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E VITIMIZAÇÃO
Cláudio Beato F.
Betânia Totino Peixoto
Mônica Viegas Andrade
para a análise de crimes e das condições em que ambiental” (Jeffery, 1971). A idéia de espaço defen-
eles ocorrem. O que se pretende é descobrir os sivo relaciona-se a soluções arquitetônicas de recu-
processos de tomadas de decisão por parte dos cri- peração de moradias públicas nos Estados Unidos,
minosos. Quais são os mecanismos cognitivos em obrigando seus moradores a exercer seus naturais
ação? Como eles justificam suas condutas? Quais in- instintos de “territorialidade”. Este instinto é perdi-
formações são relevantes para a ação criminosa? do quando se constroem grandes prédios de habi-
(Clarke e Cornish, 1985). tação coletiva, em que os moradores mal se conhe-
cem, e onde existe uma variedade enorme de
acessos não supervisionados que facilitam a ativi-
Contexto teórico da discussão dade de predadores. A idéia é reduzir esse anoni-
mato não apenas pelo incremento da vigilância na-
O impacto das teorias ecológicas dos anos de tural, mas também diminuindo as vias de escape
1930 e 1940 sobre a teoria das oportunidades tem para potenciais ofensores.
sido ressaltado pelos modernos comentaristas da Outra estratégia é denominada Teoria das
teoria criminológica (Bursick e Grasmick, 1993). Abordagens de Atividades Rotineiras (Cohen e Fel-
Desde então, a teoria social se preocupa com as- son, 1979), que busca explicar a evolução das taxas
pectos de natureza ecológica e ambiental na deter- de crime não por meio das características dos crimi-
minação de fenômenos sociais tais como o da cri- nosos, mas das circunstâncias em que os crimes
minalidade (Park e Burguess, 1924; Hawley, 1944; ocorrem. Para que um ato predatório ocorra é ne-
Shaw e MacKay, 1942). A mútua dependência en- cessário que haja uma convergência no tempo e no
tre grupos funcionalmente distintos que formam espaço de três elementos: ofensor motivado, que
relacionamentos simbióticos, assim como as de- por alguma razão esteja predisposto a cometer um
mandas sobre o ambiente que marcam organiza- crime; alvo disponível, objeto ou pessoa que possa
ções comensalistas, fornecem as bases para a ser atacado; e ausência de guardiões, que são ca-
compreensão da interação entre predadores e víti- pazes de prevenir violações.
mas no mercado de atividades criminosas. Nas pa- Trata-se de um modelo bastante econômico
lavras de Felson: no que diz respeito aos elementos utilizados. Con-
tudo, a própria definição desses elementos guarda
Um novo padrão de criminalidade surge com o muitas sutilezas. Embora esteja se tratando de uma
crescimento das cidades, com ofensores predató- abordagem preocupada com as características am-
rios ocultos na multidão, que atacam e, então, se bientais nas quais ocorrem os crimes predatórios,
escondem novamente para não serem presos.
ela ainda mantém algumas ressonâncias na crimi-
Vendas ilegais e consumo, assim como brigas po-
nologia mais tradicional ao enfatizar a motivação
dem sobreviver mais facilmente dentro de um
ambiente urbano (1994, p. 49). dos ofensores como um dos elementos centrais. A
origem dessa motivação, entretanto, é deixada em
Jacobs (1961) destacava os ecossistemas ur- aberto. O segundo aspecto é que a ação predatória
banos compostos por processos físicos, econômi- dirige-se a “alvos”, ou seja, pessoas ou objetos em
cos e éticos, em que a diversidade e a interdepen- dada posição no tempo e no espaço. Isto termina
dência cumpririam a função de revitalização e por retirar o aspecto moral que a palavra vítima car-
controle. O problema da segurança nas grandes ci- rega consigo: um alvo define-se como coisas que
dades estaria diretamente relacionado ao enfraque- tem algum valor, além de algumas propriedades
cimento dos mecanismos habituais de controle que o tornam adequado à ação predatória:
exercidos naturalmente pelas pessoas que vivem
[...] adequabilidade provavelmente reflete tais coi-
nos espaços urbanos. A partir daí, perspectivas de sas como valor (o desejo material ou simbólica de
intervenção ambiental passaram a incorporar con- uma propriedade pessoa ou propriedade para os
ceitos como o de “espaço defensivo” (Newman, ofensores), visibilidade física, acesso e a inércia
1972) ou de “prevenção de crime através do design de um alvo para o tratamento ilegal pelos ofenso-
CRIME, OPORTUNIDADE E VITIMIZAÇÃO 75
res incluindo o tamanho, peso, portabilidade ou divíduos influencia suas probabilidades de vitimi-
características de trancamento da propriedade que zação (Hindelang, 1978). As diferenças de “estilos
inibem sua remoção e a capacidade das vítimas de vida” afetam o montante de tempo alocado a
pessoais a resistirem aos ataques com ou sem ar-
cada uma dessas atividades e, conseqüentemente,
mas (Cohen e Felson, 1979, p. 591).
