar que, a burguesia, de início, não tinha poderio econômico e político
suficiente, para dar início a um confronto direto contra a nobreza, que era a
senhora absoluta tanto do domínio econômico quanto político, no período feudal,
daí a importância e a necessidade da criação do acordo tácito com os reis.
Por seu turno, os reis viam de bom grado o apoio da Burguesia, pois só assim
eles teriam condições de ampliar os seus domínios e se consolidarem no poder
político de maneira definitiva e absoluta.
Dessa forma, a burguesia assumia o poder econômico e os reis assumiam o
poder político absolutista. Aí está a criação do acordo tácito, que só fez consolidar
o processo dialético estabelecido, na época medieval. (grifo nosso).
Associados a esses fatos, a Idade Média se viu envolta com outros problemas
gravíssimos, como os causados pela peste negra, o início da guerra dos cem
anos, entre os franceses e ingleses e a crise do clero, provocado pela divisão da
igreja, o que fazia com que esta última, chegasse a possuir vários papas em
determinados momentos.
No começo, conforme visto, os feudos eram auto-suficientes, praticamente todas
as atividades agrícolas, artesanais e produtivas eram realizadas dentro dos
próprios feudos, sem a necessidade de se recorrer aos outros mercados. Com o
32

crescimento das vilas essa situação mudou.


Os artesãos, produtores, vilões, etc., mudando para as vilas e depois cidades,
sentiam dificuldades em conseguir todos os produtos necessários ao atendimento
de suas necessidades.
Assim, as atividades de comércio se intensificaram e deram origem a novas
relações de produção e consumo dentro das cidades, permitindo a formação e
intensificação das atividades mercantis.
Sem dúvida, havia certo tipo de cidades antes desse aumento no
comércio, os centros militares e judiciais do país, onde se realizavam os
julgamentos e onde havia bastante movimento. Eram realmente cidades
rurais, sem privilégios especiais ou governo que as diferenciassem. Mas
as novas cidades que se desenvolveram com a intensificação do
comércio, ou as antigas cidades que adotaram uma vida nova sob tal
estímulo, adquiriram um aspecto diferente. (HUBERMAN, 1985:35).

O fortalecimento das cidades, o enfraquecimento da nobreza, a intensificação das


atividades mercantis, a divisão da igreja, marcaram o fim do período feudal e a
ascensão de uma nova classe social muito forte ao poder que, a partir daí,
passaram a ditar novas regras dentro das relações comerciais. Essa classe,
conforme visto, foi a burguesia.
Acrescentando a aliança aos reis, o aproveitamento da crise da igreja, a
burguesia absorveu ainda, as novas correntes de pensamentos propostas pela
Reforma Protestante, pelo Iluminismo e pelo Humanismo que, a partir dessa nova
visão de mundo, passaram a adorar, ao invés de Deus como ser supremo, o
indivíduo em sua essência, fazendo surgir, o sentimento individualista, em
oposição ao pensamento de vida em grupo ou em tribos.
Os Iluministas, na época, ficando revoltados com o extermínio de quase metade
da população européia, causada pela peste negra e a divisão e omissão social da
Igreja, lançaram uma nova base de pensamento, voltado para o estudo e a
compreensão do indivíduo.
O indivíduo e suas qualidades individuais seriam os verdadeiros detentores da
divindade.
O homem passava a ser visto, não como um mero adorador e devoto dos
interesses da Igreja, mas sim, um ser voltado para a busca de suas qualidades e
anseios individuais.
A base de análise econômica e social estava já, fundamentada no racionalismo,
no experimentalismo, no individualismo e nas características naturais do indivíduo
33

enquanto ser racional.


Através da intensificação do comércio, da adoção dos pensamentos Iluministas,
renascentistas e humanistas, que transferiam o centro de adoração do divino para
o material, a burguesia começava a dar seus primeiros passos para a sua
condição de elite dominante, tanto no aspecto econômico como político e social.
A Reforma Protestante ocorrida principalmente na Inglaterra por intermédio da
transferência de todo o poder papal para a pessoa do próprio Rei, a consolidação
destes últimos no poder político através do Absolutismo, o apoio incondicional dos
reis à burguesia, além de outros fatos como: o Iluminismo, o Humanismo, o
Renascimento, o fortalecimento das cidades através das atividades mercantis, o
enfraquecimento relativo da igreja católica, a decadência da nobreza e com ela o
sistema feudal, permitiram, em conjunto, o surgimento de uma nova ordem
econômica e social, desvestida de obrigações divinas, e que se fundamentava no
indivíduo e no materialismo.
Todos esses fatores em conjunto, permitiram à sociedade medieval adentrarem
em um novo tipo de sistema político, social e econômico, definido como
mercantilismo, e mais tarde; evoluindo para a forma como o conhecemos até os
dias de hoje, e denominado de capitalismo.
De volta ao quadro anterior, essa situação permitiu à burguesia, lançar mão, de
uma nova ideologia que passaria a ser, a dominante, no caso, o mercantilismo.
Será esse o tema objeto de próximo debate.
Entrementes, cabe ainda esclarecer que, o que possibilitou a ocorrência de todas
essas mudanças no período medieval (mudança de base das decisões e
formação de riqueza, da cidade para o campo, e depois, do campo para as
cidades), foi a criação de leis que procuravam beneficiar e garantir regalias
apenas para as classes dominantes, deixando as classes mais pobres e humildes
a mercê do processo coercitivo e parasitário, criado pelos setores mais abastados
da sociedade, para obterem regalias, ou seja: “máximo prazer com menor
sacrifício possível”. (grifo nosso).
Se não fossem essas ações, até nossos dias, talvez, quase com certeza,
estaríamos nos auspícios da vida nas cidades, em detrimento da vida campal, no
século V ou; por outro lado, da vida campal em detrimento da vida nas cidades,
ainda no período feudal.
Essas argüições tornam mais realistas e válidas, as admoestações do Apóstolo
34

Paulo, sobre as leis, quando este afirma:


[...] Mas o pecado, para se mostrar pecado, servindo-se do que é bom,
deu-me a morte, para que o pecado se fizesse muito pecaminoso
servindo-se do mandamento. Porque sabemos que a lei é espiritual: mas
eu sou carnal, vendido para estar sujeito ao pecado. Porque eu não
compreendo o que faço: porque não faço esse bem que quero: mas o
mal que aborreço, esse é que faço. Se eu porém faço o que não quero:
consinto com a lei, tendo-a por boa. E neste caso não sou eu já o que
faço isto, mas sim o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em
mim, quero dizer na minha carne, não habita o bem. Porque o querer o
bem, eu o acho em mim: mas não acho o meio de o fazer perfeitamente.
Porque eu não faço o bem que quero. Mas faço o mal que não quero. Se
eu porém faço o que não quero, não sou eu já o que faço, mas é sim o
pecado que habita em mim. Portanto querendo eu fazer o bem, acho a
lei de que o mal reside em mim. (EPÍSTOLA DE SÃO PAULO
APÓSTOLO AOS ROMANOS. Cap. 07. Vers. 13 – 21).
35

3.2 - O MERCANTILISMO.

Considera-se como mercantilismo a uma nova ordem política e econômica, que


passou a predominar na Europa, a partir do século XVI, e que se define pela
ascensão da burguesia ao poder econômico por intermédio do comércio, com o
apoio político dos reis. Esse quadro ocorreu, em substituição ao regime feudal,
que se encontrava sob predomínio da nobreza e do clero.
Essa nova situação social fez sair o poder político e econômico, das mãos da
nobreza e do clero, para a burguesia, observada no campo econômico, e para os
reis, que se efetivou no meio político. (grifo nosso).
O período mercantil dá início à Revolução Comercial, que se estende por todo o
século XVI e vai até a primeira metade do Século XVIII.
A Revolução Comercial, por conseguinte, marca o surgimento de um novo
sistema econômico denominado de capitalismo, que se centrava nas atividades
manufatureiras, em substituição ao período medieval, que tinha sua base de
formação de riqueza econômica, nas atividades agrícolas e, posteriormente no
comércio, dando seqüência ao processo dialético da evolução social, de acordo
com a visão holística.
Nesse aspecto, a Revolução Comercial pode ser considerada como um marco
divisor de águas, entre o período medieval e o período capitalista. (grifo nosso).
A partir da segunda metade do século XVIII, tem início, a Revolução Industrial,
que ocorreu na Inglaterra, como resultado da descoberta da máquina a vapor e de
novo processo de produção que se dava em alta escala industrial.
De acordo com a concepção do capítulo anterior, a transferência da base das
atividades econômicas do cultivo da terra, no período feudal, para as atividades
comerciais, no período mercantil, ocorreu de maneira paulatina, e sempre
obedecendo ao princípio dialético.
O princípio dialético fundamenta-se em torno da união dos interesses econômicos
dos burgueses mercantilistas aos desejos políticos dos reis.
Na época, essa mudança era vista como necessária, para assegurar a
supremacia econômica da burguesia, e garantir o poder político nas mãos dos
reis, por intermédio de um acordo tácito entre essas duas classes sociais, em
oposição aos interesses da nobreza e do clero.
36

Esse processo se deu pela implantação do absolutismo (poder total nas mãos dos
reis), que foi um dos princípios básicos do sistema mercantil.
Novamente, essa associação foi considerada como necessária por parte da
burguesia, para que esta pudesse se ver livre dos abusos políticos e econômicos
praticados por parte da nobreza e do clero.
Os burgueses tinham consciência que sozinhos, não conseguiriam atingir seus
objetivos de supremacia absoluta no campo econômico. Isso porque, a nobreza e
o clero, ainda eram classes econômico-sociais dominantes. Nesse caso, apelando
para aspectos empírico-estratégicos, se fosse estabelecido um confronto direto
contra a nobreza, os burgueses seriam massacrados, logo no início do processo.
Sem contar o fato de que, o Clero, apoiaria os interesses da nobreza, deixando a
burguesia completamente isolada e sem nenhum tipo de sustentação política,
econômica e religiosa. Automaticamente, a burguesia, se levasse adiante esse
intento sem o devido apoio dos reis, passaria a ser considerada pela Igreja, como
hereges, e portanto, inimigos de Deus e da sociedade da época. (grifo nosso).
Os reis, por sua vez, eram considerados pessoas abençoadas, uma vez que o
cargo de rei era uma função divina determinada por Deus. Em virtude disso, esse
cargo (de rei), ganhava mais destaque como uma função sagrada, do que
propriamente, como uma função econômica e política. As duas últimas funções
ficavam mais restritas ao controle da nobreza e do clero.
Assim, em que pese a função do rei fosse considerada uma unanimidade no meio
social, como o maior representante e defensor dos interesses nacionais, essa
função de destaque, prevalecia mais no meio religioso do que propriamente, no
meio político e econômico, que eram mantidos nas mãos da nobreza, apoiada
pelo clero. Em outras palavras, o Rei só fazia o que a burguesia e o clero
determinassem. (grifo nosso).
Em muitos países da Europa, principalmente na França, antes do período
absolutista, a função dos reis era mais eminentemente de relações públicas,
garantidora de status, do que propriamente, econômica e política.
Tanto o poder político quanto o econômico; de acordo com o que já foi visto,
estavam centralizados nas mãos da nobreza feudal, detentora, ao lado do clero,
da maior fonte de riqueza da época, que era, a propriedade da terra.
Em virtude do controle dessa riqueza, os senhores feudais usavam suas terras,
para garantir a sua supremacia como força política e econômica.
37

Essa supremacia se dava, por intermédio da manutenção de exércitos fortes e


estabelecimento de leis cada vez mais severas.
As leis eram criadas, sempre para garantir a obtenção de rendas adicionais, que
se davam, por intermédio do aumento abusivo de impostos, taxas e multas, via
exploração das classes sociais inferiores (servos, vassalos e demais cidadãos).
No decorrer do tempo, com o fortalecimento da burguesia, que ocorria por
intermédio da intensificação das atividades de comércio, estes passaram a deter
o poderio econômico e, paulatinamente, o social.
Para se consolidarem economicamente no poder, a burguesia se uniu aos reis.
Isso foi feito, primeiro para derrubar a nobreza e o clero, depois; uma vez
consolidada no poder econômico, a burguesia utilizava esse mesmo estratagema
para ganhar novos mercados, por meio da criação de políticas mercantis
absolutistas baseadas formação de Estados fortes.
De maneira definitiva, o que viabilizou as atividades mercantis como a atividade
econômica principal, foi a aliança estabelecida entre a burguesia, que se
encontrava ainda embrionária, e a Coroa, desejosa de poder político.
Esse acordo permitiu que se criassem condições ideais para o estabelecimento
das leis absolutistas, o principal sustentáculo de garantia, para que a burguesia
pudesse ascender ao poder econômico, ao mesmo tempo em que os reis
obtinham supremacia no meio político.
A afirmação acima, é corroborada pelos argumentos de Malynes apud Oser &
Blanchfield (1987:28) quando este afirma:
A manutenção do tráfico e do comércio é tão agradável, amável e
aceitável para todos os príncipes e potentados que os reis participaram
e, atualmente, participam da Sociedade de Mercadores. E, em várias
épocas, sem considerar suas disputas e diferenças particulares, eles
estiveram de acordo neste curso de comércio, porque a riqueza é sua
estrela brilhante, cuja posição o tráfico toma como orientadora, em que
reinos e comunidades florescem; sendo os mercadores meios e
instrumentos para a glória, a ilustração e o benefício de suas
Monarquias e Estados. Indubitavelmente, portanto, o Estado de um
mercador é de grande dignidade, e deve ser estimado, pois, pelos
mercadores, são descobertas terras e é buscada a união entre as
nações e alcançada a experiência política.

Daí o porquê, do interesse da burguesia, em centralizar o poder nas mãos dos


reis e incentivar o absolutismo, além de fazer criar leis que beneficiassem
exclusivamente suas atividades; no caso, o comércio.
Um forte governo central era, portanto, necessário para garantir
regulamentação nacional uniforme. Eram também necessários para
38

alcançar os objetivos discutidos anteriormente: nacionalismo,


protecionismo, colonialismo e comércio interno não prejudicados por
taxas e impostos excessivos. (OSER & BLANCHFIELD, 1987:21).

Por intermédio dessas medidas e intensificação de suas atividades, o


mercantilismo ganhou forma, e se transformou na base da riqueza econômica da
Europa.
A nova ordem econômica estabelecida na Europa, gerou uma série de conflitos,
decorrentes de lutas por conquistas de novos mercados, o que levou esse
continente, a uma situação de instabilidade política, econômica e social.
Muitas vezes, não podendo lutar em seus próprios territórios, esses países
transferiam seus conflitos para as novas regiões conquistadas, exportando assim,
suas guerras, enquanto que internamente, se fortaleciam, tanto no campo político
quanto no campo econômico, remodelando toda a sua estrutura produtiva e
militar, para ganhar novos mercados.
Colbert apud Bell (1976:102), o maior mercantilista francês, defendia a idéia de
que “uma única forma de erguer o seu país, consistia em tomar algo de outrem”.
Nesse aspecto, a guerra era um instrumento muito importante para esses países,
pois incentivava o aumento da produção interna, a busca por novas tecnologias
ao mesmo tempo em que fortalecia o sentimento nacionalista.
Assim, o medo e a insegurança fizeram com que os Estados europeus entrassem
numa corrida armamentista feroz, procurando desenvolver e utilizar
concomitantemente: novas técnicas e estratégias de guerras, novas tecnologias,
novos meios de acumulação de riquezas, a fim de se resguardarem de possíveis
investidas de seus vizinhos.
Essa situação provocou um verdadeiro processo concorrencial dentro da Europa.
Na França, por exemplo, o estabelecimento de conflitos era visto como uma
situação positiva. Colbert, apud Oser e Blanchfield (1987:31), era um desses
defensores.
Como arquinacionalista e militar, Colbert afirmava que quatro profissões
são úteis para grandes propósitos: “agricultura, comércio, guerra em
terra e guerra no mar”. As colônias são importantes como mercados
para os bens franceses e como fontes de matérias-primas; uma grande
navegação e marinha mercante são essenciais. Acreditava que um país
pode tornar-se mais rico somente às custas de outro, porque o volume
de comércio, o número de navios empregados no comércio e a
produção de bens manufaturados são todos relativamente fixos. O
comércio é, portanto, uma guerra contínua e amarga entre nações em
busca de vantagem econômica.
39

Para a metrópole, o que interessava era o acúmulo de riquezas, não importando a


forma como essa riqueza fosse formada. As guerras eram benéficas para o
Estado. Isso porque, além delas fortalecerem o sentido nacionalista, conseguiam
aglutinar forças e incentivar a produção interna, o que favorecia os comerciantes
fornecedores de armamentos, e outros instrumentos necessários à arte da guerra.
Davenant apud Oser e Blanchfield (1987:30) afirmava que:
Uma guerra externa necessita drenar o tesouro de um Reino. [...] A
França, desde o tempo de Charles IX até o Reinado de Harry IV, teve
uma guerra civil contínua em suas entranhas, e foi freqüentemente
devastada por armadas espanholas e alemãs; mas, como esta guerra
não diminuiu os metais do tesouro, não empobreceu o Reino.

Nessa ótica, o fator preponderante para a burguesia era apenas e tão somente o
desejo de acumular riquezas, a fim de garantir a sua perpetuação no poder. O
que acontecia em outros substratos da sociedade não interessava, desde que
esses acontecimentos, não interferissem no processo de acumulação, por parte
da aristocracia burguesa e da Corte.
OSER & BLANCHFIELD (1987:22) comentam que:
Embora o mercantilismo promovesse riqueza para a nação, não
encorajava a riqueza para a maioria da população. De fato, os
mercantilistas favoreciam uma população numerosa, que trabalhasse
muito e fornecesse mão-de-obra barata e abundancia de soldados e
marinheiros prontos para lutarem pela glória da nação e pelo
enriquecimento de seus lideres. A ociosidade e a mendicância de
pessoas capazes, assim como o roubo, eram punidos com severidade.

É evidente que o que estava em jogo era o interesse da burguesia e do poder


Real, e não, o interesse de toda a sociedade da Europa. A burguesia com o intuito
de prevalecer economicamente no poder, usava de todos os artifícios possíveis,
mantendo-se indiferente a quaisquer outras situações. (grifo nosso).
Mais à frente Oser e Blanchfield (1987:23) ainda comentam:
Obviamente, esta doutrina serviu aos capitalistas mercantes, aos reis e
a seus seguidores imediatos. Entretanto, serviu especialmente aos
interesses dos mais poderosos e fortalecidos, dos que possuíam
monopólios, detinham privilégios e outros favores oficiais.

O aumento da população era fundamental e necessária como base para o


fornecimento de mão-de-obra barata e abastecimento dos exércitos, que
viabilizassem o acúmulo da riqueza, e do poder nas mãos da nova elite mercantil
da época, no caso, a burguesia.
Ao mesmo tempo, devido a incorporação das idéias renascentistas e humanistas,
além das idéias iluministas e protestantes, por parte da burguesia e da Coroa, a
40

ênfase social passou a ser dada ao individuo em detrimento da visão do grupo ou


da sociedade como um todo.
O interesse de um indivíduo passava necessariamente a ser o interesse de todo o
grupo ou da nação. Lógico que isso tinha que depender da posição social
ocupada pelo indivíduo. Quanto mais abastado, mais seu interesse se fazia
prevalecer.
Esse quadro fez promover a cisão dos interesses entre a Igreja Católica de um
lado, e a Burguesia e a Coroa de outro, fazendo nascer assim, um novo conceito
de igreja, que era o defendido pela nova Igreja Protestante, promotora dos
interesses da Burguesia e da Coroa.
Dentro dessas mudanças econômicas, sociais e religiosas, houve algumas raras
exceções de países, que mantiveram a estrutura econômica embrionária, do
período mercantil, não se adaptando aos novos ideais, agora da burguesia, da
Coroa e da Igreja Protestante.
Uma dessas exceções está no caso dos países ibéricos, onde, em virtude,
praticamente da inexistência de feudos, a Igreja católica, se uniu aos interesses
da burguesia e da Coroa, com a finalidade de evangelizar os povos conquistados.
Esse quadro só fazia prevalecer e fortalecer o interesse da burguesia, assistida
pela coroa, a expansão dos ideais protestantes, a ênfase ao indivíduo, e o
conseqüente aumento e intensificação da acumulação da riqueza nas mãos
desses grupos, considerados já, os mais abastados da Europa na época.
No que se refere à situação da classe trabalhadora desse período, Bernard de
Mandeville apud Oser e Blanchfield, (1987:22), assim deixou registrado:
Em uma Nação livre em que escravos são proibidos, a riqueza mais
certa consiste em uma multidão de pobres trabalhadores.[...] Eles devem
ser mantidos sem morrer de fome, de forma que não recebam nada que
possam poupar [...] É do interesse de todas as nações ricas que a
maioria dos pobres nunca fique ociosa e ainda gaste continuamente o
que recebe [...] Os pobres devem ser mantidos exclusivamente para o
trabalho, e é uma prudência aliviar suas necessidades, mas tolice curá-
los. Para tornar a sociedade feliz e o povo calmo sob as mais precárias
circunstâncias, é necessário que, além de pobres, uma multidão deles
seja ignorante.

Baseado nessas argüições, o incentivo à ignorância e à pobreza em larga escala,


eram os fatores essenciais, para dar seguimento à formação de uma nação forte
e soberana, sob o domínio da aristocracia burguesa.
Assim, cabia ao Estado a função de garantir a segurança e a defesa dos
41

interesses da aristocracia burguesa com o objetivo de acumular riquezas, e


concentrá-las nas mãos dessa classe social, sem tirar os olhos da pobreza e da
mendicância, do resto da população, que deveria ser mantida sob controle, nas
piores condições sociais possíveis. Isso, é lógico, sem permitir que essa classe,
em sua maioria, caísse na mendicância extrema. Se isso acontecesse, a classe
social mais humilde teria que ser punida com severidade. A pobreza e a
ignorância eram vistas como mal necessário, para facilitar o acúmulo e a
concentração de riquezas nas mãos da burguesia ascendente.
O trabalho realizado pela pobreza, passou a ser o combustível necessário ao
desenvolvimento do sistema mercantil em nível interno, em substituição às
atividades dos servos no período feudal, e dos escravos, no sistema
escravocrata.
Nessa época, nem as crianças escapavam da ganância da burguesia mercantil
ascendente e da Coroa, desejosos de renda fácil e sem ônus para o Estado.
Temple apud Oser e Blanchfield, (1987:22), assim resume a importância do
emprego das crianças para facilitar o aumento da acumulação de capital pela
burguesia mercantil:
Quando estas crianças têm quatro anos de idade, devem ser enviadas
às oficinas do país, e aí ensinadas a ler durante duas horas por dia e ser
mantidas totalmente ocupadas durante o resto de seu tempo em
qualquer das operações da oficina que melhor se adaptarem à sua
idade, força e capacidade. Se se objetar com que tão pouca idade elas
não podem ser úteis, replico que aos quatro anos de idade existem
empregos saudáveis em que as crianças podem ganhar sua
subsistência; além disso, porém, é consideravelmente útil que estejam
de uma forma ou de outra, continuamente empregadas durante no
mínimo doze horas por dia, recebam elas seu sustento ou não; pois,
assim esperamos que a geração em crescimento esteja tão habituada
ao emprego constante que este com o tempo lhes seja agradável e sirva
como entretenimento.

As opiniões de Temple sobre o emprego de crianças no trabalho, eram


corroboradas por Colbert, apud Oser e Blanchfield (1987:32), quando esse afirma:
Colbert defendia uma grande população, trabalhadora e mal paga.
Nenhuma criança, pensava, era jovem demais para entrar para a
indústria, e o Estado devia estimular o trabalho infantil. Observou, em
1665, que a “a experiência sempre mostrou que a ociosidade nos
primeiros anos de vida de uma criança é a fonte real de todos os
posteriores desordeiros na vida”. Em um Decreto de 1668, ordenava que
todos os habitantes de Auxerre mandassem seus filhos à indústria de
renda com a idade de seis anos ou pagassem uma multa de trinta sous
por criança.

Oser e Blanchfield (1987:32) afirmam que Colbert ia ainda mais longe, quando
42

propunha a eliminação ou diminuição do número de pessoas ocupadas, com


funções consideradas estéreis para a formação da riqueza econômica, tais como:
os monges, as freiras, os advogados e os oficiais.
Colbert considerava os monges, as freiras, os advogados e os oficiais
como ociosos improdutivos, e tentou reduzir seu número. Foram feitas
tentativas de refrear os sentimentos religiosos e de limitar as instituições
religiosas. Cancelou dezessete dias santos, deixando apenas vinte e
quatro, além dos domingos, quando não se trabalhava.

Como nos demais períodos anteriores, o maior instrumental de regulação e


determinação das relações de produção eram as leis. Sempre que quisesse, tanto
a corte quanto a burguesia, desejosos de manter vivos seus interesses,
procuravam atrelar a criação das leis, aos seus objetivos específicos.
Assim, a lei além de instrumento regulador, era considerada o principal artifício,
utilizada como cinto protetor e, portanto, legalizador dos interesses políticos e
econômicos das classes dominantes, consolidando o casamento entre a
burguesia e Coroa.
Malynes apud Oser e Blanchfield, ( 1 9 8 7 : 2 8 ) , até mesmo estabelecia critérios
sobre, quem deveria comercializar, dentro das atividades mercantis:
E aqui acrescento uma declaração dos que podem comercializar; e, ao
contrário, desta, deve-se relacionar aqueles que não devem
comercializar: clérigos, nobres, cavalheiros, soldados, conselheiros de
leis tanto eclesiásticas como temporais, oficiais públicos e magistrados,
pessoas violentas e loucas, jovens não maiores, órfãos, lunáticos e
tolos, todos estes estão isentos de serem mercadores.

Ao longo da história, a lei sempre foi um instrumental banalizado e utilizado em


larga escala, de forma coercitiva, para garantir os interesses de privilégios de
grupos estéreis. (grifo nosso).
Os mercantilistas implantaram muitas idéias que se tornaram leis, simplesmente
para poderem garantir seus interesses.
No período medieval e inclusive mercantil, a lei era utilizada para estabelecer os
critérios das relações de comércio entre os comerciantes internos, e de outros
países, representando sempre os interesses da Coroa e da burguesia.
Um dos documentos que melhor comprova essas argüições é o representado
pelo Código Napoleônico.
HUBERMAN (1985:162) afirma que a “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi
uma frase popular gritada por todos os revolucionários, mas que coube
principalmente à burguesia “desfrutar“.
43

O exame do Código Napoleônico deixa isso bem claro. Destinava-se


evidentemente a proteger a propriedade – não a feudal, mas a
burguesa. O Código tem cerca de 2.000 artigos, dos quais apenas 7
tratam do trabalho e cerca de 800 da propriedade privada. [...] Numa
disputa judicial sobre salário, o Código determina que o depoimento do
patrão, e não do empregado, é que deve ser levado em conta. O Código
foi feito pela burguesia: foi feito pelos donos da propriedade para a
proteção da propriedade.

As leis mercantilistas, em que pese fossem semelhantes entre as cidades, e


depois países; apresentavam características econômicas e prioridades produtivas
diferenciadas, de acordo com os interesses da burguesia local, variando assim,
de nação para nação.
Nessa ótica, enquanto Portugal e Espanha defendiam o mercantilismo baseado
no comércio ultramarino e no acúmulo de metais preciosos, respectivamente, que
eram suas principais atividades; na Inglaterra, prevalecia o mercantilismo
baseado nas atividades manufatureiras.
Na França, por seu turno, pelo fato desse ser o maior país agrícola da Europa,
onde o feudalismo mais se consolidou, e tinha sua base econômica na
propriedade da terra e na atividade agrícola, as leis do comércio além mar e
manufatureiro, de início, eram ignoradas, ficando as regulações restritas, à
agricultura.
Nos países baixos, como a Holanda, por exemplo, prevalecia o fomento ao capital
produtivo, por intermédio dos empréstimos bancários.
Nesse contexto, as características específicas para a formação de riqueza de
cada país da Europa Ocidental (agricultura na França, baseada no sistema feudal;
a produção artesanal, e depois, em escala industrial na Inglaterra; a metalista ou
bulionista na Espanha; e por último, a do comércio ultramarino em Portugal)
geraram uma controvérsia significativa, entre os filósofos desses países, sobre
qual era a atividade econômica que seria a responsável pelo acúmulo mais
intenso de metais preciosos.
Foi assim que os debates filosóficos sobre acumulação de capital, dentro de cada
país, ganharam ênfase, onde cada pensador procurava manter sua respectiva
concepção e estabelecendo seus próprios critérios, a respeito de, como cada
nação deveria formar riquezas. A Economia ganhou ênfase e se transformou
numa ciência social das mais refinadas da atualidade, fundamentada nesses
princípios. (grifo nosso).
Daí porque não estranhar os debates acirrados, até nossos dias, existentes entre
44

as mais variadas escolas econômicas, a respeito da formação de riqueza das


nações.
Nessa época, a economia ainda estava submetida às questões puramente
políticas e não possuía um corpo sólido para ser considerada ciência social.
Esses fatos foram os principais instrumentos que viabilizaram a formação da
aristocracia burguesa na Europa, criando o que hoje são chamadas de “as sete
elites”.
A seguir, serão analisadas as principais características do mercantilismo em cada
um desses países, bem como os principais fatores que permitiram o surgimento
das que são consideradas as sete elites (Inglaterra, França, Alemanha, Estados
Unidos, Canadá, Itália e Japão), que dominam, determinam e monitoram o
funcionamento do capitalismo em escala global. Entrementes, atenção especial
será dada apenas às elites que surgiram durante o período mercantil e que são
consideradas o berço do capitalismo, a saber: Inglaterra, França, Holanda e
Alemanha.
A Holanda, em menor escala, só será considerada porque foi o país financiador
das investidas mercantilistas por intermédio de seus bancos, principalmente, de
Portugal.

3.2.1. – O Mercantilismo em Portugal e na Espanha.

O país pioneiro no desenvolvimento das atividades mercantis foi Portugal. Isso


aconteceu porque Portugal era um país eminentemente comercial.
Suas principais cidades eram entrepostos comerciais que, por essas
características, conseguiam reunir mercadores de várias partes da Europa,
especialistas nas artes de comércio e navegação.
Em Portugal, praticamente inexistiu o feudo, facilitando, em virtude disso, o jogo
político-econômico em maior escala e a união dos interesses políticos dos reis,
aos interesses comerciais da burguesia mercantil ascendente.
Talvez, até mesmo buscando consolidar essa união, o Infante Dom Henrique,
líder arrojado e com uma visão bem adiantada para sua época, ao lado de um
grupo de estudiosos, transformaram a cidade de Sagres, num centro de debates
em torno das atividades de navegação. Era em Sagres, (alguns estudiosos
denominam esse centro de estudos de “Escola de Sagres”), que se reuniam, as
45

pessoas mais experientes, preparadas e especializadas, na arte da navegação.


Nessa cidade portuguesa, eram discutidas as principais propostas e teorias, a
respeito da arte do comércio e da navegação além mar.
Outro fator fundamental para as investiduras portuguesas, diga-se de passagem,
foi a tomada de Constantinopla, pelos turcos otomanos, inviabilizando as viagens
dos comerciantes europeus para a Ásia, em busca de especiarias e outras
mercadorias que existiam nesse continente, e que eram muito apreciadas na
Europa.
Foram inspirados nessas discussões que os intelectuais de Sagres, ao lado dos
navegadores experientes, desenvolveram o instrumento de navegação mais
avançado para a época, no caso, as caravelas.
As caravelas eram embarcações leves, velozes, que permitiam realizar viagens à
longas distâncias, onde os estudiosos conseguiram reunir, combinar e aplicar as
maiores descobertas tecnológicas da época, como: o astrolábio, a bússola, a
pólvora, etc.
A utilização e aplicação dessas descobertas na área da navegação permitiram à
Portugal, formar verdadeiras esquadras de combate, e com isso, poder singrar os
mares e oceanos de todo o Planeta.
Assim, Portugal foi o primeiro país da Europa Ocidental a fundamentar a base do
crescimento e desenvolvimento econômico no tripé, política-tecnologia-estratégia
econômica, atuando de maneira conjugada. (grifo nosso).
As viagens a longas distâncias, por conseguinte, possibilitaram aos portugueses
aumentarem seus domínios, e conquistarem novos entrepostos comerciais, ao
mesmo tempo em que implantavam novas colônias nos mais variados continentes
da Terra, principalmente no asiático e africano.
Esse processo se deu, principalmente, por intermédio das invasões, das
pilhagens, do extermínio e subjugação de povos inteiros aos interesses
portugueses, além da apropriação das riquezas, que eram encontradas nessas
regiões. Assim foi criado o império ultramarino português. (grifo nosso).
Praticamente junto com Portugal, a Espanha deu início a esse novo processo de
enriquecimento, recheada de êxito, em virtude da descoberta e pilhagem de
grandes jazidas de ouro, na América Central: dos povos maias e astecas, no
México, e das riquezas incas; no Peru.
Por seu turno, com o decorrer do tempo, praticamente todas as riquezas
46

acumuladas por Portugal e Espanha foram transferidas à Inglaterra e Holanda.


