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W alter

Benjamin
René Magritte,
Castelo dos
Pirineus, 1959

Tradução de MARIA PAULA


GURGEL RIBEIRO

Texto apresentado no congres-


so internacional “O Valor da Tra-
dução”, organizado em Porto
Alegre pela Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul, nos
dias 6, 7 e 8 de novembro de
1996, sob a direção de Kathrin
H. Rosenfield e Marco A. Zingano.

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R I C A R D O I B A R L U C Í A

ILUMINAÇÃO HISTÓRICA
E INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
NA GÊNESIS
DE PASSAGEN-WERK

I Em meados da déca- ção de “recolher a heran-


da de 20, uma revolu- ça do surrealismo com
ção copérnica se produz no toda a onipotência de um
pensamento de Walter Fortimbrás da filosofia”
RICARDO
IBARLUCÍA
é professor do
Departamento de
Filosofia da
Universidade de Buenos
Aires.

Benjamin. Entre A Origem (1). Armado com o macha-


do Drama Barroco Ale- do de duplo fio da razão
mão (1923-25) e o primei- dialética, Benjamin pare-
ro exposé de “Paris, Capi- ce disposto a entrar em
tal do Século XIX” (1935), combate contra o Hamlet
seu trabalho se vê confron- dos surrealistas, perdido
tado com o mundo onírico entre fantasmas e pesade-
dos surrealistas. Em uma los. Um ano antes come-
carta a Gershom Sholem, çou a reunir notas e apon- 1iiiWalter Benjamin, Gesammelte
Schriften, ed. aos cuidados de
Rolf Tiedemann e Hermann
Schweppenhäuser, com a co-
datada de 30 de outubro tamentos para um ensaio laboração de Theodor W.
Adorno e Gershom Sholem,
Frankfurt do Meno,
de 1928, declara sua inten- de cinqüenta páginas pro- Suhrkamp, 1977, V, p. 1.089.

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visoriamente intitulado “Pariser Passagen. Embora prefigure numerosos aspectos
Eine dialektische Feerie” (“Passagens da ulterior produção teórica de Benjamin,
Parisienses. Uma Cena de Fadas Dialética”) poucos críticos repararam na importância
(2). A reprodução da leitura de O Campo- desse ensaio. As idéias formuladas pela
nês de Paris de Louis Aragon, publicado primeira vez em “Onirokitsch” contêm o
em 1926, está na origem desse novo traba- gérmen, não só do seu ensaio “O
lho que, anos mais tarde, desembocará em Surrealismo” de 1929, como também do
Passagen-Werk. projeto tantas vezes abandonado e recome-
O interesse de Benjamin pelo surrea- çado de Passagen-Werk (7). Expondo a
lismo remonta a 1925, um ano depois da presença latente do “matagal da pré-histó-
publicação do Manifesto do Surrealismo ria” (Urgeschichte) (8) na moderna socie-
de André Breton. Em uma carta de 3 de dade de massas, cuja paisagem mutante se
julho, informa a Rainer María Rilke sobre apresenta aos olhos dos surrealistas como
sua tradução de Anábasis de Saint-John o bosque encantado onde floresce a “árvo-
Perse e comenta: “O que me comove espe- re totêmica” da mercadoria, se poderia
cialmente no surrealismo (de cujas algu- denunciar a confiança na marcha da natu-
mas intenções também em [Saint-John] reza, a representação de um continuum da
Perse resultam inequívocas) é a maneira cultura. Esta mesma tarefa é a que Benja-
em que sua linguagem incursiona conquis- min haveria de postular, anos mais tarde,
tadora, prepotente e impondo sua lei no em seu texto sobre Eduard Fuchs, anteci-
espaço dos sonhos. Tratei de manter em pando algumas das conclusões epistemo-
alemão o rápido alento da ação prosódica” lógicas de Passagen-Werk acerca de “a de-
(3). Uns dias mais tarde, em 21 de julho, terminação dos limites dentro dos quais o
2iiiiV, p. 1.348, nota da ed. Ver, escreve a Scholem: “Ante tudo me dirigi ao conceito de progresso pode ser utilizado na
também, V, p. 1.138.
recentemente publicado na França: os mag- história” (9).
3iiiiII, p. 1.018.
níficos escritos de Paul Valéry (Varieté, Já em 1921, ao abordar o estudo de As
4iiiiIdem, p. 1.425. Eupalinos) e os polêmicos livros dos Afinidades Eletivas, de Goethe, Benjamin
5iiiiIdem, pp. 620-2. surrealistas. No que concerne a estes docu- se havia proposto “iluminar uma obra ab-
mentos, devo ir me familiarizando pouco a solutamente a partir dela mesma” (10) dan-
6iiiiNeue Rundschau, no 38, janei-
ro de 1927. Ver nota do ed., pouco com seus procedimentos críticos” (4). do curso a sua obsessão pelo eterno retorno
V, p. 1.425.
Um primeiro trabalho sobre o do mito e as fantasmagorias da consciência
7iiiiJohn McCole, Walter Benja- surrealismo é redigido por Benjamin entre moderna. Mas tratar as produções surrea-
min and the Antinomies of
Tradition, Ithaca/Londres, julho de 1925 e fins de janeiro de 1926. listas como “obras de arte” teria sido, neste
Cornell University Press, p.
“Traumkitsch” (“Onirokitsch”) é o título caso, errar o enfoque. O surrealismo havia
213.
deste breve ensaio em que reflete sobre três proclamado “a morte da arte” para voltar-
8iiiiII, p. 622.
produções da primeira etapa do movimen- se programaticamente sobre as formas pró-
9iiiI, p. 1.225 (carta a Max to: o livro de poemas Répetitions (1922) de prias da experiência, sem atender aos “pre-
Horhkheimer de 24 de janei-
ro de 1939). Ver “Eduard Paul Éluard, ilustrado por Max Ernst, o cipitados literários” desta (11). Em
Fuchs, der Sammler und der
Historiker” (1934-37), II, pp.
Manisfesto de Breton e Une Vague de Rêves “Onirokitsch”, Benjamin aceita suas pre-
465 e segs. (1924) de Aragon, verdadeiro catálogo das missas e considera os escritos de Éluard,
10 I, p. 811, nota do ed.; Walter atividades do grupo durante os anos anterio- Breton e Aragon como “documentos”, cujo
Benjamin, “Drei Lebensläufe”, res (5). “Onirokitsch” reúne todas as caracte- estatuto associa, em Direção Única (1923-
in Siegfried Unseld (comp.),
Zur Aktualität Walter rísticas dos textos mais pessoais, esotéricos e 26), às produções das “comunidades pri-
Benjamins. Aus Anlab 80.
Geburstags von Walter Benja- difíceis de Benjamin. Considerado comple- mitivas” (12). O movimento surrealista é,
min, Frankfurt do Meno, 1972, xo demais para a revista Die Literarische Welt, desse modo, reconduzido às suas origens
t. 6, p. 46.
na qual Benjamin naquela época colaborava na rebelião dadaísta.
11 “Der Sürrealismus. Die letze
Momentaufnahme der
com freqüência, acabará publicando-se em Suas criações, para Benjamin, não são
europäische Intelligentz” 1927, sob o título “Glosse zum Surrealismus” arte no sentido de arte autônoma, mas sim
(1929), II, p. 296.
(“Glosa sobre o Surrealismo”), nas páginas “documentos”, testemunhos de “um novo
12 Einbachnstrabe, “Dreizehn de Neue Rundschau, a pedido de Siegfried conceito, afirmativo, de barbárie”, como
Thesen wider Snobisten”, IV,
pp. 107-8. Kracauer (6). escreverá em “Experiência e Pobreza”: em

