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A democracia, então, é o mais fraco dos trigêmeos em mesmo que votem.'" Em suma, uma orientação no sentido
guerra nascidos no início da modernidade europeia, ao lado da democracia no contexto de Estados-nação e capitalismo
dos Estados-nação e do capitalismo." De acordo com Wolin, requer apoio estatal para promover bens públicos, que vão
algo como um Estado democrático não existe, já que os Esta- desde cuidados com a saúde até a educação de quahdade,
dos seqüestram, institucionalizam e exercem o "poder exce- redistribuições econômicas e profilaxias vigorosas contra a
dente" [surpluspower] gerado pelo povo; a democracia sempre corrupção pela riqueza. Para a democracia prevalecer, não se"
j i v e em lugares que não o Estado, mesmo nas democracias.® deve permitir que nem os próprios mercados e nem os vence-
O capitalismo democratizado é também um oximoro, e demo- dores em seu âmbito governem; ambos devem ser contidos no
cratas radicais têm boas razões para promover formas eco- interesse da igualdade política, o fundamento da democracia.
nômicas alternativas. Dito isto, o capitalismo pode ser modu- Para deixar claro, a alegação não é de que as democracias
lado em direções mais ou menos democráticas, e os Estados devam lidar com o que, desde o século xix, foi chamado de "a
podem fazer mais ou menos para nutrir ou anular a igualdade questão social", que se refere à questão de saber se e como
{ política da qual depende a democracia. deve-se mitigar o empobrecimento de muitos, inerente ao capi-
O que, além de louvores gerais, promove e protege a igual- tahsmo na medida em que gera riqueza sem precedentes para
dade política nesse contexto? Ações estatais afirmativas para poucos. "A questão social" tende a ser enquadrada em termos
garantir condições adequadas de existência (renda, moradia, de compaixão pelos pobres, justiça ou preocupação com a con-
saúde) são cruciais para prevenir a privação de direitos devido vulsão social. O ponto aqui é outro, a saber, que a democracia
ao desespero. É vital também o apoio do Estado ao acesso à exige esforços explícitos para criar um povo capaz de se enga-
educação cívica de qualidade, ao voto e ao exercício de cargos jar em formas modestas de autogoverno [self-rule], esforços que
para aqueles que, de outra forma, seriam efetivamente impe- se dirigem às formas pelas quais as desigualdades sociais e
didos de compartilhar o poder político. A democracia também econômicas comprometem a igualdade política.
exige vigilância constante para impedir que a riqueza con-
centrada assuma o controle das alavancas do poder político.
A riqueza - corporativa, consolidada ou individual - nunca 10 Embora frequentemente reflexivos, esses esforços às vezes
deixará de tentar alcançar essas alavancas e, uma vez que as tomam forma como o tipo de projetos cuidadosamente ela-
tenha agarrado significativamente, não há limite para suas borados por James Buchanan, os irmãos Koch e o Instituto
Cato, segundo os quais o objetivo deliberado é substituir a
práticas em benefício próprio, que podem incluir esforços para
democracia por um governo de brancos ricos e capturar insti-
impedir que as pessoas comuns, os pobres e os historicamente
tuições políticas e o discurso político para este fim. Cf Nancy
marginalizadas participem de reivindicações políticas e até MacLean, Democracy in Chains: The Deep History of the Radical
Right's Stealth Plan for America. A manipulação das zonas dis-
tritais de voto e a supressão de eleitores tornaram-se táticas
abertas e diretas para o Partido Republicano nos últimos anos
8 Sobre os tempos atuais, Wolin diz que "a contenção da demo- e foram vividamente expostas nas eleições de meio de man-
cracia política está [...] intimamente conectada ao ânimo
dato em 2 0 1 8 . Cf S a s c h a Meinrath, " T w o Big Problems with
contra a social-democracia". Cf. "Preface". In: Fugitive Demo-
American Voting that Have Nothing to Do with Russian Hac-
cracy, p. IX.