Isso se deu, por intermédio da intensificação da compra de produtos
manufaturados e do aumento dos empréstimos financeiros, por parte dos países
Ibéricos, da Inglaterra e da Holanda.
O capital financeiro foi transferido, principalmente, de Portugal para a Holanda,
em virtude dos pesados empréstimos efetuados pela Coroa Portuguesa, do
capital flamengo.
Nesse ínterim, em virtude dos empréstimos para financiar as atividades de
navegação, Portugal, embora produzisse a maior riqueza da época, que era o
açúcar, em alta escala, como forma de pagamento, repassava o controle pela
distribuição desse produto, para a Holanda, que se incumbia de abastecer todo o
mercado europeu com essa mercadoria.
Nesse caso, embora Portugal detivesse a tecnologia da produção e do plantio da
cana-de-açúcar, quem detinha o controle da estocagem e distribuição desse
produto na Europa, era a Holanda.
Assim, o domínio dos entrepostos comerciais do açúcar, existentes na Europa,
ficava todo, nas mãos dos holandeses. Essa situação fazia Portugal ficar atrelado
comercialmente aos interesses da Holanda, em relação ao mercado do açúcar, na
Europa.
Ao mesmo tempo, em que pese Portugal e Espanha detivessem o controle da
extração dos metais preciosos e especiarias, além da produção do açúcar por
parte de Portugal; a Inglaterra e a Holanda, respectivamente, detinham o controle
da produção, do capital financeiro e da distribuição dos produtos manufaturados
por toda a Europa.
Em suma, o que ocorria de fato, era uma transferência de riquezas de forma
maciça de Portugal e Espanha, para a Inglaterra e Holanda, através do consumo
de bens manufaturados e empréstimos de capital financeiro.
O maior fator que contribuía para essa situação, era o fato de que em Portugal e
Espanha, praticamente inexistiam atividades manufatureiras e bancária.
Caso estes países sentissem a necessidade de consumir produtos
manufaturados, bastava comprá-los dos ingleses, que os produziam em grande
escala. Mesmo porque, tanto Portugal quanto a Espanha, não davam grande
importância os investimentos e incentivos nas atividades manufatureiras. Se
precisassem de capital financeiro, emprestavam dos holandeses.
47

Isso porque, os Estados Ibéricos, consideravam que, a base da formação da


riqueza econômica, não se encontrava no processo produtivo em grande escala,
muito menos no domínio da atividade financeira, mas sim, no acúmulo de metais
preciosos, que se dava, por intermédio principalmente, da exploração e
apropriação dessas riquezas, que eram abundantes nas colônias.
Por intermédio dessas atividades, acreditavam os portugueses e espanhóis, que
poderiam ter o monopólio das atividades mercantis por tempo indeterminado.
De início, essa visão era coerente, tanto por parte da Espanha - que dispunha de
grandes jazidas de metais preciosos existentes nas suas colônias centro
americanas - como também, por parte de Portugal, que - após o declínio da
produção açucareira - conseguiu acumular riquezas sob a forma de metais
preciosos, oriundos de suas colônias, principalmente do Brasil, na época do ciclo
da mineração. Até aí, suas teorias de enriquecimento, baseadas apenas e tão
somente na acumulação de metais preciosos (metalismo ou bulionismo), se
mostraram condizentes, com a realidade desses países.
Entretanto, essa situação, além de não perdurar indefinidamente, apresentou um
viés muito significativo, nas relações comerciais dentro da Europa. Isso porque, o
acúmulo de metais preciosos nesse continente, abastecidos principalmente por
Portugal e Espanha, provocou uma elevação dos preços, gerando uma crise
inflacionária sem precedentes, dentro do continente europeu.
Essa situação provocou a intensificação da transferência das riquezas, sob a
forma de metais preciosos, de Portugal e Espanha, para a Inglaterra, ao mesmo
tempo em que exigiu que os intelectuais da época, buscassem novas alternativas,
para contornar, o problema inflacionário, a fim de garantirem, a continuidade do
processo de enriquecimento de seus respectivos países.
Uma das alternativas para contornar o problema inflacionário era acumular
determinada quantidade de metais preciosos, e exportar o excedente para outros
países, por intermédio da compra, principalmente de matérias-primas, para
incentivar a produção interna, gerando a independência de produtos oriundos de
outros países, uma vez que a importação de produtos acabados era
terminantemente proibida.
Entretanto, essa visão não era compartilhada por todos os mercantilistas da
época. Havia os que se opunham veementemente à essa questão.
Foi assim que na Inglaterra, os pensadores mercantilistas foram divididos em dois
48

grupos: um que era contrário à saída de metais preciosos sob quaisquer


hipóteses dos cofres dos países europeus, e outro grupo, que era favorável, à
importação, apenas de matérias primas, excetuando-se os produtos acabados, de
outras nações, com pagamentos em metais preciosos, considerados excedentes.
A partir desse questionamento, a preocupação que passava a prevalecer nos
pensadores mercantilistas liberais, seria o de determinar a quantidade ideal de
metais preciosos que deveria sair do país, sem prejudicar o processo acumulativo
do regime mercantil. Ao mesmo tempo, isso não queria dizer que os
mercantilistas liberais, por uma razão ou outra deixassem de serem
ultranacionalistas. O fato se resumia, apenas e tão somente, em procurar evitar o
excesso de metais preciosos, que pudessem elevar o nível de preços nas
economias, e gerar, por conseguinte, o processo inflacionário.
Isso ocorria ao mesmo tempo em que, as nações procuravam elevar os seus
níveis de riqueza, sem serem afetadas pelo desequilíbrio causado pelo processo
acumulativo, de metais preciosos.
De maneira quase que imperceptível, essa era a preocupação que reinava nas
idéias dos mercantilistas liberais. (grifo nosso).
Durante décadas, a estratégia da Espanha para se manter como a maior potência
econômica da Europa, consistia em fazer o controle e monitoramento da extração
dos metais preciosos, das colônias centro-americanas. É por isso, que a história
define a base da formação da riqueza econômica da Espanha, como Metalismo
ou Bulionismo5, enquanto que Portugal se concentrava no comércio ultramarino.
Para os países ibéricos, quem deveria se preocupar com a questão de produção
em alta escala eram os países menos abastados da época, principalmente a
Inglaterra. Entretanto, foi justamente a produção em alta escala de produtos
manufaturados, o grande fator responsável pela acumulação e enriquecimento da
Inglaterra durante o período mercantil. É isso que será investigado a seguir.
3.2.2. – O Mercantilismo na Inglaterra.
5
O termo “bullionistas” foi empregado para distinguir um grupo de escritores do início do século
XVII, o qual foi o primeiro e, talvez, o mais primitivo a se caracterizar como um grupo de
mercantilistas. Tinham em mente um objetivo comum, qual o de aumentar o estoque de bullions
(barras de outro ou prata). No intuito de atingir esse objetivo defendiam as restrições às
importações de supérfluos, e existência de um cambista do governo que mantivesse as taxas de
câmbio ao par, regulamentação e controle severos sobre as transações em moeda estrangeira, e
finalmente, a proibição da exportação das barras de ouro e de prata. O propósito das
regulamentações era garantir e conservar um excedente de barras em cada transação. (BELL,
1976:85).
49

A base da atividade econômica na Inglaterra e, portanto, o grande fator gerador


de riquezas e acumulação de capital para esse país era a produção
manufatureira.
Na fase embrionária do sistema mercantil, a Inglaterra era um país pobre, em
relação a Portugal e, principalmente à Espanha. Com o tempo, devido à
intensificação das exportações dos produtos manufaturados para a Espanha e
Portugal, o quadro econômico da Inglaterra sofreu modificações, o que
possibilitou um acúmulo de riqueza sem proporções, em épocas imediatamente
posteriores, por parte dos ingleses.
O acúmulo de riquezas de maneira abrupta, por parte de Portugal e Espanha,
aguçou o interesse dos países vizinhos (Holanda, França, Alemanha e Inglaterra),
que, desejosos de obter o mesmo nível de acumulação de capital, se puseram a
lutar por esse mesmo objetivo.
Dentro desse aspecto, cada um dos países envolvidos, procurou defender
praticamente os mesmos interesses, que era de acumular riquezas, porém,
mantendo suas características especificas de proteger e resguardar seus
interesses, em relação a seus respectivos produtos comerciais, base de suas
economias.
Os interesses mercantilistas comuns, defendidos por esses países, são
sintetizados por Bell, (1976:84) na forma como segue:
1. Os metais preciosos constituem a mais desejável forma de riqueza
nacional.
2. Se uma nação não possui recursos naturais em metais preciosos, o
principal meio de os conseguir é o comércio.
3. A fim de acumular metais preciosos, o balanço (sic) comercial deve ser
favorável: excesso das exportações sobres as importações.
4. As colônias podem ser úteis como mercados para as exportações e
como fontes de abastecimento de matérias-primas, até mesmo de metais
preciosos.
5. As colônias só podem abastecer a metrópole a que pertençam: é
proibida e manufatura nas colônias, por temor de prejudicar o mercado
da metrópole e de se esgotar o suprimento de matérias-primas. Todo o
comércio colonial pode ser um monopólio da metrópole.
50

No campo demográfico os mercantilistas defendiam o aumento da população por


parte das classes mais pobres para garantir mão-de-obra barata que poderiam
ser utilizadas das mais variadas formas, indo desde o seu emprego na produção
de bens e serviços, até na formação de exércitos que seriam utilizadas nas
guerras, pilhagens e invasões de novos territórios em busca de riquezas, como
ouro, diamantes e pedras preciosas.
É bom reescrever o que Oser & Blanchfield comentam sobre o tema.
Embora o mercantilismo promovesse riqueza para a nação, não
encorajava a riqueza para a maioria da população. De ato, os
mercantilistas favoreciam uma população numerosa, que trabalhasse
muito e fornecesse mão-de-obra barata e abundância de soldados e
marinheiros prontos para lutarem pela glória da nação e pelo
enriquecimento de seus líderes. A ociosidade e a mendicância de
pessoas capazes, assim como o roubo, eram punidos com severidade.
(OSER & BLANCHFIELD,1987, p. 22).

Ao mesmo tempo, eles procuravam manter a exclusividade no uso das matérias


primas, no mercado interno, para viabilizar a produção de produtos
manufaturados dentro do próprio Estado visando o fortalecimento das indústrias
nacionais e a exportação dos produtos acabados, de alto valor agregado, para
garantir o superávit na balança comercial e intensificar a acumulação de capital.
Assim sendo, a exclusividade no uso das matérias primas e o incentivo ao
aumento da população da classe pobre, por parte dos mercantilistas, eram vistos
como fatores fundamentais, para garantir a viabilização da intensificação da
produção e sua comercialização, a fim de garantir o enriquecimento dos países,
desejosos a qualquer custo, de garantirem o controle do comércio mundial.
Quanto à questão da remuneração dos trabalhadores, os mercantilistas
defendiam a menor taxa de salário possível, como remuneração para essa classe,
como forma de aumentar o lucro da classe burguesa, a fim de viabilizar a
intensificação do processo de acumulação de capital, no sistema mercantil.
Os mercantilistas eram ainda, ultranacionalistas, e procuravam defender o
mercado interno, principalmente por intermédio de uma balança comercial
favorável, que deveria ser mantida a qualquer custo, conforme já afirmado.
Os mercantilistas promoveram o nacionalismo. Naturalmente, todos os
países não poderiam ter simultaneamente um excedente nas
exportações. Portanto, um país deveria promover as exportações e
acumular riquezas às custas de seus vizinhos. Somente uma nação
poderosa poderia capturar e manter colônias, dominar as rotas
comerciais, ganhar guerras de seus rivais e participar com sucesso da
guerra econômica. De acordo com este conceito estático de vida
econômica havia uma quantidade fixa de recursos econômicos no
51

mundo; um país poderia aumentar seus recursos somente a expensas


de outro. (OSER & BLANCHFIELD,1987, p. 20).

OSER & BLANCHFIELD (1987:21), ainda apontam uma outra característica do


sistema mercantil afirmando que:
Para promover seus interesses comerciais, os mercantilistas
acreditavam no livre comércio dentro do país, isto é, opunham-se a
impostos internos, taxas e outras restrições sobre o movimento de bens.
Contudo, não favoreciam o comércio interno livre no sentido de permitir
que qualquer pessoa entrasse na transação comercial que desejasse.
Pelo contrário, os mercantilistas preferiam as concessões de monopólio
e privilégios comerciais exclusivos sempre que pudessem consegui-los.

Todas essas investidas visavam unicamente a intensificação do acúmulo de


riquezas por parte dos Estados Nacionais, torná-los fortes, uma vez que essa
condição, era vista como a única maneira de adquirir a supremacia total do
comércio internacional, independente das conseqüências, que dessa situação
pudesse advir. O ultra-nacionalismo por sua vez, era a principal bandeira a ser
empunhada, para tornar esse objetivo possível. Assim, a guerra tornava-se um
mal necessário. (grifo nosso).
Dentre todos os Estados europeus, o que melhor adotou e implementou esses
princípios foi a Inglaterra. Isso porque a Inglaterra foi o país que apresentou maior
grau de parceria entre a Coroa e a classe dos mercantilistas. Os próprios
intelectuais ingleses, elaboradores das principais premissas mercantis, eram
mercadores. Dentre esses intelectuais, podemos destacar:
Thomas Mun (1571-1641), o maior pensador mercantilista, era filho de mercador
de têxteis e “adquiriu riqueza e reputação como mercador do comércio italiano e
do Oriente Próximo”. (OSER E BLANCHFIELD, 1987:26).
Mun foi um dos principais pensadores de sua época. A publicação de sua obra:
Englands Treasure by Forraign Trade, or the Balance of our Forraign Trade is the
Rule of Our Treasure, a tornou de imediato como “o evangelho tanto da política
financeira como da comercial. (p. 87). Adam Smith afirmou que os pontos de vista
de Mun se tornaram a política econômica fundamental não apenas da Inglaterra,
mas também de outros Estados europeus na época”. (BELL, 1976:87).
Na execução de suas teorias Mun “buscou aumentar a quantidade de dinheiro da
nação por meio de um saldo favorável nas exportações, e não das restrições à
exportação de barras de metais preciosos. Argumenta que ‘portanto, o meio
normal de aumentar a riqueza e o tesouro é o Comércio Exterior, nele se
observando a seguinte regra: vender mais anualmente, aos estrangeiros, do que
52

deles consumir em valor’. Afirmou que a única forma de uma nação que não
disponha de minas aumentar o seu suprimento de ouro e prata é exportar mais
mercadorias do que importá-las”. (BELL, 1976:88).
Sir William Petty, outro grande pensador inglês, também era mercantilista. Suas
idéias de acordo com Oser e Blanchfield (1987:32) foram as que melhor
“anteviam a economia clássica”.
Petty era considerado um mercantilista liberal 6. “Sua grande experiência,
juntamente com a influência de seus amigos e associados eruditos, deram ao seu
trabalho um frescor e uma originalidade sem iguais durante cem anos. Todos os
escritos de Petty mostram; o seu interesse pela análise científica e sua aplicação
prática a problemas específicos”. (BELL, 1976:91).
Além de coerentes, os principais pressupostos mercantis dos analistas e
intelectuais ingleses eram bem razoáveis ao bom funcionamento da economia da
época, o que permitia uma maior liberdade e flexibilidade de ação, por parte dos
comerciantes, dentro do mercado.
Esse foi o principal fator que viabilizou a aceitação geral das teorias inglesas e
que as transformaram na base do pensamento mercantil ocidental, durante
séculos. (grifo nosso).
No sistema de relação de trocas, na concepção de Mun e Petty, pensadores
ingleses, não deveria haver excessos, quanto à taxação. Quando se referia à
prática tributária, Petty era detentor de uma opinião fixa, harmônica e bastante
inovadora para a época. Em um de seus escritos, Petty apud Oser e Blanchfield
(1987:33), sobre essa questão, assim se manifesta:
O imposto nunca deve ser muito elevado, deve ser proporcional para
todos, de forma que nenhum homem sofra perda de Riqueza com ele.
Para os homens (como dissemos), se suas posições fossem todas
cortadas pela metade ou duplicadas, em ambos os casos
permaneceriam igualmente ricos, pois cada um deles conservaria seu
estado ou posição anteriores, dignidade e grau; e, principalmente, se o
Dinheiro cobrado não sair da nação, esta também permaneceria tão rica
em comparação a qualquer outra nação.

Além de Mun e Petty, dois dos maiores pensadores que dominaram o


pensamento mercantilista, a Inglaterra apresenta outros grandes escritores do
sistema mercantil que participavam das atividades mercantilistas; dentre eles,
6
Os mercantilistas liberais eram nacionalistas tão ardorosos quanto quaisquer outros, mas, no
tocante aos meios de tornar o Estado auto-suficiente, seus pontos-de-vista foram mais avançados.
Aparentemente entenderam a verdadeira natureza dos negócios e do comércio, a função do
dinheiro, e, de modo geral, não apoiaram o ponto-de-vista de que os ganhos comerciais de um
Estado significariam perdas comerciais para outro. (BELL, 1976:91).
53

cabendo destacar: John Locke; Gerard Malynes; Charles Davenant; James


Steuart; Dudley North; David Hume, etc.
Nesse país, a concepção sobre a atividade econômica principal, recaía sobre as
atividades manufatureiras.
Davenant apud Oser e Blanchefield (1987:30), afirmava que “a riqueza de um
país é o que ele produz e não seu ouro e sua prata. O comércio governa o
dinheiro e não o contrário”.
Segundo ainda Davenant, “a riqueza investida em navios, construções,
manufaturas, mobília, vestuário, e assim por diante, constitui riqueza tanto quanto
moedas e ouro”. (p. 30).
Na Inglaterra, Davenant, defendia ainda a exclusividade da exploração da matéria
prima existente no país, pelo mercado interno.
Em An Essay on the Probable Means of Making the People Gainers in
the Balance of Trade (1699), Davenant afirmou que um reino pode obter
o benefício do valor completo de um produto exportado se este for feito
com matéria-prima interna. Se as matérias-primas forem importadas e o
produto exportado, então, o lucro líquido é a diferença entre os dois
valores. (OSER & BLANCHFIELD, 1987:30).

De acordo com a explanação acima, observa-se que o uso e exploração das


matérias-primas por cada nação, deveriam ser de uso exclusivo das indústrias
nacionais.
As teorias mercantis inglesas eram extremamente fortes, coerentes para a época,
defendidas por mercadores de sucesso, e que vinham de encontro aos anseios
da burguesia e da Coroa, se tornando em virtude disso, uma verdadeira bíblia
para o estabelecimento de comércio e instrumento principal de parceria entre os
mercantilistas e o Estado Britânico.
Embora houvesse alguma infiltração nas fileiras privilegiadas, à medida
que o capital se acumulou entre os próprios artesanatos, a posição
monopolista do capital mercantil na Inglaterra pouco se enfraqueceu
com isso e o aumento de sua riqueza não foi retardado. Com o
crescimento do mercado e principalmente do comércio exterior, havia
lugar para que os números dentro das fileiras privilegiadas crescessem
sem qualquer congestionamento sério. Internamente, o mercado se
expandia, não só pelo crescimento das cidades e multiplicação dos
mercados urbanos, mas também pela penetração maior da economia
monetária na propriedade feudal com o crescimento do trabalho
assalariado e o arrendamento daquele por aluguel em dinheiro. Ainda
assim, foi o comércio exterior o que forneceu as maiores oportunidades
para o progresso comercial rápido, sendo então que se formaram as
maiores fortunas. Aqui, por algum tempo, os mercadores estrangeiros
dominaram o terreno, com sua posição fortalecida por privilégios
especiais concedidos pela Coroa inglesa. [DOBB (1977:140-141)].
54

A Coroa britânica se fortaleceu politicamente ao mesmo tempo em que se


consolidava economicamente a aristocracia burguesa na Inglaterra. Esse fator foi
primordial para que houvesse uma harmonia de interesses e objetivos distintos,
mas correlatos entre a Coroa e os mercadores burgueses.
Foi assim que teve origem a elite burguesa inglesa, a primeira das sete elites
capitalistas, que passou a dominar o pensamento mercantil do século XVII e
meados do século XVIII, e que, passaram a ditar as regras para o mundo
econômico nos séculos subseqüentes. (grifo nosso).
A partir do momento em que as atividades manufatureiras se desenvolviam na
Inglaterra e precisavam cada vez mais de novos mercados, o pensamento dos
teóricos ingleses procurava desenvolver novas premissas econômicas, para
manter o processo de desenvolvimento da Inglaterra, via acumulação de riquezas.
Nesse aspecto, as teorias mercantilistas liberais ganhavam cada vez mais
destaque no meio intelectual inglês, abrindo espaço para novos debates, que se
tornaram referenciais de análise ao desenvolvimento da Escola Clássica na
Inglaterra.
Pensadores como Cantillon apud Bell (1976:103), já afirmava que “as terras e o
trabalho –e não a moeda (metal ou papel) – são os verdadeiros termos de medida
da riqueza de um Estado. O valor (especialmente o valor de intercâmbio) depende
das terras (que fornecem a matéria-prima) e do trabalho”.
Os mercantilistas liberais ingleses foram os verdadeiros precursores da Escola
Clássica. Em suas argumentações em favor da acumulação da riqueza, já
defendiam a atividade manufatureira, como verdadeira geradora de riqueza na
economia, e não, as meras trocas de mercadorias, pura e simplesmente, entre as
nações.
North apud Oser e Blanchfield (1987:55), por exemplo, já afirmava que:
Nenhum homem é mais rico por ter a totalidade de seus ativos sob a
forma de dinheiro, metais etc., mas, ao contrário, é, por este motivo,
mais pobre. O homem mais rico é aquele cujos ativos estejam em
expansão sob a forma de terra para fazendas, em dinheiro a juros ou em
bens comercializáveis. Se qualquer homem, por hipótese, pudesse
transformar o total de seu ativo em dinheiro, e mantê-lo parado, logo
teria consciência de sua pobreza crescente, enquanto estivesse
consumindo o estoque.
Mas, examinando mais de perto o problema, o que estas pessoas
desejam, para ter uma ânsia tão grande por dinheiro? Iniciarei com o
mendigo; ele deseja dinheiro e incomoda os outros para obtê-lo: O que
faria com o dinheiro se o tivesse? Compraria pão etc. Então, na verdade,
não é dinheiro, mas pão e outros produtos necessários para a vida que
deseja. Bem, então o fazendeiro queixa-se da falta de dinheiro;
55

certamente, não é o motivo do mendigo de sobreviver ou pagar dívidas.


Mas ele pensa que, se houvesse mais dinheiro no país, poderia obter
um preço melhor por seus bens. Então, parece que o dinheiro é seu
desejo, mas o preço por seu milho e gado, que deseja vender, mas não
pode.

Enquanto os mercantilistas ultranacionalistas defendiam incondicionalmente o


mercantilismo puro e simples, baseado em uma balança comercial favorável, com
vantagem apenas para a nação mãe, desconsiderando, as conseqüências para o
setor externo e, em nível interno, para outras classes sociais menos favorecidas;
por outro lado, no pensamento mercantilista liberal, já havia traços de sentimentos
humanistas, em defesa da melhor distribuição da riqueza, como é observado na
afirmação de David Hume apud Oser e Blanchfield (1987:62), transcrita abaixo.
Uma desproporção muito grande (de renda) entre os cidadãos
enfraquece qualquer Estado. Cada pessoa, se possível, deveria gozar
os frutos de seu trabalho, com a posse completa de todos os bens
necessários, e muitas das conveniências da vida. Ninguém pode
duvidar, mas tal igualdade é mais adequada à natureza humana, e
diminui muito menos a felicidade dos ricos que aumenta a dos pobres.

As opiniões de Hume não são muito diferentes da visão do Apóstolo Paulo,


quando este afirma que “convém que o lavrador que trabalha recolha dos frutos
primeiro”. (2ª EPÍSTOLA DE SÃO PAULO A TIMÓTEO. Cap. 02; Vers. 06).
Ou ainda, o Livro do Eclesiástico; Capítulo 34; Vers. 25-27; quando este afirma:
A vida dos pobres é o pão de que necessitam: aquele que lho defrauda
é um homem de sangue. Quem tira a um homem o pão que ele ganhou
com o seu suor, é como o que mata a seu próximo. Aquele que derrama
sangue e o que defrauda o jornaleiro são irmãos.

De qualquer forma, a concepção científico-econômica da importância do trabalho


para a criação da riqueza pelo processo produtivo, por intermédio da produção do
excedente econômico, já ganhava forma, na mente dos pensadores que se
preocupavam com as questões econômicas, do período mercantil.
Foi justamente a adoção da premissa da geração do excedente econômico, que
seria criada por intermédio do trabalho e sua apropriação pela burguesia inglesa
na época mercantil, o fator principal que fez da Inglaterra, a maior potência dos
séculos XVI, XVII, XVIII até meados do século XX. (grifo nosso).
No entanto, essa concepção será observada com maior propriedade, a partir da
análise da obra de François Quesnay, que deu origem à Escola Fisiocrática
denominada de Tableau Économique (Quadro Econômico), quando Quesnay
conseguiu dar a definição da geração da riqueza econômica, por intermédio do
56

conceito produto líquido que, segundo ele (Quesnay) era originado nas atividades
agrícolas.
Por intermédio da admissão da premissa da existência de um “produto líquido”
que era gerado no processo produtivo, e que foi desenvolvido pela primeira vez
por François Quesnay, para explicar a importância da agricultura para acumular
capital, Adam Smith a rebatizou de “excedente econômico”, e transferiu a idéia da
geração do produto líquido não apenas na agricultura, mas sim, para todas as
atividades, desde que elas fossem geradas pelo “trabalho realizado”.
Baseado na hipótese de Quesnay, e seguindo o raciocínio desse último, Adam
Smith conseguiu desenvolver no campo econômico, uma análise bastante ampla,
concisa e coerente, para explicar como se daria o processo de crescimento,
desenvolvimento e enriquecimento de uma nação, por intermédio do que ele
chamou de acumulação de capital.
Essa teoria foi reunida e explicada pela primeira vez, na obra da Adam Smith
denominada “A Riqueza das Nações”, permitindo à Economia, graças
principalmente a Quesnay, Smith, e alguns outros pensadores liberais como
Petty, Hume, Mun, Davenant, Cantillon e Locke, se desenvolver como ciência
social.
Assunto esse que será tratado com maior propriedade nas páginas posteriores da
presente obra. No entanto, cabe voltar agora, à análise do desenvolvimento do
pensamento mercantilista, em outros países da Europa.

3.2.3. – O Mercantilismo ou Cameralismo na Alemanha e Áustria.

O Cameralismo pode ser definido como um conjunto de enunciados político-


filosóficos, com conotação econômica, desenvolvido na Alemanha e Áustria, com
a finalidade de unir, criar, fortalecer e desenvolver respectivamente, esses dois
Estados, a fim de que os mesmos pudessem se inserir nos princípios da
concorrência mercantilista, de outros países da Europa.
Entrementes, cabe observar que, a prática e aplicação do pensamento mercantil
na Alemanha e Áustria, diferem da prática e estratégia de desenvolvimento da
atividade mercantilista de outros países do continente europeu.
Diferentemente de outros países, na Alemanha e Áustria, o pensamento mercantil
foi desenvolvido por intermédio do aculturamento e educação da população
57

voltada para a formação, fortalecimento e desenvolvimento do Estado.


Assim, para se ter uma população rica e próspera o Estado, em primeira instância
é que deveria ser contemplado com os benefícios gerados pela atividade
mercantil.
Embora surgido no meio filosófico, o Cameralismo apresentava os mesmos
objetivos do mercantilismo, em que pese se fundamentasse em princípios
distintos deste último.
Enquanto no mercantilismo inglês, por exemplo, o objetivo principal era garantir o
interesse da Coroa e das elites burguesas dominantes, em detrimento dos demais
cidadãos; na Alemanha, o Cameralismo foi fundamentado no princípio do
fortalecimento do Estado, mantendo os ideais individualistas intocados.
O objetivo político-filosófico do Cameralismo consistia no fortalecimento do
Estado, fundamentada nos princípios da chamada “lei natural”, criada e
desenvolvida por Pufendorf.
Pufendorf “desenvolveu o conceito de lei natural, transformando-o em elaborado
sistema de filosofia política. Era de opinião que a sociedade civil foi estabelecida
por contrato voluntário. A sociedade em seu todo agira como um compacto no
estabelecimento do seu Estado e na escolha de seu dirigente. A soberania assim
estabelecida não era inteiramente absoluta ou suprema no sentido da inexistência
de uma autoridade humana mais alta e de uma lei à qual estivesse sujeita. Os
Estados e os indivíduos devem sujeitar-se à lei da razão conforme interpretada
por homens mentalmente sadios e inteligentes”. (BELL, 1976:105).
Assim, enquanto o mercantilismo inglês, tomado como exemplo, era
fundamentado nas práticas comerciais, quase sem nenhum fundo filosófico ou
humanista, o Cameralismo, dotado dos mesmos objetivos do mercantilismo, tinha
como pano de fundo, quase que de maneira imperceptível, o bem estar coletivo,
baseado em interesses individuais.
O interesse individual, conforme já afirmado, era quase que intocável. As leis
tinham que regulamentar os ideais da sociedade, fundamentada nos interesses
individuais racionais, a fim de garantir o bem estar geral, e reconhecido pela força
política do Estado.

A teoria de Pufendorf reconciliava o despotismo benevolente dos


Estados alemães com o espírito de liberdade individual ao conceder
supremacia à soberania do Estado, mas, ao mesmo tempo, negando-lhe
o controle absolutamente completo sobre as vidas e atividades dos
58

cidadãos.
A teoria dos direitos naturais, conforme aplicada, significa que a
liberdade individual era expressada por uma união das vontades
individuais no compacto social. (BELL, 1976:106).

Assim, o Cameralismo ou mercantilismo alemão e austríaco, representava a soma


dos interesses individuais, tendo o Estado, como o seu representante legal.
A prática do comércio individualizado na Alemanha, entretanto, não era vista com
bons olhos pelos intelectuais cameralistas da época. Toda a ação voltada para o
desenvolvimento e crescimento econômico deveria partir do Estado e não dos
indivíduos em particular.
BECKER apud HUGON, (1995:73) “insiste nos problemas do comércio; condena
a importação e a exportação, quando realizadas em proveito dos particulares –
que devem ser tratados como ‘os mais indignos criminosos’, por importarem
produtos que poderiam ser obtidos no próprio país, contribuindo assim para a
‘destruição de sua própria comunidade’. É, pois, o Estado que deve tomar conta
do comércio exterior”.
Com o propósito de tornar universal o ideal Cameralista, o Estado alemão o
transformou em disciplina específica, a ser ensinada nas universidades
difundindo-o por todo o meio intelectual e social de sua época.
Os princípios básicos do Cameralismo foram transformados em regras por Philip
Wilhelm Von Hornick, e sintetizadas em “suas ’nove regras principais de
economia pública, que formam a sua ‘cartilha dos mercadores ou do Cameralista’”
(BELL, 1976:109), e publicadas em sua obra Oesterreich über Alles, Wann es nur
Will. (p. 109).
(BELL, 1976:109-110), sintetiza as nove regras de Hornick na forma como é
transcrita a seguir:
Primeira. As propriedades do solo do país devem ser plenamente
investigadas. Todo tipo de planta deve ser experimentado para se
determinar se pode ser cultivado. Acima de tudo, não devem ser
poupadas despesas para descobrir qualquer prata ou ouro.
Segunda. Todos os produtos de uma nação que não possam ser usados
em seu estado natural devem ser beneficiados dentro do país. O
pagamento pela manufatura geralmente excede várias vezes o valor das
matérias-primas.
Terceira. Afim de tornar eficazes a duas primeiras regras, deve ser dada
atenção à população; a mesma deve ser tão grande quanto a nação
possa suportar. Deve-se impedir que a população fique à toa, sendo ela
encorajada a ocupar emprego remunerativo.
Quarta. O ouro e a prata não devem ser exportados com finalidade
alguma, devendo ser sempre mantidos em circulação. É proibido
amealhar.
Quinta. O consumo deve ser, na medida do possível, restringido aos
59

produtos internos.
Sexta. Caso se faça necessária a importação de produtos estrangeiros,
os mesmos devem ser trocados por mercadorias nacionais, e não pagos
com ouro ou prata.
Sétima. Caso seja necessária a importação de mercadorias
estrangeiras, as mesmas devem ser importadas em estado natural e
beneficiadas no país, poupando-se, assim, os salários pagos pela
manufatura.
Oitava. Devem ser despendidos todos os esforços para vender as
mercadorias supérfluas aos estrangeiros, já manufaturadas, com
pagamento em ouro e prata.
Nona. Não deve ser permitida qualquer importação de mercadorias caso
já exista um suprimento de qualidade tolerável no país, mesmo que
possam ser compradas a menores preços no exterior. É mais benéfico
ao país pagar dois dólares por um produto no pis do que gastar um dólar
no exterior com um produto importado.