a exposições a situações de risco de vitimização.
Neste artigo trataremos especificamente da
Finalmente, os guardiões não se referem ape-
teoria das oportunidades avaliada a partir de da-
nas às organizações do sistema de justiça criminal,
dos de pesquisa de vitimização realizada em Belo
tal como concebido pela criminologia mais tradi-
Horizonte (Crisp, 2002). A utilização desse tipo de
cional. Isso significa que os mecanismos de contro-
dados tem algumas implicações que merecem ser
le social informais são igualmente críticos na ocor-
ressaltadas. Em primeiro lugar, salienta-se que as
rência de delitos. Nas palavras de Clarke e Felson:
taxas de vitimização são distintas nos diferentes
grupos e segmentos sociais. Isso significa que não
Realmente, as pessoas mais aptas para prevenir
crimes não são os policiais (que raramente estão nos deteremos em elementos mais locais e de vi-
por perto para descobrir os crimes no ato), mas zinhança em que as vitimizações ocorrem (Bursick
antes os vizinhos, os amigos, os parentes, os tran- e Grasmick, 1993), embora o questionário utiliza-
seuntes ou o proprietário do objeto visado. Note do nos permita fazer avaliações de alguns fatores
que a ausência de um guardião adequado é cru- físicos e ambientais que colaboram para as ocor-
cial. Definir um elemento-chave como ausência rências. Em particular, observaremos a influência
antes do que presença é claramente um princípio de variáveis de desordem e incivilidade (Kelling e
fundamental na despersonalização e na despsico-
Colles, 1996). Na verdade, a plena investigação de
logização no estudo do crime. Certos tipos de pes-
soas são mais prováveis de estar ausentes do que fatores de ordem ecológica nos levaria ao desen-
outras, mas o fato de uma ausência ser enfatizada volvimento de uma “ecometria”, em que instru-
é mais um lembrete de que o movimento das en- mentos específicos poderiam ser desenvolvidos
tidades físicas no tempo e no espaço é central para avaliar processos físicos e ambientais, assim
para esta abordagem (Clarke e Felson, 1993, p. 3). como processos de supervisão e controle que con-
tribuem para a incidência de crimes (Sampson e
Cohen e Felson mostram como característi- Radenbush, 1997).
cas – local de residência dos ofensores e das víti- Em segundo lugar, não trataremos de “crime”
mas, relacionamento entre ofensores e vítimas, lo- de uma maneira genérica, mas das condições de
cal dos contactos, idade das vítimas ou o número incidência de determinados tipos de crime. A de-
de adultos em uma casa e horário de ocorrência, nominação “crime” implica fenômenos muito dis-
entre outras – estão relacionadas à incidência de tintos: “roubar uma revista em quadrinhos, esmur-
crimes. Assim, o aumento de arrombamentos resi- rar um colega, sonegar impostos, assassinar a
denciais liga-se a mudanças na estrutura de em- esposa, roubar um banco, corromper políticos, se-
pregos na sociedade norte-americana, de tal ma- qüestrar aviões – esses e inumeráveis outros atos
neira que um número maior de pessoas (incluindo são crimes” (Wilson e Herrenstein, 1985, p. 21). Ex-
mulheres) abandona os lares, deixando-os à mer- ploraremos aqui especificamente os correlatos de
cê das atividades predatórias. crimes, como furto, roubo e agressão, efetivados
A idéia um tanto óbvia de que ofensores e ví- ou não.