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seus manifestos, imagens e poemas, “a ais inalcançáveis, proporciona o contraste.
humanidade se prepara para sobreviver “Já não se sonha com a flor azul”, escreve
inclusive, se for preciso, à cultura” (13). Benjamin. “Quem hoje acordar como En-
No entanto, por pouco visível que se rique de Ofterdingen deve ter ficado dor-
manifeste em uma primeira leitura, mindo.” O sonho já não abre “uma distân-
“Onirokitsch” obedece a um plano meticu- cia azul”, como a vislumbrada alguma vez
losamente concebido. O texto consta de tão- pelo personagem de Novalis, nem partici-
somente seis parágrafos que, agrupados aos pa do sublime. “Se tornou cinza. A capa
pares, justapõem – como observou John cinza de pó sobre as coisas é seu melhor
McCole – três grandes linhas de argumen- componente. Os sonhos são agora um ca-
to (14). A primeira procura a determinação minho direto à banalidade.”
do papel dos sonhos no imaginário A banalidade dos sonhos é produto
surrealista, à luz das mudanças provocadas do que Benjamin qualificará como
na estrutura da percepção pelo acelerado “empobrecimento da experiência”
desenvolvimento da técnica e o advento da (Erfahrungsarmut) (15), referindo-se so-
cultura do kitsch. A segunda estabelece uma bretudo àquela geração que, entre 1914 e
conexão entre o kitsch e o mundo 1918, despertou do espesso sonho do sécu-
circundante, que aqui apresenta dois lados: lo XIX – com seus ideais de liberdade, igual-
o kitsch “real” da vida cotidiana, conside- dade e progresso – para o pesadelo do sécu-
rado como o produto de um estado seme- lo XX. Massas humanas, gases, forças elé-
lhante ao sonho, e a cultura material que tricas, bombas, hélices galantearam com o
rodeia a infância. A terceira se serve das cosmos e terminaram afogando, em um mar
imagens oníricas e o kitsch ornamental de sangue, o casamento do homem com a
como signos para detectar a presença la- técnica. A paisagem dos sonhos, exótica e
tente de forças arcaicas na experiência pitoresca no romantismo, exibiu então “a
moderna. Percorrendo o ensaio de forma aridez de um campo de batalha”, como le-
transversal, a noção de “iluminação his- mos em “Onirokitsch”. A Grande Guerra
tórica” (historische Erleuchtung) articu- irrompeu neles, com suas nôminas e esta-
la estes temas em três níveis de análise tísticas, “determinando o justo e o injusto,
diferentes. e inclusive as próprias fronteiras dos so-
nhos”. Dessa catástrofe de escala planetá-
ria nasceu “um mundo de características

II
sem homens, de vivências sem aquele que
as vive”, como disse Robert Musil em O
O manifesto interesse dos Homem sem Atributos (16). Assim como
surrealistas pelos sonhos é agora os homens retornam mudos das trin-
o ponto de partida de cheiras, não mais ricos e sim empobreci-
“Onirokitsch”. “A história dos sonhos ain- dos, vazios de “experiências”
da está para ser escrita”, observa Benjamin (Erfahrungen) comunicáveis, também seus
no primeiro parágrafo, “e abrir uma pers- sonhos se degradaram, mostrando a sujei-
pectiva nela significa assestar um golpe à ção de uns e outros ao estado das coisas.
superstição do seu enraizamento na natu- O empobrecimento da experiência é,
reza através da iluminação histórica”. O para Benjamin, o reverso do enorme pro-
sonhar, sugere, não é um fenômeno gresso alcançado pela técnica. Esta modi-
intemporal, naturalmente dado no homem, ficou essencialmente a relação do homem 13i“Erfahrung und Armut”
(1933), II, p. 219.
mas sim uma forma de experiência histori- com seu contexto cotidiano. O impacto da
14 John McCole, op. cit., p. 214.
camente constituída. Os sonhos estão mudança tecnológica acelerou o processo
imersos na história: sua forma, conteúdo e pelo qual os objetos e as formas da experi- 15 V, p. 218.
função diferem segundo a época à qual ência acabam por tornar-se rapidamente 16 Robert Musil, Der Mann ohne
pertencem. A fascinação romântica pelo obsoletos. “De uma vez só para sempre, a Eigenschafen (1930-32),
Hamburgo, Roowohlt, 1952,
sonho, enquanto incitação à busca de ide- técnica revoga a imagem externa das coi- II, p. 193.

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17 II, p. 620. sas, como notas de banco que perderam “Onirokitsch”, indicando que a arte depen-
18 Einbahnstrabe, “Kaiserpano- validade”, escreve Benjamin, comparando de de certo distanciamento ou desapego que
rama. Reise durch die este fenômeno com o desencadeamento da mais tarde chamará “aura” (19). Segundo
deutsche Inflation”, IV, pp. 94
e segs. inflação alemã em 1923 (17). Como mos- McCole, Benjamin esboçaria aqui um tipo
19 II, p. 622. Em “A Obra de Arte
tra em “Panorama Imperial”, texto dessa de “fenomenologia da experiência onírica”
na Época da sua mesma época recolhido em Direção Úni- elaborada nos termos da antropologia filo-
Reprodutibilidade Técnica”
(1935), Benjamin define a arte ca, a hiperinflação brindou o esquema para sófica de Ludwig Klages, para quem a dis-
da obra de arte como “a ma- uma liquidação por atacado de todos os bens tância perceptiva era um traço fundamen-
nifestação irrepetível de uma
distância” (I, p. 498). que havia no mercado, tanto financeiros tal do que denominava “consciência
20 McCole destaca que as refle- como culturais, até que finalmente o pró- onírica” (20). Provavelmente Benjamin
xões de Benjamin, em “Pro- prio meio de circulação foi liquidado (18). aceitaria esta caracterização, mas só depois
ximidade e Distância” (1922-
23), sobre as teorias de Klages Benjamin acredita que, de maneira aná- de historizá-la: nos sonhos surrealistas, os
são uma fonte importante
para examinar sua noção de
loga, a técnica poderia estar transformando objetos não aparecem marcados pela dis-
kitsch (p. 216). a experiência tão drasticamente a ponto de tância e sim pela proximidade e a
21 II, p. 620. causar uma ruptura no desenvolvimento domesticidade. O que advém neles, o que
histórico. sai ao nosso encontro, é o mundo das coisas
22 Hermann Broch, Dichten und
Erkennen, ed. aos cuidados de A alteração do ritmo da experiência (Dingwelt), cuja quintessência é o kitsch:
Hannah Arendt, Zurich, Rhein
Verlag, 1955, p. 369. comporta uma modificação da distância
entre percipiente e percebido, condição “Agora a mão se agarra a esta imagem uma
essencial de todo modo contemplativo de vez mais no sonho e tateia seus contornos
Giorgio de Chirico, percepção. “O que chamamos arte só co- familiares para despedir-se. Ela toma os
A Conquista meça a dois metros do corpo”, afirma Ben- objetos pelo lugar mais comum. Que nem
do Filósofo, 1914 jamin no último parágrafo de sempre é o mais adequado: as crianças não
apertam um copo, o agarram por dentro. E
que lado a coisa oferece ao sonho? Qual é
o lugar mais comum? É o lado desbotado
pelo hábito e adornado baratamente com
frases feitas. O lado que a coisa oferece ao
sonho é o kitsch” (21).