Hornick apud Bell (1976:110), ainda afirma que “a responsabilidade pelo


funcionamento do programa repousa no governo, cuja tarefa é garantir a
qualidade das mercadorias, combater toda ociosidade, excluir artigos supérfluos,
encorajar os artífices, inspecionar as mercadorias, construir galerias e armazéns e
estimular a imigração de artífices do exterior por meio de prêmios e privilégios
especiais. Conquanto todas as medidas sejam necessárias e essenciais, o
verdadeiro problema não é o equilíbrio comercial, com suas regras econômicas,
mas o equilíbrio do poder político”.
Nesse contexto, a importância dada à qualidade do bem manufaturado quanto à
sua qualidade, durabilidade e utilidade, eram os principais requisitos que
deveriam ser observados pelo Estado, nas atividades econômicas praticadas nos
países cameralistas.
Assim, o desenvolvimento de política de controle de qualidade para produtos
manufaturados, pode-se dizer assim, dentre os países ocidentais, teve origem na
Alemanha e na Áustria, durante o desenvolvimento das idéias cameralistas. (grifo
nosso).
Bell (1976:105) ainda afirma que os ideais Cameralistas conseguiram perdurar no
seio da sociedade alemã “durante quase trezentos anos”.
A coesão, consistência e aplicabilidade dos ideais cameralistas foram pontos
fundamentais para o fortalecimento do Estado e o desenvolvimento do
ultranacionalismo alemão, fatos esses que contribuíram, e muito, para que a
Alemanha se transformasse, numa das maiores potências do século XIX e início
do Século XX.
O Estado alemão passou a defender, com prioridade, as atividades agrícolas e
60

manufatureiras existentes no país, fato esse que possibilitou o alto surto de


desenvolvimento da estrutura produtiva da Alemanha e garantiu a soberania dos
produtos alemães no mercado europeu na segunda metade do século XIX e início
do século XX.
Em 1879, sensível às queixas dos junkers, Bismarck fez aprovar leis de
proteção alfandegária aos cereais, que estavam sofrendo a concorrência
de similares importados da Rússia, Estados Unidos e Hungria. Essas
leis protecionistas foram depois expandidas para a indústria. Assim,
industriais e junkers davam-lhe todo o apoio. Este protecionismo
modificou profundamente a economia alemã, e as indústrias pesadas de
Ruhr, de Sarre, da Alsácia-Lorena e da Silésia puderam arrancar das
indústrias inglesas, pela primeira vez, o direito de autoproclamaram-se
“oficinas do mundo”. (CÁCERES 1993:202).

A difusão e propagação da filosofia cameralista, na Alemanha e Áustria, por


intermédio do fortalecimento e desenvolvimento da educação, acabou por formar
uma sociedade ultranacionalista, nesses dois países, das mais cultas e
avançadas do mundo. (grifo nosso).
Assim nascia e se consolidava, mais uma elite burguesa na Europa; desta vez
formada pela união de forças do Estado e de grupos empresariais locais, pelos
junkers (proprietários agrícolas) sendo ainda reforçados pelos imigrantes
abastados, constituídos principalmente de judeus e oriundos de outras nações
européias. Esses imigrantes eram protegidos, de acordo com o aval político e
econômico promovido pelo Estado alemão e austríaco.
A elite ultranacionalista alemã, ao lado das outras seis elites, se transformaria em
uma das principais responsáveis pela condução das propostas políticas e
econômicas que deveriam ser praticadas no mundo, situação essa que prevalece
até nossos dias. (grifo nosso).
Mais uma vez, enquanto a proposta mercantil inglesa e francesa baseava apenas
e tão somente nos ideais da aristocracia burguesa, na Alemanha, o cameralismo
se fundamentava na criação de um Estado forte e soberano, tendo como base
básico, os princípios individuais e coletivos, cabendo ao Estado fazer a regulação
e monitoramento da economia, principalmente nas atividades que se referissem
ao mercado externo além de garantir os ideais coletivos da sociedade alemã.
Nesse aspecto, pode-se afirmar que o ideal cameralista era baseado no princípio
ultranacionalista mais humanitário atuando de forma conjugada com a proposta
de fortalecimento estatal e desenvolvimento econômico-social, enquanto que o
ideal mercantil inglês e francês, se fundamentava nos interesses das classes mais
61

abastadas, única e exclusivamente.


De todas as formas, o mercantilismo alemão, com ênfase na educação e na
qualificação profissional de seu operariado, em que pese não fosse tão
complacente com a classe deste último, mantinha princípios mais humanitários
que os demais regimes mercantis da Europa. (grifo nosso).
Assim, não é de se estranhar que a base socialista que viria a se instalar e
imperar, principalmente na Europa Oriental e se estendendo posteriormente, para
outras partes do mundo, tendo Karl Marx como o seu maior expoente, em tempos
modernos, tenha surgido e se difundido na Alemanha. (grifo nosso).
Na ótica capitalista, o líder alemão que mais difundiu e aplicou os ideais
cameralistas foi Otto Von Bismarck.
Seguindo regiamente as propostas cameralistas, em pouco tempo, Bismarck,
transformou a Alemanha da condição de um conjunto de pequenos estados, em
Estado único, dotado da maior e melhor infra-estrutura econômica e social da
época, o que transformou o Estado Alemão, na maior potência da Europa no final
do Século XIX, em condições de igualdade política com a Inglaterra e até
superioridade econômica, no campo produtivo.
A partir do final da segunda metade do século XIX, a Alemanha já era uma grande
potência mundial.
CÁCERES (1993:203), afirma que:
O desenvolvimento cominado e desigual do capitalismo já havia feito
com que ela superasse a Inglaterra e, em termos de produção industrial,
tornou-se a primeira potência mundial. O gigantismo de sua indústria era
notório em três setores – siderurgia, química e indústrias elétricas – e se
devia aos aperfeiçoamentos técnicos, à concentração industrial e à
produção em massa em grandes estabelecimentos industriais.
As empresas industriais, principalmente no vale do Ruhr, gigantescas,
se dedicavam desde à produção da matéria-prima até à colocação do
produto no mercado. Várias empresas grandes de um mesmo ramo de
produção se agruparam em grandes associações, chamadas cartéis,
para controlar a produção e os preços de venda e repartir entre si o
mercado. Às vezes abriam conjuntamente uma só filial de venda – o
syndikat. Eram verdadeiros monopólios, que controlavam o mercado e
se opunham à classe operária, formando uma frente patronal unida.

O modelo econômico expansionista alemão estando baseado na ampliação de


mercado e, na intensificação das relações econômicas internacionais, acabaria
posteriormente, provocando a corrida imperialista e resultando no choque de
interesses entre as potências emergentes da Europa – Inglaterra, Alemanha, Itália
e França – o que exigia uma nova divisão do mundo colonial, deixando o cenário
62

político-econômico internacional preparado para dois dos maiores conflitos do


século XX: a I e a II Grande Guerra Mundial, o que fez disseminar conflitos
armados com devastação de populações inteiras por todo o Planeta. (grifo nosso).

3.2.3.1. A Tentativa Fortuita de Formação do Ultra-Imperialismo Paraguaio.

Nas Américas, a única tentativa de formação de mercado e expansão ultra-


imperialista ocorreu com a República Paraguaia.
Tornando-se independente em 1811, o Paraguai sob os governos de José Gaspar
Rodríguez de Frância – seu primeiro Presidente - Carlos Lopez e Francisco
Solano Lopez, entrou numa corrida ultra-imperialista, baseado na criação de uma
elite ultranacionalista, no poder absoluto estatal, na política agrária, na
estruturação e fortalecimento da economia em praticamente, todos os seus sub-
setores.
No governo de Frância, este apoiado pela “massa camponesa mestiça e indígena,
[...] desapropriou terras da Igreja e dos grandes latifundiários. As terras
confiscadas, juntamente com as grandes áreas que pertenciam aos jesuítas até
sua expulsão no século XVIII, em grande parte foram arrendadas a baixo preço
para os camponeses livres”. (SILVA, 1994:157).
Além dessas medidas Frância implantou uma política absolutista com o poder
centralizado no Estado. Assim cabia ao Estado controlar toda a atividade
produtiva do país procurando evitar todo e qualquer tipo de injustiça social.
Os camponeses recebiam terras, gado e instrumentos de trabalho que
eram fornecidos pelas ‘estâncias da pátria’ (fazendas estatais). As
fazendas estatais eram verdadeiras unidades produtoras: praticava-se a
agricultura, a pecuária e o artesanato como fonte de riqueza para o
Estado. Funcionavam também para proporcionar trabalho à mão-de-
obra assalariada. Assim não haveria desempregados nem desocupados
no país. Com essa política Frância possibilitava a integração da massa
humilde à economia nacional e evitava conflitos sociais.
Com essa política o Estado tornou-se o regulador da produção, do
consumo e da distribuição; estimulou a policultura de algodão, milho,
tabaco, cana, legumes, trigo, frutas, etc. nas pequenas e médias
propriedades. O intervencionismo estatal na economia visava a auto-
suficiência do país em gêneros alimentícios e manufaturados. Daí o
grande incentivo à indústria artesanal nacional. (SILVA, 1994:157).

Para consolidar sua independência tanto política quanto econômica, o Paraguai,


ainda sob o governo de Frância, fechou suas fronteiras, se isolando dos demais
países da América Latina e da Europa. Acabou com o analfabetismo, se tornando
o único país no continente a não possuir analfabetos, financiou o desenvolvimento
63

econômico com capital próprio, não admitia a entrada de capital estrangeiro,


principalmente o inglês, não aceitava ainda, a entrada de empresas estrangeiras
no país.
Com Carlos López, sucessor de Frância, ainda sob controle estatal, foram
construídas “estradas de ferro, estaleiros onde eram produzidos barcos à vela e a
vapor, fábricas de papel, de pólvora, de louça, de tintas, etc”. (SILVA, 1994:157).
Já no governo de Francisco Solano López, filho de Carlos Lopez foi concedida
bolsas de estudos na Europa “a jovens paraguaios e de lá importou técnicos,
engenheiros e homens de ciências”, para dar maior incremento à produção
industrial. (SILVA, 1994:158).
Nos três governos, de Frância, Carlos Lopez e Solano Lopez, o domínio da
economia era todo estatal, uma vez que esses não confiavam em hipótese
alguma no capital privado.
Com todas essas medidas o Paraguai, se tornou um exemplo de economia e de
independência política para a América Latina, fazendo desse país a maior
potência das Américas, não só econômica como também social.
Assim, o Paraguai já estava quase preparado tanto economicamente quanto
militarmente para expandir suas fronteiras e dar início à sua empreitada
imperialista, buscando a saída para o mar, e se tornando independente dos portos
de países como a Argentina, principalmente, para exportar suas mercadorias.
Entretanto, a expansão e independência econômica paraguaia afetaram os
interesses dos ingleses na América do Sul, que passou a considerar o Paraguai
como um exemplo a não ser seguido dentro da América Latina.
Os ingleses não podiam tolerar um país que, por meio de uma política
excessivamente protecionista, impedia as importações de
manufaturados estrangeiros.
Para a Inglaterra, o modelo econômico paraguaio era muito perigoso e
teria de ser destruído antes que nações como Brasil e Argentina o
adotassem e se libertassem do jugo capitalista britânico. (SILVA,
1994:157).

Por intermédio de articulações políticas, a Inglaterra, procurou colocar o Brasil e a


Argentina, num conflito contra a nação paraguaia.
Esse conflito atingiu proporções gigantescas, o que acabou por se tornar no maior
confronto armado da América do Sul, terminando com a destruição definitiva da
maior potência do Continente Sul Americano.
Da condição de país mais organizado e forte, política e economicamente, o
64

Paraguai foi reduzido à uma condição de pobreza e miserabilidade sem


precedentes.
Reclus apud Silva (1994:161) afirma que:
Com o fim da guerra, cessada a ocupação, quase toda a terra paraguaia
virou domínio público. Dono assim de uma imensa propriedade nacional,
o governo a colocou à venda em ‘léguas quadradas’, conforme o valor
das terras e a proximidade dos mercados. Os especuladores argentinos,
ingleses e norte-americanos se lançaram sobre a presa sem respeitar
pequenas glebas encravadas em suas aquisições, onde as famílias
guaranis cultivavam o solo de geração em geração, sem nunca terem
tido o trabalho e preocupação de constatarem seus títulos de
propriedade. Sindicatos de traficantes de terra adquiriram terrenos com
dezenas, centenas e milhares de hectares a fim de revendê-los a um
valor dez ou vinte vezes maior do que seu valor de compra. Foram feitas
concessões de terra de mais de mil quilômetros quadrados. Em poucos
anos, imensos descampados foram cedidos a proprietários ausentes e
distantes, sendo que, por outra parte, nenhum camponês paraguaio
podia cultivar o solo de sua pátria, sem pagar imposto aos banqueiros
de Nova Iorque, Londres ou Amsterdã.

Em 1909 Barret apud Silva (1994:161) comovido com a situação do povo


paraguaio e das condições do próprio país, após a guerra ainda observa:
Por cruel exceção, a Guerra do Paraguai não apenas devastou e
ensangüentou o país senão que o desfigurou por muito tempo.Castrou-o
ao destruir os germes daquela briosa raça resplandecente das nobres
figuras dos anciãos que a ela sobreviveram. As gerações que vieram
depois foram plasmadas em moldes diferentes. Emergiam sob
instituições, formalmente mais livres; os novos paraguaios, porém, bem
lá em seu íntimo, são menos livres, menos vigorosos, mais indefesos,
mais indolentes, mais propensos a vícios, mais incapazes de se
emanciparem pelo próprio esforço, constituem hoje uma casta diferente,
inferior. É outra nação, improvisada, ligada apenas formalmente à
antiga. Para os atuais habitantes o progresso é difícil. Não é de se
estranhar que a depressão nacional perdure tanto. Os traços
característicos do povo foram modificados e desfeita a fisionomia da
pátria... O lar paraguaio é uma ferida que sangra, é um lar sem pai.

Normalmente, na época do predomínio do grande imperialismo britânico, esse é


apenas um exemplo do que era reservado àqueles que desafiavam o poder das
potências européias. Esse tipo de ação e força se expandiu por todos os
continentes do Planeta. (grifo nosso).
Pelas características intrínsecas do mercantilismo, os conflitos entre potências
eram inevitáveis. Isso porque, no mercantilismo, cada nação tem a característica
básica de crescer a partir do seio da nação, ou seja, de dentro para fora. Nessa
concepção, o mercado externo é apenas uma extensão do mercado interno.
Enquanto as potências crescem com essas características, os países
dependentes ou colônias crescem de forma contrária, de fora para dentro. Nesse
aspecto, por exemplo, as nações periféricas ficam a mercê das mudanças e
65

situações externas. Se o mercado externo cresce as nações periféricas crescem,


se ocorrer o contrário, o mesmo acontecerá com as nações periféricas que
tendem a acompanhar o cenário externo, com conseqüências econômicas mais
atrozes na sua economia doméstica do que ocorrem normalmente com as
economias centrais, ou das sete elites.
O maior fator de desenvolvimento interno das nações periféricas é o de depender
do crescimento do mercado externo para se desenvolver.
Como quem manda no mercado internacional são as grandes potências ou sete
elites, as nações periféricas tendem a se tornarem submissas e dependentes
cada vez mais das grandes potências internacionais.
O grande erro do Paraguai ou dos seus três ditadores, foi desafiar essa lei do
mercado internacional. O maior erro de Francisco Solano López foi intensificar o
processo de expansão territorial paraguaia, no momento inoportuno, visto que, o
exército paraguaio, ainda era recente e não estava bem preparado para realizar
uma investidura internacional de grandes proporções, como invadir
concomitantemente os dois países mais populosos (Brasil e Argentina) da
América do Sul e mais ligados às potências internacionais, principalmente à
Inglaterra, a maior interessada no fracasso Paraguaio.
Embora bem militarizado internamente, o Paraguai apresentava sérias
deficiências na sua Marinha, fator essencial de proteção às costas do país e de
combate em águas fluviais ou marinhas, que é um ponto decisivo, em qualquer
conflito internacional.
A maior força paraguaia se concentrava em terra visto que, o Paraguai, é uma
nação que não tem ligação direta com o mar.
Às vésperas do conflito, o Paraguai dispunha de sessenta mil homens
bem treinados e 400 canhões. Os recursos de transporte e
abastecimento, porém, não atendiam às exigências de uma
movimentação de tropas em campanha. A maioria dos canhões estava
fixada na fortaleza de Humaitá, onde também se encontravam grandes
efetivos de infantaria. Quanto às forças navais, essenciais para um país
cuja única via de comunicação com o exterior era a bacia platina, López
só dispunha de 14 pequenas canhoneiras fluviais.
O Brasil podia lançar em campo 18.000 homens, dos quais oito mil
estavam nas guarnições do sul; contava com uma força naval
considerável e bem treinada, com uma esquadra de 42 navios, embora
alguns deles, pelo calado, não fossem apropriados à navegação fluvial.
A Argentina possuía apenas oito mil homens e não dispunha de uma
marinha de guerra quantitativamente apreciável. As forças do Uruguai
contavam menos de três mil homens, sem unidades navais. (BARSA,
2004:119-Vol. 11).
66

Assim, não é de se estranhar a afirmação de que a situação da Guerra começou


a se tornar favorável aos aliados - Brasil, Argentina e Uruguai - a partir da Batalha
Naval do Riachuelo, ocorrida em 11 de junho de 1865, travada no Rio Paraná,
onde a esquadra brasileira dizimou a marinha paraguaia.
Se o Paraguai fosse possuidor de uma marinha bem equipada, talvez o desfecho
da guerra tivesse sido diferente. (grifo nosso).

3.2.4 – O Mercantilismo ou Colbertismo na França.

A ascensão da burguesia ao poder na França, não se deu de maneira tão natural,


em virtude do seu fortalecimento econômico, da mesma forma como ocorreu na
Alemanha e na Inglaterra, principalmente.
Enquanto a burguesia assumiu o poder econômico na Inglaterra, como resultado
da formação de parceria entre essa e a Coroa e; na Alemanha, como decorrência
da reciprocidade de apoio entre os produtores agrícolas e a burguesia industrial
ascendente em relação à ditadura de Bismarck; na França, o poderio político e
econômico, ainda estava nas mãos da aristocracia feudal, detentora da maior
quantidade de terras.
Na fase embrionária do Mercantilismo, a França era a maior potência econômica
agrícola da Europa, uma vez que detinha o controle das terras mais produtivas da
parte ocidental desse continente, além de ter um território formado por extensas
planícies, o que era altamente favorável à existência de grandes feudos,
viabilizando assim, o controle total da economia, por parte da nobreza feudal.
Assim, OSER & BLANCHFIELD, (1987:23), se manifestam a respeito do
mercantilismo francês:
Na França, o mercantilismo tinha características feudais mais fortes, e
os interesses monopolistas entrincheirados foram ainda mais bem
sucedidos ao conseguirem que o governo interviesse em seu favor. [...]
Uma legião de oficiais governamentais, juízes, inspetores e oficiais de
execução também foi beneficiada com as regulamentações
mercantilistas. O governo francês (mas não o inglês) recebeu receita
significante proveniente de multas, concessões e privilégios de
monopólio vendidos aos negociantes. Os oficiais recebiam uma
porcentagem das multas cobradas dos violadores das regulamentações
governamentais.

Nesse período, a burguesia pertencia ao terceiro estado, que era constituído, por
artesãos, comerciantes e camponeses. O primeiro e o segundo estado eram
compostos pelo clero e a nobreza feudal respectivamente, que controlavam toda
67

a economia e a política desse país.


A nobreza e a Corte, com o apoio do clero, formavam a aristocracia dominante.
Nesse aspecto, a burguesia era altamente discriminada pelo poder aristocrático.
Nesse contexto, como a França não teve nenhum representante da classe
burguesa responsável pela difusão e propagação das idéias mercantis, estas
foram apropriadas pelos representantes burocráticos do Governo. O principal
desses representantes foi Jean Baptiste Colbert.
Em virtude de ser Colbert o responsável pela implantação do pensamento
mercantil na França e, de exercer imensa influência sobre essas idéias, o
mercantilismo nesse país é também chamado de Colbertismo.
Colbert foi um burocrata, Ministro das Finanças da França, no reinado de Luis
XIV, filho de família de classe média, que “chegou a posição de grande destaque,
em geral, por meio de métodos inescrupulosos”. (OSER & BLANCHFIELD,
1987:31).
Como o principal representante da Coroa, Colbert trabalhava em função dos
interesses da grande aristocracia feudal francesa e do fortalecimento do Estado
absolutista, em detrimento das demais classes populacionais. “A nobreza vivia
parasitariamente, à custa do Estado francês”. (CÁCERES, 1993:124).
OSER & BLANCHFIELD, (1987:32), afirmam que:
Os privilégios de monopólios e subsídios foram oferecidos a novas
indústrias, especialmente aquelas que eram mais difíceis e caras para
se estabelecerem. Mas este sistema poderia ser usado abusivamente, e
alguns monopólios foram concedidos para gerar dinheiro para o Estado
e para beneficiar cortesãos favoritos.
Apesar de seu desprezo por homens de negócios, Colbert fez aprovar
leis que permitiam aos aristocratas participarem do comércio sem perder
sua posição e seus privilégios.

Assim, a proposta mercantil e o absolutismo foram implantados na França de


cima para baixo; ou seja, Colbert, se apropriou dessas idéias, em benefício da
aristocracia dominante, ignorando a força embrionária da burguesia que passava
paulatinamente a ocorrer no interior do país.
Colbert não confiava, e discriminava, da mesma maneira que toda a aristocracia
feudal francesa, a burguesia mercantil.
Colbert considerava os pequenos comerciantes, também chamados de
“negociantes”, como um “bando sem visão, egoísta e avarento que sacrificava os
interesses nacionais em favor de seu próprio lucro”. (OSER & BLANCHFIELD, p.
31).
68

OSER & BLANCHFIELD, (p. 31) ainda asseveram que Colbert “foi um defensor
da acumulação de metais preciosos que acreditou que a força de um Estado
depende de suas finanças, que, por sua vez, dependem da coleta de impostos; as
receitas tributárias são maiores se o dinheiro for abundante. Apoiava a expansão
de exportações, redução de importações, e leis que impedissem a saída de ouro
do país”.
Considerava ainda que a atividade mercantil baseada no comércio exterior era a
única fonte de riqueza para uma nação, uma vez que “um país pode tornar-se
mais rico somente às custas de outro, porque o volume de comércio, o número de
navios empregados no comércio e a produção de bens manufaturados são todos
relativamente fixos”. (p. 31).
Afirmava que, para que uma nação se tornasse forte e conseguisse acumular
riquezas sob forma de ouro e prata, eram necessárias quatro profissões
principais: “agricultura, comércio, guerra em terra e guerra em mar”. (p. 31).
Imbuído dessas idéias e para atingir os objetivos propostos que era o
enriquecimento da Corte e fortalecimento do Estado, Colbert criou e aumentou
vários tipos de impostos, por intermédio da promulgação de leis, que oprimia
apenas as classes mais simples, uma vez que a aristocracia feudal composta pela
nobreza, clero e a Coroa não pagavam tributos e desfrutavam de todas as
regalias da Corte.
CÁCERES (1993:151-152) argumenta que “a França era sustentada pelo terceiro
estado, liderado pela burguesia e composto pelas camadas populares – os
poucos operários, os artesãos e principalmente os camponeses, maioria da
população francesa. Entre estes, mais ou menos um milhão, ainda estava
submetido à servidão. O terceiro estado financiava toda a estrutura parasitária do
Antigo Regime francês, pagando todos os impostos”.
Mesmo assim, as contribuições de Colbert, para o fortalecimento e crescimento
da França, foram significativos.
Colbert “desejou libertar a França da dependência dos manufatures estrangeiros.
A compra de ferro, porcelana, rendas, tecidos e outros artigos em Estados
vizinhos o perturbava. A fim de superar essa dependência, convenceu os artífices
estrangeiros a emigrar para a França. Ofereceu prêmios para encorajar a
produção nacional, especialmente das coisas cuja confecção exigia perícia.
Manufaturadores privilegiados foram isentados das regulamentações restritivas e
69

da supervisão das associações, sua administração foi a responsável pela compra


e operação, pelo Estado, das famosas fábricas Gobelin, que se tornaram grande
centro de adestramento para tecelões especializados”. (BELL, 1976:102).
(BELL, 1976:102) ainda afirma que Colbert “construiu uma marinha mercante e
uma marinha de guerra. As instalações portuárias foram melhoradas para facilitar
o movimento das mercadorias e ele ofereceu prêmios aos armadores e
construtores navais franceses. Promoveu companhias comerciais coroadas de
êxito e expandiu o império colonial, fazendo do comércio colonial um monopólio
francês. No que tange à sua teoria, ele acreditava que a única forma de erguer o
sue país consistia em tomar algo de outrem”.
Em que pese o sucesso momentâneo das reformas econômicas de Colbert, via
aumento da carga de impostos, essas melhorias não foram suficientes para
tirarem da França o marasmo, promovido pela aristocracia feudal, que; a cada
ano, ampliava o seu grau de dependência e de parasitismo em relação à Coroa e
ao Estado Francês.
Com o aumento vertiginoso da receita fiscal alcançada, como conseqüência do
aumento da carga tributária, a aristocracia francesa passou a imperar apenas e
tão somente, por intermédio de criação de leis visando interesses próprios,
aumento de pedágios e implementação de políticas tributárias, cada vez mais
coercitivas, que impediam o desenvolvimento das empresas instaladas no país,
pelo próprio Colbert, após sua saída do governo.
Já em meados do século XVIII, (BELL, 1976:119) afirma que “enquanto havia
progresso no crescimento colonial e na expansão comercial e industrial na
Inglaterra, a França possuía as maiores áreas de terras férteis e produtivas da
Europa Ocidental. A agricultura era a ocupação principal e a maior fonte de
rendas reais; contudo, os lavradores não eram prósperos por terem de suportar
pesados encargos tributários”.
Os monopólios criados por Colbert e cedidos à aristocracia feudal francesa,
portanto, beneficiados pelas políticas de doações e isenções tributárias, eram
todas improdutivas. O primeiro e o segundo estado ansiava apenas, por regalias e
concessões de benefícios fornecidos pela Coroa, enquanto que cabia ao terceiro
estado sustentar toda a estrutura parasitária dominante.
Assim, cabia ao terceiro estado pagar, à custa de pesadíssimos impostos o luxo e
os privilégios da aristocracia feudal.
70

As injustiças sociais existentes na França eram absurdas. Enquanto havia toda


forma de desperdício nos banquetes dos nobres, a população passava por
seriíssimas dificuldades, mergulhada num estado de miserabilidade sem
precedentes.
Crimes idênticos praticados por membros do primeiro, do segundo e do terceiro
estado, eram tratados de maneira diferente, com privilégios e indulgências
relegados aos primeiros e pena máxima aplicada aos cidadãos comuns. Assim,
se um nobre estuprava, matava, roubava, desviava recursos do Estado, eram em
sua maioria, perdoados pela Corte, enquanto que; se um cidadão comum
roubasse uma galinha para comer, por exemplo, era condenado à pena máxima.
Como já observado, eram os tributos, doações, isenções fiscais, pedágios e
outras formas de obtenção de rendas fáceis, as principais fontes de receita, que
garantiam os privilégios da aristocracia feudal.
BELL (1976:119) identificou quatro tipos de impostos principais, aplicados aos
membros do terceiro estado na França, sem considerar as corvéias e dízimos
pagos à Igreja. São eles:
O taille, considerado por Bell (p.119) como “o principal imposto direto. No sul da
França, era aplicado às terras e casas, mas nas outras partes do país, incidia
sobre a presumível fortuna do contribuinte, fosse qual fosse sua origem. Era
lançado arbitrariamente, não tendo base alguma para o seu cálculo. Recaía
somente sobre os lavradores, artífices e burgueses; os nobres e o clero estavam
isentos”.
A gabela é outro tipo de imposto apontado por Bell (p.119) que segundo ele,
correspondia ao monopólio do sal por parte da Coroa. “Todo súdito com mais de
sete anos de idade era obrigado por lei a comprar pelo menos sete libras-peso de
sal por ano, para usos exclusivamente na cozinha ou à mesa. Aplicava-se pesada
multa quando esse sal era usado para formar provisão. Eram empregados
agentes para prender qualquer pessoa que usasse sal contrabandeado, o qual
podia ser facilmente identificado em razão da inferioridade do sal do monopólio
governamental. Esse imposto foi uma importante causa de ódio a todas as leis”.
Os aides correspondiam a outro tipo de imposto que incidiam sobre as
mercadorias quando estas eram fabricadas. Depois, o mesmo tipo de imposto
incidia ainda, quando elas eram vendidas ao primeiro intermediário, e mais;
quando essas mesmas mercadorias estivessem “em trânsito e em todos os
71

pontos de parada durante o seu deslocamento, e, finalmente; quando entregues


aos varejistas. Esse imposto com freqüência somava até o preço do artigo. Não
havia uniformidade alguma na aplicação dos aides e da gabela”. (p. 119).
Os traites eram segundo ainda Bell (p. 119) “direitos alfandegários aplicados às
mercadorias que transitavam entre a França e outros países e entre as províncias
francesas. Alguns dos direitos tinham por finalidade proteger as indústrias
francesas, porém a maioria deles se destinava a produzir receitas reais. O mais
importante dos traites era o aplicado aos cereais. Esses impostos quando
aplicados, eram independentemente dos impostos senhoriais e de outras taxas”.
De uma população de 25.000.000, apenas 600.000, o que correspondia a apenas
4,2% desse total, detinham mais de 50% da riqueza acumulada da França.
Somente o clero era proprietário de 1/5 das terras desse país. Mas “em algumas
províncias ele era o dono de até duas terças partes. Além do dízimo, os ‘direitos
feudais’ de que a Igreja gozava produziam rendas que somavam centenas de
milhões de francos”. (p. 120).
Os lavradores, que constituíam a espinha dorsal da França, tinham
pouca oportunidade de tornar as terras agrícolas muito produtivas.
Aproximadamente nove décimos da população, ou mais de 21 milhões
de pessoas, viviam da agricultura. Aproximadamente um milhão eram
legalmente de servos, enquanto os restantes eram considerados ‘livres’.
Do total, somente uns quinhentos mil possuíam, de fato, terras. A
maioria dos lavradores trabalhava pela subsistência e um pequeno
salário. Alguns eram métayers (parceiros), que lavravam as terras que
lhes eram confiadas pelos proprietários na base da participação do
produto; mas também compartilhavam do pagamento dos impostos, que
eram enormes. Ainda outros lavravam pequenas áreas pelas quais
pagavam aluguel perpétuo, além dos tributos feudais. Esses eram os
infelizes pagadores de cens – provavelmente os mais infelizes de todos
os lavradores. O resultado líquido de todos esses impostos era que o rei,
o padre e o lorde embolsavam por volta de 75% das rendas totais do
lavrador médio. (BELL, 1976:120).