timas devem convergir no tempo e no espaço deu Uma abordagem da criminalidade toma a ví-
origem a estudos que visam a identificar as dinâmi- tima como objeto de estudo, buscando investigar
cas pelas quais os indivíduos proporcionam opor- como o estilo de vida do indivíduo e as oportuni-
tunidades para vitimização. Esse tipo de aborda- dades geradas por ele influenciam a probabilida-
gem usa dados de pesquisas de vitimização para de de vitimização. Esse enfoque é baseado nas
compreender as diversas maneiras pelas quais a teorias de “estilo de vida” (life-style models) e
alocação de atividades de trabalho e lazer pelos in- “oportunidades” (opportunity models), utilizadas
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em estudos de vitimização, como, por exemplo, Isso acontece porque a influência de cada fator na
de Cohen, Kluegel e Land (1981). Fatores que determinação do crime é diferente, dependendo
mais influenciam o risco de vitimização dos indi- do tipo de delito. Por exemplo, no caso de homi-
víduos são: exposição, proximidade da vítima ao cídios em Belo Horizonte a proximidade geográ-
agressor, capacidade de proteção, atrativos das ví- fica entre a vítima e o agressor é um fator crucial
timas e natureza dos delitos. A exposição é defi- (Beato, 2003).
nida pela quantidade de tempo que os indivíduos Este artigo baseia-se nos modelos de estilo
freqüentam locais públicos, estabelecendo conta- vida e de oportunidades, por meio dos quais pro-
tos e interações sociais. O estilo de vida de cada curamos descrever o perfil da vítima de crimes no
indivíduo determina em que intensidade os de- município de Belo Horizonte, ou seja, suas carac-
mais fatores estão presentes na sua vida. Assim, terísticas, condição socioeconômica, hábitos, ca-
determina em que medida os indivíduos se ex- racterísticas familiares e características dos locais
põem ao freqüentar lugares públicos, qual a sua onde vivem. A pesquisa foi realizada com base no
capacidade de proteção, seus atrativos e a proxi- cálculo da probabilidade de vitimização, de acor-
midade com os agressores. do com as características do indivíduo.
A proximidade da vítima ao agressor diz res-
peito à freqüência de contatos sociais estabeleci-
da entre ambos, o que depende do local de resi- Metodologia
dência, das características socioeconômicas e dos
atributos de idade e sexo, assim como da proxi- a. Dados
midade de interesses culturais. Indivíduos com a Os dados utilizados neste trabalho provêm
mesma idade costumam freqüentar os mesmos da Pesquisa de Vitimização realizada pelo Centro
ambientes nas atividades de lazer. de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública
A capacidade de proteção está relacionada ao (Crisp), entre fevereiro e março de 2002. Esse tipo
estilo de vida das vítimas. Indivíduos que têm maior de pesquisa contém informações sobre os aconte-
capacidade de se resguardar, evitando contato com cimentos criminais sofridos pelos indivíduos, so-
possíveis agressores, têm menor probabilidade de bre a quantidade e o tipo de perda incorrida e as
serem vitimados. Por exemplo, indivíduos que an- características dos criminosos. Além disso, englo-
dam de carro em vez de ônibus têm maior capaci- ba informações sobre as características socioeco-
dade de proteção porque diminuem a possibilida- nômicas, os hábitos e as características de resi-
de de contato com os agressores. Do mesmo modo, dência e vizinhança dos indivíduos.