Este termo (de kitschen, “trapacear”,


“confundir”, e de Kitsch, “quinquilharia”,
“imitação”, “cafonice”) designa toda ma-
nifestação de “mau gosto”, cultivada ou
não: arte, cinema, publicidade, moda, mo-
biliário, objetos cotidianos. Filho da cultu-
ra romântica, de uma era incapaz de produ-
zir valores médios, como observou
Hermann Broch, o kitsch representa uma
“queda vertical” desde o mais alto nível do
gênio ao plano da banalidade (22). Seu
objetivo básico é o efeito belo, o decorati-
vo, a estetização. Historicamente, seu
florescimento aconteceu por volta de 1870,
com o nascimento do que Benjamin chama
a “época da reprodutibilidade técnica” da
obra de arte, que assegura sua difusão ma-
ciça em um mercado cada vez mais amplo,
provocando “o desmoronamento da aura”.
O kitsch satisfaz plenamente a aspiração
das massas de “apoderar-se dos objetos da

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maneira mais próxima possível” (23). Nele vado da possibilidade de atuar sobre o fu-
a técnica se apodera das coisas, já não na turo, horizonte que a técnica arrebatou das
distância perceptiva que abre a imagem à suas mãos, o enigmático e confuso argu-
contemplação, mas sim através do “primei- mento dos sonhos não cifra seu porvir, mas
ro plano” (Aufnahme) da cópia e a reprodu- sim encontra uma chave de interpretação
ção, onde a fugacidade e a possível repeti- na sua infância. Em “Onirokitsch”, Benja-
ção se acham imbricadas de maneira tão min associa as imagens oníricas a um pe-
estreita como naquela a singularidade e a queno “livro de ilustrações” para crianças,
perduração. cujas páginas dispostas em forma de sanfo-
Receptivo a essas mudanças na estrutu- na “caem no chão com estrépido” (27). Ao
ra da percepção, o surrealismo se encon- pé de cada página pode-se ler estranhos
trou com o kitsch ao tentar produzir aquele versos rimados que parecem adivinhas:
tipo de arte que necessita de uma distância “Meu amante de grande beleza é a tibie-
contemplativa. Em Une Vague de Rêves, za”, “Uma medalha com polimento para o
Louis Aragon mostra como, por volta de grande aborrecimento”, “Alguém no cor-
1922, “uma epidemia de sonhos” se abateu redor me deseja a morte com rancor” (28).
sobre o grupo (24). “Os jovens pareciam Os surrealistas idealizaram estes livros nos
ter descoberto o segredo da poesia”, co- quais abundam adivinhas acompanhadas de
menta Benjamin, “quando na realidade não ilustrações não menos inquietantes:
faziam outra coisa que aboli-la, ao mesmo
tempo das forças mais intensas da época” “Paul Éluard chamou de Répetitions um
(25). Os experimentos surrealistas com a envelope em cuja frente Max Ernst dese-
escrita automática, o hipnotismo e as dro- nhou quatro crianças. Estas dão as costas
gas foram proveitosos, porque proporcio- ao leitor, ao professor e à cátedra e olham
naram outra via de acesso a aspectos cruciais para fora por cima de uma balaustrada, onde
da consciência moderna que, no terreno da no ar há um balão. Com sua ponta balança
arte, haviam sido antecipados por poetas sobre a varanda um lápis gigantesco” (29).
como Rimbaud, Mallarmé e Lautreámont:
a alteração acelerada das formas da experi- A descrição serve a Benjamin para in-
ência e a alteração do ritmo mesmo da per- troduzir o segundo tema do seu ensaio. “A
cepção. Nada mais alheio às aspirações do repetição da experiência infantil dá o que
surrealismo que a idéia de neutralizar tais pensar”, escreve na linha seguinte e acres-
achados, reconduzindo-os à esfera autôno- centa: “Quando éramos crianças, não exis-
ma da arte. O verdadeiro fim da aventura tia o angustiante protesto contra o mundo 23 I, p. 499.
surrealista não era produzir obras artísti- dos nossos pais” (30). Na infância não co-
24 Louis Aragon, Une Vague de
cas, mas sim enfrentar as conseqüências nhecíamos senão a extrema facilidade de Rêves (Paris, Commerce, ou-
dessa mudança nas relações entre o sujeito todas as coisas. Os objetos mais banais nos tono de 1924), Paris, Seghers,
1990, p. 17.
e o mundo de objetos circundante. pareciam então dotados de um prodigioso
25 II, p. 621.
encanto. A imaginação não precisava ir
muito longe: tudo “estava tão próximo”, as 26 André Breton, Manifeste du
Surréalisme (Paris, Éditions du
piores condições materiais tornavam-se Sagittaire, 1924), Paris,

III
Gallimard, 1985, p. 13.
excelentes.
“Quando crianças nos mostrávamos 27 II, p. 620.
“O homem, este so- superiores nisso.” Nossa confiança na vida 28iIdem, infra. Em francês no ori-
nhador definitivo”, real permanecia intacta: ao abraçar os ob- ginal.

escreve Breton no jetos mais banais, “abraçávamos o bom”, 29iiII, pp. 620-1. Ver o frontispício
de: Paul Éluard, Répetitions,
Manifesto do Surrealismo, “cada dia mais que estava sempre ao alcance da mão. O Paris, Au Sans Pareil, 1922.
insatisfeito com sua sorte, dá voltas cansa- kitsch é a forma com a qual experimenta- O conteúdo do livro foi par-
cialmente reunido em:
tivamente ao redor dos objetos que se viu mos o contexto cotidiano durante a infân- Capitale de la Douleur, Paris,
obrigado a usar” (26). Uma grande modés- cia. Todos os ornamentos da vigília servi- Gallimard, 1973.

tia constitui atualmente seu patrimônio: pri- am então para armar cenários: o mundo dos 30 II, p. 621.

