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1. Introdução
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Trabalho apresentado pelo Grupo de Pesquisa Espaço/Visualidade – Comunicação/Cultura no 1º. Encontro
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2. Território desconhecido de investigação
O comercial televisivo “Faces” criado em 2001 para Museu de Arte de São Paulo
(MASP)2 mostra um indivíduo fazendo uma careta que será, em seguida, apalpada por um
cego. Enquanto o cego vê com as mãos a careta no rosto da pessoa, a câmera faz um
travelling por trás do cego, deixando também o espectador cego por um momento. O
travelling continua descortinando uma tela de Picasso entre os interlocutores e dessa maneira
correlaciona a careta com a imagem cubista do pintor catalão. Segue-se uma tela preta com a
mensagem “A Arte é para todos” e a assinatura com a logomarca do MASP.
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Comercial criado em 2001 pela agência de publicidade DM9DDB por Miguel Bemfica, Paulo Diehl e Paulo
Bemfica, sob direção criativa de Erh Ray.
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Seqüência do anúncio publicitário FACES
A peça do colírio Lerin, feita em página dupla, é composta por duas pimentas
vermelhas alocadas uma em cada página, sendo a disposição de ambas similar à posição
ocupada pelos olhos no rosto de um indivíduo. No canto inferior direito da segunda página há
a frase “Ardeu? Use”, aliada à representação imagética do produto anunciado. Na peça, a
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pimenta, que provoca ardor quando degustada, é correlacionada à ardência dos olhos, sendo
este aspecto acentuado pela cor vermelha vibrante do bago, por meio da qual, busca-se
enfatizar o principal problema que o colírio promete resolver e, em conseqüência, sua
eficácia. Nesta correlação, percebe-se que o efeito de sentido provocado pela percepção
gustativa é transposto para a percepção tátil, sendo esta relação materializada na peça por
meio da representação imagética. A relação entre as duas páginas é do tipo causa e
conseqüência, ou seja, se ardeu então use, ou a percepção gustativa é causa da percepção tátil
que é sua conseqüência. A espacialidade em duas páginas condiciona esta linearidade entre
antes e depois.
A relação da pimenta àquilo que arde, não apenas no plano físico mas também no
afetivo, compõe um paralelo há muito já trabalhado na comunicação cotidiana. Embora essa
forma associativa não seja meramente arbitrária, uma vez que a pimenta realmente possui um
sabor picante, sua utilização na construção de determinados paralelismos nos permite
reconhecer um traço simbólico, ou, ainda, um legi-signo que perpassa a correlação
estabelecida, pois a recorrência associativa evidencia um hábito já estabelecido e uma
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convencionalidade quando se busca estabelecer uma associação a algo que é quente, forte,
picante, ardido ou sensual.
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com a comunicação escrita e tipográfica, cujas formas de verbalização impressa propiciam o
distanciamento entre os textos e seu contexto de produção. Por isso, em geral, as formas
discursivas orais tendem a ser mais situacionais, uma vez que a relação comunicativa expande
a oralidade até a configuração do anúncio.
Na peça, há ainda uma outra correlação estabelecida, desta vez, entre formas
geométricas, cuja presença reforça a associação estabelecida no plano figurativo. Toda espiral
é composta por uma linha curva, que tem início num ponto e afasta-se dele gradualmente,
afunilando aos poucos a figura. Se contornarmos a espiral presente no anúncio com linhas
retas, temos a formação de um triângulo, cuja base se encontra voltada para a parte superior
da página. Esta figura estabelece um paralelo esquemático com o triângulo vermelho presente
na embalagem do produto, cuja base também está voltada para a parte superior do frasco. A
similitude de ambas as formas é acentuada pela presença de insetos na ponta dos dois
triângulos, por meio do qual, se busca enfatizar tanto o problema que o produto resolve
quanto a sua infalibilidade.
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intuito de ratificar positivamente o valor do objeto anunciado, evitando opiniões contrárias
ou, ainda, uma possível dúvida sobre aquilo que se afirma sobre o produto e, em
conseqüência, sobre a validade da sua compra. Nestas mensagens, é muito comum que a
repetição seja efetivada pelo código verbal, em virtude da precisão do modo como este código
representa algo, evitando assim qualquer interpretação que não seja aquela prevista pela
crença no consumo. Vista como um recurso persuasivo, a enunciação das mesmas idéias
anteriormente apresentadas num texto pode ser entendida como um outro traço característico
das regras ordenadores do sistema publicitário e, por isso, sua “ação” torna-se recorrente nos
anúncios, ainda que esta repetição não seja realizada apenas por meio do código verbal.
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é no plano da visibilidade que se constrói a temporalidade da imagem, isso porque, é nela
que se estabelecem as probabilidades combinatórias entre as relações temporais.