king" e German Lopez, "Voter Suppression Really May Have
9 Loc. cit. Made the Difference for Republicans in Georgia".
10 4 39
A democracia também exige um cultivo robusto da socie- social" [social justice warriors ou siws] por minar a liberdade
dade como o local em que experimentamos um destino com uma agenda tirânica de igualdade social, de direitos
comum em meio às nossas diferenças e distâncias. Situado civis, de ação afirmativa e até mesmo de educação pública.
conceituai e praticamente entre o Estado e a vida pessoal, O neoliberalismo tinha o franco objetivo de desmantelar
o social é o local em que cidadãos de origens e recursos o Estado social, seja privatizando-o (a revolução Reagan-
amplamente desiguais são potencialmente reunidos e pen- -Thatcher), seja delegando suas tarefas (a "Grande Sociedade"
sados como um conjunto. É o local em que somos admitidos do Reino Unido e os "mil pontos de luz" de Bush), seja elimi-
como cidadãos com direitos políticos [enfranchised] e reu- nando completamente tudo o que resta de bem-estar social
nidos politicamente (não meramente cuidados) por meio ou " d e s c o n s t r u i n d o o Estado administrativo" (o objetivo de
da provisão de bens públicos, e em que as desigualdades Steve Bannon para a presidência de Trump). Em cada caso,
historicamente produzidas se manifestam como acesso, voz não é apenas a regulação e a redistribuição sociais que são
e tratamento políticos diferenciados, bem como o local em rejeitadas como interferência inapropriada nos mercados ou
que essas desigualdades podem ser parcialmente corrigidas. como assaltos à liberdade. A dependência da democracia em
A justiça social é o antídoto essencial para as estratificações, relação à igualdade política também é alijada."
exclusões, abjeções e desigualdades outrora despolitizadas O ataque neoliberaí ao social, que e s t a m o ^ j e r e s ^ a
que servem ao privatismo liberal nas ordens capitalistas e examinaLmais^^ para gerar uma cul
é, em si mesma, uma réplica modesta à impossibilidade da tllí^^^idemocrática desde baixo, ao mesmo temoo em aue
democracia direta em grandes Estados-nação ou em seus constrói_e legitima formas antidemocrática^devod.,^s^l
sucessores pós-nacionais, como a União Europeia. Mais do d S d r ^ ^ ^ A s m e r g i a entre os dois é profunda: uma cidada-
que uma convicção ideológica, a justiça social — a modula- nia cada vez mais não democrática e antidemocrática está
ção dos poderes do capitalismo, colonialismo, raça, gênero mais e mais disposta a autorizar um Estado crescentemente
e outros — é tudo o que se põe entre manter a promessa antidemocrático. À medida que o ataque ao social derrota a
(sempre não cumprida) da democracia e o abandono genera- compreensão democrática de sociedade zelada por um povo
lizado dessa promessa. O social é o local em que somos mais caracterizado pela diversidade e habilitado a governar a si
do que indivíduos ou famílias, mais do que produtores, con- de forma igualitária e compartilhada, a política se torna
sumidores ou investidores econômicos e mais do que meros um campo de posicionamento extremo e intransigente, e a
membros da nação. liberdade se torna um direito de apropriação, ruptura e atéV
É sintomático que são precisamente a existência da socie- mesmo destruição do social - seu inimigo declarado. í
dade e a ideia do social - sua inteligibilidade, seu refúgio O assalto à sociedade e à justiça social nas décadas
de poderes estratificantes e, acima de tudo, sua adequação neoliberais é mais comumente identificado no projeto de
como um local de justiça e do bem comum — o que o neo- desmantelar e depreciar o Estado social em nome de indi-
liberalismo se propôs a destruir conceituai, normativa e víduos livres e responsibilizáveis. Ele atingiu um crescendo
praticamente. Denunciada como um termo sem sentido por institucionalizado no regime de Trump, no qual os órgãos
Hayek e notoriamente declarada inexistente por Thatcher
'|\("não existe tal coisa..."), "sociedade" é um termo pejorativo 11 Wolfgang Streeck chama isso de deseconomicizar a democra-
^ara a direita hoje, que denuncia os "guerreiros da justiça cia. Cf Wolfgang Streeck, Buying Time.
