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ARTE INIMIGA DA HUMANIDADE:

O ANTICRISTO DE LARS VON TRIER

Gabriel Lima Ferreira (UFBA/IHAC)

Professor Orientador Francisco Antônio Zorzo (UFBA/IHAC)

Resumo:

Este artigo empenha-se em realizar uma leitura minuciosa do filme Anticristo (Antichrist, 2009) buscando,
a partir da compreensão do conteúdo da obra, uma resposta para polêmica gerada pela mesma. Como
material para a elaboração deste documento utilizei a própria filmografia de Lars von Trier, diretor do
filme, e entrevistas sobre o tema, tanto do cineasta quanto de membros da equipe. Anticristo revelou-se
uma obra complexa e corajosa. Construído sobre um rico acervo simbólico, preparado de maneira
didática pelo diretor, que pretendia compartilhar pensamentos derivativos da sua própria depressão com
o público, o filme é elaborado para desafiar setores conservadores e liberais da sociedade
contemporânea. Devido o alto grau de violência, tanto em seu discurso quanto em seu fator gráfico,
Anticristo acabou sendo rechaçado pela crítica contemporânea, que nem se quer chegou a submetê-lo a
análise simbólica que seu formato demanda. Esta negligência denuncia uma sujeição sistemática do
mérito artístico aos valores contemporâneos.

Palavras-chave: Anticristo, Lars von Trier, Misoginia, Cinema, Mérito Artistico.

Abstract:

This article is engaged on make a thorough reading about the movie Antichrist (2009) searching, from the
comprehension of the content of the art, an answer for the polemic made on this movie. I used as
material for prepare this document the Lars von Trier filmography itself, the director of the movie, and also
some interviews about the theme, of the film-maker and his team members. Antichrist showed a complex
and brave art. The movie is made with a large symbolic repertoire, and it’s shown in a really didactic way
by the director who intended to share his on depressive thoughts to the public, the movie is made to
challenge the traditionalist and progressive contemporary society. Because of the high level of violence,
the speech and the graphic factor made Antichrist a highlight target for the contemporary criticizes which
didn’t even analyze in a symbolic way the movie, which require this kind of analyze. This attitude
denounces the systematic artistic subjection merit on the contemporary values.

Keywords: Antichrist, Lars von Trier, Misogyny, Cinema.

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1. Introdução

Em 2009, durante a première do filme Anticristo (Antichrist), no Festival


Cinematográfico Internacional de Cannes, o cineasta dinamarquês Lars von Trier
apresentava ao publico a sua obra nos seguintes termos: “Eu gostaria de convidá-los
para uma pequena espiada por detrás da cortina, um vislumbre do mundo sombrio da
minha imaginação: sobre a natureza dos meus medos, sobre a natureza do anticristo”
(WALSH, 2009). Uma hora e trinta e oito minutos mais tarde, a plateia, constituída em
sua grande maioria por críticos e jornalistas especializados, estava escandalizada com
as cenas que acabara de assistir. Alguns batiam palmas e riam, perdidos em suas
próprias impressões, outros, furiosos, vaiavam o filme e rompiam-se em acusações,
sobretudo de misoginia, contra o diretor.

Após entrar em cartaz no mundo todo, e até mesmo hoje, com acesso restrito
somente as telinhas, o filme replica reações similares aquelas manifestas em sua
estreia no Festival de Cannes. Desta forma Anticristo, exibição após exibição, tornou-se
um dos filmes mais controversos da história do cinema.

Foi justamente este caráter inquietante que convenceu-me da pertinência de uma


análise mais profunda a respeito do tema. Afinal de contas, do que trata Lars von Trier
em Anticristo? De que forma o faz? E por que este filme, apesar de contar com uma
boa produção, uma direção competente e interpretações memoráveis, consegue
provocar a rejeição da maioria dos seus espectadores? São estas perguntas que
pretendo responder através deste artigo.

2. Metodologia

É impossível dar continuidade a este artigo sem deixar claro os métodos que utilizei
para responder as questões levantadas no tópico anterior. Na verdade, neste caso, a
postura diante do método torna-se necessária até mesmo para esclarecer a natureza
das perguntas que originaram esta pesquisa. Digo isso porque, segundo a escola pós-
estruturalista de hermenêutica, esta que vem fortalecendo-se dentro das universidades
através do ensaio de Barthes (1967), tentar estabelecer a leitura de uma obra através
da intenção de seu autor, como sugeri com as questões fundantes deste estudo, são,
na realidade, um esforço vão. Sendo assim, estabelecer uma posição diante dos
escritos de Barthes, especificamente sobre o mais popular dentre eles: A Morte do

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Autor (BARTHES, 1967), ocupa posição central dentro deste tópico.

É importante deixar claro que o problema levantado por Barthes e também por
outros pensadores da metade do século XX, como Foucault e Derrida, a respeito da
intencionalidade autoral como foco da análise hermenêutica (BURKE, 2010), está longe
de ser um delírio. Pelo contrário, esta inquietação percorre todo meio acadêmico,
ganhando uma importância especial dentro do estudo das humanidades. No direito por
exemplo, as questões hermenêuticas são fundamentais, afinal, sem a compreensão
que a hermenêutica é uma ciência, ou seja, tem como centro do seu estudo algo
objetivo e não subjetivo como propõe Barthes (1967), os sistemas legislativos
baseados em documentos textuais, como a Constituição Brasileira, seriam
completamente inviáveis. Justamente por isso a leitura hermenêutica através da
intencionalidade autoral, sendo ela a única capaz de fornecer a hermenêutica um
objeto de estudo externo ao indivíduo, é uma veia muito forte dentro do direito. Juristas
como Emilio Betti, na Itália, e Pontes de Miranda, no Brasil, são exemplos de figuras
que dedicaram-se a defender a intenção do autor como fator determinante para a
leitura de um objeto (GOMES, ARANTES; 2006).

