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CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTÉTICA E COMUNICAÇÃO

MASSIVA
(SEGUIDO DE ANÁLISE SOBRE A EXPOSIÇÃO “O DESIGN
DA PESCA NO MARANHÃO”)1

CAIO MENEZES G. DE CARVALHO

Faz-se pertinente desconfiar que os empreendimentos de problematização e


conceituação a respeito do que é ou pode ser definido pelo nome de “linguagem
estética” soem atualmente démodé diante do interesse acadêmico pelo fenômeno da
“experiência estética”. No que tange ao cinema ou à literatura, o enfoque na investidura
conceitual do que seja uma linguagem artística (ou poética, como diria Roman
Jakobson) atrelou-se com facilidade aos estudos das pertinências interpretativas que a
obra coordena e limita, em certa oposição aos efeitos e às experiências individuais que
ela pode suscitar – coisa “teorizável, mas não mensurável” como argumentou, por
exemplo, Umberto Eco (2013, p. 60), cuja semiótica é acusada por muitos de
“desvalorizar o aspecto estético da fruição artística em favor de uma concepção
cognitivista” (JÚNIOR, 2010, p. 1). Não que a experiência de ver um filme, por
exemplo, não faça uma pessoa conhecer mais sobre si ou sobre o mundo real – o que faz
ser bastante complicado separar o inteligível do sensível quando falamos de experiência
estética, a qual raramente convoca este primeiro sem mobilizar também este segundo ou
vice-versa –, mas o interesse da semiótica umbertiana se dirige às atividades
cooperativas entre a obra e receptor que levam este último a tirar do texto aquilo que ele
não diz, mas pressupõe, promete, implica e implicita (ECO, 2011, p. IX). Ademais,
parece já haver um consenso de que a experiência estética não deva decorrer
estritamente do contato com objetos de função artística ou poética reconhecidamente
dominante, como um filme do Darren Aronofsky ou um romance de David Foster
Wallace – o que dá ensejo inclusive para aplicações mercadológicas deste consenso,
alimentando estratégias da comunicação de massa. Claro que o estudo da experiência
estética ofertado pela comunicação de massa nunca prescindirá de considerações sobre a
linguagem estética: a ostentação de um painel a la Mondrian na faixada de um
supermercado do grupo Mateus, localizado no bairro Renascença (São Luís – MA), ou a
1
Texto apresentado à disciplina Estética e Mídia, do curso de Jornalismo Noturno da Universidade
CEUMA, como requisito para obtenção de nota.
aplicação da iluminação chiaroscuro em um filme pornô no Xvideos são exemplos deste
intercâmbio. O que está em jogo nesses casos, entretanto, é uma esquematização de uma
emoção posta em mira enquanto oferta e efeito, correlacionada a uma série de artifícios
levados a cabo enquanto estratégias de impacto (traduzíveis enquanto estratégias de
venda – ou pelo menos como parte de um quadro maior de estratégias de venda). Um
exemplo bem contemporâneo disso são as lojas conhecidas como “lojas conceito” (ou
flagship stores) que, ao intentar fazer com que o cliente se sinta mais confortável e
ambientado no seu espaço de compra, valoriza recursos estésicos (visuais, olfativos,
sonoros, etc) de forma a explorar aspectos emocionais. Ou como diria a semiótica
umbertiana: de forma a prometer, a nos fazer pressupor, a partir de uma manipulação de
elementos expressivos, um escopo de emoções com base naquele tipo de cliente-modelo
que a loja não só prevê, mas que também pretende formar. A comunicação massiva
(incluindo a comunicação massiva de função estética participante em maior ou menor
grau2) sempre estará submetida a esta condição de ter que lidar com o receptor massivo
enquanto tipo-padrão previsto e idealizado (através, por exemplo, de pesquisas,
estatísticas, etc.). O que nos permite conceituar as obras de arte “comerciais”, aliás,
como aquelas que tentam fazer com que qualquer receptor empírico (ou pelo menos
uma parcela mais do que considerável destes) possa servir como seu receptor-modelo.
Um caso exemplificativo desse posicionamento diz respeito à preocupação dos
produtores de Blade Runner (Blade Runner – o caçador de androides, 1982, dir. Ridley
Scott). Na época do lançamento deste filme, tais executivos acharam que a obra carecia
de “explicações” e trataram de contratar o roteirista Roland Kibbee para escrever uma
narração em voz over para o personagem do ator Harrison Ford, fazendo com que tudo
ali exposto enquanto circulação de conteúdo e de efeito fosse previsivelmente entendido
e estimulado pelo / no espectador previsto para aquela recepção 3. Ou seja: pelo / no

