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Capı́tulo 4

Equações Diferenciais Parciais


Bidimensionais

Neste capı́tulo estudaremos as equações da onda e do calor em dimensões 2 e 3. Isso nos levará naturalmente
ao estudo da equação de Laplace.

4.1 Séries de Fourier Duplas


4.1.1 Definição e Cálculo dos Coeficientes
Seja f : [0, a] × [0, b] → R uma função de duas variáveis. Gostarı́amos de representar f através de uma
série infinita de senos e cossenos, da mesma forma que fizemos para funções de uma variável, para com isso
resolver equações diferenciais parciais bidimensionais.
Primeiro fixe y, de modo a produzir uma função fy (x) = f (x, y) de uma variável. Suponha que para cada
y fixado a função fy : [0, a] → R seja regular o suficiente (por exemplo, satisfaz as hipóteses de regularidade
do teorema de Fourier). Se estendermos fy a uma função periódica de perı́odo 2a, então podemos escrever

a0 (y) X h nπx i

nπx
f (x, y) = fy (x) = + an (y) cos + bn (y) sen ,
2 n=1
a a

onde, para cada y ∈ [0, b], os coeficientes de Fourier são dados por
Z
1 a nπx
an (y) = f (x, y) cos dx para n > 0,
a −a a
Z
1 a nπx
bn (y) = f (x, y) sen dx para n > 1.
a −a a
Em seguida, suponha que cada um dos coeficientes an , bn : [0, b] → R, que na verdade são funções de y, tenha
regularidade suficiente, de modo que se estendermos cada um deles a uma função periódica de perı́odo 2b,
podemos escrever
∞ ³
an0 X mπy mπy ´
an (y) = + anm cos + bnm sen para n > 0,
2 m=1
b b
∞ ³
cn0 X mπy mπy ´
bn (y) = + cnm cos + dnm sen para n > 1,
2 m=1
b b

onde

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Rodney Josué Biezuner 121

Z b
1 mπy
anm = an (y) cos dy para m > 0,
b −b b
Z b
1 mπy
bnm = an (y) sen dy para m > 1,
b −b b
e
Z b
1 mπy
cnm = bn (y) cos dy para m > 0,
b −b L
Z b
1 mπy
dnm = bn (y) sen dy para m > 1.
b −b L

Em outras palavras,
" ∞ ³
#
1 a00 X mπy mπy ´
f (x, y) = + a0m cos + b0m sen
2 2 m=1
b b
" ∞ ³
#
mπy ´
X∞ X
an0 mπy nπx
+ + anm cos + bnm sen cos
n=1
2 m=1
b b a
" ∞ ³
#
mπy ´
X∞ X
cn0 mπy nπx
+ + cnm cos + dnm sen sen ,
n=1
2 m=1
b b a

de modo que

1 X³ nπx ´ 1 X ³ mπy ´
∞ ∞
a00 nπx mπy
f (x, y) = + an0 cos + cn0 sen + a0m cos + b0m sen (4.1)
4 2 n=1 a a 2 m=1 b b
∞ ³
X nπx mπy nπx mπy nπx mπy nπx mπy ´
+ anm cos cos + bnm cos sen + cnm sen cos + dnm sen sen ,
n,m=1
a b a b a b a b

onde Z Z
1 a b nπx mπy
anm = f (x, y) cos cos dxdy para n, m > 0,
ab −a −b a b
Z aZ b
1 nπx mπy
bnm = f (x, y) cos sen dxdy para n > 0, m > 1,
ab −a −b a b
Z aZ b (4.2)
1 nπx mπy
cnm = f (x, y) sen cos dxdy para n > 1, m > 0,
ab −a −b a b
Z aZ b
1 nπx mπy
dnm = f (x, y) sen sen dxdy para n, m > 1.
ab −a −b a b
Precisamos enunciar com mais rigor as condições que f precisa satisfazer para que a série definida acima seja
convergente e convirja para f . Isto é feito através do seguinte teorema, cuja demonstração não será dada
aqui (veja [5]):

Teorema 4.1. Seja f : R2 −→ R uma função de classe C 1 , periódica de perı́odo 2a na variável x e periódica
de perı́odo 2b na variável y e tal que existe a derivada parcial mista fxy em cada ponto. Então a série
de Fourier de f definida acima converge uniformemente para f .
Rodney Josué Biezuner 122

