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BREVES NOTAS SOBRE UTOPIA, DISTOPIA E HISTÓRIA

Carlos Eduardo Ornelas Berriel*

A meu ver, a utopia (principalmente em seu século inicial, quando o gênero ainda estava sendo

estabelecido e seus contornos compostos) é gerado por dois princípios distintos:

1) uma experiência histórica, como metáfora (Morus sendo paradigmático como o

metáfora da verdadeira Inglaterra de seu tempo), e

2) uma Idéia, uma construção abstrata que desce do Céu à Terra (Civitas

Solis sendo o melhor exemplo, enquanto a formalização do restritivo trinitário

racionalidade).

Desta hipótese emerge a ideia de distopia como originária primordialmente

o segundo princípio: a série distopia que deriva daquelas utopias que não se relacionam

ao mundo empiricamente concreto.

É sabido que a distopia nasceu da utopia, e que ambas as expressões são

intimamente relacionados. Há, em cada utopia, um elemento distópico – expresso ou tácito –, e

vice-versa. A utopia pode ser distopia se seus pressupostos essenciais não forem compartilhados. No

Por outro lado, a distopia pode ser utópica, se a deformação caricatural da realidade não for

aceitaram. A distopia, que revela o medo de uma opressão totalitária, pode ser vista como a

reverso especular da própria utopia.

Devemos considerar a relatividade do que Margareth Mead uma vez se referiu, quando

ela avisou que o sonho de um poderia ser o pesadelo do outro. Afinal, o sonho de alguém pode ser

perfeitamente inócuo para o outro. Essencialmente, essa ideia sustenta que a pessoa perfeita

“sonho”, ao se originar de um constructo abstrato (que é efêmero, embora

aspirando a ser eterno; que é singular, embora presumindo ser universal; que pretende

proclamar o fim da História por acreditar que ela é, de fato, o ponto de chegada da

vida), esse sonho é o que gera o pesadelo da distopia.

Bronislaw Baczco considera que a utopia não orienta o curso da História.

De acordo com seu contexto, relaciona-se aos desejos e esperanças coletivas. Mesmo assim,

*Traduzido por Helvio Gomes Moraes Jr. e publicado em Utopia Matters. Teoria, Política, Literatura e
Artes. Ed. Fátima Vieira e Marinela Freitas. Porto: UP, 2005, p. 101-105.
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não traz consigo o cenário histórico para cuja realização contribuiu. Nenhuma utopia prevê seu próprio

futuro1 . Em outras palavras: as utopias, ao emergirem da realidade

elementos, reconstruir todas as Histórias possíveis, todos os cenários não realizados pela História.

Essa ideia tem suas raízes na Poética de Aristóteles, onde se diz que a poesia é mais ampla do que

história, uma vez que realiza, até o fim, o que a História apenas esboçou. Hegel define uma

realidade notavelmente rica, em que o ser existente tem muitas dimensões à sua disposição – todas

eles reais. Tudo o que surge como tendência real, mesmo que não se cumpra concretamente,

também adquire o estatuto de realidade. Aqui está o ponto em que a utopia é filosoficamente

legalizado. É uma tendência ativa e efetiva da realidade, embora não se realize enquanto

Estado. Habita a dimensão ética. Sua condição de gênero está na tendência dos itens de

realidade e não realização.

A relação entre o ilusório e o real é extremamente íntima na utopia como

bem como nos relatos das viagens de descoberta. O imaginário organiza o real

experiência, enquanto esta serve mais tarde como base para elaborações internas: as fronteiras entre

real e ilusório são, portanto, indefinidos. Na utopia, o ideal subordina o real ao

mesmo compromisso com o qual, nas viagens de descoberta, une real e ilusório: o
os limites entre verdadeiro e falso são diluídos.