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Estados-nação/» Notando que a origem latina do termo estendido e poder coercitivo), coisas que só podem ser valori-
[societas, de soctus] implica um par ou companheiro que se
zadas por indivíduos ou grupos." Personificação e animismo^
conhece pessoalmente, Hayek detecta um romance perigo-
também levam à crença de que a sociedade é mais do que
so com um passado perdido em seu uso contemporâneo, no
os efeitos de processos espontâneos e que pode portanto
qual o termo "sociedade" é inadequadamente usado para
ser manipulada ou mobilizada como um todo; esta é a base
denotar uma cooperação humana impessoal, não inten-
do totalitarismo." E levam à crença de que a sociedade é o
cional e não planejada em larga escala. Ainterdegendên-
produto de um projeto [design], passível de substituição por
cia complexa na modernidade, afirma Hayek, não surge do
outro mais racional, um projeto que obstrui as tradições e
sentimento c o m u n u j ^ a busca comum organizada, mas de
liberdades evoluídas, que são a verdadeira base da ordem,
indivíduos Que segúeni regras de conduta que emananTd^
da inovação e do progresso.^^
mercados e das tradições morais."» Chamar isso de "socie-
Acima de tudo, personificação e animismo falsos caracte-
dade" eqüivale a misturar erroneamente "formações com-
rizam erroneamente a sociedade como um palco da justiça.
pletamente diferentes como a companhia [companionship]
Se a sociedade é imaginada como algo que existe ã parte dos
de indivíduos em constante contato pessoal e a estrutura
indivíduos, e se sua ordem é pensada como o efeito de uma
formada por milhões que estão conectados apenas por sinais
construção deliberada, segue-se que ela deve ser projetada
resultantes de cadeias de troca longas e infinitamente rami-
com a idéia de justiça em mente. Isso abre a porta para uma
ficadas".^" Mais do que meramente errada, no entanto, essa
intervenção estatal ilimitada tanto nos mercados quanto nos
mistura revela o "desejo oculto" de defensores da justiça ou
do planejamento sociais de modelar ordens modernas com códigos morais, a qual, argumenta Hayek, tem "uma tendên-
base em uma noção intencional e organizada do bem - o cia peculiar de autoaceleração":
estofo do totalitarismo.
Quanto m a i s se vê que a posição de indivíduos ou g r u p o s tor-
HayêFvIsIúmbi^uma segunda ilusão perigosa na idéia na-se dependente de a ç õ e s do governo, m a i s eles insistirão
e na idealização da sociedade. Esse conceito, diz Hayek, é em que os g o v e r n o s v i s e m a l g u m e s q u e m a r e c o n h e c í v e l de
baseado numa falsa personificação de uma coleção de indiví- j u s t i ç a distributiva; e quanto m a i s os g o v e r n o s t e n t a m rea-
duos e num falso animismo segundo o qual "o que foi trazido lizar a l g u m p a d r ã o preconcebido de distribuição desejável,
pelos processos impessoais e espontâneos da ordem amplia- m a i s eles devem sujeitar a posição dos diferentes indivíduos
da" é imaginado como "o resultado da criação humana deli- e grupos ao seu controle. Enquanto a crença na "justiça social"
berada"." Tanto a personificação como o animismo geram a g o v e r n a r a ação política, esse processo deverá se a p r o x i m a r
ilusão de que certas coisas são "valiosas para a sociedade" e m a i s e m a i s de u m sistema totalitário.^®
devem ser fomentadas pelo Estado (legitimando seu alcance
II
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A alternativa de Hayek ao planejamento ou à justiça O mercado e a moral, para Hayek, também revelam a^
