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Livro-Objeto a/r/tográfico

Práticas de Pedagogia Cultural na periferia de Brasília

Leísa Sasso
Figura 1 - Composição com Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007 e Fotografia de São Sebastião da autora

Figura 2 - Segunda capa - Matriz de xilogravura de estudante do 1º ano EM, 2004

Figura 3 - Fotografia de São Sebastião da autora


UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE

LEÍSA SASSO

LIVRO-OBJETO A/R/TOGRÁFICO
Práticas de Pedagogia Cultural na periferia de Brasília

Brasília
2014

Figura 4 - Composição com fotografia da autora editada pela autora


DISSERTAÇÃO E PRODUÇÃO IMAGÉTICA DE MESTRADO EM ARTE APRESENTADA
AOS PROFESSORES

Vista e permitida a impressão


Brasília, Sexta-Feira 25 de abril de 2014

Coordenação de Pós-Graduação do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes / UnB


LEÍSA SASSO

LIVRO-OBJETO A/R/TOGRÁFICO
Práticas de Pedagogia Cultural na periferia de Brasília

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradu-


ação em Arte do Instituto de Artes Visuais da Univer-
sidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Arte na linha de pesquisa de
Educação em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Belidson Dias

Brasília
2014
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de
Brasília. Acervo 1015491.

Sasso , Le í sa .
L i v r o - ob j e t o a / r / t og r á f i co : p r á t i cas de pedagog i a
cu l t u r a l na pe r i f e r i a de Br as í l i a / Le í sa Sasso . - - 2014 .
252 f . : i l . ; 30 cm.

Di sse r t ação (mes t r ado ) - Un i ve r s i dade de Br as í l i a ,


I ns t i t u t o de Ar t es , Depa r t amen t o de Ar t es V i sua i s ,
Pr og r ama de Pós -Gr aduação em Ar t e , 2014 .
I nc l u i b i b l i og r a f i a .
Or i en t ação : Be l i dson Di as Beze r r a Jun i o r .

1 . Pr á t i ca de ens i no . 2 . Cu l t u r a popu l a r . 3 . Educação


a r t í s t i ca (Ens i no méd i o ) - Di s t r i t o Fede r a l (Br as i l ) .
4 . Comun i cação v i sua l . I . Beze r r a Jun i o r , Be l i dson Di as .
I I . Tí t u l o .

CDU 37 . 036 ( 817 . 4 )


Figura 5 - página 5 - Ilustração para manifesto da educação, Carlione Ramos, 2013
Figura 6 - Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007
Figura 7 - “MonaLeísa”, composição de Alan Andrade para o site da escola, 2006
AGRADEÇO,
Ao meu amor Evandro Sada pela compreensão nas minhas ausências e ajuda constante ao revisar
meus textos e acumular serviços domésticos, para que eu pudesse me dedicar a esse estudo e à Dire-
ção do Centro Educacional São Francisco.
Ao meu orientador Belidson Dias pelas orientações, mudanças de rumos na investigação e persistên-
cia em produzir questionamentos que me fizeram buscar respostas às minhas próprias inquietações.
A meu amigo Yuri Paranhos por sua paciêcia e contribuição na editoração gráfica dessa dissertação.
Agradeço a amiga Ghisa Porto companheira de muitas aventuras pedagógicas.
A minha Dinda Maurícia que mesmo doente, buscou autonomia para não prejudicar a investigação, e
a meu pai Leônidas Sasso por ter dividido comigo idas e vindas a hospitais e a enfermarias.
A Carlione Ramos que fotografou, transcreveu as gravações dos grupos focais e dividiu comigo os
cuidados com a Dinda para me proporcionar mais tempo livre para escrever a dissertação.
A Maria Teresa Martins pela revisão em língua francesa.
A Luiz Eugênio Barros de Brito, meu Vice-Diretor, que abraçou muitas de minhas atribuições para
que eu pudesse concluir o mestrado.
Aos ex-estudantes do Centro de Ensino Médio 01 que se dispuseram a participar da investigação e me
presentearam com relatos apaixonantes.
Aos estudantes e docentes do Centro Educacional São Francisco que compreenderam minha ausência
na escola durante as aulas na UnB.
Aos professores, colegas do mestrado e doutorado que enviaram textos para enriquecer a investiga-
ção e também a todos os familiares e amigos que se interessaram pela investigação e contribuíram de
forma indireta aos resultados apresentados.
Muito obrigado a todos.

Figura 8 - Autoretrato, Leísa Sasso, Óleo s/ tela,1996


RESUMO:

Esta investigação busca entender práticas pedagógicas de projetos de trabalho como


pedagogias culturais, e ainda mais, como se articulam com os Estudos da Cultura
Visual. Também utilizo nessa dissertação a metodologia a/r/tográfica para experien-
ciar a fusão de práxis, teoria e poética na apresentação de eventos pedagógicos que
enfatizam a importância da construção do conhecimento a partir das visualidades e
nela inserida a arte. Dessa forma, relacionar cultura e política leva em consideração a
questão da dominação e emancipação dos sujeitos inseridos nesse processo. Entre os
anos de 2002 e 2007, realizei estas experiências como professora no Centro de Ensino
Médio 01 de São Sebastião, na periferia de Brasília-DF, e os projetos tiveram grande
interesse e envolvimento dos estudantes. Levando em consideração o desinteresse
dos estudantes pelas imagens da história da arte, considerei levar para a sala de aula
o cotidiano dos estudantes em suas diversas formas de representações como forma de
tornar a aprendizagem mais significativa e estimulante. Paulo Freire foi o arcabouço
teórico para a construção dessa forma de trabalho à época, sendo o trabalho com
projetos fundamentado na obra de Fernando Hernández, a base dessas práticas peda-
gógicas. Para conquistar a audiência, a arte e suas representações da cultura ocidental
hegemônica, presentes nos programas de acesso ao Ensino Superior brasileiro, foram
trabalhadas em diálogo com representações da cultura popular e de massas. Essas
práticas buscavam estimular a consciência crítica e proporcionar agência nos estu-
dantes situados em contextos socioeconômicos desfavorecidos. Além disso, visavam
capacitar o estudante para as avaliações externas bem como tornar a escola um espaço
de experimentação e criação mais abrangente do ponto de vista político. Logo, se-
ria importante questionar: Qual a importância dessas práticas? Como elas colaboram
para o fomento da crítica cultural e social, construção de saberes? Como auxiliaram a
difusão do conhecimento sobre a visualidade e a arte? Como essas abordagens peda-
Figura 9 -Homem relógio, Raquel Brandão, acrílica e spray s/ porta, 2005.
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gógicas contribuíram para a construção de identidades e promoção de agência dos sujeitos na escola
e na comunidade? Quais dados visuais, quais artefatos produzidos pelos estudantes seriam capazes
de criar um evento pedagógico, ao mesmo tempo um acontecimento artístico e significativo para os
estudantes e para a escola? Para tal, realizo levantamento das minhas práticas pedagógicas mais signi-
ficativas reconstituindo assim, a memória dessas práticas, agora revisitadas por meio da interpretação
de dados visuais, estabelecimento de grupos focais e de questionários. Foi realizado grupo focal com
os estudantes participantes dessas práticas e também foram utilizados questionários semiestruturados
cuja amostra constitui-se de 26 estudantes secundaristas. Foi realizada uma análise documental base-
ada em revisão de literatura nas áreas de cultura visual, investigações educacionais baseadas nas artes
e a/r/tografia, nos dados visuais dos registros das práticas didáticas realizadas. Situada aqui como
artista, investigadora e educadora, ou seja, uma a/r/tógrafa, apresento os resultados da investigação
em forma dialógica de textos e representações visuais dos trabalhos realizados. A perspectiva política
ou a intencionalidade de crítica de um contexto político pretendeu empoderar os estudantes com uma
crítica da realidade circundante. Conheci e reconheci pessoas capazes de enfrentar desafios, mais
solidárias no trabalho de equipe, pessoas mais sensíveis e afetivas em seus olhares sobre o mundo e
pessoas que empregam a imaginação e a criatividade em um pensamento orgânico que ressoou como
aventura, por meio da experiência de caminhar juntos em uma formação.

PALAVRAS CHAVE: Pedagogia cultural. Práticas pedagógicas. Cultura visual. A/r/tografia. Projeto
de trabalho.
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RESUMÉE:

Cette recherche a comme but, dans le cadre des études de la culture visuelle, comprendre l’articulation
des pratiques pédagogiques développées dans des projets de travail comme des pédagogies cultu-
relles. La méthode utilisé a été la méthode a/r/tographique, laquelle permet l’expérience de fusionner
la praxis, la théorie et la poétique dans la présentation des événements éducatifs dont l’importance de
la construction du savoir est faite d’après les visualitées et l’art. Ce travail pretend relationer culture et
politique pour prendre en compte la question de la domination et de l’émancipation des sujets inclus
dans le processus pedagogique. Entre 2002 et 2007, j’ai mené ces expériences en tant que professeur
au Centro de Ensino Médio 01, Lycée a São Sebastião, dans la banlieu de Brasilia-DF. Ces projets
ont souscité un grand intérêt et une grande participation parmis les élèves. Compte tenue le manque
d’intérêt des élèves pour les images de l’Histoire de l’Art, j’ai voulu amener dans mes classes la vie
quotidienne des élèves dans leurs diverses formes de représentations, afin de rendre l’apprentissage
plus significatif et stimulant. Les écrits de Paulo Freire étaient le cadre théorique pour la construction
de cette méthode de travail, ainsi que la pedagogie employée dans l’ouvre de Fernando Hernández.
Pour conquérir le public, l’art et ses représentations de la culture occidentale hégémonique présents
dans les programmes d’accès a l’Enseignement Supérieur brésilien, ces contenus ont eté travaillé
avec l’objectif d’établir un dialogue avec les représentations de la culture populaire et de la culture
de masse. Ces pratiques ont cherché à stimuler l’esprit critique et proportionner l’action chez les
élèves parvenus de milieux socio-économiques défavorisés. Mon intention a eté aussi de permettre
aux élèves d’être plus performants dans les évaluations externes et ainsi faire de l’école un lieu d’ex-
périmentation et de création plus large, tout en considerant un point de vue politique. Par conséquent,
il est important se poser les questions suivantes: Quelle est l’importance de ces pratiques? De quellle
manière elles collaborent pour la promotion de la critique culturelle, sociale et pour la construction
du savoir? Dans quelle mesure elles ont aidé à difuser les connaissances sur la visualité et l’art?
Comment ces approches pédagogiques ont contribué pour la construction des identités et pour la
promotion d’agence dans l’école et dans la communauté? Quelles données visuelles y compris les
artefacts produits par les élèves seraient en mesure de créer un événement édu-
catif, un événement artistique et significative au même temps? Pour celà, j’ai
fait une enquête sur mes pratiques pédagogiques les plus importantes à fin de
reconstituer la mémoire de ces pratiques et les revisiteés par l’interprétation des
données visuelles et ainsi promouvoir des groupes de discussion et répondre à
des questionnaires. Des Groupes de discussions ont été menée aussi bien que
des questionnaires semi-structurés ont été également utilisés,dont l’échantillon
se composait de 26 élèves du secondaire. L’analyse documentaire a été réalisée
après l’examen de la littérature dans les domaines de la culture visuelle, l’investi-
gation en éducation basée sur l’art, a/r/tographie et des données visuels des enre-
gistrements des mes pratiques pédagogiques. Ainsi comme une artiste, chercheur
et professeur, c’est à dire un a/r/tógrapher, je presente les résultats de la recherche
des sous la forme d’un dialogue entre textes et représentations visuelles du tra-
vail effectué. Le point de vue politique ou le but de la critique dans un contexte
politique a voulu rendre les élèves capables de realizer um examen de leur réalité
circondante. J’ai reconnu et rencontré des gens capables de répondre aux défis,
des gens plus solidaires en se qui concerne les travaux en equipe, des gens plus
sensibles et affectueuses par rapport le monde et aussi des gens, qui utilisent
leur l’imagination et leur créativité dans une pensée organique qui ressemble à
une ‘aventure à travers l’expérience de marcher ensemble pour la formation des
personnes .

Mots-clés: Pédagogie culturelle. Pratiques pédagogiques. Culture visuelle.


A/r/tographie. Projet de travail.

Figura 10 -Olho mágico, Raquel Brandão, acrílica e spray s/ porta, 2005.


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Composição com Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007 e Fotografia de São Se-
bastião da autora................................................................................................................................capa
Figura 2- Matriz de xilogravura de estudante do 1º ano EM, 2004....................................segunda capa
Figura 3 – Fotografia de São Sebastião da autora ..............................................................segunda capa
Figura 4- Composição com fotografia da autora editada pela autora ..........................................pag. 03

Figura 5- Ilustração para manifesto da educação de Carlione Ramos, 2013...........................pag. 04 e 05


Figura 6- Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007....................................................pag. 06 e 07
Figura 7- “MonaLeísa”, composição de Alan Andrade para o site da escola, 2006.....................pag. 08
Figura 8- “Autoretrato”, Leísa Sasso, óleo s/tela, 1996...............................................................pag. 09
Figura 9- Homem relógio, Raquel Brandão, acrílica e spray s/porta, 2005.................................pag. 10
Figura 10- Olho mágico, Raquel Brandão, acrílica e spray s/porta, 2005....................................pag. 13
Figura 11- Composição com molduras de Yuri Paranhos.............................................................pag. 24
Figura 12- Brasão da República Federativa do Brasil, 1889........................................................pag. 25
Figura 13- Xilogravura de Raquel Brandão, 2004........................................................................pag. 26
Figura 14- Montagem de instalação dos Livros- objetos (Fotografia da autora)..........................pag. 28
Figura 15- “Rio: o ir”, Arnaldo Antunes, 2008.............................................................................pag. 31
Figura16- Página de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 3º ano EM, 2006.......................pag.37
Figura 17- Fotografia da autora - Muro da Livre Expressão, CED. São Francisco, 2011 e muro (edição
de Yuri Paranhos)...........................................................................................................pag. 38 e 39
Figura18- Fotografia da autora de Instalação no Museu da Língua Portuguesa, - Exposição -Guimarães
Rosa, SP, 2006.......................................................................................................................pag. 40
Figura 19- Fotografia da autora de colagem de estudante do 1º ano EM ,2005...........................pag. 42
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Figura 20- Montagem com projetos de diversos estudantes para pintura do muro do CEM 01 (Cen-
trão), 2005..........................................................................................................................pag. 42 e 43
Figura 21- Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007 (Fotografia da autora)...........pag. 44 e 45
Figura 22- Montagem fotográfica da autora - Vale de São Sebastião........................................pag. 46
Figura 23- Fachada do CEM 01 em 2005 e projeto de intervenção da autora...........................pag. 47
Figura 24- Autorretratos de diversos estudantes, 2004......................................................pag. 48 e 49
Figura 25- Fotografia e edição da autora - Rua de São Sebastião, 2005............................pag. 50 e 51
Figura 26- Integrantes da Trupe de teatro “Sobrinhos de Seu Tião”, 2003. Fotografias de Etevaldo
Batista........................................................................................................................................pag. 52
Figura 27- Foto da autora de Autobiografia ilustrada de Carlione Ramos, 2006.......................pag. 53
Figura 28- Fotografia da autora de Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007.................pag. 55
Figura 29- Fotografia da autora de colagem de estudante do 1º ano EM, 2005..........................pag.57
Figura 30- Willmann, Werner. “Ausstellungssituation der Monalisa im Louvre”, 2005............pag.58
Figuras 31 a 34- De cima para baixo: Westlake High School in Waldorf, Md. - History of Art class
in Santa Rosa Junior College – Guyot, Pascal/AFP, A origem do mundo de Gustave Courbet, 1865 –
“Virada Impressionista”, visitação ao CCBB, Gustave Manet, “Le Fifre” 1866, Tânia Rego/EBC ..
..................................................................................................................................................pag. 59
Figura 35- Composição da autora e Evandro Sada com “Vinte e um veleiros” de Arthur Bispo do
Rosário e fotografia da autora editada........................................................................................pag. 60
Figura 36- Composição da autora com “Flor do mangue” de Frans Krajcberg e fotografia da autora
editada........................................................................................................................................pag. 61
Figura 37- Composição da autora e Yuri Paranhos com “Puppy” de Jeff Koons, 1999 e fragmento
de ilustração da autobiografia de Carlione Ramos.....................................................................pag. 62
Figura 38- Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007........................................................pag. 63
Figura 39 a 41- Fotografia do Atelier Mari Ângela Anelli – Aula de história da arte no Museu d’Or-
say – Aula na Escola Intermediária de Brisbane, Austrália, 1951..............................................pag. 64
Figura 42- Composição de Evandro Sada com Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007 e
projeto de “Intervenção urbana em São Sebastião” da autora..................................................pag. 65
Figura 43- Da série “Made in heaven”, Jeff Koons, 1991.......................................................pag. 66
Figura 44- “Vôo noturno”, Waltércio Caldas, 1967 (3 exemplares).........................................pag. 67
Figura 45- Composição da autora e Evandro Sada com colagem de estudante do 1ºano EM, 2006
..................................................................................................................................................pag. 68
Figura 46- Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007......................................................pag. 69
Figura 47- Fotografia da autora de “Mural da Livre Expressão” no CED. São Francisco, São Se-
batião, 2013.............................................................................................................................pag. 70
Figura 48-Fotografia editada pela autora, “Autobiografia ilustrada” de Josidênia Oliveira da Silva,
2006..........................................................................................................................................pag. 73
Figura 49- Fragmento editado por Yuri Paranhos de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 3º
ano EM, 2006...................................................................................................................pag. 74 e 75
Figura 50- Fragmento de fotografia da autora da instalação na exposição – Guimarães Rosa no
Museu da Língua Portuguesa, SP, 2006...................................................................................pag. 76
Figura 51- Autobiografia ilustrada de Paulo Sérgio “Devana Babu” estudante do 1º ano EM, 2006
..................................................................................................................................................pag.78
Figura 52- Composição da autora e Evandro Sada com capa de “Autobiografia ilustrada” de estu-
dante do 3º ano EM, 2006..........................................................................................................pag.79
Figura 53- Fotografia da autora de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 1º ano EM, 2006.....
.................................................................................................................................................pag. 81
Figura 54- Composição com fragmento de colagem de estudante do 1º ano EM, 2006..........pag. 82
Figura 55- Edição de foto da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007..........pag.83
Figura 56- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 2º ano EM, 2007.................pag.84
Figura 57- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007................pag. 85
Figura 58 e 59- Fotografias da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007...pag.86 e 87
Figura 60- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 2º ano EM, 2007................pag. 88
Figura 61- Fotografias da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007...............pag. 89
Figuras 62 a 65- Composição de Yuri Paranhos com Fotografias da autora de página de rede social,
livros, mesa de trabalho e CDs........................................................................................pag. 90 e 91
Figura 66- Composição da autora e Yuri Paranhos com fragmentos de páginas de dicioná-
rios..........................................................................................................................................pag. 93
Figura 67 à 70- De cima para baixo: Fotografias da autora – Roupas criadas para o projeto “Por ti
São Sebastião de estilismo e moda” - Portfólio de estudante com imagens do modernismo – 3º ano
EM após apresentação do projeto “Mantras: música e símbolos” – Visita à exposição de Regina
Silveira CCBB, BSB...............................................................................................................pag. 94
Figura 71 a 76- De cima para baixo: Criação de estudantes de logotipo do jornal da escola – Pintura
após filme “Frida Kahlo” – Xilogravura de estudante do 3º ano EM, 2004 – Instalação realizada por
estudantes do 2º ano EM – Trabalho do Estudante de 2º ano EM para divulgação da peça “Xadrez
Jogo da Vida” – Estudantes trabalham no projeto paredes modernistas..................................pag. 95
Figura 77- Fotografia da autora de seu Caderno de anotações pessoais com fotografia recortada de
trabalho pictórico da autora....................................................................................................pag. 97
Figura 78 a 89- Fotografias da autora de estudantes do 3º ano do EM onde apresentam suas Auto-
biografias ilustradas, 2006..............................................................................................pag. 98 e 99
Figura 90 a 97- Fotografias de Carlione Ramos - Estudantes do CEM 01 que participaram de grupo
focal com a autora, 2013..............................................................................................pag. 100 e 101
Figura 98- Fotografia da autora de sua página em rede social, 2013....................................pag. 103
Figura 99- Fotografia de Carlione Ramos de grupo focal com foto-elicitação.....................pag. 104
Figura 100 a 103- Fotografias de Carlione Ramos de ex-estudantes do CEM 01 preenchendo ques-
tionários para a dissertação da autora, 2013.........................................................................pag. 107
Figura 104- Fotografia de José Eugênio Dayrell, estudantes e professora/autora no CEM 01 em
2005......................................................................................................................................pag. 109
Figura 105- Livro-Objeto de Rafael Leandro “Taymagoxy”, 2007.............................pag. 110 e 111
Figura 106- “Poemóbiles”, Augusto de Campos, 1968.........................................................pag. 112
Figura 107 a 110- De cima para baixo: “Prière de toucher”, Marcel Duchamp, 1947 – “Kinder-
buch”, Dieter Roth, 1975 - “Propaganda política dá lucro”, Grupo Poro, 2002 – “A natureza dos
jogos” Waltércio Caldas, 1975...............................................................................................pag.113
Figura 111 a 113- Fotografias da autora de “Autobiografias ilustradas” dos estudantes do 1º ano
EM, 2006...............................................................................................................................pag. 114
18

Figura 114- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007..................pag. 115
Figura 115- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007...................pag. 116
Figura 116- Fotografia da autora de Livro-objeto de Magnon de Souza, 2007...........................pag. 117
Figura 117 a 119- De cima para baixo: “Flux Kit”, George Maciunas com contribuições de Watts,
Shiomi, Brecht, Knowles, etc., 1965 – “Sem título” da série objetos gráficos, Mira Shendel, 1973 -
Livro de carne, Artur Barrio, 1978..............................................................................................pag. 118
Figuras 120 a 121- Da esquerda para a direita: Poemóbile, “Abre”, Augusto de Campos e Júlio Plaza,
1968 – “Verde”, Ferreira Gullar, 1959.........................................................................................pag. 119
Figuras 122 a 123- Da esquerda para a direita: “Jeune filles a Chapullepec” – “Il pleut” – Caligramas,
Apollinaire, 1918.........................................................................................................................pag. 120
Figuras 124 a 126- Da esquerda para a direita e de baixo para cima: Caligramas, Guillaume Apollinai-
re, 1918- “Blessés de la guerre”-“Les profondeurs”-“Léopold Survage”....................................pag. 121
Figura 127- Composição da autora e Yuri Paranhos a partir de fotografias de diversas capas de auto-
biografias ilustradas dos estudantes, 2006...................................................................................pag. 123
Figura 128- Fotografia de Autobiografia ilustrada de estudante do 1º ano EM, 2006................pag. 124
Figura 129- “FMI- Revisitando Cildo Meireles”, Grupo Poro, 2002..........................................pag. 125
Figura 130- Fotografia da autora- Livro-objeto de estudante do 3ºano EM, 2006.....................pag. 129
Figura 131- Fotografia da autora- Livro-objeto de Rafael Leandro “Taymagoxy”, “Casal”, 2009..........
....................................................................................................................................................pag. 130
Figuras 132 a 134- De baixo para cima: “Talco Matisse”, Waltércio Caldas, 1978 – “Manto da Anun-
ciação”, Arthur Bispo do Rosário, 1938 – “Leve”, Marcelo Sahea, 2006..................................pag. 131
Figuras 135 a 140- De baixo para cima: “De 1 à ∞”, Roman Opalka, de 1965 à 2011- “Love for sale”,
Bárbara Kruger, 1980- “Spiral Jetty”, Robert Smithson, 1970 – “Untitled # 466”, Cindy Sherman,
2008- “Como se explicam quadros a uma lebre morta?”, Joseph Beuys, 1965- “Cahier d’um retour
au pays natal”, Daniel Buren, 2008............................................................................................pag. 132
Figuras 141 a 145- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano EM, 2007...pag. 133
Figura 146- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007..................pag. 134
Figuras 147 a 149- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano do EM, 2007........
....................................................................................................................................................pag. 135
19

Figuras 150 a 153- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano do EM, 2007........pag. 136
Figuras 154 a 156- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano do EM, 2007.........pag.137
Figura 157- Foto da autora de Instalação “Livro-objeto de muitas histórias” na Escola de Aperfeiçoamento
de Professores, EAPE, 2007.....................................................................................................................pag. 139
Figuras 158 a 160- Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Tabuleiro de xadrez de de Tales Vinícius
da Silva do 3º ano EM, 2005 – Fotografia de Fotonovela dos estudantes do CED. São Francisco, 2009 – Capa
do Jornal Folha de São Paulo em 29 de maio de 2004 – “Medo na Cara” Epidemia de Hantavirose em São
Sebastião..................................................................................................................................................pag. 140
Figuras 161 e 163- De cima para baixo: Fotografia da autora de “Cordel” de estudante do 3º ano EM, 2004
– Fotografia da autora de peça “ O culpado, quem é?” no CCBB, BSB, 2005 – Composição com edição de
imagem do Cordel de J. Borges “A chegada da prostituta no céu”, 1976................................................pag. 141
Figuras 164 a 166- Foto de Henrique da Costa Mecking, s/d - Movement in squares, Bridget Riley, 1961- Ju-
lian Wasser, Partida entre Marcel Duchamp e Eva Babitz, 1963.............................................................pag. 142
Figuras 167 a 168- Parodies and Variations: Duchamp v. Eve “a Naked Pawn for Art” Babitz: Checkmate, -
Fotografia de Etevaldo Batista da Trupe de teatro “Os sobrinhos de Seu Tião”, 2003.............................pag. 143
Figuras 169 a 170- Composições da autora e Yuri Paranhos com alfaces em fundo preto.............pag. 144 e 145
Figuras 171 a 172- Fotografias de Demian Neri da Cena 1 do espetáculo “Xadrez, jogo da vida”, 2005...........
.................................................................................................................................................................pag. 146
Figura 173- Composição da autora e Yuri Paranhos utilizando “Movement to the squares” de Bridget Riley,
1961................................................................................................................................................pag. 146 e 147
Figura 174- Fotografia da autora de tabuleiro de xadrez e peças moldadas em biscuit de Roberto Carvalho de
Freitas do 3º ano EM, 2005......................................................................................................................pag. 149
Figura 175 a 176- Fotografias da autora de tabuleiros de xadrez em materiais diversos de estudantes do 3º ano
EM, 2005.................................................................................................................................................pag. 150
Figuras 177 a 178- Fragmento de litogravura “Marcel Duchamp plays chess in the bathtub”, Hirst, 1972 – Fo-
tografia da autora de tabuleiro de xadrez de isopor e papelão de estudante do 2º ano EM, 2005..............pag. 151
Figura 179- Croquis de figurino para o personagem Bobo da peça teatral “Xadrez, jogo da vida” de Flávia
Helena Pacheco da Silva Vargas, 2005.....................................................................................................pag. 152
20

Figuras 180 a 183- Fotografias de Demian Neri da cena 1 do espetáculo “Xadrez, jogo da vida” estudante
Silvério Gomes da Silva como Bobo da corte e no camarim, 2005.........................................................pag. 153
Figura 184- Composição da autora e Yuri Paranhos em P/B utilizando “Movement to the squares” de Bridget
Riley, 1961...............................................................................................................................................pag. 154
Figura 185- Croquis de Flávia Helena Pacheco da Silva Vargas para os personagens da peça teatral “Xadrez,
jogo da vida”,2005..................................................................................................................................pag. 155
Figura 186- Croquis coloridos de Flávia Helena Pacheco da Silva Vargas para os personagens da peça teatral
“Xadrez, jogo da vida”, 2005...................................................................................................................pag. 156
Figura 187- Fotografia de Demian Neri da peça “Xadrez, jogo da vida”, 2005......................................pag. 157
Figuras 188 a 191- Da esquerda para a direita: Nair Roberta Paulino em cena, Luciano Santiago e Cleide Men-
des no estúdio gravando, Flávia Helena P.S. Vargas e Raquel Brandão desenhando croquis, Giovane Aguiar
em ensaio no CEM 01...............................................................................................................................pag.158
Figuras 191 a 195- Da esquerda para a direita: Giovane Aguiar em ensaio, Ana Neri em cena, Dona Raimunda
costurando, Mardônio e Diogo Ramalho jogando xadrez no CCBB, Valéria em cena............................pag. 159
Figura 196- Fotografia da autora em sala de aula, estudantes ensinando xadrez.......................................pag.161
Figura 197- Fotografia de Demian Neri ensaio “Xadrez, jogo da vida”, 2005................................pag. 150 e 151
Figura 198- Composição da autora e Yuri Paranhos com xilogravuras dos estudantes do 1º,2º e 3º ano EM e
de J. Borges no projeto Cordel de São Sebastião.....................................................................................pag. 164
Figuras 199 a 201- Da esquerda para a direita: Matriz de xilogravura, Dynamism of a dog on a leash, Giacomo
Balla, 1912, xilogravura de Agnes Kelly B.S.Souto................................................................................pag. 166
Figura 202- Composição de Evandro Sada com xilogravuras de diversos estudantes do 1º, 2º e 3º ano EM do
CEM 01, 2004..........................................................................................................................................pag. 167
Figuras 203 a 206- Fotografias da autora de matrizes de xilogravuras de diversos estudantes para o projeto
“Cordel de São Sebastião”..............................................................................................................pag. 168 e 169
Figuras 207 a 208- “Poesia da Hantavirose” caderno Cidades, Correio Braziliense, pag.16 de 26 de julho de
2004 - Capa do Correio Braziliense nº14.985 de 29 de maio de 2004....................................................pag. 170
Figura 209- Matriz de xilogravura de estudante do 1º ano EM, 2004......................................................pag. 171
21

Figura 210 a 212- De cima para baixo: “O monstro do sertão”, J. Borges, 2005 – matriz de xilogra-
vura de estudante do 1º ano EM, 2004 – xilogravura de estudante do 3º ano EM, 2004........pag. 172
Figura 213- Composição de Yuri Paranhos e autora com xilogravuras, capas de cordel e matrizes
de xilogravuras dos estudantes do 1º, 2º e 3º ano do EM do CEM 01....................................pag. 173
Figura 214- Fotografia da autora da exposição no pátio do CEM 01 do projeto “Cordel de São Se-
bastião, 2004.........................................................................................................................pag. 174
Figura 215- Composição de Evandro Sada e autora com xilogravuras dos estudantes..........pag. 175
Figura 216- “The kiss”, Man Ray, 1935...............................................................................pag. 176
Figura 217- Almanaque Grande Hotel s/data, Fotonovela “Amei um ladrão”.....................pag. 179
Figura 218- Composição de Yuri Paranhos e autora em “tirinha” com capas de diversas revistas de
fotonovelas dos anos 70........................................................................................................pag. 180
Figuras 219 a 230- De cima para baixo e da esquerda para a direita: Frida Kahlo, 1907 a 1954;
“Autoretrato com bonito papagaio e borboleta”, 1940- “My parrots and I”, 1941- Filme de Julie
Taymor, Frida, 2002- “Henry Ford Hospital”, 1932- Revista Vogue México, “As aparências enga-
nam”, 2012- “Self portrait along the boarder line between Mexico and the United States”, 1932-
“Autoretrato com colar de espinhos e beija-flor”, 1940- “Sem esperança”, 1945- “Corsa ferida”,
1946- “The love embrace of the universe the Earth México Diego”, 1949- “As duas Fridas”, 1939.
............................................................................................................................................. pag. 181
Figuras 231 a 240- De cima para baixo: Pintura de Wilton Dias à guache a partir do filme Frida de
Julie Taymor – Fotografias de fotonovela Frida Kahlo de estudante do 3º ano EM, 2006.....pag. 182
Figura 241- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir da fotonovela “Desempregado” dos
estudantes do 3º ano EM, 2004..............................................................................................pag. 185
Figura 242- Composição de Yuri Paranhos e a autora a partir da fotonovela “Curvas sem fim” dos
estudantes do 3º ano do EM, 2006...............................................................................pag. 186 e 187
Figura 243- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir da fotonovela “Vítima do Preconceito”
dos estudantes do 2º ano EM, 2004.............................................................................pag. 188 e 189
Figura 244- Composição da autora a partir da fotonovela “Consequências” dos estudantes do 3º
ano EM, 2004........................................................................................................................pag. 190
Figura 245- Composição da autora a partir da fotonovela “Entre nessa dança” dos estudantes do 3º
ano EM, 2006........................................................................................................................pag. 191
Figura 246- Fotografia da autora de cartas de baralho produzidos por diversos estudantes para o projeto “Tarot
– Conceito x Imagem”, 2005.........................................................................................................pag. 192 e 193
Figura 247- Tarot mitológico de Liz Greene e Julie Sharman-Burke.......................................................pag. 195
Figura 248- Composição da autora com Cartas do Tarot mitológico e do Tarot nórdico Lo Scarabeo. ....pag. 196
Figura 249 a 251- Publicidade de Dona Daiane na Viação São José – BSB - Out door com Dona Daiane em
Brasília, “santinho” distribuído nos semáforos........................................................................................pag. 197
Figura 252- Fotografia da autora de representações de “inconsciência” em cartas de baralhos feitos por diver-
sos estudantes do CEM 01, 2005.............................................................................................................pag. 199
Figura 253- Fotografias da autora de representações do conceito “fé” em cartas de baralho executadas por
estudantes do 3º ano EM, 2005................................................................................................................pag. 200
Figura 254- Composição da autora com cartas de Tarot de estudantes do CEM 01..................................pag. 202
Figura 255- “A origem do mundo”, Gustave Courbet, 1865.....................................................................pag. 205
Figura 256- Fotografias da autora de Tarot de Wagner B. Rocha..............................................................pag. 207
Figura 257- Ilustração de Carlione Ramos para o Manifesto da Educação, 2013.....................................pag. 208
Figura 258- “Field of door. 02” by: fairiegoodmother.devianart.com.......................................................pag. 209
Figura 259- “Olho por olho”, Augusto de Campos, 1964........................................................................pag. 211
Figura 260- “ Caminho incerteza”, Carlione Ramos, 2013........................................................................pag.212
Figura 261- “ The tail tate”, Lewis Carrol, 1865......................................................................................pag. 215
Figura 262- “Bronislava Nijinska”, Man Ray, 1922.................................................................................pag. 217
Figura 263- Desenho de moldura barroca – vetor.....................................................................................pag. 218
Figura 264- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir de colagem de estudante do 1º ano EM, para Auto-
biografia ilustrada,2006............................................................................................................................pag.221
Figura 265 e 266- Da série: “Caras”, Fragmentos, óleo s/tela da autora, 1996.................................pag.222 e 223
23

Figura 267- Desenho da autora para cadeira de rodas cenográfica, 2006.................................................pag. 224
Figura 268- Código de barras...................................................................................................................pag. 225
Figura 269- Desenho da autora para projeto de série de pinturas, 2010......................................................pag.227
Figura 270- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir de máscaras e mãos Batak s/d do Museum für
Völkerkunde, Munique. .................................................................................................................pag. 228 e 229
Figura 271- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir de capa de “Autobiografia Ilustrada” de estudante
do 3ºano EM, 2006..........................................................................................................................pag. 230 e 231
Figura 272- Capa de “Autobiografia Ilustrada” de Luiz Paulo R. dos Santos, 2006.................................pag. 233
Figura 273- Capa de “Autobiografia Ilustrada” de estudante do 3ºano EM, 2006..........................pag. 235 e 237
Figura 274- “Caligrammes”, Paisage, Guillaume Apollinaire, 1918........................................................pag. 247
Figura 275- Fotografia da autora de sua mesa de trabalho, 2013. .................................................pag. 248 e 249
Figura 276- Marmorização produzida pela autora, 2003...................................................pag. 250 e terceira capa
Figura 277- Fotografia da autora editada do Livro-objeto de Rafael Leandro.....................................quarta capa
Quadro 2
Quadro 8 Diálogo entre jogadores
Paródia publica- (Xadrez)
da em artigo do Texto da peça teatral
Correio Pag. 148
Braziliense Quadro 6
sobre o “Cordel” Paródia de música
Pag. 171 de Ivete Sangalo
no contexto do
“Cordel”
Pag. 167
Quadro 1
Roteiro para escrever
autobiografia
Pag. 126
Quadro 4
Diálogo entre peças
(Lote)
Texto da peça teatral
Quadro 7
Pag. 158
Paródia de música do Padre
Marcelo Rossi
Contexto do “Cordel
Pag. 169

Quadro 3
Quadro 5 Diálogo entre peças
Diálogo entre peças (Gato de luz)
(Dízimo) Texto da peça teatral
Texto da peça teatral Pag. 158
Pag. 159

LISTA DE QUADROS
ABREVIATURAS
CCBB Centro Cultural Banco do Brasil
CED Centro Educacional
CEM Centro de Ensino Médio
CD Compact Disk
DBAE Discipline-Based Art Education
DF Distrito Federal
EAPE Escola de Aperfeiçoamento de Professores
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
EUA Estados Unidos da América
IBA Investigação Baseada nas Artes
Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IEBA Investigação Educacional Baseada nas Artes
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MSN Microsoft Service Network
ONG Organização não Governamental
PAS Programa de Avaliação Seriada
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PEBA Pesquisa Educacional Baseada em Arte
PROEMI Programa Ensino Médio Inovador
RITLA Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana
RPG Role-Playing Game
SEEDF Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
SK8 Skate.
TIC’s Tecnologias de Informação e Comunicação
TNT Tecido Não Tecido
TV Televisão
UnB Universidade de Brasília
Figura 13- Xilogravura de Raquel Brandão, 2004
Sumário
O Projeto:

A/r/tografia, pedagogia, crítica e cultura.............................................................................................28

1.Atrás do muro da escola...................................................................................................................38


Percurso: projetar, atirar-se......................................................................................................46
Crítica cultural e social............................................................................................................56
Cultura e visualidades..............................................................................................................68
Escola em mutação..................................................................................................................76
Visualidades e novas tecnologias............................................................................................84

2.PercursoA/r/tográfico.......................................................................................................................90
Investigadora/Artista/Professora..............................................................................................93
Artista/Professora/Investigadora.............................................................................................97
Professora/Investigadora/Artista...........................................................................................102

3. Livro-objeto .................................................................................................................................110
Autobiografia ilustrada .........................................................................................................122
Objeto poético ......................................................................................................................130

4. E + Outras histórias.......................................................................................................................140
Xadrez.....................................................................................................................................142
Jogo da vida..........................................................................................................................150
Cordel de São Sebastião........................................................................................................164
Fotonovela ...........................................................................................................................176
Tarot........................................................................................................................................192
Conceito x Imagem.................................................................................................................200

5. Achados nos dados..........................................................................................................................208

6. Epílogo..........................................................................................................................................228

Referências........................................................................................................................................238
R A F J Y W D I E A G H O QAC
28
B T T X EF
Q A C R Y I P S
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A R V E
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A PRO J E T
O U J M V B Z B T D
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L B E A W Figura 14 - Montagem instalação dos Livros-Objeto (Fotografia da autora)
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J U M LV B N A

OJE TO
: A/r/tografia, pedagogia, crítica e cultura.
PR
Essa investigação tem como objetivo inquirir sobre as minhas práticas pedagógicas
em sala de aula, entre os anos de 2002 e 2007. Investigo como as práticas de pedagogia crítica por
mim adotadas se relacionam com formas de pedagogias culturais e educação em cultura visual pre-
sentes na corrente literatura. Para tal, realizo levantamento das minhas práticas pedagógicas mais
significativas reconstituindo assim a memória dessas práticas, agora revisitadas por meio da interpre-
tação de dados visuais, estabelecimento de grupos focais e de questionários. A amostra constitui-se de
26 estudantes secundaristas do Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião DF, onde fui docente.
Minhas práticas pedagógicas se aproximam da pedagogia crítica uma vez que levam em conta
as vozes dos estudantes e a partir delas busco a qualificação dos sujeitos como atores no processo de
transformação social. Isso significa tornar os cidadãos políticos. Além disso, essas práticas contextua-
lizam discursos que estão fora dos domínios tradicionais do conhecimento por considerarem imagens
e mídias como possibilidades de se compreender o poder das imagens na vida social, e a partir daí
minhas práticas passam a ser entendidas como Educação da cultura visual. Em um sentido mais am-
plo são práticas de Educação em Visualidade como pedagogia cultural (FERNÁNDEZ e DIAS, no
Prelo)
A pedagogia cultural é entendida aqui como prática educativa com preocupações políticas e
30

culturais que ampliam as possibilidades da arte na educação na medida em que consideram a cultura
visual, ou seja, dilui as fronteiras entre arte, cultura e política. O termo pedagogia cultural é a apro-
ximação dos estudos culturais preconizados por Hoggart e Hall nos anos 60 com a pedagogia crítica
a partir da “Pedagogia do Oprimido” de Freire nos anos 70, em direção à uma prática pedagógica
que questiona desde Foucault as relações entre poder e conhecimento e a articulação entre produção
cultural, teoria e prática pedagógica.
Como uma a/r/tógrafa apresento os resultados da investigação na forma de textos e interpre-
tações acadêmicas, mas também através de representações visuais do trabalho realizado. Em uma
abordagem preliminar entende-se a a/r/tografia como uma forma de Investigação Educacional basea-
da em Arte (IEBA) ou Pesquisa Educacional Baseada em Arte (PEBA) que busca uma linguagem nas
fronteiras da auto e etnografia uma nova forma de fazer pesquisa.
Estas iniciativas de pedagogia crítica se assemelham bastante aquelas encorajadas pela peda-
gogia cultural e pelos estudos da cultura visual. Portanto, busco compreender a importância dessas
práticas, e entender como elas colaboram para o fomento da crítica cultural e social, construção de
saberes, e para a difusão do conhecimento artístico. Busco também investigar como essas abordagens
pedagógicas contribuíram para a construção de identidades e promoção de agência dos sujeitos na
escola e na comunidade.
Como professora, investigadora e artista busco entender iniciativas educacionais que levem
em consideração abordagens pedagógicas e metodológicas no ensino da arte que contemplem a rea-
lidade dos sujeitos da aprendizagem, bem como as ferramentas utilizadas para esse fim. Paulo Freire
foi o arcabouço teórico para a condução dessa forma de trabalho à época, sendo o trabalho com

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31

projetos a base dessas práticas pedagógicas. Trabalhos com projetos, aqui entendidos como práticas
educativas que podem repensar a escola e que tangenciam o domínio político, cultural e sociológico
(HERNÀNDEZ, 2006). Considero esta forma de trabalho mais criativa e prazerosa, além de gerar
possibilidades de ver além do currículo e proporcionar visões questionadoras da realidade. Afinal,
como diz Hernández, os projetos de trabalho são “processos de dar forma a uma ideia, um procedi-
mento de trabalho que admite modificações que dialoga com o contexto em que se insere e com os
indivíduos que contribuem para o processo” (1998, p.22).
A problemática central da análise consiste no fato da pedagogia crítica e cultural e educação
da cultura visual, em uma primeira abordagem, levar em consideração o estudante como ocupante de
múltiplas posições discursivas em uma perspectiva pós-estruturalista (MCLAREN, 1998). Isso im-
plica dizer que existe pedagogia em todo espaço social em que saberes são construídos, onde diversos
pontos de vista são considerados, sem que se imputem diferenças qualitativas entre eles. Também
significa que existem consequências a esse discurso epistemológico no processo pedagógico e meto-
dológico reflexas no corpo discente. É preciso reconhecer que direcionei a investigação inicialmente

Figura 15- “Rio: o ir”, Arnaldo Antunes, 2008


para os dados visuais que tinha como registro documental. Desta quantidade significativa de imagens,
foram selecionadas aquelas que registravam as práticas de pedagogia cultural escolhidas para a aná-
lise final.
Para responder aos problemas levantados, de forma sensível e racional, recorri à Investigação
Educacional Baseada em Arte (IEBA), que procura outras formas de investigação em artes levando
em consideração imaginação, introspecção, incerteza, visualização, dinamismo e ilusão particular-

E L A B
D R X
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B Ã O Q R ÃT D
32

mente na perspectiva a/r/tográfica, e seus aspectos auto etnográficos, nessa perspectiva, considera-se
a arte como elemento importante da pesquisa. Logo, para realizar essa investigação me ative ao perí-
odo em que trabalhei como professora regente em sala de aula, executando com os estudantes os pro-
jetos que concebi, a fim de proporcionar uma compreensão mais abrangente da Arte, sua história, seus
processos, além de resgatar a cultura popular da comunidade. Entre os tantos projetos que realizamos
bimestralmente junto com os estudantes, elegi cinco (5) deles: “O Cordel de São Sebastião”, a “Fo-
tonovela da vida real”, o “Xadrez jogo da vida”, o “Tarot-Conceito x Imagem” e o “Livro-Objeto”.
O projeto “O Cordel de São Sebastião” foi realizado em 2004, ano que a cidade foi acometida
por um surto de hantavirose. Assim, o trabalho, inicialmente concebido para trabalhar os conteúdos
curriculares relacionados ao modernismo, se direcionou para os problemas de saúde pública da co-
munidade.
O projeto “Fotonovela da vida real”, realizado entre 2003 e 2005, foi baseado na realidade
dos estudantes e na crítica das novelas televisivas. Os estudantes encenaram e depois fotografaram
narrativas visuais e textuais em estilo novelesco, mas com temáticas bastante diversas daquelas tra-
balhadas pela televisão aberta no Brasil.
O projeto “Xadrez jogo da vida” foi executado, em 2005, ao longo de seis meses, no âmbito
do Festival de Teatro na Escola promovido pela Fundação Athos Bulcão. Contemplou, inicialmente,
os estudantes que integravam a trupe teatral da escola, “Os Sobrinhos de Seu Tião”, mas se estendeu a
todas as turmas, na medida em que trabalhos de artes visuais foram concebidos interdisciplinarmente
L
para (re)significar a prática teatral. Resultou na articulação do jogo de xadrez com as vidas das
pessoas e a crítica cultural e social da comunidade.
E
Q
O projeto “Tarot - Conceito x Imagem”, realizado entre 2003 e 2007, se destinou
A X
a atender o conteúdo prescrito pela SEEDF de Arte e Mitologia Grega e resultou

B P EB
no aporte da cultura visual aos resultados.
Por último, o projeto “Livro-Objeto”,
A
desenvolvido entre 2006 e 2007, que Ç F SJ N I A Y
trabalhou o conteúdo de
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B U E A W
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33

Arte Contemporânea com os estudantes de 3º ano do Ensino Médio, mas que ganhou importância
por considerar o letramento e a escritura da autobiografia dos estudantes. As imagens dos trabalhos
onde figuram o nome do autor e o ano são dos meninos e meninas que participaram da investigação,
identificadas a seu pedido.
O sucesso dessas iniciativas, medido pelo interesse e envolvimento dos estudantes, me fez
acreditar que o trabalho com projetos pode, ao mesmo tempo, considerar as visualidades do cotidiano
dos sujeitos, possibilitar o diálogo da arte com a cultura popular, situar artefatos ao longo da história
da arte e ainda contemplar o currículo.
Em seu conjunto essa dissertação, estrutura-se da seguinte maneira: uma introdução que cha-
mei de “O” projeto; um capítulo voltado para as teorias e terminologias utilizadas na investigação;
o segundo capítulo descreve o método investigativo, ou melhor definido aqui, como percurso a/r/
tográfico; o terceiro e quatro capítulos são descritivos das práticas por mim adotadas; o quinto capí-
tulo destinado à análise dos achados nos dados da investigação e no epílogo considero a importância
desses eventos pedagógicos enquanto acontecimentos artísticos que instituem novas possibilidades
de trabalho para a arte educação.
No primeiro capítulo percorro a trajetória teórica que inspirou meu trabalho para relacionar
o conhecimento artístico com o universo de representações e significações culturais e sociais dos
estudantes. O primeiro contato com os escritos de Hernández reforçou a estratégia de aplicação dos
projetos de trabalho ao fazer artístico e introduziu o conceito de Cultura visual nas minhas práti-
cas pedagógicas. Ademais, procuro aprofundar o conhecimento teórico que sustenta minhas práticas
pedagógicas baseadas nas visualidades dos estudantes e na crítica destas representações sociais. A
E
revisão da literatura presente enfatiza também as mudanças que as novas tecnologias trouxeram
PC para a escola e as transformações que podem alavancar o repensar dos processos de
DE F ensino e aprendizagem.