Assim, a Coroa podia criar quaisquer tipos de leis para garantir benefícios a
qualquer hora e a bel prazer, desde que os interesses de determinados grupos e
os seus próprios, fossem contemplados.
CÁCERES (1993:152) afirma que “apesar de ser a burguesia, no século XVIII, a
camada social mais rica e culta da sociedade francesa – em seus salões se
discutia e se desenvolvia a filosofia desse século: o Iluminismo 7 ou Ilustração -,
7
Nos séculos XVII e XVIII, melhorias das técnicas de produção e a intensificação das atividades
manufatureiras promoveram o desenvolvimento do capitalismo em alguns países da Europa,
principalmente na Inglaterra. “As técnicas de produção, a sociedade e a política também
tomaram grande impulso. O progresso das técnicas de produção levou a um grande
desenvolvimento das ciências naturais, como a mecânica, a física e a química, pois, para se
expandir a produção, era necessário conhecer as propriedades da matéria. As ciências naturais
72

sua situação social era de inferioridade em relação ao clero e à nobreza. Embora


muitos nobres arruinados casassem suas filhas com burgueses ricos, nos dias de
almoço em família a filha almoçava na sala com a nobreza, enquanto o genro
almoçava na cozinha com os criados. Os burgueses só podiam entrar nos teatros
depois de todos os nobres e clérigos terem ocupado seus lugares”.
Tais abusos praticados pela Coroa Francesa, em conluio com a aristocracia
feudal, fundamentada em leis cada vez mais absurdas, visavam extrair rendas em
espiral crescente para o Estado, da burguesia e da população mais humilde.
O principal instrumento utilizado pela Coroa, apoiada pela aristocracia feudal, que
também era beneficiada, era a política tributária. Tais atitudes praticadas de forma
irresponsável promoveram uma séria crise econômica e um caos social sem
precedentes, jamais vista até então, na história da Europa.
O excesso de leis emperrava a flexibilização da produção, inviabilizando assim, a
articulação e combinação das políticas de crescimento e desenvolvimento para o
país.
Esse quadro político-social, fazia surgir classes sociais extremamente ricas e
parasitárias (aristocracia feudal) que juntas detinham 4% da riqueza total da
França, em oposição à maioria da população, formada pelo terceiro estado, que
se posicionavam numa situação de miséria quase que total.
OSER & BLANCHFIELD (1987:37) argumentam que “a regulamentação
governamental detalhada da produção, especificando até os fios necessários por
polegada de tecido, pode ter em certa ocasião promovido a boa ordem e elevada
qualidade, mas certamente aprisionava a produção em uma camisa-de-força que
não possibilitava a experimentação, o aperfeiçoamento dos métodos de produção
ou a alteração dos gostos dos consumidores. Um governo extravagante e
corrupto tornava a vigência eqüitativa das regras impossível”.

desenvolviam o método experimental. Os cientistas decompunham a matéria em partes e


estudavam cada uma isoladamente. Essa era a base do método analítico, que também foi
introduzido nas ciências humanas. Filósofos e cientistas acreditavam que a utilidade das ciências
e da filosofia era dar ao homem conhecimento e domínio da natureza e da sociedade. Importantes
filósofos desse período achavam que o mundo se baseava em dois elementos: a matéria e a
consciência. A consciência ou razão humana era, pois, a única fonte de conhecimento da
natureza e da vida em sociedade. Esse racionalismo (uso da razão) implicava uma crítica à fé
como fonte do conhecimento. Os racionalistas, portanto, eram contra a religião e a Igreja, vendo
nelas um instrumento de ignorância e tirania. No plano da política, manifestavam-se pela restrição
do poder real e criticavam as instituições do Estado absolutista e a política econômica do
mercantilismo, que, devido à constante intervenção do Estado na economia, limitava o direito de
propriedade e impedia a livre-concorrência necessários ao desenvolvimento do capitalismo”.
(CÁCERES, 1993:132).
73

Ao mesmo tempo, as indústrias sofriam com a ganância e desejo de obtenção de


renda fácil, por parte da aristocracia dominante. Não havia nenhum critério ao
estabelecimento de taxas e pedágios por parte também, das autoridades internas
na França.
A indústria francesa foi retardada em seu desenvolvimento pelas
autoridades locais, que impunham pedágios internos, impostos e tarifas,
impedindo com isso o movimento de bens. A agricultura francesa foi
sobrecarregada pelas condições impostas pela nobreza proprietária de
terras. Enquanto os camponeses estavam sujeitos a impostos sobre a
terra e sobre os lucros da atividade agrícola, a nobreza e o clero eram
isentos. Os impostos variavam de um ano para outro, dependendo dos
caprichos do coletor e da riqueza dos camponeses. [...] os camponeses
precisavam pagar direitos ao lord ou senhor quando herdavam uma
propriedade ou quando a transferiam por venda. Eles precisavam
negociar com e pagar pesados encargos aos moinhos do senhor, aos
padeiros e aos lagareiros. Os nobres tinham o direito de caçar gamos
nos campos cultivados de seus camponeses, e as leis proibiam que se
arrancassem as ervas daninhas se as perdizes fossem perturbadas com
isso. A odiosa corvée feudal, revivida por Colbert e perpetuada após o
mesmo, forçava os camponeses e seus animais de trabalho a
trabalharem nas rodovias públicas sem receber pagamentos,
principalmente em benefício de outrem. (OSER & BLANCHFIELD,
1987:38)

Em virtude desses disparates, era o ódio e a indignação, que imkperavam dentro


das classes mais pobres da França, principalmente entre os intelectuais e
burgueses, pertencentes ao terceiro estado.
A conseqüência disso, foi a eclosão de revoltas constantes por parte das classes
mais populares que, indignadas com a situação, não viam a hora de se debelarem
contra o sistema, e procurarem estabelecer, um novo regime político, econômico
e social dentro do país.
Um século após o Governo de Colbert, já no reinado de Luiz XVI, este - talvez
estando preocupado com as revoltas populares e a estagnação em que a
economia se encontrava - convocou um liberal fisiocrata e antimercantilista, Anne
Robert Jacques Turgot, para assumir o Ministério das Finanças da França.
Com o objetivo de recuperar economicamente a França, ao mesmo tempo em
que queria flexibilizar e dinamizar a produção, Turgot realizou mudanças
significativas na vida social e econômica desse país.
No governo de Turgot, foi implantada a liberdade de comércio interno de grãos,
acabando com os pedágios, impostos e tarifas. Acabou com as guildas ou
corporações comerciais e as corvéias. Criou um imposto a ser aplicado apenas
aos proprietários de terras, uma vez que estes - considerava Turgot -, só
74

gastavam em luxo, inviabilizando os investimentos em atividades produtivas.


Ainda cortou drasticamente as despesas governamentais.
OSER & BLANCHFIELD (1987:45) afirmam que, no governo de Turgot, “o crédito
do governo melhorou tanto que conseguiu tomar emprestado uma grande soma
dos alemães a 4%, em vez dos anteriores 7 a 12%. Os pagamentos de juros
governamentais anuais foram reduzidos em quase dois terços. Turgot defendia
um imposto sobre a nobreza, liberdade das pessoas de escolherem suas
ocupações sem restrição, educação universal, liberdade religiosa e a criação de
um banco central como Napoleão o faria em 1800”.
Turgot também não admitia a interferência do parlamento francês na legislação.
Segundo Turgot, o parlamento eleito não teria poderes legislativos para
administrar a tributação, a educação e o auxílio à pobreza, (p. 46). Isso porque, o
parlamento e o poder judiciário, só viviam rodeados de festas, corrupção
generalizada e benefícios “políticos” e sociais. (grifo nosso).
Como era de se esperar, com todas essas mudanças, que penalizava apenas a
aristocracia feudal e os interesses da corte, o governo de Turgot não foi aprovado.
A nobreza odiava-o, porque desejava cobrar todos os impostos sobre a
terra. O clero desconfiava dele como um incrédulo que não só raramente
ia à missa mas também estimulava a liberdade religiosa! Os financistas
ressentiam-se do fato de que conseguira empréstimos no exterior a
taxas de juros menores do que cobravam. Os membros do séqüito real
estavam enraivecidos por sua oposição a suas extravagâncias, suas
sinecuras e suas pensões. Os tributadores de fazendeiros, que pagavam
somas a vista para o governo pelo direito de coletar tantos impostos
quanto pudessem, estavam irados porque Turgot desejava substituí-los
por coletores de impostos governamentais. A burguesia rica e
firmemente estabelecida opunha-se à sua interferência em seus
monopólios. Foi demitido por Luiz XVI em virtude dos protestos da corte,
de Maria Antonieta, e de outras pessoas influentes que estavam
perdendo privilégios por causa de suas políticas iluministas. Suas
reformas foram canceladas imediatamente, e não seriam reintroduzidas
na França até a Revolução Francesa em 1789. De fato, a queda de
Turgot tornou a Revolução Francesa inevitável, pois provou que o antigo
regime não poderia sofrer reformas. (OSER & BLANCHFIELD, 1987:46).

Impossibilitada de se juntar ao clero porque este fazia parte do primeiro estado e


apoiava firmemente as regalias do segundo estado, composto pela nobreza
feudal e pela corte, a burguesia francesa ascendente, não usufruía ainda, do
apoio da Coroa. Sabendo dessa impossibilidade e desejosa de tomar
definitivamente tanto o poder econômico quanto o político, a burguesia não teve
alternativa, a não ser se unir às demais camadas populares revoltosas.
75

Assim, a Revolução Francesa, e suas reformas econômicas, sociais e políticas,


marcava definitivamente a ascensão da burguesia ao poder também na França,
da mesma forma que aconteceu na Inglaterra e na Alemanha.
MARAT apud HUBERMAN (1985:162), “líder da classe trabalhadora mais pobre”
afirma que:
No momento da insurreição o povo abriu caminho por sobre todos os
obstáculos pela força do número; mas, por muito poder que tenha
conseguido inicialmente, foi por fim derrotado pelos conspiradores da
classe superior, cheios de astúcia, artimanhas e habilidade. Os
integrantes educados e sutis da classe superior a princípio se opuseram
aos déspotas; mas isso apenas para voltar-se contra o povo, depois de
se ter insinuado na confiança e usado seu poder, para se colocarem na
posição privilegiada da qual os déspotas haviam sido expulsos. A
revolução é feita e realizada por intermédio das camadas mais baixas da
sociedade, pelos trabalhadores, artesãos, pequenos comerciantes,
camponeses, pela plebe, pelos infelizes, a que os ricos
desavergonhados chamam de canalha e a que os romanos
desavergonhosamente chamavam de proletariado. Mas o que as
classes superiores ocultam constantemente é o fato de que a revolução
acabou beneficiando somente os donos de terras, os advogados e os
chicaneiros.

Esse conflito ficou marcado como uma das guerras civis mais sangrentas de toda
a história da humanidade.(grifo nosso).
De um lado estavam: a coroa francesa, o primeiro e o segundo estado; todos
constituídos por grupos privilegiados que viviam à custa do sacrifício econômico e
social do resto da população composta, pelo terceiro estado.
De outro lado estava justamente o terceiro estado; formado pela burguesia
ascendente e o resto da população, que se encontravam indignados pelo
processo de submissão, humilhação e imposições de leis coercitivas, criadas pelo
primeiro e segundo estado, apenas com o objetivo de verem perpetuadas as suas
regalias e excessos de toda natureza, que esses praticavam.
Com o primeiro e o segundo estado; extremamente fortalecidos, contra o poderio
do terceiro estado, constituído pela burguesia com alto poder econômico e o resto
maciço da população, extremamente indignada e disposta a tudo para tomar o
poder, teve início a Revolução Francesa em 1789.
Assim, a correlação de forças entre os grupos envolvidos era enorme. Ambos os
grupos estavam muito bem armados. A dimensão do conflito foi gigantesca. De
repente, a França, um dos maiores países da Europa Ocidental, estava envolto
num banho de sangue sem precedentes. (grifo nosso).
76

O resultado do conflito marcou a ascensão definitiva da burguesia francesa ao


poder, tanto política quanto economicamente falando.
HUBERMAN (1985:162-163) afirma que “depois que a Revolução acabou, foi a
burguesia quem ficou com o poder político na França. O privilégio de nascimento
foi realmente derrubado, mas o privilégio do dinheiro tomou seu lugar. [...]
Quando o fumo da batalha se dissipou, viu-se que a burguesia conquistara o
direito de comprar e vender o que lhe agradasse, como, quando, e onde quisesse.
O feudalismo estava morto”.
Realmente, o feudalismo, assim como todo o período medieval, encerrava de
maneira definitiva a última página de sua história, consolidado pela eliminação de
uma classe social (a nobreza) - que prevaleceu durante todo esse período - e sua
substituição pela burguesia, uma nova classe social, que ascendeu e se mantém
ainda hoje no poder, tendo toda a sociedade, em todos os seus aspectos
econômicos, político e social, sob seu controle.
Assim nascia mais uma elite burguesa na Europa: a elite francesa, que foi se
juntar às outras duas, criadas no período mercantil; no caso, a elite Inglesa e a
Alemã, que passaram, todas juntas, a dominar o mundo, nos séculos
subseqüentes, e que prevalece até os dias atuais. (grifo nosso).
Como as políticas de crescimento e desenvolvimento econômico desses países
eram voltadas de dentro para fora, ou seja, do mercado interno para o externo,
desenhava-se assim, um quadro de possível confronto entre essas elites no
terreno internacional.
Nessa ótica, o cenário para a eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial já se
desenhava para os períodos subseqüentes; como já afirmado anteriormente.
(grifo nosso).
Assim, encerrava-se mais uma etapa do processo dialético, que é a do período
medieval, marcado pelo fim do feudalismo e do mercantilismo, e sua substituição
pelo regime capitalista, tendo a burguesia como a principal classe dominante.
Cabe ainda observar que, o uso abusivo de leis, criadas pela Coroa francesa,
apenas para atender suas regalias, foi crucial para gerar o descontentamento da
burguesia - cada vez mais fortalecida e sobrecarregada pela prática abusiva de
impostos e taxas e que era usada de toda forma pela Coroa e seu séquito –
contra o sistema absolutista, o que culminou na Revolução Francesa de 1789.
(grifo nosso).
77

A Revolução Francesa inaugurou outro sistema de governo, no caso, o sistema


político republicano, caracterizado pela fragmentação do poder em três tipos
distintos: o legislativo, o judiciário e o executivo.
Por mais incrível que possa parecer, o sistema republicano apresenta um fato
extremamente curioso. Este fato traduz-se pelo revezamento no cargo de
Presidente que é vago, e é trocado por candidatos em tempos determinados, de
acordo com a legislação de cada país, e com a vontade das sete elites
burguesas, a saber: a estado-unidense, a alemã, a inglesa, a francesa, a
canadense, a italiana e a japonesa que estabelecem correlações de forças, para
eleger seus simpatizantes nos países periféricos. (grifo nosso).
Assim, estavam instauradas as bases para a implantação da pseudodemocracia.
A partir daí, a sociedade passou a ser controlada pelas “leis”, pelos esquemas
articulados conjunturalmente e pelos decretos. O povo saia do jugo da chibata e
da espada, e passava a ser controlada pela ditadura do papel e da caneta, tendo
a lei como seu principal instrumento.
Se atualmente a lei é utilizada como instrumento para manutenção do status quo
fundamentada nos princípios positivistas proposto por Augusto Conmte, é bom
não esquecer que foi justamente o excesso de leis que provocaram a fuga dos
cidadãos da cidade para o campo, no início do período feudal, assim como
também foi novamente o excesso de leis que provocaram a fuga da população do
campo para as cidades, já em meados do período feudal, como também há que
se observar que o mesmo quadro voltou a prevalecer na França, o que culminou
com a Revolução Francesa de 1789.
Na realidade a lei não foi, em nenhum desses casos utilizada como instrumento
promotor da justiça e garantidor da liberdade. Pelo contrário, a lei foi o principal
objeto promotor das injustiças sociais nesses períodos, do despotismo, da tirania
e da insanidade gerando convulsões sociais das mais severas, em praticamente
todas as partes do planeta.
Até aqui prevalecem válidos as argüições do Apóstolo Paulo, quando este afirma
o que já foi apresentado em páginas anteriores e que é relembrado na forma
como segue:
Porque eu não compreendo o que faço: porque não faço esse bem que
quero: mas o mal que aborreço, esse é que faço. Se eu porém faço o
que não quero: consinto com a lei, tendo-a por boa. E neste caso não
sou eu já o que faço isto, mas sim o pecado que habita em mim. Porque
eu sei que em mim, quero dizer na minha carne, não habita o bem.
78

Porque o querer o bem, eu o acho em mim: mas não acho o meio de o


fazer perfeitamente. Porque eu não faço o bem que quero. Mas faço o
mal que não quero. Se eu porém faço o que não quero, não sou eu já o
que faço, mas é sim o pecado que habita em mim. Portanto querendo eu
fazer o bem, acho a lei de que o mal reside em mim. Porque eu me
deleito na lei de Deus, segundo o homem interior. Mas sinto nos meus
membros outra lei, que repugna à lei de meu espírito, e que me faz
cativo na lei do pecado, que está nos meus membros. Infeliz homem eu,
quem me livrará do corpo desta morte? A graça de Deus por Jesus
Cristo, nosso Senhor. Assim que eu mesmo sirvo à lei de Deus segundo
o espírito, e sirvo à lei do pecado, segundo a carne. (EPÍSTOLA DE
SÃO PAULO APÓSTOLO AOS ROMANOS. Cap. 07. Vers. 15 – 25).

Na realidade, a lei que deveria ser instrumento promotor da justiça e garantidor da


liberdade, é utilizada segundo os desejos da ganância, da avareza e da vaidade
por grupos inescrupulosos que se antepõem à vontade e à liberdade universal.
Assim, a lei ao invés de garantir a liberdade plena é utilizada como instrumento
promotor da injustiça uma vez que ela passa a ser um veículo viabilizador do
prazer e da iniqüidade, servindo apenas aos desejos da carne e não à vontade do
espírito, isso porque ela obedece à vontade do homem e não de Deus que é
espírito. (grifo nosso).
De qualquer forma, em quaisquer dessas situações e condições, sempre estão
presentes as imposições das sete elites mundiais, que sempre fazem prevalecer
suas vontades. (grifo nosso).
A esse número, é bom ressaltar, é acrescida uma oitava elite, que é a elite militar,
e não econômica, da Rússia, que juntas tomam as diretrizes econômicas e sociais
do planeta. (grifo nosso).
79

3.2.5 - As contribuições econômico-filosóficas do período mercantil, para a


formação da Economia como Ciência Social.

A maneira como cada país se desenvolveu na Europa, suscitou diversas


discussões entre os pensadores sociais da época, que investigavam, sobre qual
era a atividade econômica que eles consideravam como fundamental, para
fomentar o crescimento e desenvolvimento das nações. No campo econômico,
essa era a discussão em voga e o principal desafio a ser enfrentado.
Assim, por exemplo, na Espanha e Portugal, o mercantilismo baseado puro e
simplesmente na acumulação de metais preciosos, era visto como o principal
responsável pelo alto grau de desenvolvimento e crescimento desses países.
Essa visão era corroborada pelos mercantilistas holandeses, responsáveis pelo
financiamento do desenvolvimento do comércio na Península Ibérica,
principalmente, de Portugal.
Os pensadores franceses, nesse período, eram adeptos da mesma teoria
defendida por Portugal, Espanha e Holanda, que se baseava pura e
simplesmente na ótica do acúmulo de metais preciosos, como fator fundamental
responsável pelo crescimento e desenvolvimento de uma nação.
Entretanto, como já visto, na França não prevalecia apenas e tão somente as
idéias mercantis. Como a França era o principal país agrícola da Europa, sendo,
portanto, o berço das idéias feudais, o pensamento mercantilista puro, sem
regalias e discriminações, não era visto com bons olhos.
Na realidade, nesse país, os principais defensores das idéias mercantis eram os
governantes burocratas ligados à Coroa Francesa, que utilizavam dessas idéias
apenas em benefício próprio, a fim de fomentar suas regalias em detrimento das
classes menos privilegiadas, principalmente as pertencentes ao terceiro estado,
que, segundo a aristocracia arcaica, o clero e a Coroa, deveriam permanecer em
estado estacionário.
Como também já observado em páginas anteriores, o pensamento mercantil foi o
principal responsável pelo crescimento e florescimento do absolutismo na Europa.
O absolutismo era, por conseguinte, um regime que agia em defesa dos
interesses da criação de um Estado forte, beneficiando a Coroa e a aristocracia
feudal, na França, Espanha, Portugal e Holanda, mas que; ao mesmo tempo,
beneficiou em muito, o surgimento e fortalecimento da burguesia na Inglaterra e
80

na Prússia (atual Alemanha e Áustria), na época, países pobres, que utilizaram do


pensamento mercantil, por intermédio da união de interesses entre o Estado e a
Burguesia, para se tornarem potências econômicas.
Em virtude do fortalecimento do Estado representado pela Coroa, assessorada
pela aristocracia feudal (na França, Portugal, Espanha e Holanda), e, em
contrapartida, pelo surgimento e crescimento da burguesia por toda a Europa, em
alguns países, como Inglaterra e a Prússia, essa fazendo aliar seus interesses
aos do Estado, se transformando na Elite econômica dominante, as divergências
políticas e econômicas entre essas duas classes sociais (burguesia e nobreza ou,
simplesmente aristocracia feudal), foram se acirrando.
Com o decorrer do tempo, esse quadro foi transferido para as idéias políticas,
econômicas, filosóficas e religiosas existentes na Europa.
Foi assim que nasceu a Reforma Protestante e, principalmente, o Iluminismo na
Inglaterra, por intermédio das idéias do filósofo, economista e liberal John Locke,
que; tendo o individualismo, o racionalismo, e o liberalismo, como pilastras de
suas análises, estas se transformaram em conjunto, por conseguinte, nas bases
filosóficas do capitalismo.
De todas as formas, essas análises desembocavam sempre sobre os
questionamentos econômicos, em praticamente, todos os países da Europa,
fazendo acirrar as divergências políticas e econômicas entre a elite embrionária
(burguesia) e as classes mais conservadoras (aristocracia feudal e clero),
transformando a Europa num centro de embate político, econômico e social.
Esses embates eram mais visíveis nas discussões realizadas entre classes
sociais e entre Estados, estes últimos, ocorrendo mais em assuntos internacionais
se espalhando pelas colônias e possessões européias.
Todas as novas concepções filosóficas, políticas, econômicas e sociais, foram
muito bem absorvidas na Europa, pela burguesia e pelo sentimento protestante, o
que fomentou ainda mais, a crise social nesse Continente.
Assim, o debate econômico, político e filosófico eram mais visíveis entre as
classes intelectuais européias.
Na França, por exemplo, de um lado estava a aristocracia feudal; acrescida de
alguns comerciantes mais abastados, donos dos monopólios cedidos pelo Estado,
que defendiam a criação de um Estado forte, fundamentado na centralização do
poder total nas mãos dos reis, financiados por impostos cada vez maiores e
81

pressões diversas sobre o setor produtivo, para manter perpétuo, suas regalias.
De outro lado, estavam os intelectuais, a burguesia, os produtores rurais, os
artesãos e os demais cidadãos, que lutavam pela liberdade da produção e
circulação das riquezas, oriundas principalmente das atividades agrícolas, e que
defendiam ainda, a diminuição da carga tributária, que segundo eles, permitiria o
desenvolvimento e a flexibilização do sistema de produção, em alta escala, na
economia.
Nesse país, um dos principais defensores dessa concepção, foi François
Quesnay.
François Quesnay, pai da Escola Fisiocrática, era filho de um proprietário de
terras e “treinado para ser físico, fez fortuna com sua habilidade para a Medicina e
a Cirurgia. Foi promovido a físico da corte de Luis XV e de Madame de
Pompadour”. (OSER & BLANCHFIELD, 1987:42).
As contribuições de Quesnay e da Escola Fisiocrática, eram as que mais se
aproximavam das idéias dos filósofos ingleses, e que muito contribuíram para o
surgimento da economia como ciência social, principalmente.
Nessa concepção, o principal fator responsável pelo surgimento da Economia
como ciência social, foi a descoberta do conceito de “produto líquido”,
desenvolvido por Quesnay, que observou sua ocorrência nas atividades agrícolas.
A noção da existência do produto líquido na agricultura foi adotado por Adam
Smith, pai da Escola Clássica, e, se transformou no principal pilar de suas idéias,
o que viabilizou definitivamente, o desenvolvimento de suas análises, sendo
aplicado exaustivamente por este último, como bastião de sua principal obra “A
Riqueza das Nações”, já com outra denominação: a de “excedente econômico”.
Assim, a geração do excedente econômico na Economia, que, segundo Smith,
ocorreria não só na agricultura, mas em todas as atividades produtivas, desde
que essas fossem realizadas pelo trabalho dispendido pelo trabalhador numa
atividade produtiva, era o principal combustível viabilizador do acúmulo de capital.
Acumulação de capital essa que, além de incentivada, deveria ser preservada e
ampliada, se constituindo, no principal agente promotor do desenvolvimento
econômico e enriquecimento das nações, de acordo com visão do mesmo Smith.
É bom ressalvar ainda que, por seu turno, a idéia de acumulação de capital, como
fator principal fomentador da formação da riqueza das nações e viabilizador de
seu crescimento e desenvolvimento econômico, foi emprestada por Smith, do
82

pensamento mercantilista. (grifo nosso).


As análises seguintes passam a se fundamentar em torno desses
questionamentos, uma vez que esses, foram os principais pontos que viabilizaram
o surgimento da Economia como ciência social.
Nesse contexto, esse quadro será analisado por etapas, a partir do estudo e
análise sucinta, das principais escolas econômicas que possibilitaram o avanço
da economia como a ciência social mais avançada de todos os tempos e que
serão vistos a seguir.

4 - A ESCOLA FISIOCRÁTICA.

As propostas mercantis foram utilizadas como instrumento de incentivo ao


comércio, fortalecimento do Estado e da burguesia que, atuando de maneira
conjugada, provocaram o desenvolvimento econômico de algumas nações e de
certos segmentos da economia e não, o sistema social em toda sua abrangência,
é bom que se diga, na Europa Ocidental.
As classes sociais menos abastadas ou desprovidas de quaisquer tipos de
recursos, estavam relegadas à miséria e a mendicância, que insistiam em manter
o seu estado de inanição. (grifo nosso).
Na França, por outro lado, o mercantilismo foi utilizado como objeto de
manutenção das regalias, da corrupção, dos excessos e parasitismo praticados
pela Corte e pela Aristocracia Feudal, sobre o Terceiro Estado, por intermédio da
cobrança cada vez mais elevada de impostos, taxas e pedágios de toda natureza.
Esse quadro parasitário se tornou um grande obstáculo aos interesses da
burguesia já fortalecida, e também dos produtores agrícolas, que, para
produzirem, tinham de atender, por imposição de leis, a todos os abusos
praticados pelo Primeiro e Segundo Estados.
Nesse último caso, os produtores, em sua maioria, constituíam a classe dos
arrendatários que, para cultivarem a terra tinham que, além de pagar altos preços
pelo arrendamento dessas terras aos seus proprietários (a nobreza e à igreja), se
submetiam ainda, aos abusos praticados pela oligarquia dominante e pela Coroa.
Os impostos e taxas, que eram cobrados do terceiro estado, além de manterem
as extravagâncias dos membros do primeiro e do segundo estados, tinham
também a função de financiar as atividades mercantis que, na França, ficava sob
83

total controle da Coroa que a mantinha, apenas e tão somente para financiar seus
interesses. Em virtude disso, o sentimento antimercantilista ganhava força em
toda a França.
Dentre os grupos revoltosos com esses absurdos, estavam os Fisiocratas.
A classe dos Fisiocratas era um grupo constituído de intelectuais e economistas
liberais ativistas, que se opunham às regalias existentes na França da época, e
ao comércio puro e simples de mercadorias, defendidos pela casta mercantil.
Esses economistas, tendo François Quesnay como seu principal expoente, se
constituíam num grupo de pensadores que conseguiram descrever, com muita
propriedade, o processo de produção como um sistema econômico simples,
organizado por classes sociais distintas (a dos produtores, a dos proprietários e a
classe estéril), interagindo, cada qual, com uma função definida, e tendo por
objetivo, de maneira bem refinada, defender seus interesses econômicos e
garantir seus “status quo” dentro da escala política, econômica e social.
O modelo econômico criado para explicar esse quadro, foi desenvolvido por
François Quesnay (1694 – 1774), considerado como o primeiro economista que
conseguiu descrever de maneira bem simples, como a riqueza de um país era
distribuída entre classes sociais distintas e interagindo no mercado, cada uma
com sua atividade específica. Esse modelo econômico, foi publicado em 1758, em
uma página de jornal, com o nome de Tableau Économique.
Além de médico renomado e filho de proprietário de terras, Quesnay era também,
como já afirmado em páginas anteriores, físico e cirurgião .
No seu sistema econômico (Tableau Économique), Quesnay, procurava
demonstrar que a riqueza gerada na economia, por intermédio do que ele chamou
de “produto líquido”, deveria ocorrer de maneira livre, entre todas as classes
sociais, da mesma forma como “o sangue circula pelas veias”.
Para Quesnay, o produto líquido era uma renda adicional que só poderia ser
obtida na agricultura, uma vez que, era apenas na atividade agrícola que se
observava um acréscimo natural na quantidade obtida de produtos agrícolas, que
se dava por intermédio do processo de plantio e das colheitas.
Dessa forma Quesnay procurava demonstrar que, era na agricultura que, em se
plantando, por exemplo, uma pequena quantidade de sementes, estas - por
intermédio do processo de multiplicação e reprodução natural das plantas -
84

geravam grandes quantidades adicionais de outras sementes, como resultado da


prática dessa atividade.
Em termos quantitativos e remunerativos, era essa a única condição que existia,
para se obter uma renda adicional, que era gerada, pela comercialização das
quantidades adicionais de sementes, e que passava a constituir, o que Quesnay
denominava de “produto líquido”.
Em virtude disso, a atividade agrícola era considerada por Quesnay, como a
principal atividade econômica.
De forma mais específica ainda, de acordo com Quesnay, isso era possível
porque, quando o produtor planta uma determinada semente, esta germina, dá
origem a uma planta, que depois cresce, floresce e; por conseguinte, através
desse processo, gera uma grande quantidade de sementes adicionais.
De posse dessas novas sementes, o produtor as colhe, faz a sua estocagem e,
posteriormente, as vende no mercado, obtendo uma renda com isso. Com a
renda obtida pela venda das sementes, o agricultor paga todas suas despesas e
com o que lhe sobra, compra novas sementes no mercado, faz arrendamento de
novas terras e dá início a um novo ciclo de produção, gerando novas receitas
adicionais, com tal atividade.
Esse ciclo, segundo ainda Quesnay, faz criar um processo de produção e
distribuição de riquezas entre as classes sociais, resultando automaticamente,
esse processo, num sistema econômico fechado.
Esse sistema econômico, por conseguinte, é realizado pelos agentes econômicos
que estão inseridos e distribuídos entre as classes sociais. Os agentes
econômicos integrantes desse sistema foram definidos por Quesnay como sendo:
a classe dos produtores, a dos proprietários de terras e a classe estéril.
A classe estéril era constituída pelos demais cidadãos, que compreendia: os
industriais, os comerciantes e o resto da população.
Esta última classe social, era assim chamada por François Quesnay, porque ele
considerava que, os industriais, os comerciantes e o resto da população, apenas
transformavam e comercializavam, de forma respectiva, a riqueza que era gerada
na agricultura. Mais especificamente ainda, essa classe social só era considerada
por Quesnay, porque existia.
Para Quesnay, a classe principal e também a mais importante do sistema
econômico era a dos produtores. Isso porque, era essa classe, que trabalhava
85

diretamente na terra. A terra (como já afirmado), era a base da geração da


riqueza econômica, por ter a capacidade de gerar o “produto líquido”.
Nessa condição, para Quesnay, a classe dos produtores, deveria ser isenta do
pagamento de quaisquer tipos de impostos. Se os impostos recaíssem sobre os
produtores, essa situação provocaria uma transferência de renda, de uma classe
produtiva, para uma classe improdutiva, formada pela classe dos proprietários,
que viviam apenas e tão somente do aluguel de suas terras.
A classe dos proprietários compreendia: a oligarquia - formada pela nobreza, e
membros da aristocracia feudal detentores dos monopólios improdutivos criados
pela Coroa e cedidos a esses para garantir privilégios -, o clero e a própria Coroa.
De forma definitiva para Quesnay, os impostos deveriam recair apenas sobre os
proprietários de terras. Isso porque, esses viviam exclusivamente de rendas
geradas pelo arrendamento de suas terras aos produtores, e as gastavam
improdutivamente em bens de luxo.
Os bens de luxo, por conseguinte, eram considerados bens supérfluos, porque
não tinham uma função social básica e atendiam única e exclusivamente, aos
caprichos e extravagâncias das classes mais abastadas.
Os gastos com bens supérfluos provocavam um deslocamento de renda, de
setores produtivos, considerados essenciais ao desenvolvimento econômico, para
setores improdutivos. Então, nessa ótica, para evitar esse tipo de sangria na
economia, os impostos deveriam recair apenas e tão somente sobre a classe dos
proprietários de terras, que eram os únicos que desperdiçavam recursos
econômicos. Daí a insistência de Quesnay em defender a idéia de imposto único,
que deveria recair sobre a classe dos proprietários de terras e não sobre a classe
dos produtores.
No seu Tableau Economiqué, Quesnay procura explicar o funcionamento do
sistema econômico, sob a ótica da circulação da renda, da seguinte forma: a
classe dos produtores, para produzir, aluga uma faixa de terra da classe dos
proprietários pagando um valor por esse aluguel.
Uma vez arrendada a terra, com o que sobra de sua renda, o produtor faz a
aragem da mesma, compra novas sementes, os adubos, os fertilizantes, realiza o
plantio, promove a colheita, faz a estocagem e, posteriormente, as vende no
mercado, dando início a um ciclo de produção.
Por seu turno, com a renda obtida pelo arrendamento de suas terras, o
86

proprietário compra os bens de que precisa para sua sobrevivência da classe


estéril, como: calçados, vestuário, produtos alimentícios e, uma parte da própria
produção realizada pelos produtores, para seu consumo final.
Por conseguinte, os agentes pertencentes à classe estéril - com a renda que
obtém advinda da venda de suas mercadorias - compra as sementes que precisa
para consumo, dos produtores.
Assim, os produtores, além de venderem uma parte da produção para os
proprietários das terras, ainda vendem outra parte, para as demais classes
sociais, como: os comerciantes, os industriais, os artesãos, enfim; para a
sociedade como um todo.
Por intermédio da atividade de plantio, da colheita e das vendas das sementes
geradas pelo processo produtivo, a renda voltaria toda para o produtor, composta
de um valor adicional. Esse valor adicional ou renda adicional criada, é o que
Quesnay definia como “produto líquido”.
Em sua época, François Quesnay era o líder de um grupo de pensadores que
nutriam verdadeira simpatia pelos seus ideais, constituindo o que ficou conhecido
na História Econômica como a Classe dos Fisiocratas, ou, mais propriamente;
Escola dos Fisiocratas.
Dentre os admiradores de Quesnay, cabe destacar os principais que foram: o
próprio Anne Robert Jacques Turgot, ex-ministro das finanças da França, no
reinado de Luiz XVI, que foi demitido por este último, por praticar reformas que
iam contra os interesses da aristocracia feudal e da própria coroa, como já
comentado anteriormente e, Pierre Samuel du Pont de Nemours.
Quesnay, assim como todos os Fisiocratas, criticava de forma severa, a maneira
como a Aristocracia Feudal utilizava o poder, para usufruir dos benefícios e
regalias, que a força da lei podia lhes proporcionar. Isso era feito por intermédio
da imposição e legalização de impostos, pedágios de toda natureza e taxas cada
vez mais absurdas, que só faziam centralizar o poder e a renda, em torno de um
grupo estéril, truculento e extremamente autoritário, que só viviam para desfrutar
das regalias que o poder podia lhes proporcionar. (grifo nosso).
Além de tudo isso, as atividades mercantis eram privilégios apenas das classes
mais abastadas da França, apoiadas pela Coroa e pelo clero, ficando
discriminadas: a burguesia e as demais castas populacionais, pertencentes ao
terceiro estado, que tinham a obrigação apenas, de sustentar o sequitismo, o
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despotismo e sinecuras praticadas pelo primeiro e segundo estados.


