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Resumo
O presente trabalho desenvolve um estudo bibliográfico sobre os conceitos de
modernidade e imaginário social. Procura compreender como o imaginário social
contribuiu para construção do conceito de modernidade na cidade de Novo Hamburgo,
antes de sua emancipação. Para isso, desenvolve análise das fotografias da Cidade de
Novo Hamburgo, nos álbuns do fotógrafo Max Milan, que estão no acervo do Museu
Histórico Visconde de São Leopoldo, em São Leopoldo. Utiliza-se o método de análise
iconográfico e iconológico para encontrar relação entre os temas propostos.
Introdução
Este trabalho tem como tema o imaginário social na construção da ideia de
modernidade nos álbuns fotográficos de Max Milan, que retratam as edificações das
indústrias, do comércio e das escolas; as ruas em perspectivas e as panorâmicas da
cidade. Apresenta-se como justificativa, que a utilização da fotografia em estudos
historiográficos é recente, portanto, entende-se, que estudos dessa ordem podem trazer à
tona informações e dados que até então não eram conhecidos e que podem
complementar, ou até mesmo mudar o que se sabe. Os signos e os símbolos, e até
mesmo as perspectivas da visão do fotógrafo, bem como suas motivações, podem trazer
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Mestrando em Processos e Manifestações culturais – Universidade Feevale – danielcoml@gmail.com
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Orientador, Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo/USP. Professor e pesquisador da
Universidade Feevale (prodanov@feevale.br).
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conhecimentos que, de algum modo, nem mesmo profundas descrições textuais seriam
capazes de fazê-lo.
Entende-se que as movimentações socioculturais causadas pela modernidade
transformaram a sociedade, tanto em aspectos socioeconômicos, quanto no
comportamento, e no desenvolvimento da indústria, da arte e da cultura. As
movimentações de pessoas do campo em busca de melhores condições na indústria
contribuíram para formação de identidades diferentes e híbridas nas cidades. A
verticalização da cidade, através da construção de prédios, o crescimento demográfico, a
expansão dos territórios, foi inspirada pelo progresso das indústrias e do comércio.
Compreender como o imaginário social contribui para essa construção da modernidade,
pode acrescentar informações diferentes e complementares à história da região.
Desenvolvimento
Conforme Marshall Berman (1989), a vida moderna é um conjunto de
experiências entre tempo e espaço, compartilhadas por homens e mulheres, anula todas
as fronteiras geográficas, raciais, de classe, de nacionalidade, de religião, ou de
ideologia, e é acompanhada de grandes mudanças nas ciências, na tecnologia, na
industrialização da produção, na formação de novos poderes corporativos e na expansão
demográfica. Com as ideias Marxistas, Berman (1989) descreve que, à medida que o
mercado mundial cresce ele destrói os mercados locais e regionais, motivados pela
necessidade de satisfação dos desejos e ambições humanas. Dessa forma, as indústrias
locais entram em colapso, surgem poderios de comunicação, o capital fica cada vez
mais nas mãos de poucos, e os camponeses e artesãos são despejados nas cidades, que
crescem catastroficamente da noite para o dia. Para Marx, segundo Berman (1989), a
burguesia conseguiu atingir o sonho de modernidade, que antes eram dos poetas, artistas
e intelectuais modernos, com as construções arquitetônicas, comparadas ás pirâmides do
Egito. E mediante essas novas necessidades, causadas pela burguesia e pela
modernidade, ocorre as grandes movimentações de pessoas para as cidades, para as
fronteiras e para novas terras.
Zygmunt Bauman (2001 e 2013) concorda com a ideia de Marx, e descreve a
modernidade como líquida e fluída, pois os líquidos têm como principal característica se
moldar ao local onde estão, e diferentemente dos sólidos, não mantém sua forma
facilmente. O termo “líquido” descreve as constantes mudanças na cultura das
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sociedades, devido a uma série de processos que transformaram a modernidade.
Bauman (2001) descreve, de forma comparativa aos sólidos, que os líquidos precisam
considerar sua relação com o tempo e com o espaço, pois “descrições de líquidos são
fotos instantâneas, que precisam ser datadas” (BAUMAN, 2001, p. 8). Dessa forma, a
sociedade que vivia a ideia da modernidade se sentia congelada e estagnada no tempo e
precisava se libertar dos “grilhões” para poder viver o “espírito da modernidade”
substituindo os conceitos sólidos, “derretendo-os no ar”, liquefazendo e destronando as
ideias do passado e da tradição, para criar novos sólidos, e esses sim, aperfeiçoados e
perfeitos e que não mais seriam alterados.
Ainda sobre a modernidade, Berman (1989) descreve o pensamento de
Baudelaire, que celebrava os burgueses enfatizando sua inteligência, força, criatividade
na indústria, no comércio e nas finanças, para formar grandes empresas, grandes
companhias, com o propósito maior do que apenas o dinheiro, mas sim, “para
concretizar a ideia de futuro em todas as suas formas – políticas, industriais, artísticas”
(BERMAN, 1989, p. 131) , o que permitiria o crescimento humano sem obstáculos.
A modernidade traz características acentuadas ao universo econômico, político e
social. As mudanças estruturais nas cidades, motivadas pelas indústrias e pelo comércio,
no crescimento vertical dos prédios e na extensão demográfica, bem como a
infraestrutura financeira e educacional, são demonstrativos do apelo gerado pela
modernidade. Essas mudanças transformam as imagens das cidades, e estão carregadas
de representações da modernidade; imagens essas, que são construídas pelo imaginário
simbólico e social.
No contexto do imaginário social, Gilbert Durand (2000), enfatiza a diferença
entre a representação, os signos, símbolos e significados; da fantasia e da imaginação.
Segundo Bronislaw Baczko (1985), o imaginário social está cada vez mais próximo da
vida real, e “em contrapartida, as ciências humanas tendem cada vez mais a considerar
que os sistemas de imaginários sociais só são ‘irreais’ quando, precisamente, colocados
entre aspas” (BACZKO, 2985, p. 298).
Para Durand (2000), existem duas maneiras para a consciência representar o
mundo, a direta: que é a própria coisa representada presente no espírito, na sensação ou
na percepção; e a indireta: que é a coisa representada, que, por uma ou outra razão, não
pode apresentar-se fisicamente a sensibilidade, como nas recordações de infância e na
imaginação de paisagens marcianas, onde, nesses casos, a ausência do objeto
representado se constitui na consciência através de uma imagem. Essa diferença não é
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tão simples, pois a consciência dispõe de diferentes graus de imagem, onde os dois
extremos tratam, de um lado, a adequação total e presença perceptiva do signo, e do
outro, sua inadequação, um signo sem significado. E nesse caso, o signo serve para
representar economicamente um conceito, ou seja, o uso de um sinal, ou de uma
palavra, carrega uma extensa definição conceitual. Por conseguinte, esses signos, que
economizam operações mentais, podem ser escolhidos de forma arbitrária, como a
colocação de um nome próprio a uma cidade, que a diferencia de outra, como no
exemplo da cidade de {sic} Lião, que difere de Grenoble, e com o complemento da
palavra cidade, difere, foneticamente, do animal Leão.
Porém, ainda segundo Durand (2000), há casos em que o signo perde sua arbitrariedade,
quando trata de abstrações, qualidades espirituais, morais, ou quando não consegue estar
presente de forma física, nesses casos o signo assume uma alegoria. Para explicar esse
contexto descreve-se:
A alegoria é a tradução concreta de uma ideia difícil de compreender ou de
exprimir de uma maneira simples. Os signos alegóricos contêm sempre um
elemento concreto ou exemplificado do significado.
Podemos, portanto, pelo menos em teoria, distinguir dois tipos de signos: os
signos arbitrários puramente indicativos, que remetem para uma realidade
significada, se não presente pelo menos sempre apresentável, e os signos
alegóricos, que remetem para uma realidade significada dificilmente
apresentável. Estes últimos signos são obrigados a figurar concretamente
uma parte da realidade que significam (DURAND, 2000, p. 9).
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impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo” (MAFFESOLI, 2001, p. 76), é o
sentimento de pertença, de sentir-se fazer parte de algo.
Em relação à associação do imaginário com a imagem, Maffesoli (2001)
descreve que não são as imagens que formam o imaginário, e sim o contrário. A
formação de um conjunto de imagens é o resultado da existência de um imaginário
coletivo. E essa formação se dá em todos os tipos de imagens, cinematográfica,
pictóricas, esculturais e tecnológicas; e essas tecnologias estimulam e alimentam a
formação de imagens. Nesse contexto, Durand (2000) e Maffesoli (2001) descrevem
que as imagens simbólicas são a troca de uma representação concreta, pra um sentido
abstrato, e com isso a representação possui duas metades, uma, que se faz parecer
secreta, onírica, lúdica, imaginativa e fantasiosa, e a outra, que é o significante e está
sempre carregada de concreção, é clara e racional.
Com isso, reforça-se a relação do imaginário social com a iconografia das
fotografias, onde os signos estão representados e, mediante o entendimento do
espectador, são interpretados os signos arbitrários e alegóricos proporcionando-lhes
significado.
Na busca da relação entre modernidade e imaginário social, através das
fotografias de Max Milan, destaca-se o que diz Telma C. de Carvalho (1999), que o uso
da fotografia como fontes historiográficas teve resistência em um primeiro momento,
contudo, faz-se necessário levar em conta o momento que a sociedade vive, onde o uso
e a difusão de imagens visuais tem se tornado cada vez mais comum. A fotografia
desperta sentimentos e emoções, em virtude da sensação de realidade do momento
passado, que nela, está congelado. Porém ela reforça que, na verdade, a fotografia é uma
referência ao real, e que não é capaz de recria-lo, mas através do intelecto decodifica as
informações representadas, e, através do imaginário, recria as cenas correspondentes ao
passado.