administrados pelo Estado não é, como se diz comumente, verdadeira natureza da justiça - sua preocupação exclu
o capitalismo de livre mercado. Em vez disso, como o capí- giva com a conduta, e não com efeitos ou resultadosJXjüs-
tulo 3 elaborará mais detalhadamente, a moral e o mercado tiça se refere apenas a princípios corretos, aplicados uni-
juntos geram a conduta evoluída e d i s c i ^ ^ ^ ^ r a "criar ê versalmente, e não a condições ou ao estado das coisas."«
sustentar nrdem ampliada". A conduta evoluída "encontra- A justiça também não tem nada a ver com recompensar o
-se entre o instinto e a razão" e não pode ser submetida à jus- esforço ou os merecedores. Hayek considera equivocados
tificativa racional, mesmo que possa ser reconstruída racio- até mesmo os utilitaristas a esse respeito, especialmente
nalmente.^« Embora possamos articular retrospectivamente John Stuart Mill, a quem critica por ter escrito que uma
a função tanto do mercado quanto da moral, eles não são o "sociedade" justa "deveria tratar igualmente bem todos os
produto de um projeto funcionalista; de fato, seu surgimento que merecem o mesmo dela".'" O mais significativo é que
evolutivo e sua operação rudimentar são fundamentais para ele ataque Horatio Alger por ter popularizado a idéia de que
Hayek: "Se parássemos de fazer tudo aquilo cuja razão não a melhor defesa do capitalismo é sua recompensa para os
conhecemos, ou para o que não podemos fornecer uma jus- que trabalham arduamente." Na verdade, declara Hayek
tificativa [...] provavelmente logo estaríamos mortos"." repetidamente, os mercados re^gmpgnsamjiontrihmSQesT
O mercado e a moral, jgortanto, não são nem nrimnatíveis nada mais." Tais contribuições, como riqueza ou inovação,
com nem opostos à^azãjo, não são racionais nem irracionais. podem ouTnão ser fruto de grande esforço e, inversamente,
Eles perduram e são válidos porque surgem "espontanea- trabalhos longos e intensos podem trazer pouco." Hayek
mente", evoluem e se adaptam "organicamente", unem os sabe que isso pode ser decepcionante, mas alega que não é
seres humanos independentemente das intenções e esta- injusto - a mistura de um com o outro é o grande erro dos
belecem regras de conduta sem depender da coerção ou social-democratas.
/_^2unição estatais. Tanto o mercado quanto a tradição moral Os sistemas morais tradicionais assemelham-se aos mer-
geram uma ordem dinâmica, e não estática, e criam novos 'cados de muitas maneiras, acrescenta Hayek, especialmente
"poderes humanos que de outra forma não existiriam".^« ao estabelecerem uma ordem desprovida de projeto prévio e j
Ambos propagam uma conduta propícia [felicüous] em gran- ^ao situarem a in^^tina nas reerac; não nos resultados, h s tra-
des populações sem depender dos excessos da intenção
dições morais geram um "sistema herdado de valor", que é
humana ou das falácias da razão humana e sem empregar
os poderes do Estado. 29 pp. 31-36.
30 p. 63.
31 p. 74-
32 A disparidade entre contribuições e recompensas é inevitável
26 Na verdade, nenhum código moral pode ser submetido à jus- e inevitavelmente desapontadora, mas não injusta. Cf lá., The
tificativa racional porque ele evolui e traz consigo significa- Fatal Conceit, p. 1 1 8 .
dos e valores que estão para além do alcance da intencionali-
33 Hayek reconhece que a inveja e a f r u s t r a ç ã o resultantes
dade e da compreensão. Cf. Ibid., pp. 68-70.
podem gerar atitudes anticapitalistas, mas essas atitudes não
27 p. 68.
compreendem o modo como o capitalismo funciona e o que é
28 p. 79.