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nossos pais se abria como uma paisagem e se opõe à arte como o amor à beleza, ou se
se fechava como um salão. Benjamin des- se preferir, como o sonho ao despertar.
taca esta faceta ornamental, a meada de Unicamente a poesia, “sustentando uma
“íntimos entrelaçamentos” que recobrem a realidade preciosa e frágil”, estende uma
experiência infantil: “Ali há empatia das ponte entre ambos os mundos: suas ima-
almas, amor, kitsch”. gens são o que a noite conta ao dia. Influ-
Benjamin pensa, como Georges enciado por Marcel Proust, cuja obra co-
Bataille, que “a literatura é a infância afinal meçou a traduzir em 1926, Benjamin vê na
recuperada” (31). Isto posto, se a obra de lembrança, na mémoire involontaire, o pro-
arte se funda na distância que configura o cesso em que “irrompe o verdadeiro rosto
fenômeno da aura, “no kitsch o mundo das surrealista da existência” (33). Efetivamen-
coisas volta a se aproximar do homem” (32). te, o kitsch aparece em cada fenômeno
Desde a perspectiva de Benjamin, o kitsch moderno em que emerge o ornamento,
Exposição
Internacional
do Surrealismo,
Paris, 1938

31 Georges Bataille, La Littérature


et le Mal (1957), Paris,
Gallimard, 1994, p. 10. Sobre
as relações de Benjamin com
Contre-Attaque, nome adota-
do pela efêmera fusão dos
grupos de Bataille e Breton,
ver: Pierre Klossowski, “En-
tre Marx et Fourier”, in Le
Monde, Paris, 31 de maio de
1969.

32 II, p. 623.

33 “Zum Bilde Proust” (1929), II,


p. 314.

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desde o sobrecarregado interior burguês, “O surrealismo se dedicou a restabelecer o
onde prolifera, até a sentimentalidade e a diálogo na sua verdade essencial. Os
verbosidade das conversas que povoam seu interlocutores são liberados da obrigação
pequeno espaço. Uma pintura de James da cortesia. Quem fala não vai deduzir uma
Esnor, intitulada Le Meuble Hanté, que tese. Quanto à resposta, esta não repara por
Benjamin descreve em um artigo da mes- princípio no amor próprio do que falou. As
ma época, capta em uma atmosfera som- palavras e as imagens não servem ao espí-
bria o conteúdo dessa experiência: rito daquele que escuta mais do que um
trampolim” (38).
“Um menino sentado, perto de uma mesa
alta, diante de um livro aberto entre outros. O “mal-entendido dialógico” que pro-
Do seu lado, a mãe, ocupada em tarefas do piciam os surrealistas, sugere Benjamin,
lar. Do forro do teto, de um aparador gigan- encontra um correlato na linguagem dos
tesco, embaixo da mesa, surgem máscaras. sonhos. Expressão de “o que está vivo no
Mudo, o menino olha fixamente, os olhos diálogo” representa a própria prosódia do
bem abertos, não por cima das máscaras inconsciente, “o ritmo com o qual a única
que seu olhar desperta ao redor, mesmo que verdadeira realidade abre caminho na
não as veja, mas sim diante de si” (34). conversação”. É por isso que Benjamin
pode dizer: “Quanto mais verdadeiramen-
Esses cenários oferecem, segundo Ben- te um homem sabe falar, tanto mais feliz-
jamin, “a imagem mais acabada da nossa mente é mal-entendido”. Nesse diálogo,
maneira de sentir” (35). O kitsch do mundo o mesmo que na linguagem dos sonhos, o
34 “Möbel und Masken. Aur
dos pais, a cultura material que rodeia a sentido não jaz nas palavras, mas sim Ausstellung James Ensor bei
infância, define as formas em que os obje- debaixo delas. Como escreve em um de Barbazanges, Paris” (1926),
IV, p. 478.
tos familiares transpassaram as fronteiras seus primeiros fragmentos sobre estéti-
dos sonhos. Isso determina que, nos alvores 35 II, p. 622.
ca: “As palavras no sonho são um produ-
do século XX, o sonhar não participe do to conturbado do sentido, que não reside 36 Ver Sigmund Freud, “Das
Unheimliche” (1919),
sublime, mas sim do “sinistro” senão na continuidade sem palavras de Gesammelte Werke, ed. aos
(Unheimlich), no sentido que esse termo um fluxo” (39). Coerente com esta pro- cuidados de Anna Freud,
Frankfurt do Meno, S.
tem para Freud (36). O kitsch é em si mes- posta, Benjamin mantém em sua inter- Fiscsher (1947), 4a reimp.,
1972, XII, pp. 229-68.
mo um pesadelo, uma projeção de escuras pretação do kitsch os dois níveis do es-
pulsações e desejos reprimidos. Nessa quema psicanalítico do sonho – conteú- 37 McCole, op. cit., p. 214.
constatação reside o duplo sentido do enig- do manifesto e idéia latente, superfície 38 II, p. 622. Benjamin por outro
mático título de Benjamin: assim como o ilusória e significado oculto –, mas se lado reescreve a Breton e
omite, deliberadamente (?),
kitsch onírico não é senão o espelho inver- nega a admitir que o mundo da vigília algumas linhas. Cf. André
Breton, Manifeste du
tido da banalidade, o kitsch real da experi- seja somente uma superfície não-essen- Surréalisme, op. cit., p. 47. “Le
ência cotidiana pode ser visto como o pro- cial, sob a qual permanece oculta uma surréalisme poétique, auquel
je consacre cete étude, s’est
duto de um estado semelhante ao sonho. O mensagem psíquica. appliqué ‘ici à retablir dansse
verité absolue le dialogue, en
mundo da vigília, que consideramos cons- Por paradoxal que pareça, Benjamin dégageant les deux
cientemente produzido, se revela um cam- se volta para o surrealismo em busca de interlouteurs des obligations de
la politesse. Chacun d’eux
po de elaborações inconscientes. Como um conceito não-psicológico do trabalho poursuit simplement son
assinala McCole, a própria idéia de onírico. Do seu ponto de vista, os sonhos soliloque, san chercher à en
tirer un plaisir dialectique
“Onirokitsch” remete ao que Freud chama não são chaves de conflitos psíquicos in- particulier et à imposer le
moins du monde à son voisin.
“psicopatologia da vida cotidiana” (37). dividuais, mas sim um meio em que se põe Le propos tenus n’on pas,
Mas enquanto a psicanálise traça esta pato- em jogo uma dimensão primordial das re- comme d’ordinaire, pour but le
developpement d’une th’waw,
logia in marginalia como lapsos da fala – lações intersubjetivas. Seu procedimento aussi désaffectés que possible.
Quant à la réponse qu’ils
cortes na fachada da racionalidade intencio- apenas guarda alguma semelhança com a appellent, elle est, en principe,
nal –, Benjamin cita entre aspas o Manifes- interpretação freudiana dos sonhos. Como totalement indifférente à
l’amour-propre de celui qui a
to do Surrealismo para mostrar que o “mal- explicou Adorno no seu ensaio sobre Di- parlé”.
entendido dialógico” governa as relações reção Única, “os sonhos não são conside-
39 “< Aphorismen>“ (1917), II,
intersubjetivas: rados por Benjamin como símbolos de um p. 601.