Para Charles Monteiro (2013, p. 3), a fotografia traz uma relação moderna com
a experiência do tempo, pois, no momento em que o fotógrafo realiza a foto, ele captura
“um momento de tempo que é simultaneamente passado, mas é também o momento
mais próximo que existe para o conhecimento do presente”, e ainda descreve o que diz
Maria Lúcia Kern (2005, p. 8, apud MONTEIRO, 2013, p. 3.), que “desde o princípio, a
imagem esteve relacionada à representação e à imitação do real”. Contribui com
Monteiro (2013) o que diz Ana Maria Mauad (1996, p.12.), “A fotografia comunica
através de mensagens não verbais, cujo signo constitutivo é a imagem”, e por se tratar
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de um trabalho humano de comunicação, a fotografia é convencionada em códigos
culturalmente comuns dando um caráter conotativo à mensagem. Ainda descrevem
Cardoso e Mauad (1997), sobre a importância da fotografia como marca cultural não
apenas por nos remeter ao passado, mas por trazê-lo à tona no presente, e revelando
aspectos do passado que não seriam possíveis de descobrir, nem mesmo com uma
descrição verbal detalhada; e complementam:
Neste sentido, a imagem fotográfica seria tomada como índice de uma época,
revelando a riqueza de detalhes, aspectos da arquitetura, indumentária,
formas de trabalho, locais de produção, elementos de infraestrutura urbana
tais como tipo de iluminação, fornecimento de água, obras públicas, redes
viárias etc.; (CARDOSO; MAUAD, 1997, p. 406).
Complementa-se esse contexto com o que diz Zita Possamai (2008), que a
fotografia foi concebida, incialmente, como espelho do real, e por isso foi convocada a
dar conta de registrar as inúmeras mudanças que estavam acontecendo nas cidades,
principalmente os monumentos urbanos, com o propósito de embasamento histórico
para futuras restaurações. Juntamente com o crescimento e a modernização das cidades,
o processo técnico de fotografia evoluiu, possibilitando, assim, maior facilidade e
qualidade na produção das fotografias. Possamai (2008) ainda diz que:
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extremo, o da recepção, o álbum e as imagens nele contidas contribuem para
a construção e veiculação de um determinado imaginário, neste caso,
lançando mão da visualidade como elemento central (POSSAMAI, 2007, p.
57).
Para proceder com a análise das imagens de Max Milan, tem-se o método
iconográfico e iconológico. Para Peter Burke (2004), Boris Kossoy e Ulpiano Meneses
(2012), o enfoque nesse método de análise tem três níveis: pré-iconográfico – busca o
significado natural na imagem, como identificação de objetos (árvores, prédios, animais,
pessoas) e eventos (refeições, batalhas, procissões); iconográfico – propriamente dito,
que analisa o significado convencional da imagem (reconhecer uma ceia como a Última
Ceia ou uma batalha como a Batalha de Waterloo), bem como referência de outros
conhecimentos da época e o “patrimônio cognitivo” do observador; e o principal, que é
o iconológico – que analisa o significado intrínseco, “os principais subjacentes que
revelam a atitude básica de uma nação, um período, uma classe, uma crença religiosa ou
filosófica” (BURKE, 2004, p.45), e que, segundo Meneses (2012), procura por uma
espécie de “mentalidade de base”, onde “o visível é sintoma do invisível, e todo o
objeto, toda a imagem significam mais do que a aparência e podem conduzir a
circunscrição de um inconsciente coletivo [...]” (MENESES, 2012, p. 245).
Em sequência, têm-se as imagens extraídas do álbum de fotografias de Max
Milan. Em virtude do tamanho do artigo a seleção das imagens tem como critério a
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relação direta com o tema, dentro de uma amostragem pequena, porém representativa do
conteúdo do álbum.
Figura 1 – Banco da Província, 1926.
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Figura 2 – Estação Hamburgo Velho da Viação Férrea de Novo Hamburgo e
Fábrica de Café e Bebidas Kunz, Blos & Cia.
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financeiras provocadas pela indústria. Com isso, tanto a ferrovia, quanto a chaminé,
geram um símbolo urbano e moderno à cidade, em oposição ao colonial e rural da
região, e dos distritos vizinhos.
Considerações finais
Pôde-se evidenciar que, por meio da análise das fotografias encontrou-se relação
entre o tema modernidade e o imaginário social. Percebeu-se que o imaginário social
estava presente antes mesmo da captação da fotografia, através das inspirações nas
construções, bem como, posteriormente, no registro, na seleção da foto, e na construção
dos sentimentos provenientes dessa imagem.
No contexto do imaginário social, compreendeu-se que a representação carrega
signos, que quando alcançáveis, presentes, palpáveis e infinitos, são diferentes dos
signos do imaginário que vivenciam o ambiente onírico, lúdico e inatingível que se
fecham em um conceito único e finito.
Quanto à modernidade, definiu-se que os aspectos socioeconômicos foram os
mais relevantes na construção do conceito nesse trabalho.
Compreendeu-se que o imaginário social contribui para a construção da ideia de
modernidade, através das experiências advindas do passado, e dos sentimentos de
conquistas e de esperanças depositadas no futuro, ambos criados pelo imaginário social.
Referencial Bibliográfico
BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: Leach, Edmund et Ali. Anthropos-
Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. Disponível em:
<http://bit.ly/MUbP5w>.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC; 2004.
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CARVALHO, Telma C. de. Fotografia e Cidade: São Paulo na década de 1930. Projeto
História, n.19, novembro, 1999, São Paulo, SP.
KOSSOY, Boris. Fotografia & história. 3. ed. rev. ampl. São Paulo, SP: Ateliê
Editorial, 2009.
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Mesa 2 – NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO I
Coordenação: Profa Dra Juliana Tonin
RESUMO
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar a construção do imaginário da violência sexual
contra mulher no jornal Correio da Paraíba. Para isto, selecionamos como corpus uma
série de 15 publicações, dentro do período de 22 de junho a 01 de julho, referentes à
prisão de dois homens, ocorrido em julho de 2015 em João Pessoa (PB). Conhecido
como “barbárie dos Bancários”, eles foram responsáveis por sequestrar duas mulheres e
um bebê, estuprando-as e atropelando-as, matando assim uma das vítimas.
O caso trouxe comoção social entre a população e envolveu as Polícias da
Paraíba e Pernambuco nas investigações. Com olhar voltado sobre a temática da
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Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo Programa de Pós-Graduação de Comunicação da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro do Grupo de Pesquisas Sobre Cotidiano e Jornalismo
PPGC/UFPB. E-mail: RN.brunno@gmail.com
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violência contra mulher, resolvemos acompanhar como o Correio da Paraíba reproduziu
e narrou o episódio, procurando identificar os elementos simbólicos que o jornal lançou
mão a fim de tecer suas narrativas.
A fim de conseguir identificar os elementos simbólicos da notícia,
empregaremos a narratologia e os procedimentos da Análise de Narrativa. De acordo
com Luiz Gonzaga Motta (2002), esse método possibilita remontar sequencias
narrativas nas notícias, permitindo visualizar aspectos simbólicos da notícia nem sempre
explícitos. Dessa forma, é possível perceber como, através da leitura de vários textos
jornalisticos sobre um mesmo episódio, os enredos vão se construindo e os jornalistas
vão lançando mãos de elementos simbólicos subtendidos pela redundância ou repetição,
dispessados em várias notícias, construindo um contexto mitológico maior que permite
interpretá-lo e encaixá-lo no imaginário coletivo.
Este trabalho está dividido em três partes. Na primeira, apontaremos as relações
entre cotidiano e imaginário. A partir da Teoria Geral do Imaginário de Gilbert Durand
(2012), vamos mostrar como o imaginário acessa o reservatório de imagens
concretizados em mitos, símbolos, rituais, que são atualizados de acordo com o contexto
social. Esse processo acontece pela “incessante troca que existe ao nível do imaginário
entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do
meio cósmico” (DURAND, 2012, p. 41).
Na segunda parte, discutiremos a relação entre jornalismo e imaginário. A partir
do trabalho simbólico da notícia (MOTTA, 2006), discutiremos como os textos
relatados diariamente pelos meios de comunicação jornalísticos não são apenas reflexos
do cotidiano, ou uma representação do mundo ‘real’, mas realizam uma experiência
estética, fática e diegética, isto é, as notícias trazem ao cotidiano não apenas realidades
históricas e culturais, mas também mitos, símbolos e imagens que fazem parte do
imaginário dos jornalistas e dos leitores.
Por fim, empregaremos a narratologia e os procedimentos da Análise de
Narrativa nas matérias do corpus. Mostraremos como, a partir das narrativas do Correio
da Paraíba, o imaginário sobre a “Barbárie dos Bancários” foi sendo construído com
elementos simbólicos. Conclui-se que a notícia é também um trabalho simbólico,
estimulando fantasias, imaginações, desejos, mitos e utopias nas narrativas sobre
violência contra mulher.
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IMAGINÁRIO E COTIDIANO
Segundo Legros (2014), a Teoria do Imaginário do antropólogo e filósofo
francês de Gilbert Durand expõe o ressurgimento dos mitos no século XX. A
“revolução” Durandiana é a forma de explicar temas que até então estavam separados: o
logos, a lógica; e o mythos, o irracional, a ficção.
Para Durand (1995), durante oito séculos o Ocidente escolheu seguir a análise
dualista e separatista que dividia sujeito e objeto. Isso fez com a imagem fosse
paulatinamente desvalorizada, uma vez que ela é polissêmica, aberta e ambígua por
natureza (DURAND, 2011). Todavia, “foi um trabalho em vão, pois as imagens,
expulsas pela porta da frente, reentravam pela janela para atacar os conceitos científicos
mais modernos como as ondas, os corpúsculos, as catástrofes, o bootstrap, a teoria dos
superstrings.” (DURAND, 2011, p. 68).
A Teoria Geral do Imaginário de Durand (2012) afirma que o imaginário se
forma pelo reservatório de imagens e pulsões que são concretizados em mitos,
símbolos, rituais. Isso significa dizer que o ser humano possui certas pulsões universais,
determinados arquétipos que ganham configurações diferentes a depender da cultura,
isto é, são atualizados de acordo com o contexto social.