Muito diferentes são as perspectivas pelas quais os autores de utopias e distopias

construir suas construções; ambos, no entanto, são regidos pelas mesmas leis, como tragédia e

comédia, de acordo com o julgamento aristotélico clássico, são da mesma forma. Podemos considerar
aquele:

a) a utopia clássica se constrói a partir de um hiato (nunca suprimido) entre o real

A história e o espaço reservado às projeções utópicas; a descoberta de um distante

país, até então ignorado (como podemos encontrar nas tramas de Morus, Campanella e outros)

tornou-se o símbolo de uma fratura, que não é apenas geográfica, mas, sobretudo, histórica;

b) a distopia tenta dar continuidade ao processo histórico, ampliando e

formalizando as tendências negativas que estão ativas no presente e podem conduzir,

quase inevitavelmente, se não forem obstruídas, às sociedades perversas (a própria distopia).

1
“Finzione storiche e congiunture utopiche”, pág. 14, em “Nell' ano 2000 – Dall'utopia all'ucronia”.
Leo S. Olschki editore, Firenze, MMI.
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Na utopia, a sociedade cultural e politicamente constituída pela História é absorvida com a

objetivo de ser superada pela imagem da Cidade ideal estabelecida. Nesse sentido, exemplar

é a adoção, por muitos utópicos, do conto de uma viagem aventureira em que o

narrador desembarca em uma terra desconhecida. Tal presença desempenha um papel fundamental na

utopia: constitui aquela fratura espaço-temporal que permite a existência própria do

representação utópica; a longa extensão da viagem permite ao narrador deixar para trás

sua própria experiência social, política, religiosa e econômica, para viver em um mundo cuja

geográfico e, consequentemente, o isolamento histórico e cultural, criaram instituições e

usos que nada têm em comum com a realidade original do viajante.

Assim, estamos diante de uma sociedade radicalmente diversa; mas tal

diferenciação na utopia torna-se contraposição especular: a estrutura negativa do

organização humana existente está sujeita a essa estrutura positiva do imaginário Novo

Cidade. Dessa forma, o autor tenta superar a realidade contingente ao propor, como

uma alternativa, uma sociedade perfeita racionalmente fundada.

Por outro lado, na distopia não apenas a realidade é assumida como ela é, mas também sua

práticas e tendências negativas, desenvolvidas e ampliadas, fornecem o material para a

edificação da estrutura de um mundo grotesco. Em suma, é próprio da história

dimensão a determinação da diferença entre utopia e distopia: o imaginário

lugar feliz é, de fato, um não-lugar, no sentido de que não está localizado espacialmente em sua

o próprio mundo do autor; pois o que o utópico quer nos “mostrar” é a imagem de um

mundo feliz e, por meio dessa demonstração, nos admoesta a nos sentirmos movidos a

imprimir energicamente à História um sentido diferente daquele, até então, predominante.

Como já se sabe, a utopia de Morus tem uma base real, que é a própria Inglaterra,

severamente estudado em seu texto. A utopia não é fruto de um delírio, mas nasceu da

necessidades concretas de lutar contra o destino, de fundar uma “segunda natureza” para o homem

- História. Esta é a face generosa da utopia. Nem todos os exemplos do gênero eram como
Este.

As utopias do período da Contra-Reforma, que são transfigurações de

sociedades atuais, não se originou de uma sociedade usada como referência. Ao contrário, eles

concebeu uma polis e uma vida coletiva a partir de conceitos abstratos, formulados por um

Igreja defensiva. São metástases de conventos e mosteiros, onde as necessárias


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práticas de vida extramoncais (trabalho, convivência, casamento, reprodução,

participação, etc.) são submetidos a um conjunto completo de regras que retira a espontaneidade civil

dessas mesmas atividades, sendo finalmente processado na disciplina clerical2 .

A distopia, portanto, é o prolongamento do perfil daquelas utopias que são

construída de proposições abstratas, e não de metáforas ou alegorias. O social absoluto

controle, nascida a Contra-Reforma, levou a uma variante de utopias, que atinge seu pleno

expressão em Civitas Solis, seu melhor exemplo, e aquele que fornecerá os elementos

para a futura distopia. Isso não surge inesperadamente, como um relâmpago em um céu azul,

mas já respirava as antigas utopias da Contra-Reforma (Agostini, Patrizi,

Buonâmico).