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componente psíquico inconsciente, mas sim sonho e na conversa para absorver a ener-
literal e objetivamente examinados” (40). gia do extinto mundo das coisas” (44).
Para dizê-lo em termos psicanalíticos, o que
interessa a Benjamin é o conteúdo mani- Benjamin reconhece na psicanálise o
festo dos sonhos, não o pensamento laten- descobrimento da “anamorfose
te. Na própria forma de representação [Vexierbild] como esquematismo do traba-
onírica, procura determinar aquela verda- lho onírico”: as imagens dos sonhos são
de residual que se derramou sobre a super- pictogramas disformes e equívocos, seme-
fície. O resto diurno, como observou Ador- lhantes a adivinhas ou quebra-cabeças, cujo
no, não é analisado à luz da sua origem conteúdo manifesto deve ser decifrado
psicológica, “mas sim das advertências como um hieróglifo (45). Mas enquanto
proverbiais, mas extremamente atuais, que Freud, em última instância, considera tal
os sonhos fazem à vigília e que a razão em conteúdo como a elaboração secundária de
geral despreza”. um material psíquico subjacente, Benjamin
prefere uma das variações surrealistas da
teoria dos sonhos. Entre as experiências
capitais do grupo, encontra-se a percepção

IV
de certos objetos; configurações e lugares
do mundo da vigília aparecem às vezes
A vinculação que se revestidos de uma misteriosa luminosidade,
estabelece no surrea- em si mesmos dotados de uma qualidade
lismo entre o kitsch fantasmagórica que se abre a esse “estado
do sonho e o mundo da infância é, para de devaneio” que Gérard de Nerval cha-
Benjamin, sua marca de nascimento e o mou “supernaturalista”. Benjamin obser-
sinal da sua radical modernidade. Mais va que os surrealistas “estão menos sobre a
além do que possa a concepção progra- impressão da alma que sobre a das coisas”.
mática do movimento, sua afinidade com Eles nos propõem interrogá-las, como “um
a psicanálise não se funda tanto no sim- oculto Guillermo Tell surgindo das entra-
40iTheodor W. Adorno, nhas do bosque para decifrar os contornos
“Benjamins Einbanstrabe”, in
bolismo das imagens oníricas como no
VVAA, Über Walter Benjamin, fato de que, em suas investigações com a da banalidade como uma imagem
Frankfurt do Meno,
Suhrkamp, 1968, p. 56. escrita automática, o hipnotismo e os so- anamórfica [Vexierbild], ou para respon-
nhos provocados, se atualiza uma “cena der à pergunta: Onde está a noiva?” (46).
41iVer Freud, “Aus der
Geschichte einer infantilen originária” (Urszene) (41). Na repetição O kitsch mesmo é, sem dúvida, um fe-
Neurose” (1914-1918), XVII,
pp. 40 e segs. Y 155. da experiência infantil, os surrealistas nômeno histórico do passado recente, do
se vêem confrontados com o “contexto mundo em que Benjamin e os surrealistas
42 II, p. 622.
da segunda metade do século dezenove” cresceram. Mas a fonte do seu poder re-
43 Idem, p. 621. (42), cujas formas familiares vêm des- monta muito mais atrás na história huma-
44 Idem, p. 622. vanecer-se diante dos seus olhos. De- na: é a marca de uma experiência atávica,
45 Freud, Die Traumdeutung senhando pela última vez seus perfis, literalmente primordial, que funde suas
(1900-1901), II-III, pp. 3 e segs. levando os objetos a uma proximidade raízes em um passado arcaico. Uma torção
e 283 e segs. Ver, também,
“Über den Traum”, II-III, p. tátil como numa carícia de despedida, no texto põe precisamente em destaque essa
680. Embora a tradição psi- duplicidade: a correlação entre a idéia de
canalítica em língua espanho-
tratam de “penetrar o coração das coi-
la tenha traduzido Vexierbild sas obsoletas [abgeschafft]” (43) com “penetrar o coração das coisas obsoletas” e
como “hieróglifo”, considera-
mos mais correto fazê-lo o propósito de recuperar o poder sim- a de “absorver a energia do extinto mundo
como “anamorfosis”, segun- bólico da infância: das coisas” indica a presença latente, no
do o significado que o termo
alemão tem para a história da horizonte da cultura de massas, de um
pintura. Cf. Jacques Lacan, Les
Quatre Concepts Fonda- “No matagal da pré-história [Urgeschichte] substrato mítico cujas poderosas forças
mentaux de la Psychoanalyse procuram a árvore totêmica dos objetos. A ainda permanecem ativas. Isso é o que con-
(Livro XI de Le Séminaire),
Paris, Éditions du Seuil, 1973, suprema zombaria desta árvore totêmica, a fere às imagens surrealistas o caráter de
pp. 75-84. ilustrações infantis da modernidade. Aven-
última de todas, é o kitsch. Este é a última
46 II, p. 621. máscara de banalidade que revestimos no turando-se na espessura do interior burguês

180 R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 3 ) : X X - X X , M A R Ç O / M A I O 1 9 9 7
do século XIX, o surrealismo desembocou por Benjamin em A Origem do Drama
no “matagal da pré-história”. No coração Barroco Alemão (54). O surrealismo –
desse “bosque primordial” (Urwald), que “nova arte alegórica da flânerie” (55) –
Benjamin se proporá “desmatar” em penetra as vitrines das lojas, idealizando o
Pariser Passagen, oculta-se o fetiche da valor de troca das mercadorias e colocando
mercadoria (47). seu valor de uso num segundo plano. Des-
Susan Buck-Morss, baseada nos escri- pojadas do seu valor de uso, as mercado-
tos de Max Weber, adverte que a idéia da rias não resultam a seus olhos senão feti-
modernidade como desmitificação e desen- ches, notas recordatórias daqueles objetos
cantamento era já um lugar-comum na dé- sobre os quais, em outro tempo, se pousou
cada de 20. Em contraste, o argumento o desejo. Enquanto as coisas, segundo seu
central de Benjamin em Passagen-Werk – valor, são convocadas para algo completa-
sublinha – é que, sob as condições do capi- mente novo, o consumo retifica seu valor
talismo, a industrialização teria provocado de troca e transforma as mercadorias em
um “reencantamento do mundo social”, naturezas mortas. Utopia da dor, pictograma
acompanhado de uma reativação das for- em que a vida e a morte se unem como em
ças míticas (48). As teses de Weber postu- um fragmento amorfo, o mundo em ruínas
lam, efetivamente, o triunfo da razão abs- que pinta o surrealismo é o ornamento da
trata e formal, nos séculos XVIII e XIX, modernidade, o melancólico cenário onde
como princípio organizador das estruturas os sonhos de uma época se imobilizam.
da produção, o mercado, a burocracia esta- As noções de “imagem dialética” e
tal e todas as formas culturais (49). Mas “dialética detida” formam precisamente
embora as instituições tenham se raciona- as categorias centrais de Passagen-Werk.
lizado, esse processo atribuiu conteúdo ao Sua significação, no entanto, é mutante e
desencadeamento de forças muito diferen- nunca chega a traduzir-se em uma termi-
tes. Sob a superfície de uma racionalização nologia coerente. No primeiro exposé de
crescente, em um nível “onírico”, o novo “Paris, Capital do Século XIX” (1935),
mundo urbano industrial tem sido plena- Benjamin situa as imagens dialéticas,
mente reencantado. Na cidade moderna, que enquanto “imagens de desejo”
o flâneur surrealista recorre como um so- (Wunschbilder), no inconsciente coletivo
nâmbulo, o “ameaçador e fascinante rosto” que, ao receber “o impulso do novo”, ori-
(50) do mito que sai ao encontro em todos enta seu “imaginário” (Bildphantasie) para 47 V, p. 1.010 (Go, II).