Na perspectiva de Durand, o imaginário tem uma dimensão universal e uma
dimensão particular, onde a capacidade imaginária do ser humano é preenchida por
momentos históricos, sociais e culturais particulares, criando simbologias e mitologias
próprias. Esse processo acontece, assim, pela “incessante troca que existe ao nível do
imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que
emanam do meio cósmico” (DURAND, 2012, p. 41).
Esse diálogo entre a capacidade afetiva do ser humano e o contexto sócio-
histórico-cultural dá origem ao trajeto antropológico. Esse último busca analisar como
as matrizes arquetípicas do homo sapiens se manifestam concretamente na realidade
sócio-histórica. O mito, como comparou Durand (1996), é como um quadro: ainda que
mantenha o mesmo esquema, ele é incessantemente preenchido por elementos
diferentes. Ele é, em si, flutuante, dialogando com a realidade sócio-histórica do ser
humano.
Este entrelace do homo illuminatus com o homo mythologicus fica mais
evidente na pós-modernidade. Por isso, autores como Maffesoli (2012, p.102) afirmam
que o pós-moderno é a sinergia “do arcaico e do desenvolvimento tecnológico”. O
termo arcaico, para o autor, é da ordem do afetivo, das emoções, do sentimento. Já o
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tecnológico é um dos resultados do desenvolvimento da tecnologia de ponta. Para ele, a
técnica que antes desencantava agora passa a reencantar o mundo. A busca de sentidos,
a ligação comunitária promove uma integração dos meios de comunicação.
IMAGINÁRIO E JORNALISMO
Seguindo a linha da Teoria do Imaginário, é possível seguir o percurso
epistemológico de que a notícia avança pela lógica transversal do imaginário. O
jornalismo representa a vida das pessoas, as epopeias, os heróis, as ações dos homens,
as tragédias, as sagas, as conquistas, os vilões, as derrotas. Como lembra Maffesoli
(2001, p. 78), “o imaginário tudo contamina”, atravessa todas as produções humanas,
perpassa as artes, as ciências naturais, a música, a literatura, e no nosso caso, o
jornalismo.
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Segundo Carl Jung (2008), “o pesquisador experiente da mente humana também pode verificar as
analogias existentes entre as imagens oníricas entre o homem moderno e as expressões da mente
primitiva, as suas “imagens coletivas” e os seus motivos mitológicos. A definição de arquétipo é como
instintos que podem também se manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes a sua presença por
meio de imagens simbólicas. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e
qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta
ou por fecundações cruzadas resultantes da migração.
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De acordo com Motta (2002), as notícias são um sistema simbólico narrativo em
que se misturam realidades e ficções, real e imaginário, efêmero e perene. As notícias
são o lugar de encontro entre logos e mythos na nossa sociedade, em que são narrados
“não apenas os fatos historicamente localizados, mas [também imagens que] constroem
a realidade social re-significando-a mediante elementos presentes no universo cultural”
(MOTTA, 2004).
Segundo Motta (2002b), uma análise da notícia jornalística não apenas explica o
lado fático da linguagem empregada no jornal, mas considera o diálogo que existe entre
logos e mythos, onde o conteúdo escolhido a ser repassado para o leitor reflete, de uma
forma ou de outra, o imaginário nacional.
Não apenas nos temas que recorre, mas no texto da notícia em si, elemento
jornalístico tido como objetivo, descritivo e imparcial, irá manifestas o imaginário tanto de
quem escreve quanto de quem lê. Como afirma Motta (2002b, p. 67), “as notícias são obras
abertas, sentidos inacabados que convidam o leitor a completar cooperativamente a sua
significação, como na literatura”. Para o autor, as tragédias históricas e dramas pessoais
reportadas seguidamente pelas notícias diárias possuem tanta carga simbólica
potencialmente liberadora de energias psíquicas e de horizontes imaginários quanto uma
obra de arte ou texto de ficção.
As imagens que são acionadas pela notícia trazem tanto uma carga de
informação, quanto uma carga simbólica; tanto uma carga de logos, ou seja, de razão,
objetividade e fatos históricos; quanto uma carga de mythos, a saber, de subjetividades,
de arquetípicos, de fantasias e de utopias.
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O Barba Azul, mata em segredo todas as mulheres que se relaciona. Na psicanálise analítica, é um
exemplo do aspecto negativo do animus - a personificação masculina no inconsciente da mulher. No final
da história, seus ossos e cartilagens são deixados para os abutres.
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plano de existência, em suma, servir enquanto mundo de referência para o jornalista
descrever a realidade. O jornal, assim, recria, com outra roupagem, os mitos estruturantes
presentes no imaginário, os símbolos e os arquetípicos a fim de servir de mediação para o
leitor.
MÉTODO
Como nosso objetivo é analisar a construção do imaginário da violência sexual
contra mulher no jornal Correio da Paraíba a partir do caso conhecido como “Barbárie
dos Bancários”, empregaremos a narratologia e os procedimentos da Análise de
Narrativa. Como vimos, Motta (2002) afirma que as notícias são sistemas simbólicos
singulares, onde se misturam fantasia e realidade, real e imaginário, história e matrizes
arquetípicas.
A narratologia é a teoria dos textos narrativos. Ela é um método de análise para
conjuntos sistemáticos ou segmentos de textos narrativos. No jornalismo, a serialidade
das matérias sobre uma mesma temática permite ver como as sequencias fragmentárias
de assuntos sobre um mesmo assunto são encadeadas, construindo assim um significado
mais amplo, revelando uma sintaxe narrativa mais coerente e colocando o caso da
“Barbárie dos Bancários” dentro de um quadro imaginário-narrativo maior.
Assim, o método desenvolvido por Motta (2002) possibilita remontar sequencias
narrativas nas notícias, permitindo visualizar aspectos simbólicos que nem sempre estão
explícitos. Uma vez que as notícias são sistemas culturais que permitem a cada
individuo se re-situar no cotidiano atravez da informação, a narratologia permite
perceber como, através da leitura de vários textos jornalisticos sobre uma mesma
temática e/ou episódio, os enredos vão se construindo e os jornalistas vão lançando
mãos de elementos simbólicos subtendidos pela redundância ou repetição, dispessados
em várias notícias, construindo um contexto mitológico maior que permite interpretá-lo
e encaixá-lo no imaginário coletivo.
Nesta análise, procuraremos perceber os padrões imagéticos e mitológicos que
funcionam como suporte ou pano de fundo para a construção das narrativas. Para isto,
procuraremos identificar dois pontos nas narrativas: (a) a abordagem da linguagem
utilizada pelo jornal Correio da Paraíba para suscitar certas reações de sentidos nos
leitores para além da informação, isto é, expressões ou figuras de linguagens foram
usadas para expressar a realidade; (b) os modelos arcaicos adotados para narrar o caso
que nos remetem a interpretação ao conto, fábula ou atualização do mito. Aqui,
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procuramos encontrar padrões imagéticos, temas morais predominantes, matrizes
estéticas e arquetípicas, em suma, a presença do mito que, ao reconstruir o enredo,
coloca a narrativa dentro de um contexto maior, isto é, de um imaginário coletivo sobre
violência contra mulher.
RESULTADOS
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O Vírus da Violência. Barbárie se sucedem e chocam a
população. Medo causa isolamento social, transtornos mentais
e até problemas físicos. (Correio da Paraíba - 28.06-2015)
Violência, gatilho de neuróticos - (Correio da Paraíba - 28.06-
2015)
Criminalidade fecha negócios- (Correio da Paraíba - 28.06-
2015)
Monstro é preso (Correio da Paraíba - 02.07.2015)
Polícia prende monstro (Correio da Paraíba - 02.07.2015)
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Este cenário é reforçado pela construção do ‘medo latente’ relacionando o caso
de registro de homicídio no município de Guarabira, onde um casal foi encontrado
esquartejado, ao sequestro e estupro das duas mulheres. As sensações provocativas
aparecem nos títulos e textos, que redirecionam a leitura para a mobilização que a igreja
fará contra a insegurança: E a barbárie continua na Paraíba (Correio da Paraíba-
24.06.2015); Medo latente. Bancários: Moradores protestam e até igreja se arma
contra violência (Correio da Paraíba – 24.062015)
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Segundo Jung (2008), o herói muitas vezes luta contra monstros para salvar
“donzelas em perigo” (que simbolizam a anima – o elemento feminino da psique
masculina), muitas vezes representada por uma feiticeira – mulheres ligadas às forças
das trevas e ao mundo dos espíritos (o inconsciente).
Neste caso, o herói foi representado por uma mulher. O animus (o homem
interior da psique feminina) foi traduzido na foto de capa no desfecho final (Figura 1),
com duas mulheres policiais, mascaradas, que prendem o monstro. Numa atualização do
mito de Artemis, o arquétipo da mulher que ajuda e defende outras mulheres e usa um
escudo emocional. Numa mão protege a vida, na outra pode trazer a ruína.
O aparecimento de Artemis é identificada, porém, sem legenda e sem nenhuma
narração textual, confirmando uma hierarquia de cultura em exaltação ao homem. No
entanto, do ponto de vista sutil, a imagem apaguiza os elementos da angústia e do medo
num afrontamento com a imagem do primeiro plano do acusado. A função tem como
principal objetivo a regulação dessa bipolaridade entre o bem e o mal, numa busca pela
felicidade, paz e o fim do sofrimento.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DURAND, Gilbert. Estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes,
2012.
______. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. São Paulo:
Difel, 2011.
______. Campos do Imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. 144
JUNG, Carl. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
22
______. O ritmo da vida: variações sobre o imaginário pós-moderno. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
______. O imaginário é uma realidade. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 1, n. 15, p. 74-
82, ago. 2001.