A noção de perfectibilidade social, portanto, não é, nem poderia ser, nascida de uma

experiência humana concreta, geradora de problemas resolúveis. Em vez disso, surge

incontaminado pela História, como um constructo ideal, de onde a dimensão empírica do homem

é removido. A solidão que emana das pinturas de Piero della Francesca

sobre a cidade ideal nos diz muito sobre essa humanidade descartável; aqueles não são

cidades construídas para o homem realmente existente, mas um complexo em que arquitetura e urbanismo

deixam lugar e substância à escultura, e a presença humana desequilibra e mancha o

inteira. Sua racionalidade torna-se áspera, e sua capacidade de levar à emancipação

o viver associado é misturado com seu oposto, sua própria negação: como Édipo em Colonos,

o indivíduo acaba expurgado da mesma polis que ele emancipou da

quimera intrigante.

Existiriam dois momentos centrais na História marcados pela intolerância, e

que possivelmente fornecem os elementos fundadores da distopia; eram dois frágeis, instáveis,

conjunções sociais defensivas – apesar da aparência contrária: a

Igreja Católica e o Estado Soviético. Essas instituições, em seu processo afirmativo,

criou a ilusão de ser perfeito por ser, de fato, incapaz de suportar dissensões –

algo que certamente poderia destruí-los. A ilusão de serem formas perfeitas, já

utopias realizadas, gerou, ainda que involuntariamente, o material que será

formalizado em distopia.

2
Isso é central e constitutivo em 1984 de Orwell, por exemplo.
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A abstração social trinitária pode ter um elemento semelhante no hipertexto soviético

racionalismo, que derivou de Lênin e alcançou seu pleno significado com Stálin. Utopia,

ou seu recurso imagético, deparou-se com um obstáculo virtual nas manifestações do vulgar

Marxismo. Os Estados soviéticos desaprovaram e, implicitamente, inibiram a reflexão utópica,

por considerar a perfeição social um objetivo já alcançado pela disposição perfeita do

Estado para atingir a perfectibilidade. O desiderato oficial deve ser suficiente para desencorajar

cogitações utópicas. O hiper-racionalismo faz prevalecer uma concepção julgada como

racional (embora seja, de fato, equações abstratas, engendradas pela engenharia política) mesmo

quando apresenta sintomas perturbadores, principalmente na forma de desintegração

indivíduos – que se afastam do universo problemático. Chamas do século XVI

e os gulags modernos acabaram formando uma simetria.

Quando Campanella edificou sua cidade perfeita como hipóstase da vida monástica, foi

considerar implicitamente a Igreja como a perfeição da vida coletiva; quando vigésimo

esquerda considerava a utopia um não-sujeito, considerava o coletivismo soviético como o

cume insuperável da vida associada. Distopia derivada dessas atitudes.

A grande questão que constitui a face oculta, o interdito utópico, é que

perfectibilidade está na completa previsão de todas as ações e desejos humanos, que são

cumpridas antes mesmo de serem pensadas. O Estado as presumiu antecipadamente, tendo-as cumprido

posteriormente. Ou os proibiu3 . Em termos mais amplos, a História não deve ser

efetivada pela experiência concreta do homem. Pelo contrário, deve ser visto como o produto

de um Estado onisciente; deve aparecer como um subproduto da vontade humana, filtrada pela

coador de estado. Onde o resíduo obstruído seria acumulado? A resposta será

distopia: é o resíduo obstruído por um Estado completamente racional.

A distopia é, afinal, o espelho da suspensão da História; sua imagem é a

exílio da humanidade, uma humanidade transformada em resíduo por uma razão enlouquecida. Com a palavra,

os pensadores da pós-modernidade.

3
O filme Minority Report, baseado no romance de Philip K. Dick, apresenta uma sociedade em que os
crimes são previstos por criaturas mutantes, e o criminoso virtual é detido antes da execução do delito,
sendo mantido eternamente em suspensão metabólica. Este filme ilustra o que é ab ovo na natureza das
utopias paradigmáticas.

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