R D A R R No segundo capítulo destinado à metodologia,

Q GÇA G MB A E tiro do baú os dados visuais, minhas memó-


Y C T rias e relatos de ex-estu-
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D A I H W N
S G XM I H A S E R XQ N
E
34

dantes para conduzir o processo investigativo. Aqui, a metodologia explora os conceitos de Pesquisa
Educacional Baseada em Arte e de a/r/tografia. Foi importante entender a a/r/tografia como forma de
apresentação do trabalho e como meio, como maneira alternativa de proceder durante a investigação
para considerar os dados visuais não como meras ilustrações das práticas pedagógicas, mas, e sim
como respostas não textuais às questões levantadas. A articulação da arte com a construção do conhe-
cimento acadêmico possibilita que haja uma somatória capaz de gerar uma compreensão mais abran-
gente do processo de investigação. Utilizei interpretação de dados visuais, estabelecimento de grupos
focais e questionários para entender se as práticas pedagógicas foram importantes para os sujeitos
envolvidos, se colaboraram para o fomento da crítica cultural e social, se possibilitaram a construção
de saberes, se contribuíram para a construção ou (re)construção de identidades, se promoveram agên-
cia. Durante a investigação foram adotados diversos procedimentos que se alternaram, se somaram e
se complementaram e que tiveram como objetivo responder a essas questões.
No terceiro capítulo percorro um espaço mais autobiográfico no qual descrevo narro, descrevo
e ilumino os processos de construção dos projetos. Inicialmente apresento o projeto “Livro-Objeto”
considerado o mais importante para essa investigadora e significativo para esta investigação, é des-
crito desde a sua concepção, passando pela mudança de rumo do projeto, até a culminância do evento
da instalação.
Adiante no quarto capítulo, entre as práticas pedagógicas que povoam minhas memórias,
abordo ainda outras práticas pedagógicas que chamei de “Outras histórias” que se somam ao Livro-

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L U S J I M LV L
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BC U D
A Ã A U BE
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D
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35

-objeto para compor a investigação. Esses quatro projetos que são descritos, foram bastante citados
pelos estudantes participantes dos grupos focais e questionários por terem sido bastante significativos
e importantes para esses.
O processo de criação do projeto “Xadrez, jogo da vida” figura entre os mais importantes
projetos que realizamos porque possibilitou o trabalho interdisciplinar e integração das artes visuais,
cênicas, matemática e história e também pela recriação de significados culturais associados à vida dos
estudantes contextualizados no jogo de xadrez. O projeto “Cordel de São Sebastião”, cujas epide-
mias na cidade direcionaram as práticas pedagógicas para o desenvolvimento de pedagogias críticas.
No projeto “Fotonovela da vida real” utilizo as fotografias dos próprios estudantes como suporte
para contar as histórias da comunidade associadas a temas como a violência, desemprego, sonhos
e a realidade de uma gravidez indesejada, entre outros. Esse projeto, assim como o “Cordel de São
Sebastião” contextualiza a realidade da comunidade investigada e situam seus sujeitos. No projeto
“Tarot - Conceito x Imagem” foram apresentadas as visualidades que os estudantes aportaram a fim

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I A W A DA FO I F A B X I G P D
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de reconstituir significados visuais associados a conceitos abstratos de arquétipos mitológicos.


No capítulo “Achados nos dados”, apresento as descobertas dessa investigação. Sem intenção
de se tornarem afirmações peremptórias sobre essas práticas de pedagogia cultural, os achados apon-
tam para a importância de divulgação dessas práticas como forma de compartilhar iniciativas pedagó-
gicas inusitadas no contexto escolar com outros educadores e dessa maneira ampliar possibilidades da
educação em artes visuais. Os pesquisadores interessados na a/r/tografia encontram além das análises
dos dados visuais as reflexões sobre o que não foi encontrado, ou, o que o percurso dessa investiga-
ção não tenha possibilitado abordar, sugere-se, portanto, novas buscas e outras questões levantadas a
partir desse ponto.
No epílogo, considero o processo a/r/tográfico e meu envolvimento pessoal com a investiga-
ção e concluo que a importância de minhas práticas pedagógicas podem ser verificadas pela contri-
buição para a construção de saberes, por fomentarem a crítica cultural e social para os estudantes,
para a escola, e para a comunidade. Levo em consideração que esses eventos pedagógicos que são
simultaneamente acontecimentos artísticos contribuíram para a construção de identidades, promo-
veram agência dos estudantes na escola e na comunidade e também podem ressignificar a arte na
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educação uma vez que possibilitaram aos estudantes uma compreensão mais ampla e mais crítica das
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visualidades e da arte, da sociedade e, sobretudo porque transformaram vidas.
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Figura16- Página de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 3º ano EM, 2006
1
aTrÁs dO muRo dA EscoLa
Ao refletir sobre minhas práticas como educadora
em artes visuais, percebo a influência que Paulo Freire exer-
ceu no meu trabalho, e também nos projetos desenvolvidos
por mim e por outros educadores na escola. Mesmo que a
pedagogia crítica não estivesse voltada diretamente para as
práticas de arte/educação, não me parecia lógico abandonar os
referenciais culturais dos estudantes.
Na medida em que a pedagogia cultural estabelece relação
entre cultura e política e que a relação de dominação e emanci-
pação dos sujeitos, além das fronteiras da escola se dá por artef-
atos culturais disseminados pelas mídias que estão presentes na
vida cotidiana das pessoas me pareceu pertinente aportar essas
questões ao processo escolar e articula-las ao currículo de forma
a problematiza-las e ressignifica-las, a partir de análises e críti-
cas. Giroux argumenta que a pedagogia crítica é “um movimento
educacional guiado por paixão e princípio, para ajudar estudantes
a desenvolverem consciência de liberdade, reconhecer tendências
autoritárias e conectar o conhecimento ao poder e à habilidade de
atitudes construtivas” (2010, p.1).
Em termos estritos, a pedagogia cultural, assim como a
pedagogia crítica, são abordagens fundamentadas nos Estudos

Figura18- Fotografia da autora de Instalação no Museu da Língua Portuguesa,


- Exposição -Guimarães Rosa, SP, 2006
41

Culturais que repensam, negociam e transformam as relações de ensino-aprendizagem, a produção


do conhecimento, as estruturas institucionais da escola, as relações sociais e materiais mais amplas
das comunidades, sociedades e nações (MCLAREN,1998). Esses estudos se debruçam sobre as mu-
danças ocasionadas pela propagação das imagens, com o intuito de eliminar bases injustas que criam
currículos com características sexistas, racistas, homofóbicas e classistas, características estas que são
agravadas pela dinâmica da sociedade individualista de consumo.
As abordagens da educação da cultura visual, da pedagogia crítica e cultural que implantei
em minhas práticas pedagógicas, ao mesmo tempo mais críticas e mais receptivas, encorajavam as
discussões na sala de aula, a partir da análise e compreensão das imagens que povoam nosso cotidi-
ano, possibilitando a crítica às estruturas de poder, inclusive aquelas exercidas dentro da escola. Além
disso, a desconsideração dessas abordagens teóricas pós-estruturalistas produz uma prática descon-
textualizada, que não considera a comunidade em que a escola se insere e privilegia a educação da
arte exclusivamente a partir de obras artísticas relevantes na história da arte.
Em verdade, a fundamentação dos Estudos Culturais se constrói a partir de debates de inspira-
ção pós-estruturalistas, pós-colonialistas e pós-modernistas. Apesar de não estar direcionada expres-
samente para as práticas de arte/educação, nem para a escola formal, essa nova forma de ver o ensino
da arte possibilita aos docentes considerarem as relações de poder e dominação social visíveis nas
divisões de classe, de gênero e de raça, além das mudanças sociais, culturais, econômicas e tecnológi-
cas do mundo contemporâneo. Dessa forma, as imagens produzidas pela mídia, internet, publicidade,
etc. podem ser resignificadas de forma crítica, o que direciona o trabalho docente e suas práticas ped-
agógicas às visualidades e à cultura visual.
O termo cultura visual, ainda não foi incorporado ao currículo da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal, amplia possibilidades de novas abordagens pedagógicas. Segundo
Freedman e Sthur, a cultura visual possibilita questionamentos “referentes ao poder da representação,
a formação de identidades culturais, funções de produção criativa, significados das narrativas vi-
suais, reflexão crítica sobre a proliferação tecnológica e a importância de conexões interdisciplinares”
(2009, p.10). Orientar o trabalho nesse sentido parece ser, na perspectiva da Pedagogia Cultural e dos
estudos de cultura visual, a estratégia mais adequada para educar por meio da arte inserida na cultura
visual, cidadão críticos e voltados para ações que antecipem as mudanças almejadas. Vieira da Cunha
esclarece:

[...] o ensino da arte hoje deveria ter, como uma de suas principais preocupações,
a discussão sobre o efeito das imagens, a constituição da visualidade e o poder das
imagens em produzir verdades. Isso não significa abandonar nas salas de aula o
conhecimento sobre a Arte [...] mas significa acréscimos ao ensino de arte que mais
se preocupou com os “objetos” de conhecimento do que como esses conhecimentos
produzem os sujeitos da educação (VIEIRA DA CUNHA, 2012, p. 104).

Esse conhecimento que pode redefinir os estudantes deve ser considerado e torna-se cada vez
mais importante na medida em que a mídia tem contribuído mais do que a educação das artes visuais
no momento atual para a articulação de imagens e significados, muitas vezes direcionando os sujeitos

Figura 19- Fotografia da autora de colagem de estudante do 1º ano EM ,2005


para o consumo e para o individualismo. Charréu reforça Vieira da Cunha e critica aqueles educado-

Figura 20- Montagem com projetos de diversos estudantes para pintura do muro do CEM 01 (Centrão), 2005
res que defendem os conteúdos tradicionais dos currículos escolares como “úteis para o resgate de
uma difusa identidade coletiva” (2012, p. 40). E o mesmo autor ainda afirma que:
[...] as imagens globais, as artes visuais, a cultura visual e a educação artística, em
geral, são importantes vetores em que poderão se apoiar muitas das idéias de regen-
eração e de emancipação de uma sociedade contemporânea que hoje tem dificuldade
em vislumbrar, no horizonte, um rumo a seguir (CHARRÉU, 2012, p. 46).

Essa visão de uma educação emancipadora, de uma pedagogia crítica, já tinha sido descrita
por Paulo Freire há décadas atrás. Apesar de ela ter sido incorporada no discurso teórico da maioria
dos docentes e encorajada pela legislação e pelos parâmetros curriculares, ela ainda espera sua uti-
lização efetiva nas práticas de educação em artes visuais. Muitos colegas encontram, infelizmente,
dificuldades em trabalhar para a autonomia e para a emancipação dos sujeitos envolvidos na apren-
dizagem e não entendem como é possível associar o conteúdo curricular com a edificação de cidadãos
conscientes, especialmente na educação em artes.
Sobre isso, Victorio Filho identifica uma espécie de conformidade dos envolvidos com a edu-
cação no sentido de “manter revigorada a hierarquia confirmadora da superioridade de tudo o que
constitui a tradição da ‘cultura culta’,” (2012, p.152) e identifica a invisibilidade, a desqualificação do
que seria diferente e, em certa medida, como algo oposto a essa tradição. Diante dessa constatação,
ele aponta para importância da educação em artes visuais:
Pensar a participação da Arte na Educação compatível com a contemporaneidade,
nos parece exigir ultrapassar os limites da discussão limitada às territorialidades cur-
riculares convencionais e avançar em direção à terrenos que as margeiam e con-
taminam. [...] a vida vibrátil do dia a dia e suas diversas conexões com informações
e práticas ainda não apreendidas pelos programas escolares (VICTORIO FILHO,
2012, p.152).
44

Não obstante o desconforto causado na sala de professores por estas novas teorias, recon-
hecemos, todos, que ainda não existe uma direção consensual. Ainda mais porque trabalhar o ensino
de arte em contexto de escola pública de Ensino Médio não é tarefa fácil. Além da carência e pre-
cariedade dos materiais ofertados, da estrutura física geralmente inadequada à atividade artística e
equipamentos tecnológicos sucateados, o acesso à rede mundial, quando existe, é limitado. Além do
mais, geralmente inicia-se o trabalho sem que haja uma orientação pedagógica e uma discussão sobre
metodologias, cabendo ao docente escolher, entre as orientações e metodologias existentes, aquela
que se adequa melhor ao seu perfil de educador e ao conteúdo que será tratado.
Se, por um lado, essa liberdade de escolha quanto à orientação pedagógica e metodológica
permite ao docente a tão almejada autonomia e amplia as possibilidades pedagógicas, por outro lado,
corre-se o risco de adotar práticas e procedimentos defasados e anacrônicos que não consideram as
novas abordagens pedagógicas para educação em artes visuais, seja por deficiência de formação ou
por falta de planejamento adequado.
Em verdade, é preciso ressignificar conceitos pedagógicos, políticos, artísticos, culturais e
sociais, posto que novos paradigmas se impõem. A educação da arte voltada apenas para a história da
arte e seus artefatos, não alimenta os estudantes com uma crítica, e os expõem às manipulações. É
necessário, portanto, que a educação da arte repense suas finalidades.
Figura 21- Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007 (Fotografia da autora)
Figura 22- Montagem fotográfica da autora - Vale de São Sebastião

Percurso: projetar, atirar-se

Durante treze anos de magistério, cinco dos quais, como professora regente no Centro de
Ensino Médio 01 de São Sebastião, seis como diretora do Centro Educacional São Francisco, outra
escola de Ensino Médio e Fundamental também em São Sebastião, foi possível constatar a falta
de sintonia, muitas vezes de comunicação, entre professores e estudantes em sala de aula. De fato,
entreter e manter a atenção e o foco de algumas dezenas de adolescentes inquietos e arredios não é
tarefa simples, muito menos quando o que se oferece em troca são aulas monocórdias, unilaterais e
passivas.
Durante esse período, fiz um esforço no sentido de promover e estimular uma mudança nas
práticas de ensino, a fim de tornar o processo de ensino aprendizagem mais interessante e, portanto,
mais efetivo. Uma vez que a escola e a comunidade escolar tem pouca ou nenhuma influência na
definição de seu currículo, que é também uma das causas do referido desinteresse, considero que é
urgente trabalhar na forma da apresentação dos conteúdos e na maneira de ensinar conhecimentos e
saberes. Essa mudança exige humildade para ouvir os jovens, coragem para discutir de forma crítica
a sua realidade e disposição para perceber e levar em consideração a visualidade do cotidiano que eles
aportam.
No mesmo período comecei a entender a importância de um trabalho diferenciado. A palavra
47

“Projeto” inspirou meu trabalho. Projeto remete ao futuro, significa prever, antecipar, imaginar algo
que ainda será. Segundo o dicionário Aurélio (1975, p.1144) significa também plano, intento, desíg-
nio, empreendimento como indica sua gênese do latim projectu - lançar para diante. Projetar também
significa atirar-se, lançar-se, precipitar-se, arrojar-se e, talvez, seja esse último significado que cause
tanto temor àqueles que se deparam com essa proposta de trabalho que não tem prescrição.
Os projetos concretizam ideias, se materializam em produtos, visam resultados, são elabora-
dos progressivamente e são realizados por pessoas que ousam realizar. O projeto engendra desprendi-
mento e ousadia para aventurar-se, assim com humildade e prudência para reconhecer que é preciso
investigar mais, para conhecer mais, que se pode adquirir informações sem recorrer ao livro texto; e
que o professor não está necessariamente no centro da ação pedagógica. O projeto tange o domínio
político, sociológico, cultural e consequentemente pedagógico no âmbito escolar. Os projetos de tra-
balho significam ainda segundo Hernàndez:
[...] reposicionar a concepção e as práticas educativas na escola, pode ser um meio
de nos ajudar a repensar e refazer a escola, também podem reorganizar a gestão do
espaço, do tempo, da relação entre os docentes e os estudantes, apresentam mudan-
ças voltadas à reorientação da função da escola, são evidências que indicam uma das
direções da mudança (HERNÀNDEZ, 2000, p.179).

Considero importante a premissa de que os projetos de trabalho na perspectiva crítica da cul-


tura visual podem ser o meio privilegiado para promover as mudanças necessárias à transformação da
educação, entre elas a promoção da identidade individual e a justiça social na educação. Dias afirma
que: “a Educação da Cultura Visual conduz os sujeitos à consciência crítica e a crítica social como
um diálogo preliminar, que conduz à compreensão, e, então, a ação” (2011, p.62). A ação dos sujeitos
se dá nesse caso a partir dos projetos de trabalho. A partir da crítica social o estudante propõe a ação

Figura 23- Fachada do CEM 01 em 2005 e projeto de intervenção da autora


interventiva. A execução do projeto é a culminância da ação pedagógica.
Há que se reconhecer o potencial transgressor dos projetos de cultura visual e de como eles
podem mudar a educação e promover uma escola que empodera seus estudantes. Uma escola capaz
de questionar a sociedade e representá-la ou a recriá-la em imagens e textos críticos. A educação da
cultura visual é, portanto, uma ferramenta para a criação artística e para a transformação da escola.
Negligenciar sua potencialidade é desconsiderar a possibilidade de repensar criticamente essa insti-
tuição secular e propor ações que visem sua transformação e também da sociedade.
Nesse momento de mudanças de paradigmas em todos os setores, quando a sociedade passa a
se organizar em rede e se dispõe fortemente a compartilhar, nada mais anacrônico que um professor
que pensa e trabalha sozinho, um instrutor especializado que considera o seu saber estanque e defini-
tivo. A utilização dos projetos como possibilidade de trabalho transdisciplinar pode dar mais sentido
à aprendizagem. Trata-se, sobretudo de instituir novas formas de se pensar e organizar a escola, de
influir na pré-disposição do docente para desenvolver habilidades novas.
Segundo Freire, “as pessoas se educam em comunhão, mediatizadas pelo mundo pelos objetos
cognoscíveis” (2005, p. 79). Minhas práticas pedagógicas propõem a partir desse enfoque Freireano,
a construção de uma escola onde os estudantes conectem, relacionem os conteúdos curriculares com
a sua vida, a sua cidade e a sua própria escola, bem como possam compreender em quais contextos se
produziram as obras artística, as imagens, por quem e porque se apresentam
de determinada forma e não de outra, e que essa nova postura se construa por
intermédio de projetos de trabalho.
Defensor dos projetos de trabalho, Hernández (1998) afirma que os
projetos constituem lugares, onde a aproximação com a identidade dos estu-
dantes é favorecida, onde a função da escola não é apenas ensinar conteúdos.
Trata-se de uma proposta de revisão curricular de forma não fragmentada
onde se leva em consideração o que acontece fora da escola e as informa-
ções e interatividade que as novas Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) aportam, além do posicionamento questionador diante dessas informa-
ções.
Neste caso o projeto de trabalho engendra abordagens pedagógicas
críticas e inclusivas tão mais importantes quanto mais desfavorecidas ou ex-
cluídas forem as comunidades escolares. A educação voltada à compreensão
crítica da cultura visual considera que a cultura popular é portadora de dis-
cursos que precisam ser abordados no espaço escolar de forma a “eliminar
as hierarquias de sensibilidade, riqueza e poder que dividem as pessoas em
classes” (MITCHELL, 2012, p.20).
Dentro dessa perspectiva podemos entender que os jovens da periferia
são sujeitos ordinários que aspiram serem extraordinários. Inseridos em uma
comunidade periférica desejam, mas ainda não vislumbram uma mudança de
condição social. Também nesse aspecto, a escola não cumpre o que dela se
espera, uma vez que pratica relações baseadas na hierarquia restrita e na di-
ferenciação. Em outras palavras, a escola reproduz e reforça uma sociedade
desigual e com pouca ou nenhuma mobilidade (BOURDIEU et PASSERON,
1970; MEKSENAS, 2002; BUSETTO, 2006).
Nesta conjuntura, é importante descrever o contexto sócio econômico

Figura 24- Autorretratos de diversos estudantes, 2004


50

de São Sebastião. A cidade nasceu a partir de um vilarejo que se formou ao redor das olarias da peni-
tenciária da Papuda, no início da construção de Brasília, em 1957 e durante muito tempo permaneceu
como zona rural. A partir do final dos anos 80, o aumento acelerado da população e a carência de um
planejamento urbano, transformaram o antigo vilarejo rural em um conglomerado urbano com uma
população estimada em 100 mil habitantes, 47% dos quais, jovens de menos de 20 anos. Segundo
levantamento encomendado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal à Rede de Informação
Tecnológica Latino-americana (RITLA), trata-se de uma das cidades satélites mais pobres do DF com
88,6% dos moradores recebendo apenas um salário mínimo. É a terceira cidade mais violenta do DF
e 69,7% dos estudantes dessa localidade já presenciaram alguma agressão física no âmbito escolar.
Para usar uma criativa definição, os nossos estudantes são, como eles mesmos dizem: pobres, pretos
e “putos” com a exclusão social e econômica a qual estão submetidos. Santos justifica a insatisfação
dos estudantes atribuindo ao modelo econômico e territorial a segmentação das classes sociais:
Morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo mo-
delo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, super-
põe-se a pobreza gerada pelo modelo territorial. [...] Onde os bens sociais existem
apenas de forma mercantil, reduz-se o número dos que potencialmente lhes têm
acesso, os quais se tornam ainda mais pobres por terem de pagar o que, em condições
democráticas normais, teria de lhe ser entregue gratuitamente pelo poder público
(SANTOS, 2007, p.143-144)

Nesse quadro de precariedade, em
uma cidade sem nenhum cinema ou teatro,
onde o lazer são banhos de rio, bilhar no
boteco e sermão de bispo, a cultura visual
exerce uma grande influência, especialmen-
te aquela apreendida a partir dos meios de
comunicação de massa ou nas redes sociais.
A cultura de massa é, para muitos brasilei-
ros, a cultura acessível, a “única” cultura.
51

No nosso caso, as TVs abertas e as redes sociais, nas Lan Houses a R$1,50 a hora, são os principais
veículos. Só por este motivo, já se justificaria a utilidade e a pertinência da educação da cultura visual
como elemento central da Proposta Pedagógica da escola. “A educação da cultura visual cruza abor-
dagens da arte e das ciências sociais visando um olhar crítico e investigativo em relação às imagens
e aos modos de ver, valorizando a imaginação, o prazer e a crítica como constituintes das práticas de
produção e interpretação de visualidades” (TOURINHO, 2011, p.4).
Além disso, o suporte dessa iniciativa nas novas teorias da educação da cultura visual reforçam
minhas convicções, uma vez que também consideram essencial uma prática pedagógica que leve em
conta a realidade social e econômica dos estudantes, assim como as experiências e informações visuais
que eles aportam. Freedman já tinha apontado as mesmas preocupações anteriormente, afirmando que
as representações conflitantes da arte, relacionadas a dualismos, complexidades, e não contradições se
devem a negligência por parte dos docentes das experiências do estudante fora de sala de aula (2005).
Essas experiências externas ao processo escolar pelas quais os estudantes são formados tratam-se de
“Oportunidade de atentar para questões de representação e de conceituação, criação e interpretação da
arte. Esse conhecimento proveniente de formas populares de cultura, o conteúdo da mídia, pode rece-
ber mais atenção, pode ser trabalhado para ampliar conhecimento e imaginação” (Idem, p.140-141).
Sendo assim, dar atenção aos conteúdos
da mídia, da arte contemporânea, das redes
sociais, da publicidade é considerar, entre
outros saberes, o saber popular, é interessar-
-se pelo outro e criar lugares de troca e com-
partilhamento de experiências, é construir
um espaço de participação. Acredito que a
pedagogia de projetos é a melhor forma de
trazer os estudantes, afinal a razão de todos
os esforços, para o centro do processo. Não
se trata apenas de uma abordagem pedagógi-

Figura 25- Fotografia e edição da autora - Rua de São Sebastião, 2005


Figura 26- Integrantes da Trupe de teatro “Sobrinhos de Seu Tião”, 2003. Fotografias de Etevaldo Batista.
ca, mas de um ato político, um ato político-pedagógico. Hernández vai direto ao ponto quando afirma
que:
Repensar a educação a partir da arte, da cultura visual é fazê-lo, em parte da posição
dos perdedores, pois quase ninguém considera esses conhecimentos valiosos para a
formação e bagagem dos cidadãos mais jovens. [...] falar da educação escolar desde
uma parcela de conhecimentos caracterizada por sua inutilidade pode ser uma ou-
sadia. [...] Não estamos diante de uma disciplina marginal se olharmos as páginas
econômicas dos jornais, onde se oferecem conselhos para investir no mercado de
artes ou se estuda os resultados econômicos da indústria do desenho, publicidade
e do lazer audiovisual. [...] talvez acabemos nos dando conta da miopia de alguns
planejadores da educação, incapazes de pensar nos estudantes mais do que como
consumidores de imagens (HERNÀNDEZ 2000, p.27).

Além disso, existe um temor quase que generalizado em se romper com a compartimentação
do saber do professor. Essa verdadeira zona de conforto, um mundo onde os conceitos, os caminhos
e os procedimentos são todos conhecidos, é um território defendido com unhas e dentes, quase uma
terra santa do professor tradicional, como se a questão fosse sobre o seu poder e autonomia em sala
de aula. Acontece que não se trata disso, ou melhor, apenas disso. A questão central é o anacronismo
de uma educação francamente descompassada com o seu tempo.
Possibilitar a articulação de saberes, mobilizar as pessoas em torno de uma ideia, estar aberto
à escuta sensível, saber conviver e trabalhar com as diferenças, buscar desafios para si mesmo, ter
postura curiosa e buscar respostas, assumir que é preciso investigar, respeitar opiniões divergentes,
trabalhar coletivamente, valorizar as experiências dos outros e ser capaz de estabelecer vínculos e
administrar conflitos é tudo o que se pretende, quando se constata que esses objetivos não estão sendo
atingidos na educação que propomos. Hernàndez afirma ser necessário “restabelecer o significado do
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saber escolar, hoje baseado em algumas disciplinas concebidas como compartimentos estanques em
torno das quais se apresenta a distribuição dos conteúdos, num marco rígido de espaço e de tempo”
(2000, p.30).
Esta pedagogia ortodoxa e conservadora tem se provado ineficiente, pior, ineficaz, razão
pela qual o Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) foi criado pelo Ministério da Educação
pela Portaria nº 971 em 2009 e integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE
como estratégia do Governo Federal para a reestruturação dos currículos do Ensino Médio. O PRO-
EMI apoia e fortalece o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas de En-
sino Médio, adotando-se para tal fim, atividades que tornem o currículo mais dinâmico, atendendo
as expectativas dos estudantes e as demandas da sociedade contemporânea. Pouco a pouco, vai
estabelecendo-se o consenso de que a educação que se pratica atualmente não atende ao que a so-
ciedade e a comunidade escolar dela esperam. Existe a clara percepção de que a escola parou no
tempo. Mesmo aquelas que estão bem servidas e atualizadas em termos de tecnologia da informa-

Figura 27- Foto da autora de Autobiografia ilustrada de Carlione Ramos, 2006.


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ção, se servem delas para perpetuar uma forma de Educação anacrônica. Hernández afirma que:
[...] a educação escolar precisa ser repensada, porque as representações, os valores
sociais e os saberes disciplinares estão mudando, e a Escola que hoje temos responde
em boa medida a problemas e necessidades do século XIX, assim como as alterna-
tivas que se oferecem têm suas raízes no século XVII (HERNÁNDEZ, 2000, p.26).

Considerando-se que as mudanças sociais afetam a educação escolar e que com o advento da
internet produziu-se uma quantidade enorme de informações durante os últimos 30 anos, é preciso,
portanto, primeiro aprender a selecionar essas informações e depois aprender a relacioná-las, a fim
de construir conceitos e opiniões. Nesse contexto de informação abundante e acessível, é indispen-
sável que os professores de arte, assim como toda a escola, forneçam aos estudantes experiências
que os ajudem a refletir, desenvolver valores, sentimentos, emoções, a fim de construírem uma visão
questionadora do mundo. Transpor esses objetivos para as práticas artísticas, por meio de pedagogias
culturais, me pareceu indispensável naquele momento.
Utilizar nos projetos de trabalho a cultura visual significa utilizar os artefatos, as imagens
produzidas pelas novas tecnologias da informação e comunicação e pelas mídias convencionais de
forma a ressignificar conceitos e principalmente tornar a proposta educativa a partir de perguntas mais
interessante e estimulante para os estudantes e professores. Questionamentos como esses sugeridos
por Hernández (2007, p.57): Quem sou e para onde vou? Como dou sentido ao mundo e me comunico
com ele? Como descrevo, analiso e configuro o mundo que me rodeia? Permitem que se questione a
realidade e se questione sua representação única, que se relacionem imagens com outros contextos,
com outras abordagens culturais e que se produzam novos questionamentos sobre relações de poder,
de representação de gêneros, etnias e divisões da sociedade.
Para que o conhecimento seja percebido de forma transdisciplinar, e a cultura visual permite
essa abordagem, é necessário mais do que o diálogo entre as disciplinas. É o conhecimento coorde-
nado que possibilita o trânsito entre os campos de saberes, ultrapassando a concepção disciplinar e
fazendo com que uma única questão seja abordada a partir de uma perspectiva plural. Alguns temas
definidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) permitem que se compreenda melhor o con-
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ceito: sexualidade, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e ética por exemplo.
Abordar esses temas no contexto educacional, permite aos sujeitos envolvidos no proces-
so educativo sincronizar o momento que vivemos com uma educação contemporânea que leve em
questão, novas metodologias, o trabalho com projetos, a cultura visual, a interatividade, o compar-
tilhamento de experiências e informações entre discentes e docentes e entre o universo escolar e as
sociedades e culturas. É importante, sobretudo, para que os sujeitos envolvidos na educação tornem-
-se protagonistas da cena de inovações no ensino em geral e nas artes visuais em particular. Dessa
forma, essa disciplina curricular, poderá contribuir para a construção de identidades mais solidárias,
tolerantes, generosas, participativas, fraternas e empenhadas nas mudanças sociais.

Figura 28- Fotografia da autora de Livro-Objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


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Crítica cultural e social

Recordo os meus primeiros anos, como professora de arte, na Rede Pública de Ensino do
Distrito Federal, e olhando para trás, treze anos atrás, em um exercício de revisão dessas práticas,
percebo que, diante da realidade cultural da periferia do DF, bastante distinta da minha, existe um
conhecimento que ultrapassa os muros da escola, que atropela o currículo e que se impõe no contexto
escolar. Esse conhecimento, presente nos artefatos sedutores produzidos pelas mídias, é apreendido
por meio de programas televisivos, clipes, revistas, publicidades, livros, filmes, games, músicas, etc.
Essas informações moldam as práticas, os comportamentos e os sonhos dos jovens, definindo identi-
dades que geralmente estão alheias às relações de poder subjacentes a esses artefatos.
A ideia foi instrumentalizar os estudantes para a autonomia, a emancipação e a construção
de uma consciência crítica em relação à sociedade. Essa abordagem me pareceu ser mais importante
do que o enfoque da Arte Educação Pós-Moderna, que se concentra excessivamente nos conteúdos
curriculares eurocêntricos da história da arte e os conteúdos politicamente corretos que contemplam
a cultura popular que o DBAE e a Abordagem Triangular propõem.
Na contramão dessa forma de conduzir as práticas pedagógicas de arte na escola, privilegiei
trabalhar o letramento, a construção das identidades dos estudantes e utilizar as visualidades para
fomentar a crítica social.
O trabalho pedagógico desenvolvido por meio de projetos de trabalho me acompanhou e me
estimulou em sala de aula por tratar-se de um desafio, tanto para a professora que concebe, promo-
ve e avalia, quanto para o estudante que questiona e se depara com as contradições impressas nas
“verdades” e nas imagens e não fica a mercê de um conhecimento transmitido oralmente de forma
previsível. O aprendizado é promovido pela curiosidade e pela imaginação.
De fato, o estímulo à sensibilidade e ao imaginário foi suplantado pelo racionalismo cartesia-
no no contexto educacional (DURANT, 2004). A necessidade de tornar o estudante competitivo para
vislumbrar o acesso às universidades e a continuidade de seus estudos fez com que o ensino da arte se
voltasse para as formas metodológicas disciplinares que abordam os conteúdos curriculares voltados
57

Figura 29- Fotografia da autora de colagem de estudante do 1º ano EM, 2005


para os vestibulares, ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e, no caso específico do Distrito Fe-
deral, o PAS (Programa de Avaliação Seriada). Esse último permite o acesso dos estudantes do Ensino
Médio à Universidade de Brasília sem o tradicional vestibular. Essa avaliação de ingresso à Univer-
sidade definiu de forma extraoficial o currículo nas escolas de Ensino Médio do Distrito Federal.
Por meio de avaliações concebidas de forma interdisciplinar, o PAS, de certa forma, direciona
os profissionais da educação a enfatizarem em sala de aula os aspectos disciplinares da arte, priori-
zando a contextualização histórica da obra artística, a crítica estética, os aspectos formais e as práticas
de significação das obras. Esse ponto de vista contribui para a valorização das imagens eleitas pela
crítica da arte e, ao mesmo tempo, desvaloriza outras manifestações culturais. A principal consequên-
cia dessa abordagem é a alienação dos estudantes em relação à crítica às imagens que os circundam e
influenciam o que acaba por gerar indiferença e desinteresse pela arte. Uma vez, em uma sala de aula,
os estudantes me imploraram: “Por favor, professora! Diga que a Senhora não vai trabalhar a Grécia
com a gente!”.
Da mesma forma, a disciplina Arte, na perspectiva do PAS, é avaliada nas suas diversas for-
58

mas de representação, como a música, o teatro e as artes visuais concomitantemente, o que requer
uma formação profissional polivalente, e, o que também determina o currículo da SEEDF. Para enca-
rar tamanho desafio, com reflexo na abordagem interdisciplinar das diversas teorias e diferenciadas
práticas artísticas, a formação do profissional da educação da arte, entendida nessa perspectiva, pre-
cisaria ser oferecida pelas universidades, o que não acontece.
O currículo da Secretaria de Estado de Educação elaborado para o Ensino Médio tem foco
na história das artes visuais, em questões referentes aos aspectos formais da arte e percebe-se que
os professores de artes visuais se sentem confortáveis com esse enfoque. Já o trabalho com projetos
trata-se de uma abordagem diferente, desafiadora, não possibilita a manutenção dessa zona de con-
forto em virtude de não ter sido o foco da formação universitária dos docentes. Além disso, o fato do
educador não se inserir no contexto em que trabalha, não desejar estar lá, considerando-se o trabalho
na periferia, constitui-se um grande problema.
De todo o modo, é fato que profissionais pouco preparados e pouco vocacionados para a edu-
cação, bem como os procedimentos uniformes adotados, não contemplam e não enfatizam a crítica
social e política, assim como também não viabilizam a compreensão crítica dos mecanismos de domi-

Figura 30- Willmann, Werner. “Ausstellungssituation der Monalisa im Louvre”, 2005


59

nação inerente às imagens. Nascimento associa a Educação da cultura


visual ao processo de dispersão do discurso e seu significado político:

Questionar as interpretações consolidadas e ou-


tras que possam ser provocadas pelas imagens é
o que parece diferenciar a Educação da cultura
visual das demais abordagens divulgadas, até o
momento, especialmente no contexto brasileiro.
[...] o foco está muito mais nas relações entre sa-
ber e poder. As imagens, de qualquer tipo, veicu-
lam significados porque fazem parte do processo
de dispersão do discurso (NASCIMENTO, 2012,
p.214).

Nessa abordagem, Nascimento, assim como Foucault, destaca o
foco entre saber e poder. Era preciso, portanto, estabelecer uma nova
prática pedagógica que considerasse a influencia das imagens na vida
dos estudantes e promovesse uma educação da arte com maiores ambi-
ções. Para tanto, foi necessário lecionar através de projetos de trabalho
que contornassem as limitações do DBAE e também da metodologia
Triangular, sem, no entanto, desconsiderar a história da arte e a arte
contemporânea e o currículo proposto pela Secretaria de Educação,
pela LDB e pelo MEC.
Sob este aspecto, a arte contemporânea possibilita abordar aspec-
tos relacionados à crítica social e formal simultaneamente. A utilização
das visualidades insere a cultura do estudante no contexto escolar e a
arte contemporânea conduz essas imagens para sua ressignificação e
crítica em um contexto estético e plural. Vieira da Cunha problematiza

Figuras 31 a 34- De cima para baixo: Westlake High School in Waldorf, Md. - History of
Art class in Santa Rosa Junior College – Guyot, Pascal/AFP, A origem do mundo de Gustave
Courbet, 1865 – “Virada Impressionista”, visitação ao CCBB, Gustave Manet, “Le Fifre”
1866, Tânia Rego/EBC
60

a ausência da arte contemporânea no contexto escolar.