23
Mesa 1: NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO II
Coordenação: Profa Dra Juliana Tonin
Introdução
(...) Os fluídos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo (....) Os
fluídos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e
propensos) a mudá-la, assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o
espaço lhes toca ocupar, espaço que, afinal, preenchem apenas “por um
momento”. Em certo sentido, os sólidos suprem o tempo, para os líquidos, ao
contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar
inteiramente o tempo, ao descrever os líquidos, deixar o tempo de fora seria um
24
grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas que precisam ser datadas.
(BAUMAN, 2001, p.8)
Para Bauman (2001), a situação atual emergiu de uma ruptura com tudo que era
suspeito de limitar a liberdade individual e escolha de agir. Essa realidade mudou a
nossa forma de ver o mundo, do que esperamos da vida e, principalmente, como nos
relacionamos. O autor enfatiza que o amor na modernidade líquida é um sentimento
descartável. Os compromissos a longo prazo passaram a ser vistos como armadilhas.
Estamos em uma época de amores virtuais em que as relações começam com a mesma
rapidez que terminam. Por isso, são fluidos, líquidos, escapam pelos dedos. Não
queremos mais sentir o peso de um amor sólido, com a sua estabilidade e
responsabilidade. Ao assumir um compromisso, as perdas são mais sentidas que os
ganhos. As portas que se fecharam com a escolha de se manter um relacionamento
sólido são sempre lembradas.
As relações de amor vividas nos filmes A Bela Adormecida (Clark, Reitherman
e Larson,1959) e Frozen (Buck e Lee, 2013) refletem como encaramos e lidamos com
os relacionamentos em diferentes épocas. Mais de 50 anos separam os dois filmes.
Nesse período, ocorreram muitas transformações. A forma como nos relacionamos
acompanhou essas mudanças. Este trabalho se propõe a compreender essas
metamorfoses. O cinema, como uma tecnologia do imaginário, reflete o espírito de uma
época, representa o sentimos e vivenciamos.
25
(1988) e “O imaginário” (1998), os leitores passam a ter uma inicial imersão (que será
mais completa ao visitar a obra prima do autor, as “Estruturas antropológicas do
imaginário”) acerca da importância dos símbolos na construção da imaginação
simbólica e sobre contextos e conceitos do imaginário, respectivamente.
A consciência humana tem como forma básica mais entendível de apreensão da
realidade a maneira direta, em que o espírito assimila a realidade como uma percepção
ou sensação. No entanto, também existe a forma indireta de apreensão, a qual, na falta
de uma sensibilidade imediata, recorre a uma imagem para que a representação ocorra
(DURAND, 1988). É dessa forma que os símbolos representam a realidade de maneira
indireta através da imaginação: a imaginação simbólica.
26
O imaginário, então, não só eufemiza como excede o real e todos que vivem em
uma sociedade simbólica estão submersos na sua essência. “É uma rede etérea e
movediça de valores e situações partilhadas concreta ou virtualmente” (SILVA, 2012,
p.9). No entanto, há diferentes perspectivas acerca do imaginário, principalmente em se
tratando de imaginário pessoal e coletivo. Maffesoli acredita que o imaginário é
somente coletivo e ele “estabelece vínculo. É cimento social. Logo, se o imaginário liga,
une numa atmosfera, não pode ser individual” (MAFFESOLI, 2001, p.76). Para ele o
imaginário não é individual porque faz parte de um funcionamento atmosférico que
serve de cimento ao coletivo; as tribos e os grupos tem no imaginário seu patrimônio, o
qual é pautado por afetos e sensações.
Já Silva (2012) acredita que exista também o imaginário individual além do
coletivo, sendo este imaginário individual pautado no sentimento de pertencimento a
algo além da superfície; já o coletivo é aquele que aceita a alteridade, a disseminação e
a imitação. É a partir deste autor que se tem a ideia de tecnologias disseminadoras de
imaginários, – como a televisão, a internet e o cinema – as tecnologias do imaginário.
O imaginário, então pode ser descrito como um reservatório/motor, pois agrega
lembranças, sentimentos, experiências, visões do real, ao mesmo tempo em que é um
sonho que transforma as ações em realidade, uma força que impulsiona indivíduos ou
grupos. Dessa forma, o homem, fazendo parte da sociedade, a irrigando com sua
vivência, também é um inseminador de imaginários. E o homem tendo contato com as
tecnologias do imaginário, acaba tendo sua vida influenciada por esse fenômeno.
Nas teorias de comunicação, uma das mais difundidas e conhecidas é a da ideia
de indústria cultural. A indústria cultural acreditava que os veículos de comunicação
exerciam amplo controle sobre os espectadores, tendo o poder de manipular suas ideias
e seus gostos. Para os frankfurtianos, a tecnologia é vista como controladora e
manipuladora, em que o emissor é forte e o receptor, fraco. Diferentemente desta ideia,
as tecnologias do imaginário acreditam no poder de interação entre emissores e
receptores. Para Silva (2012), as análises frankfurtianas acerca da indústria cultural não
levavam em conta o poder de ressignificação e recepção do destinatário, se mostrando
uma teoria mais catastrófica do que comprovadora integral de fatos.
Silva (2012) entende, então, que a mídia sempre foi alvo de apropriação e que
suas mensagens sempre sofreram distorções e ruídos por parte da ressignificação feita
pelos receptores. As tecnologias do imaginário, consequentemente, acreditam que a
recepção tem grande influência nos produtos e no emissor da mídia, tendo o poder de
27
influenciar no imaginário tecnológico disseminado por estas. Entende-se que o conceito
de tecnologias do imaginário tem o objetivo não só de superar a visão catastrófica da
Escola de Frankfurt, mas sim incluí-la abrindo espaço à potência do receptor, visto nesta
teoria como autor e protagonista. “Somos o que a técnica faz de nós e também o que
fazemos dela. Somos objetos e sujeitos numa relação dialógica de
sujeição/emancipação. Também manipulamos os nossos manipuladores” (SILVA, 2012,
p. 99).
O conceito de manipulação, que acredita existir o livre acesso ao cérebro do
receptor para controlá-lo agora dá lugar ao conceito de sedução, que, a partir das
tecnologias do imaginário, atinge seu objetivo por atalhos e desvios. As tecnologias do
imaginário valorizam o receptor pois possuem noção do seu alto poder de mobilização
social. Estas tecnologias movimentam indivíduos e grupos, cristalizando a afetividade e
permitindo o contato com as imagens e a imaginação simbólica, cimento do social e do
imaginário. A partir desse contato, possibilitam que os receptores ajam e produzam
sentido a partir de sua mensagem, ressignificando para si as mensagens midiáticas.
Ao contrário da Mass Communication Research e a escola de Frankfurt, que
acreditavam a tecnologia o poder de manipulação, – o câncer social – Silva (2012), a
partir das tecnologias do imaginário, acredita que o indivíduo não seja escravo de suas
escolhas – que, segundo os frankfurtianos, não eram suas - e das tecnologias que usa.
Dessa forma, entende-se o conceito de tecnologias do imaginário como um contraponto
importante para a compreensão do poder da mídia na vida social (poder mais
concentrado na difusão de imaginários do que à manipulação).
Desse modo, insere-se perfeitamente o cinema, objeto de pesquisa deste artigo,
neste cenário. A partir dos conceitos de amor das narrativas cinematográficas dos contos
de fada, acredita-se perceber a metamorfose entre imaginários de épocas e que são
difundidos e construídos a partir da ferramenta tecnológica do cinema. Mas, para
compreender esta metamorfose, é necessário entender a mudança de paradigmas
relacionados ao amor ao longo do tempo e é a partir dos conceitos de Bauman acerca do
amor líquido (2004) que foi possível perceber as metamorfoses nas narrativas.
28
O Amor Líquido
Na atualidade, vivemos uma constante fluidez. Não nos fixamos, nem nos
prendemos a nada. Estamos em constante mudança. Nos importamos mais com o tempo
do que com o espaço, esse ocupamos apenas por um momento.
Bauman (2001), usa a fluidez ou liquidez como metáforas para descrever a nossa
realidade pós-moderna, que ele chama de modernidade líquida. Assim, ele defende que
estamos derretendo os sólidos, tudo que nos prende e que traz segurança. Nesse cenário,
assim como a nossa realidade sofreu transformações, as nossas relações também
apresentam mudanças. Segundo o autor, hoje muitas pessoas buscam relações de bolso,
que podem ser dispostas quando necessárias e guardadas em seguida. Os
relacionamentos não são feitos mais para durar para sempre, como nas décadas
anteriores. As pessoas não sabem mais como manter e tornar um relacionamento
duradouro. “De qualquer modo, eles só precisam ser frouxadamente atados, para que
possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem - o
que, na modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes” (BAUMAN, 2004, p.7)
Para o autor, antes de assumir um relacionamento as pessoas pensam nos
benefícios que isso pode trazer. Ninguém quer investir tempo para construir uma relação
para que somente no futuro isso gere frutos. Na modernidade líquida, a felicidade tem
pressa. Precisamos sentir os benefícios de uma relação nesse instante. Se não nos
acrescenta, é muito mais fácil nos desfazermos do compromisso. Por isso, os
relacionamentos são fluidos, líquidos, não são densos. A leveza nos mostra que tudo
pode ser construído e ao mesmo tempo desfeito rapidamente. O amor tornou-se um
sentimento êfemero através do desprendimento.
29
As princesas e o Amor na Modernidade Líquida
O filme Frozen (Buck e Lee, 2013) retrata a história das irmãs e princesas Elsa e
Anna. Elsa tem poderes, mas por ter ferido a irmã uma vez, é isolada e não pode se
aproximar de Anna. Os pais delas morrem. Elsa se torna rainha. No dia da coroação,
Anna conhece o príncipe Hans e se apaixona. Ele a pede em casamento no mesmo dia.