ajustiça. C/: ibid., p. 199-
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"um dispositivo para lidar com nossa ignorância constitucio- moralmente correto ou que t r a b a l h a a r d u a m e n t e pode não
nal", uma ignorância que abrange tanto a vasta incognosci- ser r e c o m p e n s a d o por s u a virtude p a r a então declarar que
bihdade do mundo quanto todas as consequências de nos-
'a d e s i g u a l d a d e é e s s e n c i a l p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o " e q u e " a
sas ações.- Se soubéssemos tudo, se pudéssemos antecipar
evolução não pode ser justa" no sentido popular da palavra.'«
todos os efeitos da ação e concordar "quanto à importância
A verdadeira justiça e x ^ e que as r e g r a s d o j o g o sejam conhe-
relativa dos [...] fins", diz Hayek, "não haveria necessidade de
cidas e aplicadas universalmente, m a s todo loeo tem vence-
regras", incluindo as da conduta moral.^^ As regras morais
d o r e s e p e r d e d o r e s , e a c i v i l i z a ç ã o ^ ã o p o d e e v o l u i r s e m dei-
são. então, valores definitivos, não ooraue r^^iih^^^^T^T;;;^,
x a r p a r a t r a s os eieitos üa í r a a u e z a e do fracasso, b e m ^ o m o
ma dos fatos . dos fins não c o m p ^ I h a d o s
descreve o "jogo" que fará avançar a
mas Doraue fornecem códiRos p_ara a a ç ã o a d e í p ^ í ^ ^ ^ e
civilização, satisfará necessidades [ujants], dispersará infor-
problema - elas são um tipo peculiar de deferência â incog-
noscibilidade. Como tal, no entanto, elas só podem orientar a mações, terá a liberdade [íiberty] como característica e que
conduta moral; não podem por si mesmas gerar uma ordem será totalmente "não projetado", ao mesmo tempo que pode
moral. Da mesma forma que o esforço pode não condizer com ser aperfeiçoado:
sua recompensa no domínio econômico, "a conduta moral
Ele procede, c o m o todos os jogos, de acordo c o m r e g r a s que
nao gratificará necessariamente os desejos morais" por cer-
g u i a m a s a ç õ e s de p a r t i c i p a n t e s individuais cujos objetivos,
tos resultados.3« Isso pode parecer lamentavelmente injusto
habilidades e conhecimentos são diferentes, com a conse-
e ate mesmo não razoável, assim como perder repetidamen-
quência de que o resultado será imprevisível e que h a v e r á
te em um jogo de azar.
r e g u l a r m e n t e v e n c e d o r e s e p e r d e d o r e s . C o m o e m u m jogo,
- "Compreensivelmente, nós detestamos resultados moral- e m b o r a e s t e j a m o s c e r t o s e m i n s i s t i r q u e ele s e j a j u s t o e q u e
I mente cegos", escreve Hayek sobre arranjos morais e econô- n i n g u é m t r a p a c e i e , s e r i a a b s u r d o e x i g i r q u e os r e s u l t a d o s
micos gerados por uma ordem espontânea e protegidos da p a r a os diferentes jogadores sejam justos. Eles serão n e c e s s a - g « /
interferência política, mas eles são a dura verdade da histó- riamente determinados em parte pela habilidade e em parte
ria humana livre e progressiva em um mundo onde somos pelajorte.^®
Ignorantes demais para planejar resultados coletivos pre-
l^isíveis ou estar de acordo acerca de valores comuns Além Agora estamos em condições de entender o que Hayek
disso, "a tentativa infrutífera de tornar justa uma situação considera tão perigoso nos "guerreiros da justiça social" que
CUJO resultado, por sua natureza, não pode ser determinado recriariam o mundo de acordo com um plano racional ou
por aquilo que ninguém sabe ou pode saber, apenas preju- com um grande cálculo moral. Eles recorrem à "ilusão fatal"
dica o funcionamento do próprio processo-.^«- E então Hayek da sociedade e ao princípio equivocado da igualdade para
passa rapidamente pela alegação de que o indivíduo atacar os piiai:es_gênieos da civilização: a moralidade tradi- >
clonal e mercados competitivos. Eles são animados por uma
34 Id., Law, Legislation, and Liberty, vol. 2, p p . 5 0 8 . forma de primitivismo social e intelectual que imagina um
35 Ibid., p. 8 .
36 Id., The Fatal Conceit, p. 74.
37 Loc. cit. 38 Ibid., pp. 74 e 1 1 8 .
39 Id., Law, Legislation, and Liberty, vol. 2, p. 7 1 -
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diretor por trás de "todos os processos de auto-ordenação" versão do que os ordoliberais chamaram de "desmassifica-
e não têm maturidade para compreender a evolução histó- ção", escorando os indivíduos e famílias contra as forças do
riça.e a cooperação social que excedem a intencionalidade capitalismo que os ameaçam.