aqueles que contratam segurança privada dimi- A pesquisa de vitimização realizada em Belo
nuem a probabilidade de serem vítimas de crime. Horizonte considera as seguintes categorias de
As vítimas tornam-se ainda mais atrativas crime: furtos (ato de apropriação de bens alheios
quando oferecem menor possibilidade de resis- sem que a vítima perceba a apropriação na hora
tência ou proporcionam maior retorno esperado da efetivação do ato); roubos (ato de apropriação
do crime. Os indivíduos que oferecem menor de bens alheios em que a vítima percebe a apro-
possibilidade de resistência, provavelmente, rea- priação na hora da efetivação do ato); tentativa de
gem com pouca intensidade, o que representa roubo (quando o indivíduo é vítima de roubo,
menor risco de aprisionamento para o agressor. mas consegue evitar a consumação do mesmo);
Aqueles que proporcionam maior retorno espera- roubo em residência (ato de apropriação de bens
do do crime têm maior probabilidade de serem alheios que estejam dentro da residência da víti-
vitimados, uma vez que, por um mesmo risco de ma, estando ela presente ou não); tentativa de
aprisionamento, o criminoso pode ganhar mais. roubo em residência (quando o indivíduo é víti-
A natureza do delito é importante para de- ma de roubo na residência em que, por algum
terminar em que proporção cada fator exposto motivo, não consegue ser efetivado); agressão
acima influencia a probabilidade de vitimização. (ato de ferir outrem com ou sem uso de armas);
CRIME, OPORTUNIDADE E VITIMIZAÇÃO 77
Tabela 2
Número e Proporção das Vítimas de Crime
VARIÁVEIS DE CRIMES NÚMERO DE VÍTIMAS PROPORÇÃO DA
NA AMOSTRA AMOSTRA VITIMADA (%)
Total de crimes 876 22,40
Furto 545 13,92
Roubo 347 8,86
Tentativa de roubo 264 6,74
Roubo em residência 209 5,34
Tentativa de roubo em residência 217 5,54
Agressão 126 3,21
Tentativa de agressão 143 3,65
Roubo ou tentativa de roubo 543 13,87
Roubo ou tentativa de roubo ou furto 946 24,16
Tentativa de roubo em residência ou roubo em residência 395 10,09
Tentativa de agressão ou agressão 251 6,41
Tabela 3
Tipos de Crimes Versus Características das Vítimas
tipo de crime com o fator exposição. Quanto ao tendem a passar menos tempo com suas famílias.
estado civil, a maior incidência de furto e roubo Talvez a agressão aconteça com mais freqüência
estão entre os indivíduos solteiros e os separados. entre os solteiros pelo mesmo motivo.
Por exemplo, no caso de furto, do total de soltei- Indivíduos que trabalham são vitimas prefe-
ros, 15,8% foram vitimados, e dos separados, renciais de todos os tipos de crime. No caso de
14,5%. Esses indivíduos estão mais expostos, pois roubo e furto, uma possível explicação é o fato de
Tabela 4
Roubo em Residência Versus Variáveis de Controle
serem mais atrativos, pois proporcionam maior re- reflete a importância de fatores relacionados à de-
torno esperado do crime. No caso de agressão, a sordem e à ausência de controle e supervisão, que
explicação pode residir no fato de estarem mais caracterizariam a ausência de mecanismos de efi-
expostos, uma vez que transitam mais em locais cácia coletiva (Sampson e Raudenbush, 1997).
públicos, e manterem maior proximidade com pos- A incidência de roubos em residência não
síveis agressores, pois seu círculo social é maior. acontece de maneira regular nas demais variáveis,
Os furtos e os roubos incidem mais em indi- não permitindo especulações sobre as tendências
víduos com nível superior e nos três grupos de nesta área. Assim, foi feita uma análise em que se
renda familiar mais elevada, mostrando a impor- considerou as variáveis que retratam a segurança
tância do fator atratividade.5 Indivíduos com nível da residência. A Tabela 4 mostra que o roubo em
superior são mais bem educados e provavelmente residência para alguns tipos de equipamento de
auferem mais rendas do que os demais grupos de segurança ocorre com mais freqüência quando a
escolaridade. Indivíduos com altas rendas são mais residência não os possui e, para outros equipa-
atrativos, pois exibem um maior retorno esperado mentos, ocorre com mais freqüência quando a re-
do crime. Em contrapartida, a agressão incide mais sidência os possui. Isto pode estar retratando o
em indivíduos menos escolarizados e nos três me- fato de que muitas vezes os indivíduos adotam o
nores grupos de renda, indicando a importância da uso de equipamento de segurança após terem so-
capacidade de proteção e do efeito socializador da frido crimes.