Anna pede a benção de Elsa para se casar. Elsa diz que Anna não pode casar com um
homem que não conhece. Ela briga com Anna e lança poderes e transforma o verão em
inverno prejudicando o reino. A população do reino se revolta. Elsa se isola nas
montanhas. Anna vai atrás da irmã e conhece Kristoff, um homem da montanha. Ele
ajuda Anna a encontrar com a irmã. Ao reencontrar Elsa, elas discutem e Elsa acaba
ferindo novamente a irmã com seus poderes. Kristoff leva Anna aos trolls, sua família
adotiva, para eles salvarem Anna. Os trolls dizem que Anna só será salva com um ato de
amor verdadeiro, como um beijo. Kristoff leva Anna de volta ao reino para ela beijar o
príncipe Hans. Mas quando Anna o encontra, descobre que ele é na verdade um vilão,
que quer apenas se tornar rei e que não a ama. Ele prende Elsa e não ajuda Anna para
que ela morra. Elsa consegue fugir da prisão. Com a ajuda do boneco de neve Olaf,
Anna escapa do reino e vai atrás de Kristoff achando que ele é o seu amor verdadeiro e
pode cura-la. No caminho, vê que o príncipe Hans tenta matar Elsa, mas ela impede.
Com esse ato de amor verdadeiro, ela fica curada.
No Filme A Bela Adormecida, de 1959, a história se passa no século XIV. O
filme inicia no dia do batizado da princesa Aurora. O Rei Estevan promete a mão da
menina, então bebê, em casamento ao filho do Rei Humberto, Felipe, planejando unir os
dois reinos. Três fadas são convidadas para a festa e presenteiam Aurora com os dons de
beleza e cantar. Antes da terceira fada anunciar o último presente, Malévola aparece e
por não ter sido convidada, anuncia uma maldição. Aos 16 anos, Aurora vai colocar o
dedo no fuso de uma roca e morrerá. A última fada dá como presente em vez da morte,
um sono e um beijo doce para despertá-la. O rei manda queimar todas as rocas e fusos
do reino. As três fadas levam Aurora para viver em uma cabana até completar 16 anos.
Malévola tem uma participação coadjuvante na trama. Ela vive em uma montanha
proibida com seus ajudantes. Não possui nenhuma característica ligada a bondade e não
mostra o lado humano como na versão atual. Aurora e Felipe se conhecem por acaso na
floresta e se apaixonam, sem saber que foram prometidos, e marcam de se encontrar no
dia seguinte na cabana. Ao contar para as fadas que conheceu um rapaz, ela descobre a
30
verdade, que é uma princesa e deve esquecer esse amor, pois tinha o casamento
marcado com um príncipe. No mesmo dia, ao retornar ao reino, Aurora é enfeitiçada por
Malévola para tocar em um fuso e adormece. As fadas lançam um feitiço para que todo
o reino adormeça com Aurora e saem atrás de Felipe. Quando chegam na cabana,
percebem que Felipe foi sequestrado por Malévola e levado para o calabouço da
montanha proibida. Elas resgatam o princípe, mas antes de chegar ao castelo ele precisa
enfrentar um dragão criado pela Malévola. Depois de derrotar Malévola, Felipe beija
Aurora e ela desperta. Eles se apresentam ao reino e vivem felizes para sempre.
Percebe-se, no enredo e desenrolar das duas histórias, grandes diferenças em
relação às épocas em que os filmes foram feitos - já que cinquenta anos os separam.
Essas diferenças se explicam através dos conceitos de modernidade e modernidade
líquida. Em A Bela Adormecida (1959), Aurora e o Príncipe Felipe são o retrato de uma
união estável e duradoura, assim como os grandes projetos e narrativas da modernidade.
Na época moderna, os casamentos eram feitos para durarem para sempre e, segundo
Bauman (2004) nesta época as pessoas se preocupavam com relações sólidas e estáveis.
Percebe-se, no entanto, que os casamentos também poderiam ser arranjados, o que traz
um aspecto da união ligada a interesses e não a sentimentos verdadeiros. Contudo, para
amenizar o fato de que a escolha do par romântico era feita por terceiros, se criou uma
narrativa em que o amor imperava de maneira mágica, chegando ao nível sacralizador
de destino, o “nasceram um para o outro”.
Já em Frozen (2013), vê-se uma reviravolta na ideia de casamento eterno.
Primeiro, porque a rainha Elza em momento algum possui namorado ou romance: ela é
poderosa e autossuficiente por si só. Desta forma, já se nota que a necessidade de um
homem para tornar uma mulher completa se desfaz e casamento arranjado não entra em
cogitação. O que impera, nas narrativas da modernidade líquida, é a liberdade de
escolha amorosa. A narrativa de Frozen (2013), inclusive, deixa claro que um amor à
primeira vista, que era muito bem visto em A Bela Adormecida, deve ser visto com
desconfiança, já que um amor verdadeiro é construído com o passar do tempo e não
repentinamente. Nota-se, então, a aproximação da narrativa com a vida cotidiana, a
“vida como ela é”. E, para comprovar a sua tese, o enredo mostra o príncipe Hans -
aquele perdidamente apaixonado do início - como um interesseiro pela coroa real.
Entende-se que, então, a ideia de casamento arranjado e por interesse muda de prisma:
primeiro, tinha características de amor verdadeiro, de destino; agora, demonstra
realmente a que veio, sem amor.
31
Mas, diferentemente da tese de Bauman (2004), que não acredita que os
relacionamentos na modernidade líquida possuam seriedade e veracidade, na narrativa
de Frozen (2013) ainda se acredita no amor. No entanto, se percebe uma metarmofose
neste conceito. Ao invés de estar pautado nas relações românticas de homem e mulher,
o amor da liquidez dessa narrativa é pautado no amor fraterno e na sororidade, o amor
entre as mulheres- entre Elza e Anna, no caso. No enredo, Elza e Anna são separadas
por motivos de proteção e acabam, em grande parte do filme, distantes e sem afeto uma
a outra. Contudo, no momento crucial do filme, foi o amor entre as duas - que estava
profundo, obscuro, mas existia - que salvou a vida de Anna e trouxe a paz de volta ao
reino. Discorda-se, então, da ideia de Bauman (2004) acerca do amor na modernidade
líquida, já que se percebe uma transformação do conceito de amor, que passa do amor
romântico ao amor fraterno.
Considerações Finais
32
muito mais na vida cotidiana, permeada sim, por imaginários; mas se sabe que o
imaginário é real, não é uma invenção ou pura fantasia.
Assim como os contos apresentam metamorfoses ao longo do tempo, as crenças
e valores sobre esse sentimento também sofreram transformações. Podemos perceber
uma mudança na bacia semântica do imaginário sobre o amor entre a modernidade e a
pós-modernidade. Vivemos sob outros valores e temos uma outra visão de
relacionamento. Com essas transformações, algumas crenças e valores foram perdidos e
outros integrados. O principal aspecto dessas mudanças é a liberdade que temos hoje de
amar quem quisermos, sem nos importarmos tanto com as pressões e padrões que a
sociedade impõe. Não esperamos mais ser felizes para sempre em uma relação, como
nos contos de fadas tradicionais. Amar na modernidade líquida é sentir sem peso, é
viver instantes de felicidade enquanto dure.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2004.
33
Mesa 2: TECNOLOGIAS DO IMAGINÁRIO
Imaginário e a Televisão
Resumo: Este trabalho pretende abordar a visão de autores como Durand (1998),
Baudrillard (2007), Silva (2006), Maffesoli (2001), Lipovetsky (2004), Debord (1994) e
Imbert (2008) sobre imaginário e televisão. A “telinha” muitas vezes é citada como um
veículo hipnotizante, voltado ao espetáculo, que influencia na criatividade do
imaginário. Apesar disso, por ser uma dinamizadora de visões de vida, valores e
crenças, também é vista como uma tecnologia do imaginário, que leva em conta a força
do receptor e não apenas o poder da emissão.
Introdução
34
No imaginário ficam armazenadas as nossas crenças, visões de mundo, sonhos e
fantasias. Para Legros (2014), a vida dos homens é submetida a imaginários, sejam eles
representados nas artes (cinema, fotografias) e nas construções mentais e coletivas
individuais. “O imaginário, assim, diz respeito a uma civilização: circula através da
história, das culturas, dos grupos sociais (...) O imaginário alimenta e faz o homem agir.
É um fenômeno coletivo, social, histórico” (LEGROS, 2014, p.10)
Maffesoli (2001) defende que o imaginário é um estado de espírito de um grupo,
de um país, de um Estado Nação e de uma comunidade. “O imaginário estabelece
vínculo. É cimento social. Logo, se o imaginário liga, une numa atmosfera, não pode ser
individual” (MAFFESOLI, 2001, p.76). Segundo o autor, só existe imaginário coletivo.
Na pós-modernidade, reflete o tribalismo. É um patrimônio de um grupo, que
transfigura um conjunto de sensações e estilos de vida. Retira o indivíduo da solidão.
Para Durand (1998), o imaginário é o museu de todas as imagens já produzidas e
a serem produzidas. É o capital pensado dos homo sapiens, onde se encontram todas as
criações do pensamento humano. Silva (2012) acredita que o imaginário não é um mero
álbum de fotografias mentais, muito menos um museu da memória coletiva e social. O
imaginário é uma rede etérea ou movediça de valores e sensações partilhadas concreta
ou virtualmente” (SILVA, 2012, p.9). O autor divide o imaginário em individual, que é
caracterizado pela identificação em si e no outro, e em imaginário social, que se
estrutura pela aceitação do modelo do outro, disseminação e imitação.
35
Legros (2014) define imaginário como um pensamento simbólico, pois ativa os
diferentes sentidos de compreensão do mundo. Também constrói esquemas de
reconhecimento social. O pensamento simbólico é dificilmente acessível. É necessária
uma interpretação do símbolo. “A interpretação do pensamento simbólico só é possível
porque uma forma interpretativa se tornou possível por esse mesmo pensamento. Sem
interpretação, o símbolo é incompreensível ao pensamento” (LEGROS, 2014, p. 112).
Os imaginários linguísticos ou gráficos precisam ser intrepretados para se tornarem
simbólicos. A ação é uma adaptação da realidade, da imaginação e do imaginário. O
símbolo é o produto de uma construção mental autônoma, que revela os aspectos mais
profundos da realidade, são criações da mente.