4.1.2 Funções de Duas Variáveis Pares e Ímpares


Suponha que f : R2 −→ R seja uma função periódica nas duas variáveis, de perı́odo 2a na variável x e de
perı́odo 2b na variável y, que possui uma série de Fourier dupla. Temos as seguintes situações:

• f é par com relação a ambas as variáveis x e y:

Z "Z # Z " Z b #
a b
1 mπy nπx 1 a mπy nπx
anm = f (x, y) cos cos dxdy = 2 f (x, y) cos dy cos dx
ab −a −b b a ab −a 0 b a
Z ·Z a ¸ Z · Z a ¸
2 b nπx mπy 2 b nπx mπy
= f (x, y) cos dx cos dy = 2 f (x, y) cos dx cos dy
ab 0 −a a b ab 0 0 a b
Z Z
4 a b nπx mπy
= f (x, y) cos cos dxdy,
ab 0 0 a b
Z "Z b #
1 a mπy nπx
bnm = f (x, y) sen dy cos dx = 0,
ab −a −b b a
Z ·Z a ¸
1 b nπx mπy
cnm = f (x, y) sen dx cos dy = 0,
ab −b −a a b
Z ·Z a ¸
1 b nπx mπy
dnm = f (x, y) sen dx sen dy = 0.
ab −b −a a b

• f é ı́mpar com relação a ambas as variáveis x e y:

Z "Z #
a b
1 mπy nπx
anm = f (x, y) cos cos dxdy = 0,
ab −a −b b a
Z ·Z a ¸
1 1 b nπx mπy
bnm = = f (x, y) cos dx sen dy = 0,
ab ab −b −a a b
Z "Z b #
1 a mπy nπx
cnm = f (x, y) cos dy sen dx = 0,
ab −a −b b a

Z "Z # Z · Z a ¸
a b
1 nπx mπy 1 b nπx mπy
dnm = f (x, y) sen dx sen dy = 2 f (x, y) sen dx sen dy
ab −a −b a b ab −b 0 a b
Z "Z b # Z " Z b #
2 a mπy nπx 2 a mπy nπx
= f (x, y) sen dy sen dx = 2 f (x, y) sen dy sen dx
ab 0 −b b a ab 0 0 b a
Z Z
4 a b nπx mπy
= f (x, y) sen sen dxdy.
ab 0 0 a b

É claro que outras situações são possı́veis, por exemplo f par em uma variável e ı́mpar na outra. Em cada
caso, os coeficientes de Fourier correspondentes devem ser calculados usando os argumentos acima.
Rodney Josué Biezuner 123

4.2 A Equação da Onda Bidimensional


4.2.1 Problema da Membrana Vibrante
A equação da onda se generaliza para dimensão 2 e 3 (e mesmo dimensões mais altas). Considere uma
membrana fina e elástica, esticada sobre uma armação retangular com dimensões a e b. Suponha que as
margens da membrana são fixadas aos braços da armação e a membrana possa vibrar livremente na direção
normal à armação (ou seja, estamos assumindo que não existem forças externas ou dissipativas atuando sobre
a membrana e que todas as suas vibrações são transversais, o que quer dizer, que cada ponto da membrana
vibra apenas na direção perpendicular ao plano do retângulo). As vibrações desta membrana são então
governadas pela equação bidimensional da onda
utt = c2 (uxx + uyy ),
onde u(x, y, t) é o deslocamento com relação ao plano do retângulo no instante de tempo t e c(x, y, t) =
τ (t)/ρ(x, y).
As condições de fronteira são (margens fixadas)
u(x, 0, t) = u(x, b, t) = u(0, y, t) = u(a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0.
O movimento da membrana dependerá evidentemente das condições iniciais
u(x, y, 0) = f (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b,
ut (x, y, 0) = g(x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.
Denote o interior deste retângulo por R, ou seja,
R = (0, a) × (0, b),
de modo que o seu fecho é R = [0, a]×[0, b] e a sua fronteira é ∂R = {(x, y) : x = 0, ou x = a, ou y = 0 ou y = b}.
Nesta notação mais compacta, o problema da onda bidimensional pode ser escrito na forma:


 utt = c2 ∆u se (x, y) ∈ R e t > 0,
 u(x, y, t) = 0 se (x, y) ∈ ∂R e t > 0,
(4.3)

 u(x, y, 0) = f (x, y) se (x, y) ∈ R,

ut (x, y, 0) = g(x, y) se (x, y) ∈ R.
Mais geralmente, o problema da equação da onda pode ser em princı́pio considerado em qualquer região
limitada Ω ⊂ R2 , isto é, qualquer tipo de armação ∂Ω, não necessariamente retangular:


 utt = c2 ∆u se (x, y) ∈ Ω e t > 0,
 u(x, y, t) = 0 se (x, y) ∈ ∂Ω e t > 0,
(4.4)

 u(x, y, 0) = f (x, y) se (x, y) ∈ Ω,

ut (x, y, 0) = g(x, y) se (x, y) ∈ Ω.
Um caso interessante é quando Ω = D, onde D é um disco (o caso da membrana vibrante de um tambor).

4.2.2 Solução do Problema da Membrana Vibrante pelo Método de Separação


de Variáveis e Séries de Fourier
Vamos resolver o problema da membrana vibrante no retângulo pelo método de separação de variáveis. Seja
R = (0, a) × (0, b) e suponha que f, g : [0, a] × [0, b] → R sejam funções de classe C 2 . Queremos portanto
encontrar uma solução para o problema:


 utt = c2 (uxx + uyy ) se 0 < x < a, 0 < y < b e t > 0,

u(x, 0, t) = u(x, b, t) = u(0, y, t) = u(a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0,
(4.5)

 u(x, y, 0) = f (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b,

ut (x, y, 0) = g(x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.
Rodney Josué Biezuner 124

Tentaremos primeiro encontrar uma solução para o problema que seja o produto de três funções, uma depen-
dendo exclusivamente de x, uma dependendo exclusivamente de y e a terceira dependendo exclusivamente
de t:
u(x, y, t) = F (x)G(y)H(t).
Temos

utt = F (x)G(y)H 00 (t),


uxx = F 00 (x)G(y)H(t),
uyy = F (x)G00 (y)H(t).

Substituindo estas expressões na equação bidimensional da onda, obtemos

F (x)G(y)H 00 (t) = c2 [F 00 (x)G(y)H(t) + F (x)G00 (y)H(t)].

Dividindo ambos os lados por c2 F (x)G(y)H(t), obtemos

1 H 00 (t) F 00 (x) G00 (y)


2
= + .
c H(t) F (x) G(y)

Como o lado esquerdo desta equação é uma função somente de t e o lado direito é uma função apenas de
x, y, segue que ambos os lados são constante:

1 H 00 (t) F 00 (x) G00 (y)


= + = σ.
c2 H(t) F (x) G(y)

Agora, podemos escrever


F 00 (x) G00 (y)
=− +σ
F (x) G(y)
e, novamente, já que o lado esquerdo depende apenas de x, enquanto que o lado direito depende apenas de
y, concluı́mos que os dois lados desta equação também são constantes:

F 00 (x) G00 (y)


=− + σ = ρ.
F (x) G(y)

Pelo método de separação de variáveis, chegamos portanto às seguintes equações diferenciais ordinárias:

F 00 (x) − ρF (x) = 0,
G00 (y) + (ρ − σ)G(y) = 0,
H 00 (t) − σc2 H(t) = 0.

As condições de fronteira produzem os seguintes problemas de valor de contorno:


½ 00
F (x) − ρF (x) = 0,
F (0) = F (a) = 0,
e ½
G00 (y) − (σ − ρ)G(y) = 0,
G(0) = G(b) = 0;
de fato, temos F (0)G(y)H(t) = F (a)G(y)H(t) = 0 e F (x)G(0)H(t) = F (x)G(b)H(t) = 0 e a menos que u
seja a solução identicamente nula, necessariamente F (0) = F (a) = 0 e G(0) = G(b) = 0 (porque as soluções
das equações diferenciais ordinárias de F , G e H não produzem nenhuma solução que se anula em conjuntos
diferentes de pontos isolados). Fazendo análise semelhante à que fizemos para os problemas unidimensionais,
Rodney Josué Biezuner 125