[...] temos a Arte Contemporânea que muitas vezes expõe, critica, ironiza, reforça
práticas sociais/culturais vivenciadas pelos estudantes, porém, com frequência, au-
Figura 35- Composição da autora e Evandro Sada com “Vinte e um veleiros” de Arthur Bispo do Rosário e fotografia da autora editada

sente nas salas de aula, talvez devido ao fato das professoras não terem contato e
familiaridade com tais produções e/ou acharem que as temáticas enfocadas pela Arte
Contemporânea não sejam adequadas aos estudantes (VIEIRA DA CUNHA, 2012,
p.121).
Excluir a arte contemporânea dos currículos escolares reflete a falta de interesse dos profissio-
nais em abordar posicionamentos políticos relacionados à representação das estruturas da sociedade e
seus conflitos. Eles se sentem ameaçados por algo que não controlam e que não podem avaliar. A arte
contemporânea muitas vezes os remete a um desconforto estético e muitas obras de artistas aportam à
educação questões sociais, culturais e políticas que exigem discussão e posicionamento, algo que os
docentes não desejam expor ou analisar. Isso implicaria em disposição para investigar e relacionar os
seus conhecimentos com outras áreas de conhecimento, o que implica trabalho adicional às metodo-
logias já instituídas.
61

Nesse caso, a arte contemporânea entra na escola como forma de apoio ao docente para impor
interrogações, “cutucar”, ironizar, criticar, provocar, expor e reforçar “práticas sociais/culturais vi-
venciadas pelos estudantes, causando desconforto e desequilíbrio, por romperem com as concepções
de beleza, conforto e estabilidade que os repertórios imagéticos da cultura popular propõem” (VIEI-
RA DA CUNHA, 2012, p. 103-104).
Antes de qualquer teorização sobre os Estudos Culturais, a cultura visual se apresentou ao

Figura 36- Composição da autora com “Flor do mangue” de Frans Krajcberg e fotografia da autora editada
meu universo pessoal pelos artistas contemporâneos. Quando visitei o Museu Guggenhein em Bilbao,
nos anos 90, uma enorme escultura de um cachorrinho fofo feito de flores de todas as cores dava as
boas vindas ao visitante, logo na entrada. No templo da “alta cultura”, a escultura de Jeff Koons “Pu-
ppy”, de 16 metros, provocou meu espanto por não parecer arte e sim um ornamento cafona fora do
contexto. Certamente, ele estaria melhor situado se estivesse nos jardins da Disney. O estranhamento
passou, ri e pensei: é Kitsch e pronto. Depois, conhecendo melhor o trabalho do artista, as imagens da
Cicciolina e do próprio artista em poses eróticas apresentadas como arte me causaram um desconfor-
to, não pela sexualidade explicita, mas, pela questão que se colocou com mais seriedade: isso é arte
62

ou cultura visual? Cultura visual no museu? Ou, arte e cultura visual. Martins A. aborda essa questão:
Figura 37- Composição da autora e Yuri Paranhos com “Puppy” de Jeff Koons, 1999 e fragmento de

[...] a distinção apontada entre arte e cultura visual não só se mostra equivocada,
como também revela a sobrevivência do ranço discriminatório em relação à cultura
popular, ao kitsch, à mercadoria cultural destinada ao consumo das massas. Walter
Benjamin (1986) já chamava atenção para o fato de que as massas buscam, na obra
de arte, não contemplação ou meditação, mas distração, desfrute, entretenimento
(MARTINS A., 2012, p.212).

O estudante me desafia e me coloca em questão diante de minhas “pseudo-certezas” estéti-
cas. Ele quer falar e grita que gosta daquilo que eu desconfio. Mais uma vez, Martins A. afirma que
ilustração da autobiografia de Carlione Ramos
63

“gosto é coisa que se discute sim e que preferências estéticas são, sinalizadores de poder e distinção”
(2012, p.212). Então, posso inferir que minhas escolhas, nossas escolhas, enquanto educadores foram
direcionadas pela minha, pela nossa cultura ocidental, e que as escolhas estéticas dos estudantes fa-
zem parte de suas referências culturais que, por sua vez, se opõem às minhas. Deparo-me com meu
preconceito, na medida que minha pretensão como arte educadora é fazer com que meus estudantes
e alunos compreendam uma linguagem que não possuem, aquela de meus referenciais estéticos. Se-
gundo Rancière, “a emancipação dos sujeitos reside na capacidade de uso da inteligência, e esta não

Figura 38- Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


consiste tanto em pensar a dominação, em pensar a impotência, mas em pensar uma potência”, mais
ainda “Os explorados não costumam necessitar que as leis da exploração sejam explicadas. Porque
não é a incompreensão do estado de coisas existentes o que alimenta a submissão, mas a ausência
de sentimento positivo de uma capacidade de transformação” (RANCIÈRE, apud AGUIRRE, 2011,
p.90).
Utilizar a pedagogia cultural e os projetos de trabalho como ferramentas para viabilizar as
ações pedagógicas foi a forma que encontrei de incutir nos estudantes esse sentimento positivo da
qual trata Rancière. A ideia é utilizar a criação cênica, visual, musical ou literária para apresentar à
comunidade escolar as investigações científicas ou pessoais escolhidas pelos estudantes e transforma-
das em livros, peças de teatro, programas de rádio, pequenos filmes, etc. Prefiro deixar os estudantes
livres para escolherem a forma artística que preferirem para desenvolver os projetos. Projetos desen-
volvidos, exibidos no âmbito da escola ou em atividades extracurriculares orientadas.
Com efeito, uma mudança de orientação na educação em artes visuais
no Ensino Médio no Brasil já se anunciava nos primeiros anos do século XXI.
Apesar de amplamente adotado pelos educadores brasileiros, a Metodologia
Triangular e o DBAE não podem ser entendidos como pedagogias culturais
emancipadoras. Dias afirma que
(...) é curioso observar que a despeito dos seus princípios de
contextualização e valorização das vivências do dia-a-dia,
após mais de 20 anos de práticas de Abordagem Triangu-
lar, que por sinal são atualmente a pedagogia hegemônica no
campo, ela ainda se concentra excessivamente em conteúdos curriculares teóricos,
indubitavelmente eurocêntricos e norte americanos, formalistas e modernistas, e não
atende o suficiente sobre as realidades, os contextos e as subjetividades pelas quais
os estudantes veem, visualizam e constroem seus universos. Sem mencionar que
tornou-se um termo jargonizado e utilizado indiscriminadamente em qualquer proje-
to de arte/educação em busca de validade e rigor (DIAS, no Prelo).

Mais ainda, Dias complementa que:


Apesar das histórias da arte/educação serem enquadradas em várias formas, para
Stankievick a força motivadora para o desenvolvimento da arte/educação interna-
cionalmente tem sido a necessidade de culturas dominantes manterem ou expan-
direm seus capitais simbólicos, por vezes, subordinando a agência dos estudantes.
Os modos de realizar, pensar e fazer arte/educação desenvolvidos por Britânicos,
Europeus, norte-americanos, desenvolvidos com a ascensão do capitalismo e o sur-
gimento de uma classe média, têm sido divulgados através do imperialismo cultu-
ral e globalização econômica. Embora os povos de todo o mundo tenham tradições
artísticas, a evolução das nações capitalistas têm influenciado a arte/educação em
todos os lugares, logo quem segue esta lógica faz parte de um projeto colonialista
(DIAS, no Prelo).

Portanto, se por um lado, é preciso reconhecer que seu currículo conferiu à arte educação sua
“credibilidade disciplinar” (HERNÁNDEZ, 2011, p.37), por outro, é forçoso reconhecer que não
temos na literatura corrente dados e elementos fiáveis que evidenciem que essa metodologia, aplica-
da largamente nas escolas, provoque uma pedagogia de transformação dos estudantes, tornando-os
sujeitos críticos em relação aos aspectos políticos e culturais subjacentes às imagens em contextos
artísticos e midiáticos. Instrumento antigo de manipulação e dominação, as imagens portam signifi-

Figura 39 a 41- Fotografia do Atelier Mari Ângela Anelli – Aula de história da arte no Museu d’Orsay –
Aula na Escola Intermediária de Brisbane, Austrália, 1951
65

cados, ressignificados em outros contextos. Os estudos de cultura visual emergem como arena onde
se defende a construção da crítica e de práticas emancipadoras (MARTINS, A., 2012), e necessaria-
mente, a prática e a implementação do DBAE e as metodologias surgidas a partir dele não constituem
este espaço pedagógico dialógico.
Não se trata simplesmente de uma questão de retórica. Também foi possível observar empiri-
camente, ao longo dos últimos seis anos, como gestora de uma das maiores escolas de na periferia
do DF, e a partir da avaliação da produção dos estudantes, que é raro, nas práticas educativas em
educação em artes visuais, o docente relacionar o conteúdo curricular com os saberes culturais que
compõem o ideário dos estudantes e da comunidade em que se inserem. Tampouco os professores
trabalham os aspectos críticos e irônicos da arte contemporânea. Privilegiam, sobretudo, uma prática
Figura 42- Composição de Evandro Sada com Livro-Objeto de estudante do 3º
ano EM, 2007 e projeto de “Intervenção urbana em São Sebastião” da autora

pouco envolvente e motivadora para o estudante: a “leitura” da obra de arte, a sua contextualização
histórica e a sua “releitura” em uma prática artística desenvolvida em sala de aula.
Nessa análise, decorre dessa prática a falta de consciência dos estudantes em relação aos pro-
blemas políticos e sociais e a dificuldade de fomento da avaliação crítica desses aspectos importantes
da sociedade, por meio da arte. Sendo assim, a “releitura” de obras artísticas canonizadas, largamente
aplicadas nas aulas, torna-se uma prática anódina, pois é totalmente dissociada da realidade e das
mudanças tecnológicas e culturais.
66

Outro problema deste ensino hegemônico das artes visuais se relaciona ao emprego de um
currículo único, extenso e pouco flexível que não enfatiza a utilização das visualidades que preen-
chem vidas dos estudantes, além da crítica da mídia e da sociedade contemporâneas. O fato é que
a arte e os objetos artísticos, considerados ícones de beleza, status e poder pela elite, ao longo da
história da arte ocidental, não encontram mais eco nas classes populares, por possuírem, cada qual,
seus próprios códigos linguísticos, ideários subjetivos de estética e de compreensão da realidade. Ao
contrário desses cânones de beleza petrificados, as imagens provenientes das mídias, da web e das
mais diversas fontes são portadoras de expectativas relacionadas ao consumo, alimentam corações
e mentes em contextos e culturas diversas e globalizadas. Sem falar que podem, em muitos casos,
sofrer a intervenção dos próprios estudantes. Cabot identifica claramente essa transformação nos sen-
timentos dos expectadores.

Para a maioria dos expectadores, a obra de arte (fundamentalmente a contemporâ-


nea) é muda, não lhes diz nada, no mesmo momento em que a realidade se trans-
formou em uma ‘obra de arte’, uma ficção construída, onde os recursos próprios
da arte se encontram por toda parte e moldam de forma efetiva o modo de vida dos
espectadores (CABOT, 2007, p.37).

Figura 43- Da série “Made in heaven”, Jeff Koons, 1991


67

A arte contemporânea, lamentavelmente, está distante da realidade nas salas de aula, por des-
conhecimento e falta de atualização por parte dos docentes. O foco dos educadores em artes visuais
continua a ser a história da arte com vistas à instrumentalização dos estudantes para o enfrentamento
dos desafios das avaliações externas. As metodologias adotadas não engendram a crítica e nem tornam
os receptores passivos em “visualizadores críticos” (HERNÁNDEZ, 2011, p.38). Isso quer dizer que
as práticas pedagógicas tradicionais e disciplinares distanciam os sujeitos de sua própria emancipação
e da transformação social necessária, que é o objetivo principal da pedagogia crítica. A redistribuição
do poder não apenas dentro da sala de aula entre professor e estudantes, mas na sociedade como um
todo, é defendida pelas abordagens da pedagogia crítica (COOK-SATHER, 2002, p. 6).

Figura 44- “Vôo noturno”, Waltércio Caldas, 1967 (3 exemplares)


Cultura e Visualidades

Paulo Freire (200), minha inspiração primeira, ensinou que a educação é um processo de ver
a nós mesmos e ao mundo a volta de nós. A cultura visual inserida na Educação Básica tem papel
fundamental nesse processo, pois fornece experiências que nos ajudam a refletir, a criar e a desenvol-
ver valores, emoções e, sobretudo questionamentos. Como desconsiderar, por exemplo, as inúmeras
imagens e representações visuais relacionadas à violência, ao preconceito e a discriminação que são
temas recorrentes nesse contexto? Assim como Dias, acredito que a abordagem da cultura visual é
um poderoso instrumento para desconstruir preconceitos e discriminações.
[...] para que as necessárias mudanças se concretizem, é necessário que novas prá-
ticas em arte/educação sejam conhecidas e passem a ser utilizadas, por exemplo, a
educação em cultura visual precisa ser concebida e estudada como práticas de en-
sino de artes visuais e como instrumento para promover a aceitação da diferença, o
reconhecimento da alteridade em suas manifestações de gênero, sexualidade, raça e
classe (DIAS, 2011, p. 59).

De fato, abordar questões relacionadas à sexualidade, classe, raça e gênero pode modificar
conceitos e atitudes e ainda fazer com que o estudante encontre significação em seu cotidiano para as
Figura 45- Composição da autora e Evandro Sada com colagem de estudante do 1ºano EM, 2006
69

informações que recebe. Entre as disciplinas, a arte é componente curricular essencial para abordar as
questões relacionadas ao cotidiano e a visualidade presente na vida dos estudantes. Com projetos de
trabalho procuro estimular a afirmação da identidade dos estudantes, assim como a reflexão e a crítica
à sociedade que os define, molda e, ao mesmo tempo, os excluí. A finalidade de se introduzir a cultura
visual a partir da perspectiva de projetos de trabalho (HERNÁNDEZ, 1998) na Arte/educação “é re-
alizar um questionamento e uma análise crítica das experiências culturais e dos textos do cotidiano”
(EISENHAUER, 2006, p.155). Dias reforça e amplia essas possibilidades:
A educação da cultura visual situa questões, institui problemas e visualiza possibili-
dades para a educação em geral. [...] incentiva consumidores passivos a tornarem-se
produtores ativos da cultura, revelando e resistindo no processo às estruturas homo-
gênicas dos regimes discursivos da visualidade (DIAS, 2011, p.62).

Isso quer dizer que podemos passar de uma atitude passiva sob um discurso unilateral a uma
postura mais ativa de construção coletiva do conhecimento e de crítica social. A sala de aula poderá
ser, desta forma, um local onde se descortinam inúmeras possibilidades que, mediadas pelas visuali-
dades, vão interessar, intrigar, e despertar a curiosidade dos estudantes e também dos docentes sobre
as representações visuais recorrentes. O corolário desse processo é a desconstrução, análise e recons-
trução de conceitos relacionados à ética, às questões étnicas, culturais, de faixa etária, de gênero etc.
Como bem disse Martins (2008, p.30), “ao direcionar o foco para as visualidades dá-se ênfase às teo-
rias pós-estruturalistas, como a crise da representação, a apropriação, morte do autor, fim da história,
o postulado da autonomia, o discurso da diferença/exclusão e a desconstrução”.

Figura 46- Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


70

A mudança de paradigma na educação se dá levando-se em consideração o contexto, da hete-


ronomia à autonomia e a consideração da diferença como temas predominantes. Entendo ser essencial
trazer a Educação da cultura visual para o centro dos interesses dos educadores, na medida em que
nos dispomos a discutir e a repensar o papel do estudante na transformação da escola, da sua cidade
e do seu país. Para tanto, reforço a tese de que precisamos entender, discutir e criticar as visualidades
que alimentam o ideário de nossos estudantes para que eles possam ser os protagonistas das trans-
formações sociais urgentes e necessárias. Esse processo pode começar desde já, através da disciplina
Arte. Eisner defende que as artes, nesse momento, “não se subjugam a respostas corretas e a soluções
claras e seccionadas para os problemas” e oferecem à educação “a capacidade de tratar mensagens
conflituosas, desfazer juízos na ausência de regras, de lidar com ambiguidades e de fabricar soluções
imaginativas para os problemas que encontramos” (2008, p.5-17). Eisner afirma que
[...] as formas de pensar que as Artes estimulam e desenvolvem são muito mais
apropriadas para o mundo real em que vivemos do que caixas limpas, corretamente
anguladas, que nós utilizamos nas nossas escolas em nome do melhoramento da
escola. (EISNER, 2008, p.5-17).

Figura 47- Fotografia da autora de “Mural da Livre Expressão” no CED. São Francisco, São Sebatião, 2013
71

Nesta nova forma de ver a pedagogia, não cabe pensar os conteúdos disciplinares de forma
estanque. O papel do docente de arte é essencial quando considera-se que esse sujeito pode levantar
questões que possam ser pensadas e fomentar a discussão entre diversas áreas de conhecimento, se
este estiver disposto a aprender continuamente. Em um mundo povoado por imagens, escolher quais
imagens seriam interessantes no contexto da educação escolar é tarefa bastante complexa. É preciso
considerar as particularidades da comunidade analisada, mas também reconhecer sua posição relativa
no contexto social. Além disso, é preciso dar vazão a expressão de valores estéticos, utilitários e mo-
rais. Algo muito semelhante ao que Hernandez propõe :
Para selecionar as representações que merecem atenção a partir da perspectiva do
estudo da cultura visual, poderiam ser levadas em conta as seguintes características:
1.Serem inquietantes,
2.Estarem relacionadas com valores compartilhados em diferentes culturas.
3. Refletir as vozes da comunidade.
4. Estar abertas a múltiplas interpretações.
5. Referir-se às vidas das pessoas.
6. Expressar valores estéticos.
7. Fazer com que o espectador pense.
8. Não ser herméticas.
9. Não ser apenas a expressão do narcisismo do artista.
10. Olhar para o futuro.
11. Não estar obcecadas pela idéia da novidade.
(HERNÁNDEZ, 2000, p.140).

Efland acrescenta que, quando o ensino leva em consideração somente técnicas, nomes e es-
tilos artísticos, “é fácil perder de vista o sentido da arte como meio que possuem os seres humanos
para realizar seu próprio espírito através de ações e produtos de sua imaginação” (2002, p.385). O
produto da “imaginação” dos estudantes se constrói em um processo de significação e de convergên-
cia conceitual que une sua produção artística à visualidade do momento contemporâneo. Percorrer os
conteúdos do currículo escolar se torna mais interessante a partir de narrativas da cultura visual. Para
tanto, é preciso complementar saberes e inter-relaciona-los para que seus próprios projetos aconte-
çam.
72

A interdisciplinaridade é uma questão de mudança de atitude frente ao conhecimen-


to, é uma concepção unitária e integral do ser humano. A interculturalidade implica
uma inter-relação e reciprocidade entre culturas, enfatizando a estética do cotidiano,
reforçando a idéia de diversidade, da multiplicidade e da heterogeneidade de pers-
pectivas (FRANGE, 2009, p.161).

Nesse cenário, o docente promove o estímulo à investigação, dá apoio técnico e busca o


conteúdo junto com os estudantes. Para que exista comunicação entre campos de saberes e que esta
possibilite a integração do conhecimento em áreas significativas é necessário investigação, abertura
por parte do docente, humildade para admitir que não sabe tudo e que, a partir de um determinado
ponto, quando os limites disciplinares são transpostos, é preciso investigar. Nessa perspectiva, outras
formas de relacionamento se estabelecem entre o docente e o estudante que pode também recorrer a
outros docentes para que iniciação científica seja praticada, para que a investigação seja enriquecida,
para que as áreas do conhecimento dialoguem.
Barbosa associa a importância da arte na mediação cultural em face das novas tecnologias.
“Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modifica-lo de acordo
com o contexto e a necessidade são processos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver arte, e deco-
dificadores fundamentais para a sobrevivência no mundo cotidiano” (2005, p.100). Mesmo que te-
nhamos ainda, enquanto educadores das artes visuais, dificuldades para abordar esse ou outro aspecto
relacionado à arte na educação, devemos considerar que a cultura visual expande as possibilidades de
novas abordagens e das práticas em sala de aula.
As aulas de artes visuais envolvem imagens, induzem a processos criativos, instituem pen-
samentos críticos em relação à realidade e colocam desafios aos estudantes e professores. A aula de
arte pode promover o questionamento, ser divertida, ser território propício a discussão de conflitos, e
possibilitar a liberdade de expressão. A aula de arte é um domínio onde não existem perguntas certas
ou respostas erradas. Em uma aula de arte pode-se tudo e onde tudo é possível.
É justamente essa liberdade que a arte confere aos estudantes que levou a disciplina a um
descrédito no meio acadêmico, produzindo situações em que a disciplina é criticada mais por suas
73

Figura 48-Fotografia editada pela autora, “Autobiografia ilustrada” de Josidênia Oliveira da Silva, 2006
virtudes do que por suas limitações, tornando minha intenção de inseri-la no centro da prática peda-
gógica ainda mais difícil. Eisner sintetiza a visão que o modernismo conferiu a arte na educação:
A ciência era confiável, o processo artístico não. A ciência era cognitiva, as artes
eram emocionais. A ciência era ensinável, as artes requeriam talento. A ciência podia
provar-se, as artes eram questões de preferência. A ciência era útil e as artes orna-
mentais. Era claro para muitos, assim como hoje o é para muitos para que lado pende
a moeda. Tal como disse, contava-se com as artes quando não havia a ciência para
guiar. As artes eram uma posição retrógrada (EISNER, 2008, p.7).

Em suma, é importante romper com essa ideia retrógrada e equivocada. É relevante que os
educadores em artes visuais conheçam, experimentem promovam o ensino da cultura visual como seu
território de práticas. O fato dessas teorias ainda estarem em construção amplia possibilidades, em
vez de limitar ações. Trata-se de incluir as visualidades do momento contemporâneo ao repertório da
grande Arte. Descontextualizando uma afirmação de Dias relacionada à a/r/tografia e situando-a em
relação à cultura visual e a história da arte eu diria que “é uma coisa com a outra”, e não uma contra a
outra. Uma mudança radical terá de vir, pois os docentes de artes ainda tem no objeto artístico o foco
da ação pedagógica. Como afirma Duncum:
Cabe a nós decidir se ele (o capitalismo) será capaz de destruir a arte-educação, pois
esta não conseguirá sobreviver da forma como fez no passado. Para que sobreviva,
ela deve adaptar-se às circunstâncias sociais radicalmente alteradas. Isso é possível
por meio do reconhecimento da proliferação da imagética comercial – para a qual as
pessoas tem se voltado, cada vez mais, em busca de referências de vida -, do acolhi-
mento da natureza rizomática da imagética e da adoção de uma pedagogia do diálogo
que persiga o equilíbrio ente prazer e crítica (DUNCUM, 2011, p.27).

Observo, por conseguinte, que ao contrário do compromisso absoluto com o artefato, que “um
bom currículo para o estudo da arte deva ampliar os limites das artes visuais e englobar também a
música, a literatura, o teatro e a dança” (SMITH, 1987, p.2). O estudo da cultura visual aponta para a
interpretação de forma crítica das imagens produzidas na contemporaneidade, assim como ao longo
da história. A cultura visual na sala de arte é uma forma eficiente dos estudantes encontrarem formas
de representações alternativas, não somente as visuais, como também literárias, cênicas e musicais
de sua realidade. Além disso, a cultura visual permite o exercício crítico da alteridade, através do
conhecimento de outras realidades, de outras possibilidades culturais de representação, de outras
localidades e de outros países.
É interessante observar que influenciados pelos predecessores do DBAE, nos anos 60 e nos
anos 70, Broudy, Smith y Barnett defendiam a educação estética com uma finalidade mais ampla que
a educação artística e que constituía um resultado desejável para a educação geral (EFLAND, 2002).
Superei, logo no início de minha experiência como docente, essa concepção de educação artística
focada no objeto artístico e no artefato popular e tenho buscado relacionar a cultura visual e as artes
a todas disciplinas do currículo de Ensino Médio. Phenix registrou no final dos anos 60 que “somente
os conhecimentos integrados entre as disciplinas são apropriados para o currículo” (1968, p. 2), en-
quanto Dias, faz uso do termo de Mignolo (2000) de “epistemologia de fronteiras” para se referir aos
limites disciplinares ou interrelações entre conteúdos que dialogam, se retroalimentam ou se comple-
mentam:
A epistemologia de fronteiras aponta para um tipo diferente de poder, um poder
múltiplo que é, em regra, transdisciplinar e significativamente aberto uma vez que
seu objetivo é criar novas formas de análise e não somente contribuir aos sistemas
já estabelecidos do pensamento. [...] ajuda a criar novos locais para se pensar dentro
e entre discursos, disciplinas e diálogos. Assim, ela, como uma atividade de desco-
lonização do conhecimento localiza no subalterno, incentiva o desenvolvimento de
um “outro que pensa”, deslocando as oposições binárias eu/outro e centro/periferia,
provocando um deslocamento de noções rígidas de conhecimento, visualidade, mo-
dos de ver, poder, identidade, subjetividade e agência (DIAS, 2011, p. 90).

Tal abordagem corajosa posiciona a teoria do conhecimento entre fronteiras de diversos sabe-
res e considera outras formas de ver e pensar. Considera também que não se pode analisar as visu-
alidades contemporâneas a partir de um único ângulo de visão. Contra todo o ceticismo, a educação
da cultura visual avança e vem ganhando espaços nas escolas, afinal já não é mais possível ignorar o
afluxo ininterrupto de informações visuais que as alcançam.

Figura 49- Fragmento editado por Yuri Paranhos de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 3º ano EM, 2006
77

Escola em mutação

Nesses anos todos de docência, já identifiquei uma certa apatia e um flagrante desinteresse
pela educação em geral por parte dos estudantes. Além dos problemas de desempenho e evasão esco-
lar que essa situação engendra, a falta de interesse dos estudantes tende a gerar conflitos em sala de
aula, uma vez que os docentes exigem o foco e a atenção que a maioria desses jovens não está dispos-
ta a dar. Temos, então, dois sérios problemas que se realimentam. Enquanto estudantes são refratários
e até hostis às aulas, os docentes não se sentem estimulados a melhorar suas práticas, uma vez que os
jovens são indiferentes. Alves compara a escola convencional a uma máquina de fazer salsichas:

[...] Acho que dos 100% dos saberes que as escolas tentaram enfiar dentro de mim
só sobrariam uns 10%. Você depositaria suas economias mensalmente, num fundo de
investimento, por dezessete anos, se você soubesse que depois desses dezessete anos
você iria receber só 10% do que você depositou?
Alguns concluirão que a culpa é dos professores. Outros que a culpa é dos alunos.
Não creio que a culpa seja dos professores ou dos alunos. Acho mesmo é que a culpa
é da carne que se põe na máquina: ela está estragada. As salsichas cheiram mal. O
nariz as reprova. Se comidas, produzem perturbações gástricas. O jeito é vomitá-las.
Concluo: a performance das escolas melhorará se a carne estragada for substituída
por uma carne que produz salsichas apetitosas [...] (http://www.rubemalves.com.br/
avaliacao.htm).

Uma das causas do afastamento e da rejeição dos estudantes às aulas decorre da falta de cone-
xão entre o que eles aprendem e a sua realidade. Enquanto o mundo se organiza em redes, multiplica
opiniões e informações e se dispõe a compartilhar, a sala de aula é um mundo fechado de relações
unilaterais e atitudes passivas. Não me admira o fato de que os docentes e a escola sofram rejeição
por parte dos estudantes e que exista uma crise no ensino. “Crise”, “apagão”, “ausência de sentido”
são alguns termos utilizados por governantes, investigadores, jornalistas e representantes de organi-
zações não governamentais ao analisar o Ensino Médio brasileiro. Docentes e estudantes falam em
desinteresse, falta de qualidade, desmotivação (KRAWCZYK, 2008). Nascimento sustenta que:

Figura 50- Fragmento de fotografia da autora da instalação na exposição – Guimarães Rosa no Museu da Língua Portuguesa, SP, 2006
78

Não se encontra argumentos sólidos, a não ser a persistência do passado, para agru-
par, por exemplo, o alunado por idade e em séries; ensinar só em espaços fechados;
ter um professor por sala ou por turma; ensinar por disciplinas sequenciadas e com-
partimentadas; intervalar o tempo de ensino e aprendizagem em aulas de, aproxi-
madamente, 50 minutos; aplicar provas, em geral escritas; construírem os prédios
das escolas com menos requinte que os fóruns judiciários; os professores ganharem
menos que outras categorias profissionais; demarcar os intervalos com uma sirene
irritante; só usar quadro e giz durante as aulas; enfileirar o alunado em carteiras ou
pô-las em círculo para simular envolvimento e participação; ver os alunos como
constantes desinteressados e os professores como “heróis impotentes” (NASCI-
MENTO, 2009, pg. 41).

Figura 51- Autobiografia ilustrada de Paulo Sérgio o “Devana Babu”


estudante do 1º ano EM, 2006
79

Tal crise foi identificada pelo MEC com base em dados do Censo escolar de 2006 do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (INEP) que constatam índices preocupantes: 13,1%

Figura 52- Composição da autora e Evandro Sadacom capa de “Autobiografia ilustrada” de estudante do 3º ano EM, 2006
de repetência e 9,6% de abandono logo no primeiro ano do Ensino Médio (BRASIL, 2006). Entre ou-
tros problemas, a escola está longe de oferecer um aprendizado significativo, contextualizado, inter-
ligado, responsável, humanizado e prazeroso. A escola, ao contrário do que deveria ser, desestimula
uma postura mais ativa e interessada de todos, que é uma atitude indispensável para a construção do
conhecimento. Essa escola anacrônica, segmentada, acrítica, passiva e estanque deve, portanto, ser
repensada para que relações dialógicas se estabeleçam entre os componentes curriculares e também
entre discentes e docentes.
Ou seja, mudar nunca é uma tarefa fácil, pois envolve disputas de poder, e seu corolário de
convencimento e negociação. O caminho percorrido na educação tem sinalizado avanços, mas ainda
prepondera uma educação tradicional que exclui os estudantes da tomada de decisões, emprega me-
todologias inadequadas e desvinculadas de suas vidas, transmite conteúdos fragmentados e perpetua
posturas autoritárias. Silva argumenta que, ao contrário do currículo acadêmico e escolar, as pedago-
gias de formas culturais mais amplas se apresentam de forma sedutora e irresistível.

Elas apelam para a emoção e a fantasia, para o sonho e a imaginação: elas mobilizam
uma economia afetiva que é tanto mais eficaz quanto mais é inconsciente. É preci-
samente a força desse investimento das pedagogias culturais no afeto e na emoção
que tornaram seu ‘currículo’ um objeto tão fascinante de análise para a teoria crítica
do currículo. A forma envolvente pela qual a pedagogia cultural está presente nas
vidas de crianças e jovens não pode ser simplesmente ignorada por qualquer teoria
contemporânea do currículo” (SILVA, 1999, p.139- 140).
80

Autores como Aguirre, Dias, Duncun, Hernández, Martins, Vieira da Cunha, Tourinho e Ta-
vin, entre outros, defendem que a partir da significação do conhecimento e da sua contextualização a
partir das visualidades, pode-se reconquistar a atenção dos estudantes. Os estudantes precisam inter-
vir, participar, emitir opiniões sobre assuntos que lhe são familiares. Eles não mais aceitam receber
pacotes fechados de informações que não podem ser aplicados às suas vidas e que aparentemente não
servem para nada. A escola conserva com dificuldade seu valor cultural em virtude da impossibili-
dade de instrumentalizar os jovens com ferramentas que os transponham do lugar de espectadores
para atores, “tornando possível que interajam e decodifiquem criticamente os novos códigos culturais
apresentados pelos meios audiovisuais e eletrônicos, compreende-los e perceber os interesses dos
jogos os propósitos implícitos” (TIRAMONTI, 2005). A cultura visual tem o poder de tornar as in-
formações úteis e inteligíveis, uma vez que faz parte da vida dos estudantes que, no seu âmbito, são
também produtores e não apenas consumidores de informações.
Nesse sentido, utilizar a cultura visual significa instaurar questionamentos, fomentar a crítica,
colocar sob suspeição as representações de realidade. Martins afirma que “a cultura visual aborda e
discute a imagem a partir de outra perspectiva, considerando-a não apenas em termos de seu valor
estético, mas, principalmente, buscando compreender o papel social da imagem na vida e na cultura”
(2008, p.30). Acrescento que as imagens possibilitam o diálogo, a compreensão e a significação em
todas as áreas do conhecimento. Nascimento se une à Martins e reforça minha argumentação com a
seguinte afirmação:
Para amenizar a solidão docente, a cultura visual preconiza, entre outras ações, que
o planejamento e o trabalho educacional sejam construídos coletivamente e de ma-
neira transdisciplinar. Incita a romper com o “sistema de seriação” ao propor que
se organize o currículo por projetos, tendo a possibilidade de ter vários professores
orientando, de maneira cooperativa, o percurso de aprendizagem do alunado. Apro-
priando-me do imperativo de Miguel de Cervantes, é possível dizer que a cultura
visual é, em suma, uma maneira de “deixar o passado no passado e tomar outras
veredas educacionais no presente” (NASCIMENTO, 2009, p.42).
81

A proposta sobre projetos de trabalho e sobre uma educação voltada à compreensão crítica
da cultura visual leva em consideração que a cultura popular é portadora de discursos que precisam
ser abordados no espaço escolar como forma de se promover uma educação comprometida com a
crítica social. Há que se posicionar com relação à estrutura e às relações de poder e repensar relações
binárias reducionistas características do pensamento estruturalista, como centro/periferia, norte-sul,
vertical/horizontal. Hernández defende que é papel da escola ajudar a refletir, dar sentido aos fenô-
menos emergentes produzindo a partir daí subjetividades e olhares alternativos.

Isso significa que o estudo da cultura visual é importante, por exemplo, para
prestar atenção à interseção de raça, classe social, sexo e gênero nos meios
visuais para se poder elucidar e observar as operações e as formas de visua-
lização e posicionamento discursivo mais complexos (HERNÁNDEZ, 2005,
p.11).

Existe segundo Hernández (2005) a metáfora de Ri-


zoma criada por Deleuze e Guattari (2000) se aplica per-
feitamente a cultura visual. Se, para a educação artística
ou qualquer campo disciplinar constituído a comparação
se faz com uma árvore com raízes, a cultura visual é como
um rizoma que vem crescendo de forma contínua como um
complexo sistema onde não existe hierarquia a partir de um
centro definido, como uma árvore. Da mesma forma, para a
cultura visual qualquer ponto do rizoma pode ser conectado
com qualquer outro, funcionando sob um princípio de mul-

Figura 53- Fotografia da autora de Autobiografia ilustrada de estudante do 1º


ano EM, 2006
82

tiplicidade e ruptura, como a estrutura de conectividade, de multidisciplinaridade que caracterizam os


Estudos de Cultura visual. Para Dias:
A cultura visual está associada aos estudos da cultura e do social e a várias discipli-
nas do conhecimento entre elas destacam-se a educação, sociologia, antropologia, e
geografia. Muitos teóricos da História da Arte, Artes Visuais, Sociologia, Psicologia,
Semiótica, Publicidade, Informática, Cinema, Design, vem utilizando o termo cultu-
ra visual com a intenção de incluir num conceito comum todas as realidades visuais,
as visualidades, sejam elas quais forem, que afetam os sujeitos em seu cotidiano. É o
mundo das imagens, que expressam e definem a nossa forma de pensar e viver, que
vai além das categorias da história da arte tradicional e que já não pode ser estudado
com os mesmos conceitos que antes eram utilizados, como por exemplo, para a pin-
tura, escultura e arquitetura (DIAS, 2011, p.50).

A cultura visual pode, portanto, contribuir para que haja uma ruptura com as antigas práticas,
baseadas em saberes divididos por disciplinas. A arte, na perspectiva da cultura visual, é uma possi-
bilidade real de confluência de diferentes disciplinas em um diálogo transdisciplinar. Como campo de
estudo a ser explorado, a cultura visual abre uma grande porta para que a educação se reestruture, para
que se considere outras possibilidades de ensino e aprendizagem, para que se leve em consideração as
imagens que povoam o cotidiano e a própria história e onde se inserem representações da realidade,
todas elas questionáveis.
Ao abordar a cultura visual na escola colocam-se em evidência as disciplinas, consideradas
até então marginais, como formas privilegiadas de se estimular a integração do conhecimento, tornar
as demais disciplinas curriculares mais prazerosas e, dessa forma, contribuir pra promover a interdis-
ciplinaridade necessária para a aprendizagem significativa. O estudante crítico, curioso e criativo, é o
cidadão integrado e integral que se pretende formar.

Figura 54- Composição com fragmento de colagem de estudante do 1º ano EM, 2006
83

Figura 55- Edição de foto da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007
Figura 56- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 2º ano EM, 2007
85

Visualidades e novas tecnologias

A criação e o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente nas áreas de informática


e telecomunicações, potencializam a educação da cultura visual e da educação como um todo, além
de transformarem os atos de ensinar e aprender em tarefas mais complexas e variadas. Doravante, o
processo de ensino aprendizagem vai exigir flexibilidade espaço-temporal, os conteúdos não pode-
rão mais ser fixos e os processos de investigação e comunicação deverão ser repensados (MORAN,
2009). Essa abordagem coloca em xeque o currículo. De fato, com a popularização da Internet e das
TICs completando duas décadas, já podemos observar que os estudantes recebem muito mais infor-
mações visuais e as assimilam de forma muito mais espontânea e relacional nos ambientes virtuais
do que em sala de aula, onde estão submetidos a um conteúdo compactado em disciplinas, em “ga-
vetinhas de conhecimentos” e expostos a um ambiente homogêneo e sem outras referências do que
àquelas constantes nos livros textos.

O cinema, o rádio, a televisão trouxeram desafios, novos conteúdos, histórias, lin-


guagens. Esperavam-se muitas mudanças na educação, mas as mídias sempre foram
incorporadas marginalmente. A aula continuou predominantemente oral e escrita,
com pitadas de audiovisual, como ilustração. Alguns professores utilizavam vídeos,
filmes, em geral como ilustração do conteúdo, como complemento. Eles não modi-
ficavam substancialmente o ensinar e o aprender, davam um verniz de novidade, de
mudança, mas era mais na embalagem (MORAN, 2009, p.101-111).

Em face à realidade de penúria e ignorância tecnológica da maioria das


escolas brasileiras e tendo em vista a rigidez do seu processo educativo ancorado
em práticas tradicionais, torna-se necessário uma ampla reflexão a respeito do
processo de ensino-aprendizagem no sistema educacional brasileiro. Diante de
avanços constantes, diários, dinâmicos e criativos, a escola tem reagido de forma
lenta e descontinuada. Muitos professores e professoras estão despreparados para
enfrentar a concorrência de um mundo audiovisual, os estudantes estão sujeitos
86

à manipulação da mídia e das TICs, o que exige uma postura e uma visão crítica de todos. Além do
atraso tecnológico que torna as salas de aula espaços anacrônicos, a nova realidade do estudante co-
nectado, a despeito e apesar da escola, engendra problemas de aceitação e adaptação, além de outros
perigos relacionados à exclusão de estudantes e docentes do processo de interatividade e de conecti-
vidade. De todo modo, trata-se da afirmação inexorável de um novo tempo e de uma nova forma de
ver e entender o mundo que nos cerca. É preciso se adaptar.
Diante da enxurrada de imagens que inundam nossas máquinas, a nossa reação é sempre
procurar algo em que possamos nos segurar. Parece que isso é normal, um comportamento previsto,
inclusive, pelos formadores de opinião e de dinheiro na Internet. Diante de uma multitude de informa-
ções procuramos referenciais, pontos em comum, algo a partir do qual podemos organizar o que esta-
mos lendo, vendo e ouvindo. As imagens resumem os conteúdos e geralmente são esse algo em que se
segura, para encontrar uma referência no mundo virtual, quando não se tem outros referenciais. Nes-
se sentido, a abordagem da cultura visual é
uma forma privilegiada de entendimento,
questionamento, compreensão e inserção
nesse novo mundo. Freedman considera a
cultura de massa e a aprendizagem nesse
contexto.
O novo mundo da tecnologia e as fronteiras
culturais pouco definidas fizeram com que a
cultura de massa fosse gradativamente mais
pedagógica e política (Giroux; Simon, 1989).
Estudos de estudantes em relação à recepção da
cultura de massa nos ajudam a entender como
aprendem por meio de imagens (FREEDMAN,
2005, p. 129-130).

Reforçando a argumentação de Freed-


man que considera a cultura de massa na
perspectiva política e pedagógica,
Franco (2011) afirma que quem educa
não é a escola, porque as escolas não
são comunidades de aprendizagem,
são burocracias do ensinamento e tem
como objetivo ordenar indivíduos ca-
pazes de reproduzir atitudes de disci-
plina e obediência, um mecanismo de
regulação e adestramento onde se tem que vencer as provas, ano após ano até sair livre. Quem educa
é a sociedade, a cidade, a localidade onde se vive. Acrescentaria, a mídia, a publicidade e as novas
TICs que diluem fronteiras em todos níveis. Franco argumenta, inclusive, que qualquer pessoa hoje é
capaz de aprender sozinho.

Não é novidade para ninguém que, no mundo atual, qualquer pessoa que saiba ler
e escrever e tenha acesso à Internet pode aprender muito mais do que podia há dez
anos. Sim, isso é fato. [...] Diz-se agora que, se souber ler (e interpretar o que leu),
escrever, aplicar conhecimentos básicos de matemática na solução de problemas co-
tidianos e... banda larga, qualquer um vai sozinho (FRANCO, 2011, p.2).

Na verdade, o fato é que a educação atual está em franco descompasso com o mundo que a
cerca e com a sociedade que dela espera soluções. Enquanto os docentes ainda discutem se sua função
é promover a cidadania, se a escola deve adaptar-se às demandas do mercado ou ainda se a escola
deve preparar para a universidade, os estudantes não se interessam por essa discussão. Poucos docen-
tes levam em conta que a escola da forma como a concebemos simplesmente aborrece o estudante.
A premissa de que os estudantes não utilizam o conhecimento adquirido de forma a cons-
truir mais conhecimento ou ainda promover as transformações sociais necessárias se confirma com a
afirmação de um dos nossos estudantes da instituição, flagrado no corredor quando deveria estar na

Figura 58 e 59- Fotografias da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


88

sala de aula: “Não estou matando aula, a aula é que me mata”.


Arries identificou esse mal estar há mais de 30 anos afirmando
que estabeleceu-se no contexto escolar uma regra de disciplina
que da escola medieval ao colégio moderno reproduz a comple-
xidade da instituição que não se destina apenas ao ensino, mas
também à vigilância e ao enquadramento da juventude (1981).
Kerckhove expressa qual o significado das tecnologias
em nossas vidas: “como nômades telemáticos libertamo-nos dos
constrangimentos de uma coincidência histórica entre o espaço e o tempo e ganhamos o poder de
estar em todos os lugares sem sairmos do mesmo lugar” (1997, p.237). A internet na escola aparece
nesse contexto como uma ação libertadora para intervir e ressignificar o aprendizado. A maioria dos

Figura 60- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 2º ano EM, 2007


estudantes prefere estar nesses novos espaços de aprendizagem do que em uma sala de aula desco-
nectada do mundo. Os estudantes desejam construir “imagens e conceitos” a partir de “imagens e
conceitos” disponíveis na rede, querem utilizar programas, compartilhar e interagir com o mundo.
Como bem escreveu Moran (2009), com a internet estamos sentindo necessidade de modificar
a forma de ensinar e aprender. Podemos transformar esse processo em algo mais prazeroso, com a
participação do estudante na aquisição do saber, em que o papel do docente será o de ajudar a in-
terpretar, relacionar e contextualizar os dados de investigação e comunicação buscados também por
iniciativa do educando.
Na verdade, a rapidez e o fluxo com que esses conhecimentos são repassados simplesmente
ultrapassaram o papel e a função dos professores e professoras. Hoje, os meios de comunicação têm
maior amplitude e alcance (e-mail, MSN, Facebook, etc.) e pode-se repassar informações em tempo
real. Como afirmou Ramal, “esse fenômeno causa mudanças na organização da sociedade, no acesso
ao saber compartilhado, nas políticas, na economia, determinando um estilo de sociedade em que a
inteligência é concebida como fruto de agenciamentos coletivos” (2002, p.13). Moran reconhece
esse novo tempo e afirma que é preciso a escola, com as redes eletrônicas, sair do seu mundinho para
enfrentar o mundo:
A escola, com as redes eletrônicas, abre-se para o mun-
do, o estudante e o docente se expõem, divulgam seus
projetos e investigações, são avaliados por terceiros, po-
sitiva e negativamente. A escola contribui para divulgar
as melhores práticas, ajudando outras escolas a encon-
trar seus caminhos. A divulgação hoje faz com que o
conhecimento compartilhado acelere as mudanças ne-
cessárias e agilize as trocas entre estudante, docentes,
instituições. A escola sai do seu casulo, do seu mundi-
nho e se torna uma instituição onde a comunidade pode
aprender contínua e flexivelmente (MORAN, 2009,
p.101-111).

