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DOMINGO, 8 DE MAIO DE 2011 O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista ✽ Ministra do Desenvolvimento Social


e Combate à Fome
✽ Economista, Tereza Campello participou da
Secretária Extraordinária
para Erradicação da Pobreza
✽ Graduada em História, Ana Fonseca coordenou
Tereza Campello e Ana Fonseca coordenação do grupo de trabalho que
desenvolveu o Bolsa Família
o programa Bolsa Família entre 2003 e 2004

mente universalizada. Dos 4 mi-

‘O BRASIL SEM MISÉRIA lhões de domicílios onde residem


os 16,2 milhões de pessoas extrema-
mente pobres, 92% já têm acesso à
energia elétrica. Mas ainda tem um
grupo de 8% que não tem. São 306

SERÁ UM PROGRAMA DE mil domicílios, dos quais 148 mil es-


tão no Nordeste e 115 mil na Região
Norte. São pessoas que ainda não
chegaram ao século 20, embora já
estejamos no século 21. Com eletri-

BEM-ESTAR SOCIAL’ cidade podem produzir mais, consu-


mir melhor, melhorar o bem-estar.

● Como veem as críticas de que o Bol-


sa Família acomoda as pessoas e não
oferece portas de saída? O novo pro-
grama seria uma resposta a isso?

Ana. Essa acomodação não existe.


Roldão Arruda Se olharmos o público em situação
de extrema pobreza, veremos que
56% deles têm no máximo até 19
anos de idade. Não queremos que
As articuladoras do plano afirmam que objetivo é distinto essa população vá logo para o traba-
lho. O que devemos oferecer aos jo-
do Bolsa Família e que intenção é levar serviços públicos, vens é sobretudo educação de quali-
dade, para que tenham melhores
oportunidades e inclusão, além da renda, a 16,3 milhões oportunidades que seus pais.

● E quanto à outra metade?

Ana. Entre os que compõem a outra


metade, em idade economicamente
ativa, 77% trabalham. O problema
DIDA SAMPAIO/AE–6/1/2011
delas é que, mesmo trabalhando
muito, não conseguem renda sufi-
ciente para sustentar a família de
forma digna. Vivem de trabalhos
precários, não formalizados, sem
qualificação profissional, fazendo bi-
cos, sendo exploradas. Por isso pre-
cisam de uma complementação de
renda. Muitas delas têm um grau de
escolaridade tão baixo que não con-
seguem sequer fazer uma entrevista
de trabalho adequada. O nosso tra-
balho será ajudar essas pessoas a
melhorar suas capacidades.

● Como deve ser tratada a questão


dos pobres da zona rural, dos assen-
tamentos da reforma agrária?

Tereza. Teremos rotas diferentes


para tratar da inclusão produtiva na
cidade e no campo. A escolaridade
no campo é baixíssima, mas, por ou-
tro lado, as pessoas têm seu meio
de produção, que é a terra. Vamos
potencializar esse meio, facilitando
o acesso à informação e à assistên-
cia técnica. Estamos trabalhando
com o apoio do Ministério da Agri-
cultura, da Conab e, sobretudo, da
Embrapa, que talvez seja a institui-
ção mais importante do mundo nes-
sa área. Posso adiantar que a Embra-
pa vai fornecer sementes de qualida-
de para essa população. Queremos
que eles melhorem a produção com
o que existe de melhor no mundo
em termos de agricultura tropical.
Não queremos fazer um programa
Parceria. Tereza e Ana: depois de participarem da coordenação do Bolsa Família, agora são responsáveis pela articulação do Brasil Sem Miséria rebaixado. Como são famílias com
pouca terra, a meta é melhorar a
o definir na semana da a simplificar o debate e o acompa- dido, monitorado, construído. Mas produção, garantir a segurança ali-