educação. A utilização de medidas de autoproteção re-
ferem-se às percepções de riscos e ao medo da
Com relação aos hábitos, indivíduos que an-
população, o que gera um conjunto de medidas
dam de coletivo e sobretudo à noite apresentam
de natureza reativa ou pró-ativas em relação aos
maior incidência de todos os tipos de crime. Em
equipamentos de segurança. É interessante notar
coletivos os indivíduos têm menor capacidade de
na Tabela 4 como as medidas pró-ativas de segu-
proteção se comparados aos que circulam de car-
rança, características de prédios e condomínios re-
ro, uma vez que estes têm menos contato com
sidenciais, tais como porteiros, interfones e olhos
desconhecidos e, ao mesmo tempo, estão mais
mágicos, são as únicas que apresentam taxas me-
protegidos no interior de seus veículos. Além dis-
nores de vitimização. Medidas reativas traduzem
so, ao andarem de transporte público, os indiví-
os signos da insegurança e do medo, explorados
duos se expõem mais, aumentando as oportunida-
pela indústria de segurança privada e de tecnolo-
des de se tornarem vítimas. Os indivíduos que gias de proteção, e que resultam em sua maioria
andam mais a noite são vítimas preferenciais, tal- de experiências de vitimização anteriores.
vez porque apresentem menor risco de aprisiona-
mento para o criminoso dada a menor incidência
de testemunhas nas ruas nesse período. Análise dos Modelos
Quanto às características da residência e da
vizinhança, indivíduos que vivem em residências Na Tabela 5, reportamos o resultado para
invadidas têm maior probabilidade de sofrerem cada modelo estimado.6 O Modelo 1 tem como
agressão, furto e roubo em residência. Esse resul- variável independente o furto. No Modelo 2, a va-
tado reflete o fato de que desses indivíduos têm riável independente é o roubo, e no Modelo 3 é
baixa escolaridade, no caso da agressão, e pouca a acumulação do roubo e/ou tentativa de roubo.
capacidade de proteção, nos outros dois casos. A A junção de furto e/ou tentativa de roubo e/ou
pouca capacidade de proteção provém da não le- roubo é reportada no Modelo 4. A agressão é re-
gitimação do direito de propriedade. Com relação portada no Modelo 5 e, por fim, a combinação
ao barulho de tiros, indivíduos que moram em re- entre agressão e tentativa de agressão é reportada
giões onde isso ocorre sofrem com maior freqüên- no Modelo 6. Todos esses modelos foram estima-
cia todos os tipos de crimes considerados, o que dos com duas especificações diferentes, a primei-
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Tabela 5
Resultados das Estimações dos Modelos de Furto, Roubo e Agressão
ra que considera as faixas de renda como variável furto 2, esta probabilidade é de 27%). Tiros são si-
explicativa e a segunda que usa a variável condi- nais de desordem e desorganização social, já que
ção da residência como proxy de riqueza. Como revelam uma deficiência de eficácia coletiva, ou de
já explicitado anteriormente, essa proxy justifica- capacidade de controle e supervisão por parte dos
se pelo fato de normalmente os indivíduos sub- moradores de uma vizinhança, o que termina por
reportarem sua renda. se traduzir em maior desordem e criminalidade
(Sampson e Raudenbush, 1997). Indivíduos que re-
sidem em locais onde existem prédios abandona-
Modelo 1 dos têm probabilidade de vitimização 43% maior
dos não residentes nestes locais (no Modelo de fur-
O furto é definido como o ato de apropria- to 2, é 42% maior).