Segundo Durand (1988), a imaginação simbólica é representada quando o
significado não é mais apresentável e o signo se refere a um sentido, não a um objeto
sensível. É a transfiguração de uma representação concreta, através de um sentido
abstrato. O símbolo faz aparecer um sentido secreto, a epifania de um mistério. A
imagem simbólica nunca é objetiva e explícita. Ela é ambígua e, muitas vezes,
redundante. Um símbolo não pode ser explicitado.
36
acontecimento inesperado. Todo um conjunto de símbolos e imaginários de uma cultura
e nação foram colocados em xeque.
Todos os grandes fundadores da sociologia utilizaram a noção de imaginário de
alguma forma. A sociologia contemporânea do imaginário se desenvolveu a partir do
fim dos anos 1970, principalmente na França. Criou uma nova perspectiva sobre a
cotidianeidade, a vida contemporânea, as práticas lúdicas e as ritualizações. Gilbert
Durand apresentou o quadro epistemológico e teórico da maioria desses trabalhos. O
imaginário “define-se como uma re-presentação incontornável, a faculdade de
simbolização de todos os medos, todas as esperanças, e seus frutos culturais jorram
continuamente desde os cerca de um milhão e meio de anos que o homo erectus ficou
em pé na face da terra” (DURAND, 1998, p. 117).
37
O autor acredita que a televisão perdeu a ideia do seu papel e a imaginação do
mundo real. Ela só fala para si mesma e busca somente a audiência. Desse modo, perde
credibilidade com o público. Há uma grande variedade de programas, redes e o
conteúdo é deixado em segundo plano. Fica subentendido que o público não necessita
de informação, mas apenas signos e imagens. O homem vive pelo que vê na tela. Ela se
torna uma nova forma de vida. É posssível conhecer o mundo sem sair de casa, mas
esse mundo não é o real, é apenas uma representação midiatizada. O indivíduo entra na
vida como numa tela. A imersão interativa do espectador o transforma em ator.
“Quando todos se convertem em atores, não há mais ação, fim da representação. Morte
do espectador. Fim da ilusão estética” (BAUDRILLARD, 2011, p.130). Não há
diferença entre homem e máquina. Até o espectador se transforma em realidade virtual,
correspondendo à essência da tela. As imagens são produtos maquínicos, artificialmente
expandidos.
As imagens também podem ser vistas como hipnóticas. Debord (1994) vê a
televisão como um bem do espetáculo. Através da grande profusão de imagens o
veículo se torna uma representação da realidade. “O espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação entre pessoas mediada pelas imagens” (DEBORD, 1994, p.
14). Ele faz uma crítica a mídia que legitima o que veicula, assim tudo que é relevante é
midiatizado e tudo que é midiatizado se torna importante. O mundo se transforma em
imagens, vivemos em uma representação. A televisão cria multidões solitárias,
produzidas pelo isolamento. Os espectadores são ligados pelo o que os mantém
separados, mas mesmo assim não deixam de ser isolados. O ator é substituído pelo
espectador, que contempla em vez de agir.
Imbert (2008) acredita que a televisão é um instrumento de construção da
realidade. Tem a presença de objetos com grande carga simbólica como a violência e a
morte. Além disso “... a televisão joga com esta realidade, a transforma, manipula,
duplica e até deforma” (IMBERT, 2008, p. 15). Para ele, a TV tem um universo lúdico,
porém carregado de representações simbólicas, em que a sociedade emerge um
imaginário pós-moderno.
Segundo o autor, há um desgaste do real e o modelo de realidade oferecido pela
mídia. Existe o desenvolvimento de um nível de realidade representada paralelamente a
realidade social, o que é acentuado com a telerrealidade. Para ele o veículo televisivo
tem duas funções. A primeira é a espetacular, que amplifica a realidade na
representação dos objetos. A segunda a função especular, que através dos processos de
38
espetacularização do próprio sujeito e do meio que apresentam uma representação
narcisista.
Um exemplo disso deste contexto são os reality shows que mostram a
convivência dos participantes e produz um espetacularização do relacional, com o
desenvolvimento de novas formas narrativas. Essa narratividade é mais baseada na
própria relação dos sujeitos do que na ação. Em relação ao entretenimento, a TV se
espetaculariza a si mesma.
Estamos diante de uma televisão que pode chegar a prescindir a realidade, dar o
amparo, até alcançar um simulacro na terceira fase: o primeiro seria o espetáculo
(a paleotelevisão), o segundo a simulação (a recriação da realidade no modo do
reality show na neotelevisão), o terceiro o simulacro em terceira fase, quando a
televisão joga com sua própria representação e, mediante a deformação (o
grotesco), a parodia (duplicação da realidade), a reflexividade (os programas de
zapping), a televisão olha a si mesma, contempla em seu próprio espelho, mas em
um espelho deformado, que cai com facilidade no grotesco. (IMBERT, 2008,
10
p.16).
10
Estamos ante una televisión que puede incluso llegar a prescindir de la realidad, a darte la espalda, hasta alcanzar
un simulacro em tercera fase: el primero sería el espetáculo (la paleo-televisión), el segundo la simulación (la
recreación de realidad al modo del reality show en la neo-televisión), el tercero el simulacro en tercera fase, cuando
la televisión juega con su própia representación y, mediante la deformación (lo grotesco), la parodia (la duplicación
de realidad), la reflexividad (los programas de zapping), la televisión se mira a sí misma, se contempla en su propio
espejo, pero en un espejo deformado, que cae con facilidad en lo grotesco. (IMBERT, 2008, p.16).
39
os nossos manipuladores. Os dados nunca estão lançados. (SILVA, 2012,
p.99)
O autor defende o poder social exercido pela mídia na transformação dos modos
de vida, dos gostos e comportamentos. A televisão acaba uniformizando gostos,
padronizando e massificando práticas. Mas mesmo assim, ela não homegeneíza o corpo
social mais do que a escola. Ela também acelerou a dissolução de certas formas de
socialidade, como a ida frequente aos cafés do bairro e a redução da frequência nas salas
de cinema.
Por outro lado, a mídia também criou uma dinâmica de emancipação dos
indivíduos em relação às autoridades institucionalizadas e às coerções identitárias.
40
Através dos telejornais e debates, abre os horizontes, faz conhecer diferentes pontos de
vista. A televisão se constitui mais como iluminismo do que propagador do mal
Lipovetsky (2004), também acredita que a televisão promove laço social. Não
apenas assiste-se os programas, fala-se deles. Nós assistimos um programa e sabemos
que o outro acompanha também. A TV também é fator de comunhão, promove a
participação afetiva e comunitária em alguns momentos. Através do sensacionalismo,
torna próximo e íntimo o que é distante. Promove também a necessidade de estar junto,
de se reunir e vibrar em conjunto.
Considerações Finais
A televisão é vista por muitos autores como uma tecnologia com poderes
malignos. O veiculo é citado como manipulador, que consegue penetrar nas mentes do
público com total facilidade. Para outros, ela é o espetáculo. Um grande palco onde os
espectadores são atores, que se sentem vivendo através da tela, como se aquela fosse a
sua vida real. A “telinha” também recebe a atribuição de hipnotizar através de uma
explosão de imagens, com efeitos perversos que são capazes de anestesiar a criação de
imaginários, mostrando a face da passividade.
Por outro lado, as tecnologias do imaginário mostram a outra face dos poderes
televisivos. A manipulação é substituída pela sedução. É reconhecida a potência do
receptor. O espectador não fica em frente a tela reproduzindo imaginários prontos, ele
mesmo dissemina imaginários.
O simbólico se desenvolve a partir de imaginários. O pensamento simbólico
reúne tudo aquilo que não pode ser descrito e analisado concretamente. Vivemos em um
mundo repleto de simbolismos. O pensamento é integrado na função simbólica. O
simbolo imaginário tem uma consciência insconsciente. Revela aspectos mais
profundos da realidade.
41
Além de simplesmente propagar imagens em grande escala, a televisão
dissemina imaginários, produz o simbólico e estabelece laço social. É preciso pensar a
TV além do aspecto manipulatório e espetacular. A TV promove o estar junto, a
participação comunitária, e com seus debates amplia a visão de mundo e pontos de
vista. Ela oferece subsídios para a formação de imaginários, em que cada um acrescenta
aos seus conteúdos as suas próprias vivências e visões de mundo.
Referências
42
Mesa 1: IMAGINÁRIO E CONSUMO
Coordenação: Profa Dra Juliana Tonin
AUTORA:
Maria Izabel Ferezin Sares: Doutora em Engenharia de Produção pela UNIMEP,
professora nos cursos de Publicidade e Propaganda, Engenharia de Produção e
Administração na PUC Minas Poços de Caldas –MG. sares@pucpcaldas.br CPF
965.809.508-97
CO-AUTORES:
Adinan Carlos Nogueira: Doutorando pelo programa Ciências da Comunicação da
Universidade Lusófona, Mestre em Administração pelo CNEC, Professor Adjunto IV
do curso de Publicidade e Propaganda da PUC Minas Poços de Caldas e Professor do
curso de Publicidade e Propaganda da UNIFAE. adinan@agenciacervantes.com CPF
658.366.346-53
RESUMO
O objetivo do trabalho é investigar o fenômeno dos rolezinhos à luz do ensaio de
Benjamin (2013), compreendendo os encontros dos jovens em shoppings centers como
manifestações estéticas tensionadoras da ordem vigente do político, aproximando este
fenômeno à metáfora do autor ao culto ao capitalismo como a um templo para
compreensão alargada do contexto sócio-político.
43
Introdução
Benjamin e o capitalismo
Nesse texto, Benjamin (2013) declara que o capitalismo não deveria ser
analisado tradicionalmente como uma religião, com seus dogmas, mas sim como uma
religião puramente cultual. Para o autor isso se deve ao fato de que, ao se buscar
relacionar o capitalismo com uma religião, percebe-se que ele existe como uma forma
de satisfazer as mesmas inquietudes, angústias e preocupações, que são também
possíveis de serem resolvidas por meio da religião.
