4) Analise as diferentes conjunturas do abolicionismo no Império do Brasil
O movimento abolicionista no Brasil envolveu pessoas de diversas classes
sociais, e não apenas a parcela livre da sociedade, mas também a resistência dos escravos.
Após a independência, em 1822, instalou-se o sistema político imperial e
começou a pressão sobretudo econômica da Inglaterra, principal apoiadora da Independência, para o fim da escravidão.
Por outro lado, pressões internas originadas das elites agrárias brasileiras resultavam no adiamento dos projetos de abolição.
Assim, a crítica à escravidão, que representava a ideologia e o alicerce do
movimento abolicionista, esteve mais relacionada a circunstâncias externas, como os últimos avanços das nações centrais capitalistas, do que a forças internas e a um movimento nacional voltado para a reorganização da sociedade brasileira.
Em meio a tantas correntes ideológicas e à sociedade imperial em crise, a
população escrava deixava de ser um elemento passivo. Às frequentes rebeliões e fugas dos negros e ao surgimento de quilombos passou a somar-se, na segunda metade do século XIX, o protesto de alguns setores da classe dominante, que conduziram o processo de emancipação. Entre os apoiadores da causa abolicionista havia políticos como José do Patrocínio e André Rebouças, setores agrários não vinculados à escravidão, a emergente classe média urbana, nobres, jornalistas, advogados e profissionais liberais, alguns deles negros e com ascendência escrava. Nomes como o pernambucano Joaquim Nabuco e como Luís Gama (que, como advogado, defendeu muitos negros e ajudou a conseguir a alforria para outros).
Pelo país organizavam-se movimentos contra a escravidão, que foi perdendo o
apoio de todos os setores da sociedade. Ao fim da Guerra do Paraguai o império estava desgastado econômica e politicamente, e a campanha pela abolição se intensificava. O fim do tráfico negreiro e a Guerra do Paraguai acentuaram ainda mais o problema da mão de obra para a lavoura cafeeira em expansão, evidenciando as limitações que o regime escravocrata impunha à economia brasileira. Além da oposição interna liderada pelo Partido Liberal Radical, crescia a oposição internacional contra a escravidão.
As principais lideranças do movimento abolicionista brasileiro eram contrárias
ao pagamento de indenizações aos antigos proprietários de escravos. Joaquim Nabuco ressaltava que seria necessário um longo trabalho para incorporar os escravos libertos à cidadania e para se construir uma nacionalidade.
Nabuco, embora abolicionista e defensor da democracia, era simpatizante da
monarquia, assim como André Rebouças. Suas críticas ao republicanismo destacavam o conservadorismo, o elitismo e o aspecto antidemocrático desta ideologia. Havia ainda republicanos que apoiavam a escravidão ou a protelação da abolição.
Em contraste com o grupo emancipacionista, que não se preocupava com a
situação do negro após a abolição, Joaquim Nabuco afirmava que os brasileiros precisavam não só libertar os escravos, mas incorporá-los à sociedade como cidadãos de pleno direito. Segundo ele, enquanto a integração social do escravizado não acontecesse, a sociedade não evoluiria, pois não bastava mudar o regime de monárquico para republicano para se construir uma democracia sólida, já que a grande questão da democracia brasileira não era a monarquia, mas a escravidão.
Algumas interpretações do movimento abolicionista pretendem reduzir sua
importância, atribuindo-lhe meramente o papel de evitar uma rebelião de escravizados. Para Salles o movimento tinha caráter democrático e social e, numa visão de longo prazo, favoreceu a implantação do capitalismo no Brasil.
O deputado sergipano Sílvio Romero, em seu livro A literatura brasileira e a
crítica moderna, de 1880, defendia o conceito de “branqueamento” da população, segundo o qual o Brasil não deveria assemelhar-se ao Haiti. Para isso, seriam necessários, “de um lado, a extinção do tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, e, de outro, a imigração europeia”. O processo de construção e consolidação do Estado imperial propiciou a hegemonia da classe dos senhores de escravos e de terras, cujos interesses eram representados pela política conservadora e reverberados por intelectuais vinculados tanto aos grandes proprietários fluminenses quanto ao próprio Estado. Assim, a escravidão funcionou como amálgama dos interesses das classes dirigentes.
A monarquia brasileira, ao deixar de indenizar os proprietários de escravos,
perdeu sua base de apoio. Após a abolição, os antigos proprietários de escravos não tinham mais nada que os ligasse à monarquia.
As críticas à escravidão resultaram na abolição, mas o movimento abolicionista
não foi suficiente para pôr fim de verdade a todos os males da escravidão nem para definir uma nova ordem econômica e social para o país. Ao perceberem que a abolição era inevitável, muitos dos grandes proprietários de escravos trataram de migrar para a política a fim de manter seus privilégios.