Concordo com Moran, contudo, mesmo a escola se abrindo para o


mundo, defende-se a participação efetiva necessária do docente na constru-
ção compartilhada do conhecimento e saberes. Porque, como pondera Bár-
bara Freitag-Rouanet, “nós estamos vivendo numa sociedade em que o que
conta é o tipo de informação a que temos acesso” (2002, p.29). Para que
isso ocorra, entretanto, estudante e docente precisam de um ambiente co-
municativo e colaborativo. O processo de ensino-aprendizagem é uma via
de mão dupla, em que o docente, tem de agir como orientador facilitador e
motivador, a fim de que os estudantes aprendam, relacionem e contextuali-
zem as informações da cultura visual nas fronteiras epistemológicas trans-
disciplinares. De outro lado, os estudantes, como agentes ativos, devem
estar prontos e maduros para incorporarem em suas vidas o significado, as
implicações e a utilidade da multitude de informações visuais que recebem
para se tornarem sujeitos criativos, críticos e agentes de transformações
sociais urgentes.

Figura 61- Fotografias da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


2
peRCuRsO a/R/toGRáFiCo
92

Gosto de dicionários. Procurar o significado das palavras remete a outras palavras. Método
é o conjunto de meios, dispostos convenientemente para alcançar um objetivo, especialmente um
conhecimento científico. Procedimento científico, técnica, maneira de proceder ou de agir, é um jeito,
um conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino ou a prática de uma arte. Parei de
ler o dicionário quando me deparei com as palavras: “prática de uma arte” como definição de método;
fechei o UNESP do português contemporâneo (2011, p.916) para indagar sobre “um certo jeitinho”
que adotei para investigar minhas práticas de ensinar uma certa arte, de fazer acontecer em arte, de
criar eventos pedagógicos na disciplina arte. Foi assim que passei a refletir sobre o método utilizado
nessa investigação, a fim de avaliar as práticas de pedagogia cultural, com a pedagogia cultural e pela
pedagogia cultural realizadas por mim no Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião entre os anos
de 2002 e 2007.
Ao realizar um exercício autoetnográfico que me permitisse fazer uma investigação de minha
própria prática de arte educadora, encontrei na investigação A/r/tográfica a possibilidade de incluir,
em um discurso sensível e racional, os dados visuais e textuais na dissertação. Na a/r/tografia saber,
fazer e realizar se fundem e se dispersam criando uma linguagem mestiça, híbrida na fronteira da auto
etnografia e etnografia (DIAS, 2013, p.25).
A palavra a/r/tografia foi construída a partir do prefixo A/R/T que é uma metáfora para Artist
(artista), Researcher (pesquisador ou investigador) e Teacher (professor) e graph (grafia: escrita).
Concebida a partir de estudos de ABR e ABER e a partir de estudos de Elliot Eisner em cursos de
pós-graduação na Stanford University nos Estados Unidos e instituída na Faculdade de Educação da
University of British Columbia, no Canadá, a a/r/tografia introduz nos procedimentos metodológicos
de investigação científica, a arte como elemento importante de representação nas pesquisas.
Entende-se por a/r/tografia um gênero emergente e em processo de expansão de pesquisa e
investigação nas Ciências Humanas (DIAS, 2013, p.13). Irwin define a Pesquisa Educacional Base-
ada em Arte como uma forma de investigação que aumenta a nossa compreensão das atividades hu-
manas através dos meios artísticos, um encontro constituído através de compreensões, experiências e
representações artísticas e textuais (2013, p.28). Abrange as práticas do
artista (músico, poeta, dançarino, etc), do educador (professor/aluno) e
do pesquisador (investigador) (ver SINNER e al., 2006). Em destaque,
a a/r/tografia possibilita que as artes influenciem a construção de sabe-
res em diversos campos de conhecimento (DIAS, 2013, p.13).
Investigação por sua vez, ainda segundo o dicionário UNESP, é
busca minuciosa, estudo (2011, p.796), e, essa busca partiu inicialmen-
te de seleção de dados visuais, partiu da minha curadoria, entendida
aqui como responsabilidade pela organização e manutenção do acervo
(2011, pag. 368), dos artefatos artísticos produzidos pelos estudantes
convertidos para formato digital e transformados em dados visuais.

Investigadora/Artista/Professora

Quais dados visuais, quais artefatos produzidos pelos estudan-


tes seriam capazes de criar um evento pedagógico, ao mesmo tempo
um acontecimento artístico e significativo para os estudantes e para
a escola? Essa questão norteou minhas escolhas. Quais dados visuais
situados entre os anos de 2002 e 2007 seriam importantes para uma in-
vestigação acadêmica de práticas de pedagogia cultural? Essa questão
foi o cerne dessa investigação.
Foi necessário indagar se essas práticas pedagógicas foram sig-
nificativas para os estudantes porque criaram artefatos artísticos singu-
lares ou se foram os questionamentos, saberes e conhecimentos adqui-
ridos a partir da cultura visual que criaram tais artefatos singulares ou
tudo junto e misturado, ou nada disso?
Tenho como hábito modificar minhas práticas pedagógicas a

Figura 66- Composição da autora e Yuri Paranhos com fragmentos de páginas de dicionários
94

cada bimestre porque não gosto de instituir em meu cotidiano uma


Figura 67 à 70- De cima para baixo: Fotografias da autora - Roupas criadas para o projeto “Por ti São Sebastião de estilismo e moda”

rotina pedagógica. Ao contrário, gosto de aventurar-me no que cha-


- Portfólio de estudante com imagens do modernismo – 3º ano EM após apresentação do projeto “Mantras: música e símbolos” –

mo de experiências pedagógicas porque não costumo empregar uma


única metodologia. Gosto de combiná-las, alterná-las. O imprevisto
me atrai. Por isso, foram muitos os projetos ao longo de cinco anos
de trabalho em regência de classe, muitos deles documentados, com
muitas fotos, muitos registros. Foi muito difícil escolher aqueles que
integrariam essa investigação. Entre os projetos de trabalho desen-
volvidos no Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião ressaltei
aqueles que me eram caros pelos resultados obtidos. As primeiras
escolhas foram os projetos “Livro-Objeto”, “Fotonovela”, “Tarot”,
“Xadrez”, “Cordel”, “Eu no meio ou O Culpado, quem é?”, “CD da
Linha do Tempo”, “Jogo da Memória Visual do século XX”, “Insta-
lações”, “Intervenção Urbana na cidade”, “Paredes Didáticas”, “Por
ti São Sebastião de estilismo e moda”, “Pensadores em cena”.
O critério adotado para selecionar os projetos que seriam al-
vos da investigação foi identificar aqueles que consideravam a cul-
tura de massa, a cultura local, as vozes dos estudantes e que, em seus
Visita à exposição de Regina Silveira CCBB, BSB

objetivos, fomentavam a crítica social, com vistas à transformação


da comunidade. Além disso, levei em consideração os projetos mais
citados pelos estudantes que participaram dessa investigação.
Por essas considerações acima elencadas foi preciso enten-
der os Estudos Culturais, a pedagogia crítica, os estudos da cultura
visual e a pedagogia cultural, e como esses conhecimentos direcio-
naram a investigação e sua fundamentação teórica, assim como a
escolha dos projetos. Esse foco imprimiu unidade à investigação e
norteou as questões que direcionaram as entrevistas, grupos focais e
95

questionários.

Figura 71 a 76- De cima para baixo: Criação de estudantes de logotipo do jornal da escola – Pintura após filme “Frida Kahlo” – Xilo-
gravura de estudante do 3º ano EM, 2004 – Instalação realizada por estudantes do 2º ano EM – Trabalho do Estudante de 2º ano EM
Uma parte importante da investigação teve relação com o pro-
cesso reflexivo de leitura e entendimento de conceitos, seus limites e
fronteiras estabelecidos pela terminologia do campo de estudo. Em um
segundo momento, foi importante estabelecer um processo relacional de
articulação da minha experiência como educadora de artes visuais e dos
conceitos apreendidos. Foi necessário também ter como norteador desse

para divulgação da peça “Xadrez Jogo da Vida” – Estudantes trabalham no projeto paredes modernistas
processo as questões levantadas que seriam respondidas a partir da inves-
tigação. Esse tempo de leitura, conhecimento e reflexão foram de gozo e
descobertas.
A partir dessas leituras, os projetos foram selecionados. Todos
eles se relacionavam com a criação artística e a cultura popular em sala
de aula, que proporcionaram a discussão de conceitos disseminados pela
cultura de massa, incentivavam a resistência diante da manipulação dos
sujeitos impostas pela mídia, instauravam dúvidas e inconformidade
quanto aos processos de acomodação social e cultural e, por fim, possi-
bilitavam a auto expressão para fortalecimento de identidades e estimulo
à autoconfiança. Entre os treze (13) projetos de trabalho de educação da
arte realizados, escolhi os cinco (5) mais significativos.
A escolha do projeto “Livro-Objeto” levou em consideração a
aproximação e o estabelecimento de relação com a cultura visual e, em
seu âmbito, a arte contemporânea, como forma de desmistificação e res-
significação de visualidades relacionadas à (re) construção de identida-
des. Além disso, a escolha se deu pela necessidade imperiosa de o estu-
dante ter voz e vez no processo educacional.
A escolha do projeto “Cordel” se deu por este se voltar para a
ação, sensibilização e crítica em relação aos problemas sociais, como a
96

desigualdade social, a carência de serviços públicos e o abandono do Estado ou a insalubridade de


São Sebastião manifesta em problemas como a dengue e a Hantavirose. Como esse projeto aconteceu
em uma época em que a cidade padeceu de uma epidemia de Hantavirose, que causou mortes na co-
munidade escolar, inclusive, era urgente que a escola propusesse um trabalho de busca, investigação
e ação, com vistas ao esclarecimento e ao enfrentamento desses problemas.
A escolha do projeto “Xadrez” se deu em virtude de ser um jogo eminentemente político, onde
posicionamentos sociais são cristalizados, a partir da hierarquia de poder. Um verdadeiro “Jogo da
Vida” que os estudantes encenaram e contextualizaram, enfatizando a guerra de interesses subjacen-
tes ao encadeamento dos fatos políticos e sociais.
Elegi o projeto “Fotonovela” porque este levou em consideração a cultura visual e a crítica das
novelas, um referencial da cultura de massa. A partir desse referencial, os estudantes criaram histó-
rias, foram protagonistas dessas histórias e as fotografaram, experimentando um novo ponto de vista,
muito diferente daquele percebido quando se é mero expectador. Uma outra razão para a inclusão des-
se projeto foi o fato de ter sido bastante lembrado pelos estudantes que participaram da investigação.
Por último, o projeto “Tarot - Conceito x Imagem” foi selecionado porque pretendeu resigni-
ficar conceitos e colocar em questão “verdades” a partir da diversidade cultural das representações.
Esse projeto também abordou conceitos elaborados a partir de imagens produzidas pelos estudantes
a partir de suas compreensões sobre a realidade.
Esses cinco (5) projetos de educação das artes visuais pretenderam, considerando a pedagogia
cultural e a cultura visual, disseminar os conhecimentos e saberes relacionados à visualidade do co-
tidiano, a história da arte, a arte contemporânea, a sensibilidade, a criação artística e a crítica da arte.
Eles também objetivaram tornar o estudante autônomo e questionador em relação à realidade.

Figura 77- Fotografia da autora de seu Caderno de anotações pessoais com fotografia recortada de trabalho pictórico da autora
97

Artista/Professora/Investigadora

Em um segundo momento, o trabalho se voltou para a análise mais aprofundada dos docu-
mentos, dos dados visuais, das visualidades produzidas pelos estudantes enriquecidas pelos seus rela-
tos sobre elaboração dos artefatos e a significação desses artefatos produzidos a partir das práticas de
pedagogia cultural executadas pelos estudantes. É claro que esses dados visuais sofreram a mediação
do meu olhar, a partir de certo ângulo que não permite neutralidade. Isso significa que a própria se-
leção já contém em si um discurso, uma narrativa. Banks afirma que:
[...]o objetivo da mera documentação jamais pode ser um empreendimento neutro.
[...] não apenas pesquisadores sociais criam imagens visuais para fins de “mera” do-
cumentação. [...] O uso da fotografia nesses e em muitos outros casos é nitidamente
um ato social (BANKS, 2009, p.97 e 98).
98

A partir desse ponto de vista, devo considerar que meu olhar privilegiou determinados artefa-
tos produzidos pelos estudantes em detrimentos de outros, e que essa atitude não estava dissociada de
uma intencionalidade subjacente. Existiu de minha parte, portanto, um discurso a partir das visuali-
dades que produzi mediante registro do trabalho dos estudantes.
Ainda não pensando em meu trabalho como a/r/tografia, atentei, algum tempo atrás, para o
significado das minhas práticas pedagógicas. Não se tratava mais do meu próprio fazer artístico, mas
de um trabalho artístico coletivo, orquestrado, de outra ordem, como se meus pincéis e tintas, por
exemplo, fossem os estudantes, 400 estudantes por ano, 400 pincéis novos, 400 formas de narrativas
visuais de suas próprias vivências cotidianas. Selecionar qual pincel, qual cor de tinta, qual ferramen-
ta utilizar para enfatizar um conceito, uma ideia, um artefato, um dado da realidade é também narrar
uma história, contar um conto, pintar um quadro, recitar uma poesia, cantar uma música. É implicar-
se artisticamente, tal qual em uma curadoria.
À medida que refletia sobre minhas práticas pedagógicas e minha investigação, outras ques-
tões se adicionaram a analise dos dados. Porque escolhi esses “pincéis”, essas “cores de tintas” e não
outras? Esses questionamentos seriam respondidos pela seleção, pela curadoria de dados visuais? Em
que medida os relatos dos estudantes entremeados a minha voz refletiam essas práticas?
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro interessados em entender se seria
possível metodologizar o enfrentamento elucidativo das imagens, afirmam:
Lidar com imagens, estuda-las, investiga-las impõe considerar essa íntima relação
entre o objeto visual e as singularidades de seus produtores e fruidores, ou seja, as
diferentes formas de relação entre quem vê e o objeto visto. Para cada desfrute, frui-

Figura 78 a 89- Fotografias da autora de estudantes do 3º ano do EM onde apresentam suas Autobiografias ilustradas, 2006
99

ção, leitura ou demais contatos que se experienciam com cada imagem, é convocada
a rede de realizações que acumulamos ao longo da vida e que constituem nossos
abrigos identitários, por mais provisórios que sejam, e hábitats culturais dos quais e
com os quais projetamos nossas possibilidade de relação com o mundo (VICTÓRIO
FILHO e BALSTER, 2013, p.53).

Minhas possibilidades de relação com o mundo e meu hábitat cultural definiram a seleção de
trabalhos apresentados na investigação e os projetos escolhidos. Victório Filho e Balster ainda apon-
tam que o eixo teórico dessa metodologia seria:
[...] tratar as imagens como enigmas e inquirir o que elas significam, o que evocam,
quem as produziu, para quem foram produzidas, o que motivou sua realização, que
efeitos produzem em quem as observa e em quem as produz, com que materiais e
recursos foram produzidas, por quais meios, com qual alcance, em quais contextos
e sobretudo com quais repertórios (VICTÓRIO FILHO e BALSTER, 2013, p.58).

Sendo assim, era necessário que cada imagem fosse analisada separadamente, considerando
cada produtor de visualidade, exceto no que se refere ao contexto e à motivação para a realização
do trabalho. Também considerei que minha voz, minhas referências culturais e minha autobiografia
estariam presentes na investigação, na narrativa dessas experiências pedagógicas e na seleção dos
dados visuais. É oportuno ressaltar que foi necessário estar alerta contra o narcisismo que os relatos
pessoais engendram.
Algumas características do trabalho do a/r/tógrafo são observáveis em minha investigação,
destaco três: é um trabalho que repensa e revê o que se passou e o que poderá se passar, a partir da in-
vestigação; é um trabalho que interroga e questiona os próprios preconceitos e crenças; é um trabalho
100

que assume a responsabilidade ética com relação aos participantes da


investigação (IRWIN, 2013).
Estando envolvida com o mundo das imagens e artefatos pro-
Figura 90 a 97- Fotografias de Carlione Ramos - Estudantes do CEM 01 que participaram de grupo focal com a autora, 2013

duzidos pelos estudantes e considerando o aporte das visualidades do


momento contemporâneo, percebi que, para o desenvolvimento dessa
investigação, eu deveria adotar essa metodologia como forma de criar
um diálogo entre as imagens e os relatos das experiências. Tourinho,
levando em consideração o caráter polissêmico das imagens, afirma
que elas não se sujeitam a formatações de modelos de pesquisa, fato
esse, que se considerado, libertaria o pesquisador, já que as imagens na
investigação não seriam meros ornamentos do assunto (2013, p.74).
Como forma de entremear meu discurso às vozes dos estu-
dantes envolvidos na ação pedagógica, retirei uma pequena amostra-
gem de 26 estudantes para participar da investigação. Grupos focais,
pequenos grupos de ex-estudantes, foram reunidos para relembrar as
práticas pedagógicas realizadas, os conceitos abordados e identificar
problemas que escaparam à minha análise. A perspectiva exploratória
permitiu que minha voz se mesclasse às vozes dos estudantes, o que
também me colocou em questão, enquanto arte educadora, da mesma
forma que as práticas educacionais realizadas pelos estudantes.
Também foi considerado, ao longo da investigação, que os da-
dos visuais ganhariam importância se estivessem a serviço da própria
investigação, não como meras ilustrações alusivas ao trabalho empre-
endido, mas como objetos que têm biografias (APPADURAI, 1986, p.
3-63). Nesse sentido, a foto-elicitação, definida como o processo de
utilização de arquivos fotográficos para despertar memórias, provocar
comentários de informantes no decorrer de uma entrevista (BANKS,
101

2009, p.82), contribuiriam para conferir força às imagens e aos rela-


tos e enriquecer a investigação.
Para enfatizar ainda mais a importância das imagens nessa
investigação, decidi utilizar a A/r/tografia como forma de represen-
tação do conhecimento, quando o ensino, a investigação e a criação
artística possibilitam uma intertextualidade. A a/r/tografia é uma
forma de representação que privilegia tanto texto (escrito) quanto a
imagem (visual) quando se encontram em momentos de mestiçagem
ou hibridização (DIAS, 2013, p.25). Empregar a arte no processo de
pesquisa qualitativa e apresentar as subjetividades como arte popular,
artefatos, visualidades, poesias, formas literárias como dados impor-
tantes para a investigação, não se trata de sobrepor a arte à escrita
(2013, p.25) mas associar a arte à escrita. A partir desse enfoque,
dados visuais, trabalhos artísticos, relatos auto etnográficos e rela-
tos dos ex-estudantes se complementam se contrapõem e se alternam
nessa narrativa que pretende difundir formas alternativas de práticas
pedagógicas consideradas exitosas, no âmbito de uma escola pública
na periferia de Brasília.
Essa decisão, contudo, incorre em riscos, pois a A/r/tografia
é uma metodologia alternativa de pesquisa e que ainda está distante
de ser uma forma de investigação amplamente reconhecida nas insti-
tuições acadêmicas. Utilizar Investigação Baseada em Artes e Inves-
tigação Educacional Baseada em Arte é um procedimento que desafia
as convenções da academia, exploram a compreensão da experiência
humana e das artes e usam um vocabulário novo, que aceita a escrita
em todos os tempos verbais e espaços de representação, desde que
sejam justificados para a pesquisa. Dias reconhece que ainda está em
102

curso, no âmbito acadêmico, o processo de reconhecimento da imagem como produtora de conheci-


mentos.
[...] as universidades lentamente estão buscando contemplar pedagogicamente, e de
modo eficaz, o fato de estarmos vivendo em um mundo tecnológico visual complexo
onde as imagens transformaram-se em um produto essencial para nossa informação
e conhecimento (DIAS, 2008, p.2).

Assim como Dias, Barone e Eisner (1997) se debruçaram sobre o tema e formularam algumas
definições. Entre elas destaco aquela que afirma que a A/r/tografia é um campo de pesquisa que desa-
fia a linguagem contextualizada e vernacular, por utilizar a linguagem expressiva e poética, que tem
a ambiguidade como estímulo e que utiliza a forma estética relacionada ao conteúdo para a apresen-
tação do trabalho. Segundo esses pesquisadores, demonstrar a autoria pessoal pode tornar palpável a
pesquisa com a criação de uma realidade virtual e, desta forma, promover a empatia, um diálogo entre
pesquisador e leitor.

Professora/Investigadora/Artista
Além da linguagem poética e do exercício de buscar na memória a condução dessas práticas
pedagógicas, a investigação também levou em consideração os planos de aula, alguns salvos no meu
computador, outros encontrados no arquivo morto do Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião,
nos diários de classe da disciplina “Artes” dos anos de 2002 a 2007. Em uma primeira análise, percebi
que as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos e elencadas nesses documentos eram
representadas por números e letras impressas nos diários. Esse procedimento exigido pela documenta-
ção escolar dificultou a identificação dos objetivos descritos, por ocasião da realização dos projetos e,
uma vez que estavam previamente identificados pela SEEDF, eram muito gerais e não correspondiam
exatamente às iniciativas desenvolvidas. Apesar dessas dificuldades, pude obter informações impor-
tantes a partir de apresentações de slides em Power Point dos projetos enviados em 2005 e 2006, para
concorrer ao Prêmio Arte na Escola Cidadã, promovido pela Fundação IOSCHPE/Bradesco.

Figura 98- Fotografia da autora de sua página em rede social, 2013


103

Alguns projetos, como o “Xadrez Jogo da Vida” e o “Livro-Objeto” que concorreram ao prê-
mio, encontraram uma documentação bastante completa, mas, o projeto “Cordel” carecia de registros
em meu computador, pois datava de 2004. Foi encontrado, contudo, um artigo publicado no Correio
Braziliense que enriqueceu a investigação, pois a experiência era descrita a partir da perspectiva de
outra pessoa, a do jornalista Rafael Torres, e o artigo foi inserido à investigação, como forma de ilus-
tração da repercussão do trabalho e como ponto de vista isento de envolvimento emocional.
Em virtude destes problemas já identificados e da profusão de imagens e trabalhos encontra-
dos, o depoimento dos ex-estudantes secundaristas se fazia mais do que necessário, a fim de recolher
descrições do processo, impressões, sentimentos relacionados aos projetos e a condução do trabalho
em sala de aula e, assim, tornar a investigação mais confiável.
Para entrar em contato com os ex-alunos, postei em minha página no facebook uma solicita-
ção para que os ex-estudantes se reunissem comigo no “Chicão” (Centro Educacional São Francisco
em São Sebastião), escola que atualmente dirijo.
Minha opção em fazer o levantamento de dados por meio de grupos focais junto aos ex-estu-
dantes do “Centrão”(Centro de Ensino Médio 01
de São Sebastião) se deu pelo fato de esta ser a
técnica apropriada para identificar sentimentos,
percepções, atitudes sobre os projetos desenvol-
vidos, e pelo fato desses grupos possibilitarem a
participação e a interação entre os envolvidos no
processo. Pude contar, inicialmente, com 10 ex-
-estudantes que se prontificaram a participar da
experiência.
Após ter escolhido os projetos, o pró-
ximo passo do trabalho foi selecionar, entre as
centenas de imagens armazenadas em dezenas
de CDs, cinco pendrivers, um HD externo, etc.,
aquelas imagens que seriam vistas ou revistas pe-
los estudantes e que serviriam para ativar suas
memórias, haja vista que se passaram entre cinco
e dez anos, desde o desenvolvimento dos projetos
elencados. A escolha das imagens foi sem dúvida
o trabalho mais importante da investigação, uma
vez que essas imagens, por si sós, já imprimiam a
trajetória da narrativa e direcionaram o relato dos
estudantes. A estratégia de mostrar as fotos para
os estudantes foi espontânea, uma metodologia
de utilização de dados visuais em pesquisas qua-
litativas denominada foto-elicitação.

Figura 99- Fotografia de Carlione Ramos de grupo focal com foto-elicitação


105

A foto-elicitação é um método simples de compreender mas bem mais difícil de uti-


lizar. Envolve o uso de fotografias para evocar comentários, memória e discussão no
decorrer de uma entrevista semiestruturada. [...] memórias vagas podem ganhar foco
e acuidade, desencadeando um fluxo de detalhe. Segundo John e Malcolm Coillier
(1986, p. 105-107), um benefício adicional é que a timidez que uma pessoa entrevis-
tada pode sentir ao ser posta em evidência e examinada pelo entrevistador pode ser
diminuída pela presença de fotografias para discutir (BANKS, 2009, p.89).

Efetivamente a utilização das fotos para ativar a memória dos entrevistados culminou numa
experiência valiosa para todos, mas bastante confusa para mim, em virtude dos diálogos terem se
deslocado muitas vezes para aqueles que não estavam presentes, com alguém contando o que sabia
de cicrano ou beltrano.
Em virtude dessas conversas paralelas, uma cacofonia se estabeleceu, em alguns momentos.
Para reverter essa situação não prevista, foi preciso chamar constantemente os participantes para o
foco da investigação, algo complicado quando se reúne dez ex-estudantes simultaneamente e cria-
se um evento. Outro problema identificado foi o teor das perguntas que, em virtude do vocabulário
empregado, muitas vezes, não era compreendido pelos estudantes, gerando dúvidas e dessa forma
as respostas não correspondiam ao que tinha sido perguntado. Apesar das dificuldades, o trabalho
rendeu alguns resultados perceptíveis como as afirmações dos estudantes de que os projetos haviam
determinado mudanças em suas vidas, além disso, o encontro também serviu para balizar os nossos
novos encontros.
Nessa ocasião, foi apresentado aos participantes, por meio de um datashow, uma seleção
de imagens. A partir da identificação dos estudantes com determinadas imagens a estratégia foi rea-
grupar os ex-estudantes de acordo com os projetos que eles haviam participado, a fim de garantir a
geração de ideias e opiniões espontâneas e a sinergia entre as pessoas.
Considerei também fazer entrevistas individuais e questionários porque um dado fundamental
para a investigação era saber qual ou quais projetos cada estudante havia participado. Muitos estudan-
tes deixavam a escola em virtude de ter que trabalhar para ajudar a família e passavam a estudar no
106

turno noturno, muitos não concluíam o terceiro ano do Ensino Médio. Outros tiveram aulas comigo
somente um ano e não experimentaram outros projetos implantados nos anos seguintes. Além disso,
quanto menor fosse o número de projetos analisados, menor seria o número de estudantes a participar
da amostra. Por isso, o trabalho de investigação considerou esses cinco projetos que permitiram a
amostra de vinte e seis (26) estudantes.
Os questionários me ajudaram a organizar os depoimentos, levando em consideração cada
projeto. Da mesma forma, foi possível coletar relatos escritos a respeito das experiências pedagógicas
vividas de forma mais pessoal, sem a interferência do grupo. Observei que muitos depoimentos foram
interrompidos pelas vozes de outros estudantes nas gravações dos grupos focais e a estratégia de ela-
borar os questionamentos para obter respostas por escrito permitiu otimizar o tempo e obter respostas
mais precisas.
O planejamento prévio é parte importante do processo de investigação. Para tanto, a definição
clara do objetivo da investigação é condição obrigatória para o sucesso da empreitada, bem como
escolher participantes que consigam se expressar bem e que se sintam confortáveis em compartilhar
ideias e sentimentos. A investigação visa dimensionar se determinado projeto ou se os projetos foram
significativos para os estudantes e por quê? Se o projeto vivenciado ou os projetos desenvolvidos con-
tribuíram para a formação artística e intelectual dos meninos e meninas? Enfim, se proporcionaram
agência e uma crítica cultural e social?
Como forma de conseguir respostas mais condizentes ao que estava sendo perguntado, em
virtude da limitação vocabular dos estudantes, ao invés de questionar quais projetos tinham sido
“significativos”, preferi refazer a pergunta: “quais projetos artísticos vocês lembram e porque vocês
lembram desses e não de outros?” Ao invés de perguntar quais projetos se relacionavam com a pe-
dagogia cultural e a cultura visual, elaborei de outro modo a pergunta: “quais projetos levavam em
consideração, traziam para a escola, o conhecimento que vocês ganhavam da televisão, da família, da
publicidade, e das imagens da vida cotidiana?” Ao invés de perguntar quais projetos pretendiam fazer
um questionamento da realidade e fomentar a crítica social e agência, perguntei simplesmente: quais
projetos queriam criticar as coisas que estão acontecendo na cidade e com as quais você não concor-
da? Tomou alguma atitude em relação a essas coisas? Essas práticas contribuíram
para sua formação como pessoa e como cidadão? Porque você lembra das práticas
de arte na escola? Você gostou de trabalhar com projetos? O que difere o trabalho
com projetos das práticas convencionais em sala de aula? O que é uma boa aula
de Arte para você? O que chamou sua atenção na aula de arte? O que é um bom
professor? O que você levou das aulas de arte para sua vida? O que você trouxe da
sua vida para as aulas de arte? Qual conteúdo da história da arte você lembra? Você
utilizou esse conteúdo na sua vida? Como? Em que medida a escola te ajudou a se
tornar o que você é hoje? A escola foi importante para você? Porque?
Um segundo encontro foi marcado com cinco ex-estudantes do “Centrão”
(Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião), alguns dias mais tarde. Solicitei
a uma das meninas que fizesse os contatos e, sendo assim, eu não saberia quem
estaria presente. É claro que os ex-estudantes que ainda mantém contato comigo
são aqueles que, de forma direta ou indireta, foram marcados por minhas práticas
pedagógicas. Foi marcante reencontra-los e conversarmos sobre o que tinha signi-
ficado as aulas de arte para eles no decorrer do percurso de suas vidas.
O fato de trabalharem atualmente com a arte ou com a educação fez com
que as pessoas que compareceram para participar do grupo focal se sentissem de
alguma forma reconhecidos por suas atividades e atuações. Alguns dos ex-estu-
dantes secundaristas que participaram de um dos grupos focais, atuam na área de
cultura em São Sebastião, outra ex-aluna é atualmente estudante do Instituto de
Artes da UnB, outra participante, após o ensino secundário se formou em Artes
Visuais pela FADM (Faculdade de Artes Dulcina de Morais) gerida pela Fundação
Brasileira de Teatro, passou no concurso da Secretaria de Educação, mas não quis
permanecer por não se enquadrar no sistema educacional. Compareceu também
outra ex-estudante, hoje caixa de supermercado, essa, transformou seu corpo em
expressão artística com dezenas de tatuagens. Outro partícipe do grupo focal é

Figura 100 a 103- Fotografias de Carlione Ramos de ex-estudantes do CEM 01 preenchendo question-
ários para a dissertação da autora, 2013
108

atualmente jornalista, blogueiro, militante cultural na comunidade e mentor de uma ONG chamada
Radicais Livres, além desses, uma pedagoga formada pela Universidade de Goiás e futura candidata
às próximas eleições para a Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Vale sempre ressaltar que as questões para esses participantes foram elaboradas com o objeti-
vo de dimensionar a importância das iniciativas pedagógicas de cunho cultural na vida do estudante,
seja na época em que foram realizadas, seja depois disso, averiguando também as consequências da
aprendizagem ao longo do tempo.
Nesse contexto, de sensações e pensamentos provenientes das práticas em sala de aula, de
resultados emocionantes da investigação, do conhecimento mais aprofundado do outro e de si pró-
prio não foi possível me permitir a neutralidade, a isenção ou o distanciamento. Fato que se reflete na
escolha da primeira pessoa, consequência natural da narrativa de experiências pessoais, de emoções
relacionadas à docência.
Ao final desses primeiros encontros, pude avaliar que, apesar da investigação não ter objetivos
conclusivos, ela foi válida e pertinente, uma oportunidade de reflexão compartilhada entre os sujeitos
da educação. Tal qual ocorreu no processo educacional em questão que, à época, se apresentou como
via de diálogo entre linguagem estética e ação artística, entre conhecimento, reflexão crítica e polí-
tica. A cultura visual e em seu âmbito a arte contemporânea tornou-se o referencial e esteio de uma
metodologia pedagógica política propulsora de ação criadora, com pretensões de empoderamento dos
sujeitos e transformação social.
A partir desse encontro, mais outra reunião foi marcada então, para possibilitar que o diálogo
fosse mantido e que novas análises pudessem ser levadas à cabo. No evento, criado no Facebook, 64
ex-estudantes do Centrão confirmaram presença. Considerei então que não seria possível trabalhar
mais uma vez com grupo focal levando em consideração o grande número de participantes na inves-
tigação e elaborei um questionário para que, dessa forma, todos pudessem contribuir com a investi-
gação e principalmente para que respondessem de qual projeto ou quais projetos haviam participado.
Reuniram-se comigo no final de semana, no auditório do Chicão, na data e hora marcada,
somente doze (12) ex-secundaristas, entre esses, uma estudante que já havia participado do grupo
109

focal. De novo, rever aqueles meninos e meninas, agora homens e mulheres, foi um momento impar.
Reconhece-los maduros ou não, trabalhando ou não, formados ou não, produtivos ou não, emociona
e faz pensar sobre minha atuação como professora e a validade do processo educativo. Em todo caso,
a ocasião transformou o encontro em um evento, um momento de grande alegria, além de, mais uma
ocasião para reflexão e análise das minhas práticas pedagógicas.
Mais uma vez, a estratégia da foto-elicitação conduziu nosso reencontro através do vínculo
estabelecido pelas práticas pedagógicas do passado. Memórias gastas e quase apagadas pelo tempo
eram iluminadas e ressignificadas por outras lembranças que as imagens proporcionavam e se produ-
zia mais outra narrativa, novos relatos que se entrecruzavam se entremeavam e se enriqueciam.

Figura 104- Fotografia de José Eugênio Dayrell, estudantes e professora/autora no CEM 01 em 2005.
As práticas de pesquisa a/r/tográfica não são só adicionadas à vida do investigador, mas antes
“são” a vida do investigador (IRWIN, 2013), a partir dessa perspectiva, o evento proporcionado pela
investigação trouxe minha vida profissional e minha relação com os estudantes à tona, estava ali sen-
do avaliada com tanta alegria e sinergia que passaram a fazer parte de minha vida no presente. Trata-
-se de uma pesquisa vivencial ou living inquiry e tem minha história de vida como pano de fundo.
3
LivRo oBJetO
112

Como abordar arte contemporânea”, considerando a cultura local e a necessidade de letramen-


to dos estudantes? A partir dessa pergunta, em 2006, no Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião
elaborei um projeto intitulado “Livro-Objeto”. Considerei que a maioria dos estudantes que chegam
ao Ensino Médio não dominam a redação e têm dificuldades graves na interpretação de textos. Diante
dessa realidade, ater-me e tratar o conteúdo da arte contemporânea sem considerar como ponto de
partida a cultura dos estudantes pareceu-me um despropósito. Propus aos estudantes, portanto, que
entregassem suas autobiografias considerando o conceito de livro e o de objeto artístico.

O livro-objeto foi a proposta de trabalho aos estudantes como a fusão de inúmeras possibili-
dades: imagem, escrita e suporte, que ultrapassam o conceito de livro, um híbrido da literatura e artes
visuais. Provavelmente uma peça única, ou produzida com poucos exemplares. Essa proposta teve
em Haroldo de Campos, Hélio Oiticica, Augusto de Campos, Júlio Plaza, no grupo Fluxus, em Artur
Barrio entre outros, as manifestações mais contundentes. Os neoconcretistas levaram a extremos
esses exercícios vanguardistas. Os “Poemóbiles”, “Objetos Poemas” e “Caixa Preta” de Augusto de
Campos, foram os exemplos dessas manifestações apresentadas aos estudantes, assim como o “Livro-
-Carne” de Artur Barrio.
Busquei formas de relacionar a arte moderna e contemporânea ao ideário imagético dos es-

Figura 106- “Poemóbiles”, Augusto de Campos, 1968


tudantes fazendo links e conexões a partir dos temas que cada
obra abordava. Um exemplo: no catálogo da Bienal de Arte de
Lyon na França, figurava a poesia concreta de Haroldo de Cam-
pos, onde se lia na legenda – “Texto como obra artística”. Esse
título conduziu a investigação para o planejamento das aulas
que se seguiriam. Outras imagens também vieram se somar ao
conceito de livro-objeto, como “O Vôo Noturno” de Waltércio
Caldas de 1967 e o manto de Antônio Bispo do Rosário. Tam-
bém fiz uma retrospectiva sobre a utilização de livros como
suporte de obras artísticas: William Blake, no século XVIII,
Marcel Duchamp e Apollinaire no início do século XX, na dé-
cada de 50 com as edições de Dieter Roth e na década de 60
com os livros de Ed Ruscha.
Fiquei tão empolgada com a investigação, que transfor-
mei o projeto livro-objeto no trabalho principal do bimestre,
com o título “Eu, identidade em construção”. Imaginei que,
dessa forma, a disciplina Arte pudesse levar em conta a cultura
dos estudantes materializada em suas criações e contribuir para
despertar no estudante outro olhar sobre a arte e sobre livros.
Propor algo assim foi uma ousadia. Trabalhar com
todas as turmas do Ensino Médio, tornar o trabalho artístico
transdisciplinar pareceu aos demais docentes algo muito pre-
tensioso que significava, além de tudo, aumentar o volume de
trabalho do professor. Sendo assim, o projeto não contou com a
adesão dos profissionais de língua portuguesa. Mas decidi exe-
cutar o projeto desconsiderando as críticas.
Naquele momento, poderia ter contra argumentado jun-

Figura 107 a 110- De cima para baixo: “Prière de toucher”, Marcel Duchamp, 1947
– “Kinderbuch”, Dieter Roth, 1975 - “Propaganda política dá lucro”, Grupo Poro,
2002 – “A natureza dos jogos” Waltércio Caldas, 1975
to a coordenação da escola e o grupo de professores em questão, sobre
os debates levantados pelas teorias pós-críticas e educação, uma vez que
a proposta do projeto se relacionava aos Estudos Culturais, mas não o
fiz. Tampouco defendi a pedagogia cultural derivada das teorias pós-críti-
cas, que direcionavam o trabalho docente para novas abordagens e novas
práticas. Corazza defende o currículo como um processo em construção
(2001) e dar ênfase ao papel da linguagem e do discurso seria o caminho
a percorrer. Considerei apenas que não valia a pena trazer a tona, naque-
le momento, um debate que não encontrava interlocutores, sobre teorias
praticamente desconhecidas pelos meus colegas.
A integração entre as áreas do conhecimento, a qualidade da in-
formação, o desenvolvimento de projetos criados em equipe com a par-
ticipação de docentes e discentes, a exploração das habilidades naturais
dos estudantes, o resgate de suas habilidades já adquiridas, a construção
do conhecimento de forma contextualizada e a opção de escolher de que
forma os estudantes apresentarão os resultados de suas investigações po-
dem motiva-los e fortalecer o estabelecimento de um maior vínculo com
as práticas artísticas e instituições de ensino.
Assim, o projeto, os resultados de suas investigações e suas apli-
cações práticas poderiam ser apresentados para a comunidade escolar na
forma de um evento para a divulgação das iniciativas e o compartilha-
mento de experiências. Tourinho amplia o debate e leva em consideração
as experimentações que a educação contemporânea propõe:

Figura 111 a 113- Fotografias da autora de “Autobiografias ilustradas” dos estu-


dantes do 1º ano EM, 2006
115

Figura 114- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007


Nas manifestações dos estudantes, não são apenas as experiências visuais que ocu-
pam seus desejos. Tocar violão, dançar, atuar, escrever poemas e grafitar também são
registros que apontam para um cotidiano que agrega múltiplas sensações, reforça
combinações perceptivas e as des-hierarquiza na tarefa de ser-no-mundo e de fazer-
-mundos. [...] integrando linguagem, narrativa, observação, interpretação, questiona-
mentos e crítica às práticas de sala de aula (TOURINHO, 2008, p. 79).

A utilização da pedagogia cultural entendida por Tourinho (2008), de forma poética, como
“tarefa de ser-no-mundo e de fazer-mundos”, tem sido adiada em função dos preconceitos que ainda
estão associados a arte na educação, colocando em risco qualquer iniciativa nesse sentido. Questiona-
mentos sobre a importância e a relevância da arte e da cultura visual como protagonistas do processo
de ensino-aprendizagem são frequentes, em especial entre os docentes de outras disciplinas e até
mesmo aqueles professores de artes visuais e cênicas que não se sentem confortáveis com os projetos
de trabalho e menos ainda com as análises críticas da cultura e sociedade de consumo, como sinaliza
a cultura visual. Apesar de todos os problemas de identidade que a escola enfrenta nesse momento de
transição paradigmática, os docentes se sentem mais seguros ao reivindicar uma pedagogia mais tra-
dicional. Esse posicionamento não disfarça uma oposição declarada do trabalho conduzido por meio
da cultura visual, da análise dos discursos que as imagens trazem e do reflexo de suas manifestações
116

no comportamento dos estudantes.


Como considerei o saber do outro e pretendi qualificar sua aprendizagem, introduzi conceitos
e relativizei outros conceitos estabelecidos como “verdades” e ainda considerei seus saberes e expe-
riências. Quando suas vozes se fazem ouvir, posso perceber que suas vivências e posicionamentos
em relação à cultura são irrefutáveis constatações de que a cultura do estudante se misturou à minha.
Olalquiaga afirma que:
Eles ganharam refinamento e crítica, eu, ganhei o prazer simples do olhar descom-
prometido com a crítica, passando a questionar meu prazer estético e minha sofis-
ticada noção de gosto, bem como minha fina sensibilidade que foi dada e garantida
por uma educação possibilitada pelo dinheiro (OLALQUIAGA, 1998, p.11).

Felizmente, encontrei na professora de artes cênicas, Ghi-


sa Porto, a abertura para conduzir o trabalho conjunta-
mente. O projeto contou também com o apoio da direção
da escola, que me animou consideravelmente. Em ne-
nhum momento, é preciso ressaltar, acreditei tratar-se
de uma tarefa fácil, mas, também não considerei que
os estudantes não seriam capazes de escrever, como
havia sido argumentado pelos colegas de língua por-
tuguesa. Ao contrário, acreditei que a cultura do es-
tudante o conduziria espontaneamente aos relatos e
que conhece-los melhor, traria ganhos excepcionais
para a condução do trabalho em sala de aula.
Nesse sentido, Silva, T.T. defende que
a cultura pode ser interpretada como pedagogia,
assim como a pedagogia (a escola, por exemplo)
pode ser compreendida como uma forma de cul-
tura.

Figura 115- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano


EM, 2007
O que caracteriza a cena social e
cultural contemporânea é precisa-
mente o apagamento das fronteiras
entre instituições e esferas ante-
riormente consideradas como dis-
tintas e separadas. Revoluções nos
sistemas de informação e comuni-
cação, como a internet, por exem-
plo, tornam cada vez mais proble-
máticas as separações e distinções
entre o conhecimento cotidiano, o
conhecimento da cultura de massa
e o conhecimento escolar. É essa
permeabilidade que é enfatizada
pelos estudos culturais (SILVA,
1999, p.142).