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“As opções formais de Central foram claramente definidas antes do filme.
Havia também um desejo de que os planos dialogassem entre si. Os planos,
tanto do ponto de vista da imagem quanto do som, desejavam ser ‘grávidos’
dos planos antecedentes, o que também possibilitava ‘engravidar’ os planos
seguintes. O filme é construído em torno de rimas visuais e sonoras, que
foram idealizadas antes da filmagem.” (NAGIB, 2002: 421).
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A montagem do Capoto
A segunda parte dessa análise faz uma leitura de um texto que pertence ao sistema
modelizante fotográfico. São duas fotos que foram selecionadas do livro Caiapó Metutire, no
qual a configuração da página dupla funciona como mecanismo de transdução da montagem
ideogramática feita por Eisenstein no cinema. Dessa maneira, tem-se uma inter-relação de
linguagens, onde o meio livro possibilita a construção de uma espacialidade de fronteira entre
o cinema e a fotografia, ao aproximar, através do contraste, duas visualidades distintas, cada
uma lugarizada em uma folha da configuração da página dupla, como se fossem dois planos
cinematográficos. Esse outro uso do meio impresso —que funciona como uma tela de
cinema—, também é favorecido pela padronização do “livro de arte”, feito na forma de
catálogo, que, ao ser aberto, forma a figura plana do retângulo, cuja estrutura é acentuada
pelas margens negras superior e inferior da página dupla.
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6. Modelizações no design: a fronteira entre programa e projeto
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A pretensão hegemônica da tecnosfera (SANTOS: 2004) instiga um cooptação do
design enquanto linguagem, a fim de elaborar modelos a partir dessa linguagem limítrofe dos
programas e desenvolver modelagens capazes de serem reproduzidas em série. Instaura-se aí
uma crise do design (ARGAN: 1992) ao fechar as fronteiras e encerrar as modelizações entre
os sistemas, submetendo-se ao modelo produzido em série e em linha de montagem.
O projeto é invenção e produção de informação nova. Na correlação programa –
projeto, o design procura, pelo projeto, inserir nova informação no programa. Nesse sentido,
podemos afirmar que o projeto é um ruído introduzido no programa. Pode manter-se ruído ou
ser absorvido. A falta de máquinas, problemas de custo, problemas quanto à absorção do
mercado, são fatores que fazem com que o ruído não seja absorvido de imediato. No entanto,
o ruído é fundamental para a renovação do programa. E é quando o ciclo se completa: o
design é estimulado a interagir com outros códigos culturais a fim de estabelecer novos textos
culturais e elaborar novos produtos para a tecnosfera.
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Ao enxergarmos o vínculo comunicativo na ótica de uma semiosfera do espaço (que
em muito se aproxima da postura epistemológica proposta pela biosfera), a continuidade das
possibilidades de tradução ou semiose se fazem de extrema importância. O que a biosfera
apresenta como um curso natural, a semiosfera apresenta como um intercurso semiótico. Um
processo contínuo de tradução que se dá a partir das fronteiras e intersecções.
Essa racionalidade atinge o modo como apreendemos as modelizações do espaço, pois
novos signos surgem a partir do entrelaçamento que ocorre entre a observação sistêmica do
fenômeno, a relação comunicativa entre disciplinas e a transformação do próprio sujeito do
conhecimento. Aqui está o salto epistemológico que permite delinear uma semiosfera do
espaço e a possibilidade de uma abordagem transdisciplinar.
A questão fundamental para as pesquisas segundo uma semiosfera do espaço não é
necessariamente ressaltar um ou outro tipo de modelização como se ele fosse símbolo único
da cultura mundializada, mas sim compreender a intricada e contínua relação entre as
espacialidades que constroem uma semiosfera.
Referências Bibliográficas
ARGAN, Giulio Carlo. A crise do desing. In: História da arte como história da cidade.
Tradução de Píer Luigi Cabra. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. A Estratégia dos Signos. São Paulo: Perspectiva, 1986.
_______________________. Design em espaços. São Paulo: Rosari, 2002.
PINAGÉ, Paulo; D’Aléssio, Vito. Caiapó Metutire. São Paulo: Dialeto, 2003.
PRIGOGINE, Ilya; STENGERS, Isabelle. Entre o tempo e a eternidade. Tradução de
Florbela Fernandes e José Carlos Fernandes. Lisboa: Gradiva, 1990.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2004.
LOTMAN, Iuri M. La semiosfera I. Tradução de Desiderio Navarro. Madri: Ediciones
Cátedra, 1996.
NAGIB, Lúcia. O cinema da Retomada. São Paulo: Editora 34, 2002.
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VALÉRY, Paul. Introdução ao método de Leonardo da Vinci. Tradução de Geraldo
Gérson de Sousa. São Paulo: Editora 34, 1998.
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