Por outro lado, a abolição não rompeu completamente a estrutura escravista
existente, aquela que produzira um afastamento histórico entre povo e cidadania. Esta estrutura permaneceu, e permanece de certo modo até hoje, sob a forma de exclusão e desigualdade na sociedade atual. 5) Ainda hoje é possível perceber certa valorização das características do Império em nosso cotidiano. Nesse sentido, a partir da Introdução do livro "Nostalgia Imperial" explique o que se compreende por nostalgia imperial e como podemos analisar este fenômeno.
O progresso intelectual e cultural do final do século XIX (conhecido como
“Ilustração Brasileira”) não favorecia um terceiro Reinado, que se pretendia, em tese, uma civilização europeia transposta para a América. Ideias novas inspiradas nos principais países capitalistas propiciavam a modernização do país.
Essa modernização viria acompanhada de abolicionismo, imigração e
republicanismo, embora não houvesse uma unanimidade dos intelectuais da época em torno de todas essas ideias.
A República nasceu de um golpe militar e não teve amplo apoio da população.
Foi decepcionante, pois logo se percebeu que, proclamada a República, tudo continuava como antes, sem que as promessas fossem cumpridas e com as oligarquias tradicionais mantendo os mesmos privilégios de sempre. Apesar de não representar as esperadas e profundas mudanças políticas, ainda assim era associada por alguns intelectuais à ideia de progresso.
A construção dos estados-nações marcaram a história do ocidente no século
XIX. O Estado centralizado, a busca, em tradições remotas, de elementos comuns a um povo. A associação entre Romantismo, História e Nação, com noções e valores como pátria, caráter, vocação histórica, cultura e natureza nacional, não é exclusiva do Brasil.
Para Salles, a civilização imperial e a cultura nacional estão intrinsicamente
ligadas. No que diz respeito à cultura nacional em formação, dois aspectos são ressaltados pelo autor: a valorização de elementos referentes à herança colonial (tais como língua, cultura, influências africana e indígena) e a produção de singularidades por meio da literatura, cuja corrente dominante era o romantismo, com destaque para o indianismo. Em consequência, verificou-se uma produção cultural obstinada em afirmar a nacionalidade e em desenhar características distintivas locais, resultando num discurso que valorizava as heranças rural, africana, indígena e portuguesa. A sociedade imperial produziu uma imagem tão marcante de si mesma, que perdurou no imaginário dos brasileiros. As mudanças da república abalaram, mas não apagaram a ideia de monarquia, com seu tom nostálgico, seu passado heroico e de grandeza que não teve continuidade. Intelectuais como Joaquim Nabuco, abolicionista e monárquico, associaram a monarquia às grandes conquistas do Brasil no século XIX, como a Independência e a Abolição. O desejo de restauração da monarquia e de identificação com grandes ideias e a valorização do nacionalismo então ganhou força, pois a República até 1930 não foi capaz de promover o progresso material, social e político que prometera ao país.
Salles relata a existência de uma “nostalgia imperial” no imaginário social
brasileiro. Segundo ele, tal sentimento é difuso entre as camadas populares e acentuado nas elites intelectuais, e se baseia na percepção de que no tempo do Império o Brasil era mais respeitável e mais poderoso, e a República, com seus mais de 130 anos de existência, não foi capaz de reverter este sentimento.
Após o 15 de novembro, políticos, intelectuais e historiadores ligados à
monarquia, como Capistrano de Abreu, Visconde do Rio Branco, Pedro Calmon e Oliveira Vianna, combateram a república com um discurso que reforçava seu caráter excludente e exaltava os progressos e a imagem positiva do Império, como estratégia de crítica ao novo regime.
Ademais, o ideal de civilização imperial que, durante a monarquia, tinha a
escravidão como base, não foi desarticulado com a República. A crítica moral à escravidão, realizada internamente pelo movimento abolicionista e externamente por setores internacionais, não resultou na superação das mazelas da escravidão. Mesmo tendo impedido a perpetuação do regime escravocrata no Brasil, a abolição não conseguiu remover as noções de diferença e hierarquia da base do nosso alicerce social. Como resultado, em pouco tempo foi possível aos grandes proprietários rurais recompor suas forças e garantir mão de obra barata, além de privilégios na ocupação dos poderes locais. Assim, uma hipótese para que a monarquia ocupe até o presente um lugar mítico na História é que o momento histórico em que foi criado, ou seja, a sociedade escravista imperial, ainda não foi superado, já que não houve um projeto nacional nesse sentido em nenhum período posterior da história brasileira.
No desenvolvimento histórico do país o progresso vislumbrado no fim do
império jamais foi alcançado, apesar de tentativas frustradas, daí a nostalgia de se voltar àquele momento histórico, em que era possível almejar um futuro promissor de mudanças positivas que na verdade nunca chegaram.