Assim o conhecimento do estudante, as ima-


gens que compunham suas identidades e as histórias
que contavam de suas vidas, como recomenda Silva, foram valorizados, tal qual defende os Estudos
Culturais. Permitiu-se ainda aos estudantes que mantivessem o anonimato em seus relatos, caso de-
sejassem, o que não aconteceu.
Apesar de estarem no Ensino Médio, os estudantes apresentaram, e ainda apresentam dificul-
dades com a leitura, interpretação e produção de textos. Em alguns momentos, eles não conseguem
organizar e expressar as ideias de forma clara e inteligível. Essa deficiência muitas vezes é causada
pela desestruturação familiar, pelo fato de os sujeitos da ação pedagógica não terem acesso à litera-
tura de qualidade, e, principalmente, por viverem em um meio onde as pessoas falam e escrevem de
forma espontânea, sem o emprego da norma culta.
A avaliação que, os problemas relacionados ao letramento dos estudantes decorrem princi-
palmente da falta de familiaridade com o tema proposto, pois é bastante difícil escrever sobre algo
que não se conhece. Nesse sentido, o tema “Eu, identidade em construção” deveria possibilitar uma

Figura 116- Fotografia da autora de Livro-objeto de Magnon de Souza, 2007


escrita fácil e fluida. Para não cercear a liberdade de expressão e esti-
mular o exercício da escrita, a avaliação não levou em conta os erros
gramaticais e ortográficos, embora os tenha apontado.
Sendo assim, optei pela pedagogia cultural caracterizada pela
utilização das mídias (TAVIN, 2010; DIAS, 2011) para seduzir a au-
diência, contextualizar a experiência e propor a (re)construção da
identidade. Para que o texto de sua identidade fosse tratado de forma
plástica, solicitei aos meninos e meninas que ilustrassem seus textos
com imagens. Imagens produzidas pelos próprios estudantes ou aque-
las imagens apropriadas da mídia e retrabalhadas e ressignificadas em
outro contexto. O objetivo era a construção de relatos em permanente
transformação, reconstrução. Considerei na época que o projeto po-
deria ser um ato de solidariedade e resistência. Resistência contra os
valores do capitalismo contemporâneo como se refere Freitag-Rounet
:
Os valores já estão dados, predeterminados, e o
problema será não tanto sua busca mas a resistên-
cia ou a contraposição de alternativas que estão
sendo buscadas. Contudo, as pessoas talvez não
tenham – na condição de indivíduos – capacidade
de redefinir e reorientar esses valores (FREITAG-
-ROUANET, 2002, p.29).

Freitag-Rouanet se refere a essa nova sociedade que utiliza os


valores das empresas, da economia global, os recursos globais e que
criam um novo tipo de sociedade que modela as identidades dos es-
tudantes que, por sua vez, tornam-se reféns desses valores, que preci-
sam ser criticados pelas atividades plástico-pedagógicas. Recriações
da autoimagem a partir de reproduções geradas pelas mídias, onde os
Figura 117 a 119- De cima para baixo: “Flux Kit”, George Maciunas com contribuições de
Watts, Shiomi, Brecht, Knowles, etc., 1965 – “Sem título” da série objetos gráficos, Mira
Shendel, 1973 - Livro de carne, Artur Barrio, 1978
119

estudantes se identificam e se inserem podem ser ressignificadas, com o auxílio da informação corre-

Figuras 120 a 121- Da esquerda para a direita: Poemóbile, “Abre”, Augusto de Campos
ta.
A estratégia foi abraçar a cultura, as práticas e experiências da vida dos indivíduos, introduzir
novos hábitos, relativizar modos de proceder e ampliar repertórios, na produção de conhecimento
intelectual, artístico e valores para discutir e analisar a cultura das imagens, a fim de compreender a
sociedade na qual estamos inseridos. Essa estratégia foi acertada, uma vez que a atividade era espera-
da pelos estudantes. Muito diferente do que escrever sobre um tema que desconhecem ou que não se
identificam escrever sobre si mesmo é falar sobre o assunto que mais dominam.

e Júlio Plaza, 1968 – “Verde”, Ferreira Gullar, 1959


Imagens da Poesia Visual, como os “Caligramas” de Apolinaire, “Rio” de Arnaldo Antunes,
“Coração Cabeça” e os “Poemóbiles” de Augusto de Campos, “Cristal” de Haroldo de Campos,
“Erva” de Ferreira Goulart e outras imagens, utilizando frases, palavras e imagens foram mostradas
aos estudantes, na tentativa de dar referências aos estudantes e estimular a criatividade. A obra “livro
carne”, de Artur Barrio, o grupo Fluxus e George Maciunas inspiraram o trabalho do quarto bimestre
de 2006. Foi uma oportunidade para conhecer o movimento artístico que rompeu as barreiras da arte,
como manifestação plástica para incluir também a música e a literatura de forma integrada.
Além da arte contemporânea ter sido o referencial adotado para o trabalho, considerei tam-
bém a mídia como suporte imagético para a construção das identidades. Tal qual Costa que define os
lugares de atuação pedagógica e de cultura como espaços de poder ampliando abordagens e não se
restringindo ao âmbito escolar com o currículo estabelecido.
(..) “áreas pedagógicas”
entendidas como aqueles
lugares onde o poder é
organizado e difundido,
incluindo-se bibliotecas,
TV, cinemas, jornais, re-
vistas, brinquedos, pro-
pagandas, video-games,
livros, esportes, etc.” [...]
neles se tem buscado es-
quadrinhar seus “ensina-
mentos”, pertencentes a
uma gama também muito
variada, partindo daqueles
referentes à própria edu-
cação (escola, “progres-
so”, professor, estudante,
etc.) [...] e se espraiando
para outros campos, como
as lições sobre o bem e o
mal, sobre masculinidade,
sobre o que é ser mulher,
sobre o que é ser índio, so-
bre o que é nação, sobre o
magistério e a identidade
nacional, sobre o que é a
natureza, sobre tecnolo-
gia, sobre o nosso corpo,
sobre a genética, sobre
como a nossa relação com
os animais nos constitui
“humanos”, etc. (COSTA,
2005, p.115).

Figuras 122 a 123- Da esquerda para a direita: “Jeune filles a Chapullepec” – “Il pleut”
– Caligramas, Apollinaire, 1918
Figuras 124 a 126- Da esquerda para a direita e de baixo para cima: Caligramas, Guil-
laume Apollinaire, 1918- “Blessés de la guerre”-“Les profondeurs”-“Léopold Survage”
121

Questionar padrões culturais e coloca-los sob suspeita, assim como sugere Costa, foi um dos
objetivos do projeto. Contudo, o tempo de questionamentos, de leitura de textos complementares não
foi considerado durante a elaboração do projeto, tempo esse julgado importante para que o estudante
pudesse refletir sobre si mesmo e sua relação com a comunidade. Levou-se esse fato em consideração
quando retomamos o projeto no início do ano seguinte.
122

Autobiografia ilustrada

A ideia do livro-objeto demonstrou ter sido, no entanto, um conceito parcialmente compreen-
dido pelos estudantes, pois, para eles, o livro é uma reunião de folhas impressas presas por um lado e
enfeixadas ou montadas em capa e depois publicada. Por sua vez, objeto se define como coisa, peça,
artigo de compra e venda, tudo o que é perceptível por qualquer dos sentidos segundo a definição do
Dicionário Aurélio (2002).
Para cumprir com a tarefa demandada, os estudantes compraram um pequeno caderno, muitos
deles de capa dura no formato A5 com 200 páginas ou 100 folhas, porque se assemelhava mais a um
livro, segundo eles. Bastou os primeiros estudantes trazerem para a sala de aula o caderno no formato
de um livro de 200 páginas para que muitos outros imitassem a iniciativa. Surpreendente foi perceber
que o fato de se tornarem escritores de suas histórias os desafiava mais do que produzir um objeto
artístico.
Nesse momento, percebi que mais importante do que a instalação que eu havia concebido
dos livros-objeto, estava o desejo dos estudantes de se expressarem na forma escrita. Era necessário,
portanto, considerar a dificuldade de interpretação e escrita, trabalhar com os estudantes e ajuda-los
na construção de suas autobiografias ilustradas. Essa prática pedagógica é chamada também de Me-
todologia de Histórias de vida, Hernández, Tourinho e Martins desenvolveram um projeto semelhante
com seus estudantes.

Há quatro anos começamos a propor que a História do Ensino da Arte não tinha por-
que ser tratada como algo que ‘estava fora’, distante de quem a estudava. Passamos
a considerar que os alunos da disciplina não apenas formavam ‘parte da história’ mas
eram sujeitos ‘com história’. Isto nos permitia desenvolver uma história encarnada
nas relações, experiências e trânsitos dos alunos, ao mesmo tempo em que nos abria
para a necessidade de outras maneiras de fazer história. [...] Na primeira parte deste
ateliê os estudantes começaram a escrever e visualizar suas histórias de vida em re-
lação a este ensino (HERNÁNDEZ, TOURINHO, MARTINS, 2006).

Assim como eles decidi, que a escrita e a visualização das histórias de vida dos estudantes se-

Figura 127- Composição da autora e Yuri Paranhos a partir de fotografias de diversas


capas de autobiografias ilustradas dos estudantes, 2006
124

ria uma forma de considera-los como sujeitos ‘com história’. Essa estratégia seria um primeiro passo
para se trabalhar a posteriori o conceito artístico do livro-objeto. Como os estudantes estavam muito
motivados pelo desafio, decidi redefinir nosso planejamento, para instrumentaliza-los melhor para a
execução da tarefa, para norteá-los na construção do livro. Para tanto, escolhi uma autobiografia para
ler com os estudantes em sala de aula, a fim de exemplificar como um relato autobiográfico foi con-
duzido.
A escolha da autobiografia de José Luiz Tejon Mejido (2006) se deu por se tratar de uma pes-

Figura 128- Fotografia de Autobiografia ilustrada de estudante do 1º ano EM, 2006


125

soa proveniente da periferia de São Paulo, habituado ao convívio com os seus problemas. Sua vida
se assemelhava às vidas dos estudantes, além disso, sua história de superação após o acidente que
queimou seu rosto e o deformou seria um incentivo para os estudantes superarem as adversidades da
qual eram vítimas. Morar em periferia, ter problemas na família ou estudar em escola pública não
é sinônimo de fracasso. No caso desse autor, seu percurso o conduziu à editoria de um dos maiores
jornais de São Paulo, o “Estadão”. É possível superar barreiras, escolher dar sempre o melhor de si
em tudo o que fizer e ser feliz.
O trabalho se concentrou, em um primeiro momento, na elaboração de questionamentos que
seriam respondidos pelos estudantes após a leitura de cada capítulo do livro que era lido em voz alta
em sala de aula. Também nos concentramos nas técnicas de redação e composição de textos simples
que partiram das questões levantadas.
Figura 129- “FMI- Revisitando Cildo Meireles”, Grupo Poro, 2002
126

QUADRO (1- Roteiro para construção da autobiografia ilustrada.)


Conte sobre o seu nascimento. Como, quando, onde você foi concebido?
Conte uma passagem marcante de sua vida onde você se sentiu excluído...
Fale sobre a escola e sua turma.
Fale do seu abrigo seguro, onde é (Família, amigos...)?
Como você vence seus problemas?
Descreva uma situação difícil que tenha enfrentado.
O que você faz para vencer a discriminação?
Você tem uma rotina? Descreva sua rotina.
Você sempre faz tudo igual?
Você faz só “pro gasto” ou dá o melhor de si?
Você ama sua vida?
Como você lida com as mudanças?
O que você quer ser? O que você quer ter?
Você já teve um primeiro amor?
Você costuma ver mais seus pontos fracos ou os seus pontos fortes?
Quais são seus pontos fortes? Quem eleva sua autoestima?
Você já foi punido alguma vez? O que você fez de grave?
Você já lutou para conquistar alguma coisa ou alguém?
Você tem ou teve inimigos em sua vida? Como seus inimigos te ajudaram a crescer?
O que é realmente importante na sua vida?
Você gosta de estudar ou estuda por obrigação? Qual a sua matéria favorita? Qual a matéria que você tem mais
dificuldade? Tem algum assunto que gostaria de saber mais?
Qual é o seu sonho? O que está fazendo para realizá-lo?
O que está acontecendo no mundo agora? Como você vê o momento político do Brasil?
A política interfere na sua vida?
Você tem medo de quê?
Você se coloca no lugar do outro antes de julgá-lo?
Você sabe ouvir? Conte uma história relacionada...
Você tem heróis ou ídolos?
Você sabe ou gosta de trabalhar em equipe? Você valoriza e confia no trabalho dos companheiros de equipe?
Como você usa o seu tempo e o dos outros?
Qual a sua receita para ser feliz?
Como você vê a morte?
Quais foram as maiores vitórias de sua vida?
Quem é o maior exemplo de superação na sua família ou entre as pessoas que você conhece e ou convive?
Você gostou de desenvolver este projeto?

A identificação com os textos do autor emocionava, fazia refletir e gerava os relatos de fatos
semelhantes vivenciados pelos estudantes. O relacionamento entre professor-estudante e estudante-
127

-estudante melhorou consideravelmente. Conhecer a si mesmo e ao outro torna mais fácil a convi-
vência. Huxley escreveu que se a maior parte de nós permanece ignorante de nós mesmos, é porque
o autoconhecimento é doloroso e preferimos os prazeres da ilusão. O mesmo autor cita Fénelon em
seus escritos para tratar da importância do autoconhecimento:
A medida que a luz aumenta, vemo-nos piores do que pensávamos. Espantamo-nos
com nossa cegueira anterior à medida que vendo saindo de nosso coração todo um
enxame de sentimentos vergonhosos, como répteis nojentos escapando de uma ca-
verna escondida. Mas não devemos nos espantar nem perturbar. Não somos piores
do que éramos; pelo contrário, somos melhores. Mas enquanto nossos erros dimi-
nuem, a luz com que os vemos fica mais clara e nos enchemos de horror. Enquanto
não há sinal de cura, não temos consciência da profundeza de nossa doença; estamos
em um estado de cega presunção e dureza, presa do autoengano. Enquanto vamos
com a corrente, não temos consciência de seu curso rápido; mas quando começamos
a segui-la menos, mesmo um pouquinho, ele se faz sentir (FÉNELON Apud HUX-
LEY, 2010, p. 246).

Trabalhar o conhecimento de si próprio, como sugere Huxley, com um público de adolescen-


tes que deseja se conhecer e entender melhor suas reações, possibilitou uma espécie de encantamento
quando cada capítulo do livro de Mejido foi lido e discutido com a turma. Os assuntos descritos no
capítulo passaram a ser opções de temas para serem desenvolvidos nas autobiografias dos estudantes.
Os jovens ficavam atentos, concentrados na leitura. Não é habitual que uma leitura em sala
de aula atraia a atenção dos estudantes. Ao contrário, a leitura de qualquer texto que não se relacione
com suas vivências geralmente provoca o desinteresse. Contrariando todas as expectativas, os estu-
dantes passaram a gostar de escrever sobre suas vidas. O livro-objeto virou uma “febre” na escola!
Muitos estudantes queriam ler as autobiografias dos amigos e colegas.
De minha parte, fui levada a refletir com os estudantes questões éticas e existenciais e, dessa
forma, instigar mudanças de comportamentos, de julgamentos, reforçando a tolerância no ambiente
escolar. Questões como: a exclusão que sentiam quando são discriminados em shoppings, o respeito
à alteridade quando se trata de religião, política ou escolhas sexuais, as gangues e tráfico de drogas,
o furto quando é necessário para a sobrevivência ou quando a necessidade obriga, foram muito deba-
128

tidas. Em algumas salas formávamos um “tribunal do júri” onde “advogados de defesa e acusação”
defendiam seus pontos de vista e onde o exercício da escuta de outro argumento contrário relativizava
“certezas”, mas o que se evidenciava eram relatos de suas próprias experiências.
À medida que lia os livros dos estudantes, passei a conhecê-los melhor e descobri muito
sofrimento e muitos sonhos nessas pessoas. Passei a relacionar o desempenho escolar do estudante
com sua história de vida, me tornei mais compreensiva diante de suas limitações e mais atenta às
suas necessidades individuais. Por fim, avaliei a criatividade, o planejamento gráfico, o acabamento,
a coerência entre os relatos e as ilustrações.
Na verdade, muito mais do que uma metodologia ou uma prática pedagógica, a história do
projeto é composta de centenas de histórias de vidas de jovens da periferia de Brasília. Essa profusão
de livros-objeto representa um processo de construção de identidades, de relatos poéticos, de relatos
de muitas dores, de dificuldades, de frustrações e de muitos sonhos. Cada livro-objeto conta a história
de um desejo, de uma vitória, de uma perda.
O projeto do “Livro-objeto” tocou os pais de uma maneira muito especial. Alguns queriam
ler o que os filhos estavam escrevendo. Outros escreveram mensagens para os filhos, remexeram o
passado, relembraram como tudo começou, reviram álbuns de família. Cartas, cartões e fotografias
saíram dos baús e ajudaram a escrever e ilustrar o livro dos filhos. Ainda houve quem começou a
escrever a própria história ao perceber a importância que tem o registro gráfico ao longo do tempo.
A memória falha, as passagens marcantes se perdem no turbilhão da vida, mas sempre existe algo,
alguma coisa, imagem ou objeto que nos leva de volta ao que fomos e, ao mesmo tempo, nos remet e
ao que nos tornamos.
Diante de tanta riqueza de sentimentos e ideias, falar de avaliação é uma parte interessante
desse trabalho. Foram noites, tardes e finais de semanas alternando o riso e as lágrimas. Encantai-me
com os relatos. O trabalho se tornou prazer. Os resultados impressionantes do trabalho, me levaram a
compartilhar com Mejido os resultados do projeto. Consegui localizar o e-mail do autor, relatei o que
estava acontecendo e o convidei para a tarde de autógrafos dos estudantes, o evento de lançamento do
projeto “Livro-objeto”. Emocionado com o efeito de seu livro, “O voo do cisne”, sobre os estudantes
129

e alunas de São Sebastião, Mejido se deslocou de São Paulo para prestigia-los. A visita do autor e
editor do jornal O Estado de São Paulo tocou e sensibilizou muito os estudantes. Eles se sentiram
valorizados e mais confiantes. No final, não se tratava mais de uma nota, mas de um exercício de
cidadania, de autoconhecimento e de superação. O projeto do livro-objeto mobilizou 600 estudantes,
no último bimestre de 2006.

Figura 130- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2006


Objeto Poético

A história da instalação
“Livro-Objeto de muitas histórias”
foi apresentada à comunidade esco-
lar do Centro de Ensino Médio 01
de São Sebastião em 11 de Julho
de 2007. Esse projeto pedagógico
de Arte começou em 2006 com a
confecção das autobiografias dos
estudantes. A história desse pro-
jeto e dessa instalação é composta
de centenas de histórias de vidas de
jovens da periferia de Brasília e se
materializou em uma “chuva” de
livros-objetos pendurados por fios
de nylon no pátio da escola.
Cada um desses livros-ob-
jeto conta a história de um desejo,
de uma vitória, de uma perda. Em
2006 quando pedimos aos estudan-
tes suas Autobiografias recebemos
centenas de livros. Como os estu-
dantes precisavam ler e escrever
mais e melhor, trabalhamos as prá-
ticas de arte/educação ajudando os
estudantes com o projeto gráfico e a

Figura 131- Fotografia da autora- Livro-objeto de Rafael


Leandro “Taymagoxy”, “Casal”, 2009
elaboração da capa. Também os “apresentamos” à artistas con-
ceituados que, assim como eles, se dedicaram ao livro-objeto.
As autobiografias foram maravilhosas, envolventes e perturba-
doras.
No ano seguinte, em 2007, pedi um livro-objeto entendi-
do como objeto poético. Com o tema: “Eu, identidade múltipla”
solicitei aos estudantes que se identificassem a partir de coi-
sas, que personalizassem objetos que marcassem sua identidade
única e sua trajetória e que os distinguissem dos demais estu-
dantes. Naquele ano, a narrativa literária deveria ser substituída
por uma narrativa plástica, os estudantes deveriam transcender
o conceito do livro para chegar a um objeto artístico. O foco do
trabalho, no início de 2007, foi familiarizar o estudante com a
linguagem da arte moderna e contemporânea. A orientação foi
para que fizessem diversas experimentações na forma, funcio-
nalidade e materialidade. Como referências visuais, os estudan-
tes conheceram e reviram alguns dos trabalhos de artistas como
Waltércio Caldas, Artur Bispo do Rosário, Arthur Barrio, Ar-
lindo Daibert, Marcelo Sahea, Ricardo Aleixo, Cildo Meireles,
Mira Schendel entre outros.
Alguns autores, como Vieira da Cunha, afirmam que
práticas culturais e “produtos” que denominamos Arte Con-
temporânea dificilmente tangenciam a escola e o ensino de arte
(2012, p. 103), contudo, minhas práticas pedagógicas podem
ser consideradas exceção. Minha formação acadêmica inicia-
da na Escola de Belas Artes de Lyon, de orientação concei-
tual, foi marcada pelas manifestações de artistas conceituais

Figuras 132 a 134- De baixo para cima: “Talco Matisse”, Waltércio Caldas, 1978 –
“Manto da Anunciação”, Arthur Bispo do Rosário, 1938 – “Leve”, Marcelo Sahea,
2006
Figuras 135 a 140- De baixo para cima: “De 1 à ∞”, Roman Opalka, de 1965 à 2011- “Love for sale”, Bárbara Kru-
ger, 1980- “Spiral Jetty”, Robert Smithson, 1970 – “Untitled # 466”, Cindy Sherman, 2008- “Como se explicam
quadros a uma lebre morta?”, Joseph Beuys, 1965- “Cahier d’um retour au pays natal”, Daniel Buren, 2008
contemporâneos como Roman Opalka, Daniel Buren, Barbara Kruger, Richard
Long, Claudio Parmiggiani, Robert Smithson, Marina Abramovic, Michelangelo
Pistoletto, Cindy Sherman, Joseph Beuys entre outros. Esses artistas, quando são
apresentados aos estudantes, possibilitam que o conceito de arte seja reconstruído e
os trabalhos artísticos dos estudantes ganham força conceitual e formas inusitadas.
Alguns trabalhos muito ricos conceitualmente pecavam na execução e na
finalização; outros não eram tão elaborados, mas se esmeravam no acabamento;
outros ainda mostravam que o conceito de livro-objeto tinha sido parcialmente en-
tendido. Os estudantes apresentavam o trabalho e, muitas vezes, eu os orientava a
refazê-lo para melhorar a “nota”. Em algumas turmas eu levava muito tempo orien-
tando o trabalho dos estudantes. Como o intuito era fazer uma instalação, decidi
recolher todos os trabalhos. Eles foram se acumulando em uma sala de minha casa a
ponto de, em um determinado momento, não ser possível mais entrar. A escola não
dispunha de espaço para abrigar os Livros-Objeto dos estudantes e eu temia pela
segurança e integridade dos trabalhos.
Essa preocupação se mostrou importante, pois recebi muitos trabalhos sur-
preendentes. Entre esses livros-objeto, uma radiografia de um braço fraturado me
chamou a atenção. O estudante escreveu no Raio X: “Não ande de bicicleta, pode
ser muito perigoso”. Em seu relatório, ele conta o prazer da liberdade que a bicicleta
proporciona, os lugares onde gosta de ir e o acidente descrito em detalhes, quando
um carro o arremessou produzindo-lhe uma fratura exposta. Entretanto, o que mais
Figuras 141 a 145- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano EM, 2007

me impressionou foi a descrição da epopéia do atendimento no posto


de saúde da cidade. Horas e horas com dor, remoção para o hospital e
o descaso no atendimento.
Outra estudante também teve muitos problemas de saúde e con-
tornou as adversidades com humor e garra. Seu livro-objeto parece um
prontuário médico com muitas cartelas de comprimidos já ingeridos,
luva cirúrgica e dezenas de “Atestados de comparecimento” e “Dispen-
sas de trabalho”. Apresentou também um caderno composto de bulas de
remédios.
Os estudantes exploraram o emprego de materiais tradicionais e
utilizaram as mais diversas possibilidades de meios e suportes em suas
construções plásticas. Uma menina usou queijo minas para esculpir um
computador e exaltar o seu amor pela informática. Segundo ela, o prato
de sobremesa com borda de flores a acompanhava desde as suas pri-
meiras refeições e seu alimento preferido era o queijo de Minas Gerais
que sua mãe trazia da casa da avó. Para essa estudante, a combinação de
queijo e informática é imbatível e não existe nada que a defina melhor.
Um outro menino, muito tímido e circunspecto, me surpreen-
deu com um boneco articulado muito bem feito, onde em seu rosto
figurava uma interrogação. Em sua justificativa disse ser como o
Pinóquio, um boneco que quer ser humano e que ainda não sabe
ao certo sua identidade. Durante muitos anos, após esse pro-
jeto, acompanhei pela internet a evolução de seu trabalho
com animações de bonecos articulados. Ele me confi-
denciou que as práticas artísticas do tempo da escola
marcaram para sempre a sua vida e seus interesses
profissionais.
Um trabalho muito sensível e emocionante me impressionou. Ele relata uma
vida destroçada pelo álcool. O livro-objeto desse estudante se apresentou na forma
de uma garrafa de pinga 51, onde narra sua história: o tio morreu de cirrose e o pai
bebe. Acompanha seu trabalho uma investigação relacionada aos malefícios do con-
sumo de álcool e como os familiares de viciados devem proceder. Essa foi a forma
que encontrou para ajudar sua mãe a enfrentar esse problema. E ele e o fez a partir de
um trabalho de escola.
Entre os estudantes, havia um em particular que escrevia muito bem. Seu livro-
objeto foi uma ironia intitulada “O Assassinato da Gramática Portuguesa”. Muito
crítico e criativo esse ex-estudante, que hoje faz letras na UnB, é ativista de uma
ONG chamada SuperNovas, que promove a cultura de São Sebastião. Reali-
zou muitos Saraus na escola que dirijo, atuando em peças de teatro, muitas
delas de sua própria autoria.
A estudante “lindinha” é como as Havaianas: brasileira, gostosa, muito
útil, confortável e recusa imitações. O livro-objeto dessa menina é um par
de velhas sandálias havaianas onde ela escreve uma ode às sandálias que a
levam a tantos lugares maravilhosos e a desencontros com o namorado.
A estudante skatista contou que seu irmão foi buscar argila na olaria
para que pudesse fazer seu livro-objeto. Ela é da tribo SK8 e um tênis de
skatista esculpido em barro é o objeto que melhor a define. Porque ela é de
São Sebastião, lugar das olarias que supriram parte da demanda de tijolos na
construção de Brasília, e também porque o seu skate “é tudo”.
Na verdade, os jovens são influenciados pela mídia que exalta valores
físicos e superficiais. Em uma comunidade violenta, vizinha da Penitenciaria
da Papuda, muitos querem ser valorizados pela força e destreza física, além
da coragem. Um estudante muito magrinho apresentou um peso de malha-
ção com palavras de ordem como amar, educação-física, Jesus etc. Entregou
seu peso feito com isopor pintado de preto sem o relatório que eu
havia pedido. Quando o questionei, ele esclareceu que ele não era
bom com as palavras e que não era bom em quase nada, mas que
seu livro-objeto era o seu desejo de ser um moleque grande e forte
para, um dia, não levar mais “porrada” na rua.
Muitos estudantes acreditam que os professores tem super-
poderes de adivinhação e não entregam os trabalhos identificados.
Um desses trabalhos era muito interessante. Tratava-se de uma pe-
quena bonequinha com a cabeça despregada do corpo e pendida
por uma pequena cordinha; na testa da cabeça estava escrito: Es-
queci! Quando eu perguntei sobre a identificação do trabalho ela
começou a rir e respondeu: “há! Professora... Esqueci”.
Um outro livro-objeto era de uma menina muito linda e
voluptuosa. O seu trabalho foi apresentado em uma peça de sutiã,
onde ela inseriu dois espelhinhos em forma de bico de seio, que
continha uma inscrição: “Tira o olho!” (ver p.115). A estudante,
sempre assediada, relatava situações de desconforto, por se sentir
frequentemente importunada por sua condição feminina.
Por sua vez, o estudante nerd apresentou um teclado de
computador com as letras apagadas e onde ele inseriu a frase: “a
vida está em frequente upgrade” (ver p.87). Sonhava comprar um
computador mais “performante”. Sua condição financeira e de sua
mãe, contudo, não permitiam esse upgrade na sua vida.
O trabalho do estudante mais atento às minhas falas em
sala de aula, foi muito bem elaborado e acabado. Apresentou uma
caixa de madeira em forma de velha televisão onde figurava um
personagem engaiolado sentado diante da televisão. No alto da TV

Figuras 147 a 149- Fotografias da autora de Livros-objeto de estudantes do 3º ano do EM,


2007
a inscrição: “Quem te viu, quem TV...”. Relatou em seus escritos sua preocu-
pação com a alienação encorajada pela mídia e pelo mercado de consumo.

Em seu livro-objeto, um estudante de porte atlético fala de sua


paixão pelo futebol e de seu sonho de se tornar um jogador profissional,
das dificuldades que enfrentava para ir treinar e estudar. Essas palavras
estavam escritas em uma velha chuteira: “Desde criança jogo futebol.
Pretendo jogar até quando estiver velho. Não faço muitos gols de cabe-
ça. Hoje jogo com quem entende”.

O livro-objeto de uma estudante muito humilde foi uma boneca que ela
havia vestido com roupinhas confeccionadas em TNT, com a inscrição: “quando
contei aos meus pais, a primeira reação da minha mãe foi de desespero, brigou
comigo e meu pai... Hoje estou muito feliz, estou grávida de cinco (5) meses e vai
ser uma menina”.

Outro trabalho curioso foi uma boneca/caixa da mulher-gata da série


Batman. Em seu interior muitos papeizinhos enrolados em formato de perga-
minhos contendo muitos de seus desejos. Em um deles estava escrito: “Adoro
comer, mas tenho vontade de ser magra”.

Figura 150 a 153- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007
Um estudante levou para a escola um pneu de motocicleta com a
inscrição: “Moto paixão - Ande devagar, curva perigosa principalmente na
chuva”. Narra, em uma folha de caderno enrolada dentro do pneu, o aciden-
te que sofreu quando foi fechado por um carro que não o socorreu. Levou
o pneu da roda para a escola como livro-objeto porque sua moto ficou des-
truída. Agradecia a Deus por ainda estar vivo.

Em outro trabalho muito simples, feito em um pedaço de isopor


pintado de preto, com uma lâmpada pintada de amarelo, figurava a inscri-
ção: “Tentando vencer a escuridão!”(ver p.63). Relatou que estava desem-
pregado, que é o primeiro de sua família que iria concluir o Ensino Médio
e que, “Se Deus quiser, ainda chego na Universidade”.
Outra estudante apresentou um prato transparente com o nome de
muitas comidas. Em seu relatório justificou que passou fome com sua fa-
mília, antes de vir para Brasília. Esse fato a marcou muito e faz com que
ela ainda sonhe com alimentos saborosos.

A história de uma boneca começa com uma cabeça de porcelana que a


“Vó” da estudante franzina deu à ela. Ela passou dois meses costurando o corpo
da boneca personagem gótica do mangá que ela adora. Primeiro o corpo ficou
gordo, ela refez. Depois ficou magra demais, ela ainda não estava satisfeita. Em
seguida, finalmente acertou a proporção, vestiu-a e entregou para a avaliação.
Durante a festa de aniversário da escola, a boneca foi furtada da instalação. Ela
chorou muito e eu, conhecendo a história, chorei com ela. A pessoa que roubou
(provavelmente estudante da escola) ainda estava na cena do crime e ouviu o
meu discurso sobre ética. Por meio de outra aluna, devolveu a bonequinha, sem
se identificar.

Figura 154 a 156- Fotografia da autora de Livro-objeto de estudante do 3º ano EM, 2007
138

Cada livro-objeto tem uma história, uma dor, uma lembrança alegre. Essas histórias passa-
ram a constituir minha história de educadora das artes visuais e estreitaram a minha relação com os
meninos e meninas. Foram centenas de trabalhos entregues. Faixas de judô com a inscrição de uma
história de luta, sapatilhas de balé, muitas caixinhas contendo segredos, caixinhas de música, cora-
ções, sapos de borracha, estojos de coisas, berimbau, violão, CDs, muitas bonecas, panelas, sapatos,
aquário, roupas escritas e customizadas, skate, pequeno armário, relógio, matraca, um celular feito
à mão (ver p.85), celulares de verdade que não funcionavam mais, muitas bolsas contendo objetos
diversos, bolas, baqueta, chaves, fechadura, televisão, cachecol, lâmpada, santinha, cruz, maquete,
joy stick, circuito eletrônico, brinquedos, etc..
Cada objeto tem uma história, que foi compartilhada comigo, com os colegas e com a comuni-
dade escolar como um todo, na medida em que esses objetos, representando a identidade das pessoas
mas também as desidentificações dos sujeitos, foram expostos em uma instalação. Aguirre pensa em
uma “pedagogia da sensibilização e do empoderamento”, se refere à “sensibilidade para com a soli-
dariedade social, consistindo no aumento do conhecimento e da capacidade de reconhecimento das
paixões vitais e do sofrimento dos outros para evitar sua humilhação” (2011, p.89).
Esse projeto significou muito para mim, além dos resultados do trabalho, do envolvimento
dos estudantes e da interessante instalação foi possível criar laços de confiança e emoções comparti-
lhadas. A partir da visão mais sensível, da consideração da alteridade, que se torna possível com uma
auto avaliação crítica, foi possível influir nas vidas dos sujeitos evolvidos. Aguirre questiona como
seria possível conceber um estado de coisas que tornasse possível a transformação? Ele próprio res-
ponde:

É cada um de nós que dá ao emotivo um novo uso e com isso um novo sentido em
cada circunstância e de acordo com nossas contingências vitais de cada momento.
Nesse sentido, o trabalho com a arte e a cultura visual, sempre aberto ao cruzamento
de múltiplos usos e significações, é terreno fértil para a geração de emergências sur-
preendentes e de rupturas emotivas que podem se converter em rupturas simbólicas
estéticas e políticas (AGUIRRE, 2011, p. 88).

Figura 157- Foto da autora de Instalação “Livro-objeto de muitas histórias” na Escola de Aperfeiçoamento de Profes-
sores, EAPE, 2007
139

Ainda que, essas práticas de visualidade envolvam a reconstrução das identidades dos es-
tudantes, é necessário levar em conta que nesse contexto são empregados artifícios relacionados a
forma como desejo ser visto. Como o eu se auto define em seu âmago provavelmente não foi exposto,
contudo, esse exercício entendido como pedagogia cultural se mostrou uma estratégia de exposição
não das identidades dos sujeitos envolvidos na ação mas da diversidade que se mostra e onde a con-
sideração da alteridade relativiza as certezas e verdades defendidas pelos sujeitos.
4
e + oUtRAs hIsTÓriAS
142

Xadrez
Figuras 164 a 166- Foto de Henrique da Costa Mecking, s/d - Movement in squares, Bridget

Em 2005, planejava uma aula para o 3º ano do Ensino Médio sobre Optical Art e o conteúdo
de arte abstrata deveria ser trabalhado em todas as turmas, entretanto, me incomodava abordar so-
Riley, 1961- Julian Wasser, Partida entre Marcel Duchamp e Eva Babitz, 1963

mente aspectos estéticos e artísticos sem relacionar a ilusão ótica que o movimento artístico remetia
aos aspectos da vida como a ilusão do consumo, política, segurança entre outras abordagens mais
sociais para a questão do logro, devaneio ou falsas esperanças. Peguei na estante alguns catálogos e
livros, que rapidamente se amontoaram sobre a minha mesa de trabalho, e busquei imagens e suas re-
ferencias na internet. Digitei alguns nomes como: Bridget Riley, Cruz-Diez, Raphael Soto, Vasarely,
Frank Stella, Ellsworth Kelly, Moholy–Nagy, Escher. Além dos trabalhos desses artistas que eu co-
nhecia, descobri também Julio le Parc, Franco Grignani e Castellani. Diante das imagens produzidas
por esses artistas, dentro do espírito da optical art, figurava uma representação recorrente: o jogo de
xadrez.
Há nove anos, a internet começava a invadir nossas vidas e a investigação de imagens passou
a fazer parte dos meus planejamentos. Venturelli, um ano antes, afirmava que “o futuro chegou e com
ele percebemos que a cada nova invenção, o homem muda um pouco. Essa questão nas Artes Visuais
tornou-se preponderante” (2004, p.151). A internet efetivamente modificou completamente minha
vida profissional, não tanto por ter facilitado os planejamentos de aula, mas por possibilitar o acesso
a inúmeros artistas.
143

Minha intenção, contudo, não era restringir-me somente aos nomes daqueles artistas. Preten-

Babitz: Checkmate, - Fotografia de Etevaldo Batista da Trupe de teatro “Os sobrinhos de Seu
dia também mostrar aos estudantes a influência desse movimento artístico de meados do século XX

Figuras 167 a 168- Parodies and Variations: Duchamp v. Eve “a Naked Pawn for Art”
nos artistas contemporâneos, além de voltar ao modernismo, voltar a Marcel Duchamp. Também era
meu objetivo fazer com que os estudantes se inspirassem nesses artistas, a fim de recriar outras possi-
bilidades de composições e cromatismos. Da mesma forma, fazia parte da minha estratégia fazer com
que os estudantes relacionassem o conteúdo de artes ao contexto histórico das obras analisadas, a fim
de tentar compreender como essa forma de representação artística se afirmou naquele momento. Vale
lembrar que, á época, estava influenciada assim como provavelmente a maioria dos arte-educadores
deste país pela metodologia triangular que entende que na prática pedagógica deve-se contemplar ele-
mentos da estética, da história da arte e da crítica e também da produção artística. Contudo, a prática

Tião” assinada por Fernanda Montenegro, 2003


se mostrou mais abrangente do que eu poderia imaginar.
Na noite anterior à investigação da internet, tinha assistido a um espetáculo do bailarino Da-
mián Muñoz inserido no programa do Festival Internacional da Nova Dança. Uma cena do espetáculo
não saía da minha cabeça. Muñoz contracenava com dezenas de pés de alfaces plantados sobre o
fundo negro do chão do palco, sob uma luz que as ressaltavam, alternando o verde limão com o preto,
formando um enorme tabuleiro de xadrez. Essa cena marcante do espetáculo e o cenário maravilhoso
me envolveram e instigaram outras possibilidades artísticas. Nessa noite antevi um enorme tabuleiro
com peças humanas no palco do CCBB encenando uma partida de xadrez.
A parceria com a professora do turno noturno, Ghisa Porto, viabilizou a nossa inscrição no
Festival de Teatro na Escola promovido anualmente pela Fundação Athos Bulcão. A partir desta de-
manda, em 2003, foi criada a Trupe de Teatro da escola “Os Sobrinhos do Seu Tião”.
A utilização da arte para abordar o contexto sócio econômico dos estudantes de São Sebastião
já tinha sido explorada anteriormente em sala de aula e nas criações cênicas, muitas delas influencia-
das por Augusto Boal. A utilização da técnica do teatro do oprimido ajudou na compreensão das re-
lações de poder entre os personagens. Trabalhar dessa forma na montagem teatral, além da produção
coletiva de textos, trazia à tona questões sociais que faziam parte da realidade dos estudantes e que
careciam de crítica e de análises mais aprofundadas. Uma chance de promover a discussão sobre a
identidade dos estudantes e sobre a sociedade que os define, molda e, ao mesmo tempo, os exclui.
Assim nasceu o espetáculo “Xadrez Jogo da Vida”, concebido a partir da necessidade de se
trabalhar o conteúdo de artes e relacioná-los a outras disciplinas curriculares, a fim de produzir um
ambiente favorável a reflexão e a crítica entre os estudantes. Esse espetáculo abriu o Festival de Tea-
tro na Escola, no final do ano de 2005, no palco do CCBB.
Entre 2003 e 2005, a demanda dos estudantes para integrar a trupe foi enorme. Normalmente,
trabalhávamos com uma média de 40 estudantes, que foram atores, cenógrafos, figurinistas, sonoplas-
tas, contrarregras, assistentes de direção e mais os “olheiros” que acabam se agregando ao grupo, to-
talizando, muitas vezes, mais de 50 pessoas envolvidas diretamente com o espetáculo. Nunca fizemos
prova de textos para selecionar atores. A tônica do trabalho era incluir o maior número de estudantes
no processo de criação, a fim de ampliar o raio de atuação da arte como possibilidade de transforma-
ção da educação.
As alfaces de Muñoz, essa inspiração, esse insight, possibilitaram colocar 33 estudantes/ato-
res em cena, todos sobre um tabuleiro de xadrez confeccionado em um tapete de 6,5 metros quadra-

Figuras 169 a 170- Composições da autora e Yuri Paranhos com alfaces em fundo preto
145

dos. Essa prática inclusiva nos obrigou a escrever o texto e a projetar cenários que possibilitassem a
participação de todos, invertendo, assim, a ordem convencional de montagem. Nesse caso, primeiro
construímos o cenário que possibilitava a participação de todos, inclusive de uma cadeirante, a Lur-
dinha, depois reunimos o grande grupo de atores e, por último, escrevemos o roteiro.
Como queria que os estudantes adquirissem mais desenvoltura no palco, convidei Giovane
Aguiar, bailarino e coreógrafo, para participar das oficinas de preparação de atores. Como voluntá-
rio, ele participou, por quase 6 meses, dos ensaios e colaborou conosco na montagem do espetáculo.
Juntos, identificamos algumas questões importantes que norteariam os seis meses de trabalho. Como
segue:

• O espetáculo será educativo ou artístico? Definimos que o processo seria educativo, mas, que
o espetáculo deveria ser artístico. Isso significaria que as oficinas deveriam ser norteadas pela
afirmação da identidade dos estudantes, pelas relações que se estabeleceriam entre os personagens
e que o espetáculo deveria ser apresentado de forma estética .

• Teremos todas as peças/atores no tabuleiro? Sim, todos os estudantes deveriam ser protago-
nistas para que se pudesse trabalhar a autoestima. Isso significava um problema relacionado à
“poluição” da cena e os resultados estéticos que pretendíamos. A visibilidade do espectador não
poderia ser comprometida. Decidimos então que alternaríamos personagens ajoelhados e reveren-
tes, sentados e em pé; com focos de luz para enfatizar as jogadas que seriam encenadas.
Figuras 171 a 172- Fotografias de Demian Neri da Cena 1 do espetáculo “Xadrez, jogo da vida”,
2005

• Qual o espaço para cada peça se mover? Dividimos


o espaço do palco pelo n° de casas de um tabuleiro de
xadrez, levando em consideração o espaço ocupado
pela cadeira de rodas, pois figurava entre o grupo de
atores uma estudante portadora de uma doença mus-
cular degenerativa. Lurdinha representou a Rainha
Branca, peça importante do espetáculo, em todos os
sentidos. Peça importante para se trabalhar as relações
de limites e possibilidades dos atores, peça importante
para se trabalhar a inclusão de portadores de necessida-
des especiais na escola e na vida. Alguns meses após a
apresentação do espetáculo, Lurdinha faleceu.