Dentro do estudo da literatura a tensão sobre a objetividade hermenêutica viveu


sua maior crise durante a metade do século passado. Ao contrário do que pode se
imaginar diante a atual hegemonia pós-estruturalista, a defesa do leitor como a fonte de
significado para um texto nunca foi consenso entre literários. Em 1967, mesmo ano em
que Barthes publicou seu ensaio, E.D. Hirsch, linguista americano, escreveu um livro
intitulado Validity in Interpretation (HIRSCH, 1967), onde empenha-se em defender a
intencionalidade autoral como aquela que traz sentido objetivo para um texto. Em data
mais recente, Seán Burke retomou a discussão com sua resposta a Barthes (1967),
intitulada The Death and Return of the Author: Criticism and Subjectivity in Barthes,
Foucault and Derrida (BURKE, 2010), onde aborda o tema dentro de uma perspectiva
histórica, sociológica e linguística.

Esta discussão a respeito da pertinência do estudo da relação entre obra e autor


ganha uma importância especial dentro deste artigo, uma vez que o próprio Lars von
Trier foi um dos responsáveis por trazer a questão para o ambiente cinematográfico.
No ano de 1995, em companhia de seu amigo conterrâneo, Thomas Vinterberg, Trier
participou da formulação de um manifesto chamado Dogma 95, que visava combater o
modelo hollywoodiano de fazer cinema. O manifesto constituía-se na afirmação de dez

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regras, apelidadas pelos seus autores como “votos de castidade”, que limitavam o uso
de certos métodos de filmagem e edição, sendo a última delas a exigência que o nome
do diretor não figurasse entre os creditados no filme (< http://www.dogme95.dk/the-
vow-of-chastity/ > 29/04/2015). Esta postura harmoniza-se com a constatação pós-
estruturalista que o conhecimento a respeito do autor é irrelevante para leitura de uma
obra. Contudo, Lars von Trier produziu apenas um filme dentro dos moldes propostos
pelo Dogma, a saber, Os Idiotas (Idioterne, 1998), o segundo filme da Trilogia Coração
de Ouro. Dois anos depois, Trier lançava o terceiro filme da trilogia, Dançando no
Escuro (Dancer in the Dark, 2000), obra que rompia com todas as regras do Dogma,
inclusive com a que censurava a creditação do diretor.

No caso do Anticristo, Lars von Trier corre em direção diametralmente oposta a


sugerida pelo seu manifesto. Em vez de, em nome da castidade, abster-se da
creditação autoral, Trier assina o primeiro quadro de seu filme com seu próprio nome.
Em um verdadeiro ato de insurreição a proposta do Dogma, o diretor faz questão de
estabelecer uma relação ainda mais profunda entre a obra e si mesmo, do que o
rotineiro dentro da linguagem cinematográfica. Não contente em apenas utilizar uma
fonte que sobrepõe a película, Trier faz sua assinatura aderir ao modelo estilístico que
posteriormente usa para intitular a própria obra e os seus quatro capítulos. Com isso,
Lars von Trier deixa de ser apenas o nome do diretor e passa a ser parte integrante do
filme, sendo inclusive o primeiro dos seus gritos. Diante desta imersão, o estudo da
relação entre autor e obra torna-se válido até mesmo perante os questionamentos pós-
estruturalistas.

FIGURA 1 — Captura de Tela do filme Anticristo (2009), Creditação Autoral

Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

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Uma vez esclarecida a legitimidade das perguntas que orientaram esta pesquisa,
estabelece-se o elo entre Lars von Trier e Anticristo como ponto central para o
desenvolvimento deste estudo. Há também que se destacar o uso de elementos de
caráter menos lúdico, como declarações do diretor a respeito do filme, diálogos dos
personagens e decisões de edição, como fontes primarias para a leitura de elementos
dramáticos de significado mais nebuloso.

3. Influências

Logo após o lançamento de O Grande Chefe (Direktøren for Det Hele, 2006), Lars
Von Trier mergulhou em uma grande crise depressiva. Sua situação era agravada pelos
vícios adquiridos durante a filmagem do Ondas do Destino (Breaking the Waves, 1996),
onde começou a desenvolver alcoolismo e a utilizar drogas. No auge da sua angustia,
Trier chegou a duvidar da possibilidade de voltar a escrever um filme. Desesperado,
iniciou o processo de escrita de um roteiro que posteriormente ganhou o título de
Anticristo (THORSEN, 2014).

Anticristo é o primeiro filme da Trilogia da Depressão, nomeada assim por conta da


condição vivida pelo diretor durante a sua elaboração. Os outros dois filmes que
compõe a trilogia são: Melancolia (Melancholia, 2011), e Ninfomaníaca
(Nymphomaniac, 2013). Existem quatro grandes pontos de convergência entre os três
longas: a presença da atriz Charlotte Gainsbourg dentro do núcleo dramático; a divisão
do filme em capítulos sinalizados e nomeados através de quadros estáticos inseridos
pela edição; a ênfase nos personagens femininos, sendo todos eles detentores de
algum mal psiquiátrico e de um agressivo apetite sexual; e o fato de ambos os filmes
não apenas terem nascido em um momento de depressão de Trier, como já citado, mas
terem a pretensão de expor didaticamente as aflições provocadas pela doença na
mente do cineasta.

Em 2009, no entanto, todos esses ingredientes soaram como uma novidade ao


público em Cannes, que tinham a Trilogia do Coração de Ouro e Dogville (2003),
ambos melodramas dedicados a retratar o sofrimento feminino, como principais
referências do trabalho de von Trier. Não atoa, o jornalista Baz Bamigboye exigiu
satisfações do diretor durante a entrevista coletiva concedida um dia após a estreia do

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Anticristo. Revoltado, Bamigboye chegou a declarar que, por conta do filme, teria de
lavar o próprio cérebro. Trier, mantendo o bom humor, afirmou que não sentia a
necessidade de se justificar e, como resposta as ofensas do jornalista, autodeclarou-se
o melhor diretor do mundo (BAMIGBOYE, 2009; HERNANDEZ, 2009).

Ainda durante esta entrevista, Trier referiu-se ao romancista e dramaturgo sueco,


August Strindberg, como uma das suas principais influências, relacionando inclusive, a
sua própria crise depressiva que precedeu o lançamento do Anticristo com o período de
loucura vivido por Strindberg em Paris antes do lançamento do seu romance
autobiográfico, Inferno (1896) (HERNANDEZ, 2009). De fato, são muitos os paralelos
entre aquilo que Strindberg chamou de “Inferno Crisis” e os dois anos de crise
depressiva vividos por Trier. Os dois artistas mergulharam no alcoolismo, mesmo
céticos, intitularam as obras produzidas durante a crise com expressões religiosas, e,
após a publicação de seus trabalhos, ambos passaram a ser acusados de misoginia.