Desiludido com a maneira que a lei era criada, imposta e praticada pelas
autoridades de sua época, Quesnay, para substituir essa extravagância, defendia
a idéia de que, eram as leis da natureza que deveriam regular, as atividades
humanas. Daí a expressão “fisiocrata”, ou mais propriamente “leis naturais” de
Quesnay.
Assim, para Quesnay, a lei da natureza - pela sua liberdade, naturalidade e
flexibilidade - deveria ser vista como, o único instrumento mais justo e digno,
capaz de regular as relações humanas e, por conseguinte, a Economia como um
todo.
Foi por intermédio dessa concepção, que Quesnay criou a idéia do liberalismo
econômico, fundamentado no princípio do laissez faire laissez passer (deixar
fazer, deixar passar) em oposição ao absolutismo, defendido pela escola
mercantil. Daí, origina a expressão de Quesnay, que afirma que a produção
econômica deve circular pelas classes sociais como o “sangue circula pelas
veias”.
No aspecto tributário, de acordo com afirmações exaustivas, se os impostos
continuassem a recair sobre a classe dos produtores no sistema econômico, essa
situação, no longo prazo, além do deslocamento de renda de setores produtivos
para setores improdutivos, provocariam um entrave no fluxo de produção, o que
afetaria toda a economia, em virtude da queda no nível das atividades
econômicas, redundando num decréscimo da geração da riqueza social como um
todo.
De maneira resumida, as contribuições de Quesnay e dos Fisiocratas para a
formação da Economia como ciência social, podem ser apresentadas como
segue:
 A divisão da sociedade em classes sociais distintas, interagindo dentro do
mercado, por intermédio da troca dos bens que eram produzidos, criando
assim, um sistema econômico simplificado.
 O liberalismo como o principal instrumento viabilizador da produção, do
crescimento e desenvolvimento econômico, uma vez que, esse, possibilitava a
intensificação das relações de troca entre os agentes econômicos (classes
sociais), de maneira natural, sem quaisquer tipos de intervenções no processo
de produção.
88

 A criação do imposto único incidindo sobre as classes mais ricas e


improdutivas dentro das relações de produção, uma vez que estas, tinham
como característica principal, entesourar e gastar improdutivamente a renda,
auferida dentro do processo de produção.
 A criação da noção do produto líquido, que foi a mais importante e original
contribuição de Quesnay, para viabilizar a evolução da economia como ciência
social.

Sem sombra de dúvidas, a idéia do produto líquido é a mais importante


contribuição da Escola Fisiocrática para a consolidação da economia como
ciência.
Na realidade, seria muito difícil tornar a Economia uma ciência interessante e até
mesmo que despertasse a curiosidade da sociedade como um todo, se não fosse
a contribuição da idéia de produto líquido desenvolvido por François Quesnay.
Até os dias atuais, a sociedade se divide em profundos debates sobre a forma
como será tratado o produto líquido gerado durante o processo de produção.
A discussão persiste em qual princípio adotar: se o produto líquido será
apropriado de maneira direta pelas classes sociais que o geraram, se será
acumulado por uma determinada classe social definida como prioritária, ou
transferido para outras classes sociais mais específicas, ou ainda, se será
distribuída para a sociedade como um todo.
De maneira geral, em que pese haja a denotação de cunho científico nos
questionamentos da Escola Fisiocrática, não há como dissociar tais
questionamentos dos interesses de classes, que estavam embutidos nessas
argüições.
OSER & BLANCHFIELD (1987:40) afirmam que os fisiocratas “apoiavam
especialmente as fazendas capitalistas, que empregavam trabalho assalariado e
técnicas avançadas. Os grandes produtores que possuíam excedente para venda
seriam auxiliados pela ênfase fisiocrática ao desenvolvimento agrícola e ao livre
comércio interno de grãos”.
HUGON (1995:99), corroborando com a maioria dos economistas hodiernos, faz a
consideração de que, realmente, a Escola Fisiocrática foi “a primeira ‘escola’
econômica”.
WALRAS apud HUGON (1995:99), observa que “os fisiocratas foram não
89

somente a primeira, mas a única escola de economistas que, na França,


apresentou uma Economia Política pura e original”.
Assim, mesmo possuindo uma fundamentação científica coerente que procurava
explicar o mecanismo de funcionamento do mercado, por intermédio de um
sistema econômico; os principais pressupostos da Escola Fisiocrática, foi
inspirada, pela necessidade de defesa de interesses de classes sociais
específicas. Mais uma vez, os fundamentos dialéticos estão implícitos nesse
quadro econômico e social.
Essa é a principal característica das escolas econômicas, que surgiram ao longo
da evolução das discussões sobre as relações de produção, e que possibilitaram
o surgimento da economia como ciência.
Adam Smith, emprestando a idéia de existência do produto líquido desenvolvido
por Quesnay, a transformou em excedente econômico, transferindo essa
abordagem, para o processo de produção da economia como um todo, por
intermédio da criação da teoria do valor trabalho.
A partir daí, a Economia ganhou nova roupagem e se transformou numa Ciência
Social das mais avançadas para a época, e também para os dias atuais.
Como se deu esse processo, dentro dos princípios dialéticos, abordando essa
mesma versão, já dentro da análise da Escola Clássica, é que passa a ser objeto
de estudo nas páginas seguintes da presente obra.

PAREI AQUI
90

5 - A Escola Clássica

A obra que deu origem à Escola Clássica foi “A Riqueza das Nações”, de autoria
de Adam Smith, publicada pela primeira vez em 1776, na Inglaterra, coincidindo
com a 1ª Revolução Industrial, ocorrida também no mesmo país, no mesmo ano.
Essa obra se destacou pela sua concisão e pelo fato dela - seguindo os moldes
do Tableau Economiqué de François Quesnay - ter apresentado a Economia
funcionando como um processo sistematizado, coeso, que dividia a sociedade em
classes sociais e que procurava explicar, como a economia se inter-relacionava
com todas as classes dentro de um sistema econômico dinâmico amplo, flexível e
consistente.
Ao mesmo tempo, essa obra trazia em sua estruturação novos pressupostos que
balizavam o funcionamento do sistema econômico e que procurava demonstrar
de maneira objetiva, como a riqueza de um país era criada.
Dentre esses pressupostos básicos se destacavam: a teoria do valor trabalho; do
valor de troca; do valor de uso; a idéia da racionalidade do homem econômico
baseado no individualismo; a produção manufatureira como a principal atividade
econômica geradora da riqueza, que se daria por intermédio da teoria do valor
trabalho; a idéia de que uma nação só atingiria riqueza máxima se conseguisse
acumular capital em grande escala (teoria da acumulação de capital) que, por
conseguinte, só seria obtida através da produção de mercadorias; a concepção
do liberalismo econômico, baseado no automatismo das forças de mercado
denominado por Smith de mão invisível; a concepção da divisão do trabalho como
fator fundamental, para gerar o aumento da produtividade e da riqueza; a idéia do
salário de subsistência; etc.
Num contexto geral, eram esses os principais fundamentos que direcionavam
todo o raciocínio analítico de Adam Smith.
É bom antecipar ainda que, a teoria de Adam Smith foi influenciada
significativamente pelas idéias de William Petty, que foi o primeiro economista a
antever a importância da produção manufatureira para o desenvolvimento da
atividade econômica de um país.
Também, nas idéias de François Quesnay, que foi o primeiro economista a
desenvolver a teoria do produto líquido – principal contribuição filosófica que
91

possibilitou à economia ascender como ciência social – e a divisão da sociedade


em classes sociais, sem contar o fato de que, Adam Smith era amigo de alguns
dos mais importantes economistas fisiocratas, dentre eles o próprio François
Quesnay.
Smith foi influenciado ainda, pelas idéias de John Locke, o principal filósofo e
economista inglês do período mercantil, criador dos pressupostos iluministas, que
com sua idéia de igualdade, liberdade e de individualidade, também muito
contribuiu para a elaboração dos pressupostos clássicos de Adam Smith,
principalmente da sua concepção de “homem econômico”.
Nesse contexto, é bom lembrar que, não há como desmerecer a importância de
Adam Smith para o desenvolvimento dos principais postulados econômicos e as
influências desses fundamentos, sobre a sociedade como um todo.
Novamente, volta-se a frisar que, a diferença de Adam Smith para outros
economistas de sua época, está no fato de que, ele foi o primeiro a reunir todos
os principais fundamentos econômicos embrionários existentes, dentro de um
raciocínio lógico, amplo, flexível, sistematizado e que possibilitava ao estudioso,
vislumbrar a economia funcionando como um todo, em torno desses
pressupostos. Tudo isso, tendo a idéia de relações econômicas realizadas entre
classes sociais, desenvolvidas por François Quesnay, como “pano de fundo”.
(grifo nosso).
Outro fator a considerar é a visão que Adam Smith tinha do funcionamento das
políticas econômicas de sua época; dos fatores que levaram ao crescimento das
principais potências européias desse período – principalmente a própria Inglaterra
- e de como essa concepção influenciava no desenvolvimento de seu raciocínio.
Para simplificação de análise e facilidade de interpretação, de forma sucinta, este
estudo, se concentrará apenas na análise desses postulados e nas
conseqüências empíricas desses princípios, para a evolução da Economia como
Ciência Social, bem como no reflexo dessa concepção, sobre a formação do
capitalismo, que é observado a seguir.
92

5.1 – Quanto à idéia de Smith de acumulação de capital.

Em 1776, as principais potências européias eram: Inglaterra, França, Holanda,


Portugal, já na sua fase de decadência e Espanha, esta última, também passando
pela mesma situação de declínio que experimentava Portugal.
Logicamente, o quadro econômico experimentado por esses países, muito
contribuíram para o desenvolvimento das idéias de Adam Smith.
Analisando o processo de enriquecimento dos principais países europeus da
época, Smith observou que essas potências foram criadas, por intermédio da
acumulação de capital, realizadas, de uma forma ou de outra.
Já foi considerado em páginas anteriores que, Portugal acumulou capital,
explorando suas colônias, no período mercantil, por intermédio da prática do
comércio ultramarino. A Espanha acumulou capital através do mercantilismo
denominado de bulionista ou metalista. A Holanda, por intermédio do
financiamento das atividades mercantis, utilizando para isso, o capital financeiro.
A França, em menor escala, pela atividade agrícola, na fase feudal e, a atividade
manufatureira, praticada pela burguesia pertencente ao terceiro estado, no
período de transição imediata entre o feudalismo, o mercantilismo e o surgimento
do capitalismo.
Já a Inglaterra, desenvolveu a atividade manufatureira, possibilitando a esse país,
centralizar dentro de suas fronteiras, quase toda a riqueza acumulada na Europa
Ocidental, principalmente de Portugal e Espanha, por intermédio da produção e
venda dos produtos manufaturados.
Em suas análises, Smith considerou que os capitais acumulados por outros
países, principalmente da Península Ibérica, foram transferidos para a Inglaterra,
por intermédio da venda de produtos fabricados nas indústrias inglesas. Daí
porque não estranhar a importância que Smith atribuía à acumulação de capital e
à atividade manufatureira. Então, a partir dessa hipótese, considerada como
irrefutável, Smith, em sua obra, afirmava que a única forma pela qual um país
pode atingir riqueza máxima, seria por intermédio da acumulação de capital.
Esse passaria a ser o principal objetivo de uma nação, se esta quisesse ser rica e
próspera. Essa afirmação de Smith acabou por se transformar, inclusive, no título
de sua principal obra denominada, conforme já visto de “A Riqueza das Nações:
93

Investigação Sobre sua Natureza e suas Causas”.


Entrementes, há que se observar que, Smith cometeu um equívoco de análise
quanto a essa observação. Na realidade, essa falta de Smith era muito comum
entre os teóricos desse período, e até entre os atuais, ao considerar uma
conseqüência como causa.
A acumulação de capital, certamente não é uma causa de riqueza e
fortalecimento de uma nação, e sim, a conseqüência de uma política bem
articulada, objetivos bem definidos e, por último, e fundamentalmente, pela
adoção, aplicação e desenvolvimento de novas tecnologias que possibilite a
qualquer atividade econômica minimizar custos e aumentar produtividade, o que
faz ampliar a capacidade produtiva de uma empresa ou nação, promovendo, por
conseguinte, a inclusão de novas classes consumidoras dentro do processo de
produção; o que faz gerar em conseqüência disso, a inclusão social.
A adoção, aplicação e combinação das principais tecnologias de navegação e de
guerra da época, como a bússola, o astrolábio, a pólvora, a construção de
caravelas – embarcações leves, velozes e com alto poder de destruição, uma vez
que estas eram dotadas de canhões de longo alcance - mais a contratação e
convocação dos principais navegadores existentes em Portugal, permitiram a
esse país, poder singrar os mares e descobrir, conquistar e pilhar novas riquezas
além mar. Essa situação permitiu a Portugal se transformar na principal potência
européia da primeira metade do século XVI.
Mesmo a condição de principal centralizador de riquezas da época, não garantiu a
Portugal, a perpetuação dessa situação, uma vez que toda a riqueza acumulada
por esse país foi transferida à Inglaterra, detentora da tecnologia da produção
manufatureira, e também à Holanda, detentora do capital financeiro, que bancou a
aventura portuguesa durante a vigência do comércio ultramarino.
Outro interessante ponto a observar é o fato de que, o que sustentou a
acumulação de riquezas por parte de Portugal de forma intensa, e sua situação
de liderança na Europa durante certo período, foi o domínio exclusivo da
tecnologia de produção do açúcar, extraído da cana de açúcar.
No entanto, a liderança de Portugal quanto à produção açucareira, entrou em
decadência, em virtude da concorrência do açúcar das Antilhas Holandesas, uma
vez que, quando da sua estada no Brasil, a Holanda aprendeu a produzir açúcar
extraído da cana, passando a ter, assim como Portugal, domínio dessa
94

tecnologia. Assim, depois de ter sido expulsa do Brasil pelos portugueses, a


Holanda implantou essa tecnologia nas Antilhas passando a fazer concorrência
com o açúcar brasileiro de forma muito mais vantajosa.
Aí sim, esse fator fez com que Portugal definitivamente entrasse em crise e em
estado de decadência de forma definitiva.
A Espanha enfrentou a mesma situação, porém em escala menos refinada, uma
vez que esse país se ateve apenas, a pilhar toda a riqueza em ouro e pedras
preciosas existentes na América Central, por intermédio da devastação e da
quase destruição completa dos povos maias e astecas, que havia na região do
que são conhecidos atualmente como México, na América Central, e Peru, na
América do Sul.
Em essência, pode-se dizer que a acumulação de capital não é fator primordial de
enriquecimento de nenhuma nação. O que permite a acumulação de capital,
diferentemente das idéias de Adam Smith, é a adoção de uma tecnologia
sofisticada consorciada com uma política de desenvolvimento sustentável de
médio e longo prazo.
Pelo contrário, a acumulação de capital é a causa de destruição de um país, em
escala elevada, se este não criar uma política de desenvolvimento fundamentada
na descoberta e emprego de novas tecnologias. Isso porque, fundamentalmente,
a acumulação de capital leva o país ao ócio e ao comodismo, o que tira a razão
de produção e desenvolvimento de competitividade por parte da nação.
Ao longo da história foi isso que se observou quando da decadência dos
principais impérios que já existiram na face da Terra, como foi o caso do Império
Grego e Romano, citados como exemplo.
Por seu turno, mesmo à margem do processo, a Holanda também se beneficiou
da adoção de novas tecnologias realizadas por Portugal. Isso ocorreu porque, a
Holanda, como detentora do capital financeiro, brilhantemente procurou financiar
as viagens portuguesas amarrando as condições do empréstimo, a tudo que
Portugal descobrisse e à política econômica que esse último implantasse nas
suas colônias.
Assim, por exemplo, para financiar a produção do açúcar português em terras de
Cabo Verde e do Brasil, a Holanda exigiu que, como forma de pagamento,
Portugal destinasse à esse país o direito exclusivo de distribuição do açúcar
português por toda a Europa. Assim, embora Portugal detivesse o controle da
95

tecnologia da produção, cabia à Holanda, a exclusividade do refino e da


distribuição, de todo o açúcar produzido, que são essas últimas etapas, diga-se
de passagem, os segmentos mais nobres e rentáveis de todo o processo de
produção.
Lógico que, dentro desse processo, em que pese Portugal retivesse uma bela
parcela do lucro obtido com a produção do açúcar, a maior parte desse lucro e de
todos os outros benefícios auferidos com esse processo, era de exclusividade da
Holanda.
Essa habilidade no trato com os contratos de financiamentos e empréstimos
realizados pela Holanda, possibilitou à esse país, ser o centralizador da maior
parte da riqueza gerada pela atividade açucareira desenvolvida por Portugal.
Tal condição, também possibilitou à Holanda se transformar num país
independente da Espanha, em 1581, só sendo reconhecida sua independência
por parte do Estado Espanhol, em 1648, ao mesmo tempo em que, surgia como
uma das maiores potências da Europa imediatamente após, o declínio de
Portugal e Espanha.
Outra causa do declínio do imperialismo português, e até mesmo do espanhol,
reside no fato de que, nesses dois países, não ocorreu o surgimento de uma elite
forte, dominante, como ocorreu com a Inglaterra, que foi marcada pela união dos
interesses da Coroa com a burguesia industrial, esta última, responsável pelo
desenvolvimento das atividades manufatureiras.
Na França, embora que tardiamente, a ascensão da burguesia ao poder só se
consolidou por intermédio da Revolução Francesa, ocorrida em 14 de julho de
1789, realizada contra a sociedade de ordens ou estado, onde a posição social
era determinada não pela propriedade das riquezas materiais, mas pela adoção
do sistema de nascimento e tradição, remanescentes do período feudal.
Nesse país prevalecia a subdivisão de classes sociais, baseadas na adoção do
sistema de estados. Assim, conforme já visto, o primeiro estado era constituído
pelo clero - que vivia do luxo e privilégios oferecidos pela Coroa – tal como o
segundo estado, constituído pela nobreza cortesã - que vivia junto à corte, e era
mantida pelas pensões pagas pela Coroa - e a nobreza togada - que era formada
de burgueses enriquecidos - que haviam comprado seus cargos e títulos da
Coroa. (CÁCERES, 1993:151).
O primeiro e o segundo estados - que compunham a nobreza - viviam de
96

privilégios e só tinha direitos, garantidos pela Coroa, enquanto que a burguesia -


que detinha o controle da produção manufatureira - pertencia ao terceiro estado, e
tinham como função básica, manter as regalias da Coroa e dos dois primeiros
estados, por intermédio de pagamentos de impostos, taxas, pedágios, multas e
outras imposições estabelecidas por intermédio de leis e decretos realizados em
níveis cada vez maiores.
A França só se desenvolveu pela ascensão da burguesia ao poder, defensora das
idéias iluministas e adeptos da reforma protestante, que, por conseguinte,
propunham o direito à propriedade privada dos meios de produção, ao
individualismo, e a garantia de altos lucros, para a classe burguesa.
Nesse contexto, a burguesia enriquecida, conseguiu articular para a França, além
de uma política nacionalista, um programa de desenvolvimento econômico de
médio e longo prazo, baseadas no trabalho, na produção em larga escala, e ao
fortalecimento do Estado, via proteção dos interesses e sustentação dos ideais
nacionais.
Na Alemanha, conforme já visto, ocorreu fato semelhante, caracterizado pela
adoção da política cameralista, desenvolvida por intelectuais e, baseada na
criação de um sistema de educação da população em massa; na defesa e
controle da alta tecnologia; no desenvolvimento de um sistema de produção
industrial sustentada pela criação de um programa de controle de qualidade, no
fortalecimento do Estado e, por último, na formação de uma burguesia defensora
dos ideais nacionalistas.
De tudo isso, pode-se concluir que, não foi a acumulação de capital que viabilizou
o desenvolvimento desses países, e sim, foi a acumulação de capital, a
conseqüência das políticas bem organizadas, consorciadas com o surgimento de
empresários altruístas, arrojados, inovadores que conseguiram desenvolver novas
técnicas de produção e combinação de tecnologias, que juntos, viabilizaram a
intensificação do enriquecimento e fortalecimento desses países.
Nesse contexto, cabe bem a aplicação do conceito do empresário inovador de
Schumpeter, que defende a idéia de que “o estimulo para o início de um novo
ciclo econômico viria principalmente das inovações tecnológicas introduzidas por
empresários empreendedores. Para Schumpeter, esse ponto é essencial. Sem
empresários audaciosos e suas propostas de inovação tecnológica, a economia
manter-se-ia numa posição de equilíbrio estático, num ‘ciclo econômico fechado’
97

de bens, nulos o crescimento real e a taxa de investimentos”. (SCHUMPETER,


apud SANDRONI, 00:547).
A maioria das principais potências do mundo, por conseguinte, só se
desenvolveram com o uso do capital externo, na impossibilidade de obter capital
financeiro no mercado interno, e não na acumulação de capital propriamente dita.
Exemplo mais latente disso, foi o caso de Portugal, que se desenvolveu com
capital holandês, cabendo uma ressalva apenas, no trato de Portugal em relação
ao estabelecimento das claúsulas contratuais, que muito prejudicaram esse país.
Assim a acumulação de capital é a conseqüência e não a causa de
desenvolvimento e enriquecimento das nações, como propõe Adam Smith.
Cabe ainda observar que a acumulação de capital não é um processo que tende
à estabilização depois de atingir níveis elevados de acumulação. Na realidade a
acumulação de capital é um processo contínuo que cresce de forma a atingir
níveis cada vez mais elevados. Nessa condição, a acumulação de capital se
transforma na centralização de capital, fazendo nascer estruturas de megas
estruturas de produção que se tornam inflexíveis, poderosíssimas como os
monopólios, oligopólios gigantescos.
Essas estruturas acabam por inviabilizar o processo de produção em níveis
competitivos, o que passa a refletir sobre problemas sociais gravíssimos como:
desemprego, inviabilidade do estabelecimento de políticas de controle de preços,
de produção, de desenvolvimento, gerando desequilíbrios sociais gravíssimos.
Por intermédio do seguimento do raciocínio de Karl Marx, o primeiro economista a
verificar esse desconforto causado pela centralização excessiva de capital sobre
o processo de produção foi BUKHARIN, que, em sua obra “A Economia Mundial e
o Imperialismo”, sobre isso, assim se manifesta:
Os dois principais processos de desenvolvimento capitalista são os processos de
concentração e centralização de capital – processos, que frequentemente, se
confundem, mas que convém distinguir rigorosamente. Marx dá a essas noções as
definições seguintes: “todo capital individual”, diz ele, “é uma concentração, em maior
ou menor escala, de meios de produção, com o correspondente comando de um
exército maior ou menor de operários. Toda acumulação passa a ser instrumento de
nova acumulação. Na medida em que cresce, a massa da riqueza que funciona como
capital, amplia a concentração nas mãos de capitalistas individuais; e alarga, portanto,
em grande escala, a base de produção e os métodos de produção especificamente
capitalistas. (...) O crescimento do capital social opera-se por meio do crescimento de
muitos capitais particulares. Dois pontos caracterizam essa espécie de concentração
que repousa diretamente sobre a acumulação ou, antes, que se confunde com ela (o
grifo é nosso). Em primeiro lugar, considerando-se iguais todas as demais
circunstâncias, a crescente concentração dos meios sociais de produção nas mãos de
capitalistas particulares tem por limite o grau de crescimento da riqueza social. Em
98

segundo lugar, a parte do capital social localizada em cada esfera especial da


produção, reparte-se entre numerosos capitalistas, independentes e concorrentes
entre si. A essa dispersão de capital social total em numerosos capitais individuais –
ou a essa repulsão recíproca de muitos capitais individuais – opõe-se a força de
atração. Já não se trata de uma concentração simples, idêntica à acumulação. Trata-
se da concentração de capitais já formados, da supressão da sua autonomia
particular, da expropriação de um capitalista por outro, da transformação de muitos
capitais pequenos em um punhado de avultados capitais. Esse processo distingue-se
do anterior por pressupor simplesmente uma repartição diferente dos capitais
existentes e já em função. o capital acumula-se nas mãos de um precisamente
porque sai das mãos de muitos. É a centralização propriamente dita, em oposição à
acumulação e a concentração” (KARL MARX, Le Capital. Livro Primeiro. T. IV, p. 89 –
90 apud BUKHARIN, 1988).

Na ótica descrita por Marx acima, e bem explicitada por Bukharin, o processo de
centralização de capital, já em oposição à acumulação capitalista, propriamente
dita, provoca por intermédio da concorrência entre os próprios capitais, a
expulsão dos capitalistas menos abastados e sua transformação em meros
proletários, que irão engrossar o exército industrial de reserva (desempregados).
Esses capitalistas falidos, não tendo mercadoria para vender no mercado e
dispondo de sua própria força de trabalho, acaba por vender essa força aos
capitalistas remanescentes, se transformando em meros assalariados, o que
acaba por fazer aumentar a concorrência entre os próprios trabalhadores,
provocando a queda da taxa de salário da massa proletária como um todo.
Os desequilíbrios sociais decorrentes desse processo são gravíssimos, com
aumento da miséria, da prostituição, do roubo, dos seqüestros, do tráfico, entre
outros. Tal processo descrito por Marx em 1867, na sua obra “O Capital”, e
ratificada por Bukharin em sua obra “A Economia Mundial e o Imperialismo”
publicada pela primeira vez em 1915, é que se vivencia nos dias atuais. (o grifo é
nosso).
Para minimizar os impactos negativos decorrentes desse processo, as mega
corporações acabam por recorrer ao Estado, e ao estabelecimento de leis cada
vez mais severas, respaldadas pelas abstrações despóticas e jurássicas de
Augusto Conmte denominadas de “ordem e progresso”.
Aqui, novamente as leis aparecem como “cinto protetor” dos interesses
capitalistas. (o grifo é nosso).
Por último, dentre todos; o maior crítico do processo de acumulação de capital é o
Profeta Isaías, filho do Profeta Amós, quando este afirma:
Ai de vós os que ajuntais casa a casa, e ides acrescentando campo a campo até
chegar ao fim de todo o terreno! Acaso habitareis vós só no meio da terra? Nos
meus ouvidos estão estas coisas, diz o Senhor dos exércitos. Verdadeiramente que
99

muitas casas grandes e vistosas virão a ficar ermas sem habitador. Porque dez geiras
de vinhas darão apenas um barrilzinho e trinta alqueires de trigo semeado não darão
mais que três. (ISAÍAS. Cap. 05. Vers. 08 -10).

Entrementes, a importância do desenvolvimento tecnológico consorciado com


novas técnicas de produção viabilizando em conjunto, a intensificação da
acumulação de capital, não passou despercebida pelo próprio Adam Smtih.
Pode-se fazer essa afirmação quando se considera o fato de que, para aumentar
a produtividade do trabalho e facilitar a acumulação de capital, Smith propôs a
divisão do trabalho em etapas, ou segmentos produtivos. Essa versão está
embutida na famosa história do processo de fabricação de alfinetes, utilizado por
Adam Smith, para explicar o aumento da produtividade e, em conseqüência, da
quantidade de alfinetes produzidos.
Assim, para Smith, ao invés de se colocar uma só pessoa para fabricar o alfinete,
o capitalista deveria dividir a produção desse produto em várias etapas,
colocando um indivíduo como responsável por cada etapa produtiva.
Nessa ótica, para produzir o alfinete, o capitalista deveria colocar uma pessoa
para desenrolar o arame, outra para endireitá-lo, um terceiro para cortá-lo, outro
para apontá-lo, um quinto para polir o arame, outra para fazer a cabeça do
alfinete, uma outra para fazer as pontas do mesmo e a última para colocar a
cabeça no alfinete, completando as etapas de produção.
Smith ainda afirmava que quanto mais se intensificava o processo de produção,
mais haveria uma tendência ao aumento da divisão do trabalho dentro do
processo produtivo.
No entanto, Smith considerava em sua própria obra que, essa subdivisão
excessiva do processo de produção em etapas produtivas tenderia a gerar certa
alienação dos trabalhadores dentro do próprio processo de produção.

5.2 – Quanto ao pressuposto de Adam Smith de divisão do trabalho em


etapas de produção.

Como já explicitado acima, para aumentar a produtividade e aumentar a escala de


acumulação de capital, Smith reconheceu a enorme importância da divisão do
trabalho dentro do processo de produção.
OSER & BLANCHEFIELD (1987, p. 72) afirmam que Smith reconheceu a
100

importância da divisão do trabalho no aumento da quantidade de trabalho


produtivo por três motivos:
[...] Primeiramente, cada trabalhador desenvolve destreza crescente no desempenho
de uma tarefa simples. Em segundo lugar, poupa-se tempo se o trabalhador não
precisa mudar o tipo de trabalho que realiza. Em terceiro lugar, pode-se inventar
maquinaria para aumentar a produtividade, uma vez que as tarefas foram
simplificadas e rotinizadas com a divisão do trabalho.

No entanto, o próprio Smith observou aspectos negativos advindos da divisão do


trabalho, como a alienação da classe trabalhadora, por exemplo, e a progressiva
perda de capacidade de participação dessa classe em questões complexas e de
interesse coletivo.
Sobre isso, Smith (Livro V, Cap. I, Parte 3 apud OSER & BLANCHEFIELD, 1987,
p. 72-73) afirmava:
No progresso da divisão do trabalho, o emprego da maior parte daqueles que vivem
do trabalho, isto é, da grande massa do povo, torna-se confinado a algumas poucas
operações simples, frequentemente uma ou duas. Mas o conhecimento da maioria
dos homens é necessariamente formado de seus empregos comuns. O homem cuja
vida toda é gasta no desempenho de umas poucas operações simples, das quais os
efeitos sejam, talvez, sempre os mesmos, ou aproximadamente os mesmos, não tem
oportunidade de ampliar seu conhecimento e exercitar sua capacidade inventiva na
descoberta de expedientes para eliminar dificuldades que nunca ocorrem Portanto,
perde, naturalmente, o hábito de raciocinar e, em geral, torna-se mais estúpido e
ignorante do que pode uma criatura humana tornar-se. O torpor de sua mente
subjuga-o, tornando-o não só incapaz de apreciar ou tomar parte de qualquer
conversa racional, mas de conceber qualquer sentimento nobre, generoso ou delicado
e, conseqüentemente, de formular qualquer julgamento justo referente à maioria das
tarefas comuns de sua vida privada. Sobre grandes e extensivos interesses de seu
país, é completamente incapaz de formular um julgamento; e, a menos que esforços
particulares sejam empreendidos para transformá-lo no contrário, é igualmente
incapaz de defender seu país na guerra. A uniformidade de sua vida sedentária
naturalmente corrompe a coragem de sua mente e faz que ele considere aborrecida a
vida irregular, incerta e aventureira de um soldado. Ela corrompe até mesmo a
capacidade de seu corpo e torna-o incapaz de esforçar-se com vigor e perseverança
em qualquer outro emprego que aquele para o qual foi treinado. Sua destreza em seu
próprio trabalho parece, desta forma, ser adquirida a expensas de suas virtudes
intelectuais, sociais e marciais. Mas, em toda a sociedade desenvolvida e civilizada,
este é o estado em que os operários pobres, isto é, a maior parte do povo, deve
necessariamente cair a menos que o governo tome algumas medidas para impedir
isto.

Para solução do problema, Smith propôs a atuação do governo no sentido de


promover a educação das pessoas comuns em escolas paroquiais gratuitas e
possivelmente obrigatórias.
Ideologias à parte, para melhor entender a maneira como se deu esse processo
no contexto da dialética, se faz necessário analisar essa questão, na ótica que
Marx atribuiu à mesma.
No seu contexto, Marx dividiu o sistema de divisão de produção em duas partes.
101

Uma que ele chamou de divisão social do trabalho, e outra, que o mesmo definiu
como divisão do trabalho na produção da manufatura.
Considerando apenas o trabalho, podemos chamar a separação da produção social
em seus grandes ramos, agricultura, indústria, etc., de divisão do trabalho em geral; a
diferenciação desses grandes ramos em espécies e variedades, de divisão do
trabalho em particular, e a divisão do trabalho numa oficina, de divisão do trabalho
individualizada, singularizada. (MARX, 1985, p. 402).