Sendo assim, o capitalismo é tratado como uma religião cultual que não teria
relação imediata com culto, apesar da afirmação de Benjamin (2013) sobre o mesmo ser
puramente cultual, nem com dogmas específicos ou com a própria teologia. Mas o autor
o chama de puramente cultual, dando uma conotação utilitária ao capitalismo, uma
coloração religiosa exatamente por servir como uma possível solução de problemas, tal
como as pessoas ao passarem por problemas, buscam a religião.
O que contribui ainda mais para essa noção do capitalismo como religião é a sua
semelhança com religiões nativas pagãs, já que busca interesses práticos mais
imediatos, sem pouca ligação com o transcendental.
A originalidade do capitalismo existe no fato de que não é expiatório, mas sim
um fabricante de culpa. Essa abordagem interessante e fascinante sofre duas limitações
importantes. A primeira é que o capitalismo não possui a natureza teológica da religião
em si, por não ter um sentido direto de culto, de adoração ou de sagrado. A segunda
limitação diz respeito ao fato de que ele não é purificatório, ninguém dele participa para
se arrepender e acaba levando a humanidade não a um sentimento de paz, mas sim a um
estado de desrespeito
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Com essas observações, Benjamin (2013) chega até mesmo a ultrapassar Weber
(2004) o qual afirmou que o capitalismo seria uma secularização da fé protestante, e
apresenta o capitalismo como o próprio fenômeno religioso, o qual teria se
desenvolvido a partir de uma visão parasitária a partir do cristianismo.
O capitalismo de Benjamin (2013) teria algumas características religiosas.
Primeiramente, por que é cultuado como de maneira pura e extrema, sem dogmas ou
teologicamente falando. Essa visão utilitária daria uma conotação religiosa ao
capitalismo.
A segunda característica seria que esse culto é permanente, ou seja, é celebrado
todos os dias e em todos os momentos num esforço extremo de adoração. Ao praticar a
adoração ao capitalismo, ele é exibido com toda a pompa necessária.
A terceira característica reside no aspecto que esse culto gera culpa, porém essa
culpa é círculo vicioso. A pessoa sente um grande sentimento de culpa, mas não sabe
como se arrepender e assim acaba se agarrando ainda mais no culto, não para se
arrepender, mas sim para torná-lo universal. Ou seja, o capitalismo é arrastado para o
destino do homem.
A quarta característica é a solidão absoluta desse homem que cultua o
capitalismo, ele o cultua de maneira escondida e o celebra como uma divindade imatura.
O culto ao capitalismo faz com que as pessoas só se sintam cidadãs quando
consomem e, quando isso não ocorre, elas se sentem culpadas, fracassadas, sem “fé”,
pois o seu desempenho econômico, que é o que representa essa fé, é inexistente. Logo, o
passeio ao shopping center é uma clara demonstração de dependência, já que adquirir
produtos é um fetiche, pois esses produtos teriam poderes mágicos ou sobrenaturais,
criando uma relação pessoal com esses produtos.
Essa visão “religiosa” ou de adoração ao capitalismo dada por Benjamin (2013)
pode encontrar reflexo nos chamados “rolezinhos” que a periferia vem praticando nos
shoppings centers de grandes cidades. Em 2001, a revista Super Interessante já
comentava sobre o cerco que a periferia vinha fazendo nos bairros de classe média. Esse
cinturão de pobreza, onde a criminalidade anda solta, onde há chacinas, enchentes, entre
outros graves problemas, cresce com mais rapidez que os bairros de classe média e alta
e, consequentemente, acabam espremendo aqueles que dela desejam distância.
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Por outro lado, assim como na dialética teologia política de Benjamin (2013), o
emergente acesso dos menos favorecidos a esses espaços-símbolo do capitalismo gera
tensão social: a igualdade promovida pelo enriquecimento esbarra na liberdade
daqueles que já ocupavam aqueles espaços e se incomodam com o outro próximo. Os
templos já possuíam seus adoradores e a alteridade não é bem recebida.
Os rolezinhos se mostram operações estéticas que transparecem uma
desorganização na hierarquia social e de consumo; ou, como em Rancière (2005), uma
nova partilha do sensível. Por práticas estéticas, Rancière compreende formas de
visibilidade das maneiras de fazer e das práticas, dos lugares ocupados.
O rolê causa tensão pois é apropriação estética do político e incomoda por seu
caráter forçosamente democrático: a repartilha só acontece quando forçada. A partilha,
portanto, é a instauração de um novo regime de indeterminação das identidades e dos
espaços. É o que, em outro texto, Rancière (1996) entende por “democracia”: demos é a
parte dos que não tem parte.
Logo, os “rolezinhos” se mostram operações estéticas que transparecem uma
desorganização na hierarquia social e de consumo; ou, como em Rancière (2005), uma
nova partilha do sensível. O rolê causa tensão pois é apropriação estética do político e
incomoda por seu caráter forçosamente democrático: a repartilha só acontece quando
forçada.
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pelo aumento de renda e consumo levando-os a buscar os chamados produtos de marca
e qualidade.
E o que atrai esses jovens, ou seja, que tipos de produtos eles estão indo atrás?
São produtos de higiene, calçados, vestuário, eletrodomésticos, recreação e cultura
principalmente.
De acordo com dados do Instituto Data Popular, local especializado em
realização de pesquisas nas classes média e baixa, as classes C, D e E moradoras das
periferias das metrópoles brasileiras, há cerca de 155 milhões de habitantes com um
poder de compra que a colocaria no G20 do consumo mundial (o Instituto Data Popular
utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – Pnad –, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – e do Banco Mundial). Além disso, esses
dados colocariam a periferia das grandes cidades brasileiras no 16º lugar do ranking de
países que mais consomem produtos e serviços de uma maneira geral; o Brasil ocupa a
sétima posição no ranking mundial de consumo. Muito disso se deve à globalização, à
própria dinâmica do sistema capitalista, do barateamento dos meios de transporte, das
maiores facilidades criadas pelos novos meios de comunicação, entre outros.
Quando se comparam esses dados com outros mundiais, percebe-se que essa
“república da periferia” brasileira possui um poder de compra maior que determinados
países tais como a Suíça, a Holanda ou a Turquia.
Além desses dados, o Instituto Data Popular descobriu que o consumo da região
periférica de São Paulo é duas vezes maior que o mesmo da região central da cidade. A
diferença é de R$ 188,78 bilhões para R$ 87,5 bilhões. São cifras que indicam que a
periferia totaliza cerca de 70% das vendas.
Devido a esse aumento de renda que ampliou o poder de consumo da periferia,
os shoppings centers que antes eram apenas cultuados como templos de consumo por
essa população, passaram a ser acessíveis. Porém, as classes média e alta não veem com
bons olhos esses novos frequentadores dos ambientes que antes dominavam.
BIBLIOGRAFIA
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AGAMBEN, Giorgio. UNISINOS. “Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro”:
entrevista de Giorgio Agamben. Trad. Selvino Assman. 2012.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512966-giorgio-agamben Acesso em 05 set. 2015.
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512966-giorgio-agamben>
RANCIÈRE, Jacques. "O dissenso". In: NOVAES, Adauto (org). A crise da razão. São
Paulo: Companhia das Letras; Brasília: Ministério da Cultura; Rio de Janeiro: Fundação
Nacional de Arte, 1996, pp. 367-382
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FOTOGRAFIA POST-MORTEM:
Era Vitoriana, santinhos e redes sociais
Resumo
Qual a trajetória da fotografia post-mortem da era Vitoriana até hoje, passando pelos
santinhos de sétimo dia e redes sociais? Para responder esta questão este trabalho
apresenta uma interface da morte com a fotografia destacando as fotos post-mortem e os
santinhos distribuídos nas solenidades posteriores ao sepultamento.
INTRODUÇÃO
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procedimento classificada como ex-post facto ao verificar a existência de relação entre
variáveis. A problemática se traduz em: Qual a trajetória da fotografia post-mortem
da era Vitoriana até hoje, passando pelos santinhos de sétimo dia e redes sociais? Qual a
relação entre as imagens e a cultura de um povo? As imagens serão realmente capazes
de registrar os momentos históricos e culturais?
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2- A FOTOGRAFIA POST-MORTEM NA ERA VITORIANA
As fotografias post-mortem tiveram a sua origem na Inglaterra, no século XIX,
quando a Rainha Vitória pediu que se fotografasse o cadáver de um parente para que ela
pudesse guardar a imagem como lembrança. Após o pedido da Rainha, esse tipo de
fotografia ganhou o mundo, principalmente nos Estados Unidos, como uma forma de
eternizar as pessoas queridas que viessem a falecer. Esse tipo de fotografia chegou a ser
produzida até meados do século XX e expõe a sensibilidade da época em relação à
morte, ou seja, essas fotografias representam uma prática documental indispensável e
comum de lidar com a perda e a dor.
As pessoas preferiam utilizar a fotografia em vez da pintura em virtude do alto
custo da contratação de um pintor. Algumas dessas fotografias faziam uso de cenários e
armações de madeira, tentando dar ao morto um aspecto o mais natural possível. De
fato, esses aspectos relacionados com a tanatologia dialogam com a finitude da vida, a
religiosidade, a espiritualidade e qual o sentido da vida, assim como com os conteúdos
emocionais incluídos. A morte sempre foi um assunto complexo e perturbador, sendo
frequentemente associado com o fracasso e a perda e, portanto, algo difícil de ser
vivenciado.
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dificuldade a morte do outro do que o faziam anteriormente. A morte temida não é mais
a própria morte, mas a do outro”.
Assim, com essas fotografias post-mortem, as famílias poderiam ter a sensação
de que tinham o ente querido falecido por perto, como se ainda estivessem vivos,
principalmente em virtude de algumas cenas montadas. Depois essas fotografias eram
emolduradas e vistas como recordação.