É verdade que von Trier conhecia e admirava tanto o homem quanto o artista
Strindberg. Sua admiração era tanta que chegou a citá-lo em um diálogo do O Grande
Chefe (Direktøren for Det Hele, 2006), onde, na mesma cena, comentava um boato a
respeito de uma tentativa de assassinato cometida pelo escritor contra sua mulher e,
logo em seguida, elogiava a sua genialidade. Sendo O Grande Chefe (Direktøren for
Det Hele, 2006) a sua última obra antes do início da crise depressiva e Strindberg
aquele citado como sua grande influência para criação do Anticristo, é possível afirmar
que os pensamentos do cineasta estavam especialmente voltados para o escritor
durante a sua crise, e não só para o aspecto artístico, mas também para sua face
misógina. Pode-se questionar portanto, se os paralelos estabelecidos entre a Inferno
crisis de Strindberg, e o período depressivo de Lars von Trier, chamado por ele mesmo
durante a coletiva de “sua própria Inferno crisis”, encontram similaridades por obra do
acaso, ou por um comportamento mimetizante do cineasta.

Considerando a segunda hipótese, as acusações de misoginia proferidas contra o


diretor deixam de ser produto de uma obra mal compreendida, e passam a ser
resultado de um esforço mimetizante de Lars von Trier.

Outra influência confessa de von Trier foi Andrei Tarkovsky. O impacto das obras do
cineasta russo pode ser percebido desde a escolha do cenário principal, uma pequena
casa no campo, muito similar a casa utilizada nas filmagens de O Espelho (ЗЕРКАЛО,

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1975), até ao uso de figuras fantásticas para ilustração da trama realista. Trier chegou
a recomendar a Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, atores protagonistas de
Anticristo, uma das obras de Andrei Tarkovsky como parte do seu estudo de
personagem (BO, 2009). A influência de Tarkovsky tornou-se tão ampla sobre
Anticristo, que Trier acabou por dedicá-lo as memórias do cineasta russo, falecido em
1986.

4. Um Filme Sobre a Natureza

Apesar de valer-se de uma narrativa quase didática, a utilização de símbolos


religiosos e psicanalíticos acaba muitas vezes distraindo os expectadores do Anticristo
daquele que, o próprio Lars von Trier em entrevista, declarou ser o tema central da sua
obra: a natureza (HERNANDEZ, 2009). Ao assistirmos longa, no entanto, não nos
deparamos com imagens exuberantes de rios, campos, montanhas, geleiras ou
vulcões, pelo contrário, o cineasta nos apresenta uma mata homogênea, cortada por
um córrego mesquinho e habitada por animais mutilados. Perante tal abordagem,
torna-se claro o desinteresse de Lars von Trier em apresentar a tradicional face
exuberante da natureza, e por conseguinte, o desejo de propor um novo olhar sobre o
tema.

Uma esclarecedora dica de como o tema foi trabalhado pelo autor ao decorrer de
sua obra, está na já citada frase de apresentação do filme feita por Trier em Cannes. O
diretor convida os expectadores a adentrarem no mundo sombrio da sua imaginação,
sobre a natureza do seu medo, sobre a natureza do anticristo (WALSH, 2009). A
associação da natureza com medo e anticristo é uma generosa sugestão de Trier dos
melhores ângulos para apreciação de sua obra.

O motor dramático do filme é justamente a investigação do personagem masculino,


Willem Dafoe, a respeito da natureza do medo que aflige sua esposa, Charlotte
Gainsbourg. O marido, um experiente psicoterapeuta, lança mão da terapia de
exposição como tratamento para sua mulher, que após a morte do único filho do casal
em um acidente doméstico, mergulhou em um quadro de depressão e ansiedade
profunda. A eficácia do método no entanto, depende de uma exposição sistemática do
paciente ao objeto provocador da sua angustia, fato que demanda um grande empenho
do terapeuta em conhecer a fonte da ansiedade de seu paciente.

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Esta busca levou o casal a pequena casa de campo, sugestivamente chamada
Éden, onde a personagem de Gainsbourg passou o último verão em companhia de seu
filho. Sozinhos, cercados apenas por um bosque, terapeuta e paciente aproximam-se
cada vez mais da real origem do medo pesquisado.

Inicialmente o medo aparece como uma figura dispersa, sendo representado pelo
diretor através de imagens de plantas e galhos entrelaçados, porém, ao decorrer do
tratamento, a angustia passa por um processo de gradual objetivação, atingindo seu
ponto máximo em uma definição da própria paciente. Após um período de abatimento
provocado pelo contato com o bosque, objeto listado como um dos possíveis
provocadores da sua aflição, a mulher conclui a descoberta de um outro aspecto do
Éden: por trás de toda a beleza que salta a vista haveria uma face cruel da floresta, a
morte que lhe garante a vida, morte esta que a personagem agora julga-se capaz de
escutar. Diante desta análise a paciente conclui: “a natureza é a igreja de Satã.”

Apesar da insatisfação do terapeuta com a definição fornecida pela sua esposa, a


mulher, que antes mal conseguia caminhar sobre a grama – sofrendo até mesmo
queimaduras psíquicas durante uma tentativa —, parece curada. O homem inicia então
um processo de descoberta do real significado da natureza. Trier marca esta mudança
com a apresentação de uma raposa que, utilizando-se de uma metáfora, faz com que
anuncie: O caos reina. Desta forma o diretor faz com que a própria natureza revele sua
real essência.

A discussão a respeito do terror da natureza, antes tratada como algo restrito a


floresta, torna-se pouco a pouco uma discussão a respeito da natureza humana. O
diretor acompanha as atualizações da trama através de uma cena que chegou a
estampar um dos posters do filme: o casal faz sexo recostado sobre um emaranhado
de raízes, a cena é complementada por mais uma ilustração metafórica de Trier, braços
humanos unem-se aos galhos, uma releitura humanizada da antiga representação do
medo adotada pelo diretor.