ção de bens alheios sem que a vítima o perceba No Modelo de furto 1, os grupos de renda
na hora da efetivação do mesmo, que pode ocor- não foram significativos. No Modelo de furto 2, a
rer na casa ou no trabalho da vítima. Os fatores variável “tipo de residência” foi significativa, de
“exposição” e “proximidade entre vítima e agres- forma que indivíduos residentes em casa própria
sor” foram de fundamental importância para a de- têm probabilidade 19% menor de ser vítimas do
terminação da probabilidade de vitimização. que indivíduos residentes em casa alugada. Este
O fator exposição foi confirmado pelo mo- resultado sugere que os criminosos, ao construir
delo. Quem usa freqüentemente transporte públi- suas expectativas sobre o retorno esperado do cri-
co tem probabilidade 39% maior do que os não me, não levam em conta a condição da residência
usuários (no Modelo de furto 2, esta probabilida- (muitas vezes desconhecida por eles), mas os lo-
de foi de 38%). Além disso, quem trabalha tem cais onde elas se encontram (bairros de classe alta,
probabilidade de ser vitimado 41% maior do que média ou baixa).
os não trabalhadores (no Modelo de furto 2, esta As demais variáveis não se mostraram signi-
probabilidade é de 37%). Ao andarem de coletivo ficativas apesar de o sinal da maioria ocorrer
e trabalharem os indivíduos estão mais expostos, como o esperado. Assim, homens apresentaram
pois freqüentam mais lugares públicos e têm mais menores probabilidades de serem vítimas de fur-
contato com pessoas desconhecidas. Trabalho to por causa de sua maior capacidade de reação.
significa ausência de casa e de vigilância sobre o A variável cor não foi significativa, como era es-
que ali ocorre. Cohen e Felson (1979) mostraram perado, sugerindo que ela não influi na probabi-
como mudanças na estrutura de trabalho da so- lidade de ser furtado; os casados e separados têm
ciedade norte-americana acarretaram um maior uma probabilidade menor de serem vítimas de
tempo de ausência das pessoas em suas residên- furto do que os solteiros, por estar menos expos-
cias, com o conseqüente aumento de arromba- tos em virtude de seu estilo de vida.
mento de casas.
A atratividade dos indivíduos na determina-
ção da probabilidade de vitimização foi também Modelo 2, Modelo 3 e Modelo 4
confirmada pelo resultado encontrado no Modelo
de furto 2, em que indivíduos com ensino supe- Nesta seção apresentamos os resultados dos
rior têm probabilidade de ser furtados 78% maior modelos de roubo, da acumulação “roubo com
dos que têm somente o ensino fundamental. No tentativas de roubo” e “vítimas de furto com as de
Modelo de furto 1, o coeficiente para esta variá- roubo e tentativa de roubo”. Como já menciona-
vel não se mostrou significativo apesar do seu si- do anteriormente, trabalhamos dessa forma para
nal confirmar o resultado já citado.7 flexibilizar a hipótese de que a probabilidade de
Indivíduos que escutam barulho de tiro perto vitimização dependa das mesmas características
da vizinhança têm probabilidade de vitimização em todos os tipos de crime. Por outro lado, esti-
26% maior dos que não escutam (no Modelo de mamos o modelo com a acumulação de todos os
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crimes, a fim de comparar os resultados com a li- lam dentro de automóveis, longe do contato com
teratura internacional, usualmente apresentados os criminosos ou, simplesmente, não circulam
em forma de crimes com motivação econômica. muito em lugares públicos, se protegendo em
O roubo é definido como ato de apropriação suas casas. Assim, os resultados encontrados para
de bens alheios em que a vítima percebe a apro- a variável “transporte público” confirmam tam-
priação na hora da efetivação do ato. A diferença bém a importância deste fator na determinação da
para a tentativa de roubo é que nesta o criminoso probabilidade de vitimização.