os lugares. Aparece nos cartazes de rua que um passado arcaico. “No sonho no qual, 48 Susan Buck-Morss, The
Dialectics of Seeing. Walter
anunciam “pasta dentifrícia para gigantes” ante os olhos de cada época, aparece em Benjamin and the Arcades
(51) e murmura sua presença nos diagra- imagens a que segue” – escreve Benjamin Project, Cambridge,
Massachusetts/Londres, The
mas urbanos mais racionalistas que, “com –, “esta última se apresenta misturada com MIT Press, 1989, pp. 253-4.
suas ruas uniformes e infinitas filas de edi- elementos da pré-história [Urgeschichte],
49 Cf., por exemplo, a observa-
fícios, realizaram o sonho arquitetônico da quer dizer de uma sociedade sem classes” ção preliminar a Die
Protestantische Ethike und der
antigüidade: o labirinto” (52). (56). As experiências passadas, deposita- Geist des Kaapitalismus
O mito aflora, prototipicamente, nas das no imaginário coletivo, interpenetram- [1904-05]: em Max Weber,
Gesammelte Aufsätze zur
passagens, onde “as mercadorias estão se com o novo para engendrar a utopia. Reliogionssoziologe, Tübingen,
Mohr, 1922, pp. 12 e segs.
suspensas e amontoadas entre si em tão Em outras palavras, a modernidade cita a
estreita confusão que parecem imagens ti- pré-história graças à ambigüidade própria 50 V, p. 96.
radas dos sonhos mais incoerentes” (53). O das produções e às relações sociais do 51 IV, p. 132.
olhar que, por obra desse reencantamento, capitalismo:
52 V, p. 1.007 (Fo, 13).
transforma as mercadorias em “imagens
53 Idem, p. 993 (Ao, 5).
dialéticas” é o do flâneur sobre a “paisa- “A ambigüidade é a manifestação em ima-
gem petrificada do consumo” gem da dialética, a lei da dialética detida. 54 Ursprung des deutschen
Trauerspiels, I, p. 343.
(Urlandschaft der Konsumtio). Seu olhar Esta detenção é utopia e a imagem é, por-
congelado evoca o da Górgona sobre a tanto, imagem onírica. A mercadoria con- 55 V, p. 1.000 (Do, I).

“facies hippocratica da história”, descrita siderada absolutamente proporciona uma 56 Idem, p. 47.

R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 3 ) : X X - X X , M A R Ç O / M A I O 1 9 9 7 181
imagem assim, como fetiche. Uma imagem dos sonhos como da palavra e a imagem, é
assim proporcionam as passagens, que são um ser que poderia chamar-se o ‘homem
ao mesmo tempo casa e rua” (57). mobiliado’ [der möblierte Mensch]” (59).

Estas formulações receberão, até 1938,

V
a crítica decisiva de Adorno, que se nega a
admitir que a imagem dialética possa ser “o
modo de percepção do caráter fetiche na Como observa McCole, a
consciência coletiva”. O fetichismo da noção de “iluminação histó-
mercadoria não é, nas suas palavras, um rica” (historische Erleutung)
“fato de consciência” (58). Impressionado invocada no começo de “Onirokitsch” ar-
pelas derivações que Adorno faz, Benja- ticula o conjunto destes temas em três ní-
min abandonará em seguida esse tipo de veis de análise diferentes (60). O primeiro
reflexão e, no segundo exposé de 1939, não procura destacar que o sonho não é um fe-
falará das passagens mais que tangen- nômeno intemporal, naturalmente dado no
cialmente. Não obstante, a idéia de uma homem, mas sim uma experiência histori-
imersão no mundo das coisas, nas formas camente construída. Os comentários de
próprias da consciência mítica, como con- Benjamin, no entanto, podem resultar um
dição necessária para liberar-se delas, con- tanto vagos, já que não se fundam em um
tinuará sendo uma constante na sua estudo das condições efetivas do trabalho
produção teórica. A idéia de uma supera- onírico. Suas reflexões sobre os românti-
ção (Aufhebung) social e cultural que, ab- cos e os surrealistas parecem antes orien-
sorvendo as energias do passado produzirá tar-se exclusivamente para as imagens lite-
uma humanidade racialmente nova, é ante- rárias dos sonhos. Benjamin, efetivamen-
cipada de um modo geral nas linhas finais te, não está senão indiretamente preocupa-
de “Onirokitsch”: do pelo que de verdade passa durante o
sonho. O que realmente lhe interessa é que
“O homem novo [der neue Mensch] tem o mundo da vigília possa ser lido como um
em si a completa quintessência das velhas produto de projeções inconscientes análo-
formas, e o que em confronto com o con- gas aos sonhos. O sentido em que tais so-
torno da segunda metade do século nhos têm uma história é, para Benjamin,
dezenove se configura, semelhante artista suscetível de demonstração, tópico que

Max Ernst,
A Cidade
Petrificada, 1929

57 Idem, p. 55.

58 Idem, p. 1.128 (carta de 2 de


agosto de 1935).