A denúncia do ser humano como uma criatura aterrorizante, ganha força após a
descoberta do marido a respeito dos maus tratos praticados pela sua mulher contra seu
filho. Analisando fotografias, o personagem masculino descobre que sua esposa
costumava inverter os sapatos do garoto, a inversão era tão constante que chegou a
gerar deformações nos pés do menino. O diretor confirma o desprendimento da mãe

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em relação a criança alguns minutos mais tarde, onde revela que ela, a personagem
feminina, assistiu o acidente que veio a causar a morte de seu filho, mas, por estar
entretida transando com o seu marido, decidiu não intervir. O fato parece ser tratado
pelo roteiro e pelo personagem não como uma ação maligna consciente, mas uma
ação inconsciente, sendo a personagem apenas uma vítima do seu próprio instinto.

Durante o tratamento o terapeuta utilizou o desenho de uma pirâmide como um


auxílio visual para sua pesquisa, lá eram listados, respeitando a ordem hierárquica de
baixo para cima, os objetos causadores de aflição a sua paciente, sendo o topo
reservado para real natureza do medo pesquisado. A conclusão da pesquisa é
inquietante, após constatar a tortura sofrida por seu filho, o terapeuta conclui que a
própria paciente é o objeto provocador do seu medo e confere a ela mesma o topo na
pirâmide do horror.

A dedução do terapeuta a respeito da natureza do medo de sua paciente, conferem


sentido a elementos da obra que, a primeira vista, aparentam ser agressões
desconexas a figura feminina. Por exemplo, ao entendermos que a mulher é a sede
principal daquilo que ela mesma definiu como “A igreja de Satã”, conseguimos entender
o porque da tipografia utilizada para intitular o filme, onde o Símbolo de Vênus –
tradicionalmente utilizado para representar o sexo feminino – compõe a palavra
Anticristo:

FIGURA 2 — Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Título do Filme

Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

Outro fragmento que torna-se mais claro é angustiante cena de mutilação genital
praticada pela personagem feminina. Diante desta definição podemos entender o ato

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como uma tentativa de redenção da personagem, que através do corte de seu próprio
clitóris, buscava atentar contra a natureza maligna que dominava a sua face
inconsciente. Esclarece-se também a frase de apresentação da obra, pois em um
primeiro instante o diretor parece tratar em sua declaração de duas naturezas, uma
natureza do medo e outra natureza do anticristo, porém, diante da conclusão do
terapeuta, notamos que a frase do diretor trata-se de um pleonasmo.

Define-se portanto que a visão da natureza apresentada no Anticristo trata-se de


uma tentativa do diretor de mostrar-nos uma perspectiva decadente da mesma. Para
isso, Trier lança mão de um discurso impositivo, onde gradualmente antigos atributos
da natureza são corrompidos. A fertilidade, beleza, generosidade e a cosmicidade,
atributos geralmente conferidos a natureza dentro de uma leitura romântica, são
contrapostos pelo homicídio, mesquinhez, hedonismo e caos. O paralelismo ganha
força máxima quando o diretor define a natureza, geralmente entendida como uma
demonstração dos atributos divinos, como a igreja de Satã, e a humanidade, que
segundo a fé cristã é a imagem e semelhança do Pai, como o anticristo.

5. Misoginia

A agressividade presente na personagem feminina e nas situações vividas por ela,


são a maior fonte de indignação do publico com o Anticristo. Não atoa a cena de
mutilação genital e a acusação de incentivo a misoginia são temas recorrentes em
análises e discussões sobre o filme.

A relação do diretor com o sexo oposto, tanto a nível pessoal quanto em ambiente
profissional, trata-se de um tema delicado. Sua mãe, Inger Trier, que chegou a ser líder
do movimento feminista da Dinamarca por um certo período, confessou em seu leito de
morte que Ulf Trier, homem que criou Lars von Trier como filho, não era seu pai
biológico, mas sim Fritz Michael Hartmann, seu antigo patrão. Este evento teve
profundo impacto sobre o cineasta. A influência deste evento sobre a arte de von Trier é
confessa, em entrevista ao New York Times, ele admitiu que muitos filmes seus tratam-
se de uma espécie de provocação póstuma dirigida a Inger (KEHR, 2009; MACNAB,
2011; O'HAGAN, 2009).

Diante destas declarações os constantes conflitos do diretor com as atrizes durante


a filmagem de seus longas torna-se passível de uma associação com seus problemas

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familiares. A primeira atriz que tornou pública a dificuldade do diretor com o gênero
feminino foi a cantora pop Björk Guðmundsdóttir, que na ocasião protagonizava o longa
ganhador da Palma de Ouro, Dançando no Escuro (Dancer in the Dark, 2000). Após
uma discussão com o diretor, Björk chegou a abandonar o set de filmagem durante
algum tempo, os problemas foram amenizados pela cantora durante o lançamento do
filme, porém, em 2009 em uma entrevista concedida ao The Sunday Times, a cantora
definiu Trier do seguinte modo:

Ele precisa de uma mulher para fornecer alma ao seu trabalho, e ele tem
inveja delas e odeia-as por isso. Então ele tem que destruí-las durante as
filmagens e depois esconder as provas. (APPLEYARD, 2009)

Nicole Kidman, protagonista do Dogville (2003), também esteve no centro de uma


possível desavença com o diretor. Segundo o jornal britânico Telegraph, a atriz, apesar
de não declarar abertamente, insinuou que não mantinha boas relações com Trier. A
suspeita foi confirmada pelo próprio Trier, que, respondendo aos rumores a respeito da
tortura psicológica sofrida por Kidman durante a gravação de Dogville, afirmou estar
ciente que a atriz considerava seu temperamento difícil (GRITTEN, 2009). A própria
Gainsbourg, que mantêm ótima relação com o diretor, chegou a mencionar o hábito do
cineasta de torturar suas personagens femininas: “Ele coloca as mulheres em um
pedestal e depois empurra-as” ( KEHR, 2009).

Perante estas evidências as acusações de misoginia dirigidas ao cineasta, apesar


de não serem inquestionáveis, ganham fundamento. Isto não deve, no entanto, ser
entendido como uma justificativa para reduzir o sofrimento da personagem feminina a
apenas um capricho de um diretor sádico. A escolha da personagem de Gainsbourg
como a representante humana da igreja de Satã, ganha um significado dramático muito
profundo quando entendemos Anticristo como um filme sobre a natureza.

