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RESUMO
Às margens do lago Paranoá, repousam as ruínas das fundações da edificação que
acolheria a transferência da Escola Superior de Guerra (ESG) do Rio de Janeiro
para Brasília. De autoria do arquiteto Sergio Bernardes, o projeto arquitetônico,
adotado nos anos 1970, visava atender ao propósito de reintegrar a renomada
instituição brasileira de estudos estratégicos de políticas de defesa ao centro
do poder político nacional. Com essa intenção, a nova sede almejava inserir a
ESG no ambiente acadêmico do Distrito Federal ao situá-la nas proximidades
da Universidade de Brasília (UnB). Patrimônio abandonado às intempéries, o
cimento moldado pela concepção de Bernardes sobreviveu por décadas para
provocar perguntas e se deparar com a presente retomada da ambição da criação
de uma sede da ESG em Brasília. Este artigo apresenta os resultados da pesquisa
sobre a memória e o passado de experiência dos acontecimentos que levaram
a condenação do projeto de Bernardes. O problema que norteou o estudo é a
tentativa de compreensão das razões que conduziram ao cancelamento das
obras, inserindo, nessa discussão, reflexões sobre o lugar que as ruínas ocupam
na história e na memória nacional.
Palavras-chave: Escola Superior de Guerra (ESG). Brasília. Utopia. Memória.
ABSTRACT
On the shores of Lake Paranoá, lie the ruins of the foundations of the building
that would receive the transfer of the Brazilian War College (ESG) from Rio de
Janeiro to Brasilia. The architectural project, which was adopted in the 1970s,
was designed by the architect Sergio Bernardes and aimed at reintegrating
the most renowned Brazilian institution of strategic defense policy studies into
the center of national political power. The new headquarters also aimed to
insert the ESG into the academic environment of the federal district by placing
it near the University of Brasília (UnB). Heritage abandoned to the elements,
____________________
* Doutor em História Social pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Corpo Permanente
da Escola Superior de Guerra (ESG). É professor de História e integra o Quadro Complementar de
Oficiais (QCO) do Exército Brasileiro. Contato: salomao.edu@gmail.com
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RESUMEN
A las márgenes del lago Paranoá, reposan las ruinas de las fundaciones de la
edificación que acogería la transferencia de la Escuela Superior de Guerra (ESG)
de Rio de Janeiro a Brasilia. De acuerdo con el arquitecto Sergio Bernardes, el
proyecto arquitectónico, adoptado en los años 1970, pretendía atender el propósito
de reintegrar a la más renombrada institución brasileña de estudios estratégicos
de políticas de defensa al centro del poder político nacional. Con esta intención, la
nueva sede pretendía insertar la ESG en el ambiente académico del distrito federal
al situarla cerca de la Universidad de Brasilia (UnB). Patrimonio abandonado a las
intemperies, el cemento moldeado por la concepción de Bernardes sobrevivió por
décadas para provocar preguntas y encontrarse con la presente reanudación de la
ambición de la creación de una sede de la ESG en Brasilia. Este artículo presenta
los resultados de la investigación sobre la memoria y el pasado de experiencia
de los acontecimientos que llevaron a la condena del proyecto de Bernardes. El
problema que orientó el estudio es el intento de comprender las razones que
condujeron a la cancelación de las obras, insertando en esa discusión reflexiones
sobre el lugar que las ruinas ocupan en la historia y en la memoria nacionales.
Palabras clave: Escola Superior de Guerra (ESG). Brasilia. Utopía. La memoria.
1 INTRODUÇÃO
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As ruínas da edificação de uma nova sede para a ESG se afirmam como utopia
projetada no planalto central, a evidenciar a vontade criativa e a ambição de um
arquiteto e das lideranças políticas que atuaram pela aprovação da proposta. Sua
força e expressividade ganham realce pela adoção do projeto e início das obras,
cujas fundações oferecem testemunho de uma concepção visionária. Patrimônio
inacabado, abandonado às intempéries, o cimento moldado pela concepção de
Bernardes sobreviveu por mais de quatro décadas para provocar perguntas e se
deparar com a retomada da ambição da criação de uma sede da ESG em Brasília,
com propósito diverso do projeto original ao não prever a mudança da sede principal
da cidade do Rio de Janeiro.
As obras, abandonadas em meados dos anos 1970, integraram a
paisagem brasiliense, pelo que são e pelo que poderiam vir a ser, como sugere
a vista aérea da antiga obra na Asa Norte do Plano Piloto da capital federal
(Figura 1).