Parece banal, mas para entender com maior propriedade o que se passa no
contexto da economia política mundial atual, é preciso averiguar o critério adotado
por Marx para analisar o processo da divisão do trabalho analisando-o no
contexto da divisão social dentro do aspecto antropológico. Já a divisão do
processo na fabricação de manufatura, propriamente dita, será analisada na fase
posterior.

5.2.1 – O processo evolutivo da divisão social do trabalho em Marx.

Já foi visto em páginas anteriores, como se formaram as elites nacionalistas, dos


principais países da Europa, como: a Inglaterra, a França e a Alemanha, que se
desenvolveram, por intermédio da intensificação e diversificação das atividades
manufatureiras. A Itália, o Japão e os Estados Unidos se desenvolveram em
etapas posteriores, mas sempre obedecendo ao mesmo processo das demais
elites capitalistas, citadas acima.
Embora, segundo Marx, (p. 403), o processo da divisão social do trabalho na
sociedade e a divisão do trabalho na manufatura sejam os mesmos, tal quadro
ocorre de “pontos opostos”.
Assim, analisa Marx (1985, p. 403-404) esses dois processos:
Numa família e posteriormente numa tribo surge uma divisão natural de trabalho, em
virtude das diferenças de sexo e de idade, uma divisão de base puramente fisiológica.
Essa divisão amplia seus elementos com a expansão da comunidade, com o
crescimento da população e notadamente com o conflito entre as diversas tribos e a
subjugação de uma a outra. Conforme já observei, a troca de produtos se origina nos
pontos em que diferentes famílias, tribos, comunidades entram em contacto, pois, nos
começos da civilização, não são os indivíduos, mas as famílias, as tribos, etc. que
entram em relações como entidades independentes. Comunidades diferentes
encontram diferentes meios de produção e diferentes meios de subsistência em seu
ambiente natural. Seu modo de produção, modo de vida e produtos são por isso
diversos. É essa diferença natural que provoca a troca recíproca de produtos e em
conseqüência a transformação progressiva desses produtos em mercadoria, ao
entrarem em contacto as comunidades. A troca não cria a diferença entre os ramos de
produção, mas estabelece relações entre os ramos diferentes e transforma-os em
atividades mais ou menos interdependentes dentro do conjunto da produção social. A
divisão social do trabalho surge aí através da troca entre ramos de produção que são
originalmente diversos e independentes entre si. Mas, quando a divisão fisiológica do
102

trabalho constitui o ponto de partida, os órgãos particulares de um todo unificado e


compacto se desprendem uns dos outros, se dissociam, sob a influência da troca de
mercadorias com outras comunidades e tornam-se independentes até ao ponto em
que a conexão entre os diversos trabalhos se processa por intermédio dos produtos
como mercadorias. No primeiro caso, o que era independente se torna dependente;
no segundo, o que era dependente se torna independente.
O fundamento de toda divisão do trabalho desenvolvida e processada através da
troca de mercadorias é a separação entre a cidade e o campo. Pode-se dizer que
toda história econômica da sociedade se resume na dinâmica dessa antítese, em cujo
exame não nos deteremos aqui.

Fazendo uma projeção desse cenário descrito por Marx, para o comportamento
da Economia Mundial como um todo, podem-se diagnosticar as causas principais
que deram origem à divisão internacional da produção, que são explicadas, por
intermédio de estágios de desenvolvimento de cada nação.
Com o desenvolvimento e a intensificação da troca de mercadorias no cenário
internacional, ao longo do processo dialético, percebeu-se que, seguindo o
raciocínio de Marx, a relação de trocas obedeceu a um processo de gradações
paulatinas, ocorrendo primeiro entre as famílias, depois tribos e, finalmente entre
as nações.
Já foi visto em páginas anteriores, como se formaram as elites nacionalistas, dos
principais países da Europa, como: a Inglaterra, a França e a Alemanha, que se
desenvolveram, por intermédio da intensificação e diversificação das atividades
manufatureiras. A Itália, o Japão e os Estados Unidos se desenvolveram em
etapas posteriores, mas sempre obedecendo ao mesmo processo das demais
elites capitalistas, citadas acima.
Dentro desse processo foram se constituindo e formando nações, cada uma com
uma característica específica, que, para se formarem, dependeram e ainda
dependem das políticas de desenvolvimento e das estratégias econômicas
adotadas pelas suas elites, para se projetarem no cenário mundial.
Nesse cenário observou-se que, os países centrais, se formaram em torno dos
ideais defendidos pelas elites nacionalistas desses respectivos países tais, como:
a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, o Canadá e o
Japão.
Esses países juntos, formam o que pode-se chamar de sete elites, ou sete
nações mais poderosas do mundo, formando o que se chama hoje de Grupo dos
Sete (G. 7). Acrescenta-se a esse número a Rússia, que é considerada como
potência política em virtude do seu potencial bélico, formando o Grupo dos Oito
ou (G. 8). No entanto, o mesmo não acontece no campo econômico. No campo
103

econômico permanece o Grupo dos Sete (G. 7).


. , como as sete elites, ou sete nações mais poderosas do mundo, conhecidas
como Grupo dos Sete (G. 7).
e mais a Rússia (esta última reconhecida no campo político, apenas em virtude
do seu potencial bélico) que, porém, no cenário econômico perde a característica
de potência.
fundamentando-se no nacionalismo . essa passagem de Marx como gancho já dá
para se observar o surgse faz de mano pro

ATÉ AQUI. LER

las atividades atividades manuf

racna consideração da acumulação de capital como fator primordial para garantir


o crescimento e desenvolvimento de uma nação, realizada por intermédio da
produção de manufaturas via trabalho realizado, ao mesmo tempo em que, de
certa forma, pode-se dizer assim, essa obra tratava-se de uma continuidade das
idéias de François Quesnay.
A partir da noção de produto líquido, criado por Quesnay, para explicar a
importância da agricultura para a sociedade, Smith transferiu essa noção para as
atividades industriais por intermédio da criação da teoria do “valor trabalho”.
Assim sendo, foi a teoria do valor trabalho a base de formulação de todas as
idéias subseqüentes de Adam Smith.
Nesse período, pelo fato da Inglaterra ter passado por um surto de rápido
crescimento, motivado pela intensificação das exportações de produtos
manufaturados para as potências da época, no caso, Portugal e Espanha, Adam
Smith percebeu a importância das manufaturas para o desenvolvimento de uma
nação e o nível de riquezas que elas podiam gerar.
Fundamentado nessa hipótese, por intermédio do consórcio das idéias de
Quesnay, mais as idéias originais de William Petty, Smith passou a desenvolver
suas bases filosóficas, centradas na produção de manufaturas sendo essas
consideradas por esse, as principais atividades geradoras de riqueza e de
acumulação de capital.
104

Como era para Smith, a produção manufatureira que gerava a acumulação de


capital e, por conseguinte, sendo a acumulação de capital o principal fator de
desenvolvimento e crescimento econômico, então; sendo assim, era a
acumulação de capital, o principal fator que promoveria a riqueza das nações.
Agora, a acumulação de capital só poderia ser obtida, por intermédio da atividade
manufatureira que era gerada pelo trabalho realizado pela classe trabalhadora.
Então, nessa ótica, seguindo o raciocínio de Smith, a atividade realizada pelo
trabalhador, por intermédio do seu trabalho, era a principal atividade do sistema
de classes sociais, desenvolvido por Smith e, fundamentado em Say.
Por intermédio da teoria do valor trabalho, Smith, deu abrangência à noção da
criação de produto líquido desenvolvido por Quesnay, afirmando que “[...] todas
as atividades que produzem mercadoria daria valor”, (SMITH, apud SANDRONI,
00:566).
Por intermédio dessa concepção, Smith procurava enaltecer a produção
manufatureira, transformando essa, na base da formação da riqueza capitalista

para a época. PAREI AQUI.


Como ponto de partida, Smith criou a teoria do valor trabalho, afirmando
que eram as atividades do trabalho que acrescentava valor à mercadoria, gerando
riqueza.
Imaginando isso, Smith propôs uma alternativa para aumentar o resultado
do trabalho dispendido pelo trabalhador. No caso, a alternativa foi a busca pelo
aumento da produtividade.
Para aumentar a produtividade, Smith propôs a divisão social do trabalho.
Enquanto que no processo natural de produção, o artesão era responsável
por todas as etapas de produção, Smith sugeriu que; se houvesse uma divisão
das etapas de produção, distribuindo-as entre vários trabalhadores, haveria
aumento da quantidade e da qualidade dos produtos produzidos, permitindo um
maior acúmulo de riquezas para os capitalistas.
Através dessa ótica, Smith afirmou que eram as atividades de produção
realizada através do trabalho que gerava riqueza como um todo dentro do
processo de produção capitalista.
Observando que Portugal e Espanha se tornaram potências através do
acúmulo de riquezas pilhadas dos países e das colônias recém conquistados ou
105

formadas, Smith considerou que um país só se tornaria rico através do acúmulo


de capital.
Se na época mercantil, os países se fortaleceram através do acúmulo de
metais preciosos e, no período feudal, só era considerado nobre quem detinha
grande quantidade de terras; nas atividades industriais, entretanto, era o trabalho
realizado pelo trabalhador que geraria a verdadeira riqueza.
Então, sendo assim, o capitalista só aumentaria sua riqueza se ele
incorporasse mais trabalho no processo de produção.
Quanto mais o capitalista se apropriasse do trabalho realizado pelo
trabalhador, maior seria sua riqueza e, portanto, maior seria a acumulação de
capital.
O maior obstáculo então, para a acumulação do capitalista, seria a renda
que esse capitalista pagasse ao trabalhador pela apropriação do seu trabalho.
Segundo Smith, essa renda deveria ser estabelecida como o mínimo
necessário para garantir a sobrevivência do trabalhador que deveria ser paga ao
trabalhador sob forma de salário.
Isso foi considerado por Smith, porque, ele achava que o trabalhador só
era útil para o sistema, em virtude da contribuição com o seu trabalho para o
acúmulo de riqueza para o capitalista, e conseqüentemente, contribuir para com o
desenvolvimento da nação.
Daí a idéia do mínimo necessário apenas, para a sobrevivência do
trabalhador e de sua família.
Seguindo esse raciocínio, se o salário é uma renda e o lucro do capitalista
também é uma renda; considerando ainda que, é através do lucro que o
capitalista acumula seu capital e, portanto, torna-se rico, então, o salário pago ao
trabalhador se torna um obstáculo à acumulação do capitalista.
A única maneira de solucionar esse problema, seria reduzir ao máximo o
salário pago ao trabalhador.
Para atingir esse intento, Smith criou uma relação inversa entre salário e
lucro.
Sendo assim, quanto maior fosse o salário pago ao trabalhador, menor
seria o lucro. Quanto menor o salário pago, maior seria o lucro.
Portanto, o ideal segundo Smith, seria que o salário pago ao trabalhador
fosse mantido baixo, para aumentar a riqueza do capitalista através da
106

acumulação de capital.
O quê manteria a taxa de salário baixo?
- Segundo Smith, o que manteria a taxa de salário baixo seria a existência
de grande capacidade ociosa, ou seja, a existência de grande quantidade de
trabalhadores desempregados que, através da concorrência por novos empregos,
não ligariam para a quantidade de salário que recebessem, pois nesse momento,
o que estava em jogo, era a sua sobrevivência e não a quantidade de salário
pago.
Isso ocorria, segundo Smith, porque o trabalhador para sobreviver, não tem
com o quê participar do processo de produção senão com o seu trabalho.
Sendo assim, em situação de desespero eles se sujeitariam a trabalhar
pelo salário que lhes fosse pago.
Nem que fosse para comprar apenas o necessário para garantir a sua
sobrevivência.
Dessa análise é que surgiu a idéia de taxa de salário, ou seja; a taxa de
salário é determinada pelo mínimo necessário à subsistência do trabalhador.
Foi como disse Bernard de Mandeville lá no período mercantil, através dos
escritos de Oser e Blanchfield, conforme já foi demonstrado acima e voltamos a
lembrar a seguir:
Em uma Nação livre em que escravos são proibidos, a riqueza
mais certa consiste em uma multidão de pobres trabalhadores...
Eles devem ser mantidos sem morrer de fome, de forma que não
recebam nada que possam poupar... E do interesse de todas as
nações ricas que a maioria dos pobres nunca fique ociosa e ainda
gaste continuamente o que recebe”.
“Os pobres devem ser mantidos exclusivamente para o trabalho,
e é uma prudência aliviar suas necessidades, mas tolice curá-
los... Para tornar a sociedade feliz e o povo calmo sob as mais
precárias circunstâncias, é necessário que, além de pobres, uma
multidão deles seja estúpido.

Porém, de acordo com Smith, a taxa de salário não seria mantida baixa
sempre.
Haveria um momento em que, o aumento da produção geraria aumento da
demanda por trabalho.
Essa demanda adicional por trabalho, provocaria o aumento da oferta de
emprego e, conseqüentemente, esse fator causaria a diminuição da quantidade
de trabalhadores desempregados, elevando, em conseqüência disso, a taxa de
107

salário.
Como os trabalhadores gastam toda sua renda em consumo de
subsistência, havendo elevação da taxa de salário, essa situação, provocaria
aumento de consumo por parte da classe trabalhadora.
Esse aumento de consumo geraria uma situação otimista por parte da
classe trabalhadora e em conseqüência disso, a classe trabalhadora, por não ter
outra expectativa na vida, aumentaria seu número de filhos.
Novamente, no longo prazo, haveria um aumento da quantidade da oferta
de trabalho decorrente do aumento do número de filhos que se tornavam
trabalhadores desempregados. Esse aumento elevaria o nível de concorrência
entre a classe trabalhadora por novos empregos. Essa concorrência provocaria
novamente a queda da taxa de salário.
Assim, essa situação descrita por Smith se transformaria num processo
cíclico.
Resolvido o problema da acumulação, a próxima barreira a ser vencida pela
classe capitalista seria a ampliação do nível de produção.
Havendo aumento da produção, essa situação, provocaria aumento da
riqueza acumulada.
Quanto ao problema da distribuição; nessa época, pelo fato da Inglaterra
ser a maior potência, já detendo o controle de toda a tecnologia industrial utilizada
no processo de produção, contando ainda, com uma esquadra poderosa, em
condições de enfrentar, sobrepujar as esquadras de quaisquer países; na mesma
obra “A Riqueza das Nações”, Adam Smith defende as idéias liberais de François
Quesnay, no caso, o liberalismo econômico.
Segundo Smith, assim como Quesnay, a produção deveria circular
livremente, pois só assim a distribuição da riqueza estaria garantida. A produção e
a circulação da riqueza deveriam ser liberadas de quaisquer barreiras econômicas
ou políticas.
Não haveria problema de crises no sistema capitalista, pois, o mercado
tinha um dispositivo de auto-regulação.
Esse dispositivo seria caracterizado pela existência de uma “mão invisível”
que tenderia a ajustar o mercado sempre que houvesse um desequilíbrio
momentâneo no sistema de produção.
Não haveria também problema de elevação de preços, porque os preços
108

sempre seriam ajustados pelo alto grau de concorrência.


Para Smith, a concorrência era benéfica porque o que prevalecia no
mercado era a existência de grande quantidade de pequenas e médias empresas
que, sozinhas não conseguiriam controlar e monopolizar todo o processo de
produção e, conseqüentemente, não teriam mecanismos satisfatórios para
controlar os preços.
A entrada e a saída de novas empresas no mercado era livre. A esse tipo
de situação, Adam Smith chamou de “concorrência perfeita”.
Adam Smith também enfatizava o individualismo, pois, segundo Smith, o
homem como sendo racional jamais faria algum mal para si próprio.
Assim, a soma das ações individuais do homem geraria um resultado
coletivo, que seria altamente benéfico para a sociedade. Isso ocorria porque,
segundo Smith, o homem era despojado de maldades individuais.
Então, de acordo com essa ótica, o aspecto social, seria resultado das
ações individuais do homem. Se todas essas ações são benéficas, não há
necessidade de participação do Estado para regular o processo de produção.
Ao Estado, caberia apenas, ficar restrito às atividades de proteção e
segurança social. Adam Smith desenvolveu ainda, a teoria do valor de uso e do
valor de troca, distinguindo-os.
O valor de uso, segundo Smith, seria dado pelo grau de importância
atribuído ao bem pelo individuo no momento de seu uso e de acordo com a sua
necessidade.
O valor de troca seria dado pelo mercado, no momento da negociação do
bem.
No que concerne à moeda, esta para Smith, só tinha valor enquanto
intermediária de troca.
Para os clássicos, já utilizando as proposições de Jean Baptiste Say, rico
industrial francês, também um dos grandes divulgadores da obra de Adam Smith,
não haveria possibilidade de superprodução no sistema capitalista. Para Say, tão
logo a produção fosse realizada, seria consumida de imediato.
Essa proposição ficou conhecida como “a lei dos mercados de Say” ou
simplesmente “lei de Say”.
Assim, de acordo com essa ótica, a produção adicional também geraria uma
demanda adicional provocando seu consumo de imediato. Não havia porque se
109

preocupar, os capitalistas, com a possibilidade de crises no sistema, pois


conforme já exposto, o sistema se auto regularia.
Convencidos dessas premissas clássicas, os empresários receosos de
aumentarem suas produções e gerarem demandas adicionais quanto à oferta de
emprego para a classe trabalhadora, começaram a recrutar trabalho feminino e
infantil, a fim de compensar o aumento da produção e manter o nível de oferta de
emprego para a classe dos trabalhadores, inalterados.
Com o propósito ainda de maximizar o nível de produtividade através do
trabalho, a fim de aumentar a taxa de lucro, os empresários começaram a fazer
pressões sucessivas sobre os trabalhadores, as mulheres e crianças, obrigando-
os a trabalhos adicionais, de maneiras cada vez mais severas.
Como as condições de trabalho na época eram precárias e os maquinários
rudimentares e muitos perigosos, era comum a existência de trabalhadores
mutilados, sem partes das pernas ou braços, cegos e o pior de tudo inutilizados
para o trabalho, tendendo a morrer na miséria e na mendicância, por não
poderem mais, oferecer sua força produtiva.
As mulheres e crianças assim como os demais trabalhadores não tinham
direitos, apenas deveres. Esses trabalhadores tinham hora para começarem o
serviço não para terminarem. Sendo assim, se o expediente começasse às sete
horas, por exemplo, só terminaria quando a última peça encomendada para o dia
fosse concluída, não importando o horário para isso.
Sobre a classe trabalhadora só restava a obrigação e o trabalho, nada de
direitos, a miséria e a morte eram suas recompensas, dando eloqüência ao
comentário de Bernard de Mandeville, já comentada em páginas anteriores.
A pressão sobre a classe trabalhadora gerou muitas críticas por parte da
classe dos intelectuais da época, dentre elas a do próprio Thomas Robert
Malthus, e mais tarde; a maior de todas, as críticas efetuadas por Karl Marx que,
preocupado com essa situação, propôs a cisão das relações de trabalho entre a
classe trabalhadora que ele (Marx), chamou de proletariado e a classe capitalista.
Para eliminar de vez as propostas capitalistas através dos escritos de Adam
Smith, Jean Baptiste Say e David Ricardo, os maiores expoentes da Escola
Clássica, Marx resolveu fazer uma verdadeira dissecação das obras desses
autores, o que terminou pela resposta de Marx a essa visão, através de sua mais
importante obra no campo econômico denominada “O Capital”, publicada pela
110

primeira vez em 1867.


Diga-se de passagem, essa obra não foi concluída em definitivo por Marx,
em virtude do seu falecimento. Mais tarde, Friedrich Engels, principal colaborador
de Marx, é que tratou de juntar os rascunhos dos escritos de Marx após seu
falecimento em “O Capital vol. IV”.
Marx era Doutor em Direito, descendente de uma família tradicional alemã,
de origem judia e que, em função de sua dedicação aos estudos dos problemas
causados pela exploração da classe proletária da época, acabou por se interessar
pelas questões econômicas.
O objetivo de Marx era minimizar os problemas decorrentes das injustiças
sociais da época. Para isso, no campo econômico, ele refutou as idéias
dominantes da época, principalmente através de sua obra “O Capital”.
Marx foi o economista que mais obteve êxito em suas críticas às propostas
clássicas de Say, Smith e Ricardo.
Essa obra “O Capital”, pode ser considerada como uma resposta às idéias
desses três pensadores (Smith, Say e Ricardo) e que deu origem, a uma nova
forma de pensar econômica, no caso, o comunismo marxista, e, de certa forma,
até influenciando as idéias anarquistas de Mickail Bakunin.
David Ricardo, para completar o quadro de idéias propostas pelos clássicos
criou o conceito de renda diferencial da terra, através da ótica de que as terras
mais férteis seriam ocupadas primeiro.
A partir da escassez dessas terras, os capitalistas tenderiam a ocupar
terras menos férteis. Esse processo daria origem ao conceito de renda
diferencial da terra, segundo a qual, as terras mais férteis tenderiam a ter um
valor adicional sobre as terras menos férteis. A renda diferencial seria dada pela
diferença de utilização de terras menos férteis em relação às terras mais férteis.
Além da renda diferencial da terra, David Ricardo desenvolveu a chamada
lei das vantagens comparativas.
Essa lei defendia a tese de que, cada país, para aumentar o seu grau de
eficiência, tenderia a produzir o produto em que ele obtivesse maior vantagem
comparativa em relação a outro produto, em que ele também poderia produzir,
mas que, o seu grau de produtividade, era inferior àquele produto em que ele
tinha maiores facilidades e condições de se especializar na sua produção.
Sendo assim, cada país deveria se especializar na produção dos produtos
111

em que ele obtivesse maiores vantagens comparativas, deixando de produzir


aqueles em que ele não obtivesse a mesma vantagem, deixando para adquiri-los,
de outros países, que tinham facilidades e vantagens em produzi-los.
A teoria das vantagens comparativas, na atualidade, é aplicada às relações
estabelecidas pelos países no comércio internacional.
Essa teoria pode ser considerada como válida apenas para os países que
possuem limitações quanto a quantidade de recursos naturais existentes.
É o caso, como, por exemplo, do Japão, que possui pouca quantidade de
terras disponíveis devido ao seu relevo ser acidentado, ser um país muito
populoso, além de não dispor de recursos naturais em quantidades satisfatórias
para atender as suas necessidades.
Nessas circunstâncias, o Japão optou por produzir produtos de alta
tecnologia e deixou para comprar os produtos primários, sem tecnologia
embutida, dos países subdesenvolvidos e países em fase de desenvolvimento
como, por exemplo, os produtos agrícolas.
Essa relação permite ao Japão obter uma elevada vantagem nas práticas
do comércio internacional, sendo essa atividade fundamental para a sua
sobrevivência.
Já os países de grandes extensões territoriais e que possuem grande
quantidade de fatores de produção, possuem um leque de opções muito maiores
que os países pequenos, pode-se dizer assim, e que, em sua grande maioria,
esses países, possuem pequenas quantidades de recursos naturais disponíveis.
Os países grandes e ricos em recursos naturais renováveis e não
renováveis, devido às amplas opções de produção que possuem podem, eles
mesmos implantarem os padrões de relações comerciais que devem ser
estabelecidos com o exterior, dependendo às vezes, muito pouco, do mercado
externo para a sua sobrevivência.
Por exemplo, se houvesse um embargo comercial ao Japão pelo mercado
internacional, as atividades dentro das ilhas japonesas seriam praticamente
paralisadas ao passo que, se houvesse um embargo comercial ao Brasil, este
país praticamente não sofreria nenhum reflexo interno dos embargos externos,
uma vez que o mesmo é rico em recursos naturais, tem um leque muito grande de
opções dentro das atividades de “o quê produzir”, possui grandes indústrias,
grandes extensões territoriais, altas tecnologias, não dependendo praticamente
112

de outros países, uma vez que chega a produzir até 95% dos produtos que
necessita.
Esses outros 5% podem ser supridos com a utilização de recursos
alternativos.
As demais concepções econômicas podem ser consideradas mais como
cópias de teorias importadas, e que não se aplicam a este país, como bem aponta
Francisco Oliveira, em sua obra “Critica a Razão Dualista”.
113

2.5 - A Teoria do Subconsumo

Teoria do Subconsumo caracteriza-se pela denominação dada a praticamente


todos os economistas, que de uma forma ou de outra, discordaram
veementemente das teorias clássicas propostas por Adam Smith, David Ricardo
e Jean Baptiste Say. As críticas se fundamentavam nos enunciados clássicos
que afirmavam que: a produção adicional gerava um consumo também
adicional da mesma magnitude, eliminando dessa forma, o problema de
crises econômicas de superprodução no sistema capitalista.
Nessa ótica, conforme afirmado anteriormente, era o nível de produção
que gerava o consumo e não o nível de consumo que gerava a produção.
Essa lei ficou conhecida como “Lei de Mercado de Say” por ser este, o
responsável pela formulação dessa teoria capitalista.
Luigi Pasinetti (14), comenta que:

“(...) pode-se dizer que praticamente todos os economistas que se ocuparam com
as ‘crises’ e ciclos econômicos (por exemplo, Lauderdale, Tugan-Baranowski,
Aftalion, Spiethoff, etc.), e ainda todos os marxistas, como Hilferding, Rosa
Luxemburgo, Bukharin, etc., realmente chegaram, num estágio ou noutro, a
acentuar a possibilidade e as conseqüências desastrosas de um hiato entre a
produção potencial e a demanda efetiva”.
Não obstante, todos esses autores tiveram muito pouco sucesso em sua época.
Em relação a eles, a atitude do saber econômico estabelecido sempre foi de
grande desrespeito, na crença de que suas teorias continham todo tipo de falhas
analíticas. As teorias de subconsumo eram encaradas simplesmente como más
teorias”.

Jean Charles Léonard Sismonde de Sismonde, foi o precursor da moderna teoria


do subconsumo, porque, através de seus estudos, considerava ele, segundo
Paulo Sandroni que: “O liberalismo econômico, (...) consistia em meras
‘abstrações’”.
Sismonde de Sismonde Identificou o fator responsável pela grande
desigualdade entre as duas classes como “melhor valia” (mieux-value) que seria:
a diferença entre o valor que o trabalhador produz e o que efetivamente recebe,
consistindo essa diferença no excedente que é apropriado pelos capitalistas.
Sismonde foi ainda, o primeiro a caracterizar o capitalismo como um sistema que
sofre de crises inerentes.
Nessa ótica, essas crises teriam duas explicações básicas:
114

“(1) os capitalistas privilegiam a produção de bens de troca, em detrimento dos


bens de uso;
(2) eles diminuem o poder de compra da massa dos consumidores, que são
os próprios trabalhadores (com isso, Sismonde foi o precursor da moderna
teoria do subconsumo)”.

Para resolver o problema, Sismonde sugeriu algumas reformas, como a


participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (que assumiriam os
encargos sociais relativos à saúde, desemprego e outros) e a formação de uma
classe média de “camponeses-proprietários” (de acordo com escritos de Paulo
Sandroni).
Na realidade, os economistas clássicos, principalmente partidários da
visão de Smith, Say e Ricardo, pelo fato de pertencerem a elite capitalista da
época, dificilmente se sujeitariam a aceitar concepções contrárias às suas
análises de mercado.
Para eles era muito mais fácil recorrerem ao poder do dinheiro e da fama
aristocrática, a fim de fazer com que seus preceitos prevalecessem,
independentes de quaisquer validades de suas análises ou não.
A arrogância e a soberba foram o que sempre prevaleceram nesse meio.
O próprio Sismonde, de início, era pertencente à família aristocrática suíça
e profundo defensor do capitalismo liberal, na ótica de Adam Smith. Depois,
quando presenciou a miséria dos trabalhadores ingleses mudou drasticamente
suas análises, se tornando, conforme escritos de Paulo Sandroni em um dos
cientistas pioneiros do socialismo.
Thomas Robert Malthus, foi outro economista que, em que pese fosse
inglês e amigo pessoal de David Ricardo, discordou frontalmente das idéias
capitalistas clássicas reinantes na época.
Luigi Pasinetti e Jorge Miglioli (15) são dois economistas que, em suas
respectivas obras, apontam muito bem as falhas nas análises de Ricardo,
criticadas por Malthus.
Para Luigi Pasinetti: “Há três grandes falhas que clamam por correção: a
visão ingênua de Ricardo sobre o crescimento demográfico, sua subestimação
do progresso técnico, e sua incapacidade de compreender a importância da
demanda efetiva”.
115

Quanto “a visão ingênua de Ricardo sobre o crescimento demográfico”,


este como todos os clássicos, defendiam o crescimento demográfico como uma
das formas de se fomentar o processo produtivo, mantendo as taxas de salários
baixos.
De acordo com a visão clássica, se houvesse grande quantidade de
trabalhadores desempregados, esse fato, teria como conseqüência uma grande
procura por emprego, e essa procura provocaria uma queda e conseqüentemente
uma manutenção na taxa de salário a níveis baixos.
Em suas críticas a essa forma de análise Malthus afirmava que, o aumento
da população provocaria crises de abastecimento no sistema.
Isso ocorreria porque, enquanto a população crescesse em proporções
geométricas, a produção cresceria em proporções aritméticas, provocando
instabilidade no sistema.
A proposta de Malthus para resolver o problema seria através da
implantação do controle de natalidade, que segundo ele, a explosão demográfica
provocaria um grave problema social.
No tocante à crítica a “subestimação do progresso técnico”, Malthus, por
outro lado, considerava que o progresso técnico poderia trazer grandes avanços
ao sistema de produção.
O progresso técnico traria um aumento de produtividade no sistema,
provocando elevação de ganhos para os capitalistas.
Para os clássicos a “demanda efetiva” era conseqüência do aumento da
produção.
Para Malthus, era a demanda efetiva que determinava o aumento da
produção.
Segundo ainda Malthus se houvesse um aumento de produção de forma
desordenada, isso faria com que a população proporcionalmente, consumisse
uma quantidade cada vez menor de produtos podendo levar o capitalismo
novamente a uma crise.
Essa crise seria conseqüência do consumo abaixo da produção, o que
caracterizaria uma situação de crise de subconsumo.
Esse subconsumo existe em virtude da consideração de análise clássica
de que apenas os capitalistas é que produzem e consomem o que foi produzido.
116

As demais classes, como os trabalhadores, por exemplo, não estão


incluídos nas análises dos clássicos, como consumidores em potencial, uma vez
que estes não eram considerados agentes de produção nem de consumo.
Os trabalhadores nessa ótica eram considerados apenas instrumentos de
produção.
Produção essa que tinha um dono específico, no caso os proprietários dos
recursos de produção.
Aos trabalhadores só restava a obrigação de produzir.
Isso ocorria porque, de acordo com a ótica de análise dos clássicos, os
trabalhadores vendiam suas forças de trabalho para os capitalistas.
Sendo assim, o que lhes sobravam era apenas o consumo mínimo
necessário para manutenção de sua subsistência; nada mais que isso.
Jorge Miglioli, quando se refere a Malthus, comenta que este aponta
quatro falhas para as teorias clássicas:
“a) Desprezaram as características próprias das mercadorias em relação
às demandas específicas dos consumidores;
b) supuseram que toda a renda seria necessariamente gasta;
c) adotaram o princípio de que a acumulação de capital asseguraria
demanda para a produção adicional; faz referência ainda a um quarto erro: a
desconsideração pela importância do dinheiro no processo de circulação de
mercadorias”.
Quanto à expressão: “Desprezaram as características próprias das
mercadorias em relação às demandas específicas dos consumidores”; isso quer
dizer que; segundo os clássicos, todas as mercadorias que fossem produzidas
sem exceções seriam consumidas, independentes da cor, da qualidade do
produto, do desejo do consumidor em consumir aquele produto ou não, e assim
sucessivamente.
No tocante a expressão: “supuseram que toda a renda seria
necessariamente gasta”, isso implicava dizer que: toda renda gerada seria
investida novamente na produção de novas mercadorias.
Isso em miúdos quer dizer que: os capitalistas não gastariam a renda
gerada em gastos supérfluos, em poupanças, em especulações, etc.
117

Segundo os clássicos; toda a renda poupada pelos capitalistas seria


aplicada em novos investimentos, o que possibilitaria maior nível de produção e
geração de empregos dentro do sistema capitalista.
Nessa ótica, poupança adicional significaria maior nível de investimentos.
Havendo maiores investimentos, maiores seriam então a oferta de emprego.
Sendo maiores os investimentos e oferta de emprego, maior seria em
conseqüência o nível de produção e assim, maior seria também o nível de
consumo.
O resultado de tudo isso, seria o progresso e o acúmulo de capital no
sistema capitalista como um todo.
O importante, segundo os clássicos, seria que toda a renda originada do
processo produtivo fosse canalizada para os capitalistas.
De acordo com essa ótica, era os capitalistas, a única classe produtiva e
sendo assim, seria também a única classe responsável pelo progresso e avanço
do sistema.
Assim sendo, essa classe deveria ser também desonerada de quaisquer
ônus que porventura inibissem a sua liberdade de empreendimento e desejo de
novos investimentos.
Cabia à classe trabalhadora apenas produzir a riqueza e depois transferi-la
para a classe capitalista porque, a classe trabalhadora, segundo os clássicos,
não tinha o dom de administrar e fazer diversificar e multiplicar o que fosse
produzido, apenas e tão somente a classe capitalista era detentora dessa
capacidade.
Referindo-se a expressão do item C: “adotaram o princípio de que a
acumulação de capital asseguraria demanda para a produção adicional”.
Essa falha já foi comentada em tópicos anteriores, restando apenas e tão
somente afirmar que: a produção gera um consumo adicional, não dependendo
do nível de demanda para isso.
Essa situação, segundo o comentário acima, fundamentado em Malthus,
levaria o capitalismo ao excesso de produção.
Quanto ao item referente ao quarto erro: “a desconsideração da
importância do dinheiro no processo de circulação de mercadoria”.
Para os clássicos, o que importava no processo produtivo era apenas e tão
a existência das mercadorias.
118