A associação da mulher com a natureza é realizada em quase todas as culturas,


panteões da antiguidade revelam diversas deusas mulheres que assumem esta
proposta, existem até arquélogos que compreendem as Estatuas de Vênus, ícones pré-
históricos, como possíveis menções a este arquétipo (BERGAMO; 2007). A correlação
estabelecida por estas comunidades primitivas estava geralmente centrada em
analogia da gestação e amamentação, atributos exclusivamente femininos, com a
fertilidade da natureza. A própria etimologia da palavra natureza revela isso, o termo
deriva do latim “nature” que significa literalmente “dar a luz” (HARPER, 2001).

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Uma vez traçado o arquétipo, muitos povos continuaram a revisitar o conceito
acrescentando novas analogias, como por exemplo a relação entre a beleza feminina e
a beleza da natureza; a mudança de humor feminino, consequência do ciclo menstrual,
com as intemperes e estações; ou a inferência da fragilidade feminina sobre a
natureza. Isto ajudou a um estreitamento de relação conceitual da mulher com a
natureza. O relato bíblico pode ser entendido como um exemplo desta aproximação.
Enquanto Eva chegou a trocar palavras com a Serpente, mas não encontramos a
relatos de uma relação especial de Adão com natureza.

Trier evoca esta relação de forma muito clara em Anticristo quando inclui em seu
longa diversas cenas de sobreposição da personagem feminina sobre imagens da
floresta.

FIGURA 3 — Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Cena Onde a Mulher Funde-se a Relva

Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

A pretensão do diretor de apropriar-se deste arquétipo torna-se ainda mais clara


quando a própria personagem cita as bruxas medievais e seus poderes sobre a
natureza: “as irmãs Ratisbonn eram capazes de provocar chuva de granizo”, ela afirma
enquanto transa com seu marido em meio as raízes de uma grande árvore. O fato da
personagem feminina não ter nome próprio passa, enfrente a constatação da intenção
do autor de apropriar-se da mulher como um símbolo, a também a ter um significado
dramático de reforço desta intenção.

Como foi constatado no capítulo anterior, Trier pretende desconstruir o ideal


romântico da natureza. Por isso revisita durante o filme toda genealogia simbólica que

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serve de pilar para o olhar humano sobre o tema. Através deste processo de
revisitação a mulher é elencada como principal lente utilizada pela humanidade para
leitura da natureza, tornando-se por consequência, o alvo principal do diretor dentro da
sua desconstrução. Trier realiza seu trabalho de perversão do símbolo utilizando-se
justamente dos caminhos traçados para construção do mesmo. A maternidade, atributo
que serviu como ponte primaz para relação da mulher com a natureza, é reutilizado
pelo diretor como ponto central do seu projeto de perversão. Ao apresentar ao
espectador uma mãe negligente, capaz de abandonar seu filho em nome de um prazer
fugaz, como é o prazer sexual, ou ainda pior, uma mãe cruel, que submete seu próprio
filho a torturas físicas, o diretor coloca em xeque o arquétipo da mãe natureza como
generosa e altruísta, apresentando a proposta de uma mãe assassina e hedonista.

Além do elo principal Trier também desvirtua as ligações secundárias realizadas


muitas vezes nos retratos simbólicos da relação da mulher com a natureza, o vínculo
da beleza por exemplo, é questionado em um discurso da personagem:

As sementes de carvalho ficam caindo no telhado… caindo e caindo… Morrendo e


morrendo. Então entendi que… tudo que costumava ser bonito no Éden, talvez
fosse horrível.

A relação da mulher com as intemperes é citada pelo diretor, não só no já referido


diálogo sobre as bruxas medievais, mas também em uma concretização dramática do
mito, onde a personagem feminina parece dispor da habilidade de, como as bruxas,
provocar chuvas de granizo.

É claro que mesmo que a escolha da mulher como personagem central de uma
trama tão violenta encontre justificativas artísticas, certas decisões do diretor, como por
exemplo a de exibir integralmente a extirpação do clitóris da personagem, continuam
sendo mais fáceis de serem compreendidas através do seu problema com o gênero.

6. Os Três Mendigos

Durante todo longa Lars von Trier nos apresenta somente três personagens
humanos, o casal e seu filho Nick, mas além destes, outras três figuras acabam
chamando a atenção dos espectadores, Os Três Mendigos, animais carregados com
um forte conteúdo simbólico que aparecem ao personagem masculino. Os animais
escolhidos pelo diretor para integrarem Os Três Mendigos foram: o cervo, a raposa e o

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corvo. Durante o filme Trier associa cada animal com um atributo diferente do
sofrimento: o cervo com o luto, a raposa com a dor e o corvo com o desespero. Luto,
dor e desespero, servem também como título de três dos quatro capítulos do filme,
cada um destes capítulos são encerrados pela aparição do seu respectivo mendigo. O
quarto e último capítulo chama-se justamente “Os Três Mendigos” e só é encerrado
com o aparecimento das três criaturas.

Tentar traduzir o significado de cada um dos três mendigos dentro de apenas um


conceito é uma tentativa tão equivocada como a de tratá-los como algo indecifrável.
Trier elabora estes personagens com o intuito de conceber algo realmente polissêmico,
porém jamais como um rompimento da natureza didática que guiou sua pulsão criativa.
Cada elemento, como o número, a espécie, a situação vivida por cada criatura e o seu
relacionamento com os personagens humanos, foram definidos e controlados de perto
pelo diretor. Para compreendermos a função dramática destes personagens é
importante lembrarmos da forma como Trier trabalhou outros elementos do seu longa
como a mulher e a natureza. Não através de uma leitura guiada especificamente por
caminhos simbólicos pré-definidos, como a religião ou a psicanálise, mas como alguém
que admite a contribuição destes diversos meios para construção de um símbolo.

Os três animais flutuam sobre o mundo concreto de Anticristo, horas eles


participam ativamente interagindo com o meio e com todos os personagens, como no
caso em que o corvo denuncia o esconderijo do personagem masculino, horas eles
rompem com o mundo comum, como na cena em que a raposa fala com o personagem
masculino. A carência de repercussão destes fenômenos extraordinários, tanto na
relação dos personagens quanto na abordagem do diretor através da montagem e
edição, coloca esta segunda contribuição dos animais em um patamar similar ao da
cena onde braços humanos entrelaçam-se a raiz de uma árvore, ou seja, como uma
inserção metafórica do diretor.

