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Universidade Federal Rural Do Rio De Janeiro

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-GraduaçãoPrograma de Pós-


Graduação em História

PPHR/UFRRJ

Pierre Bourdieu: A força do direito – Elementos para


uma sociologia do campo jurídico.

Disciplina: Direitos, instituições e propriedade nos Brasil


Professor: Pedro Parga
Aluna: Maria Eloah Bernardo
Matrícula: 20211001569
Bourdieu e a sociologia do campo jurídico através do poder simbólico
Para compreendermos mais sobre o papel do direito na obra denominada O
poder Simbólico de Pierre Bourdieu se faz necessário conhecermos mais sobre as
especificidades do autor. Filho de camponês e de origem humilde, Pierre Félix Bourdieu
nasceu em 1930 em uma aldeia no interior da França. conforme foi crescendo e
estudando, foi convidado para estudar na École Normale Supérieure de Paris, onde
junto com jovens da elite, cursou Filosofia e passou a dar aula em um Liceu até ser
convocado para o exército no ano de 1955.

Por conflitos no serviço militar foi mandado à Argélia – antiga colônia francesa –, onde
passou a desenvolver estudos antropológicos sobre os povos argelianos que mais se
revoltavam com a dominação francesa. Partindo de aspectos filosóficos somado à
aproximação ao povo proporcionada pela Antropologia, Bourdieu buscava compreender
sociologicamente como os arranjos sociais desiguais se reproduzem nas sociedades
através da cumplicidade dos dominantes e dos dominados.

Dessa forma, o texto que trabalharemos aqui encontra-se em um de seus livros


publicados em 1989 pela editora Difel onde o autor teoriza sobre o Poder simbólico, que
dá nome ao mesmo. Sendo o poder simbólico uma forma de poder relativamente
invisível que é exercido através da cumplicidade daqueles que o dominam e aqueles que
são tidos como dominados, com base nesses aspectos gerais partiremos para o capítulo
VIII da obra intitulado A força do direito – Elementos para uma sociologia do campo
jurídico, onde Bourdieu nos leva à uma análise de fundamentos sociológicos para se
pensar o direito.

O capítulo é estruturado em cinco partes. Na parte inicial Bourdieu faz uma


crítica às teorias sobre o direito, e como parte delas o excluem do âmbito social. Para
este problema o autor propõe um estudo que busque ver a ciência jurídica como um
objeto de estudo. Assim, para a análise deste se faz necessário compreender as
especificidades do universo onde o direito se produz ao mesmo tempo que é exercido
para assim romper com a lógica da independência.

Partindo do princípio que se existe um universo social, podendo este ser


denominado de campo jurídico, independente das pressões externas ao mesmo tempo
que em seu interior se cria e exerce a autoridade jurídica, sendo esta última uma forma
do estado monopolizar a violência simbólica. Assim, pode-se constatar que tanto a
prática quanto os discursos jurídicos são produtos das relações de força entre a lógica
interna que lhe confere a estrutura e os conflitos de competências entre seus agentes.

A divisão do trabalho Jurídico

Para compreendermos mais sobre essas relações de força se faz necessário


compreendermos como elas se dividem. Bourdieu buscou nesta parte analisar e
exemplificar como essa divisão acontece através das divergências de interpretação dos
agentes jurídicos, o que irá gerar a pluralidade das normas jurídicas. É através da
interpretação dos mais variados agentes que ocorre a apropriação da força simbólica do
direito. este processo pode trazer consigo uma perspectiva errônea do direito como
transcendental, sendo que essa perspectiva se reafirma com base na linguagem jurídica
que possui uma retórica bastante impessoal e neutra.

Assim, o campo jurídico possui uma linguagem própria demarcado por frases
impessoais e construções passivas que segundo o autor podem incentivar a interpretação
de neutralidade, assim como faz uso do indicativo para enunciar normas gerais o que
estimula a universalização. Estes aspectos de linguagem demonstram que o espírito
jurídico em si é tido como universalizante e a linguagem só demonstra isso, essa
universalização pode ser vista como resultado da concorrência entre as distintas
competências. Assim, o que Bourdieu denominou de luta simbólica seria o embate
entre os agentes jurídicos que buscam uma interpretação teórica da doutrina e aqueles
que trabalham com a mesma na prática individual e concreta.