do projeto.^" São igualmente pueris ao demandar igualdade Esse último giro, pouco familiar especialmente para os
nos resultados. E ^ submetem inadequadamente^a mora- americanos, requer uma breve elaboração. O ordoliberalis-
lidade a padrões racionais e associam iustica no mercado mo, conhecido por suas raízes na Escola de Friburgo, apre-
moral a resultados, e não a regras. Eles intervêm nos
sentava um construtivismo mais manifesto - do Estado, da
mercados de maneiras que prejudicam a inovação, o desen-
economia e do sujeito - do que qualquer outra variedade de
volvimento e a ordem espontânea." Mais do que meramente
neoliberalismo. A desmassificação estava entre esses proje-
desorientada, a justiça social ataca a justiça, a liberdade e
tos construtivistas: o objetivo era contrapor-se ao processo,
o desenvolvimento civilizacional garantidos pelo mercado e
considerado pelos ordoliberais como sendo inerente ao capi-
pela moral. Se a crença na direção social e política da socie-
talismo, por meio do qual se engendra uma população que
dade é o que nos leva por esse caminho, então a sociedade
mais e mais pensa e age como massa. Eles denominavam
deve ser desmantelada.
esse processo "proletarização", aceitando grande parte da
No neoliberalismo realmente existente, esse desmante- análise histórica de Marx, mas se opondo aos seus valores
lamento ocorre em muitas frentes. Epistemologicamente, o e esperanças políticos; viam o capitalismo como gerador de
desmantelamento da sociedade envolve a negação de sua uma força social desindividualizada e até mesmo dester-
existência, como Thatcher fez nos anos 1980, ou a rejeição ritorializada, propensa a se revoltar contra ele brandindo
da preocupação com a desigualdade como "política da inve- demandas por um Estado social ou uma revolução socialista.
ja", uma linha que o candidato ã presidência Mitt Romney A desmassificação ordoliberal visava combater a^prol^ari-
adotou 30 anos depois e agora é uma réplica cotidiana con- zação por meio da empreendedoriza^ãoJlogoTda reindivi-
tra propostas de taxação da riqueza.^^ Politicamente, envol- dualizãçaoj aos t r ã b i i l i i ^ r e s , por um lado, e da realocacão
ve o desmantelamento ou a privatização do Estado social - dos trabalhadores em práticas de autoprovisão famniai:..por
seguridade social, educação, parques, saúde e serviços de outro. O reenraizamento e a autoprovisão, como Wilhelm
todos os tipos. Legalmente, envolve o manejo de reivindi- ¥ ö p k e se referia a estas práticas e às políticas que as via-
cações de liberdade para contestar a igualdade e o secu- bilizaram, desenvolveriam um novo "quadro antropológico"
larismo, bem como as proteções ambientais, de saúde, de para tornar os trabalhadores "mais resilientes em face das
segurança, laborais e ao consumidor. E t i g a m e n j p envolve recessões econômicas"." "Ancorados na comunidade e na
a contestação da justiça social por meio da autoridade natu- família", eles seriam capazes de resistir ao que o colega de
ral dos valores tradicionais. Culturalmente, implica uma Röpke, Alexander Rüstow, chamou de "fria sociedade" do
preço econômico e da competitividade dos fatores." Essa Arrendando quartos no Airbnb, dirigindo para o Lyft )u
âncora também impediria que os trabalhadores "se tornas- Uber, trabalhando para o Task Rabbit como freelancers,
sem presa da mania proletária que demanda 'o fruto podre compartilhando bicicletas, ferramentas e carros ou simples-
do Estado de bem-estar'".^® mente gerenciando uma variedade de fontes de renda de
, No final do século xx, a "desmassificação" foi substitui- tempo parcial e de curto prazo ("bicos"), indivíduos e famí-
í da pela "empreendedorização" neoliberal e pela "capitaliza- lias visam sobreviver aos cortes e às recessões econômicos.