Uma vez ciente da complexidade destas figuras, cabe aqui a citação de algumas
das suas possíveis leituras:

Os Três Mendigos Como Um Retrato da Condição da Personagem Feminina: como


já posto, os animais são apresentados de forma mais clara ao público nas cenas que
precedem o encerramento dos três primeiros capítulos. Trier faz com que cada uma
destas criaturas sejam vistas pelo personagem masculino em situações muito

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específicas que, sem muito esforço, podemos relacionar com a percepção do
personagem masculino sobre a condição da sua esposa. O cervo, animal que aparece
ao término do capítulo “Luto”, por exemplo, é avistado pelo personagem masculino
entre as árvores do Éden e carrega preso ao seu corpo um feto abortado. A raposa é o
segundo mendigo apresentado ao público e ao personagem de Dafoe, ela está atrelada
ao segundo capítulo “Dor”, que carrega como subtitulo justamente a frase dita pelo
animal ao personagem humano, “Caos Reina”. Ela é flagrada em meio a arbustos
enquanto canibaliza-se, estabelecendo relação com o diagnostico de autopunição dado
pelo psicoterapeuta a sua mulher. O terceiro animal, o corvo, aparece no fundo de um
buraco enquanto o personagem masculino foge de sua companheira — neste momento
já surtada —, esta cena precede o fim do terceiro capítulo “Desespero”, subintitulado
“Feminicídio¹”. O corvo está dentro de um buraco e ao deparar-se com o personagem
masculino desespera-se. Da mesma forma a mulher, quando tem seus maus-tratos
descobertos pelo seu marido, acaba surtando e tornando-se agressiva.

Além da aparição principal, Trier volta a relacionar a figura do cervo com a


personagem feminina durante a cena onde revela que a mãe havia assistido o acidente
que provocou a morte do filho do casal:

FIGURA 4 — Captura de tela do filme Anticristo (2009), o cervo observa a queda de Nick

Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

Esta aparição é mais um indício da intenção do diretor em gerar esta leitura.

Os Três Mendigos Como uma Releitura da Santíssima Trindade: apesar da cultura


cristã nunca fazer esta relação de forma condensada, é de conhecimento geral a

15
associação de cada membro da Trindade com uma figura animal, o Pai com o leão, o
Filho com o cordeiro e o Espirito Santo com a pomba. Ao apresentar-nos um cervo com
sua cria abortada ainda presa ao seu corpo, uma raposa que comete que come suas
próprias vísceras, e um corvo que emerge do fundo da terra para denunciar o homem,
é muito provável que o diretor visasse parafrasear o atributo de cada membro da
Trindade; o Pai, protetor guerreiro do povo de Israel; o Filho, que entrega sua própria
vida para salvar a humanidade e deixa sua carne e seu sangue – a Santa Eucaristia –
como alimento para seu povo; e o Espirito Santo, que desce do alto para consolar os
membros da Igreja de Deus. Desta forma Trier dava a Igreja de Satã sua própria versão
do deus cristão.

Os Três Mendigos Como Releitura dos Três Reis Magos: a relação entre estas
criaturas e os reis do oriente que, segundo a tradição cristã, haviam visitado o Messias
após o seu nascimento, torna-se explicita no momento em que, no ultimo capitulo do
filme, o casal realiza o seguinte diálogo:

Homem: Você quis me matar?


Mulher: Ainda não… Os Três Mendigos ainda não estão aqui.
Homem: Os Três Mendigos? O Que é isso?
Mulher: Quando os Três Mendigos Chegarem alguém tem que morrer.
Homem: Entendo.

Uma vez conhecido o intuito perversor de Trier, manifesto diversas vezes durante o
longa, a associação por lógica espelhada entre Os Três Mendigos arautos da morte do
anticristo e os Três Reis Magos presenteadores do Cristo recém-nascido, trata-se de
uma leitura que possivelmente foi considerada por Lars von Trier durante o processo de
escrita e direção.

Apesar da harmonia entre estes conceitos e as funções ocupadas pelos Três


Mendigos na trama de Anticristo, todas estas leituras não passam de hipóteses, uma
vez que não estão certificadamente fundamentadas na intenção do diretor, que, como o
autor de qualquer objeto polissêmico, nunca chegou a declarar o real significado das
criaturas. Ainda assim, condenados a nunca possuírem um significado objetivo, Os
Três Mendigos são parte fundamental do filme, servindo de apoio para construção do
ambiente aterrorizante e mistico do Éden e também como figuras que reforçam a
intenção alegórica de Trier.

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7. O Pecado de Adão

Apesar do foco da degradação estar voltado para mulher, Lars von Trier não deixa
que o homem escape ileso de sua crítica. Enquanto sua esposa parece estar integrada
e conhecer, algumas vezes de maneira consciente outras de forma inconsciente, a face
real da natureza. O personagem de Dafoe acaba tropeçando sobre sua própria
racionalidade, portando-se como um completo desconhecedor do mundo concreto.

Recusando-se a ouvir o conselho de sua mulher para manter-se longe deste caso,
o arrogante psicoterapeuta tenta impor suas certezas científicas sobre a natureza,
elemento tratado por Trier em Anticristo como algo mistico e indomável. Esta postura
cega o personagem, que por diversas vezes durante o longa tem contato com
evidências da perversidade de sua mulher, mas, devido a uma visão determinada a
enxergar apenas o que quer, acaba negligenciando a realidade.

O diretor demonstra esta negligência de forma muito incisiva durante o longa,


valendo-se de um símbolo gerado pela própria trama: as sementes de carvalho. A
relação entre as sementes de carvalho e a morte, é feita pela personagem feminina
durante um diálogo que inclusive já foi citado parcialmente no capítulo quatro deste
artigo. Lá a esposa desata em uma reflexão sobre a as sementes que caem sobre o
telhado da casa sendo impedidas de alcançar o solo e dar origem a vida, condenadas
assim a morte.