Aqui cabe um parêntese que toca a questão da possibili-


dade da arte na educação. É possível, mais do que isso, é neces-
sário desconstruir conceitos relacionados aos limites físicos,
étnicos, culturais, de faixa etária, de gênero entre outros as-
pectos possíveis de serem abordados. Tavin, em seu manifesto
epigráfico, afirma ser a arte/educação um projeto político onde
“Arte/Educadores ajudam estudantes a examinar, entender, de-
safiar como indivíduos, instituições e práticas sociais são ins-
critas diferentemente no poder; a expandir condições para a
liberdade, igualdade e democracia radical” (2011, p.153). O
mesmo autor defende a arte/educação engajada e socialmente
justa que leva a sério a noção de pedagogia pública e de cultu-
ra visual (Idem). Por meio do projeto foi possível incentivar
a integração das varias áreas de conhecimento e as realidades
visuais dos estudantes. Atualmente, me dou conta de que o que
147

realizamos, em termos de prática pedagógica, teve pretensões mais amplas do que o que apontavam
as teorias da época. Essas abordagens da Arte/ Educação foram nos EUA, o DBAE, e no Brasil, Ana
Mae Barbosa com sua metodologia triangular. Osinski define sua essência:
A essência do DBAE, com suas quatro disciplinas básicas, está relacionada às quatro
atividades mais importantes que podem ser feitas com as artes visuais: pode-se criar

Figura 173- Composição da autora e Yuri Paranhos utilizando “Movement to the squares” de BridgetRiley, 1961
arte, perceber e reagir às suas qualidades, entender seu lugar na história e na cultura
e, finalmente, pode-se fazer julgamentos razoáveis sobre a produção artística, enten-
dendo as bases sobre as quais esses julgamentos são feitos (OSINSKI, 2002, p.109
e110).

As atividades que podem ser feitas com artes visuais segundo essa abordagem nos pare-
ceu limitada e disciplinarmente restrita. Transcender esses aspectos que definem o DBAE, segundo
Osinski, foi um processo natural, haja vista que não parti de uma obra pronta fruto da produção artís-
tica instituída. Parti do zero e considerei a realidade dos estudantes para a construção do texto.
Há que se fazer, contudo, uma autocrítica. O maior problema foi que a proposta não partiu dos
estudantes e sim foi minha, da Professora Leísa Sasso, que levou a ideia pronta, ou seja, reconheço
que assumi a posição de uma professora autoritária, logo, tradicional. A maioria dos estudantes nem
sabia jogar xadrez. Entretanto, quando optamos por abordar determinado aspecto do currículo, neces-
sariamente estamos excluindo outras possibilidades, como sustenta Tourinho:

[...]se extraem da cultura os fragmentos que serão objetos do conhecimento[...] In-


clui-se excluindo e vice-versa. A crescente participação dos estudantes nos proces-
sos de construção curricular tem exigido uma reflexão que vai além das decisões e
escolhas para incluir a negociação, a mediação e a intervenção. [...] Mesmo cientes
da importância da negociação e da mediação para a construção de currículos, a in-
tervenção de professores ainda se ressente da ausência da voz dos estudantes como
contribuição nos processos de definição sobre o quê deve ser ensinado (TOURI-
NHO, 2008, p. 71).

Outro problema foi romper o preconceito dos estudantes com relação ao jogo de xadrez, con-
siderado um jogo difícil, que exige muita concentração, cujas partidas são longas e monótonas (Ver
Quadro 2). O caminho foi relacionar as jogadas e a partida como um todo com as batalhas da vida
148

diária. Outras dificuldades: a resistência ao novo e o medo do desafio, o apego ao conteúdo curricular
do corpo docente e discente; o imediatismo da vida contemporânea que impede uma leitura reflexiva
dos acontecimentos, diminuindo assim, a capacidade de crítica e de concentração.

QUADRO (2) Texto do espetáculo – xadrez - diálogo entre os jogadores.

PRETO - Porque será que as pessoas não gostam de jogar xadrez?


BRANCO - Será que não gostam ou não sabem?
PRETO - Eu penso que não gostam porque perdem sempre.
BRANCO - Não deve ser porque o xadrez é um jogo longo, as pessoas preferem jogos mais rápidos
como o vídeo game, sem contar que é só reflexo, não precisa pensar.
PRETO - É, as pessoas só conseguem pensar no agora, tudo é descartável e rápido, olha o fast food
nem para comer se tem tempo.
BRANCO - Mas não é só isso, no jogo de xadrez é preciso pensar na sua jogada, na do adversário e
prever jogadas que ainda estão por vir.
PRETO - O famoso raciocínio lógico dedutivo, ih... baixou o espírito do matemático agora.
BRANCO - Além do mais, jogo aqui é dominó, porrinha, truco, buraco, dama. Xadrez sempre foi visto
como jogo de elite e dos gênios. ... (para e pensa) Oh...gênio, dá pra parar de me enrolar e jogar.

Envolver a escola no projeto foi outro grande desafio, pois significava enfrentar o conserva-
dorismo do corpo docente que dificulta, muitas vezes limita, a interdisciplinaridade ou transdiscipli-
naridade. Contamos apenas com a colaboração dos colegas que se sensibilizaram com a proposta e
se dispuseram a relacionar o conteúdo obrigatório com o projeto “xadrez jogo da vida”.
Em virtude da carência de ferramentas digitais na escola, as oficinas de xadrez foram minis-
tradas nos finais de semana, abertas à comunidade, pelos professores que abraçaram o projeto. Da
mesma forma, envolvemos na empreitada os voluntários do Clube de Xadrez local. Como o processo
de aprendizagem do jogo de xadrez foi inserido no currículo de Matemática, História e Artes, e tam-
bém relacionado com os conteúdos a serem ministrados no prazo de um mês, todos os integrantes da
trupe “Os Sobrinhos de Seu Tião” já sabiam jogar. A proposta de jogar xadrez acabou envolvendo a
escola e o que se observou foi que os próprios estudantes ensinavam o jogo aos colegas.

Figura 174- Fotografia da autora de tabuleiro de xadrez e peças moldadas em biscuit de Roberto Carvalho de Freitas do 3º ano EM, 2005
150

Jogo da Vida
Figura 175 a 176- Fotografias da autora de tabuleiros de xadrez em materiais diversos de estudantes

O cerne dessa proposta pedagógica foi relacionar noticias ou fatos históricos com o jogo de
xadrez, a fim de entender as relações de poder que se estabelecem na sociedade. Quis também que os
estudantes produzissem seus próprios jogos inspirados na optical art dos anos 60 e 70 do século XX,
a fim de cumprir o conteúdo da disciplina estabelecido pelo currículo obrigatório.
Os estudantes trabalharam em 2D, para a produção dos tabuleiros, e em 3D na escultura das
peças do jogo, utilizando materiais diversos, reciclando objetos , como tocos de vela, tampinhas
plásticas e metálicas, pedaços de cerâmica, vidro, papel, papelão, tecidos, cabos de vassoura, biscuit,
argila, gesso e, infelizmente, isopor. O resultado foi muito satisfatório e vários trabalhos chamaram
a atenção. Um deles era um tabuleiro de madeira com peças de tampinhas de plástico. O Rei foi re-
presentado pelo presidente Lula, a rainha por Dona Marisa, o bispo por Bento XVI e os peões eram
soldados, os Dragões da Independência. De fato, foram muito interessantes as relações que os estu-
dantes estabeleceram em seus trabalhos entre as peças do jogo e suas potencialidades no jogo, com as
personalidades da época.
Em outro trabalho, o tabuleiro e as peças foram produzidos com caixas de papelão. A torre foi
associada à Nike, o cavalo foi associado a um veículo moderno, o bispo a uma cruz, a rainha a uma
do 3º ano EM, 2005

boca - segundo o estudante a boca era sedução para ele-, o rei era figura de Bin Laden de um lado,
George Bush de outro. Os peões eram cozinheiros. Perguntado sobre a relação estabelecida, o estu-
dante respondeu: “Meu pai é cozinheiro, logo meu pai é um peão na vida real, com pouco poder”.
Em outro tabuleiro: Índios (vermelho escuros) de um lado contra os Colonizadores (brancos)
do outro lado, o estudante escreveu: “na história os colonizadores venceram, mas que, no jogo os
índios ainda tinham chance”. Outro trabalho atraente foi produzido no verso do uniforme escolar.
Era portátil, em tecido, com as peças esculpidas em tocos de velas, todas guardadas em um saquinho
de pano que o estudante carregava para todo lugar que ia. Outro estudante produziu um tabuleiro de
xadrez distorcido inspirado pelos artistas da Optical Art, impossível de se jogar. No domínio da pe-
dagogia crítica, a ilusão ótica foi associada às relações ilusórias de uma sociedade sem desigualdades
sociais, sem discriminações e aparentemente bem construídas pela razão e pela ciência. A partir daí,
os estudantes passaram a abordar questões éticas e procedimentos morais, sociais e culturais questio-
náveis.
O professor Allan Alves Ferreira, analisando a experiência do ponto de vista matemático,
contou na sala dos professores que, de posse dos tabuleiros de xadrez, foi possível ensinar o jogo aos
estudantes, o que movimentou suas aulas. Ainda segundo ele, foi possível, por meio dos tabuleiros
de xadrez, explorar o cálculo das medidas das diagonais do quadrado e a semelhança dos triângulos
que se formam em consequência dessa divisão que resulta em dois triângulos retângulos congruentes
(iguais) e, a partir daí, outras equações matemáticas foram exploradas.
O professor de História Fernando Rios acabou se envolvendo tanto com a proposta que se

Figuras 177 a 178- Fragmento de litogravura “Marcel Duchamp plays chess in the bathtub”, Hirst, 1972 – Fotografia da autora de tabuleiro
de xadrez de isopor e papelão de estudante do 2º ano EM, 2005
tornou também ator, representando o rei preto no
espetáculo. Apresentou aos estudantes algumas
das versões históricas para a criação do jogo de
xadrez. Uma dessas versões foi aproveitada pos-
teriormente como o primeiro ato do espetáculo.
Além disso, fez uma retrospectiva das principais
guerras e batalhas travadas pela humanidade e os
motivos que as desencadearam e as armas utiliza-
das. Por exemplo: a guerra do fogo, a guerra de
Tróia, a expansão do Império Romano, as cruza-
das, a guerra dos cem anos, a conquista da Améri-
ca, revolução francesa, a expansão do império na-
poleônico, guerra dos Boers na África, a luta pela
independência nas colônias, a partilha da África,
a primeira guerra mundial, a revolução Russa, a
segunda guerra mundial, revoltas de norte a sul
do Brasil, guerra contra o Paraguai, guerra de ca-
nudos, contestado, cangaço, revolução de 1930,
coluna Prestes, guerra fria, revolução na China,
guerra civil espanhola, as ditaduras na América,
guerra do Vietnã, guerra do golfo, Guerra do Ira-
que.
O objetivo foi relacionar esses aconteci-
mentos históricos, bem como as diversas culturas.
Criava-se, dessa forma, um elo de identificação
entre elas relacionado ao sofrimento vivenciado
e às similaridades de interesses econômicos, po-
Figura 179- Croquis de figurino para o personagem Bobo da peça teatral “Xadrez,
jogo da vida” de Flávia Helena Pacheco da Silva Vargas, 2005
líticos e, sobretudo, com as relações de poder que levam às guerras. As
formas de representações e entendimento dos estudantes dariam sentido
às batalhas que seriam encenadas no jogo espetáculo. Efland afirma ser
fácil perder de vista o sentido da arte como meio que possuem os seres
humanos para realizar seu próprio espírito, através de ações e produtos
de sua imaginação (2002, p.385). O produto da imaginação dos estu-
dantes se construiu em um processo de significação e de convergência
conceitual que uniu sua produção artística com a visualidade do contem-
porâneo.
A partir daí, os estudantes relataram suas batalhas diárias nas
oficinas para elaboração do texto. A luta pelo espaço no ônibus lotado,
nas ruas sem calçadas, empurrar a cadeira de rodas de casa até a escola,
a concorrência desigual no vestibular, a luta para conseguir o primeiro
emprego, vaga para estágios, o preconceito, o estigma da condição so-
cial. E mais as batalhas típicas da adolescência, como a primeira namo-
rada, autorização dos pais para sair com os amigos, guerra com o corpo,
as espinhas, o cabelo, o peso, a altura, as regras, a menstruação, a falta
de liberdade de escolha, os trabalhos da escola, a escolha da profissão,
as dificuldades de relacionamento com o irmão mais velho e o mais
novo. Enfim, as difíceis travessias e transformações da adolescência.
Durante o processo das oficinas, os estudantes conseguiram ex-
trapolar o universo criado pelas regras do jogo, transformando-as em
modelo de estudos de situações concretas. Eles também desenvolveram
o pensamento lógico, abrangente e profundo, o que tornou o jogo de
xadrez mais sedutor. Oferecer a oportunidade do aprendizado do xadrez
criou um ambiente adequado ao desenvolvimento das habilidades de
julgamento, planejamento, imaginação, antecipação, memória, vontade

Figuras 180 a 183- Fotografias de Demian Neri da cena 1 do espetáculo “Xadrez, jogo da
vida” estudante Silvério Gomes da Silva como Bobo da corte e no camarim, 2005
de vencer, paciência, autocontrole, espírito de decisão e coragem. A criatividade, objetividade, in-
teligência e organização metódica do estudo também foram habilidades necessárias para a criação
do texto que foi montado a partir de situações relatadas pelos estudantes.
Nas oficinas de Artes Cênicas, os estudantes vivenciaram jogos de preparação de atores,
com exercícios respiratórios e físicos de expansão e contração; contato visual e corporal, am-
pliando os limites e superando o medo de tocar e ser tocado; ocupação dos vários níveis espaciais
(baixo, médio e alto), expressão facial e corporal, postura; relaxamentos, dicção, interpretação e
projeção de voz; construção de personagem, jogos de improvisação, teatro do oprimido; teatro
do absurdo; etapas técnicas e profissionais envolvidos na montagem de um espetáculo, leitura
dramática do texto e marcação cênica.
A utilização da técnica do teatro do oprimido ajudou na compreensão das relações de
poder entre os personagens e definiu posturas que transformavam uma peça frágil em uma peça
forte. Os estudantes passaram a ver o mundo de outra forma. Percebo que equipar os estudantes
para efetivar a mudança social foi nosso intento mais pretensioso. Foi nosso objetivo promover a
crítica social, por meio do empoderamento dos estudantes. Dar visibilidade a cultura dos sujeitos
que não estão no poder e promover um descontentamento com a inércia social.
Associado ao teatro do oprimido, o teatro do absurdo foi utilizado como instrumento ne-
cessário para dar o caráter cômico, exagerado e absurdo estabelecido nas relações de poder entre
os personagens. Refletida no texto e nas improvisações da história do xadrez, a abordagem do
teatro do absurdo imprimiu graça aos assuntos austeros e graves tratados em cena.
Além do jogo de xadrez em si, o outro obstáculo foi a dança. Apesar de a proposta ter par-
tido dos próprios estudantes, dançar significava se expor ao ridículo, especialmente para aqueles
que não dominam a técnica . O auxílio e a experiência do bailarino e coreógrafo Giovane Aguiar
permitiram, em quatro meses de ensaios, definir a movimentação dos atores de acordo com as ca-
racterísticas de cada peça do jogo de Xadrez. A desmistificação do conceito de dança e o enfoque
na qualidade dos movimentos foi a tônica das oficinas de dança.
A oficina de dança e preparação de atores deu o norte para o trabalho da investigação da
Figura 184- Composição da autora e Yuri Paranhos em P/B utilizando “Movement to
the squares” de Bridget Riley, 1961
155

trilha sonora que também foi escolhida pelos estudantes e definida a partir dos movimentos das peças

Figura 185- Croquis de Flávia Helena Pacheco da Silva Vargas para os persona-
de xadrez. A torre, com movimentos muito limitados e pesados, necessitava de um som cadenciado,
lento e bem marcado. O cavalo tinha movimentos cortantes, como o som da guitarra. O bispo se
movia na diagonal de acordo com uma música mais solene (a fada branca era fluida e leve enquanto
a bruxa negra era mais enigmática e firme, os bispos branco e negro eram rígidos). A rainha e o rei
eram elegantes, altivos, o que exigia uma música mais elaborada. Os peões robotizados se movimen-
tam ao som quebrado do hip hop. As oficinas de dança foram decisivas, definindo os atores para cada

gens da peça teatral “Xadrez, jogo da vida”,2005


personagem de acordo com o perfil e a adaptação aos movimentos acima citados.
Enquanto duraram os ensaios, os figurinos das peças foram desenhados por duas meninas
talentosas. Uma delas desenhou quase todas as peças e a outra foi responsável por alguns desenhos,
pela maquiagem de 36 atores e também atuou na peça teatral, como bispo preto ou “a bruxa”. Essas
alunas se dedicaram de tal forma ao projeto, que seus croquis foram expostos e maravilharam os
atores que queriam escolher seus personagens a partir dos figurinos propostos. Inspiradas por manga
japoneses ambientados na Idade Média e por personagens de jogos virtuais de RPG. O figurino en-
cantou a todos.
Precisávamos que os dois jogadores o Branco e o Preto estivessem jogando e que a plateia
pudesse acompanhar as jogadas. Precisávamos de um tabuleiro vertical. Marcel Duchamp foi a ins-
piração. Fiz o cenário em uma maquete. Em pequena escala estava perfeito, mas como tornar um ta-
buleiro enorme funcional em cena? A solução foi encontrada em um flanelógrafo: Tabuleiro de feltro
e velcro, técnica utilizada no ensino infantil. A Montagem do tabuleiro cenográfico, medindo 2 x 2
m foi feita na minha casa com a velha máquina de costura Singer da minha avó. Após esse episódio,
de construção cenográfica, passei a incorporar a costura em meu trabalho e orientar os estudantes a
empregar tecidos, aviamentos, costura e bordado em suas criações artísticas, como forma de resgate
da tradição das mães bordadeiras e costureiras de São Sebastião. Em uma iniciativa exemplar, elas
se organizaram em cooperativas e criaram sozinhas seus filhos costurando e bordando. Essa forma
de agenciamento coletivo foi muito valorizada no texto da peça e possibilitou a concepção de outro
projeto que desenvolvi posteriormente.
A identificação das peças do jogo de xadrez vertical foi obtida com a estilização das peças e
inspirada na abstração geométrica de Malevich, para facilitar a costura e para indicar os movimentos
das peças. Os peões eram pontos, um pequeno quadrado que sintetizava o movimento da peça para

Figura 187- Fotografia de Demian Neri da peça “Xadrez, jogo da vida”, 2005
Figura 186- Croquis coloridos de Flávia Helena Pacheco da Silva Vargas para os personagens da peça teatral “Xadrez, jogo da vida”,
2005. pag.
157

ajudar os atores na aprendizagem do jogo. As torres, retângulos que se moviam na vertical e na ho-
rizontal respeitando o movimento da peça do jogo. Os cavalos foram representados por triângulos e
assinalavam o movimento em L das peças. Os bispos foram representados por um X ou por uma cruz,
e também demonstrava o movimento da peça na diagonal do tabuleiro. As rainhas foram representa-
das por um círculo que indicava que a peça poderia se mover em qualquer direção do tabuleiro. Os
reis foram representados por um quadrado maior que o dos peões para indicar a mobilidade reduzida
da peça e a importância maior no jogo.
O texto foi construído na mesma sequência dos movimentos de uma das partidas do maior
enxadrista brasileiro Henrique da Costa Mecking, “o Mequinho”, contra Alvez, em 1965, e a partir
das falas e relatos dos estudantes de suas vidas e de suas famílias. No jogo, Mequinho estava em
desvantagem, mas o mestre conseguiu fazer com que um de seus peões chegasse ao final do tabuleiro
do adversário e transformou-o em rainha. Dessa forma, ele conseguiu reverter a situação crítica em
158

que se encontrava. Essa história é o próprio roteiro do texto do espetáculo teatral. Nas oficinas de

Santiago e Cleide Mendes no estúdio gravando, Flávia Helena P.S. Vargas e Raquel Brandão
criação de texto, os estudantes escreveram muitos relatos, como o do corte da luz na casa de um deles

Figuras 188 a 191- Da esquerda para a direita: Nair Roberta Paulino em cena, Luciano
e do “gato da luz do vizinho” que precisaria ser feito para poder ver a novela da noite. Essas histórias
inspiraram os diálogos do roteiro.

QUADRO (3) Diálogo entre personagens – gato de luz – texto da peça teatral.

PEÃO BRANCO - Eu tô cansado de ser certinho, cortaram a luz lá de casa por atraso no pagamento até meu

desenhando croquis, Giovane Aguiar em ensaio no CEM 01


lazer já esta com os dias contados, depois de perder o emprego. Agora só me resta o gato.
PEÃO PRETO - Que gato?
PEÃO BRANCO _O gato de luz que eu vou fazer pra não perder o Big Brother. Pros pobres a lei é diferente.
Chutei o balde com tu dentro.
As experiências vividas, o contexto da cidade de São Sebastião, a distribuição de lotes no
Governo de Joaquim Roriz, a vida sofrida dos pais dos estudantes que vinham de outros estados para
tentarem melhorar de vida em Brasília também fizeram parte do texto.
QUADRO (4) Diálogo entre personagens – lote – texto da peça teatral.

PEÃO PRETO - Eu não entendo nada do que vocês estão falando. O que sei é que saí do nordeste em um pau
de arara, “tô” aqui em Brasília tentando ganhar um lote, e até agora só arrumei filho para sustentar, e uma dor
nas costas de tanto lavar roupa.
PEÃO BRANCO C4 X PEÃO PRETO B5
PEÃO BRANCO - Ganhei o lote do governo porque “tô” inscrito a mais tempo que tu, mas já me arrumei aqui
em Brasília, o outro lote, que ganhei tava no nome da minha mulher. Mas a mulher é minha e os lotes também.
Ai dela se disser não.
159

cena, Dona Raimunda costurando, Mardônio e Diogo Ramalho jogando xadrez no CCBB,
As comunidades evangélicas também povoavam os textos dos estudantes seus dogmas e o

Figuras 191 a 195- Da esquerda para a direita: Giovane Aguiar em ensaio, Ana Neri em
dízimo que deveria ser pago à igreja. Desses relatos extraiu-se:

QUADRO (5) Diálogo entre personagens – dízimo - texto da peça teatral.

BISPO BRANCO - Teu dias de agitador das massas acabaram. Esse trabalhador crê que Deus é a solução e que
só a sua misericórdia liberta. Vai na igreja, paga seu dízimo regularmente, e é isso que importa.
PEÃO PRETO F5 X BISPO BRANCO E4
PEÃO PRETO - Eu quero é aproveitar a vida, vou gastar o pouco que tenho comprando material escolar pros
meus filhos, porque conhecimento é o que se leva dessa vida. Não dá pra bancar a igreja. Sinto muito. (TEXTO
da peça teatral)

Na verdade, o projeto conseguiu alcançar um dos seus objetivos, o mais difícil, qual seja, rela-
cionar o jogo de xadrez à arte, à matemática, à história, à língua portuguesa e a sociologia. O trabalho
também teve como objetivo transformar o processo educacional em uma atividade coletiva, ética e
humana e, dessa forma, utilizar a arte como instrumento de sensibilização e criação desse novo tempo
pedagógico.

Valéria em cena
A reflexão sobre o papel das pessoas na sociedade está presente em todo texto do “Xadrez,
Jogo da Vida”. O trabalhador peão, assalariado, urbano ou rural, o estudante, o desempregado, o mili-
tante político, o professor, o cientista, a violência, a religiosidade, a discriminação social e de gênero,
160

o poder e a ética são personagens na vida real e também o foram, em 2005, no palco do CCBB.
Os estudantes ampliaram o conceito do que seja o jogo de xadrez. O xadrez, como jogo, é
esporte, competição, expectativa, divertimento, higiene mental, repouso. Como ciência é técnica,
estudo, investigação, descobrimento, invenções. Como arte pode ser beleza, imaginação, emoção,
crítica, questionamento, êxtase, espetáculo e vida.
Um dos ex-estudantes que participaram da investigação afirmou:

O “Xadrez – Jogo da vida” foi um projeto completo, envolvente, com críticas sociais
que possibilitou a vivência de diversas experiências. Passei a enxergar a escola como
um local de construção social, mudando a forma como me relacionava com o outro
(Alan Andrade, 2013).

Refletindo sobre o processo de recriação de mundos que, afinal, é uma das possibilidades da
criação artística, percebo que a construção do espetáculo proporcionou aos estudantes a oportunidade
de se perceberem como atores protagonistas das transformações sociais que almejam para si pró-
prios, para suas famílias e para a sua comunidade. A culminância da peça teatral ocorre quando um
estudante consegue o acesso à universidade. Entretanto, transformar esse fato aparentemente banal
em um evento magnífico nos custou levar em consideração que, no contexto de São Sebastião, esses
episódios são raros e que essas referências não povoam o cotidiano das famílias e, portanto, são es-
petaculares. Uma típica dituação onde o sujeito ordinário se percebe extraordinário, o Super-Herói
que se torna referência para os moleques da rua, recria seu mundo e inspira outras possibilidades de
ascensão social.
Philippe Roussin (2001) analisando a experiência de George Orwell na Birmânia, afirma que
a experiência da vida cotidiana da metrópole se situa na colônia como um universo desconhecido e
inimaginável para os sujeitos periféricos e vice-versa, tornando qualquer iniciativa de representação
uma “atitude puramente estética desse olhar sobre a vida”. Nesse aspecto, a nossa contribuição, como
sujeitos que observam de fora essa realidade, conferiu a construção coletiva uma estetização do coti-
diano, tornando-o espetacular e portador do anúncio de outras possibilidades.
161

Dias considera as questões da visualidade como centrais no cotidiano, sendo as imagens pro-
dutos e objetos materiais essenciais na nossa vida diária, então, o conceito de cotidiano de Debord
(1995) torna-se “cotidiano espetacular”. O espetáculo é a relação social, histórica e política entre as
pessoas mediada pela visualidade. (2012, p. 66). Para o autor, que faz referência a Garoian e Gaude-
lius (2008) o espetáculo pode ser :

[...] de uma pedagogia da cultura visual pode ser caracterizada, concomitante-


mente, em dois sentidos opostos: inicialmente, como forma de representação
que constitui os objetivos pedagógicos da cultura de massa e midiática e do ca-
pitalismo corporativo para fabricar os nossos desejos e determinar nossas esco-
lhas e , segundo, como forma democrática de práxis, que possibilita um exame
crítico dos códigos visuais da cultura e das ideologias para resistir à injustiça so-
cial. [...] Portanto, uma prática de educação da cultura visual que destaque as re-
presentações visuais do cotidiano espetacular é uma experiência pedagógica sig-
nificativa porque fornece uma miríade de oportunidades para cingir e adotar
uma visão diversa da cultura, que não somente resiste acriticamente às represen-
tações visuais, mas incentiva a visão crítica como uma prática que desenvolve a
imaginação, a consciência social e um sentido de justiça (DIAS, 2012, p.67-69).

Figura 196- Fotografia da autora em sala de aula, estudantes ensinando xadrez


Figura 197- Fotografia de Demian Neri ensaio “Xadrez, jogo da vida”, 2005
165

Cordel de São Sebastião

O projeto “Cordel de São Sebastião” aconteceu, em 2004, quando a cidade satélite de São
Sebastião se viu nas manchetes dos principais jornais, por causa de uma epidemia causada pelo hanta-
vírus. O hospedeiro desse vírus que causava mortes por febre hemorrágica e pela síndrome cardiopul-
monar era um camundongo silvestre. A contaminação da população se deu por meio da inalação do
vírus, através do contato com fezes e urina contaminadas ou através da ingestão de água e alimentos
contaminados. Para controlar a doença foi necessário conscientizar a população da importância de
práticas de higiene e medidas ambientais corretivas, como: saneamento, melhorias nas condições de
moradia, juntamente com medidas de controle dos roedores (desratização).
Além das consequências emocionais dessa tragédia que matou uma dezena de pessoas na ci-
dade, entre eles um estudante da escola, a comunidade passou a sofrer discriminação por morar em
São Sebastião. Relatos dão conta de que os cobradores das vans de transporte público paravam nos
pontos de ônibus e gritavam: “Direto para a Ratolândia! Quem vai? Quem vai?” Constrangidos, os
estudantes, preferiam esperar a próxima van ou ônibus. Apesar dos fatos, a rotina escolar no Centro
de Ensino Médio 01 de São Sebastião permanecia a mesma, afinal esses fatos não figuravam no cur-
rículo. A realidade, contudo, trazia para o ambiente escolar os relatos, a doença e morte de amigos,
vizinhos e conhecidos. Durante algumas semanas, todos falavam desse assunto na escola.
Meu planejamento para as aulas naquele momento, era sobre o modernismo e a semana de
arte moderna de 1922. Foi proposto aos estudantes, como avaliação do bimestre, a recriação das ima-
gens do modernismo associadas às paródias, tal qual o cordel do nordeste brasileiro. Assim, mostrarí-
amos imagens de J. Borges para que os estudantes conhecessem o artista e experimentassem a técnica
da xilogravura.
Compramos instrumentos e os estudantes começaram a trazer para a escola pedaços de pinus,
cedro ou qualquer madeira que encontrassem. Enquanto viam imagens do modernismo e de J.Borges,
os estudantes lixavam as madeiras, desenhavam e cortavam as madeirinhas ou trabalhavam em casa.
O trabalho prático envolveu os estudantes que, para adiantar o trabalho, passaram a comprar também

Figura 198- Composição da autora e Yuri Paranhos com xilogravuras dos estudantes do 1º,2º e 3º ano
EM e de J. Borges no projeto Cordel de São Sebastião.
166

as goivas para o entalhe. A direção da escola havia me alertado para o perigo de instrumentalizar os
estudantes com objetos cortantes, mas foram poucos os acidentes com cortes.
Um dia, uma estudante trouxe uma “releitura” do futurismo que me chamou muito a atenção.
Tratava-se de uma matriz de xilogravura e a imagem “Dynamism of a dog on a leash” de 1912, de
Giacomo Balla havia sido modificada. No lugar do cachorrinho em movimento, ela colocou um rato
passeando com sua dona no meio do lixo. Eu havia dito aos estudantes que recriassem as imagens e,
se possível, imprimissem um toque de brasilidade às imagens do modernismo europeu, como haviam
feito os artistas da semana de arte moderna de 1922.
“Voilá”. A hantavirose e o contexto em que estavam inseridos os estudantes começavam a
surgir nas xilogravuras. Percebi que estávamos desconsiderando a realidade, na medida em que o
trabalho de arte se voltava para o modernismo e perdíamos a oportunidade da escola realizar um
trabalho de sensibilização da população para a urgência de se adotar as medidas sanitárias urgentes e
necessárias para a contenção da doença. A prática do Cordel, entretanto, possibilitou aos estudantes
Figuras 199 a 201- Da esquerda para a direita: Matriz de xilogravura, Dynamism of

utilizar a cultura popular para tratar dessa questão que mais os interessava naquele momento.
a dog on a leash, Giacomo Balla, 1912, xilogravura de estudande do 3º ano EM

Informei os estudantes que eles poderiam trabalhar nas xilogravuras o tema da hantavirose e
que as paródias também poderiam ser feitas sobre a realidade de São Sebastião. A sensação que tive
é que, a partir daí, o trabalho começou a ser feito com mais vontade, com mais entusiasmo. Nesse
mesmo dia, um grupo de estudantes começou a cantar no fundo da sala a música “Sorte Grande” de
Ivete Sangalo transformada em paródia, com a realidade da comunidade como protagonista.
QUADRO (6) (Paródia dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio do
CEM 01 em 2004 a partir da música “Sorte Grande” de Ivete Sangalo)

“A minha sorte grande foi morar na invasão


Em um barraco de madeira
Ganhando leite e pão e ainda um botijão
Pra ser feliz a vida inteira
Na poeira, na sujeira, na poeira
Aqui só tem sujeira
Já pedimos pra mudar
E o governo não faz nada
Pra acabar com essa palhaçada
E com essa confusão
Eu fico até doidão
De morar em São Sebastião
Na poeira, na sujeira, na poeira
Aqui só tem sujeira.”

Como a música original tocava nas rádios todo o tempo, em


poucos minutos, toda a turma estava cantando. Diante da repercussão
desse trabalho em toda a escola, alguns colegas professores criticaram
a iniciativa, com o argumento de que era preciso enfatizar os aspectos
positivos da comunidade e não essa desgraça. De todo modo, o objetivo
foi atingido e polêmica se instalou na escola, possibilitando a discussão

Figura 202- Composição de Evandro Sada e autora com xilogravuras


de diversos estudantes do 1º, 2º e 3º ano EM do CEM 01, 2004
169

não só dos problemas da comunidade, mas também da própria escola.


O que mais chocou e escandalizou os colegas e a direção da escola foi
a paródia da música do Padre Marcelo “Anjos voando” que se transformou
em “Ratos cagando”. Blasfêmia foi a palavra proferida pelos mais religiosos.
Mesmo assim, como estava previsto um Sarau do Cordel, o “Sarel”, as músi-
cas foram entoadas a plenos pulmões pelos estudantes.

QUADRO (7) (Paródia feita pelos estudantes do CEM 01 a partir de música


do Padre Marcelo Rossi em 2004)

Se você ouvir um barulho perto de você


É um rato cagando pra te enlouquecer
Mas não se preocupe iremos combater...eer
Então, abra a sua casa e comece a limpar
Não deixe a sujeira se acumular
Porque senão os ratos lá vão morar...aar [...]

A maior parte dos trabalhos apresentados pelos estudantes mostravam


que suas preocupações se voltavam para os problemas relacionados à dengue
e à hantavirose. Naquele ano e no ano anterior, São Sebastião também sofria
com o mosquito aedes aegypti transmissor da dengue e algumas mortes fo-
ram ocasionadas pela dengue hemorrágica. Em maio de 2004, não se sabia
ao certo se as quatro mortes ocorridas em cinco dias na cidade teriam sido
ocasionadas pela hantavirose, dengue ou leptospirose. A população associava
a dengue ao período chuvoso e a hantavirose ao período da seca em Brasília.
O problema da hantavirose procurava ser minimizado pelas autoridades mas,
a dengue já era um problema abordado no contexto escolar.

Figuras 203 a 206- Fotografias da autora de matrizes de xilogravuras


de diversos estudantes para o projeto “Cordel de São Sebastião”.
Para que as preocupações dos estudantes
não ficassem restritas ao âmbito escolar, organiza-
mos uma passeata para a sensibilização da popula-
ção, com o foco principal na redução do acúmulo
de água e lixo que possibilitavam a proliferação do
mosquito da dengue. Temia-se que abordar o pro-
blema da hantavirose pudesse alarmar ainda mais
a população. Apesar dos temores das autoridades,
o jornal Folha de São Paulo publicou, em maio de
2004, uma entrevista com a vice-diretora do CEM
01 Ineide Santini, pois uma das quatro vítimas da
doença misteriosa era um estudante de 16 anos da
escola e, além dele, um professor estava internado.
Organizamos, então, um protesto pedindo mais in-
formações sobre a doença. Todos saíram às ruas
com máscaras cirúrgicas, pois as parcas informa-
ções que a comunidade dispunha associavam a
contaminação à inalação de poeira.
O jornal Correio Braziliense fez uma maté-
ria que repercutiu de forma estrondosa na cidade.
Em depoimento ao jornal, a antropóloga Lia Za-
natta afirmou que “a situação é de tragédia social.
Como vítimas em potencial, os estudantes sentem
vontade de denunciar um problema que se alastra”
(26/07/2004, p.16). De fato, o cordel é uma tradi-
ção da cultura popular nordestina e foi usado pelos
estudantes, a fim de que pudessem refletir sobre
Figuras 207 a 208- “Poesia da Hantavirose” caderno Cidades, Cor-
reio Braziliense, pag.16 de 26 de julho de 2004 - Capa do Correio
Braziliense nº14.985 de 29 de maio de 2004
171

todos os aspectos da hantavirose, inclusive os aspectos sociais. Ainda respondendo ao jornal, Zanatta
caracterizou a hantavirose como uma doença moderna, que reflete a desigualdade social e que “até
agora, as principais vítimas são as áreas afastadas, que ainda carecem de saneamento e de infraestru-
tura. É natural que questionem a deficiência de serviços públicos em manifestações artísticas” (Idem).
Rita Irwin afirma, considerando o processo a/r/tográfico, que “tanto artistas como educadores
estão interessados na aprendizagem, mudança, compreensão e interpretação” (2013, p.144). Percebo,
hoje, que essas quatro palavras descontextualizadas de seu objetivo inicial e aplicadas no processo de
criação do projeto nortearam e sintetizam, de certa forma, as nossas práticas em sala de aula, a apren-
dizagem da técnica, a mudança de orientação em virtude das contingências e a mudança da realidade
como consequência, a compreensão dos fatos e a interpretação crítica da realidade pelos estudantes.
Os estudantes, em entrevista ao jornal, cantaram suas paródias e deram depoimentos muito lúcidos.
Como Rafael Evangelista da Costa que cantou:

QUADRO (8) Paródia publicada no Jornal Correio


Braziliense.
O secretário diz que o rato já causou muito distúr-
bio/ O repórter quer saber onde jogo meu entulho/ Eu
também senti a dor/ Dor de cabeça, dor de barriga,
dor no corpo e febre alta/ Revolução na sua escola/
Você pode, você faz/ Quem sabe mesmo é quem lim-
pa mais.

O trabalho escolar fez com que os estudantes fossem ouvidos e considerados. Roberto Carva-
lho de Freitas afirmou à reportagem: “A vontade era mesmo chocar. E, para isso, não precisamos usar
nossa imaginação. A realidade que vivemos já causa impacto, sem precisar da fantasia” (TORRES,
26/07/2004, p.16).
A realidade a que se refere o estudante é cruel. Mortes por doença misteriosa e mortes pela

Figura 209- Matriz de xilogravura de estudante do 1º ano EM, 2004.


violência compõem as visualidades do dia a dia. O lixo sai das casas e se acumula
nas ruas, a coleta de lixo não é feita com a regularidade devida e não existe vínculo
do cidadão com a comunidade nas cidades dormitório. O fato é que uma tragédia
proporcionou o empoderamento dos sujeitos e a contingência produziu agência
e atitude. A acomodação cedeu espaço à ação de pertencimento à comunidade e
responsabilidade social.
Muitos educadores não conseguem dimensionar a extensão de nossa atu-
ação ou de nossa alienação nas comunidades que atuamos. Prefiro acreditar que
a imaginação pode recriar mundos e que uma proposta educativa de artes visuais
é portadora de um discurso político que pode produzir agenciamentos culturais e
sociais. Uma ex-estudante do CED. 01 se lembrava das práticas de arte na escola
como marcantes e significativas para sua vida. Ela disse: “e, na maioria das vezes,
era a disciplina de artes que promovia algo diferente e interessante nas práticas
pedagógicas da escola. Era possível notar a movimentação e empolgação dos
estudantes, dos grupos para a realização dos trabalhos.”
A educação na perspectiva da cultura visual pode, portanto, empolgar, en-
volver, movimentar os atores do processo educativo que transformam a escola em
palco de ações efetivas de transformação da sociedade porque se relacionam com
a vivência diária e com saberes significativos para o indivíduo.
O trabalho culminou com uma exposição em frente à biblioteca da escola.
As matrizes foram apresentadas à comunidade escolar pregadas em madeira com-
pensada recortados nas formas de um fusca e uma bomba de gasolina. Em uma
moldura enrolada por barbantes pendiam matrizes que dialogavam com o Cordel
de cada estudante expostos em um varal. Os barbantes também cruzaram o pátio e
o Cordel se mostrou em paródias no “Sarel”, o Sarau do Cordel. Em ritmo de rap,
pop, gospel, sertanejo, rock entre outros estilos musicais, os estudantes apresenta-
ram suas criações à comunidade escolar e cantaram a consciência cidadã.

Figura 210 a 212- De cima para baixo: “O monstro do sertão”, J. Borges, 2005 – matriz de xilogravura
de estudante do 1º ano EM, 2004 – xilogravura de estudante do 3º ano EM, 2004.
Figura 213- Composição de Yuri Paranhos e autora com xilogravuras, capas de cordel
e matrizes de xilogravuras dos estudantes do 1º, 2º e 3º ano do EM do CEM 01.
174

Figura 214- Fotografia da autora da exposição no pátio do CEM 01 do projeto “Cordel de São Sebastião, 2004.
As emoções elementares como a generosidade, a
mesquinharia, a gratidão, a ingratidão, a indiferença e a
paixão, foram os temas mais abordados nas paródias rela-
cionadas à hantavirose. O sentimentalismo atribuído às ma-
nifestações populares são expressas naturalmente de forma
romântica e superficial. Sem desconsiderar a revolta da po-
pulação periférica de Brasília que saiu às ruas para cobrar
ações efetivas dos governantes, é importante perceber que
as receitas de felicidade e prosperidade que foram cantadas
nos versos, para a solução das mazelas sociais se volta para
o indivíduo e sua ação direta no meio em que vive, e em
certa medida abandonou-se o tradicional discurso que atri-
bui a solução dos problemas urbanos unicamente à esfera
governamental.