concluı́mos que para que as soluções não sejam identicamente nulas, temos que ter ρ < 0 e σ − ρ < 0, isto é,
σ > ρ. Os problemas acima podem ser escritos têm como soluções fundamentais não nulas (autofunções)

nπx n2 π 2
Fn (x) = sen para ρ = − ,
a a2
e
mπy m2 π 2
Gm (y) = sen para σ − ρ = − .
b b2
Em particular, µ ¶
m2 π 2 n2 π 2 m2 π 2 n2 m2
σ =ρ− 2
=− 2 − = −π 2 + 2 ,
b a b2 a 2 b
e o problema em t é µ ¶
n2 m2
H 00 (t) + c2 π 2 2
+ 2 H(t) = 0,
a b
cujas solução geral é
Hnm (t) = Anm cos λnm t + Bnm sen λnm t
para r
n2 m2
λnm = cπ
2
+ 2. (4.6)
a b
Estas são as chamadas freqüências caracterı́sticas da membrana, enquanto que as soluções
nπx mπy
unm (x, y, t) = sen sen (Anm cos λnm t + Bnm sen λnm t) (4.7)
a b
são chamados os modos normais de vibração da membrana (correspondentes aos harmônicos no caso da corda
vibrante). Note que as freqüências caracterı́sticas não são múltiplos inteiros da freqüência fundamental, o
que torna a membrana vibrante inútil para a maioria dos propósitos musicais (além de manter um ritmo de
batidas), já que por causa disso o som do tambor não é tão agradável (tão harmonioso) quanto o de outros
instrumentos musicais, porque é difı́cil ao ouvido humano distingüir entre os seus harmônicos ou ordená-los
em uma escala em tempo real.
A solução do problema é

X nπx mπy
u(x, y, t) = sen sen (Anm cos λnm t + Bnm sen λnm t) . (4.8)
n,m=1
a b

onde os coeficientes Anm , Bnm são determinados como sendo os coeficientes das séries de Fourier duplas das
funções apropriadas. Temos

X nπx mπy
f (x, y) = u(x, y, 0) = Anm sen sen ,
n,m=1
a b

de modo que, estendendo f a uma função periódica ı́mpar de perı́odo 2a na variável x e a uma função
periódica ı́mpar de perı́odo 2b na variável y, obtemos
Z Z
4 a b nπx mπy
Anm = f (x, y) sen sen dxdy. (4.9)
ab 0 0 a b
Do mesmo modo, derivando a série de u com relação a t termo a termo, temos

X nπx mπy
ut (x, y, t) = λnm sen sen (−Anm sen λnm t + Bnm cos λnm t)
n,m=1
a b
Rodney Josué Biezuner 126

e, portanto,

X nπx mπy
g(x, y) = ut (x, y, 0) = λnm Bnm sen sen ,
n,m=1
a b

logo, procedendo de modo análogo estendendo f a uma função periódica ı́mpar de perı́odo 2a na variável x
e a uma função periódica ı́mpar de perı́odo 2b na variável y, obtemos
Z aZ b
4 nπx mπy
Bnm = g(x, y) sen sen dxdy. (4.10)
abλnm 0 0 a b

4.2.3 Linhas Nodais


No caso de uma corda vibrante, quando ela vibra como um harmônico, aparecem pontos que não se movem,
os chamado pontos nodais, como vimos no capı́tulo anterior. No caso de uma membrana retangular vibrante,
aparecem retas onde a membrana não se move (uma maneira de ver isso é espalhar areia na membrana: a
areia se acumula precisamente ao longo destas retas onde não há vibração). Estas retas são chamadas retas
nodais.
Para entender porque este fenômeno ocorre, considere o modo normal unm de vibração da membrana:
nπx mπy
unm (x, y, t) = sen sen (Anm cos λnm t + Bnm sen λnm t) .
a b
Os pontos (x, y) que permanecem fixos são os pontos que resolvem a equação
nπx mπy
sen sen = 0,
a b
o que é equivalente a
nπx mπy
sen
= 0 ou sen = 0.
a b
Por exemplo, quando a = b = π, as retas nodais de u22 correspondem a x = 1/2 e y = 1/2.