Compreendendo as sementes de carvalho como um signo da morte em Anticristo,


duas sequências ganham um significado especial para o discurso da obra. A primeira
delas trata-se de uma sequência que acontece no início do segundo capítulo do filme,
Dor, onde o personagem masculino observa uma coletânea de fotografias de seu filho
Nick, que foram tiradas pela mãe durante o último verão. A princípio o marido não nota
que os sapatos de seu filho estão invertidos em todas as fotos. Vale lembrar que estas
mesmas fotos serão utilizadas pelo personagem mais tarde, no capítulo três, como
evidência da tortura praticada pela mãe contra a criança. Em seguida o personagem
dorme, o som das sementes de carvalho o incomodam durante a noite, mas sua mulher
o tranquiliza informando-o que tratam-se de “apenas sementes idiotas”. Na manhã
seguinte, Dafoe tem suas mãos cobertas por sementes.

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FIGURA 5 — Captura de tela do filme Anticristo (2009), Mão do Homem Coberta Por Sementes

Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

A leitura desta sequência a luz da abordagem das sementes como representantes


da morte é um tanto quanto obvia: as mãos do homem estão sujas de morte. Não atoa
o personagem desespera-se quando enxerga sua mão coberta pelos grãos, e limpa-os
desesperadamente.

Na segunda sequência esta simbologia torna-se ainda mais clara, ela ocorre no
final do segundo capítulo: O personagem masculino lê pela primeira vez a necrópsia de
seu filho, olha para mulher que está dormindo e em seguida para câmera, a câmera
afasta-se, e Trier, valendo-se mais uma vez de uma metáfora, insere uma cena onde o
personagem masculino está debaixo de uma chuva de sementes de carvalho. A
referência estende-se até o início de outra sequência, onde, no dia seguinte, o
personagem masculino alisa sua mão, que parece ter sido ferida pelas sementes da
primeira cena.

FIGURA 6 — Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Chove Sementes Sobre o Homem

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Fonte: Anticristo (Antichrist, 2009)

Mais tarde descobrimos que a necrópsia denunciava deformidades nos pés da


criança, ou seja, são mais uma evidência dos maus-tratos praticados pela mãe.

O fato do personagem masculino olhar diretamente para câmera, como uma


espécie de rompimento da quarta parede, torna explícito algo que já vinha sendo
elaborado através dos diálogos: a construção do marido como um representante do
espectador. Por conta da instabilidade emocional, a mulher porta-se como um elemento
misterioso para o público, que acaba mergulhando junto com o homem na pesquisa
sobre sua condição. Além disso o personagem de Dafoe está profundamente envolvido
com os valores contemporâneos, como a valorização da racionalidade e a defesa da
dignidade humana. Uma vez estabelecido este vínculo, Trier faz com o que as
descobertas, pensamentos, sentimentos e, por consequência, os erros, do personagem
masculino sejam de certa forma compartilhados com o espectador. O olhar dirigido
para câmera ganha valor dramático quando entendemos isto. O personagem não
estaria apenas mirando o horizonte, mas sim compartilhando sua negligência com o
próprio publico, que assim como ele recusa-se a condenar a personagem feminina.

O penúltimo capítulo, Desespero, subintitulado Feminicídio, relata a relutante


descoberta do marido a respeito da natureza cruel de sua esposa. Após ter acesso ao
conteúdo da tese de doutorado da mulher elaborada durante o último verão, cujo o
tema era justamente o feminicídio, e notar, através de uma perceptível digressão
caligráfica presente em seus manuscritos, o desespero da sua conjugue ao tratar sobre
o tema. O personagem masculino acaba entendendo que o medo de sua mulher
poderia ser traduzido como o medo do feminicídio. Com isto em mente, o terapeuta
propôs um exercício, que por sua vez formulou-se através de um diálogo que traduz de
forma muito direta e didática o discurso produzido pelo filme, por conta disso vale ser

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citado integralmente:

Homem: gostaria de fazer um exercício. Vamos interpretar. Meu papel será: todos
os pensamentos que provocam seu medo. O seu papel será o pensamento
racional. Eu sou a natureza, tudo que você entende como natureza.
Mulher: tudo bem, senhor natureza; o que você quer?
Homem: machucá-la quanto eu puder.
Mulher: como?
Homem: como você acha?
Mulher: me assustando.
Homem: … Matando-a.
Mulher: a natureza não pode me machucar, você só é o verde lá fora.
Homem: não, eu sou mais do que isso.
Mulher: não entendo…
Homem: estou lá fora, mas também estou… Estou dentro. Sou a natureza de
todos os seres humanos.
Mulher: ah, este tipo de natureza… O tipo de natureza que faz as pessoas
causarem mal às mulheres.
Homem: exatamente.
Mulher: esta natureza me interessou quando estive aqui, era o assunto da minha
tese. Mas não deveria subestimar o Éden.
Homem: o que o Éden fez?
Mulher: descobri mais do que imaginava. Se a natureza humana é má, isto
também é valido para natureza…
Homem: das mulheres? Natureza feminina.
Mulher: a natureza de todas as irmãs. As mulheres não controlam seu corpo, a
natureza é quem controla. Escrevi isso nos meus livros.
Homem: o material que usou em sua pesquisa era sobre crueldades cometidas
contra as mulheres, mas você entendeu como prova da malignidade feminina? Era
para ser critica perante esses textos, era sua tese! Em vez disso, abraçou a ideia.
Sabe o que está dizendo?
Mulher: esqueça… Não sei por que falei isso…
Homem: tenho que descansar…

Esta relutância do personagem masculino em admitir a existência de uma natureza


que domina o ser humano, sobretudo as mulheres, trata-se de uma tradução exata do
pensamento contemporâneo a respeito do tema. É justamente isto que é questionado
por Lars von Trier em seu filme, afinal, o ser humano como parte integrante da
natureza, consegue não manifestar a crueldade animal? Nossa civilidade moderna não
seria apenas uma maquiagem do nosso instinto?