O processo de circulação das mercadorias era praticamente automático,


dependendo apenas da atuação dos capitalistas.
A moeda era usada e tinha importância única e tão somente como
intermediária de trocas, não sendo utilizada para entesouramento e outras
atividades triviais; como, para os motivos precaução, especulação e transação,
como apontou Keynes, em sua obra: “A Teoria Geral do Emprego dos Juros e da
Moeda” publicada pela primeira vez em 1936.
Baseado nessas falhas, Malthus tece suas críticas à teoria clássica,
através de cartas dirigidas a Ricardo e através de sua obra “Princípios de
Economia Política”, publicada em 1820, como uma resposta à teoria de Ricardo.
Malthus desconsiderava a idéia de Ricardo, quando este afirmava que
todo homem que poupa é um benfeitor da comunidade.
Malthus afirmava que a poupança ao extremo, destruiria o motivo para a
produção, uma vez que, a poupança estando extremamente elevada, não
incentivava aumento de consumo.
Além disso, para ele (Malthus), a poupança ao extremo seria prejudicial à
acumulação de capital, uma vez que, ela tinha tendência a reduzir a demanda
inibindo a produção, embora se admitisse a necessidade de uma poupança
prévia, para dar início ao processo de acumulação de capital.
Para contornar a situação descrita acima, ainda de acordo com escritos de
Miglioli e Pasinetti, Malthus propunha a distribuição da renda, para ampliar a
demanda efetiva.
A fim de justificar essa proposição, ele afirmava que, tendo a acumulação
de capital atingido um determinado estágio, o que determinaria o crescimento
econômico seria o crescimento da demanda e não da poupança ao excesso.
Seguindo essa ótica, Malthus propunha ainda a redistribuição da renda
entre as classes mais pobres, uma vez que essa classe era uma faixa da
população que se caracterizava por ser consumidora em potencial, provocando
como conseqüência, o aumento de demanda por bem de consumo como um
todo.
Para Malthus, o aumento real de salário, era benéfico para o sistema
capitalista, uma vez que, o aumento de salário, ampliaria o nível de demanda
efetiva, o que provocaria aumento da acumulação de capital, em virtude de que,
119

para ele, a política salarial não tinha ligação direta com a redução da taxa de
lucro dos capitalistas.
Malthus, ainda defendia o fortalecimento do mercado interno, afirmando
que a distribuição de mercadorias dentro desse mercado daria a base para o
aumento da riqueza e do desenvolvimento de uma nação.
Considerava ainda que eram o nível de consumo conjugado com o nível
de produção, os pilares de desenvolvimento do sistema capitalista, uma vez que,
estando estas duas características do sistema associados, permitiriam que a
sociedade atingisse no menor tempo possível, a prosperidade social máxima.
Destacava ainda, a produtividade como fator gerador da produção a baixos
custos, permitindo a criação, de um excedente de bens, o que provocaria a
redução de preços e acessibilidade desses bens às classes de trabalhadores
com menor poder aquisitivo.
Em suas críticas à política de concentração de capital defendida pelos
clássicos, Malthus considerava que essa situação, além de inibir a demanda.
A inibição da demanda traria como conseqüência no longo prazo, redução
do nível de produção e da produtividade.
Se há redução do nível de produção e da produtividade, há como
conseqüência também a queda na oferta de emprego.
Assim, em se mantendo a política de concentração de capital de acordo
com a ótica dos clássicos, essa política, só faria aumentar o número de
trabalhadores desempregados que seriam sustentados por trabalhadores que
estivessem trabalhando.
A solução para tais problemas, segundo Malthus, seria a adoção de uma
política que tivesse como objetivo, a redivisão da propriedade da terra, o aumento
nas atividades de comércio e um acréscimo no emprego de trabalhadores
improdutivos.
Sugere ainda, uma adequação no nível de poupança para que a Economia
atingisse o mais alto ritmo de crescimento, como bem aponta Jorge Miglioli, nas
páginas 61 a 64, de sua obra Acumulação de Capital e Demanda Efetiva.
Em que pese essas propostas fossem bem fundamentadas, realistas e
dotadas de críticas bem consistentes, Pasinetti chegou a afirmar que:
120

“Ricardo não viu qualquer força nesses argumentos. Para ele, as poupanças
estavam associadas aos capitalistas e, portanto, significavam o mesmo que
acumulação de capital. Além disso, era mais fácil para ele apelar para a
autoridade do principal economista francês da época, Jean Baptiste Say, que
afirmou que qualquer produção gera sua própria demanda. A controvérsia
arrastou-se, e terminou numa disputa estéril sobre a quanto tempo o termo
estava em discussão. Ricardo e Malthus permaneceram, naturalmente, com suas
opiniões mas foram as teorias ricardianas analiticamente mais fortes que
conduziram a opinião profissional...”

Em que pese as críticas de Malthus fossem mais consistentes que a visão


de Ricardo, este, mais em virtude de sua posição social na época, teve mantido
suas idéias.
Entretanto, a visão profética de Thomas Robert Malthus veio a se
confirmar por intermédio da crise de superprodução capitalista ocorrida a nível
mundial, entre 1927 e 1933.
Em 1936, para evitar ao máximo as propostas marxistas, até então
consideradas irreversíveis pela conjuntura econômica mundial, John Maynard
Keynes, em sua obra “A Teoria Geral do Emprego dos Juros e da Moeda”,
reconsiderou as propostas de Thomas Malthus, chegando a enfatizar a
importância das contribuições desse autor, segundo transcrição de Luigi
Pasinetti, de acordo com o que passamos a reproduzir a seguir:

“Se apenas Malthus, em vez de Ricardo tivesse sido a fonte de origem


da Economia do século XIX, que lugar mais sábio e rico seria o mundo
de hoje”.

Engrossando ainda o número dos críticos às teorias clássicas na visão de


Say, Smith e Ricardo; como Malthus, Keynes e todos os teóricos subconsumistas,
citados como exemplo, estava ainda Marx e um dos seus principais discípulos na
Economia Contemporânea que foi Michal Kalecki.
Sobre esse último autor e suas teorias, falaremos no tópico destinado à
demanda efetiva, quando abordaremos as suas análises ao lado das de Keynes.
A seguir, nos ateremos ao estudo da Escola Marxista, que é a escola que
deu origem ao comunismo implantado na União Soviética, através da revolução
bolchevique de 1917.
121

2.6 – A Escola Marxista

A Escola Marxista teve origem através dos escritos de Karl Heinrich Marx,
filósofo, economista e advogado alemão descendente de uma família judia,
nascido em 1818 e falecido em 1883.
Sua principal obra no campo econômico foi “O Capital”.
O principal objetivo dessa obra era dar uma resposta crítica às análises
econômicas clássicas na visão de Smith, Say e David Ricardo.
O principal amigo de Marx foi Friedrich Engels que, quando da morte de
Marx, reuniu os manuscritos desse autor, em um novo volume de “O Capital”, na
sua versão IV.
Nessa obra, Marx, para responder às falhas analíticas dos clássicos,
desenvolveu suas principais contribuições à teoria econômica, até hoje
conhecida, através dos conceitos de mais valia absoluta, mais valia relativa,
composição orgânica do capital, a dialética e o papel do proletariado no processo
de acumulação de capital por parte do capitalismo.
Em suas análises Marx afirmou que as teorias capitalistas desenvolvidas
até então, não tinham consistência teórica e que as mesmas podiam ser
resumidas em um processo de exploração sobre a classe trabalhadora por
intermédio da apropriação do sobreproduto do trabalho gerado pelos proletários
através da mais valia.
Para fazer suas análises e chegar às suas conclusões, Marx se baseou
nas mesmas premissas estabelecidas por Adam Smith.
A base para o desenvolvimento de suas análises foi a teoria do valor
trabalho criado por Smith em sua obra “A Riqueza das Nações”.
A diferença básica entre a obra de Marx e a obra de Smith foi que Marx,
partindo dos mesmos pressupostos, chegou a conclusões contrárias às
concepções smithianas.
Foram as conclusões de Marx contrárias às concepções de Adam Smith e
seus discípulos que o levaram a publicar “O Capital”, a sua principal obra no
campo econômico em 1867.
As conclusões obtidas dos estudos das teorias econômicas influenciaram
Marx, significativamente em outros campos tanto filosóficos quanto político-
sociais.
122

O que levou Marx a estudar as teorias econômicas foi a profunda situação


de miserabilidade em que se encontrava as classes dos trabalhadores da Europa
na época.
Analisando a situação econômica da Europa, Marx chegou a conclusão
que, a situação de miserabilidade apresentada pelos trabalhadores da época, no
campo econômico era, baseada fundamentalmente nas propostas clássicas de
desenvolvimento econômico formuladas por Adam Smith, David Ricardo e Jean
Baptist Say através de suas teorias.
A partir de então, o objetivo de Marx se resumia em tentar libertar a classe
trabalhadora dessa situação de submissão, omissão e miserabilidade total,
através do combate e tentativa de extinção das proposições clássicas. Essa foi o
principal objetivo de “O capital”.
Para responder às propostas clássicas, Marx, em primeira instância,
desenvolveu o conceito de mais valia. A mais valia para Marx se caracterizava
pela geração de um excedente econômico criado pelos trabalhadores durante o
processo de produção.
Segundo Marx, a base da exploração capitalista se resumia na
apropriação desse excedente pela classe dos capitalistas. A mais valia, segundo
Marx era dividida em Mais Valia Absoluta e Mais Valia Relativa.
A mais valia absoluta ocorreria quando o capitalista obrigava o proletário
a dobrar as horas de trabalho fazendo com que o proletário produzisse o dobro
da quantidade de mercadorias recebendo o mesmo montante de salário para
isso.
A mais valia relativa ocorreria quando o capitalista introduzisse
maquinários mais modernos no processo de produção, fazendo com que os
proletários produzissem mais mercadorias, recebendo a mesma quantidade de
salário para isso.
A fonte principal de lucro para o capitalista, de acordo com a visão de
Marx, seria a apropriação do excedente econômico, no caso a mais valia,
produzida pelos proletários.
Assim, para Marx quanto mais o capitalista se enriquecia o proletariado se
empobrecia.
Obedecendo a esse mesmo processo, paulatinamente, a classe média em
virtude da acumulação de capital, também se empobrecia uma vez que o
123

processo de acumulação de capital era contínuo, saindo não só da classe


trabalhadora, mas também, no médio e no longo prazo, da classe média para as
classes mais abastadas, através da mobilidade do processo de transferência de
capital.
Para Marx, o processo de mobilidade do capital era contínuo,
apresentando uma mobilidade, primeiro da classe trabalhadora para as classes
imediatamente mais ricas, e também, das classes imediatamente mais ricas para
as classes mais abastadas, e assim, sucessivamente.
No médio e no longo prazo, em virtude da mobilidade apresentada pelo
capital, as classes menos abastadas também se empobreciam e se tornavam
proletárias, tendo que vender sua força de trabalho para sobreviver, engrossando
dessa forma, o que Marx chamava de “Exército Industrial de Reserva”.
Essa situação não seria mais de acumulação de capital e sim de
centralização de capital nas mãos de um grupo cada vez mais restrito, criando o
que Marx denominou de formação do grande capital, através do processo de
transferência dos pequenos capitais, ou mais, ainda, dos pequenos capitais
particulares para o grande capital.
Bukharin reescreveu essa explicação de transferência de capital formulada
por Marx em sua obra “Economia Mundial e Imperialismo”, a qual passamos a
transcrever a seguir:

“Os dois principais processos do desenvolvimento capitalista são os processos


de concentração e centralização do capital – processos que, freqüentemente se
confundem, mas que convém distinguir rigorosamente. Marx dá a essas noções
as definições seguintes: “ todo capital individual”, diz ele, “é uma concentração,
em maior ou menor escala, de meios de produção, com o correspondente
comando de um exército maior ou menor de operários. Toda acumulação passa a
ser instrumento de nova acumulação. Na medida em que cresce, a massa da
riqueza que funciona como capital, amplia a concentração nas mãos de
capitalistas individuais; e alarga, portanto, em grande escala, a base de produção
e os métodos de produção especificamente capitalistas. (...) O crescimento do
capital social opera-se por meio do crescimento de muitos capitais particulares.
Dois pontos caracterizam essa espécie de concentração que repousa
diretamente sob a acumulação ou, antes, que se confunde com ela (esse grifo é
nosso). Em primeiro lugar, considerando-se iguais todas as demais
circunstâncias a crescente concentração dos meios sociais de produção nas
mãos de capitalistas particulares tem por limite o grau de crescimento da riqueza
social. Em segundo lugar, a parte do capital social localizada em cada esfera
especial da produção, reparte-se entre numerosos capitalistas, independentes e
concorrentes entre si. A essa dispersão de capital social total em numerosos
capitais individuais – ou a essa repulsão recíproca de muitos capitais individuais
124

– opõe-se a força de atração. Já não se trata de uma concentração simples,


idêntica à acumulação. Trata-se da concentração de capitais já formados, da
supressão de sua autonomia particular, da expropriação de um capitalista por
outro, da transformação de muitos capitais pequenos em um punhado de
avultados capitais. Esse processo distingue-se do anterior por pressupor
simplesmente uma repartição diferentes dos capitais existentes e já em função. O
capital acumula-se nas mãos de um precisamente porque sai das mãos de
muitos. É a centralização propriamente dita, em oposição à acumulação e a
concentração”. ( Karl Marx. Le Capital Livro primeiro. T. IV, p.89-90).

Rosa de Luxemburgo considerou esse processo fundamental, como base


de análise para a explicação da formação do capital imperialista internacional.
Hilferding, outro marxista, transferiu essa forma de análise marxista, para
explicar também, a formação do capital financeiro internacional.
Marx considerava que, quanto mais maquinários o capitalista introduzisse
no processo produtivo, reduzindo a quantidade de trabalhadores necessários ao
processo de produção, menores seriam as taxas de lucros da classe capitalista.
Através dessa ótica, Marx desenvolveu o conceito de composição orgânica
de capital.
Para Marx, a composição orgânica do capital seria dada pela relação
inversa entre o capital variável e o capital constante.
Por capital variável Marx denominava a quantidade de mão-de-obra
empregada na produção.
Por capital constante Marx considerava a quantidade de maquinários
empregados dentro do processo de produção.
Para Smith, assim como para Marx, a riqueza do capital era dada pela
quantidade de trabalho empregada no processo de produção. Assim, quanto
menor fosse a quantidade de mão-de-obra empregada nesse processo, menor
seria a taxa de capital acumulado pela classe capitalista.
De acordo com Marx, como no longo prazo a mão de obra seria
paulatinamente substituída pelo emprego de máquinas mais sofisticadas que
tinham a capacidade de substituir com grande vantagem a mão de obra utilizada
no processo de capital; essa situação faria aumentar a quantidade de capital
constante minimizando a utilização de capital variável.
O resultado da situação acima seria a queda no volume da acumulação de
capital verificada no processo de produção.
125

Realmente, os empregos de máquinas mais sofisticados tornam o


investimento mais caro exigindo maior nível de retorno para compensa-lo.
O investimento em maquinários mais caros e sofisticados tem a
capacidade de elevar também os custos de manutenção do aparelho produtivo.
Marx considerava que essa situação era inerente ao processo de
produção e acumulação capitalista, que tenderia a se agravar durante o avanço
do nível de produção capitalista.
Dando seqüência às suas análises da evolução da sociedade ao longo da
história, Marx percebeu que havia sempre dentro desse processo uma classe
superior e outra classe inferior.
No decorrer do tempo, em virtude do aumento do número de componentes
da classe inferior, que aumentava por motivos diversos, dentre eles, do aumento
da natalidade dessa classe e da concentração da renda nas classes superiores
aumentando dessa forma o número de excluídos; essa situação, por si só, gerava
com o decorrer do tempo, uma revolta natural da classe destituída de bens
materiais, em relação à classe abastada.
Esse quadro tinha como conseqüência a geração de crises dentro do
sistema.
O agravamento da crise provocava uma mudança na situação de domínio
de uma classe sobre outra alterando no longo prazo as estruturas de formação
das classes sociais existentes.
Essa era a característica dialética, inerente a qualquer sistema nas
relações sociais de produção.
Para Marx, mantendo essa ótica, todo sistema geraria o germe de sua
própria destruição.
Dentro desse processo é que se verificou durante o processo de evolução
histórica da humanidade, a revolta da classe dos escravos em relação aos seus
senhores.
Também foi através dessa mesma ótica, que se verificou no seio do
sistema feudal a origem e posteriormente a revolta da classe burguesa contra a
supremacia da nobreza, que era a detentora da supremacia política e econômica
dentro desse sistema.
A evolução da burguesia e a ascensão dessa nova classe ao poder,
paulatinamente deram origem ao capitalismo como sistema social predominante.
126

O processo dialético, ainda segundo Marx, se verificaria também no


capitalismo, em virtude dos conflitos de interesse que existiria entre a classe dos
trabalhadores e a classe capitalista.
A forma de análise dialética foi criada por Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
A maior contribuição de Marx à análise dialética desenvolvida por Hegel,
refere-se ao fato de tirá-la do campo da abstração e empregá-la como um dos
conceitos fundamentais para poder explicar o processo de mudanças dentro do
materialismo histórico.
A visão dialética existiu desde Platão, mas foi Hegel enquanto filósofo e
Marx enquanto economista que deram maior grau consistência à essa forma de
análise.
Segundo Paulo Sandroni em seu Dicionário de Economia afirma:

“Entre os principais fatores que contribuíram para as crises periódicas no sistema


capitalista, Marx destacou: o progressivo decréscimo da taxa de lucro (a
diminuição da mais valia), decorrente do maior aumento do capital constante
(maquinários e equipamentos) em relação ao capital variável (mão-de-obra
empregada); o dinamismo anárquico do sistema, ligado à busca incessante de
maiores lucros e expresso no fato de os progressos técnicos tornarem os antigos
instrumentos de trabalho ultrapassados antes de sua utilização normal e a
desordem dos mercados provocada pela contradição básica entre o aspecto
coletivo dos meios de produção (as grandes unidades técnicas) e o caráter
privado de sua apropriação. A queda do regime capitalista ocorreria por força de
suas próprias contradições internas, mas a mudança seria impulsionada pela luta
de classes, pela ação revolucionária do proletariado, que implantaria um regime
socialista, com a socialização dos meios de produção, estágio preparatório para a
fase definitiva do comunismo”.

As idéias de Marx, pelas suas clarezas e consistências, foram


consideradas praticamente irreversíveis em sua época, não que elas não tinham
opositores, mas por causa de sua aceitação por parte daqueles que não
concordavam com as imposições simplistas e em sua maioria equivocadas
propostas pela Escola Clássica na visão de Smith, Say e David Ricardo.
Antes de Marx, a visão econômica geral era uma, depois de Marx, a visão
econômica geral passou a ser outra.
A partir daí, o objetivo maior dos opositores da visão marxista, foi tentar de
qualquer maneira evitar que essa teoria proliferasse tanto no meio econômico
quanto filosófico e até mesmo social, de acordo com o que passamos a verificar
127

nas propostas das teorias econômicas posteriores que serão apresentadas a


seguir.
128

2.7 - A Escola Neoclássica

A Escola Neoclássica é também chamada de Escola Matemática, Escola


Microeconômica, Escola Marginalista e Teoria dos Preços.
Ela, na ótica capitalista, estendeu-se de 1870 até a crise de superprodução
de 1929 segundo alguns economistas. Entretanto, de acordo com o que pode ser
visto, muito das contribuições dessa teoria, bem como da teoria clássica, sua
pioneira, continua a prevalecer até nossos dias.
Ela é também chamada de Escola Marginalista porque se fundamentava
na teoria subjetiva do valor da utilidade marginal, refutando a teoria do valor
trabalho da Escola Clássica defendida por Adam Smith, Say e Ricardo.
A Escola Neoclássica propunha essa nova visão, negando a teoria do
valor trabalho defendida por Adam Smith, porque consideravam eles, os
neoclássicos, que essa teoria era a causa do surgimento da Escola Marxista.
Então, para negar as premissas básicas da escola marxista, fundamentalmente
eles tinham, como conseqüência, que negar a teoria do valor trabalho.
No lugar da teoria do valor trabalho, os neoclássicos propunham novos
preceitos baseados no princípio da utilidade marginal.
A proposta básica da teoria da utilidade marginal era criar uma nova
fundamentação teórica para explicar o conceito de valor. Para atingir esse
objetivo, os neoclássicos adotaram o princípio de que o preço seria determinado
pelo ponto de equilíbrio entre a lei da oferta e a lei da demanda.
Todo os preceitos econômicos básicos seriam determinados por esses
dois fundamentos, criados pela teoria neoclássica.
A demanda seria determinada pela quantidade de bens que uma pessoa
estivesse disposta a consumir dado um determinado preço. De acordo com essa
ótica, a demanda variaria de forma inversamente proporcional ao preço. Maior o
preço, menor a demanda. Menor o preço de um determinado produto, maior seria
a quantidade demandada por esse produto.
A oferta por outro lado seria determinada pela quantidade de produtos que
o capitalista estaria disposto a ofertar no mercado dado um determinado preço
para o produto. A oferta, então seria diretamente proporcional ao preço. Maior o
preço, maior a quantidade de produtos que os capitalistas estavam dispostos a
oferecer no mercado.
129

Para fundamentar as teorias da lei da oferta e da procura, os neoclássicos


se basearam no comportamento de uma empresa dentro do mercado. Em virtude
desse fator, a Escola Neoclássica também ficou conhecida como Escola
Microeconômica.
O instrumental utilizado para explicar o comportamento de uma empresa
dentro do mercado através da ótica microeconômica, foi a matemática.
Assim, para explicar praticamente todos os princípios microeconômicos, na
ótica da lei da oferta e da procura e da lei do equilíbrio de mercado, os
neoclássicos se fundamentaram em instrumentais matemáticos através da
utilização de equações e gráficos.
Em virtude disso, a Escola Neoclássica foi denominada de Escola
Matemática.
Os neoclássicos introduziram ainda a idéia do princípio de perfeita
substituição entre os fatores de produção, afirmando que qualquer bem
poderia ser substituído com as mais perfeitas combinações de fatores
durante o processo de produção.
Os neoclássicos, emprestando os enunciados de Jean Baptist Say,
consideraram como fatores de produção: a Terra (recursos naturais), o capital e o
trabalho.
Criaram ainda o conceito de utilidade. Essa utilidade seria dada pela
capacidade dos bens em satisfazerem as necessidades humanas. As
necessidades determinariam o grau de importância que o ser humano atribuiria
ao produto. Assim, a utilidade sendo determinado pelo grau de necessidade, faria
com que quanto maior a necessidade do bem para o indivíduo maior seria a
utilidade desse bem para o mesmo indivíduo. Dessa forma o indivíduo tenderia a
dar um maior valor ao produto. Esse valor seria traduzido pelo preço que o
indivíduo aceitaria pagar pelo produto.
Assim, o valor do bem, ou seu preço para esse indivíduo, seria
determinado pelo grau de importância que o indivíduo atribuiria a esse bem de
acordo com o seu grau de necessidade.
Os neoclássicos consideravam que a combinação dos fatores de
produção associados ao grau de utilidade atribuída pelo ser humano ao bem
determinaria o nível de demanda e a quantidade dos bens que poderiam ser
produzidos no mercado pela classe empresarial.
130

Nesse contexto estariam interagindo os dois principais componentes


determinadores do dinamismo de mercado que seriam as teorias da oferta e da
demanda. Mantendo ainda essa forma de pensar, os preços no sistema
econômico seriam determinados pela interação desses dois componentes.
A interação entre a lei da oferta – reguladora do nível de produção na
ótica do produtor - e da procura – reguladora do potencial de consumo na ótica
do consumidor - resultando na determinação do preço dado pela combinação
desses dois agentes, é que regulariam a atividade econômica como um todo
e garantiria através desse processo, o equilíbrio entre as atividades
produtivas regulando o nível de produção e do consumo, eliminando a
possibilidades de ocorrência de possíveis crises dentro do sistema
capitalista.
Toda a atividade produtiva bem como sua remuneração seria determinada
pelo nível de consumo e pelo nível de produção de uma unidade a mais dentro
de processo de produção.
A produção de uma unidade a mais dentro do sistema capitalista bem
como pelo consumo também dessa unidade é que passaram a ser a base
para mensuração de todo o nível de produtividade dentro do sistema
capitalista. Essa forma de mensuração foi denominada de princípio
marginalista.
De acordo com esse princípio, os trabalhadores aceitariam trabalhar até
o ponto em que a satisfação pelo salário obtido não fosse igual ou inferior à
insatisfação pelo aumento de trabalho despendido.
A oferta de trabalho aumentaria, se houvesse uma elevação do salário
(princípio da desutilidade marginal do trabalho). Em contrapartida, as
empresas contratariam trabalhadores até o ponto em que o produto
adicional obtido pelo aumento do trabalho empregado, não fosse igual ou
inferior ao custo do trabalho adicional para a empresa (princípio da
produtividade marginal do trabalho).
Essa base de análise econômica neoclássica foi considerada como
“princípio da harmonia das relações sociais de produção”.
Através dessa ótica, os neoclássicos negavam a idéia de relação de
conflitos entre a classe capitalista e a classe trabalhadora, ignorando a
131

teoria do valor trabalho de Smith e desprezando assim, toda a base de


análise marxista na visão econômica, de produção capitalista.
Isso foi feito porque, praticamente toda a análise marxista, que foi utilizada
para explicar o desenvolvimento capitalista, fundamentava-se na teoria de valor
trabalho, criado por Adam Smith, e mantidos por seus seguidores até então.
A produtividade marginal do trabalho e a desutilidade marginal do
trabalho foram utilizadas ainda pelos neoclássicos, para explicar a idéia de
manutenção do pleno emprego com total utilização do equipamento de capital.
A Escola Neoclássica mantinha o pressuposto clássico de que a
redistribuição da renda não afetava a demanda efetiva, uma vez que essa
última era determinada pela produção. Defendiam ainda, a idéia da harmonia
nas relações sociais de produção, negando a divisão de classes entre capitalistas
e trabalhadores.
Nesse contexto, todo o sistema era regido pelas relações harmoniosas
entre capitalistas e trabalhadores, dentro das atividades das empresas, negando
taxativamente a possibilidade de conflitos de interesses entre essas duas classes
sociais.
As empresas eram consideradas agentes ativos da produção, se
caracterizando pela sua independência dos fatores de produção, dentro do
sistema econômico. As empresas eram respeitadas ainda, pela sua alta
capacidade de manipular e gerenciar os fatores de produção, por intermédio do
pagamento de uma renda pela utilização desses fatores.
Dessa forma, o sistema capitalista era um todo harmonioso, não havendo
possibilidades de crises nem problemas de superprodução, como preconizavam
a visão subconsumista e marxista.
Caso houvesse crise, isso seria decorrente de erros de previsão, sendo,
no entanto, essa situação, automaticamente corrigida pela ação dos indivíduos
envolvidos dentro do processo produtivo, não se alastrando ou prejudicando essa
crise, as demais atividades de produção.
Infelizmente, porém, essa visão foi posta em xeque pela crise de
superprodução ocorrida na economia mundial entre 1927 e 1933, obrigando os
economistas capitalistas a reverem todas as suas análises sobre a teoria
capitalista determinante.
132

Essa revisão foi feita principalmente, por intermédio da obra de Keynes


intitulada “A Teoria Geral do Emprego dos Juros e da Moeda”, publicada em
1936, e que trouxe nova roupagem ao pensamento econômico capitalista vigente.
A teoria Keynesiana serviu como fundamento para análises
macroeconômicas que acabou por desconsiderar em parte, as idéias
neoclássicas utilizadas para explicar todo o funcionamento da economia nesse
campo.
No entanto, os pressupostos básicos da teoria neoclássica, continuaram
persistindo no campo microeconômico de análise capitalista.
133

2.8 – A Teoria da Demanda Efetiva.

A Escola da Demanda Efetiva teve origem a partir da obra de John


Maynard Keynes publicada em 1936, denominada “A Teoria Geral do Emprego,
dos Juros e da Moeda”.
Nessa obra Keynes procura reviver os estudos de Thomas Robert Malthus
através de estudos e ênfase de seus postulados em detrimento da visão clássica
de análise.
Na Teoria Geral, Keynes procurou analisar o comportamento real dos
agentes econômicos tentando reelaborar uma nova teoria que explicasse o
comportamento empírico desses agentes.
Essa teoria se fundamenta principalmente nos estudos de Malthus.
Nessa nova proposta Keynes procurou, se esquivar ao máximo dos
pressupostos defendidos pela da Escola Neoclássica.
Em que pese haja essas propostas iniciais, algumas das idéias básicas da
Escola Neoclássica são mantidas.
De certa forma, pode-se considerar que algumas das premissas básicas
da Escola Subconsumista são mantidas como uma tentativa de se abstrair ao
máximo das teorias marxistas, consideradas irrefutáveis até então.
Isso é considerado, porque, segundo a maioria do pensamento econômico
vigente na época as propostas marxistas eram irreversíveis, eliminando assim,
muitas das premissas básicas do capitalismo.
Em sua obra, Keynes coloca o papel do governo como agente fundamental
que tinha a missão de fazer a regulação do sistema econômico como um todo.
Segundo Keynes, o principal objetivo do governo seria de criar
mecanismos de regulação para se evitar crises econômicas freqüentes no
sistema capitalista.
Nessa ótica, o governo deveria intervir tanto nos momentos de excesso de
produção quanto nos momentos de escassez que poderiam desencadear crises
econômicas no sistema capitalista como um todo.
Agindo dessa maneira o governo estaria minimizando os problemas de
instabilidades econômicas que pudessem gerar crises semelhantes às que
ocorreram na Economia Mundial no período de 1927 a 1933.
134

Ao mesmo tempo em que criasse mecanismos para evitar as crises


econômicas o governo deveria agir no sentido de procurar criar alternativas para
viabilizar o desenvolvimento ideal para o sistema.
A principal maneira de controle e incentivo por parte do governo ao
sistema capitalista, seria através da quantificação e análise do efeito
multiplicador.
O efeito multiplicador segundo Keynes, era um instrumento utilizado para
se medir o nível de crescimento que se verificasse na economia decorrente da
adoção de alguma medida de incentivo à produção e desenvolvimento capitalista.
O multiplicador seria ainda utilizado como parâmetro para se analisar as
ações do governo dentro da economia através da mensuração dos investimentos
como um veículo gerador da distribuição de renda na economia como um todo.
Essa ação, quanto a distribuição da renda, se daria através do incentivo ao
aumento de emprego de trabalhadores improdutivos gerados pela ação do
governo, por intermédio da adoção das políticas fiscal e tributária.
Assim, o governo agiria como agente regulador do nível de consumo e de
produção da economia.
A variável determinante do crescimento econômico seria a análise do nível
de consumo e não apenas e tão somente a análise de crescimento do nível de
produção, como apregoavam a teoria clássica (na visão de Smith, Say e
Ricardo), e a teoria neoclássica.
Keynes ainda defendia a educação como fator fundamental para viabilizar
a geração do desenvolvimento e crescimento do sistema capitalista.
Sobre a educação, Keynes assim apregoava, de acordo com transcrição
de uma parte da obra de Dillard (17):

“Os gastos no consumo, tais como os pagamentos em auxílios e os


subsídios para a educação podem ser considerados como investimentos
em seres humanos que nenhum governo pode descuidar, ainda que o
possa a empresa privada”. (Keynes).