4.3 A Equação do Calor Bidimensional


4.3.1 Dedução da Equação do Calor Tridimensional
Considere uma região limitada Ω no espaço. Recordamos que a quantidade de calor absorvida por uma
substância em um perı́odo de tempo é diretamente proporcional à massa desta substância e à variação média
de sua temperatura durante o intervalo de tempo considerado:

Q = cm∆u,

onde c é o calor especı́fico da substância. A variação média da temperatura da substância que ocupa esta
região do espaço no intervalo de tempo que vai de t0 até t1 é obtida tomando-se a média das variações médias
das temperaturas de todos os pontos da barra, ou seja
Z
1
∆u = [u(x, t1 ) − u(x, t0 )] dv,
vol Ω Ω

onde x = (x1 , ..., xn ). Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, segue que


Z ·Z t1 ¸
1
∆u = ut (x, t) dt dv.
vol Ω Ω t0
Rodney Josué Biezuner 127

Logo, a quantidade de calor absorvida por esta região é dada por


Z Z t1 Z t1 Z
cm
Q = cm∆u = ut (x, t) dt dv = cρ ut (x, t) dv dt.
vol Ω Ω t0 t0 Ω

A taxa instantânea de variação do calor na região é portanto (usando novamente o Teorema Fundamental
do Cálculo) Z
cρ ut (x, t) dv. (4.11)

Por outro lado, pelo princı́pio de conservação do calor, a taxa de variação do calor na região também é dada
pela soma da taxa de calor que sai ou entra na região através da fronteira ∂Ω por unidade de tempo somada
ao calor gerado internamente por unidade de tempo. A primeira é dada por
Z
− φ · η ds
∂Ω

onde φ é o fluxo de calor, que é um vetor, já que o calor flui em alguma direção no espaço; a intensidade
de φ é a quantidade de calor fluindo por unidade de tempo por unidade de área. Se o fluxo de calor é
paralelo à fronteira, então nenhum calor cruza a fronteira; a componente do fluxo de calor que nos interessa
é a componente do fluxo perpendicular à fronteira. Na integral acima seguimos a convenção de que η é o
vetor unitário normal à superfı́cie apontando para fora. Assim, o sinal negativo explica-se como no caso
unidimensional porque se sai calor da região (isto é, a componente perpendicular do fluxo tem a mesma
direção de η e portanto a integral é positiva), então a variação de calor na região deve ser negativa. A taxa
do calor gerado internamente na região é dada por
Z
q(x, t) dv, (4.12)

onde q(x, t) é taxa de calor gerada por unidade de volume. Portanto, do princı́pio de conservação do calor
segue que Z Z Z
cρ ut dv = − φ · η ds + q dv. (4.13)
Ω ∂Ω Ω
Por outro lado, pelo teorema da divergência,
Z Z
φ · η ds = div φ dv.
∂Ω Ω

Logo, temos que


cρut = − div φ + q.
Precisamos também de uma lei de Fourier n-dimensional. Experimentalmente, para materiais isotrópicos
(isto é, materiais em que não existem direções preferenciais) verifica-se que o calor flui de pontos quentes
para pontos frios na direção em que a diferença de temperatura é a maior. O fluxo de calor é proporcional à
taxa de variação da temperatura nesta direção, com a constante de proporcionalidade k sendo por definição a
condutividade térmica, como no caso unidimensional. Como sabemos, a direção onde uma função cresce mais
rápido é exatamente a dada pelo vetor gradiente da função, e o módulo do gradiente fornece a magnitude
da taxa de variação da função nesta direção (i.e., na direção do gradiente). Portanto,

φ = −k∇u. (4.14)

O sinal negativo ocorre, como no caso unidimensional, porque o vetor gradiente aponta na direção de cresci-
mento da temperatura, enquanto que o fluxo do calor se dá na direção oposta (da temperatura maior para
a temperatura menor). O fluxo do calor em uma região bi ou tridimensional pode ser facilmente visualizado
uma vez que você se lembre que o gradiente de uma função é perpendicular às superfı́cies de nı́vel da função.
Rodney Josué Biezuner 128

No caso em que a função é a temperatura, as superfı́cies de nı́vel são chamadas superfı́cies isotérmicas ou
simplesmente isotermas. Assim, o calor flui das isotermas mais quentes para as isotermas mais frias em cada
ponto da isoterma perpendicularmente à isoterma. Em outras palavras, as linhas de corrente do fluxo de
calor correspondem às linhas de fluxo do campo gradiente da temperatura.
Segue que
cρut = k∆u + q, (4.15)
onde ∆u = div ∇u é o Laplaciano de u. Se q ≡ 0, escrevemos

ut = K∆u, (4.16)

onde K = k/cρ. Esta é a equação de calor tridimensional. Em outras palavras,

ut = K(uxx + uyy + uzz ).