A
passada que famílias “O Brasil Sem Miséria vai levar nhamento do novo programa. também não se pode adotar uma linha mentar e também obter excedentes
com renda mensal de única para todo o Brasil, sem conside- para comercializar.
até R$ 70 per capita
ao conjunto de famílias assisti- Ana Fonseca. Ouvimos muitos pesqui- rar as desigualdades regionais. É por
constituirão o público- das pelo Bolsa Família outras sadores e especialistas. As opiniões causa disso que já estamos conversan- ● De modo objetivo, qual será o avan-
alvo do programa Bra- ações, serviços públicos que são muito variadas. Alguns chegam a do com prefeitos e especialmente os ço do programa Brasil Sem Miséria
sil Sem Miséria, a ser anunciado nos ainda não chegam a elas” trabalhar com 25 linhas de pobreza. governadores. A proposta é compen- em relação ao Bolsa Família?
próximos dias, o governo provocou Tereza Campello Também olhamos as experiências in- sar as diferenças regionais com ações
uma polêmica entre economistas e ternacionais. Todas essas conversas e complementares dos governos esta- Tereza. O Bolsa Família é o maior
estudiosos de questões sociais so- análises foram levadas em conta quan- duais. A conversa já está bem adianta- programa de transferência de renda
bre os critérios que utiliza para defi- “Se olharmos o público em si- do definimos os R$ 70, que vão funcio- da com o Rio e vamos conversar agora do mundo. O Brasil Sem Miséria vai
nir o que seja extrema pobreza. Con- tuação de extrema pobreza, ve- nar como uma bússola, um radar para com São Paulo e outros Estados. Já se levar ao conjunto de famílias do Bol-
sultados pelo Estado, alguns elogia- a localização de outras manifestações sabe que na conversa com a Bahia a sa Família outras ações, serviços pú-
ram a opção por um valor acima do remos que 56% deles têm no da pobreza e a sua territorialização. questão do acesso à água para beber te- blicos que não chegam a elas ou,
utilizado pelo Banco Mundial, de máximo até 19 anos. Não quere- rá um peso grande na agenda, enquan- quando chegam, não têm a qualida-
US$ 1,25 ao dia – o que daria hoje mos que essa população vá lo- ● Embora o governo não tenha anuncia- to no Rio a ênfase será na suplementa- de que deveriam. O Brasil Sem Misé-
cerca de R$ 60/mês. Mas também se go para o trabalho” do detalhes do plano, se diz que o maior ção da renda do Bolsa Família. Não ria tem uma agenda de oportunida-
disse que o valor estabelecido é infe- Ana Fonseca
desafio será chegar a grupos extrema- queremos um programa pasteurizado des e de inclusão produtiva, não só
rior ao estabelecido no Programa mente pobres, que vivem à margem dos e único, porque a pobreza no Brasil de transferência de renda.
Bolsa Família – o que teria reduzido serviços oferecidos pelo Estado. tem diferentes caras e necessidades.
o número de famílias consideradas por exemplo, fornecerá sementes de Ana. O Bolsa Família faz parte do
extremamente pobres e facilitado o qualidade para assentados no campo. Tereza. Esse desafio é muito grande. ● Não será, portanto, um programa que Brasil Sem Miséria, que é mais lar-
cumprimento da promessa eleitoral Para enfrentá-lo temos realizado reu- tratará só de renda. go, tem mais políticas públicas inte-
da presidente Dilma Rousseff de aca- ● Como recebem as críticas sobre a li- niões bilaterais com os ministérios, co- gradas, procurando a ampliação do
bar com a extrema miséria no País. nha de corte adotado pelo governo para mo Saúde, Educação, Desenvolvimen- Tereza. Após termos feito o recorte e bem-estar social.
Em entrevista ao Estado, as duas definir a extrema pobreza? to Agrário. Está sendo montado um identificado os 16,2 milhões de pes-
articuladoras do novo programa, a termo de colaboração com Ministério soas mais pobres, também verificamos ● É factível mudar a vida de 16,2 mi-
ministra do Desenvolvimento So- Tereza Campello. As pessoas se equi- da Saúde, por exemplo, que ajudará na que elas são as que têm mais carência lhões de pessoas até 2014?
cial, Tereza Campello, e a secretária vocam ao dizer que estabelecemos cri- identificação das famílias extremamen- de saúde, de água, energia elétrica, se-
extraordinária para a Erradicação térios diferentes do Bolsa Família. te pobres. Quando um agente comuni- gurança pública. Temos que procurar Tereza. A meta é viável, desde que
da Pobreza, Ana Fonseca, explicam Não levam em conta que esse progra- tário do Programa Saúde da Família lo- o atendimento dessas diversas necessi- se trabalhe de forma integrada os
como o governo definiu o valor de ma tem duas linhas de corte, em vigor calizar uma pessoa idosa que tem direi- dades, além da renda. Temos que pen- três eixos principais do programa:
R$ 70, que abrange 16,2 milhões de desde 2003: uma para a extrema pobre- to a aposentadoria, mas não recebe, en- sar o programa de superação da misé- transferência de renda, acesso a ser-
brasileiros, e também adiantam de- za, de R$ 70 per capita, e outra para a viará a informação ao Ministério da ria como um programa de bem-estar viços e ao que chamamos de inclu-
talhes do Brasil Sem Miséria. O con- pobreza, de R$ 140. Esses dois recor- Saúde, que a repassará ao sistema de social. O conceito principal é que te- são produtiva. Não estamos fazen-
ceito principal, dizem, é permitir tes também fixam benefícios diferen- referência do Desenvolvimento Social. mos um Brasil que cresce, oferece do um chamamento para que esses
que a parcela mais pobre da popula- ciados. As famílias extremamente po- mais oportunidades, universaliza servi- 16,2 milhões cheguem ao governo.
ção possa aproveitar oportunidades bres recebem, além do benefício fixo, ● Outro desafio serão as diferenças re- ços e acesso à informação, mas ainda Queremos que o Estado vá atrás
de emprego e de melhoria de renda parcelas variáveis correspondentes ao gionais. Receber R$ 70 em SP é diferen- convive com uma parcela da popula- dessa população. O Estado brasilei-
que surgem no País. número de filhos – crianças e adoles- te de receber o mesmo no Nordeste. ção que não se beneficia de nada disso. ro, com Estados e municípios, fará
Elas enfatizam as diferenças do centes. Não se pode confundir o que a Como vamos garantir que essa parcela um esforço para levar os serviços
plano em relação ao Bolsa Família e família recebe com os valores de linha Tereza. O setor público não pode também tenha acesso às oportunida- públicos e as oportunidades até es-
antecipam que o Ministério da Saú- de elegibilidade para o programa. Ao montar um programa absolutamente des de emprego, de inclusão? O Brasil sas famílias, procurar as que ainda
de, por intermédio do Programa Saú- contrário do que se diz, portanto, nós complexo, com dezenas de linhas dife- deve crescer reduzindo desigualdades. não estão nos programas de transfe-
de da Família, ajudará na localização ficamos dentro daquilo que já está es- renciadas para cada cidade e região. Se- rência de renda e têm o direito a se-
dos pobres, enquanto a Embrapa, tabelecido no Bolsa Família, o que aju- ria caríssimo e difícil de ser compreen- Ana. A energia elétrica está pratica- rem incluídas no cadastro único.

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