59 II, p. 622.

60 McCole, op.cit., pp. 219-20.

182 R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 3 ) : X X - X X , M A R Ç O / M A I O 1 9 9 7
abordará mais tarde em Passagen-Werk. a distância perceptiva que possibilita a arte,
O segundo nível de iluminação históri- a técnica ensinou aos surrealistas uma nova
ca é a relação entre o passado recente e maneira de olhar. Como Benjamin assinala-
específico – a segunda metade do século rá mais tarde ao descrever sua própria ótica
XIX – e o passado arcaico da “pré-história” dialética, o que conta não é tanto a situação
(Urgeschichte). Segundo McCole, o enla- histórica concreta do objeto ao qual nos
ce entre ambos os passados, tão crucial para aplicamos quanto “a situação histórica con-
seu argumento, está dado por sua peculiar creta do interesse que tem este objeto” (63)
concepção da infância. Benjamin parece em um presente determinado. A
assumir que a ontogenia repete a filogenia: historicidade das imagens oníricas não só
a experiência da infância recapitularia as significa que pertencem a uma dada época,
mais prematuras etapas do desenvolvimen- mas sim que chegam a ser legíveis desde a
to da espécie humana (61). Essa noção era perspectiva de certas situações posteriores.
um lugar-comum das teorias evolucio- A verdade histórica é gerada pelo contato
nistas, tanto científicas como pseudocien- entre o presente e momentos ou conjunturas
tíficas, de princípios do século. Benjamin específicas do passado. As formulações
alude ao animismo, ao totemismo, à magia densas e evocativas de “Onirokitsch” tra-
e ao mito, embora sem grande precisão. çam assim uma linha divisória na orienta-
Seu ecletismo, observa McCole, informa ção epistemológica de Benjamin, para quem
sobre o uso deliberadamente não-conven- a necessidade de definir a relação entre a
cional que se faz dessas referências. Benja- cultura da segunda metade do século XIX e
min, efetivamente, não está interessado nas seu próprio presente será uma das questões
concepções evolucionistas, mas se apro- cruciais de Passagen-Werk.
pria desses discursos para desmontá-los e A evolução do conceito de sonho segue
fazer visíveis as regressões históricas nas em Benjamin um curso diferente que em
sociedades avançadas. A iluminação que Breton. Este último começa, efetivamente,
tem em mente busca na fantasia das crian- por dar-lhe uma significação relativamen-
ças uma chave para penetrar no mundo da te extensiva. Quando no Manifesto do
técnica, cujas correspondências com o Surrealismo define o homem como um
mundo mítico saltam à vista do observa- “sonhador definitivo”, engloba no campo
dor, como se depreende do seguinte frag- das imagens oníricas não só as visões da
mento de Pariser Passagen: utopia e os jogos da imaginação, mas tam-
bém o simples devaneio. Daí para frente,
“Tarefa da infância: integrar o novo mun- Breton não cessará, no entanto, de circuns-
do ao espaço simbólico. A criança, efetiva- crever os limites do sonho, precisando cada
mente, pode fazer o que o adulto é absolu- vez mais seus contornos. Chegará inclusi-
tamente incapaz: saber recordar o novo. As ve a ver na nitidez dessa demarcação a
locomotivas têm já para nós um caráter forma de eliminar a distinção entre o
simbólico porque as vimos em nossa infân- mundo do sonho e o mundo da vigília, tão
cia. Mas nossos filhos percebem o dos au- encoberta como aquela que separa a poe-
tomóveis, nos quais nós não vemos mais sia da prosa. Benjamin, em compensação,
que o lado novidadeiro, elegante, moder- a partir de “Onirokitsch”, não deixará de
no, desencantado” (62). estender seu campo de aplicações. Rita
Bischof e Elisabeth Lenk distinguem nes-
McCole destaca, por último, um terceiro sa evolução três grandes etapas: primeira-
nível da iluminação histórica: um enfático mente, a abolição da diferença entre o
conceito do agora (Jetztzeit), um específico sonho e a vigília, suplantada por toda uma
locus histórico, uma constelação particular gama de estados intermediários; em se- 61 Idem, ibidem, p. 219.

de forças no presente abre o caminho para gundo lugar, a supressão do critério limi- 62 V, p. 492 (K 1a, 3) e p. 1.024
penetrar nas formas do passado. Consumin- tativo, fundamental para Freud, que faz (Mo, 20).

do a imagem externa das coisas e alterando do sonho um fenômeno estritamente indi- 63 Idem, p. 1.026 (Oo, 5).

R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 3 ) : X X - X X , M A R Ç O / M A I O 1 9 9 7 183
Valentine Hugo,
Constelação, 1935.
Acima: Paul
Éluard, André
Breton, Tristan
Tzara. Abaixo:
Benjamin Péret,
René Crevel,
René Char

vidual, vivido por um corpo sensível; por pousa sobre a cidade, diz Benjamin em
último, a extensão da experiência onírica a Pariser Passagen, é o olhar do depaysé.
uma coletividade (64). Como uma nova Odisséia urbana, o paysan
O passo desta acepção estendida a um de Aragon não se aprofunda, no entanto, na
64 Rita Bischof e Elisabeth Lenk, novo conceito do sonho se produziria, se- distância mas sim no passado, onde as ruas
“L’Intrication Surréele du
Rêve et de l’Histoire dans les
gundo Bischof e Lenk, naquele estado de se apresentam como “o interior familiar e
Passages de Benjamin”, in devaneio, intermediário entre a represen- mobiliado das massas” (65). Que se trate
Heinz Wismann (comp.),
Walter Benjamin et Paris, Pa- tação e a percepção, que Benjamin atribui de Paris ou de Berlim, pouco importa: uma
ris, Cerf, 1986, pp. 181-2.
ao flâneur e cuja experiência ele mesmo infância, que não necessariamente coinci-
65 V, p. 1.052 (do, 4). realiza. O olhar que este passeante solitário de com seu próprio passado, mas sim “uma

184 R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 3 ) : X X - X X , M A R Ç O / M A I O 1 9 9 7
infância anteriormente vivida” (66), tanto coletivo. Este as interpreta, as explica; elas
por ele mesmo como por um ancestral, sai encontram sua expressão no sonho e sua
ao seu encontro em cada loja, cada anúncio interpretação no despertar” (69).
publicitário, cada rosto de mulher refletido
numa vitrine. O espaço sobrevém tempo A influência surrealista, e de um modo
(Zeitraum) e o tempo, sonho (Zeit-traum) mais imediato a impressão deixada pela
(67): enquanto perambula pela cidade, seu leitura de Une Vague de Rêves, induziu
duplo espectral o segue pelo interior das Benjamin, talvez a pedidos de certos mem-
casas, atravessando os muros com passo bros do grupo, a transcrever seus sonhos.
ligeiro. Essa é a origem dos sonhos publicados em
1928 por Ignaz Jesower em seu Buch der
Traumes, alguns dos quais reaparecem nas

VI
obras de Benjamin, sobretudo em Direção
Única e Denkbilder (1931-33). Num des-
As ruas, diz Ben- ses sonhos, que Bischof e Lenk analisam
jamin em Pariser detidamente, relata nada menos que uma
Passagen, consti- iniciação à vidência. “Eu via tudo ainda
tuem “a morada do coletivo [das Wohnraum que estivesse cego”, escreve ali Benjamin
des Kollectivums]” (68). Como o “Homem (70). A cegueira que golpeia ironicamente
da Multidão” de Edgar Allan Poe, “o cole- o “vidente” é a marca de sua evocação.
tivo é um ser que está sempre em movi- Alguém – um rival, mas também um anjo
mento, sempre agitado, que vive, experi- com rosto de demônio – quebra uma vari-
menta, conhece e inventa tanto as coisas nha sobre sua cabeça dizendo: “Sei que és
entre as fachadas como os indivíduos ao o profeta Daniel”. Mas Daniel não era so-
abrigo de seus muros”. Enquanto dorme, mente “profeta”, ou melhor dizendo, o era
ignora a história. Os acontecimentos se de- no sentido mais pleno da palavra prophetes,
senvolvem para ele mecanicamente, pro- com a que se traduziu o termo nabi do
duzindo ao seu redor uma ilusão de pro- hebraico, que significa ao mesmo tempo
gresso. A sensação do totalmente novo, do “profeta” e “intérprete”. Daniel teve o
totalmente moderno é, efetivamente, uma mesmo sonho que Nabucodonosor, e Deus,
forma de sobrevir tão onírica como o eter- ao outorgá-lo, concedeu-lhe também sua
no retorno do mesmo. A cultura industrial interpretação.
encontra, na retificação dos poderes da téc- Em Konvult N de Passagen-Werk, Ben-
nica, sua correspondência com o mundo jamin assimila a tarefa do historiador ao
simbólico do mito. Os deuses proliferam “trabalho de interpretação dos sonhos” e
na sociedade de consumo, mas suas mági- sugere que a realidade do século XIX “pode
cas são parciais: eles mesmos resultam tão ser lida como um texto” (71). Isso quer dizer
transitórios como o mutante momento his- que teria imaginado esse projeto como uma
tórico em que são gerados. Quando suas “chave de sonhos”, como o livro dos so- 66 Idem, p. 1.053 (eo, 1).
formas se dissipam na consciência nhos daqueles que velam? Sendo assim, nos
67 Idem, p. 491 (K 1, 4).
esclarecida, ficam evidentes as condições enfrentamos com uma dificuldade
68 Idem, p. 1.051 (do, 1).
econômicas das que são expressão: epistemológica. Em sua crítica do primeiro
exposé de “Paris, Capital do Século XIX”, 69 Idem, p. 1.023 (Mo, 14).