não consegue efetivar o ato de apropriação. Em A atratividade da vítima foi captada pela va-
ambos os casos, todos os quatro fatores que deter- riável de educação em todos os modelos. Por
minam a vitimização (exposição, capacidade de exemplo, no caso do Modelo de roubo 2, indiví-
proteção, atrativos e proximidade da vítima com o duos com segundo grau têm probabilidade de vi-
agressor) foram fundamentais para estabelecer sua timização 60% maior e, com nível superior, 104%
maior do que indivíduos com primário. Quanto
probabilidade, assim como a probabilidade de in-
maior a escolaridade, mais inserido o indivíduo
teração ofensor/vítima/vigilância, que é um aspec-
está no mercado de trabalho, maior o seu salário
to central na interação agente/vítima no tempo e
e, portanto, maior o retorno esperado do crime
no espaço.
para o criminoso. Esses resultados são similares
A exposição do indivíduo foi confirmada
aos encontrados na literatura internacional. No
como um importante componente na determina-
Modelo 4, a atratividade foi também confirmada
ção da probabilidade de vitimização nos três mo-
pela variável trabalho. Indivíduos que trabalham
delos, a partir da variável “transporte público”. No
têm probabilidade de vitimização 20% maior do
caso de roubo, os indivíduos que usam freqüen- que os não trabalhadores. Além de exibirem um
temente transporte público têm probabilidade retorno esperado maior para o criminoso, esses in-
30% maior dos que não usam (no Modelo de rou- divíduos circulam mais em lugares públicos, estan-
bo 2, em que a proxy de riqueza é usada no lu- do, então, mais expostos. Os mesmo resultados
gar dos grupos de renda, esta probabilidade é foram também encontrados para o Rio de Janeiro
37% maior). No caso do Modelo 3 e do Modelo 4, e São Paulo, por Araújo JR. & Fajnzylber (2001) e
esta probabilidade foi de 31% e 40%, respectiva- para a Região Metropolitana de Lima, por Eyza-
mente (em Tentativa de roubo 2 (Troubo2) e Fur- guirre e Puga (2001).
to, tentativa de roubo 2 (Ftroubo 2), a probabili- Os coeficientes das variáveis “existência de
dade foi de 35 e 43%, respectivamente). No caso prédios abandonados” e “barulho de tiros” indica-
do Modelo 4, revelou-se a importância do fator ram que indivíduos residentes nessas vizinhanças
“exposição”, pois o resultado indica que indiví- têm probabilidade de vitimização maior do que os
duos casados têm a probabilidade de vitimização não residentes. Por exemplo, para o Modelo ten-
19% menor do que solteiros. Nos demais mode- tativa de roubo 1, caso o indivíduo resida em vizi-
los, o coeficiente não se mostrou significativo, nhança que têm prédios abandonados, a probabi-
apesar de o resultado ir de encontro ao do Mode- lidade de vitimização é 54% maior, e, se residem
lo 4. Indivíduos casados passam mais tempo com em vizinhança onde se escuta barulho de tiro, a
suas famílias e, portanto, se expõem menos em probabilidade é 30% maior. Novamente aqui te-
lugares públicos e têm menos contato com desco- mos a importância dos fatores relacionados à de-
nhecidos do que indivíduos solteiros. Dessa for- sordem e à incivilidade (Kelling e Coles, 1996).
ma, estão menos expostos e têm probabilidade de Nos três modelos, quando usada a variável
vitimização menor. Resultados similares foram en- “proxy de riqueza”, a segregação racial se faz sentir
contrados para ambas as variáveis por Eyzaguirre pela maior probabilidade de os indivíduos brancos
e Puga (2001) na Região Metropolitana de Lima. serem vítimas dos crimes. Por exemplo, no caso do
Com relação à capacidade de proteção, indi- Modelo roubo 2, a probabilidade de vitimização
víduos que não usam transportes públicos exibem dos brancos é 29% maior do que os não brancos.
maior capacidade de se protegerem, pois circu- Esses resultados podem estar confirmando a hipó-
CRIME, OPORTUNIDADE E VITIMIZAÇÃO 85
tese de que indivíduos brancos têm mais acesso à Ainda em relação à exposição, indivíduos
educação, o que lhes aufere rendas mais elevadas, que trabalham têm probabilidade de ser vitimados
tornando-os mais atrativos do que os não brancos. por agressão maior do que os não trabalhadores.