2
As seis funções da linguagem propostas por Roma Jakobson – a definirem os modos com os quais nós
fazemos funcionar a comunicação – podem vir inter-relacionadas em uma mesma mensagem, embora
uma delas sempre predomine. Eco (2013, p. 52), ao expor de maneira sintética as seis funções da
linguagem de Jakobson, as ordena e resume da seguinte maneira: a) referencial: “a mensagem tenciona
denotar coisas reais (inclusive realidades culturais) ”; b) emotiva: “a mensagem visa a suscitar reações
emocionais”; c) imperativa: “a mensagem representa uma ordem”; d) fática ou de contacto: “a mensagem
finge expressar ou suscitar emoções, mas na verdade pretende unicamente verificar e confirmar o
contacto entre os dois interlocutores”; e) metalinguística: “a mensagem elege para seu objeto outra
mensagem”; f) estética: “a mensagem assume uma função estética quando se apresenta estruturada de
modo ambíguo [ambíguo em relação ao sistema de expectativas que é o código, revelando as
potencialidades deste] e surge como auto reflexiva, isto é, quando pretende atrair a atenção do destinatário
primordialmente para a forma dela mesma, da mensagem”.
3
Informação disponível em https://www.omelete.com.br/blade-runner/blade-runner-o-cacador-de-
androides
maior número de pessoas possível. Bem diferente daquele tipo de espectador-modelo
que pressupomos que filmes como Mother! (Mãe, 2018, dir. Darren Aronovsky) ou
Enemy (O Homem Duplicado, 2013, dir. Denis Villeneuve) preveem ou procuram
formar. Espectadores-modelo dispostos a jogar um outro “jogo”.

Percebam, assim, que o conceito semiótico de “texto” se revela mais amplo do


que aquele meramente linguístico – a incluir, inclusive, as próprias lojas-conceito ou até
outros empreendimentos que, de certa forma, se aproximam dos artifícios levados à
cabo por elas. Se todo “texto é um produto cujo destino interpretativo deve fazer parte
do próprio mecanismo gerativo” (ECO, 2011, p. 39), a própria previsão de certa fruição
artística (ainda que majoritariamente sensitiva, por exemplo) pressuposta em um texto
estético é uma aposta de recepção interpretativa (seja intelectiva ou sensitiva 4) – e toda
recepção pressupõe algum nível de competência, de relação, de cooperação e, portanto,
de disposição, abertura, atividade. Enfim, de comunicação. E se “todo texto quer
alguém que o ajude a funcionar” (ECO, 2011, p. 37), uma vez que postula a cooperação,
a colaboração do receptor como condição própria de sua atualização interpretativa, ele
pode ser encarado enquanto um “mecanismo preguiçoso” (ECO, 2011, p. 11).

Tomemos como exemplo a exposição “CHOQUE, LANDRUÁ, SUCUBÉ,


MUNZUÁ...: O Design da Pesca no Maranhão”, tomada aqui epistemologicamente
enquanto “texto” e que ficou em cartaz entre os dias 13 de agosto e 30 de novembro de
2019 no Centro Cultural Vale Maranhão (localizado próximo ao Centro Histórico de
São Luís – MA). É evidente que esta exposição não se deu ao luxo de querer investir em
sua “preguiça”, seja por preocupações formais e/ou didáticas, aliadas provavelmente
com preocupações políticas / institucionais, a compelir seus realizadores a lançarem
mão de explicitações claras com relação às suas próprias intenções. Não é um “texto
aberto”. Não há espaço para grandes esforços de interpretação intelectiva. Estampados
ao longo das paredes internas do local onde estão os objetos da exposição (a saber,
“apetrechos” artesanais de pesca feitas por populações maranhenses que dependem
desta prática para sobreviver), notam-se textos verbais, pontualmente distribuídos, que
explicam o porquê do tema, do título da amostra, da escolha dos objetos, da relevância
cultural da exposição e de seu papel político-educacional. Um recorte destes textos pode
ser visualizado a seguir:

4
Tendo por base, claro, o conceito peirciano de interpretação.
Percebam que a luz vai rareando conforme vamos descendo os olhos ao longo
deste recorte – o que denota uma preocupação com um trabalho de iluminação bem
específica para o ambiente: intimista, quase lounge. A escolha da coloração verde-
escuro (e marrom em um trecho considerável) enquanto isotopias recorrentes no
revestimento das paredes internas da exposição se faz evidente dada a marca semântica
<<águas maranhenses>> que tais matizes podem acionar em dado contexto. (Escolhas
cromáticas, aliás, que seriam muito bem acompanhadas por um som ambiente de água
corrente caso essa proposta de imersão fosse levada à cabo sonoramente também). Mas
tudo isso são atos comunicativos “acessórios” que pretendem nos enviar ao que
realmente importa ali: ao contato sensitivo-ocular com os objetos da exposição, cuja
beleza, engenhosidade e funcionalidade (a compor um trio conceitual necessário caso
queiramos falar em design) são os alvos cognitivos visados na comunicação com os
visitantes da exposição.
REFERÊNCIAS:
ECO, Umberto. Lector in fabula. Trad.: Attílio Cancian. – São Paulo: Perspectiva,
2011.

____________. Estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. Trad.: Pérola


de Carvalho. – São Paulo: Perspectiva, 2013.

JÚNIOR, Antonio Barros de Brito. Arte e abdução na obra teórica de Umberto Eco.
Cadernos de Semiótica Aplicada, V.8, n.1, agosto de 2010. Disponível em
https://periodicos.fclar.unesp.br/casa/article/viewFile/2943/2705. Acessado em
26/11/2019.

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