Com as fotografias post-mortem, os mortos deixariam de fazer parte apenas das
memórias e passariam a ser parte também da comunidade por meio de recuperação da
sua identidade simbólica nessas fotografias. Elas reforçariam a imagem de uma vida que
teria prosseguido, não sendo uma presença negativa que assusta ou mesmo uma
ausência sem retorno. Portanto, seriam um acordo entre a presença simbólica e a sua
ausência. Alguns pesquisadores cogitam que esse tipo de fotografia pode ser uma
negação da morte, um reflexo da dor aguda. A morte pode ser vista como um fenômeno
coletivo, algo que envolve um grupo e que o desestabiliza, pois consegue despertar uma
série de reflexões e representações baseadas no imaginário e codificadas de acordo com
o lugar, a cultura ou circunstância. Assim, a fotografia viria para amenizar a dor e o luto
por alguém (o objeto da foto). Essa relação com os mortos nem de longe era mórbida ou
desrespeitosa, era apenas um fator cultural e contribuía para manter viva a memória das
pessoas, demonstrando um acordo entre a presença simbólica do morto e o vazio que a
sua ausência provocaria.
Ao se fotografar os mortos, busca-se por meio de movimentação e expressão,
admitir ou permitir que eles alcancem uma nova chance de comungar com a vida ou até
mesmo que os vivos comunguem com os mortos.
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Como o processo desse tipo de fotografia através do daguerreótipo, na época, era
demorado, já que demandava longa exposição para não ficar desfocada, isso exigia
imobilidade quase total para garantir a nitidez. Assim, mesmo a fotografia sendo mais
rápida que a pintura e mais barata, o processo todo entre situar o morto dentro de um
contexto, arrumá-lo de maneira que parecesse natural e arranjar os familiares ao redor
também demandava tempo, porém, menor.
Logo, as fotografias serviam de recordação para familiares e amigos e, apesar de
ser considerado um processo caro, era mais acessível que um quadro. E mesmo assim,
era somente em ocasiões especiais. Por isso, as famílias adiavam tanto para ter uma
fotografia. Nesse ínterim, alguém poderia morrer, fazendo surgir a ocasião para a
fotografia post-mortem, que hoje são muito disputadas em leilões.
A recordação imagética tinha a função de facilitar o luto, pois criava uma
recordação palpável, permanente e muitas vezes fiel ao familiar falecido em virtude das
pinturas faciais e posturas na fotografia. Sendo assim, os pais encomendavam essas
fotografias. Coloriam-se as faces como uma forma de demonstrar que ainda estavam
vivos e saudáveis. As fotografias de crianças da classe baixa eram mais frequentes que
as de classe alta, já que essa poderia ser a única fotografia da criança. Já as crianças de
classe mais abastada poderiam ter mais chances de serem fotografadas em outros
períodos que não exatamente após sua morte. Além disso, morriam-se muito mais
crianças das classes mais baixas que das mais altas em virtude de condições de vida.
A composição dessas fotografias era, em geral, simples. As crianças mais ricas,
normalmente, eram colocadas em caminhas, bercinhos, cadeiras ou cestinhos com seus
brinquedos favoritos, como se estivessem dormindo ou envolvidas em pequenas
atividades diárias. Quando o efeito desejado era de que a criança estava sentada ou em
pé no momento de tirar a foto, algum apoio era necessário, e geralmente vinha na figura
da mãe, por vezes coberta por um tecido, sustentando o corpo do filho.
Já os adultos eram fotografados ou em seus velórios, cercados da família, ou
deitados em seus leitos como se estivessem dormindo. Há também fotografias do morto
dentro do seu caixão, quase em pé, ladeado pelos membros da família ou dando a
impressão de que estavam envolvidos em alguma atividade do dia a dia, ou seja,
simulando que estivessem vivos ainda.
Essas fotografias de grupo podiam incluir vivos ou não. Quando os vivos eram
incluídos, pode-se dizer que se buscava dar mais autenticidade à cena.
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Algumas jovens seguravam elementos religiosos em suas mãos, tais como um
crucifixo ou outro objeto. Em outras imagens, pode-se ver moças sentadas em poltronas
cercadas pelos membros vivos da família também para representar o mesmo
pensamento. Em geral, as mãos das moças se acomodavam docemente em seus regaços
denotando um desejo de permanência, numa postura excêntrica de dizer que é belo viver
a morte e mostrar isso aos outros que a enxergarem.
Ao se observar detidamente essas fotografias, oscila-se entre o mórbido, a
curiosidade e o medo. Mas se esses sentimentos forem deixados de lado, pode-se dizer
que as imagens post-mortem vitorianas possuem uma estética própria, cuidada e
especial além de observação de comportamentos sociais e culturais.
Assim, as fotos post-mortem podem refletir uma das questões mais essenciais da
natureza humana, que é a necessidade de conservar imagens, fatos, gestos, tudo o que
for possível daqueles que amamos não apenas na memória, mas também fisicamente,
como uma maneira ou uma tentativa de imortalizar graficamente também a efemeridade
de nossa passagem pelo mundo.
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maior elaboração, podendo ser impressos em folha dupla e eram distribuídos para os
presentes em atos religiosos que homenageassem o morto, como missas fúnebres e
missas de sétimo dia, mês ou ano de falecimento.
A prática de distribuir santinhos foi minguando conforme a sociedade se
laicizava: a religião passava a ser escolha, e não mais imposição, e tinha um papel cada
vez menor na vida das pessoas, e por consequência não mais balizava as interações
sociais. Os santinhos trocados apenas como lembrança entre parentes e amigos
desapareceram por completo, mas os de falecimento permaneceram.
4- A ESPETACULARIZAÇÃO DA MORTE
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seja, da morte e dos eventos que a cercam dentro da chamada “Sociedade do
Espetáculo” do escritor francês Guy Debord (1997).
Outro fato atual é o problema enfrentado pelo site de relacionamentos Facebook
com relação às pessoas que morrem repentinamente, mas que continuam a ter o seu
perfil no site: não são exatamente fotografias post-mortem, mas essas imagens não
deixam de ser referências imagéticas para o momento pós-morte e os perfis dos
falecidos se tornam local de peregrinação virtual e prestação da última homenagem na
rede. No Facebook, a presença é marcada pela “curtida” no status de luto, e sobre isso
discorre Rigo (2012 apud TOMASI, 2013, p. 111): “(...) marcar a presença, mas não se
comprometer com palavras de consolação à enlutada. O que nos leva ao medo do
esquecimento virtual”.
Outra maneira de expressar o luto na internet e substituir a ida ao local do
sepultamento é deixar mensagens em páginas de cemitérios online, que começaram a
surgir em meados dos anos 1990, como aponta Tomasi (2013), reunindo anônimos e
famosos, em um espaço coletivo de luto mantido através de usuários que, se desejarem
incluir uma flor ou vela virtual ao jazigo online de sua escolha, devem pagar uma
pequena taxa.
Ainda dentro do tema da sociedade do espetáculo, vimos a ascensão da selfie
como forma de documentação nas redes sociais, e não demorou muito para que selfies
começassem a ser tiradas em funerais – com ou sem a inclusão do morto. Neste novo
tipo de manifestação, conviver com a morte ganha outro significado, menos emotivo e
mais exibicionista.
Entretanto, em meio à proliferação das selfies em funerais, o caráter de
oportunidade única das fotografias post-mortem originais permanece conforme cresce a
notoriedade do falecido. Já nos anos 60 foram tiradas fotos do corpo de Marilyn Monroe
no momento da autópsia, fato que se repetiu em 2015 com o cantor Cristiano Araújo,
com a diferença de que em segundos as fotos do cantor já estavam online. Se no
passado foram tiradas fotografias dos corpos de autoridades como Hitler, Stalin e
Mussolini, e também de Che Guevara, em todos os casos para que a foto servisse de
garantia da execução, hoje tirar fotos com corpos também é uma declaração de
autenticidade: quem não se lembra da mulher que tirou uma selfie ao lado do caixão do
político Eduardo Campos?
Analisadas à luz do que escrever Szarkowski (1966), as selfies tiradas em
funerais têm características que as transformam em lembranças da ocasião, e não em um
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memento mori. Se na Era Vitoriana os vivos eram muitas vezes excluídos das
fotografias, na atualidade são os mortos que ficam fora do foco. Quanto aos outros três
elementos que definem a foto; objeto fotografado, detalhes e tempo, fica claro que a
maior parte das selfies de funeral estão mais próximas do “look do dia” que de sua
ancestral fotografia post-mortem.
Muito embora alguns possam dizer que a morte encontra-se banalizada através
das imagens na internet e nos meios de comunicação, quando se vê fotos de pessoas
mortas em acidentes, isso pode refletir uma atitude ambígua: da mesma forma que se
posta uma fotografia de alguém morto, busca-se com isso afirmar que não se deseja
aquilo e, ao mesmo tempo, essa referência imagética pode ser relacionada à negação da
morte. Assim compreende-se que embora todos saibam que podem morrer um dia, não
se deseja isso e, ao postar uma imagem dessa em uma rede social, por exemplo, busca-
se também mostrar um exemplo que não deve ser seguido.
BIBLIOGRAFIA
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução Júlio Castañon
Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BATCHEN, Geoffrey. Forget me not: photography and remembrance. 1st ed. New
York: Princeton Architectural Press, 2004.
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uncanny in technology from the previous turn-of-the-century. In: THORBURN, David;
JENKINS, Henry. Rethinking media change: the aesthetics of transition. United States
of America: MIT Press, 2004. p. 39-60.
57
MAGALHÃES, Elma Costa. Mercado Post Mortem: rememorando e ressignificando
os mitos modernos da sociedade do espetáculo. Dissertação (Bacharelado em
Comunicação Social; habilitação em Publicidade e Propaganda). Universidade Federal
do Pará, Instituto de Letras e Comunicação, Faculdade de Comunicação, Curso de
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda. Belém, 2013.
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo, Rio
de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 73-98, 1996. Disponível em:
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Cambridge, Mass.: MIT Press, 1995, p. 49-74.
SZARKOWSKI, John. The Photographer's Eye. New York: Museum of Modern Art,
1966.
58