Trier aborda o tema de maneira visceral no último arco do longa. Após ser

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descoberta a mulher surta e ataca o marido. Durante o ataque ocorre um evento
ilustrativo, onde, em uma confusão de sentimentos, a mulher masturba o personagem
masculino, e o homem, que teve seu pênis alvejado por uma série de ataques brutais
com uma tora de madeira, termina ejaculando sangue. Este evento estabelece relação
com o fato do prazer sexual ter sido motivador da omissão da personagem em relação
ao acidente de seu filho. Em seguida von Trier inicia um longo desenvolvimento da
violência através da personagem feminina, que faz as vezes de vilã de filme de horror
perseguindo e torturando o marido. O Homem só consegue livrar-se da sessão de
tortura com a ajuda do corvo, que o auxilia a encontrar a chave de fenda — ferramenta
necessária para livrar-se do peso preso pela mulher em sua perna.

Mesmo sofrendo ataques, o homem consegue libertar-se. A atitude do marido após


sua libertação no entanto, destoa com o comportamento comedido apresentado até
então. Tomado por um ódio animal, o personagem de Dafoe enforca sua mulher,
provocando sua morte por asfixia. Em seguida, replica os misóginos do passado,
repudiados pelo próprio personagem algumas cenas atrás, e queima sua mulher em
uma fogueira. Trier pontua o surto do homem com uma série de imagens em plano
fechado, similares a uma outra miscelânea de imagens utilizadas no primeiro capítulo
pelo diretor para retratar um surto da personagem feminina. Esta vinculação estética
sugere também um elo experiencial dos dois personagens, tornando o homem parte do
mesmo processo de descobrimento a respeito da sua natureza que a mulher.

A descoberta da realidade sobre a natureza por parte do personagem masculino,


serve como chave para a leitura da última sequência do longa. O homem atravessa
uma floresta decadente formada por corpos masculinos. Em seguida, Trier repete a
fotografia e a trilha utilizadas durante o prólogo. Em preto e branco e ao som de Lascia
Ch'io Pianga, o homem chega a um local arborizado, onde encontra algumas frutas e
senta para alimentar-se. Calmo, integrado com a natureza, o homem enxerga os Três
Mendigos, em seguida, volta seu olhar para a floresta e vê um grupo imenso de
mulheres caminhando em sua direção.

Após descobrir o poder da natureza sobre si, vendo-se capaz de atos cruéis e
assassinos, o homem, descarregado da sua soberba, consegue enxergar a verdadeira
natureza, simbolizada pela irmandade feminina que caminha harmoniosamente sobre a
floresta.

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Sendo o personagem masculino o representante do público, ao fazer com que suas
certezas a respeito da natureza fossem superadas, Trier traça neste instante um
desafio aos seus espectadores, a natureza é de fato o que a filosofia moderna e pós-
moderna afirma ser? Desta forma Lars von Trier encerra seu longa, com um voraz
convite a revisão de dogmas sustentadores da sociedade contemporânea.

8. Conclusão

Em Anticristo Lars von Trier nos apresenta uma corajosa releitura da natureza. O
tema é trabalhado em diversas perspectivas, a natureza como um sinônimo de flora e
fauna, a natureza da humanidade, dos gêneros, e por fim, a natureza do sujeito. Trier
foge do senso comum e empenha-se em reconstruir o tema de maneira oposta a
abordagem idealizada que geralmente cerca o assunto.

As principais influências estéticas e dramáticas de Trier foram o dramaturgo August


Strindberg e o cineasta Andrei Tarkovsky. Outra importante fonte de inspiração para o
diretor foi sua própria depressão, doença que o afligia durante todo processo de escrita
e gravação.

Para construir seu discurso subversivo von Trier valeu-se de um rico repertório
simbólico, do qual apropriou-se sem pudor. O maior símbolo, gerador de muita
controversa, que o diretor decidiu revisitar, foi o símbolo da mulher como representante
da natureza. A agressividade com a qual Lars von Trier lida com o feminino em sua
obra muitas vezes se confunde com seus problemas pessoais com o gênero. É
justamente esta questão que acabou provocando o repúdio de muitos críticos em
relação ao filme. Apesar da possibilidade de certas cenas contarem com um sadismo
desnecessário, o diretor encontra pleno amparo em seu tema e em sua trama para
tomar as decisões criativas que tomou.

Mesmo que a releitura do feminino seja o grande foco simbólico do longa, a


aparição de três animais misteriosos ao decorrer do filme, nomeados como os Três
Mendigos, também está no centro das discussões sobre a obra. Trier elabora os Três
Mendigos dentro de um emaranhado simbólico complexo e polissêmico, por conta
disso, ao contrário da maioria dos outros signos utilizados, uma leitura objetiva sobre
estes elementos é impossível. A única certeza possível sobre estes personagens é da
sua rica contribuição dramática, tanto a nível estético quanto de trama.

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A aflição sentida pelos espectadores de Anticristo é provocada intencionalmente
pelo diretor, que além de utilizar a violência de forma explicita e descompensada,
desenvolveu o tema de tal maneira onde pilares básicos do mundo contemporâneo,
como a igualdade de gênero, a compreensão do mundo através da razão e a
valorização do ser humano, são completamente destroçados. Desta forma os
espectadores que não repudiam o filme por conta da violência exacerbada, acaba
rechaçando o longa como material prejudicial a sociedade.

Após uma análise minuciosa, podemos perceber que sim, de fato Anticristo é um
dos filmes mais violentos — tanto plasticamente quanto em discurso — do cinema do
século XXI, mas também é uma das obras mais complexas e corajosas de toda a
história do cinema. É inevitável que a mistura destes três adjetivos provoquem
polêmica, no entanto, o que nunca deve ser feito é a redução do seu mérito artístico em
nome de uma causa ideológica. Lars von Trier, auxiliado pela sua dedicada equipe, faz
através do Anticristo uma fervorosa e competente critica a ética moderna e pós-
moderna, tarefa que pouquíssimos artistas dispõem-se em realizar. Este compromisso
primordial com a arte é uma assinatura de Trier, o que garante a sociedade uma
oportunidade de rediscutir temas que muitas vezes já estão adormecidos no senso
comum. Misógino ou não, Anticristo trata-se de uma obra que simboliza a resistência
da arte sobre os interesses gerais, algo muito importante e incomum nos dias de hoje.
Sem artistas competentes e corajosos como Trier é inevitável que a sociedade
mergulhe em sua própria arrogância contemporânea, e termine esquecendo que as
certezas que nos guiam hoje são produto de diálogos filosóficos que a qualquer
momento podem ser retomados.

23
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