No tocante aos incentivos fiscais, Keynes defendia a idéia de que, a maior


viabilidade dessa política, ocorreria quando ela fosse efetivada pelo governo, com
o uso de dinheiro novo ou empréstimos novos.
Keynes era ainda contrário aos incentivos fiscais mediante aumento da
carga tributária. Ele afirmava que se o imposto incidisse sobre o setor privado,
135

haveria uma transferência de gasto do setor privado (considerado produtivo),


para o setor estatal (considerado improdutivo). As demais sugestões de Keynes,
como o próprio título de sua obra diz, são estritamente monetaristas.
A teoria monetarista é uma teoria aplicável em sua maior extensão, aos
países desenvolvidos que possuem uma boa infra-estrutura industrial e que, em
conseqüência disso, detém uma grande quantidade de riqueza sob a forma de
capital financeiro. Para administrar esse capital, faz-se necessário que se tenha
uma política adequada que garanta a certeza do rendimento e viabilize as
transações financeiras entre os agentes envolvidos na tramitação das transações
comerciais.
Naturalmente, a política monetarista, pelas suas características
intrínsecas, é mais favorável ao credor, que detém os instrumentos adequados
para dominar as transações a serem efetuadas. A política monetarista é muito
sensível e, portanto, flexível, exigindo muita capacidade administrativa e um total
domínio das ações econômicas para torná-la viável.
Se a política monetária é uma solução aos países detentores de capital,
ela pode chegar a ser um entrave para os países com escassez de capital
financeiro, uma vez que essa política é extremamente contracionista de renda e
tem por maior exigência o controle da inflação, caracterizado por um aumento no
nível geral de preços.
O maior problema da teoria monetarista se apresenta quando ela
transforma a moeda da condição de agente intermediário dos ativos econômicos,
para a condição de ativo econômico.
Na condição de agente econômico, há uma tremenda valorização da
moeda com conseqüente aumento da demanda, por esse ativo, criando o
problema de entesouramento excessivo e inibindo o processo de circulação de
mercadorias.
Essa situação prejudica a circulação natural dos ativos produtivos. O
aumento da demanda por moeda para entesouramento provoca elevação da
taxa de juro de médio e de longos prazos, inviabilizando os investimentos
em bens de capital.
Além disso, há a promoção da moeda para a condição de agente
especulador, o que provoca a elevação da taxa inflacionária.
136

Desse modo, a moeda passa da condição de intermediária de troca para a


condição de agente econômico, resultando em instrumento incentivador da
especulação financeira, geradora do entrave no processo de produção e agente
causador da inflação.
Assim, nessa ótica a moeda acaba por gerar um viés econômico no
processo produtivo uma vez que ela se transforma no maior agente causador da
inflação e da especulação financeira.
Essa situação se transforma num quadro paradoxal para a própria teoria
capitalista que a apregoa.
Em que pese seja a obra de Keynes que tenha prevalecido após a grande
crise de superprodução capitalista de 1927-1933; Michal Kalecki, também foi
outro economista, que, preocupado com os problemas de crises econômicas
periódicas no sistema capitalista, também chegou a conclusões semelhantes às
conclusões keynesiana, só que na ótica marxista.
Os trabalhos de Michal Kalecki, embora cheguem à mesma conclusão que
a teoria de Keynes, possuem suas obras, uma característica mais estruturalista.
Kalecki, da mesma forma que Marx, dividiu a Economia Capitalista em
Departamentos; só que enquanto Marx dividiu a economia capitalista em dois
departamentos, Kalecki dividiu a Economia em três departamentos: o
Departamento I, que produz bens de capital; o Departamento II que produz bens
de consumo para os capitalistas e o Departamento III que produz bens de
consumo para os trabalhadores.
Para estabelecer seus princípios econômicos, Kalecki fez vários estudos,
analisou diversas economias, inclusive as economias periféricas do terceiro
mundo, o que lhe permitiu elaborar um trabalho mais conciso e mais consistente,
de acordo com a realidade econômica atual, em especial das economias do
terceiro mundo.
Não se quer com isso dizer, que não se deva estudar a teoria de Keynes,
pelo contrário; todo e qualquer trabalho que seja de interesse em solucionar os
problemas sociais são de suma importância para a compreensão do
comportamento da realidade da economia mundial.
O problema é que o trabalho de Keynes é mais direcionado para as
economias centrais, enquanto que os estudos de Kalecki são mais abrangentes,
enfocando mais o aspecto produtivo que o aspecto monetarista de Keynes.
137

Embora os trabalhos de Kalecki sejam mais consistentes que os trabalhos


de Keynes, podemos assim dizer, o fato é que por ser de linhagem marxista,
Kalecki teve dificuldades para ver seu trabalho ser aceito dentro da comunidade
econômica capitalista.
Comentam os estudiosos no assunto referente a Kalecki, que o mesmo foi
barrado pelos Estados Unidos, nos serviços que ele desempenhava na
Organização das Nações Unidas, tendo que se afastar do seu cargo junto a
ONU, por imposição desse país.
Mesmo as publicações das principais obras de Michal Kalecki datam de
períodos anteriores à principal obra de Keynes que é a Teoria Geral, publicada
em 1936.
As principais obras de Kalecki que são: Teoria da Dinâmica Econômica,
Ensaios Sobre as Mudanças Cíclicas e à Longo Prazo das Economias
Capitalistas e Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, datam
principalmente de 1933, três anos antes da publicação da Teoria Geral do
Emprego dos Juros e da Moeda de Keynes. Acrescente a isso o fato que Keynes
se tornou amigo de Kalecki mesmo antes da publicação da sua principal obra.
Um fato curioso a acrescentar, no que concerne a Keynes é que, mesmo
depois de ter tido sua principal obra publicada, as principais propostas desse
autor para recuperação econômica da Europa foram barradas, pelos Estados
Unidos.
Os próprios Estados Unidos, como sendo o principal país responsável pela
recuperação econômica dos países capitalistas da Europa escolheu as propostas
de Henry White, secretário do Tesouro dos EUA a serem implantadas, em
detrimento das propostas de Keynes.
A partir deste momento passaremos a analisar de forma resumida as
principais contribuições de Michal Kalecki ao estudo da Economia Capitalista.
Ao contrário de Keynes, Kalecki não deu ênfase à teoria monetarista, se
limitando a dizer que essa teoria, segundo escritos de Jorge Miglioli, não passava
de “truque econômico”, preferindo se concentrar mais nas atividades das
relações sociais de produção, na sua forma natural, analisando diretamente o
comportamento dos setores produtivos da economia através da divisão desses
setores em departamentos, conforme já comentado acima.
138

Para melhor formular o seu trabalho e dar consistência às suas análises,


Kalecki partiu da adoção de um modelo econômico fechado, sem governo e sem
transações com o setor externo.
Esse último pressuposto foi adotado, em virtude de que Kalecki, assim
como todos os economistas marxistas, e alguns outros economistas pertencentes
a outras correntes de pensamento econômico, considerarem o setor externo
como uma extensão das atividades do setor interno ao contrário do que
consideram os economistas neoclássicos e os economistas monetaristas que
consideram o setor externo como a razão de ser do setor interno.
De acordo com essa ótica, para o setor interno se desenvolver este tem
que necessariamente se encaixar dentro das propostas do mercado externo.
Assim, o mercado interno, passa a ser uma extensão do mercado externo.
De certa forma essa é uma visão que prevalece no pensamento
econômico desde o período mercantil, fazendo com que os economistas de
linhagem clássica na concepção de Smith, Ricardo e Say, se apeguem à teoria
das vantagens comparativas, desenvolvida por David Ricardo, inclusive os
Keynesianos.
Para os economistas marxistas, a economia funciona como uma onda que
parte de um ponto central e se propaga para os demais ramos de atividades
econômicas. Para Marx, assim como para Kalecki, as atividades principais do
sistema capitalista partem dos Departamentos I que produz bens de capital e do
Departamento II que produz bens de consumo para os capitalistas.
As economias que não possuem esses dois departamentos desenvolvidos
tendem a serem dependentes, e, conseqüentemente, são sensíveis a quaisquer
mudanças ocorridas dentro do processo de produção.
São essas características que melhor definem uma economia dependente
de outra economia dominante.
As atividades governamentais assim como as atividades do setor
financeiro, de início são desprezadas por Kalecki por considerar que essas
atividades não são produtivas, estando mais próximas das atividades do
Departamento III, que produz bens de consumo para os trabalhadores.
Os investimentos para Kalecki independem da renda ou acumulação de
capital, uma vez que as atividades de investimentos dependem mais de decisões
independentes desses dois fatores, dependendo mais das condições psicológicas
139

dos empresários em relação aos investimentos, que a princípio não mantêm


nenhum vínculo com o nível de renda.
Para Kalecki, o investimento uma vez realizado independe da taxa de juros
no mercado, pelo fato de que, o investimento se autofinancia. O que determina a
magnitude de investimento é a quantidade de capital disponível nas mãos do
empresário.
Para Kalecki, maior será o risco corrido pela empresa quanto maior for a
proximidade do investimento do capital total disponível pela empresa. São os
investimentos limitados pelo capital disponível nas mãos do empresário e pelo
dimensionamento de mercado que determinarão o montante de lucro para os
capitalistas.
O mercado externo assim como os déficits orçamentários do governo
representam um lucro adicional para os capitalistas.
Kalecki aponta os lucros adicionais como uma das causas fundamentais
para o interesse pelos mercados externos por parte dos capitalistas. Os gastos
militares assim como as guerras financiadas pelo déficit orçamentário são
consideradas como fontes de lucros adicionais externos.
Quanto aos impostos são imprescindíveis apenas para a manutenção das
atividades do governo, ficando sujeito às intenções governamentais, devendo
incidir mais sobre os lucros dos capitalistas, uma vez que Kalecki considera que
nem todo o lucro é gasto pelos capitalistas em consumo e investimento.
Os impostos incidindo sobre os lucros dos capitalistas promovem um gasto
adicional por parte do governo nas atividades essenciais ao funcionamento das
relações sociais, como educação, saúde, transporte, saneamento básico e infra-
estrutura.
Esses gastos adicionais representam um gasto novo que favorecerá as
atividades produtivas, pois eles promovem a obtenção de um lucro adicional para
o sistema como um todo, incentivando a produção e permitindo o
desenvolvimento.
Os impostos incidindo sobre os salários dos trabalhadores, provocarão
uma redução no consumo dos trabalhadores promovidos pela queda na taxa de
salários, o que refletirá, por conseguinte, na queda da taxa de lucros dos
capitalistas do Departamento III.
140

Os lucros do sistema produtivo como uns todos são determinados pelo


investimento e consumo dos capitalistas. Os capitalistas só terão maiores lucros
se investirem e consumirem mais.
Eles só investirão mais se houver um mercado em potencial para absorver
sua produção adicional.
Essa produção logicamente é determinada pelo consumo adicional criada
pelo aumento da demanda efetiva. A participação do salário na renda é
analisada por Kalecki, no capítulo II de sua obra “Teoria da Dinâmica
Econômica”.
Nesse capítulo Kalecki chega à conclusão que; o que determina a
participação dos salários na renda é o grau de monopolização. O grau de
monopolização sendo elevado provoca uma redução da participação do salário
sobre a renda; aumenta-se em virtude desse fato, o controle sobre os preços,
produção e conseqüentemente promove um domínio total das empresas
monopolistas sobre a economia.
O que provoca as modificações no grau de monopolização, segundo
Kalecki, é a concentração industrial formando corporações gigantescas reforçada
por acordo tácito entre as empresas, firmados, através do controle de preços.
A Segunda influência seria a concorrência através de campanhas de
publicidade que também tem tendência a elevar o grau de monopolização.
Outros dois fatores que têm influências sobre o grau de monopolização
são as modificações no nível dos custos indiretos com relação aos custos diretos
e o poderio dos sindicatos. Havendo aumento dos custos indiretos em relação
aos custos diretos, há em conseqüência, uma redução nos lucros a menos que
se aumente a razão dos rendimentos em relação aos custos diretos.
Para que haja uma manutenção do aumento da razão entre os custos
diretos e os rendimentos, têm que haver um certo controle sobre o mecanismo de
preços. Porém, nesse caso, não se pode afirmar que haja necessariamente um
aumento do grau de monopolização.
Kalecki afirma que isso pode não ocorrer. O que inibe realmente o
aumento do grau de monopólio é a ação dos sindicatos fortes, conforme veremos
a seguir através da transcrição da obra do próprio Kalecki:
141

“A existência de sindicatos poderosos pode criar uma tendência no sentido


de se reduzir a margem de lucro, pelos seguintes motivos. Verificando uma razão
elevada entre os lucros e os salários, fortalece-se o poder de barganha dos
sindicatos em suas atividades visando aumentos de salários, uma vez que os
salários mais elevados serão então compatíveis com “lucros razoáveis” aos níveis
de preços existentes. Se após os aumentos serem concedidos os preços fossem
majorados, seriam geradas novas demandas de aumentos de salários. Daí se
conclui que uma razão elevada entre lucros e salários não pode ser mantida sem
criar uma tendência no sentido da elevação dos custos. Esse efeito adverso
sobre a posição competitiva de uma firma ou de um ramo da indústria estimula a
adoção de uma política de margens de lucros mais baixas. Assim, o grau de
monopolização será em certa medida mantido baixo graças à ação dos sindicatos
e quanto maior for a força dos sindicatos com maior intensidade isso se fará
sentir. ... As modificações do grau de monopolização são de importância decisiva
não só para a distribuição de renda entre os trabalhadores e capitalistas como
também em alguns casos para a distribuição de renda da classe capitalista.
Assim, o aumento no grau de monopolização motivado pelo crescimento das
grandes corporações resulta em uma transferência relativa de renda das outras
industrias para as dominadas por tais corporações. Dessa forma, a renda é
redistribuída passando das pequenas para as grandes empresas”.

Quanto ao problema de salários nominais e reais, Kalecki trata no capítulo


VIII de sua obra Crescimentos e Ciclos da Economias Capitalistas, através de
longa discussão, a partir da teoria clássica do salário, que transcreveremos a
seguir, atendo-nos apenas aos tópicos principais:

“Os supostos da teoria clássica do salário podem ser divididos em duas


categorias. A primeira pertencem às hipóteses da livre concorrência entre as
empresas e da assim chamada “lei dos crescentes custos marginais”. Dessas
duas hipóteses resulta que o crescimento do emprego está relacionado com a
queda dos salários reais. A Segunda pertencem às hipóteses de um dado nível
geral de preços e de um dado valor da demanda global; com o auxílio dessas
hipóteses pode-se concluir que os salários reais se movimentam na mesma
direção dos salários nominais. Se a diminuição dos salários nominais causa a
redução dos salários reais, e essa redução se liga ao crescimento do emprego,
então da teoria clássica pose-se concluir que a diminuição dos salários nominais
aumenta o emprego. ... A lei dos crescentes custos marginais estabelece que
quanto maior é a produção no âmbito de um dado aparato produtivo, maior é o
custo marginal, isto é, o custo da produção da última unidade. A muitos leitores
essa lei parece evidente e correta, visto ser demonstrada na agricultura, onde é
preciso utilizar cada vez mais trabalho e fertilizante para se obter uma colheita
adicional numa dada área; mas numa empresa industrial o custo marginal cresce
consideravelmente apenas na medida em que se aproxima da plena utilização do
equipamento da fábrica, o que na realidade, só acontece excepcionalmente”.

A teoria clássica do salário considera uma relação direta entre preços dos
produtos e salários e, por conseguinte uma relação inversa entre os salários e os
preços das matérias-primas.
142

Assim, mantendo-se o preço da produção constante, havendo uma


elevação no preço das matérias-primas, para que o capitalista consiga ter a
mesma margem de lucro, faz-se necessário que o salário real ou nominal caia na
mesma proporção que o aumento do preço das matérias-primas.
Os preços das matérias-primas e os salários, para a teoria clássica são
considerados como custos.
Kalecki considerando esse raciocínio clássico e neoclássico supõe que,
havendo aumento nos salários nominais e reais, para que a margem de lucro
seja conservada, mantendo-se o preço final constante, o preço das matérias-
primas têm que cair na mesma proporção.
Kalecki em conclusão refuta essa idéia afirmando que, essa situação
dificilmente acontece. Kalecki analisa ainda a afirmação clássica e neoclássica
que afirma que: - caso haja aumento no salário e nos preços das matérias-
primas, mantendo-se o preço da produção constante, haverá uma queda na taxa
de lucro dos capitalistas.
Kalecki refuta essa idéia afirmando que esse é um caso
excepcionalíssimo. Essa situação, segundo Kalecki, só ocorre em caso de livre
concorrência dentro dos pressupostos da teoria econômica clássica.
A lei dos crescentes custos marginais da teoria neoclássica acompanha o
mesmo raciocínio, resultando numa recíproca dependência entre a produção e os
salários reais. Porém sobre essa situação Kalecki analisa:

“A redução dos salários nominais provoca, no estado inicial da produção,


a baixa dos custos marginais. Todavia, o nível geral de preços inicialmente não
se altera, porque a demanda global é constante. Desse modo os preços são
mais altos do que os custos marginais, o que causa o crescimento da
produção... Sendo dada uma demanda global, a queda dos salários nominais
provoca o crescimento da produção, a qual é acompanhada pela queda dos
salários reais. (...) É difícil aceitar como plenamente justificada a suposição de
um dado nível geral de preços ou de uma dada demanda global nominal. Do
processo do ciclo econômico sabemos muito bem que ambas essas grandezas
sofrem mudanças”

No tocante à análise da política salarial proposta pela economia clássica,


que se baseia na queda dos salários nominais para o estímulo do investimento e
crescimento econômico, quanto à influência dessa política sobre a produção e o
emprego Kalecki observa:
143

“À primeira vista pode-se supor que, como resultado da diminuição dos


salários, os capitalistas ampliam tanto seu consumo como o investimento, visto
que levarão em conta a futura maior rentabilidade de suas empresas. Se assim
fazem, então a diminuição dos salários realmente causa o crescimento da
produção e a teoria “clássica” se apresenta correta dentro dessa nova
concepção. ... Mas uma análise mais precisa mostra que esse resultado não é
provável. De fato, é difícil crer que o investimento e o consumo dos capitalista
cresçam imediatamente. Antes de tudo, os empresários não começam
verdadeiramente a investir mais logo após a diminuição dos salários, mas antes
esperam pelo efetivo crescimento de sua renda. Mesmo se começassem a
encomendar mais máquinas, prédios, etc., por motivos técnicos o crescimento
da produção nos correspondentes setores ocorreria somente depois de certo
tempo. ... Fato semelhante acontece com o consumo dos capitalistas. Eles
aguardarão a efetivação do esperado aumento de suas rendas, e mesmo depois
desse aumento decorre um certo tempo até que se elevem seu nível de
consumo. Numa palavra, É PROVÁVEL QUE NO PERÍODO IMEDIATAMENTE
POSTERIOR À DIMUINUIÇÃO DOS SALÁRIOS, O VOLUME DE
INVESTIMENTO E DE CONSUMO DOS CAPITALISTAS SE MENTENHA
INALTERADO. É fácil, todavia, mostrar que se, nessa situação, ambas essas
grandezas e, com elas, a produção global não se altera, também não mudarão
nos períodos subseqüentes. ... De fato, com a produção global inalterada, a
queda do nível geral d preços deve causar menor necessidade de dinheiro, o
que provoca uma diminuição da taxa de juros nos bancos. E a queda dessa taxa
de juro pode influenciar positivamente a atividade de investimento e, daí, o
aumento de produção. Porém a alteração da taxa de juro de curto prazo tem
influência relativamente insignificante sobre a taxa de juro de longo prazo, que é
a que mais afeta o investimento. Desse modo, a diminuição dos salários,
influenciando apenas superficialmente a taxa de juro de longo prazo, não pode
acelerar acentuadamente a atividade de investimento. Pode-se mesmo afirmar
que muitas vezes ela dará um resultado inverso. A diminuição geral dos preços
provoca o aumento da carga das dívidas; porque enquanto as rendas
diminuíram em certa proporção, as “antigas” dívidas não se alteraram; daí, é
claro, surgem dificuldades no pagamento dessas dívidas e de seus juros, o que
freqüentemente termina em falência de empresas. Nessa situação domina a
falta de confiança na capacidade de endividamento das empresas, o que pode
provocar a elevação da taxa de juros nos empréstimos de longo prazo, mesmo
se a taxa de juro de curto prazo declinar. ... Essas considerações mostram que
ainda é mais improvável a ação da diminuição dos salários, através da queda da
taxa de juro sobre o nível de produção e de emprego. Podemos pois, afirmar
que o mais provável resultado da diminuição de salários, de acordo com a
suposição de livre concorrência, é a permanência do mesmo volume de
produção juntamente com o declínio do nível geral de preços. ... Como resultado
de nossa análise podemos afirmar que, em geral, a diminuição dos salários
nominais leva, devido à “rigidez” dos preços, ao aumento do “grau de
monopólio” e igualmente à redução dos salários reais. À diminuição dos
salários, porém, nesse sistema de relações, liga-se não o crescimento mas a
queda do emprego, que ocorre no setor produtor de bens de consumo dos
trabalhadores. A renda dos capitalistas não aumenta, mas a renda real dos
trabalhadores declina”.

Através dessas concepções, Kalecki joga por terra a proposta clássica de


que para que haja um aumento de produção e de acúmulo de capital,
necessariamente tem que haver uma relação inversa entre salário e lucro.
144

Essa relação, segundo visão clássica e neoclássica teria que ser mantida
mediante uma grande quantidade de trabalhadores desempregados.
Em existindo essa grande quantidade de trabalhadores desempregados
haveria uma maior demanda por emprego. Essa demanda adicional tenderia a
baixar a taxa de salário pago dentro do sistema capitalista.
Kalecki taxativamente afirma que essa situação necessariamente não
precisa ocorrer uma vez que o nível de investimento independe da questão de
salário pago dentro da economia.
Ademais, de acordo com Kalecki, a política salarial trata-se de uma política
de curto prazo, e o nível de investimento só ocorre no longo prazo.
O investimento uma vez realizado, independe da elevação ou queda da
taxa de salário pago dentro do sistema de produção. O que determina a taxa de
lucro do capitalista na realidade, segundo Kalecki, é o nível de investimento
realizado.
Maior sendo o investimento maior será a taxa de lucro. O
investimento depende ainda da condição psicológica do capitalista e da sua
análise em relação ao nível de demanda da economia e também da taxa de
juros do longo prazo.
A questão de salário nada tem a ver com o nível de investimento e muito
menos com a taxa de lucro do capitalista conforme foi demonstrado acima,
através dos estudos de Kalecki (18).
Outro problema demonstrado pelas análises clássicas está relacionado ao
fato de que para que haja investimento necessariamente tem que haver
acumulação de capital. A realidade nos mostra que isso necessariamente
também não precisa ocorrer.
A acumulação de capital é conseqüência do investimento e da sua
qualidade. O que determina uma maior ou menor acumulação de capital é o grau
de tecnologia e inovação embutida no investimento e não a magnitude de capital
acumulado e empregado no processo de produção.
Esse capital pode ser facilmente emprestado de terceiros e pago após a
realização dos investimentos efetuados pelo capitalista.
Logicamente ainda, o valor do empréstimo também já está embutido no
preço final da mercadoria, o que garante a margem de lucro do capitalista e o
nível de investimento dentro do sistema.
145

Para citar como exemplo, o que permitiu a Portugal acumular capital foi o
seu pioneirismo na arte de navegação a longa distância e a aplicação conjugada
das tecnologias desenvolvidas na época, como o caso da utilização da pólvora,
da bússola, do astrolábio, da caravela e da organização das esquadras
portuguesas.
Praticamente por trás de todos os impérios formados ao longo da história
da humanidade, estão as largas utilizações de tecnologias e do seu emprego nas
ações militares e econômicas.
A magnitude de lucro está relacionada com a qualidade do investimento e
a utilização de produtos high tech e não com o acúmulo de capital.
A questão de acumulação de capital está mais relacionada com a questão
da avareza do que propriamente com o nível de investimento. Ademais, nem
sempre quem detém o controle dos meios de produção é que obterá a
capacidade de investimento e se tornará mais rico e sim quem detém o
conhecimento, o controle correto das etapas de produção, o talento, a
criatividade e as idéias.
A história nos mostra esse exemplo, através do que aconteceu com o
Império Romano, com a Nobreza no período feudal e talvez com a própria
burguesia como previu Marx. Estas riquezas é que permitem a realização de
altos investimentos dentro do capitalismo e também a obtenção do maior ou
menor grau de lucro dentro do processo de produção.
E essa riqueza só se obtém com investimento em educação, “que nenhum
governo pode deixar de realizar embora o possa a empresa privada”, conforme
enfatiza John Maynard Keynes.
No sistema de produção, praticamente a única ciência social que aplica
largamente as idéias defendidas pelos clássicos, além dos próprios clássicos,
são os segmentos tradicionais da administração, no caso, a corrente situacionista
desenvolvida por Winslow Taylor gerando um sistema de administração
altamente hierarquizado, inflexível, rígido, extremamente coercitivo, com um
organograma verticalizado ao extremo e marcado pela pressão do gerente sobre
a sua equipe.
Atualmente, essa visão está em processo de revisão, estando considerada
já ultrapassada para as modernas técnicas de administração, sendo substituídas
pela corrente universalista, que é caracterizada pela formação e senso de equipe,
146

de grupos especializados voltados para o sucesso e a gestão de excelências, a


horizontalização do processo e a possível extinção dos organogramas em um
futuro próximo.
Nessa visão, não se fala mais em patrão e empregado e sim em líderes e
colaboradores.
O funcionário não deve ser coagido, devem ser o menos sobrecarregado
possível com bons salários para que possa melhor desenvolver idéias e
aumentar a sua produtividade.
O que prevalece é a criatividade do trabalhador e o seu grau de
conhecimento e responsabilidade para incentivar a criação de idéias.
Nessa ótica, e o que é mais justo, o salário é considerado diretamente
proporcional à produtividade, tornando no esquecimento a visão arcaica de
Smith, que para que haja acumulação de capital necessariamente o trabalhador
tem que ser espoliado a fim de aumentar o lucro do patrão, o que já foi
demonstrado acima que não tem nenhum significado mais criativo.
147

2.9 - A Economia Política: Da II Grande Guerra à Atual


Conjuntura

Os Estados Unidos e os demais países capitalistas pertencentes aos


grupos das Sete Elites (Estados Unidos, França, Itália, Canadá, Inglaterra,
Alemanha e Japão), receosos dos avanços soviéticos que se faziam cada vez
mais ameaçadores e considerados na época até um processo irreversível; para
rechaçar esse avanço, tomaram uma série de medidas após a Segunda Grande
Guerra Mundial.
Para isso criaram vários organismos internacionais como o GATT – Acordo
Geral de Tarifas e Comércio, substituído em 1995 pela OMC – Organização
Mundial do Comércio; o Banco Mundial que foi criado com o objetivo básico de
reconstruir os países devastados pela guerra; o FMI – Fundo Monetário
Internacional que foi criado com a finalidade de evitar possíveis instabilidades
cambiais e garantir a estabilidade financeira além socorrer os países a ele
associados se ocorrerem desequilíbrios transitórios em sua capacidade de
pagamentos externos e leis, além de planos, como o Plano Marshall que foi o
plano criado para recuperação econômica da Europa.
Dolarizaram a Economia Capitalista através do acordo de Bretton Woods a
fim de que os EUA pudessem monitorar a economia mundial; no campo militar
criaram a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte e elegeram os EUA
como guardião do capitalismo no Planeta Terra que, por intermédio da CIA –
Central de Inteligência Americana, pode intervir em qualquer país do mundo
através do financiamento de guerras, criação de política de extermínio, golpes de
Estado, eleger presidentes nesses países, promover invasões, comprar eleições
presidenciais, manter ditadores e tiranos desde que estes respeitassem os
direitos dos países centrais e garantissem os direitos e reservas de mercado às
multinacionais, etc.
Sabendo disso, os países socialistas, liderados pela União Soviética não
ficaram atrás e criaram o chamado Pacto de Varsóvia, criaram a KGB, criaram
ainda, o COMECON – Conselho Econômico de Assistência Mútua para fazer
frente ao bloco criado pelas SETE ELITES, ou G-7.
O resultado de tudo isso foi a origem da chamada “guerra fria” que
promoveu golpes de Estado nos países do terceiro mundo, inclusive o Brasil com
148

o Golpe Militar de 1964, apoiados pelos “coronéis” paulistas, mineiros e cariocas,


que estavam descontentes com a política implantada por Getúlio Vargas,
afastando-os do poder através da criação do chamado Estado Novo em 1930, e;
através do Brasil, utilizado como “ponta de praia”, puderam os EUA, por
intermédio da CIA, realizar golpes militares por toda a América do Sul, como o
golpe militar no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai, na Bolívia, etc.,
etc..
No resto do mundo tivemos a Guerra da Coréia, a Guerra no Vietnã, a
guerra de Cuba e conflitos armados por todos os lados, transformando o período
de 1945 a 1989, num processo de “carnificina camuflada” através da atuação de
polícias especialmente treinadas pela CIA, que através da utilização de torturas e
políticas de extermínio tratavam de “limpar o terreno” a fim de ver seus interesses
assegurados.
No campo jurídico, de acordo com o que já foi afirmado anteriormente,
adotaram o princípio jurídico de que o “ônus da prova cabe a quem acusa”,
podendo dessa forma, deixar as chamadas “autoridades do terceiro mundo” de
mãos livres para adotarem as medidas que quiserem e que fossem de seus
interesses, pois; quem é que vai testemunhar contra um general, um coronel, um
banqueiro, um dito “juiz”, um delegado, um “político de carreira”, um grande
empresário?
As provas podem ser rasgadas, os documentos queimados e as
testemunhas compradas ou senão “desaparecidas” através de acidentes banais,
como por exemplo, “escorregar na escada e quebrar o pescoço”; morrer de “dor
de barriga” por ter digerido uma bela “feijoada”, morrer de uma crise de risos por
assistir mais uma vez através da televisão o noticiário de uma eleição fraudada,
etc., etc.
Se assim não o for, quem se habilita em dizer o contrário? Qualquer um
pode fazer isso, desde que não tenha pai, mãe, irmãos, filhos, parentes, etc., etc.,
Enfim, qualquer um pode fazer isso desde que seja sozinho no mundo e esteja
desgostoso da vida (grifo nosso).
Esses acontecimentos tiveram o início do seu final marcado pelo término
da guerra fria decorrente da queda do império soviético, ficando registrado na
história pela destruição do Muro de Berlim em 1989.
149

Até essa época, justificava-se as multinacionais investirem verdadeiras


fortunas nas eleições presidenciais a fim de manterem as “marionetes do terceiro
mundo” no poder, uma vez que seus interesses, seus patrimônios estavam
ameaçados.
Agora, que sentido faz para as multinacionais manterem governos
corruptos, eleições fraudulentas sendo que o que interessa realmente para elas é
garantirem seus mercados e realizar as atividades do comércio? Afinal quem é
que compra seus produtos? São os governos corruptos do terceiro mundo, que
vão adquirir suas mercadorias? Na realidade eles gastam praticamente tudo o
que ganham com festas luxuosas, passeios sem sentido, financiamento de
grupos de extermínio, investimentos em drogas e falcatruas, etc., etc.
Por último, o que realmente conta; o povo que é o verdadeiro consumidor,
onde é que fica? E o trabalho? Eles dispõem de capital financeiro suficiente para
poderem realizar o consumo? Como é que está o nível de concentração de renda
do terceiro mundo? Tem sentido essa concentração?
Por quê não se considera a corrupção como um crime hediondo e
universal, podendo os infratores serem pegos e julgados por qualquer governo no
mundo?
Então, sendo assim, a Economia Política tem que ser repensada e novos
argumentos devem ser formulados, prevalecendo ainda para tal os estudos do
próprio Marx e seus discípulos, os trabalhos de Rudolf Hilferding através dos
estudos principalmente de sua obra “O Capital Financeiro”; os trabalhos de Rosa
de Luxemburgo com a sua obra “A Acumulação de Capital”; os trabalhos de
Bukharin(19), principalmente de sua obra “O Imperialismo e a Economia
Mundial”, extraordinariamente, deixando registrada as visões proféticas do
próprio Marx, transcrito pela primeira vez pelo genial Bukharin, já apresentados
em páginas anteriores e que reforçamos a seguir:

“Os dois principais processos do desenvolvimento capitalista são os


processos de concentração e centralização do capital – processos que,
freqüentemente, se confundem, mas que convém distinguir rigorosamente. Marx
dá a essas noções as definições seguintes: “todo capital individual”, diz ele, “é
uma concentração, em maior ou menor escala, de meios de produção, com o
correspondente comando de um exército maior ou menor de operários. Toda
150

acumulação passa a ser instrumento de nova acumulação. Na medida em que


cresce, a massa da riqueza que funciona como capital, amplia a concentração
nas mãos de capitalistas individuais; e alarga, portanto, em grande escala, a base
de produção e os métodos de produção especificamente capitalistas. (...) O
crescimento do capital social opera-se por meio do crescimento de muitos
capitais particulares. Dois pontos caracterizam essa espécie de concentração
que repousa diretamente sobre a acumulação ou, antes, que se confunde com
ela ( o grifo é nosso ). Em primeiro lugar, considerando-se iguais todas as demais
circunstâncias, a crescente concentração dos meios sociais de produção nas
mãos de capitalista particulares tem por limite o grau de crescimento da riqueza
social. Em segundo lugar, a parte do capital social localizada em cada esfera
especial da produção, reparte-se entre numerosos capitalistas independentes e
concorrentes entre si. A essa dispersão do capital social total em numerosos
capitais individuais – ou a essa repulsão recíproca de muitos capitais individuais
– opõe-se a força de atração. Já não se trata de uma concentração simples,
idêntica à acumulação. Trata-se da concentração de capitais já formados, da
supressão de sua autonomia particular da expropriação de um capitalista por
outro, da transformação de muitos capitais pequenos em um punhado de
avultados capitais. Esse processo distingue-se do anterior por pressupor
simplesmente uma repartição diferente dos capitais existentes e já em função. O
capital acumula-se nas mãos de um precisamente porque sai das mão de muitos.
É a centralização propriamente dita, em oposição à acumulação e a
concentração” ( Karl Marx. Le Capital. Livro Primeiro. T. IV, p. 89 – 90).
151

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