No entanto, é importante salientar que a relação conflituosa entre os agentes do


campo jurídico serve para constituir as normas jurídicas, dessa forma, as regras são
adaptadas a cada caso em específico, segundo Bourdieu:

Em resumo, o juiz, ao invés de ser sempre um simples executante que


deduzisse da lei as conclusões diretamente aplicáveis ao caso particular,
dispõe as conclusões diretamente aplicáveis ao caso particular, dispõe antes
de uma parte de autonomia que constitui sem dúvida a melhor medida da sua
posição na estrutura da distribuição do capital específico de autoridade
jurídica; os juízos, que se inspiram numa lógica e em valores muito próximos
dos que estão nos textos submetidos à sua interpretação, tem uma verdadeira
função de invenção. (BOURDIEU, 1989. pp. 222)

Podemos dizer assim que o veredito, e outras decisões tomadas no âmbito


jurídico se dá através da polissemia de interpretações dos agentes jurídicos na luta
simbólica. esta luta se baseia no que Bourdieu chamou de historicização da norma, onde
se é adaptado as fontes (normas jurídicas) em diversas circunstâncias gerando
possibilidades inéditas de resoluções. Assim, a racionalidade do direito é mais resultado
das decisões sobre o que é ético para os agentes do que às normas públicas, no entanto,
cria-se um aparato que demonstre que a visão do juiz seria de fato a legislação, ou a
voluntas legis.

A instituição do monopólio

Para a eficácia da prática e decisões jurídicas se faz elementar uma outra divisão
existe então uma fronteira entre o agente jurídico e aqueles que serão atendidos por
estes, melhor dizendo, seus clientes. Essa divisão se torna elementar uma vez que
garante à percepção de neutralidade do direito, assim o campo do direito só pode ser
acessado por aqueles que sabem como agir no ambiente jurídico e que conseguem
compreender sua linguagem1 e expressar a neutralidade tão cara à esfera jurídica.

Assim, aqueles que se tornam clientes dos agentes jurídicos, os contratam


justamente pela necessidade de buscar soluções justas para conflitos inconciliáveis no
meio social, resolução essa que será dada através da luta de forças entre juristas. Para
Bourdieu,

O campo jurídico reduz aqueles que, ao aceitarem entrar nele, renunciam


tacitamente a gerir eles próprios o seu conflito [...] ao estado de clientes dos
profissionais; ele constitui os interesses pré-jurídicos dos agentes em causas
judiciais e transforma em capital e competência que garante o domínio dos
meios e recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo. Pp. 233

Ao garantir o domínio dos recursos jurídicos à um determinado grupo de


pessoas, sendo principalmente aquelas que possuem o capital jurídico, o direito passa a
garantir determinadas posições de poder, onde na maioria das vezes estará nas mãos das
classes dominantes visto que são essas pessoas que possuem o capital necessário para
exercerem essas funções, sem dar oportunidades há grupos subordinados de exercê-las.
Uma exemplificação sobre este monopólio pode ser expressa através do direito da
vulgaridade do direito do trabalho. através dela um grande número de indivíduos que
não são profissionais do direito, passaram a conhecer mais sobre as normas do mesmo.
Este conhecimento, segundo o autor não faz com que a fronteira entre as pessoas
comuns e os profissionais sejam derrubadas, mas gera um aumento da “cientificidade

1
Fazendo uma interlocução com Austin Bourdieu problematiza mais sobre a linguagem jurídica que
utiliza de palavras do senso comum com um sentido completamente diferente do que é conhecido
popularmente no intuito de gerar falsas interpretações do público em geral que não irá compreendê-lo sem
o auxílio de um agente jurídico.
para conservarem o monopólio da interpretação legítima e escaparem à desvalorização
associada a uma disciplina que ocupa uma posição inferior no campo jurídico.” P. 235

Dessa forma, o aumento da complexidade da técnica jurídica serve como um


meio de reforçar a separação entre os profissionais e os indivíduos que serão defendidos
por ele no intuito de manter a ilusão da neutralidade do papel da defesa.