Para que o problema possua uma solução única, é necessário dar a condição inicial e a condição de fronteira,
como no caso unidimensional. Por exemplo, denotando x = (x1 , ..., xn ), podemos ter um problema de
Dirichlet homogêneo: 
 ut = k∆u se x ∈ Ω e t > 0,
u(x, t) = 0 se x ∈ ∂Ω e t > 0, (4.17)

u(x, 0) = f (x) se x ∈ Ω,
ou um problema de Neumann homogêneo:


 ut = k∆u se x ∈ Ω e t > 0,
 ∂u
(x, t) = 0 se x ∈ ∂Ω e t > 0, (4.18)

 ∂η
 u(x, 0) = f (x) se x ∈ Ω,

ou também problemas não-homogêneos ou com condições mistas (condições de Dirichlet em porções da


fronteira ∂Ω e condições de Neumann em outras porções da fronteira).

4.3.2 Equação do Calor Bidimensional


Considere uma chapa homogênea Ω, cuja superfı́cie está isolada termicamente, exceto possivelmente pelas
margens. Como o calor não flui na direção perpendicular à chapa, que tomamos como sendo o eixo z, segue
que uzz = 0 e podemos desprezar esta variável no estudo da condução do calor na chapa. Segue que a
equação do calor para esta região tem a forma

ut = K(uxx + uyy );

esta é a equação do calor bidimensional. Assumimos que existe uma distribuição inicial de temperaturas
nas margens:
u(x, y, 0) = f (x, y) para todo (x, y) ∈ ∂Ω
onde f : ∂Ω → R é uma função com alguma regularidade; no caso em que Ω é um retângulo R = (0, a)×(0, b)
(chapa retangular), esta condição inicial se escreve como

u(x, y, 0) = f (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.

As condições de fronteira podem ser as mais diversas possı́veis. As margens podem estar mantidas a tem-
peratura constante igual a 0:

u(x, y, t) = 0 para todo (x, y) ∈ ∂Ω e t > 0;


Rodney Josué Biezuner 129

no caso em que Ω = R = (0, a) × (0, b), esta condição de Dirichlet se escreve como

u(x, 0, t) = u(x, b, t) = u(0, y, t) = u(a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0.

Ou as margens podem estar termicamente isoladas:


∂u
(x, y, t) = 0 para todo (x, y) ∈ ∂Ω e t > 0,
∂η

onde η = η(x, y) é o vetor normal à fronteira ∂Ω no ponto (x, y) da fronteira (significando que se houver
transferência de calor, esta só pode se dar ao longo da fronteira, isto é, na direção tangente à fronteira, o que
certamente ocorrerá se por exemplo a distribuição de temperaturas inicial na fronteira não for constante);
no caso em que Ω = R = (0, a) × (0, b), esta condição de Neumann se escreve como

uy (x, 0, t) = uy (x, b, t) = ux (0, y, t) = ux (a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0;

Ou ainda, as margens podem estar sujeitas a condições mistas ou mesmo condições mais complicadas.
Resumindo, o problema com condição de Dirichlet homogênea é

 ut = K∆u se (x, y) ∈ Ω e t > 0,
u(x, y, t) = 0 se (x, y) ∈ ∂Ω e t > 0, (4.19)

u(x, y, 0) = f (x, y) se (x, y) ∈ Ω,

e o problema com condição de Neumann homogênea é




 ut = K∆u se (x, y) ∈ Ω e t > 0,
 ∂u
(x, y, t) = 0 se (x, y) ∈ ∂Ω e t > 0, (4.20)

 ∂η
 u(x, y, 0) = f (x, y) se (x, y) ∈ Ω.