Figura 215- Composição de Evandro Sada e autora com xilogravuras dos estudantes.
Figura 216- “The kiss”, Man Ray, 1935.
177

Fotonovela

O projeto “Fotonovela da vida real” teve como objetivo trabalhar os conteúdos curriculares
fotografia, dadaísmo e surrealismo. A fotografia passava a ser entendida no início do século XX,
como processo artístico e os trabalhos fotográficos de Man Ray e as pinturas de Frida Kahlo, artistas
desse período, foram escolhidos por mim para apresentar o dadaísmo e o surrealismo aos estudantes.
Esses conteúdos curriculares importantes da história da arte também deveriam ser trabalhados em
sala de aula além da fotografia e a escolha de conduzir a abordagem do dadaísmo a partir da obra de
Man Ray me pareceu ser uma escolha acertada, pois, permitiria trabalhar simultaneamente ao dada-
ísmo e surrealismo a fotografia e a pintura, como práticas artísticas.
Introduzir os estudantes em um universo cultural estrangeiro à cultura à que têm acesso não
é fácil, é preciso seduzir, escolher imagens e representações da história da arte, representações intri-
gantes e que fomentem questionamentos e instalem a dúvida, a surpresa e a admiração. Por isso, es-
colher as imagens para conduzi-los nesse universo novo também é complicado para o docente, pois é
necessário conhecer os referenciais culturais da comunidade e considerar seus interesses e relacionar
ou contrapor, temas, estéticas e críticas. Os estudantes são forçados a saber esses conteúdos teóricos,
todos os “ismos” da história da arte, para se tornarem competitivos nos vestibulares e avaliações ex-
ternas.
Sempre gostei de acrescer ao trabalho teórico e conceitual alguma prática artística, a fim de
tornar menos penosas e mais significativas as minhas aulas no Ensino Médio. Para possibilitar a todos
os estudantes a vivência de uma prática artística, pensei que seria interessante dar a opção de escolha
aos estudantes. Aqueles que se identificassem com a fotografia optariam por essa forma de expressão
artística e a pintura e o desenho também poderiam ser escolhidos, caso os estudantes não possuíssem
equipamentos fotográficos para a execução da proposta ou se sentissem mais confortáveis e confian-
tes com essas outras possibilidades.
Algumas imagens de Man Ray, como as fotografias dadaístas da década de vinte da mulher
chorando lágrimas redondas ou a foto do beijo produzida por esse artista, me remetiam às fotonovelas
178

que foram minhas grandes companheiras na adolescência. Hoje, não existem mais nas bancas de re-
vistas as fotonovelas de histórias de amor que eu comprava na banca de jornal da SQS 104, nos anos
setenta. Eu era doida por elas, principalmente as italianas, com fotografias em preto e branco bem
contrastadas. As fotografias em série apresentadas em quadrinhos lado a lado, com balões de textos,
contavam encontros de casais, através de beijos e lágrimas que, assim como algumas das fotografias
de Man Ray, remetiam a amores, separações e despedidas.
Minhas revistas da adolescência serviram de inspiração para a concepção do projeto “Foto-
novela da vida real”. Queria que os estudantes utilizassem a fotografia para contar histórias do seu
cotidiano, a partir de um roteiro elaborado por eles. Em 2003, os jovens não sabiam o que era uma
fotonovela. Depois de minha explicação, passaram a saber, mas nunca tinham visto uma fotonovela
antes. Então, passei a procurar em bancas de jornal, uma daquelas velhas fotonovelas, a fim de exem-
plificar o que eu queria que os estudantes fizessem como trabalho de avaliação do bimestre. Também
sugeri que eles próprios pesquisassem.
Encontrei uma fotonovela, na verdade, uma revista erótica com fotografias de posições sexu-
ais do Kama Sutra, disponível em uma banca de jornal, em São Sebastião mesmo. Hesitei em compra-
-la, pensando que, talvez, não fosse adequado mostrar tais imagens no contexto escolar, mas comprei
assim mesmo, justificando para mim mesma que eram todos adolescentes e bastantes interessados
em fazer sexo ou discutir sobre sexo, na pior das hipóteses. Seria criada, portanto, uma ocasião para
discutir sexualidade e erotismo.
Em sala de aula, explicando a tarefa que os estudantes deveriam executar, mostrava a revista
erótica, de longe, marcada em uma página que não continha cenas “calientes”. A fotonovela tinha
o mesmo formato A5 da revistinha do Tio Patinhas do Disney e os meninos e meninas queriam ver
mais de perto. Eu dizia que a revista era emprestada e que tinha que devolver intacta e que não podia
empresta-la. Sugeri que, se quisessem, poderiam procurar nas bancas de jornal e revistas.
Até que, um dia, após um descuido meu, descobriram o conteúdo da revista e sumiram com
ela. Depois desse episódio, as revistinhas de fotonovelas eróticas começaram a se multiplicar e apa-
recer na minha sala de aula, trazidas principalmente pelos garotos. Mas essa “ilustração” ao trabalho

Figura 217- Almanaque Grande Hotel s/data, Fotonovela “Amei um ladrão”.


solicitado não chegou ao conhecimento da direção da escola, felizmente, mas foi muito didá-
tica e pedagógica para os estudantes. Foi uma pedagogia de risco.
Os estudantes passaram a compartilhar comigo suas experiências amorosas e passamos
a discutir sexualidade e relacionamentos afetivos. Procurei direcionar nossas conversas para o
dadaísmo e principalmente o surrealismo e sua relação com a teoria freudiana e o automatismo
psíquico, para tornar nossas conversas menos informais e direcioná-los ao conteúdo. Tomei
muito cuidado, pois, em uma comunidade impregnada por dogmas religiosos e predominan-
temente evangélica, esses assuntos poderiam se tornar um problema para a escola. Mas, falar
de inconsciente, fantasias sexuais reprimidas, imagens dos sonhos tornavam nossos diálogos
mais “científicos” e nos situava no contexto do início do século XX. Abordar as novelas da
televisão também direcionaram nossos diálogos para a cultura visual e para assuntos que eram
menos polêmicos e que incluíam a todos nas discussões.
Para tornar a prática artística, utilizando a fotografia, um processo mais envolvente
para os estudantes, propus que construíssem narrativas utilizando as imagens mais próximas
de sua realidade ou de seus sonhos. O desafio era contar histórias do cotidiano, da realidade
de São Sebastião e descontruir as telenovelas que enfatizam vidas envoltas em luxo e em uma
realidade bastante distante da realidade brasileira. Passamos a discutir as intenções da mídia.
Porque a realidade da maior parte da população brasileira não era mostrada na televisão? Pelo
menos em 2003, não o eram, ou ainda, só eram mostradas de forma caricata, superficial ou
secundária.
A fronteira entre a ficção televisiva e a realidade é nítida. A identificação dos estudan-
tes com as novelas era evidente, entretanto, não só dos jovens da periferia de Brasília, mas
também do brasileiro em geral, de todas as classes sociais e faixas etárias distintas. Apesar da
realidade de ônibus lotados, desemprego, falta de perspectiva, escolas sucateadas, atendimen-
to de saúde precário serem abordadas de forma superficial nas telenovelas, a crítica explícita
é pueril e inconsistente, pois existe a mensagem subliminar de que todos devem se ver nas
novelas ou imaginar possibilidades para si próprios enquanto público. Porque dessa forma, a

Figura 218- Composição de Yuri Paranhos e autora em “tirinha” com capas de diversas revistas de fotonovelas dos anos 70.
ilusão de um mundo ideal e do final feliz funciona perfeitamente. Em um
país tão diverso e multicultural como o nosso, esse fenômeno não é des-
provido de intencionalidade e visa à acomodação social, a manipulação
das massas e a venda de produtos. Chauí atribui a esse passar o tempo,
esse entretenimento proporcionado pela TV como dominação social e
política:

A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la,


deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo
e agradá-lo, não pode choca-lo, provoca-lo, faze-lo
pensar, trazer-lhe informações novas que o pertur-
bem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o
que ele já sabe, já viu, já fez. A média e o senso-
-comum cristalizado, que a indústria cultural de-
volve com cara de coisa nova. [...] Ninguém há de
ser contrário ao entretenimento, ainda que possa ser
crítico das modalidades do entretenimento que en-
tretém a dominação social e politica. Seja qual for
nossa concepção do entretenimento, é certo que sua
característica principal não é apenas o repouso, mas
também o passatempo. E um deixar passar o tempo
como tempo livre e desobrigado, como tempo nosso
(mesmo quando esse “nosso” é ilusório.) (CHAUÍ,
2008, p.60).

Esse entretenimento promovido pela cultura midiática se vê


acompanhada por uma legião de referenciais culturais próprios e essa
inclinação pelo pitoresco, o grotesco, o humorístico, o kitsch ou o hor-
ror, por sentimentos e sensações de grande intensidade emotiva, próprios
da cultura do espetáculo (AGUIRRE, 2009, p.164) foram considerados

Figuras 219 a 230- De cima para baixo e da esquerda para a direita: Frida Kahlo, 1907 a 1954;
“Autoretrato com bonito papagaio e borboleta”, 1940- “My parrots and I”, 1941- Filme de Julie
Taymor, Frida, 2002- “Henry Ford Hospital”, 1932- Revista Vogue México, “As aparências
enganam”, 2012- “Self portrait along the boarder line between Mexico and the United States”,
1932- “Autoretrato com colar de espinhos e beija-flor”, 1940- “Sem esperança”, 1945- “Corsa
ferida”, 1946- “The love embrace of the universe the Earth México Diego”, 1949- “As duas
Fridas”, 1939.
como aliados do processo educativo em artes visuais. A visualidade morna e descompro-
metida da TV pôde ser questionada e transfigurada pela crítica da realidade social e cul-
tural vivida no dia a dia, sem glamour. Aguirre alerta que é preciso ter cuidado ao abordar
no contexto educacional as práticas culturais mediáticas, mas defende que é o momento
de afrontar criticamente a estreiteza da estereotipante redundância temática ideológica e
estética da cultura de massa (AGUIRRE, 2009, p.166).
Considerando esses aspectos, e para possibilitar transformações pessoais, e tam-
bém criar tramas com causas próprias, foi sugerido que os diálogos entre os personagens
se direcionasse para os problemas identificados no contexto da cidade de São Sebastião.
Foi considerado que utilizar diálogos em balões para compor a narrativa, seria outra pos-
sibilidade de relacionar texto e imagem, inserindo a interdisciplinaridade nas práticas de
artes visuais e de língua portuguesa e , da mesma forma, contemplando aspectos da socio-
logia e de crítica às estruturas de poder.
Durante as minhas aulas, eu utilizava um projetor “Leika” para mostrar diapo-
sitivos previamente selecionados. Eu mesma fotografava meus livros e transformava as
imagens impressas em slides. Escurecer a sala de aula e mostrar muitas imagens des-
conhecidas dos estudantes, bem como discorrer sobre o dadaísmo e o surrealismo, mo-
vimentos artísticos tão ricos de possibilidades, imprimia certa magia às aulas, o que as
diferenciavam sobremaneira das demais. Os estudantes relataram que esperavam as aulas
de artes, ansiosos, porque elas eram inusitadas, interessantes e divertidas, uma vez que
todos podiam manifestar suas impressões, perguntar livremente sobre qualquer assunto e
porque se tratava de um momento de descobertas voluntárias.
183

Em outras aulas, passei o filme “Frida” de Julie Taymor, produzido em 2002 pela Miramax
Films, sobre a vida e obra de Frida Kahlo. Meu objetivo era pausar o filme nas cenas principais e su-
gerir que imaginassem balões com os diálogos. Essa estratégia, no entanto, era seguida de protestos
e gritaria contrária ao procedimento. O filme envolveu os estudantes de tal forma, que tornou-se im-
possível seguir com o planejamento inicial. Abandonei a estratégia, mas, ao iniciar o filme, sugeri que
pensassem em quais cenas seriam mais importantes para compor uma fotonovela da vida de Frida.
Alguns estudantes me pediram para fazer a fotonovela da vida de Frida Kahlo e se apaixonaram pela
obra da artista.
Os estudantes se organizaram naturalmente em grupos, após terem visto o filme e começa-
ram a escrever em sala de aula o roteiro da fotonovela que seria executada como tarefa de casa. Essa
ocasião preciosa para reunirem os colegas fora do ambiente escolar, na casa de algum integrante do
grupo, ou em espaços da cidade, também foi acompanhada de muitos relatos de intervenções poli-
ciais, quando a história contada envolvia armas de brinquedo e fotografias na feira permanente, ao
amanhecer.
É preciso esclarecer que eu havia sugerido aos estudantes que, para obter fotografias bem con-
trastadas, como aquelas produzidas por Man Ray, eles deveriam aproveitar os horários em que a luz
produzia sombras interessantes, como o amanhecer e o entardecer, uma vez que a escola não possuía
um estúdio fotográfico.
Em 2003, os estudantes não dispunham ainda de celulares multifuncionais ou máquinas digi-
tais, e o trabalho foi realizado em máquinas fotográficas analógicas. A maior parte das máquinas eram
do tipo Kodak Instamatic, Yashica, Minolta todas automáticas ou descartáveis. Alguns estudantes
apareciam com uma máquina de melhor qualidade como a Olympus Pen, ou Canon, mas era raro os
estudantes utilizarem máquinas profissionais. Outro problema era explicar os conceitos e o funciona-
mento da máquina fotográfica, a compreensão dos alunos sobre os conceitos técnicos, como abertura
do diafragma, insolação. Explicar como se dava o processo das raiografias de Man Ray também não
foi nada fácil, pois os estudantes nunca haviam visto um laboratório fotográfico. Sendo assim, procu-
rei trabalhar com os alunos o conceito de enquadramento, luz e sombra.

Figuras 231 a 240- De cima para baixo: Pintura de Wilton Dias à guache a partir do filme Frida de Julie Taymor – Fotografias
de fotonovela Frida Kahlo de estudante do 3º ano EM, 2006
184

Como as histórias se construíam em ambientes fechados, o flash automático tornava as ima-


gens chapadas. Além disso, a visualização da imagem só ocorria após a revelação em lojas especiali-
zadas. Era uma época em que buscar as fotografias após a revelação era um prazer, uma descoberta,
uma vez que o resultado impresso nas fotografias era inusitado e imprevisível. Era raro descobrir uma
tiragem bem sucedida, já que os equipamentos eram baratos e de baixa qualidade. Já a temática das
fotografias e o roteiro das fotonovelas me surpreenderam, apesar dos resultados técnicos pífios.
Um grupo de estudantes do terceiro ano apresentou uma fotonovela intitulada “O desempre-
gado”, narraram, por meio de uma música popular de Gabriel Pensador “A dança do desempregado”,
bastante conhecida na época, a saga de um homem que fica desempregado e se envolve com o mundo
da criminalidade. Outro grupo narrou uma história de paixão, seguida de uma gravidez indesejada na
adolescência, de abandono familiar, de decepção, violência doméstica seguida de separação. O final
que não é feliz, o que é bastante comum e próximo da vivência dos estudantes, foi quase uma constan-
te em todos os trabalhos. Esses fatos convivem diariamente com os estudantes, sejam eles contados
por vizinhos ou familiares, pairam como um temor imaginário e uma possibilidade real.
As histórias contadas também são sangrentas e trágicas, como a história de um garoto que
gostava dos afazeres femininos e que possuía inclinações homossexuais. Os preconceitos da socie-
dade fazem com que ele esconda sua condição e termine se casando e tendo filhos, mas, mantém uma
vida dupla que é descoberta por sua família. O desfecho dessa história, bastante recorrente, aliás, é o
suicídio do protagonista.
A realidade relacionada ao consumo e tráfico de drogas também foi abordada pelos estudantes
que contaram o envolvimento de um grupo de amigos com as drogas e a destruição da vida de cada
um deles. A história falava em morte por “over dose”, em criminalidade para sustentar o vício, em
prisão e suicídio. Essas narrativas são próximas, estão ao lado, na frente dos estudantes. Histórias
escondidas nos depoimentos dos evangélicos, nas confissões aos padres, escondidas pelas mães que
visitam seus filhos presos e histórias que viram fofocas da vizinhança, que são manchetes de jornais
sensacionalistas e são sabidas por todos, também foram relatadas nos trabalhos escolares e comparti-
lhadas com os colegas.

Figura 241- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir da fotonovela “Desempregado” dos estudantes do 3º ano EM, 2004.
Figura 242- Composição de Yuri Paranhos e a autora a partir da fotonovela “Curvas sem fim” dos estudantes do 3º ano do EM, 2006.
Os estudantes se surpreendiam com a minha reação ao aplaudi-los e conferir-lhes a nota má-
xima, porque não acreditavam que haviam feito algo excepcional, como descontruir as narrativas das
telenovelas de forma tão simples e fácil. Fazíamos uma rodinha de avaliação e o trabalho era enrique-
cido com os relatos dos fatos sociais que lhes eram familiares. Analisávamos que as tragédias sociais
não interessavam às telenovelas. Por meio de perguntas formuladas por mim, os estudantes chegavam
a conclusão que a TV buscava a acomodação social e as histórias das telenovelas permitiam uma mo-
bilidade social pouco observada na realidade.
As histórias de amor e harmonia que se eternizam pelo casamento nas telenovelas não cor-
respondem às brigas que se pode observar nos relacionamentos mais próximos dos estudantes e que
se refletem na violência doméstica e alcoolismo. Todos esses aspectos estiveram presentes nas nar-
rativas fotográficas dos estudantes. A primeira edição do projeto, em 2003, refletiu nos trabalhos dos
estudantes uma consciência crítica muito grande e uma lucidez em relação à realidade surpreenden-
te. Para uma professora que pretendia fomentar essa crítica que parecia inexistente, o resultado foi
bastante gratificante. Eu tinha certeza de que todos esses sentimentos estavam latentes, precisando
apenas de uma proposta de trabalho instigante para se manifestar.
Esse projeto teve várias reedições e fez parte de meu trabalho entre os anos de 2003 e 2007,
nos três anos do Ensino Médio. Ele viu a popularização da máquina digital e a entrega para avaliação
dos trabalhos incorporando as novas tecnologias da informação e comunicação, com as fotografias
sendo editadas em softwares de editoração de imagens e entregues em DVDs. A qualidade da crítica
social, contudo, não foi observada na mesma proporção que se deu o avanço tecnológico, e as narra-
tivas imagéticas perderam em densidade, em comparação com as outras edições do projeto. Certeau
analisa a degradação da cultura como uma tática subversiva de revanche
contra o poder de dominação da produção:

Assim, uma vez analisadas as imagens distribuídas pela


TV e os tempos que se passa assistindo aos programas
televisivos, resta ainda perguntar o que é que o consumi-
dor fabrica com essas imagens e durante essas horas. [...]
o que é que eles “absorvem”, recebem e pagam? O que
fazem com isso? [...] O telespectador não escreve coisa
alguma na tela da TV. Ele é afastado do produto excluí-
do da manifestação. Perde seus direitos de autor, para se
tornar, ao que parece, um puro receptor, o espelho de um
ator multiforme e narcísico. No limite seria ele a imagem
de aparelhos que não mais precisam dele para se produ-
zir, a reprodução de uma “máquina celibatária”. [...] Por
espetacular que seja, o seu privilégio corre o risco de ser
apenas aparente, caso sirva apenas para quadro para as
práticas teimosas, astuciosas, cotidianas que o utilizam.
Aquilo que se chama de “vulgarização” ou “degradação”
de uma cultura seria então um aspecto, caricaturado e
parcial, da revanche que as táticas utilizadoras tomam do
poder dominador da produção (CERTAU, 2002, p.93-95).

É fato que existe um preconceito ancorado nos discursos, de que a


cultura de massa empobrece a crítica e provoca a acomodação dos sujeitos.
Entretanto, o aspecto subversivo dessas apropriações e (re)significações re-
side no fato de permitirem que seja o homem ordinário que determine o que
será distribuído pelas mídias e, nesse aspecto, o ciclo determinista se inverte.

Figura 243- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir da fotonovela “Vítima do Preconceito”
dos estudantes do 2º ano EM, 2004.
Figura 244- Composição da autora a partir da fotonovela “Consequências” dos estudantes do 3º ano EM, 2004.
Mesmo que seja a partir da demanda do consumidor que os ar-
tefatos se produzam, a falta de consciência em relação às con-
sequências desse consumo e principalmente do poder que tem o
consumidor de conduzir a direção da produção é assombrante.
A proliferação das imagens e os discursos que as acom-
panham direcionadas ao consumo acrítico, ao individualismo e
à banalização da violência, esses discursos calcados em sonhos
e desejos se internalizam nos estudantes e definem suas identi-
dades e percepção de realidade e de sociedade. Ainda segundo
Certau:

A publicidade, por exemplo, multiplica as


lendas de nossos desejos e de nossas me-
mórias, contando-as com o vocabulário dos
objetos de consumo. Ela debobina através
das ruas e nos subsolos do metrô o inter-
minável discurso de nossas epopeias. Seus
anúncios abrem nos muros espaços de so-
nho. Jamais talvez uma sociedade se te-
nha beneficiado de uma mitologia tão rica
(CERTEAU, 2002, p.201).

Essa mitologia relacionada aos sonhos dos estudantes


passa a ser narrada nas fotonovelas como reflexo dessa socie-
dade que consome desejos e vende objetos. A forma como nos
relacionamos com as visualidades nos definem como seres polí-
ticos, sociais e culturais, por isso é tão importante nos posicio-
narmos de forma crítica e consciente.

Figura 245- Composição da autora a partir da fotonovela “Entre nessa dança” dos
estudantes do 3º ano EM, 2006. FIM
192

Tarot

Em 2005, no início do ano, durante a semana de preparação do
ano letivo e de distribuição e escolha da carga de cada professor, fui con-
templada com turmas de primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino
Médio. Isso significa três conteúdos distintos, planejamentos e avaliações
diferentes para cada etapa do Ensino Médio, o que é o terror de grande
parte dos profissionais. Não gosto do conteúdo do primeiro e segundo
ano, não por temor de planejar 3 conteúdos distintos por semana, mas
porque me sinto mais confortável com o conteúdo do terceiro ano que
envolve o modernismo na arte e a arte contemporânea, mas, aceitei o
desafio.
Nessa primeira semana do ano letivo, fazemos o planejamento
anual e procuramos articular os conteúdos de cada bimestre com projetos
e metodologias. Eu procurei articular os conteúdos dos três anos do Ensi-
no Médio de forma que fosse possível desenvolver um único projeto.
O currículo dos primeiros anos no segundo bimestre prevê a pré-
-história, a antiguidade e a antiguidade clássica no primeiro semestre.
Pela minha experiência, sabia que os estudantes detestavam esse con-
teúdo, talvez por já o ter estudado no ensino fundamental à exaustão ou
por eu não ter conseguido captar sua atenção para a relevância do tema,
ou ainda por não encontrarem ressonância em suas vidas para esses re-
ferenciais imagéticos. Precisava encontrar uma estratégia para abordar a
mitologia de uma forma que fosse interessante para os estudantes.
A mitologia grega é importante porque tem uma extensa influên-
cia sobre a cultura, a arte e a literatura da “nossa” civilização ocidental.
Ela é importante para que se entenda as histórias que os homens criaram,

Figura 246- Fotografia da autora de cartas de baralho produzidos por diversos estudantes para o
projeto “Tarot – Conceito x Imagem”, 2005.
194

a fim de explicar os fatos que não compreendiam, como, por exemplo, a natureza do mundo. É a
partir da mitologia que os homens justificam as origens e os significados de seus cultos. Além disso,
trata-se de um conteúdo recorrente na arte , consequentemente nas avaliações externas. Privar os
estudantes de sua abordagem significa reduzir suas chances de prosseguir seus estudos no Ensino
Superior.
Esse conteúdo é tão importante que, no segundo ano, a mitologia grega reaparece na aborda-
gem do Neoclassicismo, como antítese ao período Barroco e ao Rococó. A introdução dessa análise se
faz a partir da comparação do exagero e maneirismo das estéticas predecessoras, com a temática das
representações clássicas e a retomada do Classicismo. Logo, é possível, no segundo bimestre, abordar
a mitologia grega também no segundo ano.
Já nos terceiros anos, dando continuidade à linha do tempo, o currículo prescreve para o
segundo bimestre abordar o Simbolismo e, a partir desse conteúdo curricular, é possível retomar a
mitologia clássica. As representações clássicas também são importantes para que os estudantes pos-
sam contrapor, dimensionar e entender a importância das representações abstratas e os movimentos
artísticos do modernismo. Nos planos de aulas, portanto, seria possível concomitantemente abordar a
mitologia grega para os três anos do Ensino Médio no segundo bimestre.
Talvez mais interessante do que situar a mitologia em diversos contextos históricos, seria
melhor contar as histórias de deuses e heróis e ilustrar essas histórias com suas representações encon-
tradas nos trabalhos de diversos artistas, em diversos momentos da história da arte. Melhor ainda seria
solicitar que os estudantes ilustrassem estas histórias, a partir das visualidades representativas dos
conceitos que cada história aportava à eles. Martins aborda essa questão e resume minhas pretensões
relacionadas à prática pedagógica:

o papel que as imagens desempenham na cultura e nas instituições culturais não é


o de refletir a realidade ou torna-la mais real, mas de articular e colocar em cena a
diversidade de sentidos e significados. Embora indivíduos de um mesmo grupo ou
comunidade convivam com as mesmas imagens, cada um as vive e interpreta de
maneira diferente, distinta, criando brechas e espaços de diversidade. O problema é
que grupos hegemônicos aspiram impor e autorizar suas interpretações, seu nível de

Figura 247- Tarot mitológico de Liz Greene e Julie Sharman-Burke.


196

verdade, constrangendo os outros a aceitar esta interpretação ou a lutar para libertar


Figura 248- Composição da autora com Cartas do Tarot mitológico e do Tarot nórdico Lo Scarabeo.

as imagens do humo imobilizador do habitus acadêmico ou mercadológico (MAR-


TINS, 2007, p. 5).

Considerando o perigo de associar os significados das imagens com uma visão consolidada e
fixa desses conceitos, como alerta Martins, decidi que, em um primeiro momento, não mostraria as
representações dos conceitos, a partir da visão dos artistas ao longo da história da arte, mas deixaria
os estudantes aportarem as visualidades que lhes fossem mais significativas para representar um con-
ceito dado.
Lembrei que me havia sido presenteado um livro acompanhado de um jogo de tarot naquele
último natal. Como coleciono baralhos do jogo de tarot, aquele presente me agradou mais do que
qualquer outro e estava bastante presente na minha memória naquele momento. Em 1986 a astróloga
e escritora Liz Greene criou, em parceria com Juliet Sharman-Burke “O Tarot Mitológico”. A partir
dos 22 arcanos maiores do tarot, eram contados os mitos da antiguidade clássica que foram associa-
dos a conceitos como: Inconsciência, habilidade, sabedoria, inteligência, vontade, fé, fertilidade, per-
curso, equilíbrio, meditação, sorte, energia, expiação, metamorfose, alma, sedução, desabamento,
esperança, ilusões, bem estar, despertar e mundo. Tive, então, a ideia de introduzir os estudantes na
mitologia grega, a partir desses conceitos extraídos do jogo de tarot.
Sabia que falar de deuses em uma comunidade predominantemente evangélica poderia causar
polêmica, mas me aventurei nessa abordagem por acreditar que os estudantes poderiam se interessar
197

mais pelo tema e também porque acreditava, e ainda acredito, que a arte possibilita questionamentos
e quebra de paradigmas.
Comecei no primeiro bimestre a colecionar anúncios de videntes e cartomantes. Buscava nos
semáforos da W3 (Avenida Comercial de Brasília) aqueles santinhos que são distribuídos com dizeres
como: “Dona Dayane traz seu amor de volta”, “Irmã Mara, espírita vidente”, “Vidente Fátima”, “Jogo
de búzios com Maria de Oxóssi”, “Tarot e numerologia. Grátis a primeira consulta.”, “Banhos de des-
carrego” e por aí vai... Também vislumbrei a partir dessa abordagem, a chance de discutir e analisar
com os estudantes crenças e dogmas religiosos.
Iniciei o projeto perguntando aos estudantes quem já havia visitado uma cartomante? As me-
ninas, principalmente, já haviam procurado esse “serviço” e muitos relatos se seguiam, como o de
pessoas exploradas por suas crenças ou ainda relatos que comprovavam a eficiência do tarot ou do
jogo de búzios para esclarecer situações e problemas. Quando o debate já estava acalorado e os estu-
dantes divididos entre os que acreditavam nas cartomantes e aqueles que as chamavam de charlatãs,
eu intervi. Primeiro expliquei o que era um oráculo, seu funcionamento e perguntei se os estudantes
gostariam de aprender o jogo, até para não cair mais no conto da “Madame Dayane”.
Todos concordaram em produzir, como trabalho de avaliação do bimestre, um jogo de tarot e,
a partir dele, estudar a mitologia. A partir daí, distribui cartolinas brancas para cada um dos estudantes

Figura 249 a 251- Publicidade de Dona Daiane na Viação São José – BSB - Out door com Dona
Daiane em Brasília, “santinho” distribuído nos semáforos.
198

e pedi para que cortassem a cartolina no formato de uma carta de baralho. Enquanto os procedimentos
eram executados, eu contava histórias de oráculos. Quando percebia que os estudantes já possuíam
um número razoável de cartas, o trabalho era iniciado.
Pedi para que ilustrassem a primeira carta, criando uma imagem para o conceito de inconsci-
ência, tarefa muito difícil, segundo os estudantes, pois se tratava de um conceito abstrato e que não
possuía uma representação única. Em suas criações os estudantes desenharam pessoas dormindo,
outro estudante representou o conceito por uma camisa de força, outro por um bêbado, outro pelo
perigo de andar em uma corda bamba. Outros estudantes do 3º ano, influenciados pelo abstracionis-
mo, criavam imagens geométricas ou inspirados por Kandinsky e suas abstrações fluidas. À medida
que os estudantes desenhavam e pintavam, eu circulava entre as carteiras e, quando percebia que já
estavam quase concluindo o trabalho, eu começava a contar a história de Dionísio e de suas aventuras.
Todos prestavam atenção.
Mostrava, em seguida, representações de Dionísio na estatuária e nas cerâmicas gregas, na
visão de Caravaggio, Rubens entre outros. Para finalizar, os estudantes atribuíam o número zero à
primeira carta do baralho e escreviam a palavra inconsciência na parte inferior da carta, e Dionísio na
parte superior, finalizando a tarefa. Previ que em 4 ou 5 aulas terminaríamos o baralho, abordando
em cada aula cerca de 4 a 5 conceitos.
A brincadeira de buscar uma representação artística para um conceito abstrato era esperada
pelos estudantes semanalmente. Alguns alunos se queixavam que sentiam dificuldades para desenhar
e eu sugeri que poderiam usar colagens para obter resultados mais satisfatórios. Diante da curiosidade
de todos em saber os próximos conceitos a serem abordados, escrevi no quadro negro os números e
os 22 conceitos que as cartas (os arcanos maiores do tarot) representavam.
Alguns estudantes estavam tão ansiosos para aprender a jogar que, na aula seguinte, trouxe-
ram os vinte e dois arcanos já desenhados ou colados em casa. Pesquisavam nas lan houses sobre
a mitologia grega e suas histórias e entenderam que a mitologia permanece até hoje como parte da
herança e da linguagem ocidental.

Figura 252- Fotografia da autora de representações de “inconsciência”


em cartas de baralhos feitos por diversos estudantes do CEM 01, 2005.
Conceito x imagem

Em uma segunda-feira, fui procurada por uma estudante que me relatou que seus
pais a haviam proibido de continuar o trabalho iniciado na escola, alegando que aquela
prática não era permitida em sua igreja. Ela havia utilizado a palavra tarot para se refe-
rir à atividade que estávamos realizando e eu expliquei à ela que estávamos estudando
a mitologia grega, que era conteúdo obrigatório. Argumentei também que estávamos
associando os conceitos relacionados a significação dos mitos com as imagens criadas,
a partir do imaginário dos estudantes, e que a estratégia de construir cartas de baralho
tinha como objetivo memorizar mais facilmente tantas histórias. Por fim, eu disse que
se ela não conseguisse justificar o trabalho, que pedisse para que seus pais viessem con-
versar comigo, mas eles não me procuraram.
Em todas as salas expliquei o objetivo de nosso trabalho. A partir desse dia, pas-
sei a tratar o trabalho como conceito x imagem e evitava utilizar a palavra tarot para me
referir ao projeto. Mesmo assim, os estudantes queriam aprender a jogar com o oráculo
e terminar o baralho significava fazer perguntas que precisavam de respostas que os es-
tudantes não possuíam.
A aula de arte era esperada pelos estudantes com ansiedade e eu contava as his-
tórias da mitologia, eu me preparava para conta-las, fazendo barulhos, exagerando nos
relatos, como se uma magia se produzisse, como se eu estivesse contando histórias para
crianças. O conceito de habilidade foi associado ao mito de Hermes, Deus da magia e da
adivinhação. O conceito de sabedoria foi associado ao mito de Perséfone e a explicação
fantástica das quatro estações do ano. O conceito de fertilidade se relacionava com o
mito de Hera, esposa de Zeus e Deusa do casamento e seu ciúme incontrolável. A pala-
vra vontade remetia ao mito de Zeus, Deus dos deuses.
Em outra aula, a palavra fé deu início à prática pedagógica. Essa palavra se arti-
culava ao mito de Quirom, o sábio que pode curar os outros, mas, que não pode curar a

Figura 253- Fotografias da autora de representações do conceito “fé”


em cartas de baralho executadas por estudantes do 3º ano EM, 2005.
201

si próprio. O conceito de fé e as significações dessa palavra para os estudantes provocavam grandes


discussões que desembocavam em dogmas religiosos, obrigando uma mediação da minha parte, a fim
de minimizar os conflitos causados pelas diferentes visões de mundo. O conceito de escolha foi asso-
ciado ao mito de Páris e sua escolha por Helena, o que desencadeia, segundo a mitologia, a guerra de
Tróia. Ao conceito de percurso, o mito de Áres o Deus da Guerra foi articulado. A palavra equilíbrio
remete por sua vez ao mito de Atena Deusa da Justiça.
Todas as aulas promoviam discussões filosóficas importantes que me impulsionavam a buscar
representações artísticas para, após as criações dos estudantes, enriquece-los com outras abordagens
de representações visuais, a partir dos conceitos. No frontão do Partenon grego figura a imagem do
centauro Quíron e também na cerâmica. Essa imagem desconstruía a imagem de fé associada aos
conceitos cristãos e provocava bastante polêmica. A pintura de Victor Meireles intitulada Moema
possibilitou discussões sobre o conceito de Justiça e a obra de Jacques Louis David que ilustra o amor
de Páris e Helena também provocaram discussões acaloradas quando o tema das consequências de
nossas escolhas era abordado, sempre exemplificado por causos contados pelos estudantes de situa-
ções vivenciadas ou conhecidas.
Ao conceito de meditação foi associado ao mito de Cronos, Deus do tempo. A sorte, e o des-
tino dos homens são regidos pelas Moiras e a Roda da fortuna. O conceito de energia e força foi re-
presentado pelo mito de Hércules, o semideus perseguido por Hera, e as vitórias de Hércules em suas
muitas aventuras e conquistas. O conceito de expiação é construído a partir do mito de Prometeu, o
Titã que roubou o fogo dos Deuses para dá-lo aos homens, sua criação. O conceito de metamorfose
esta associado ao Deus da morte Hades que dominava o mundo inferior. Na aula em que esses con-
ceitos eram abordados, o mito de Prometeu também causava polêmica porque, para a maior parte dos
estudantes, parecia heresia associar esse personagem à criação do homem. A palavra expiação tam-
bém não fazia parte do vocabulário dos estudantes e o dicionário me acompanhava em cada turma.
A polêmica em torno da criação do homem por Prometeu era apaziguada pela consideração da rela-
tividade de um conceito como “verdade” única. A interpretação do mito associada ao sacrifício em
prol de um benefício maior também direcionava as discussões para outros relatos. Mas as discussões
203

mais interessantes ocorriam quando tratávamos de um assunto muito presente na vida dos estudantes,
como a morte de amigos e conhecidos ocasionada em grande parte pela guerra de gangues. O enten-
dimento de morte como transformação também provocava criações artísticas impressionantes.
Mais uma semana e estávamos todos discutindo o conceito de Alma que na mitologia remete
à Isis, a Deusa do arco-íris, mensageira dos Deuses que aporta aos homens, segundo a mitologia: mi-
sericórdia, pacificação, consolo, bondade e temperança. O conceito de sedução foi construído a partir
do mito de Pan, o fauno dos bosques, personagem selvagem, Deus dos rebanhos e dos pastores. O
conceito de desabamento remete à Poseidon, Deus dos mares, personagem mitológico imprevisível
que ocasiona maremotos e calmarias. O mito de Pandora, divindade doadora de talentos, libertou de
um baú, por sua extrema curiosidade, a esperança que estava aprisionada com os males do mundo. A
palavra alma direcionava as discussões em sala de aula e as representações dos estudantes para a vida
após a morte e às imagens de filmes que associam o conceito à para-normalidade e às assombrações.
Entretanto, outras palavras como bondade, pacificação e misericórdia também associadas ao conceito
direcionavam as representações imagéticas e apontavam para a pacificação dos conflitos entre gan-
gues rivais.
Na última aula antes de informar aos estudantes as regras do jogo, tratamos do conceito de
ilusões, e a história de Hécate, Deusa da lua, rainha do mundo dos espíritos, divindade noturna asso-
ciada ao controle do submundo, do paraíso e da terra. O conceito de bem estar e de arte foi associado
à Apolo, Deus sol, da música, da beleza, da juventude e da profecia. A palavra despertar traz o mito
de Hérmes, mensageiro dos Deuses novamente ao centro das discussões. Por último o conceito de
mundo ou de labirinto apresentava aos estudantes o mito de Hermafrodito, filho de Hérmes e Afrodite
que se apresenta como macho e fêmea em um só corpo. Esse personagem mitológico também está
associado ao êxtase e à completude.
Essa foi a aula mais polêmica porque abordava questões de gênero, o respeito às diferenças e
à homossexualidade. Como os preconceitos relacionados à aceitação do outro, distinto dos padrões
de normalidade, estava muito presente na comunidade e as discussões desembocavam em citações
bíblicas, eu mediava as discussões apresentando aos estudantes a história da sexualidade de Michel

Figura 254- Composição da autora com cartas de Tarot de estudantes do CEM 01.
204

Foucault. Se não os convencia plenamente, pelo menos relativizava os conceitos fechados em si mes-
mos como verdades absolutas.
É claro que representações visuais estereotipadas também suscitavam novas discussões sobre
essa questão e a aula terminava sem que se chegasse a um consenso. Felizmente, eles instauravam
a dúvida e outros questionamentos relacionados à hipocrisia da sociedade que promove a repressão
sexual. Nas regras que a sociedade impõe não podemos falar de sexo, contudo, psicólogos lucram
quando é permitido nesse contexto falar de fantasias, desejos, insatisfações. As prostitutas e o merca-
do do sexo como mercadoria são condenados, mas não extintos. Porque?
Algumas questões foucaultianas foram levadas aos estudantes como: Será que o sexo sempre
foi reprimido em todos os momentos da história? Como ocorria em outras culturas, antes da Bíblia
existir? Como o sexo é reprimido? Porque a repressão sexual é uma forma de poder? Porque a escola,
a igreja, a família, as pessoas não abordam essa questão de forma natural? Porque o indivíduo precisa
ser controlado? A quem interessa esse controle? Como o sexo se torna um problema econômico e
político? O que existe de perigoso no ato sexual? Porque a sexualidade é vigiada e punida pela socie-
dade? Essas questões foram escritas no quadro para que os estudantes refletissem sobre o assunto para
que pudéssemos discuti-las na próxima aula.
Esperava que alguns estudantes levassem essas questões ao pastor ou a seus familiares, mas
eles não o fizeram. Acredito que assim procederam, por não desejarem perder a discussão sobre o
assunto. O desafio de abordar essa questão entre adolescentes é enorme, mas como desconsiderá-la,
se esse assunto é o que mais interessa aos jovens? Tavin (2009, p.228) ao considerar o texto intitulado
Interdisciplinary approaches to teaching art in high scoool - Abordagens interdisciplinares ao ensino
da arte no Ensino Médio (Pam Taylor, Steve Carpenter, Christine Ballengee-Morris e Billie Session,
2006.) recomendam aos professores de arte que estes baseiem suas unidades de ensino em um proble-
ma ou questão obtidos de obras de arte e da cultura visual.
A obra de arte escolhida para dar início às discussões foi: A origem do mundo de 1866 de
Gustave Courbet. Após a apresentação da imagem aos estudantes, todos falavam ao mesmo tempo e
comentavam, sorriam e algumas meninas ficavam envergonhadas e ruborizadas. Perguntei por que
205

essas imagens provocavam tantas sensações diferentes entre os estudantes? Problematizei que falar
de sexo e abordar essa questão é considerado pela sociedade como algo constrangedor, ridículo e
desnecessário e perguntei porque se todos vivenciamos a sexualidade diariamente?
Organizei as falas de modo que todos pudessem falar e serem ouvidos. Logo a sala se dividia
em 2 lados. De um lado, os estudantes que defendiam abordar o tema de forma natural, geralmente os
homens. De outro, aqueles que ponderavam que não seria educado, por causar desconforto, porque
vivemos todos vestidos e a nudez é incômoda. Nesse grupo, predominavam as mulheres. Ponderei
que a divisão da sala em gêneros ocorria porque os homens foram estimulados a exercitar a sexuali-
dade, ao passo que as mulheres são reprimidas pela família e pela sociedade.

Figura 255- “A origem do mundo”, Gustave Courbet, 1865.


206

Voltamos às questões que eu havia colocado no quadro negro para que refletissem. Espantou-
-me a seriedade com que as questões eram abordadas. Alguns estudantes haviam pesquisado e trouxe-
ram valiosas contribuições às discussões. As questões religiosas também se colocavam e eram argu-
mentos associados à moralidade, aos bons costumes. Eu intervinha e perguntava: bom para quem? É
bom para os homens que as mulheres não conheçam o sexo e se satisfaçam com o que lhes está sendo
oferecido? Porque a mulher é representada nua com muito mais frequência que os homens? Porque
a mulher se torna mercadoria? Porque nos conformamos? Porque não questionamos? Porque sexo
só é tratado como pornografia ou piada? Quem compra pornografia? Quanto se lucra com a porno-
grafia? Procurava não afirmar nada, levantava questões para que os próprios estudantes refletissem e
respondessem. Algumas vezes tive que intervir com mais questões. A polarização da sala se manteve
e o debate se estendeu. Rorty afirma que ampliar nossas relações e travar conhecimento com pessoas
desconhecidas impulsiona novos jogos de linguagem e acrescento também relativizações culturais:

Nada pode servir como crítica de uma pessoa salvo outra pessoa, ou como crítica
de uma cultura salvo outra cultura alternativa, pois, para nós, pessoas e culturas são
léxicos encarnados. Por isso, nossas dúvidas acerca de nossos caracteres ou de nossa
cultura apenas podem ser resolvidas ou mitigadas mediante a ampliação de nossas
relações [...]. Os ironistas temem ficar presos ao léxico em que foram educados se
apenas conhecem gente da vizinhança, de maneira que tentam travar conhecimento
com pessoas desconhecidas (RORTY, 1989, p. 80).

Aguirre (2009, p. 177) defende o método dos escritores e oradores que se servem da ironia
com frequência, por buscarem novos léxicos e por ser mais eficaz na geração de novas maneiras de
ver o mundo. Relativizar posicionamentos pessoais e culturais foi minha intenção, quando os ques-
tionamentos os calavam e os faziam refletir, eu vibrava, mas sem demonstrar minha satisfação. Inseri
na discussão o ponto de vista Hindu e o Kama Sutra, para que considerassem outra abordagem para a
sexualidade que não a cristã. Na Índia clássica, a espiritualidade se mistura com a sexualidade, mas os
estudantes nunca haviam considerado outras visões a respeito do assunto. Gostaria de ter fotografado
suas expressões de estranhamento e perplexidade. Tenho consciência que os estudantes aprenderam
muito com as informações visuais que introduzi em suas vidas, muito mais do que se tivesse escolhi-

Figura 256- Fotografias da autora de Tarot de Wagner B. Rocha.


207

do outra abordagem, como a textual. Freedman argumenta que existe um conflito entre a educação
que busca resultados e a arte que busca o imprevisto. Segundo a autora:

Quando os estudantes desenvolvem uma compreensão mais profunda de suas ex-


periências visuais, podem ver de forma crítica as aparências superficiais e começar
a refletir sobre a importância da arte visual para dar forma a cultura, a sociedade e
identidade individual (FREEDMAN, 2006, p.19).