O poder de Nomeação

O veredito que resulta dessa luta de forças é compreendido como uma palavra
pública, oficial que por ser universal não pode ser ignorada. Assim, pode-se dizer que o
direito atribui poderes socialmente conhecidos à determinados indivíduos e através
dessa forma é reconhecido como portador do poder simbólico de nomear os grupos ao
mesmo tempo que se constitui por eles.

O direito possibilita para determinados indivíduos consagrar uma ordem justa


para a sociedade, o que passa a lhe conferir a universalidade necessária. Assim o que o
autor chama de nomeação só é bem sucedido por estar fundamentado na sociedade. a
dominação do campo jurídico assim como outras dominações não é absoluta, mas
dependem da cumplicidade daqueles que à suportam, neste caso da própria sociedade.
Para que seus valores sejam aceitos na sociedade se faz de extrema importância sua
codificação que possibilitará a neutralização e sistematização de suas práticas em um
contexto em que as mesmas respondem às necessidades e interesses da sociedade.

A força da Forma

A definição da prática jurídica através da oferta disponível na concorrência entre


os profissionais e a procura dos indivíduos que são determinados pela oferta. As
relações ente o campo jurídico e o campo social irão definir quais os efeitos uma ação
jurídica pode ter, destarte as afinidades entre os indivíduos iram favorecer as visões de
mundo semelhantes, o que segundo Bourdieu faz com que o etos jurídico esteja
geralmente adequado à visão de mundo dominante na sociedade, onde passará a ser
visto como norma universal os comportamentos dominantes e desviantes aqueles que se
organizam distantes destes.

Esta criação jurídica do que é universal e o que é desviante pode a longo prazo
conformar os comportamentos fazendo com que o direito seja um instrumento de
transformação social através das decisões e os meios de coerção que irão moldar como
os indivíduos deverão agir para não serem considerados desviantes. Os detentores do
poder simbólico estão nas classes dominantes à qual tem mais acesso ao campo jurídico
e automaticamente ao poder simbólico, enquanto aos outros deve-se suportar a violência
simbólica contida nessas ações generalizantes.

Os efeitos da homologia

A última parte do capítulo busca concluir o raciocínio de Bourdieu no intuito de


explicar a eficácia simbólica do direito. No contexto de divisão do direito os agentes
dominados do mesmo tendem muitas das vezes a terem como clientes pessoas que na
sociedade são tidas como dominadas o que aumenta a inferioridade das posições,
gerando uma lógica onde,
os dominados só possam encontrar no exterior, nos campos científico e
político, os princípios de uma argumentação crítica que tem em vista fazer do
direito uma ciência dotada de sua metodologia própria e firma na da realidade
histórica, por intermédio, entre outras coisas, da análise da jurisprudência.
(BOURDIEU, 1981, pp.252)

Com base nessa perspectiva cabe à Sociologia pensar o direito através de uma
reconciliação da ciência com a realidade social, sendo esta encontrada de maneira
externa à teoria do direito puro. O combate à independência do direito se dá através da
confrontação das normas jurídicas com as ações e realidades dos indivíduos nos quais
essas têm por objetivo regulamentar.

As decisões jurídicas se fazem sobre uma mistura da doutrina adaptada aos


aspectos da realidade através da interpretação de seus agentes, por isso é de extrema
importância a distanciação entre o campo jurídico e a sociedade, assim, para reforço
desta surgem as burocracias que restringem o acesso dos indivíduos a este campo. No
entanto, é necessário salientar que há uma constante relação entre o campo jurídico e a
sociedade, onde a ‘autonomia’ do direito se torna importante para a estrutura a mesma.
Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. A força do direito – Elementos para uma sociologia do campo


jurídico. In: _______. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989. P. 209-256

SCKELL, Soraya Nour. Os juristas e o direito em Bourdieu: a conflituosa construção


histórica da racionalidade jurídica. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 28, n.
1

Vídeos:

BOURDIEU: O MAIOR LUTADOR DE UFC TEÓRICO 01, 02 e 03. Vídeo


apresentado por Marcos Alvito, 2012. Publicado pelo canal: Marcos Alvito. Disponível
em: < https://www.youtube.com/watch?
v=ab1YVWwCK98>https://www.youtube.com/watch?v=ab1YVWwCK98;
<https://www.youtube.com/watch?v=fxLKuN3MKDU>;
<https://www.youtube.com/watch?v=RVm_W3XlEEs>.

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