“As condições econômicas que se impõem Adorno fez notar a Benjamin que nem sem- 70 “Der Seher”, in “Selbst-
à sociedade não determinam somente a pre seria fácil discernir sua teoria de uma bildnisse des Träumenden”,
Denkbilder, IV, pp. 421-2.
existência material e a superestrutura ide- “consciência coletiva” das concepções Parcialmente reproduzido
em Passagen-Werk, V, p. 516
ológica: elas encontram também uma ex- mitologizantes de Ludwig Klages e Ernst (L 2, 7). Cf. Bischof e Lenk,
pressão. O estômago cheio de um homem Jung (72). Mas a pergunta de fundo parece op. cit., pp. 180-5.

que dorme não encontra sua superestrutura ser a seguinte: o que é um sonho coletivo? 71 V, p. 580 (N 4, 1) e (N 4, 2).
ideológica no conteúdo do sonho. O mes- Quais são, efetivamente, os critérios que
72 V, p. 1.130 (carta de 2 de
mo ocorre com as condições de vida para o permitem distinguir o sonho, no sentido agosto de 1935).

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entendido por Benjamin, de outros concei- Drama Barroco Alemão, que datou em
tos, como os de ideologia, utopia, mito, julho de 1925, Benjamin se retrata como o
fantasmagoria? Existiria nada mais que um cozinheiro que a arrancou brutalmente de
só sujeito coletivo, ou as diferentes coletivi- seu sonho “ao dar uma ressonante bofetada
dades (as classes sociais, por exemplo) teri- no confeiteiro, cujo eco atravessou o palá-
am sonhos que diferem entre si? cio com a força reprimida de muitos anos”
Consciente dos perigos dessa confusão (76). Que Benjamin tenha escolhido o ter-
conceitual, Benjamin adverte: “Os primei- mo Feerie em vez de Märchen, como pre-
ros estímulos do despertar conduzem ao cisou Irving Wohlfarth, resulta significati-
sonho mais profundo”. Essas palavras, vo: sugere que Benjamin não se propunha
como assinala Buck-Morss, remetem ao a contar um conto de fadas seguindo uma
kitsch de fins do século XIX, em cuja ar- forma narrativa, prática que, em seu ensaio
quitetura de interiores se condensa o esta- de 1936, “O Narrador”, consideraria pre-
do onírico (73). Tratando de rechaçar o cária para os tempos modernos, mas sim
kitsch, os defensores do Jugendstil o des- compor uma cena encantada, transforman-
locaram ao “ar livre”, mas não puderam do as imagens oníricas em imagens
evitar conceber o espaço exterior como dialéticas através da montagem das repre-
uma fantasmagoria, regrada pela “luz ar- sentações históricas (77).
tificial e o isolamento em que os anúncios No seu ensaio “O Surrealismo” de 1929,
representam seus objetos”: o Jugendstil Benjamin compara esse procedimento com
não foi senão “o sonho em que um só está um truque de mágica: “A treta que domina
acordado” (74). Foi o surrealismo, com este mundo de coisas – é mais honesto falar
sua “onda de sonhos”, o primeiro que fez aqui de treta que de método – consiste em
soar o sinal de alarme. O propósito de substituir o olhar histórico sobre o passado
Benjamin, ao recolher sua herança, foi pelo olhar político” (78). O propósito de
conectar o shock do despertar com a dis- Benjamin, podemos dizer, será transformar
ciplina da lembrança e mobilizar desta essa argúcia, esse estratagema em “método
maneira os objetos históricos: dialético”. Identificando o momento do
despertar com o “agora da cognoscibili-
“Construímos um despertar, uma ‘diana’ dade” (Jetz der Erkennbarkeit) em que as
que sacode o kitsch do século anterior e o coisas mostram seu verdadeiro “rosto
convoca a ‘assembléia’. A verdadeira su- surrealista”, a arte da montagem estará a
peração de uma época tem a estrutura do serviço do historiador que daqui por diante
73 Buck-Morss, op. cit., p. 272.
despertar na mesma medida em que está procurará, não mais interpretar, mas sim
74 “Der Surrealismus”, II, p. 307. inteiramente regida pela astúcia. É com “somente mostrar”, apresentar a expressão
75 V, p. 1.058 (ho, 3). argúcia [mit Lust] e só com ela que nos da economia em uma cultura: “dissolver a
subtraímos ao reino do sonho” (75). ‘mitologia’ no espaço da história” (79).
76 I, pp. 901-2 (carta a Scholem
de 5 de abril de 1925). Provavelmente nenhum outro texto expli-
77 Citado por Buck-Morss, op.
O uso da palavra “argúcia”, de claras que melhor o alcance desta “revolução
cit., p. 460, nota 91. Cf., tam- conotações hegelianas, é sem dúvida in- copernicana” em sua concepção da histó-
bém, Irving Wohlfarth,
“Resentment Begins at Home: tencional. Dissemos que Passagen-Werk ria que o seguinte fragmento de Passagen-
Nietzsche, Benjamin and the foi concebido como “uma cena de fadas Werk:
University”, in Gary Smith
(comp.), On Walter Benjamin. dialética” (eine dialektische Feerie). É pro-
Critical Essays and
Recollections, Cambridge, vável que Benjamin, em princípio, imagi- “A política tem daqui para frente primazia
Massachusetts, The MIT Press, nasse o livro como uma versão marxista do sobre a história. Os fatos provêm algo que
pp. 224-59. Ver, também,
“Der Erzähler” (1936), II, p. conto da Bela Adormecida, reservando-se somente acaba de suceder-nos há um mo-
458.
para si mesmo, não o papel do príncipe que mento e estabelecê-los é próprio da lem-
78 II, p. 300. a despertava com um beijo, como poderia brança. Efetivamente, o despertar é o
79 V, p. 574 (N 1a, 7) e p. 571 (N se esperar, mas sim outro mais surpreen- paradigma da lembrança: o caso em que
1, 7). dente e original. conseguimos lembrar o mais próximo, o
80 Idem, pp. 490-1 (K 1, 2). Em um prefácio inédito a A Origem do mais banal, o mais manifesto” (80).

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