Hernández (2005, p.32) defende, por sua vez, estratégias pedagógicas que, mediante a criação
de situações de vivência, convivência e colaboração, dando abertura à diversidade sempre presente
nos grupos, possibilitem a reconstrução de conhecimentos. Busco articular em meus planejamentos
de aula a busca pelos bons resultados dos estudantes nas avaliações externas, com o que Freedman
chamou de busca pelo imprevisto que a arte pode promover. Mas não existe uma estratégia prevista.
Trata-se de um projeto, o da cultura visual definido por Tavin (2009, p.225), a fim de tentar compre-
ender esta condição cultural, suas manifestações materiais e simbólicas e o efeito que ela exerce sobre
nossas identidades individuais e coletivas. Uma estudante disse: “A professora causou!” se referindo
ao efeito que causei com o projeto nos estudantes.
Em outras aulas, além de introduzir os estudantes nas regras do jogo de tarot voltamos aos
temas que foram discutidos de forma superficial, como por exemplo, a significação da palavra arte
estar associada ao bem-estar e ao Deus sol Apolo. Me emocionou a fala de um estudante que definiu
a arte como “a forma mais poderosa e forte de aprender sobre a vida e as coisas do mundo”. Nunca
esqueci a frase. Esse estudante sintetizou o projeto e principalmente meu objetivo como educadora
pela arte.
5

aCHadOs nOS DadOs


210

Achados nos dados



A análise dos dados aponta para:

• Empoderamento dos sujeitos no contexto da execução dos projetos. Fomentaram


agência uma vez que assumiram a responsabilidade de conscientizadores/sensibilizadores
da/na comunidade.
• A importância das práticas pedagógicas foi identificada como memória importante da
vida dos estudantes.
• Os estudantes relacionam suas lembranças da época da execução dos projetos com o
estranhamento da comunidade escolar em relação à essas práticas.
• Os projetos foram descritos como desafios que os tornaram mais críticos e conscientes
de suas posições no mundo. Mais atentos às questões políticas.
• Os estudantes possuem lembranças dos questionamentos que proporcionaram refle-
xões na época e posteriormente a execução dos projetos.
• Relatos de mudanças de atitudes, mais respeito à alteridade.
• História da arte e a arte contemporânea apreendida superficialmente pela maioria. Tó-
picos como barroco e rococó foram bastante lembrados. Poucos consideraram esse co-
nhecimento importante para suas vidas.
• Práticas pedagógicas lembradas e relacionadas com novos posicionamentos identi-
tários. Estimularam a reflexão, criação e transformação dos estudantes reflexa em mais
independência, e uma maior confiança em relação à seus destinos.
• Os projetos foram responsáveis por tornar os estudantes mais atentos e críticos em
relação às imagens veiculadas pelas mídias.
• Os projetos foram importantes para os estudantes porque permitiram o envolvimento
coletivo no trabalho, e envolviam temas do cotidiano.

O resultado da análise dessa pequena amostragem levantada pela investigação aponta para o
empoderamento dos sujeitos e revela a influência que essas práticas pedagógicas exerceram na vida
dos estudantes. Ela demonstra, contudo, que meus objetivos eram opostos ao que se espera de um
professor de arte, na medida em que a “sociedade de controle” ou “capitalismo designer” (JAGO-
DZINSKI, 2009) tornou-se a forma hegemônica de escolarização. Nesse contexto, é cobrado dos
211

Figura 259- “Olho por olho”, Augusto de Campos, 1964.


212

professores de arte que arte e estética tenham uma utilidade, ou seja, a


arte é útil quando estetiza a escola, o que, definitivamente, não se po-
dia observar em minhas práticas pedagógica. Da mesma forma, para o
“capitalismo designer” quando a disciplina arte puder estar relacionada
a outras disciplinas a fim de aprimorá-las, ela também terá utilidade e,
eventualmente, isso até acontecia com as minhas práticas.
Essa expectativa do “capitalismo designer” em relação à arte pode
ser muito criticada e não seria conveniente afirmar que a arte na escola
realizada desta maneira, colabora com a transformação social. A arte na
escola que eu propunha foi, portanto, muito questionada, o que fica evi-
denciado nos relatos dos estudantes, quando lembravam das reações de
estranhamento que minhas práticas suscitavam nos membros da comuni-
dade escolar.
Além do desejo de ver a sociedade de outra forma e a arte como
um catalisador da transformação social, restaria investigar em que medi-
da essas ações efetivas de agenciamento coletivo e individual se tornaram
uma atitude incorporada pelos estudantes, como uma maneira de ver, ser
e estar no mundo. Essa dúvida me incomoda e atormenta. Foi necessário
compartilhar meus referenciais estéticos com os estudantes, isso é fato,
mas não percebo ainda em que medida os referenciais culturais daquela
comunidade foram considerados e ressignificados por esses.
Questiono ainda, se o resultado do trabalho que desafiou os estu-
dantes, segundo eles próprios, refletiu em suas atitudes. Nesse caso, en-
contro reconforto nos depoimentos dos estudantes que demonstram que a
perspectiva da cultura visual e, em seu âmbito, as obras da história da arte,
possibilitaram a edificação de pessoas melhores, críticas e conscientes de
sua posição no mundo.

Figura 260- “ Caminho incerteza”, Carlione Ramos, 2013.


213

Aprendi nesse processo que muito mais importante que a resposta dos estudantes às questões
levantadas durante a execução dos projetos, é a pergunta que proporciona reflexão. Entre tantas ques-
tões me lembro de algumas que silenciaram os estudantes: “Você faz só para o gasto ou dá o melhor
de si nas coisas que realiza?” ou “O que você está fazendo para realizar seus sonhos?” ou ainda “Você
se coloca no lugar do outro antes de julgá-lo?” “Porque a repressão sexual é uma forma de poder?”
e ainda “Qual é a sua atitude diante de uma injustiça?”. Essas reflexões, em alguns casos, ocorrem
simultaneamente ao desenvolvimento do projeto, enquanto, em outros casos, demanda muito mais
tempo. Às vezes só são respondidas anos depois, diante dos atos e fatos da vida. Essas questões per-
maneceram latentes durante o transcurso de uma fração de vida e, quando demandada a resposta, a
reflexão já havia sido feita em outro contexto, no contexto do desenvolvimento dos projetos mesmo
que na época não estivessem internalizadas.
De fato, muitas vezes, as respostas às ações pedagógicas não são imediatas e precisam de tem-
po para amadurecer. Nesse sentido, foi importante o tempo transcorrido entre as ações desenvolvidas
em sala de aula e as respostas dos estudantes aos questionários e nos grupos focais. Por vezes, não é
possível observar nos relatos uma mudança de comportamento individual, social ou cultural nos estu-
dantes, a partir dessas práticas pedagógicas. Em outros casos, percebo que os projetos possibilitaram
mudanças de comportamento e atitudes.
Pude encontrar nas questões alvo dessa investigação, após análise dos grupos focais e questio-
nários, que muitas respostas dos estudantes também proporcionaram a minha reflexão sobre o traba-
lho e sua condução. Entre tantas narrativas relacionadas à experiência é recorrente a palavra desafio,
ao invés de projeto de trabalho. Refleti que a palavra projeto remete ao futuro e que o desafio se impõe
no presente, o que o torna mais motivador e instigante na ótica do comportamento humano reflexo no
imediatismo da vida contemporânea.
Apesar de ter trabalhado as visualidades que encontravam significação junto aos estudantes,
minha preocupação era instrumentaliza-los para as avaliações externas e, nesse sentido, a história
da arte foi um fio condutor para a execução das práticas pedagógicas. É possível inferir, a partir dos
dados observados, que esses conteúdos foram abordados considerando a história da arte, mas que
214

não encontraram ressonância junto aos estudantes, fato esse que talvez possa ter comprometido a
aprendizagem significativa desses conteúdos, ou terem sido desfocados pelas visualidades articuladas
à história da arte. Uma estudante que participou de grupo focal, entretanto, foi bastante enfática, ao
afirmar que os conteúdos da história da arte fizeram toda a diferença quando estava na universidade
e que muitos de seus colegas universitários não possuíam as referências da história da arte e da arte
contemporânea que ela havia conhecido na escola secundária e que nunca havia esquecido.
Como aspecto secundário à essa investigação, questiono se o currículo proposto e instituído
contribui ou dificulta a abordagem da Educação em Cultura Visual e ainda em que medida esses pro-
jetos, melhor definidos como desafios, serviram para tornar a aprendizagem de conceitos da arte e
da sociedade mais significativos, uma vez que, para alguns estudantes, a resposta foi muito positiva
e para outros nem tanto. O redirecionamento desses questionamentos, além daqueles elencados para
essa investigação, possibilitam novas investigações e análises.
Destaco algumas respostas dos estudantes que considerei importantes para reafirmar a Edu-
cação em cultura visual e a Pedagogia crítica como forma de se repensar a escola e sua relação com
a sociedade: perguntei por que se lembravam dos projetos e das práticas de arte na escola? Uma
estudante respondeu: “Porque comecei a me afirmar como pessoa a me sentir parte importante da
minha própria história, além de descobrir que eu podia ser capaz de criar algo de valor”. A fala
dessa estudante pode aqui ser entendida como consequência desse novo papel das artes visuais, nesse
entrelaçamento dos sujeitos com experiências educacionais que viabilizam novos posicionamentos
relacionados à identidade. Como disse Aguirre justificando a cultura visual nas práticas educativas:

[...] pela capacidade de propiciar transformações pessoais, de formar critério, de


enriquecer a experiência estética, de ampliar o conhecimento de si mesmo e dos ou-
tros, pela possibilidade de gerar tramas com causas próprias e alheias ou de suscitar
o ânimo compassivo. Em suma, capacidade de contribuir para isso que tantas vezes
se denomina como construção identitária (AGUIRRE, 2009, p. 166).

Esfumaçar os limites territoriais entre a alta cultura, a cultura popular e a cultura de massa
possibilitaram ainda, como bem disse Aguirre (2009, p.166): “afrontar criticamente a estreiteza da es-
215

tereotipante redundância temática, ideológica e estética da


cultura de massa”. Outra estudante disse que se lembrava
das práticas de arte na escola: “Porque me tornou mais
atenta e crítica”. Reforçando a fala da estudante, ela quis
dizer que o estudo da cultura popular, da cultura de massa
de forma crítica a fez prestar mais atenção às imagens e
seu discurso que, a partir daí, se impôs a crítica às repre-
sentações visuais.
Outro estudante disse que lembrava dos projetos
“porque permitiram o envolvimento do coletivo, estimula-
vam os alunos a pensar, refletir, criar e transformar. Era
uma criação coletiva. A escolha da minha profissão, pro-
jetos pessoais e profissional foram guiados e incentivados
a partir da vivência na escola e sobretudo nos projetos
de artes visuais.”. Esse estudante foi enfático ao afirmar
que foram os projetos de artes visuais que o estimularam
a refletir, pensar, criar e transformar. Jagodzinski sustenta
que “a prática artística política não é apenas uma crítica
institucional e ideológica, ela envolve a produção ativa da
subjetividade própria de uma pessoa” (2009, p.133).
No grupo, as identidades e subjetividade pessoais
se tornam fluidas e se re-constroem mais facilmente quan-
do é imperativo criar coletivamente. Procurei incentivar
práticas de criação coletiva “pela severidade das condi-
ções de vida em ambientes de exclusão social que por tal
contiguidade dos vínculos que limita e impede até mes-
mo percepções ordenadas sobre a sociedade mais ampla”

Figura 261- “ The tail tate”, Lewis Carrol, 1865.


216

(ABRAMOVAY, 2004, p. 21) visaram fortalecer os laços entre os estudantes e fomentar uma prática
colaborativa.
Outra ex-estudante respondeu que foi “Pelo envolvimento com temas do cotidiano”. Ainda
me questiono porque essa abordagem pedagógica passa a fazer parte da memória dos estudantes e se
relaciona à lembrança dos projetos de artes visuais. Certeau utiliza o prefácio de Leuilliot para o livro
de Thuillier para definir cotidiano e a resposta a minha pergunta talvez encontre um eco na invisibili-
dade dessa temática para historiadores e, acrescento, a/r/tógrafos:

O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pres-
siona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela
manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver,
ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano
é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-
-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer
este “mundo memória”, segundo a expressão de Péghy. É um mundo que amamos
profundamente, memória olfativa, memória de lugares da infância, dos prazeres.
Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta história “irracional”,
ou desta “não-história”, como o diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador
do cotidiano é o Invisível (LEUILLIOT, apud CERTEAU, GIARD, MAYOL, 2002,
p.31).

Nessa definição estabelecemos uma relação de fadiga e amor com o que vivemos no dia a
dia, mas essa familiaridade é confortante para os estudantes que resgatam esse tema, que conhecem
melhor que ninguém. Aos poucos, fui me dando conta que os objetivos dos projetos tinham sido
atingidos, que os meninos e meninas haviam ganhado confiança em si próprios e que reafirmaram
suas identidades de forma positiva, que a pedagogia cultural havia contribuído para formar cidadãos
críticos e que essas práticas haviam possibilitado criar, refletir e transformar a realidade. O que mais
um profissional poderia desejar ouvir de seus ex-alunos e alunas?
Por outro lado, me pergunto se as identidades expostas seriam aquelas que os estudantes tra-
ziam dentro de si ou se as apresentaram da forma como queriam ser vistos pelo coletivo e, portanto,
somente o aspecto positivo havia sido ressaltado naquele momento de afirmação pessoal. Também

Figura 262- “Bronislava Nijinska”, Man Ray, 1922.


218

me questionei se a transformação de um aspecto da realidade


por eles vivenciada teria sido um episódio pontual ou se esses
procedimentos teriam sido internalizados e ainda se manifes-
tavam em ações cotidianas de ação política e cultural efetiva.
Muitas dessas questões demandariam outra investigação vol-
tada para a vida dos estudantes, após o período escolar, o que
não é meu propósito aqui.
Além das dúvidas suscitadas pelo processo investiga-
tivo, pude constatar que alguns aspectos do currículo de artes
visuais composto pela história da arte, a crítica das imagens e
criação artística foram apreendidos pelos estudantes, não sen-
do possível, entretanto, dimensionar a extensão dessa apreen-
são de conhecimento, o que também não foi meu intento.
Espantou-me observar que o conteúdo “barroco e roco-
có” especialmente, encontra espaço significativo em suas me-
mórias. Em minhas lembranças associei esse fato a um outro
projeto que não foi selecionado para a investigação, o projeto
“Por ti São Sebastião de estilismo e moda” desenvolvido no
CEM 01, o “Centrão”, a partir da visita à exposição das obras
de Aleijadinho, no CCBB de Brasília, em 2007, quando os alu-
219

nos e as alunas foram desafiados à criar uma coleção de moda a partir desse tema.
Essa primeira análise pode ter sido superficial, uma vez que o referencial “barroco” trata-se
do “ar do tempo”, segundo Maffesoli (2006). O “barroco” para o sociólogo francês, professor da Uni-
versidade de Paris V, é a atmosfera mental e percebe-se uma crise civilizacional onde alguma coisa
acaba, e não temos mais consciência do que somos e que existe qualquer coisa, outra coisa, que toma
o lugar do que outrora acreditávamos ser a finalidade de nossa existência. Durante o vigésimo ter-
ceiro CONFAEB (Conferência da Federação de Arte Educadores Brasileiros), em Porto de Galinhas,
Pernambuco no ano de 2013, tive a oportunidade de ouvir a aula inaugural de Michel Maffesoli. O
sociólogo identificou uma série de características presentes na pós-modernidade decorrentes de uma
saturação cultural, uma mutação, quando os princípios constitutivos da modernidade, o racionalismo
e individualismo, necessários à edificação da sociedade industrial, provocam um desencantamento e
são substituídos por outro paradigma, que ele chamou de uma “barroquisação” do mundo.
Essa sensibilidade que coloca em sinergia o arcaico fundamental e o virtual permite que ob-
servemos a eclosão de um materialismo místico, uma estetização da vida social e um hedonismo
popular. Em outras palavras: a valorização do corpo por si mesmo, uma paixão coletiva, um êxtase
observável nos eventos esportivos, no fundamentalismo religioso, no imediatismo, na importância
atribuída ao presente que conduz os sujeitos a fazer de suas vidas uma obra de arte. Agora, não mais
se projeta um futuro, mas, busca-se a experiência com o outro e a iniciação.
Essa iniciação substitui na pós-modernidade o processo educativo baseado no racionalismo,
pelo imaginário sensível, pela alegria e pelo envolvimento coletivo. As respostas extraídas do ques-
tionário apontam para essa direção e para a importância atribuída pelos estudantes ao trabalho em
grupo e a criação coletiva, porém isso não me leva a inferir que se tornaram mais cooperativos
em suas relações pessoais e profissionais atualmente, em função da prática pedagógica de outrora.
Chamou-me a atenção, entretanto, que o que eu pedia aos alunos em sala de aula era ir além de seus
limites, era transpor barreiras e, portanto, a palavra desafio é recorrente nos relatos.
Como achado, transcrevo ainda algumas respostas dos estudantes que analiso, a partir de meu
olhar comprometido com essas experiências. Elas foram como presentes valiosos, mas, considerando

Figura 263- Desenho de moldura barroca – vetor.


220

o envolvimento emocional que sinto em relação a esses relatos, foram bastante difíceis de analisar.
Para contornar essa dificuldade, os questionários foram bastante úteis, uma vez que foi pos-
sível observar várias respostas a uma mesma pergunta nessa pequena amostragem, o que não foi
possível obter nos grupos focais, pois nem todos os estudantes participaram dos grupos de discussões
sobre as práticas de pedagogia cultural e nem todos os estudantes dos grupos focais haviam vivencia-
dos as mesmas práticas pedagógicas. Buscando identificar se o fomento de agência estaria vinculado
aos projetos perguntei no questionário: Você tomou alguma atitude diferente da que você teria habi-
tualmente depois de ter participado de algum desses projetos? Que atitude foi essa e qual projeto foi
importante nesse sentido?
“Tomei, comecei a pensar em um curso superior, a me imaginar sendo respeitada por cons-
truir minha história, comecei a correr atrás dos meus sonhos. Reconstruí minha autoestima e co-
mecei a pensar além, saindo do meu mundinho particular.” (estudante 1 - participou dos projetos:
Livro-Objeto, Xadrez, Cordel e Fotonovela).
A atitude esperada dos jovens pela comunidade de renda mais baixa é a de constituir família
e ingressar rapidamente no mundo do trabalho, após o término do Ensino Médio, quando é possível
conclui-lo. Almejar a um curso superior é um luxo que, quando ocorre, trata-se de uma progressão de-
mandada pelo trabalho, anos depois. Essa transgressão ao esperado pelo grupo conduz a uma espécie
de isolamento e é preciso muita coragem para se aventurar por outro caminho. Além disso, se torna
uma transgressão porque não existem referências de pessoas que tenham ascendido socialmente por
terem estudado em uma universidade, ou seja, trata-se de uma ação pessoal de autoafirmação nessa
comunidade.
[...] o ingresso no mundo da “maturidade”, cultural e socialmente definida, no mun-
do do trabalho e da autonomia financeira, está a exigir idades mais avançadas e com-
petências cada vez mais complexas. Maior tempo de transição, maior necessidade de
“preparo” e chances bem menores de inserção estariam originando o que passou a
ser denominado “perda do idealismo” (Ratinoff, 1996). Essa “crise” de futuro esta-
ria gerando situações propícias para a consolidação, entre os jovens, de alternativas
ilegais ou criminosas de existência e sobrevivência (ABRAMOVAY, WAISELFISZ,
ANDRADE, RUA, 2004, p. 14).
221

À partir desse ponto de vista, pode-se inferir que, quando um estudante rompe com aquilo que
a sua comunidade espera dele, ele é visto com desconfiança e descrédito por sua opção. Quando a
opção é outra forma de se colocar no mundo e de ver o mundo, o sujeito deixa de pertencer à comu-
nidade. Parafraseando Oiticica, torna-se marginal, torna-se herói.
A estudante 2 que participou dos projetos “Xadrez”, “Cordel” e “Fotonovela” respondeu:
“Me tornei mais crítica e mais atenta com questões políticas”. Ela não especifica se, hoje, tem uma
ação, uma participação política na comunidade. Pensei política, em atuação política, pretendida para
meus estudantes, enquanto performance, desempenho, atuação, apresentação pública, atuação artís-
tica e representação (UNESP, 2012, p. 1058), performance artística como crítica política foi meu
sonho de atuação social para eles. Mas, quando o que se espera dos jovens é uma atitude descompro-
metida com questões políticas e sociais, prestar atenção ao que acontece em torno de si, isso pode
significar muita coisa e gosto de pensar que alguns estudantes fogem a regra geral da acomodação.
Considerar a realidade de forma crítica é uma exceção e se posicionar contra o sentimento
predominante de impotência pode vir a ser uma ação de resistência.
Abramovay argumenta que diante da incapacidade do poder público
de controlar a diversidade de situações, difundem-se o pessimismo
social, o temor e o sentimento de impotência da população que, por
um lado, reduz suas expectativas e liberdades (2004, p. 17).
Não se trata aqui de superdimensionar ou subesti-
mar a capacidade dos projetos em produzir agência, mas
de resignificar a realidade, a partir de uma visão mais
comprometida com o que nos cerca e considerar que,
apesar de toda incerteza, podemos, como disse a es-
tudante, estarmos atentos e não sermos surpreendi-
dos pelas adversidades. Entre o sonho de atuação
performática artística e política e a realidade que
se impõem, a atenção a essas questões torna-se

Figura 264- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir de cola-


gem de estudante do 1º ano EM, para Autobiografia ilustrada,2006.
222

um passo significativo para uma ação cidadã.


O estudante 7 que participou do projeto “Xadrez” respondeu que a atuação que passou a
observar após a participação no projeto foi: “Passei a respeitar mais as pessoas.” Esse posiciona-
mento contribui para uma mudança nas relações sociais e pessoais. Produzimos um espetáculo teatral
e, nesse espaço, a ideia sobre o outro, o convívio difícil com o outro, permitiu que a imagem que
elaboramos de nós mesmos fosse mediada pela consideração do outro enquanto ser diverso. Prevale-
ceu, então, o respeito aos demais e a flexibilização de nossas “certezas”. Considerar a cultura como
forma de aproximação e separação das pessoas é condição que deve ser levada em consideração na
iniciação. Gimeno Sacristan considerou ser o que nos separa algo passível de consideração e de rela-
tivização cultural quando física ou simbolicamente nos aproximamos:
A cultura é algo que caracteriza grupos humanos diferenciados e que cada indivíduo
assimila de forma particular. Isto tem que ser considerado pela política e a educação
no mundo inter-relacionado que aproxima todos nós física e simbolicamente, no que
nos une, mas também no que nos separa (GIMENO SACRISTÁN, 2007, p. 20).

A partir desse entendimento de cultura, existe a possibilidade de se modificar também os


laços dos estudantes com sua cidade e com a comunidade, uma vez que a educação pode expandir
ou modificar as características culturais dos grupos humanos e, nessa perspectiva, a consideração da
alteridade pode tornar-se outra possibilidade de relação social. A atitude diferente pode ser fomentada
quando passam a prestar atenção à paisagem circundante e as suas consequências no viver de cada
um.
A atitude diferente que tomou o estudante 4 ao se referir ao processo de considerar as imagens
do cotidiano no projeto “Cordel”, foi a de se posicionar com “uma visão
mais crítica da nossa sociedade”. Freedman argumenta que aprendemos a
partir de fontes de informação visual:

Quando os estudantes desenvolvem uma compreensão


mais profunda de suas experiências visuais, podem ver
de forma crítica as aparências superficiais e começam a
refletir sobre a importância da arte visual para dar forma
à cultura. A sociedade e inclusive a identidade individual
(FREEDMAN, 2006, p.19).

As informações visuais a que os estudantes tiveram acesso no âmbito


desse projeto foram as imagens dos jornais, as imagens da televisão, as ima-
gens de pessoas reais que faziam fila no posto de saúde, as imagens da multi-
dão em passeata contra o abandono da sua comunidade pelas autoridades, as
imagens das pessoas que choravam seus familiares doentes e que contavam
seus temores. Tudo isso direcionou nosso processo de introdução da xilogra-
vura na vida dos estudantes e o resgate da cultura popular do Cordel. Mais
do que isso, permitiram essa visão mais crítica da sociedade, como se referiu
o estudante.
A estudante de número 8 foi reticente e afirmou: “Não sei se a mu-
dança aconteceria com o tempo ou se rolou mesmo a interferência, fui obri-
gada a forçar minha simpatia, sou bem mais tolerante, eu acho. Ainda não
sou uma miss simpatia, estamos evoluindo sempre.” Ela participou dos pro-
jetos “Xadrez”, “Cordel” e “Tarot”. As dúvidas dessa estudante são também
as minhas. Relativizar a extensão dos projetos no que se refere à transforma-
ção dos sujeitos é um imperativo nessas análises. O fato é que ocorreu uma
transformação nos sujeitos e é necessário considerar que, durante o processo
iniciativo, esses estudantes foram bombardeados por representações visuais

Figura 265 e 266- Da série: “Caras”, Fragmentos, óleo s/tela da autora, 1996.
224

e questionamentos relacionados a essas representações. Sendo assim, seria improvável afirmar não
terem sido obrigados a refletir sobre seus posicionamentos, posturas individuais e coletivas a partir
dessas representações.
De fato, foram muitas as respostas, algumas sintetizando as 26 vozes dos participantes dessa
investigação que, quando questionados sobre se houve uma mudança de sua atitude, após os traba-
lhos desenvolvidos nas aulas de artes visuais, responderam que “ Sim. Avaliar de todas as formas
possíveis os ambientes que nos cercam, pois nem tudo que parece é. O projeto que mudou meu ponto
de vista foi o livro-objeto.” A estudante 11 participou dos projetos: “Livro-Objeto”, “Xadrez” e
“Fotonovela” e os questionamentos conduziram, não só ela, mas os estudantes em geral, a buscarem
respostas a suas próprias inquietações. Esses questionamentos foram importantes, no
sentido de deixar morrer uma visão de si mesmo para deixar nascer outra em seu
lugar. Nos colocar em questão a partir do que nos envolve.
A estudante 12, portadora de necessidades especiais, afirmou
que os projetos “Livro-Objeto” e “Fotonovela” impulsionaram uma
mudança em sua conduta. “Eu cresci e fiquei mais independente, de
resolver as minhas coisas”. Responder ao desafio foi o que im-
pulsionou os estudantes a superarem os obstáculos aparentes e se
reverem como pessoas independentes e simultaneamente interde-
pendentes. Caminhar juntos possibilita um ambiente favorável e
acolhedor que proporciona autoconfiança, a partir da convivên-
cia. Outro estudante, o 15, respondeu que a atitude diferente da
que teria habitualmente foi ter aprendido a partir do projeto
“Xadrez”, a se relacionar melhor com as pessoas.
O que marca esse momento chamado de pós-moderno,
de mudanças de posturas individuais para o reconheci-
mento do outro é, segundo Maffesoli (CONFAEB, 2013),
o poder que o momento propicia de situar os sujeitos em

Figura 267- Desenho da autora para cadeira de rodas cenográfica, 2006.


225

uma posição de confiança, em um elo de ligação mais forte com o outro. Esse fenômeno de mudança
de postura pode ser observado nas atividades colaborativas e interdependentes nas redes sociais e de
conhecimento. Essa ligação permite o renascimento de si mesmo nesse processo.
Já a estudante 16 que participou do “Xadrez”, “Cordel” e “Tarot” disse “ Não.” Essa estu-
dante nega a influencia desses trabalhos em sua vida. Essa voz dissonante também me impressionou
pela singularidade e objetividade de sua afirmação. Esse desencantamento relacionado aos processos
de práticas colaborativas talvez se deva à dificuldade dessa estudante em participar da criação deste
“nós” coletivo, de transpor a esfera do privado para o público, pelo desconforto de talvez não saber
exatamente o que aconteceria no caminho. Trata-se da criatura que escapa do criador. Essa negação
da estudante é muito presente no dia a dia do docente, processo de negação da escola e da educação
que propomos é a regra e não a exceção. Nessa investigação me espantaria não existir esse “não”,
uma vez que a maior parte dos estudantes são levados pela vida para realidades bastante difíceis, que
a escola não considera. Mas minhas análises nesse caso tratam-se de conjecturas, uma vez que a es-
tudante não explicitou a razão de sua negação.

Como contraponto a essa negação percebo em outro estudante um depoimento que reforça a
pedagogia de projetos como responsável pelo fomento de um espírito solidário, uma visão afetiva e
sensível da trajetória e a integralidade do ser inserido em um processo. Questionado se os projetos de
trabalho haviam modificado sua atitude, o estudante respondeu: “Sim. Projeto Livro-objeto: pensar
na minha história desde o meu nascimento, ou até na época de gestação da minha mãe até o momento
atual. Passeata de São Sebastião: refletir e por em prática hábitos que prevenissem a proliferação
do mosquito da dengue assim como assumir a responsabilidade de conscientizador da população”.
Também perguntei se as práticas de arte-educação haviam contribuído para a formação dos estudan-
tes como cidadãos e porque? Algumas respostas me tiraram o fôlego como essa: “[...]completamente!
Me apaixonei pela educação, fui salva pela educação e sonho ser uma arte educadora comprometida

Figura 268- Código de barras.


226

com a história e o aprendizado de meus educandos. [...]lembro das práticas de arte porque eram
desafiadoras, me alimentavam, libertavam e conduziam a liberdade de expressão, mostrando que
não existe proibido, não existe certo e errado, tudo podia ser feito.[...] as aulas de arte foram para
mim como a luz no escuro, a descoberta de inúmeras possibilidades[...]”. Outro estudante respondeu:
“Sem dúvida os projetos tiveram grande parcela de contribuição na forma de eu ver a sociedade,
ser de fato um agente de transformação do meio”. Um dos estudantes respondeu: “porque o projeto
se preocupava com acessibilidade, [...] aprendi a ter disciplina [...] hoje sou intérprete de libras e
trabalho com pessoas com deficiência [...]nos ajudaram muito a ver nossa comunidade com outros
olhos, a ver como ajudar a mudar o mundo ao nosso redor e as pessoas nos veem de outra forma”.
Perguntei o que sentiam nas aulas e no desenvolvimento dos projetos, recebi como resposta
mais alguns presentes como: “me sentia valorizada, vista, compreendida, os projetos eram ativida-
des elaboradas e por isso trabalhosas, nos dedicávamos muito para que fosse o melhor de todos, por
isso nos sentíamos felizes [...] era gratificante [...] o que aprendi foi de fundamental importância
para a construção do meu caráter, como um ser capaz de fazer a diferença”. Outro estudante respon-
deu: “Envolvimento dos alunos, necessidade de colocar para fora seus anseios, críticas sociais.” ou
ainda essas respostas: “Sentia empolgação! Era a aula mais esperada.” “Sentia a interação entre os
alunos e a professora.” “Uma explosão de sentimentos positivos, vontade de adquirir mais conheci-
mentos.” “Uma agradável sensação de conforto.” “Sentia orgulho de fazer os projetos.”
Essas e muitas outras respostas às questões da investigação reafirmaram minhas convicções
de que o trabalho pedagógico na perspectiva da Pedagogia cultural enquanto Educação em cultura
visual e pedagogia crítica podem transformar qualitativamente a escola, a comunidade e seus atores.
Também consigo dimensionar a importância dessas práticas para os sujeitos envolvidos uma vez
que em seus relatos o conhecimento sobre visualidade e arte estão evidenciados de forma bastante
racional e sensível por terem contribuído para a edificação de suas identidades, e para a promoção de
agência tanto para os estudantes quanto para a comunidade.

Figura 269- Desenho da autora para projeto de série de pinturas, 2010.


6

ePíLogO
230

Epílogo

Localizada entre a arte e a educação, essa investigação procurou nesse “entre lugar” (MIG-
NOLO, 2003; SANTIAGO, 2000) o cruzamento entre culturas: a minha, um tanto elitizada, constru-
ída a partir de estudos acadêmicos no Brasil e no exterior, e a cultura de meus estudantes do Centro
de Ensino Médio 01 de São Sebastião, influenciados, sobretudo, pela cultura de massa e pela cultura
popular.
Esse cruzamento, que Irwin (2004) se refere como “in-between” (entre-lugar), me posicio-
na, enquanto investigadora, como alguém que está dentro da história e que produz uma narrativa
que não é neutra e sim “vulnerável, em processo
de crises e rupturas provocadas pelo impacto da
realidade que tenta compreender” (EÇA, 2013, p.
74). Nessas narrativas e reflexões compartilho com
outros docentes minha forma de conduzir as práti-
cas de ensino que fazem parte de minha biografia
profissional. Procuro também atrair outros artistas
e pesquisadores a verem o papel do docente de ou-
tra forma, a fim de ampliar o currículo para além
da história da arte e sugerir que considerem os es-
tudos da cultura visual e as visualidades presentes
nas mídias, publicidades para a sua ressignificação
nas aulas de arte.
Os diálogos que se estabelecem nesse tipo de narrativa biográfica, entre quem escreve, quem
lê e os personagens do relato, se definem como um ato de partilha e emancipação, na medida em que
“localizam histórias, se reinventam os outros e nos reinventamos a nós próprios” (BARONE, 2000).
Inseri nesses diálogos minhas emoções e as emoções dos estudantes mediadas pelas narrativas visuais
que complementam, completam, contrapõem, somam e que são, por sua vez, completadas pela narra-
231

tiva em um movimento alternado, entre o processo de elaboração intelectual e sensível.


Após fazer essa investigação sobre as minha práticas pedagógicas, pude refletir sobre a esco-
lha das imagens que levamos à sala de aula. As imagens portam valores e opiniões sobre as questões
sociais e culturais e, por esse motivo, não são isentas ou neutras. Elas detêm o poder do discurso,
do meu discurso conduzido pelas criações dos estudantes. Foucault se refere ao poder não só como
uma força que diz não, mas que de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso (1985, p.8). O poder desse discurso está em um olhar, um posicionamento ideológico sobre
o mundo. Duncum considera que as imagens revelam esperanças, medos, expectativas, certezas, in-
certezas e ambiguidades e que por meio delas partilhamos pressupostos sociais sobre o modo como
o mundo é ou deveria ser (EÇA apud DUNCUM,
2013, p.75).
Por isso é preciso reconhecer a impossibilidade
dessa a/r/tógrafa de se manter distanciada do con-
texto da investigação e do tema que investiga, uma
vez que as interações que acontecem nesse âmbito
são subjetivas, assim como a escolha das imagens
que responderão às questões levantadas. É impor-
tante deixar claro ao leitor que não é possível espe-
rar dessas análises uma neutralidade científica.
Reconheço que a importância dessas práticas
pode ser dimensionada pelos relatos apaixonados
dos estudantes. Para muitos, essas práticas peda-
gógicas definiram suas identidades, suas escolhas profissionais e seus destinos, para outros foi um
momento significativo de interação com o grupo, que consolidou amizades e reafirmou companheiris-
mos. Para alguns estudantes, foi um momento difícil, hora de superar limites, hora de aceitar o outro
em sua alteridade.
A avaliação do resultado mostra que essas práticas possibilitaram um melhor conhecimento

Figura 271- Composição de Yuri Paranhos e autora a partir de capa de “Autobiografia Ilustrada” de estudante do 3ºano EM, 2006.
232

e uma maior aproximação da realidade dos estudantes. Além disso, foi gratificante perceber a con-
fiança que muitos estudantes depositaram em mim, compartilhando comigo suas vidas pessoais e
experiências íntimas, sem hesitações. Também considero que essas práticas pedagógicas estimularam
a intervenção associativa e que a comunidade de São Sebastião ganhou atores politicamente compro-
metidos que, ainda hoje, militam em ONGs ou promovem Saraus poéticos e artísticos que ocorrem
regularmente em um década já.
A importância dessas práticas pedagógicas também podem ser medidas pela aplicação e di-
fusão dos projetos entre os educadores que compartilharam e trocaram comigo suas experiência,
permitindo que esses projetos pedagógicos atendessem outros estudantes em outras Regionais de
Ensino, como, por exemplo, no Recanto das Emas – DF, onde o projeto Livro-Objeto é executado
anualmente, desde 2008. Também é importante considerar que, atualmente, esse projeto está sendo
executado no contexto de sócio educação, tendo como público os adolescentes em conflito com a lei
na Unidade de Internação de São Sebastião-DF.
Em verdade, o fomento da crítica cultural e social se dá quando se articulam, em sala de aula,
o conhecimento da arte e das visualidades com os saberes da comunidade, em um movimento em
prol de uma atitude cidadã de responsabilidade. Em muitos projetos apresentados como o Cordel de
São Sebastião, o Xadrez Jogo da Vida e a Fotonovela, o que se pôde observar foi um olhar sobre a so-
ciedade que não configurava alienação ou uma acomodação, mas atitudes comprometidas, críticas e
proativas. Exemplos dessa postura foram: a passeata para pedir esclarecimentos às autoridades sobre
a dengue e o hantavírus e a concomitante criação de ONGs de cunho cultural e artístico.
A difusão de conhecimento sobre a visualidade e arte pode ser evidenciada nos relatos dos es-
tudantes que ingressaram em Universidades e afirmaram que as referências e imagens utilizadas nos
projetos passaram a ser as suas referências em outros momentos da vida universitária contribuindo
para a sua compreensão do mundo. Além disso, essas abordagens pedagógicas favoreceram a constru-
ção de identidades e promoção de agência dos sujeitos na escola e na comunidade. Todos os projetos,
mas principalmente o Livro-Objeto, o Tarot – Conceito Imagem e o Xadrez Jogo da Vida, objetivavam
a edificação de identidades críticas e comprometidas com o meio na qual se inseriam os estudantes,

Figura 272- Capa de “Autobiografia Ilustrada” de Luiz Paulo R. dos Santos, 2006.
o que de fato ocorreu. O
agenciamento e a defini-
ção de identidades que
os projetos promoveram
podem ser verificados
pelas opções profissio-
nais escolhidas pelos
estudantes. Muitos des-
ses estudantes, sobretu-
do os que participaram
dos grupos focais, estão
hoje comprometidos
com causas coletivas e
sociais. Dois desses es-
tudantes são assessores
parlamentares, um de
uma deputada federal o
outro de uma senado-
ra, três são jornalistas.
Um dos estudantes é
ativista político e líder
comunitário, outra será
candidata nas próximas
eleições, duas estudan-
tes estudaram e estudam
artes, três são professo-
ras.
234

Três projetos, o Livro-Objeto, o Xadrez Jogo da Vida e o Cordel foram considerados pelos
estudantes, por mim e pela escola os mais significativos, pois, criaram eventos pedagógicos e acon-
tecimentos artísticos que deram visibilidade à escola, estreitaram os laços de companheirismo e
despertaram um sentimento de cidadania entre os estudantes. O Livro-Objeto trouxe José Luiz Tejon
Mejido à escola, o Xadrez levou a escola ao palco do CCBB e o Cordel colocou a escola nas ruas e
nas manchetes dos jornais.
Considero que essas práticas se aproximam da pedagogia crítica preconizada por Paulo Freire,
pois elas levam em conta a voz do aprendiz e pretendem qualifica-lo para atuar no processo de trans-
formação social. Outrossim, elas reconhecem conexões entre os problemas individuais, experiências
e o contexto social em que os estudantes estão inseridos. Busquei o empoderamento dos sujeitos, e
segundo Giroux (2005), isso significa tornar os cidadãos políticos, considerar que existem diferenças
na formação de estudantes e professores e que muitas vezes essas diferenças são mantidas na escola.
Essa busca inclui a crítica da linguagem e vislumbre de um mundo melhor pelo qual vale a pena lutar.
Alguns pontos dessa pedagogia crítica, entretanto, não foram contempladas por essas práticas
como, por exemplo, privilegiar a cultura e o conhecimento adquirido antes da fase escolar. Também
não rejeitei a objetividade em prol de um conhecimento mais particular e parcial, ao contrário, a busca
das subjetividades individuais e coletivas se fizeram nessas práticas a partir de fatos, artefatos que se
inter-relacionavam com os domínios tradicionais do conhecimento.
Minhas práticas pedagógicas, que inicialmente objetivavam ampliar a compreensão do cur-
rículo, também passaram a considerar as visualidades impressas no cotidiano dos estudantes. Com
isso, alcançaram também outros objetivos relacionados com a Educação da cultura visual, definida
por Mirzoeff como “a interface entre disciplinas que lidam com a visualidade da cultura contempo-
rânea” (2005 p.58). Ou seja minha práticas consideraram imagens e as mídias que figuravam como
possibilidades de se compreender o poder das imagens na vida social.
Hoje, percebo que aulas de arte se relacionam com as pedagogias culturais, uma vez que essas
práticas “se situam no espaço entre, no qual as coisas não são umas ou outras, mas umas e outras”
são práticas de “Educação em visualidade como pedagogia cultural” (Fernández & Dias, No Prelo).
236

Segundo Giroux (2002), trata-se de uma forma de ativismo político que situa e contextualiza os dis-
cursos que estão fora dos domínios tradicionais do conhecimento e que, no meu caso, pretenderam
contribuir para o desenvolvimento da consciência de liberdade, o reconhecimento de tendências au-
toritárias dentro e fora da escola, o relacionamento entre conhecimento e poder, além do exercício de
habilidades, com vistas à promoção de atitudes construtivas e cooperativas, sejam entre eles ou em
sua comunidade.
Ao refletir sobre essa investigação percebo que essa aventura, esse exercício de escrever a
partir das imagens e editar imagens e textos, é construir uma versão da realidade, uma forma de im-
primir minha própria criação do mundo (TOURINHO, 2013, p.65). Trata-se do meu olhar sobre um
contexto em que interagi, onde ainda estou imersa, nessa realidade que tangencia a minha realidade,
um fragmento subjetivo de realidade que não está isento de incompletude e circunstancialidade.
A perspectiva política e a crítica a um contexto político pretendeu empoderar os estudantes
com uma visão nua e crua da realidade circundante. Conheci e reconheci pessoas mais solidárias no
trabalho de equipe, pessoas mais sensíveis e afetivas em seus olhares sobre o mundo e pessoas que
empregam a imaginação e a criatividade em um pensamento orgânico. Essa experiência ressoou
como aventura, por meio do caminhar juntos, em uma formação.
O entendimento das características da pós-modernidade possibilitou situar melhor minhas
práticas pedagógicas enquanto práticas iniciativas, porque, a partir de questionamentos, acompanho
os estudantes na busca pelas respostas. Porque não as tenho, vou com os estudantes e os estimulo a
persegui-las.
E enfim, o conceito iluminista de educação é superado. Não se pretende mais tirar os estu-
dantes de um estado de “barbárie” para introduzi-los na civilização. Também não se trata mais de
construir um edifício de conhecimentos para se chegar a um futuro melhor. Ao contrário, percebi que
os meus estudantes partiram de seus saberes para aprender outros saberes. Trata-se de um fazer agora
para a superação de um limite imediato, reconhecendo o outro nessas buscas, nesse trajeto. No fim,
não se trata mais de um conhecimento teórico, mas de uma experiência vivida.

Figura 273- Capa de “Autobiografia Ilustrada” de estudante do 3ºano EM, 2006.


238

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Figura 274- “Caligrammes”, Paisage, Guillaume Apollinaire, 1918.


Figura 275- Fotografia da autora de sua mesa de trabalho, 2013.
Figura 276- Marmorização produzida pela autora, 2003.
Figura 277- Quarta capa - Fotografia da autora editada do Livro-objeto de Rafael Leandro
Projeto gráfico e diagramação:
Evandro Sada
Leísa Sasso
Yuri Paranhos arquitetura e design

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