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reflexões sobre o papel das ruínas para a história e a memória nacionais. Que lugar
as “ruínas da UnB” ocupam no presente? O problema a ser respondido recai sobre a
compreensão dos motivos que conduziram ao cancelamento das obras, inquirindo
o fator, ou fatores, que levaram ao abandono definitivo do projeto.
Como método de pesquisa a dar forma ao estudo, adotou-se o levantamento
qualitativo de referências bibliográfico-documentais, consultando obras de
referência sobre a ESG, o período histórico abordado, a produção de Sergio
Bernardes, banco de teses e dissertações e o acervo da ESG. Sob a guarda da Seção
de Memória Institucional e da Biblioteca Cordeiro de Farias, ambos os setores
componentes do Centro de Conhecimento Científico e Cultural (C4) do campus da
ESG no Rio de Janeiro, foram localizadas cópias das plantas do projeto original1 e
fotografias da obra datadas de 1974, somadas a documentos sobre a destinação do
terreno e o portfólio do atual projeto executivo da edificação do campus da ESG em
Brasília.
A primeira parte do artigo é dedicada à compreensão do projeto de Bernardes
como veículo modernizante, discussão inserida no ambiente político, nas ambições
e no contexto da proposta da edificação de uma nova sede para a ESG. O segundo
momento aprecia as razões para o cancelamento do projeto, inquirindo documentos
de época e empenhando-se a compreender o que motivou essa decisão. Por último,
é observado o progressivo abandono das expectativas pela retomada da obra; aqui
se vislumbra a conversão da edificação inacabada em fragmento histórico e lugar de
memória, passando a ocupar espaço no imaginário presente.
Na atualidade, a retomada da proposta da ESG operar efetivamente em
Brasília, com a inauguração de um campus provisório nas dependências do
Ministério da Defesa (MD), surge como que a reviver o sonho dos anos 1970. É um
dos propósitos deste artigo contribuir com as reflexões sobre a nova oportunidade
da ESG operar definitivamente no centro político brasileiro.
1 As plantas originais integram o Acervo Sergio Bernardes, sob custódia do Núcleo de Pesquisa
e Documentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (NPD-FAU/UFRJ).
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Forças Armadas deu lugar a uma concepção diversa. Dos trabalhos da equipe,
consolidou-se o documento cuja relatoria coube ao tenente-coronel Idálio
Sardenberg, intitulado “Princípios Fundamentais da Escola Superior de Guerra”
(ARRUDA, 1983, p. 22).
Os propósitos que nortearam a redação dos Princípios Fundamentais
buscavam inovar o ensino no ambiente militar, não se prendendo à intenção de
criar uma instituição dedicada exclusivamente à temática dos conflitos bélicos,
operações conjuntas ou assuntos peculiares aos cursos de Estado-Maior. O
primeiro ponto dos Princípios evocava que a segurança nacional era função mais
do potencial geral da nação do que do seu potencial militar, para, em seguida, listar
como propósito o estudo de temas relacionados aos problemas que retardariam o
progresso brasileiro e o alcance do objetivo de tornar o Brasil um país plenamente
desenvolvido.
Os Princípios evidenciaram em todos os tópicos a intenção de criar algo
distinto dos cursos ofertados pelas Forças Armadas de então. No texto consta que
“O impedimento até agora existente contra o surgimento de soluções nacionais
para os problemas brasileiros é devido ao processo de aplicação de energia
adotado e à falta de hábito de trabalho em conjunto” (ARRUDA, 1983, p. 22), e
propôs substituir o que chamou de “métodos dos pareceres” (ARRUDA, 1983, p.
23) por soluções oriundas de novo método a ser adotado, considerando a análise
e a interpretação de fatores políticos, econômicos, diplomáticos e militares,
difundindo mediante a criação de um instituto nacional de “altos estudos”
(do francês hautes études, expressão aplicada aos cursos de pós-graduação),
a funcionar como um centro permanente de pesquisas. Com essa finalidade,
enfatizou a adoção do trabalho em equipe, do diálogo e do debate permanentes,
com ênfase na produção de soluções em conjunto, com uma inovação que
marcaria a concepção da ESG: reunir civis e militares em um único curso (STEPAN,
1975).
O general César Obino, em exposição de motivos ao presidente Eurico Gaspar
Dutra, enfatizou as vantagens em integrar militares e civis no curso a ser oferecido
pela ESG, em consonância com o texto dos Princípios.
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eram escassos e a nova sede para a ESG deixou de ser prioridade. Segundo
reportagem de Paulo Lannes para a Revista Veja, a versão da família de Bernardes
era outra.
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