4.3.3 Solução do Problema da Condução do Calor na Chapa Retangular com


Margens Mantidas à Temperatura Zero por Separação de Variáveis e
Séries de Fourier
Vamos resolver o problema da condução do calor em uma chapa retangular homogênea, cujas superior e
inferior estão termicamente isoladas, e cujas bordas estão mantidas à temperatura constante igual a 0, pelo
método de separação de variáveis e séries de Fourier duplas.
Seja R = (0, a)×(0, b) e suponha que f : [0, a]×[0, b] → R é uma função de classe C 2 . Queremos portanto
encontrar uma solução para o problema:

 ut = K(uxx + uyy ) se 0 < x < a, 0 < y < b e t > 0,
u(x, 0, t) = u(x, b, t) = u(0, y, t) = u(a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0, (4.21)

u(x, y, 0) = f (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.

Novamente, vamos tentar encontrar uma solução para o problema que seja o produto de três funções de uma
variável:
u(x, y, t) = F (x)G(y)H(t).
Temos

ut = F (x)G(y)H 0 (t),
uxx = F 00 (x)G(y)H(t),
uyy = F (x)G00 (y)H(t).
Rodney Josué Biezuner 130

Substituindo estas expressões na equação bidimensional do calor, obtemos

F (x)G(y)H 0 (t) = K[F 00 (x)G(y)H(t) + F (x)G00 (y)H(t)].

Dividindo ambos os lados por c2 F (x)G(y)H(t), obtemos


1 H 0 (t) F 00 (x) G00 (y)
= + .
K H(t) F (x) G(y)
Como o lado esquerdo desta equação é uma função somente de t e o lado direito é uma função apenas de
x, y, segue que ambos os lados são constante:
1 H 0 (t) F 00 (x) G00 (y)
= + = σ,
K H(t) F (x) G(y)
donde
F 00 (x) G00 (y)
=− + σ = ρ.
F (x) G(y)
Como na subseção anterior, obtemos os problemas
½ 00 ½
F (x) − ρF (x) = 0, G00 (y) − (σ − ρ)G(y) = 0,
e
F (0) = F (a) = 0, G(0) = G(b) = 0,

que têm como autofunções, respectivamente,


nπx n2 π 2
Fn (x) = sen para ρ = − ,
a a2
e
mπy m2 π 2
Gm (y) = sen para σ − ρ = − .
b b2
Segue que µ ¶
m2 π 2 n2 π 2 m2 π 2 n2 m2
σ =ρ− = − − = −π 2 +
b2 a2 b2 a2 b2
e o problema em t é µ ¶
0 2 n2 m2
H (t) − Kπ + H(t) = 0,
a2 b2
cujas solução geral é  
n2 2
−π 2 +m Kt
Hnm (t) = Anm e a2 b2 .
A solução do problema de calor da chapa com margens termicamente isoladas é, portanto,
∞  
X −π 2 n2
+m
2
Kt nπx mπy
u(x, y, t) = Anm e a2 b2 sen sen , (4.22)
n,m=1
a b

onde os coeficientes Anm são os coeficientes da série de Fourier dupla da extensão de f a uma função periódica
ı́mpar de perı́odo 2a na variável x e a uma função periódica ı́mpar de perı́odo 2b na variável y:

X nπx mπy
f (x, y) = u(x, y, 0) = Anm sen sen ,
n,m=1
a b

ou seja,
Z aZ b
4 nπx mπy
Anm = f (x, y) sen sen dxdy. (4.23)
ab 0 0 a b
Rodney Josué Biezuner 131

4.3.4 Solução do Problema da Condução do Calor na Chapa Retangular Ter-


micamente Isolada por Separação de Variáveis e Séries de Fourier
Vamos resolver o problema da condução do calor em uma chapa retangular homogênea, termicamente isolada,
pelo método de separação de variáveis e séries de Fourier duplas.
Seja R = (0, a)×(0, b) e suponha que f : [0, a]×[0, b] → R é uma função de classe C 2 . Queremos portanto
encontrar uma solução para o problema:

 ut = K(uxx + uyy ) se 0 < x < a, 0 < y < b e t > 0,
uy (x, 0, t) = uy (x, b, t) = ux (0, y, t) = ux (a, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0, (4.24)

u(x, y, 0) = f (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.

Escrevendo
u(x, y, t) = F (x)G(y)H(t),
temos

ut = F (x)G(y)H 0 (t),
uxx = F 00 (x)G(y)H(t),
uyy = F (x)G00 (y)H(t),

e substituindo estas expressões na equação bidimensional do calor, obtemos

F (x)G(y)H 0 (t) = K[F 00 (x)G(y)H(t) + F (x)G00 (y)H(t)].