í ção humana" dos sujeitos, ao passo que reformas políticas Em terceiro lugar, enquanto os investimentos sociais na
visavam transferir quase tudo o que era proporcionado pelo educação, habitação, saúde, cuidado infantil e seguridade
Estado social para os indivíduos e famílias, fortalecendo-os social são reduzidos, delega-se novamente à família a tare-
ao longo do caminho.^® Três coisas importantes decorrem fa de prover para todos os tipos de dependentes - jovens,
dessas estratégias. Primeiramente, a emoreendedorizacão - velhos, enfermos, desempregados, estudantes endividados y
ou o que os franceses e britânicos chamaram de "respon- ou adultos deprimidos ou viciados.^"
sabilização" - produz um suieito aue Founault denominou Dessas três maneiras, o neoliberalismo não só trouxe o
"uma multidão de emnresas" ou o j u e Michel Feher chama de capitalismo de volta do abismo quando este estava em crise
um "portfolio de autoinvestimentos" concebido para manter nos anos 1970, como também salvou tanto o sujeito quanto
ou incrementar o va^lorjo capital humano.^' Esse portfolio a família das forças em desintegração da modernidade tar-
inclui o cuidado com os filhos, educação, saúde, aparência e dia. De fato, dentre as realizações neoliberaigjnais im^res
a provisão para a velhice. Em segundo lugar - substituindo sionantes estão o desmantelamento epistemológico^ políti
as estratégias pastorais de Röpke para construir resiliên- côTeconômico e cultural da sociedade rie massa^em capital]
cia, segundo as quais os lares urbanos plantariam hortas e humano e unidades familiares econômico-morai.sjuntamen-^
criariam galinhas - , os trabalhadores desproletarizados e tè"conrõ^sRate"tântÔTrcrindiví3uõ q ^ n t o ^ ^ f a m í ^ n o
dessindicalizados de hoje entram na economia do "compar-
rncmentoêxatõ^ sua aparente extinção. Desnaturalizadas
tilhamento" e da terceirização, na qual transformam suas
até seu núcleo, as versões neoliberais das unidades indivi-
posses, tempo, conexões e eus em fontes de capitalização.
duais e familiares podem acabar se mostrando mais fortes
do que quaisquer iterações anteriores.
44 Alexander Rüstow, Die Religion der Marktwirtschaft, p. 65. Id.,
Freiheit und Herrschaft: Eine Kritik der Zivilisation, p. 365, cit.
in: Bonefeld, "Human Economy and Social Policy", p. 1 1 4 . Cf tb. H A Y E K HOJE: A L I B E R D A D E E O S O C I A L
Rüstowf, "Social Policy or Vitalpolitik". In: The Birth of Auste-
rity: German Ordoliberalism and Contemporary Neoliberalism,
Se a crítica de Hayek à justiça social era iconoclasta nas
pp. 1 6 3 - 7 5 .
décadas do pós-guerra, hoje em dia tornou-se o senso
45 Werner Bonefeld, "Human Economy and Social Policy", p. 1 1 4 .
comum de um conservadorismo neoliberal robusto. Em abril
46 Mglinda Cooper chama isto de retorno da Lei dos Pobres bri-
tânica. Cf Family Values: Between Neoliberalism and the New
Social Conservatism, capítulo 3. 48 Melinda Cooper, Family Values. Cf tb. Janet Halley; Libby Adler,
47 Michel Feher, Rated Agency, pp. 1 8 0 - 8 1 . Cf tb. Id., "Self-Appre- "You Play, You Pay: Feminists and Child Support Enforcement
ciation; or. The Aspirations of Human Capital", pp. 27-28. in the U.S.". In: Governance Feminism: Notes from the Field.