Para o Modelo tagre 1, a probabilidade aumenta
em 42%. Nos demais modelos, esta variável não
Modelo 5 e Modelo 6 foi significativa, porém seu sinal corroborou o re-
sultado encontrado. Indivíduos que trabalham ten-
Um dos testes cruciais para a teoria das opor- dem não só a uma maior exposição, porque fre-
tunidades diz respeito aos conflitos interpessoais, qüentam mais lugares públicos, como também a
em que as motivações não são de natureza econô- estar mais próximos dos agressores, pois circulam
mica. Trata-se de conflitos de natureza expressiva por uma maior malha social. No Modelo agressão
que, entretanto, guardam as dimensões de um 1, a probabilidade de ser vitimado é 38% menor
comportamento racional. Oportunidades e intera- para indivíduos que circulam mais durante o dia,
ções espaço/tempo também parecem ser compo- uma vez que o estilo de vida de quem costuma
nentes importantes para esse tipo de delito. andar à noite é mais vulnerável à ação de preda-
Os modelos para agressão foram também es- dores. Dados de ocorrências policiais mostram um
timados utilizando ora grupos de renda, ora a padrão temporal muito claro, no qual os crimes in-
proxy de riqueza (condição na residência). Além terpessoais se concentram nos períodos noturnos
e nos finais de semana (Beato et al., 2002).
disso, foram estimados dois modelos para agres-
A capacidade de proteção pode ser avaliada
são, um que tem como variável dependente os in-
em termos de renda, no sentido de que indivíduos
divíduos que sofreram agressão (Modelo 5) e ou-
de maior renda conseguem se expor menos. O fato
tro, os indivíduos que sofreram agressão e/ou
de possuírem carro, por exemplo, diminui bastante
tentativa de agressão. Os resultados foram simila-
o contato com possíveis agressores. Além disso, se
res no sentido de que as características individuais
pensarmos no vínculo já comentado entre renda
que determinam a probabilidade de vitimização
elevada e maior nível de escolaridade, a probabili-
estão presentes em todos os modelos.
dade de ser vítima de agressão nesse caso é menor
Com relação ao fator exposição, indivíduos
em virtude do efeito “civilizador” da educação. No
mais velhos têm a probabilidade de sofrer agres-
Modelo 5, quem tem renda maior do que dezesseis
são menor do que os mais jovens. Por exemplo,
salários mínimos apresenta chance de ser vítima
o Modelo Tentativa de agressão 1 (Tagre 1) indi- 80% menor em comparação àqueles com renda
ca que indivíduos de 35 a 44 anos de idade têm menor do que um salário mínimo. No Modelo 6,
probabilidade de sofrer agressão 63% menor, e, apesar das variáveis não serem significativas, uma
entre indivíduos com 45 anos ou mais, esta pro- vez que consideramos os grupos de maior renda, a
babilidade é 79% menor do que entre indivíduos probabilidade de vitimização vai diminuindo. Se
de 13 a 18 anos de idade. Os mais velhos tendem considerarmos os modelos em que a proxy de ren-
a se expor menos, pois passam grande parte do da foi utilizada, temos que indivíduos que moram
seu tempo cuidando de suas famílias. em contra- em residências invadidas (mais pobres) têm proba-
partida, a tendência entre os mais jovens é uma bilidade de serem agredidos 276% maior do que in-
maior exposição – aumenta o consumo de álcool divíduos que residem em casas alugadas (Modelo
e a freqüência em lugares de vida noturna. Dessa 5). No Modelo 6, esta probabilidade passa para
forma, como grande parte das agressões estão re- 281%, enquanto indivíduos que moram em residên-
lacionadas à ingestão de álcool e a brigas entre cias próprias têm probabilidade de serem vitimados
gangues, os mais jovens têm maior probabilidade 28% menor em relação aos que pagam aluguel.
de sofrer esse tipo de crime. Esse mesmo resulta- As variáveis dos coeficientes que não foram
do também foi mostrado, por Eyzaguirre e Puga reportados na tabela foram excluídas do modelo
(2001), para a Região Metropolitana de Lima. por não apresentarem nem uma “falha” do evento.
86 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55
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