Dividindo ambos os lados por c2 F (x)G(y)H(t), encontramos

1 H 0 (t) F 00 (x) G00 (y)


= + = σ,
K H(t) F (x) G(y)

donde
F 00 (x) G00 (y)
=− + σ = ρ.
F (x) G(y)
As condições de fronteira implicam, como sempre, condições de fronteira sobre as equações diferenciais
ordinárias de F e G:

uy (x, 0, t) = 0 =⇒ F (x)G0 (0)H(t) = 0 =⇒ G0 (0) = 0,


uy (x, b, t) = 0 =⇒ F (x)G0 (b)H(t) = 0 =⇒ G0 (b) = 0,
ux (0, y, t) = 0 =⇒ F 0 (0)G(y)H(t) = 0 =⇒ F 0 (0) = 0,
ux (a, y, t) = 0 =⇒ F 0 (a)G(y)H(t) = 0 =⇒ F 0 (a) = 0.

Temos portanto os seguintes problemas


½ 00 ½
F (x) − ρF (x) = 0, G00 (y) − (σ − ρ)G(y) = 0,
e
F 0 (0) = F 0 (a) = 0, G0 (0) = G0 (b) = 0.

As autofunções correspondentes são, respectivamente,

F0 (x) = c para ρ = 0,
nπx n2 π 2
Fn (x) = cos para ρ = ,
a a2
Rodney Josué Biezuner 132

G0 (x) = c para σ = ρ,
mπy m2 π 2
Gm (y) = cos para σ − ρ = − .
b b2
Segue que o problema em t é µ ¶
n2 π 2 m2 π 2
H 0 (t) − K 2
+ H(t) = 0,
a b2
cujas solução geral é

H00 (t) = c,
2 n2
Hn0 (t) = e−π a2
Kt
,
2
−π 2 m Kt
H0m (t) = e a2 ,
 
2 n2 2
−π +m Kt
Hnm (t) = e a2 b2 .

A solução do problema de calor da chapa com margens termicamente isoladas é, portanto,
∞  
X −π 2 n2
+m
2
Kt nπx mπy
u(x, y, t) = Anm e a2 b2 cos cos , (4.25)
n,m=0
a b

o que é equivalente a escrever (redefinindo os coeficientes, de forma a obter uma mesma fórmula integral
para todos os coeficientes)
∞ ∞
A00 1X −π 2 n
2
2 Kt
nπx 1 X 2 m2 mπy
u(x, y, t) = + An0 e a cos + A0m e−π a2 Kt cos
4 2 n=1 a 2 m=1 b
∞  
X −π 2 n2
+m
2
Kt nπx mπy
+ Anm e a2 b2 cos cos ,
n,m=1
a b

onde os coeficientes Anm são os coeficientes da série de Fourier dupla da extensão de f a uma função periódica
par de perı́odo 2a na variável x e a uma função periódica par de perı́odo 2b na variável y:
∞ ∞ ∞
A00 1X nπx 1 X mπy X nπx mπy
f (x, y) = u(x, y, 0) = + An0 cos + A0m cos + Anm cos cos ,
4 2 n=1 a 2 m=1 b n,m=1
a b

ou seja,
Z aZ b
4 nπx mπy
Anm = f (x, y) cos cos dxdy, n, m > 0. (4.26)
ab 0 0 a b

4.4 Exercı́cios
Exercı́cio 4.1. Resolva o problema da membrana vibrante
 2

 utt = uxx + uyy ) se (x, y) ∈ (0, 1) e t > 0,
 u(x, 0, t) = u(x, 1, t) = u(0, y, t) = u(1, y, t) = 0 se 0 6 x 6 a, 0 6 y 6 b e t > 0,
2

 u(x, y, 0) = x (x − 1) y (y − 1) se (x, y) ∈ [0, 1] ,
 2
ut (x, y, 0) = 0 se (x, y) ∈ [0, 1] .

Usando algum software matemático (Scilab, Mupad, Maple, Matlab, Mathematica, etc.) ou algum
pacote gráfico (OpenGL, Java2D, etc.), crie uma animação para visualizar a solução do problema.

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