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Thomas More, ao escrever Utopia (1516), tinha a intenção de narrar a vida dos
habitantes de uma terra inusitada, uma república imaginária, regida pela razão e
ponderação de seus governantes e habitantes. O autor construiu a palavra “utopia” com
a junção dos termos gregos "ου" (não) e "τοπος" (lugar). Se interpretarmos o seu
significado no contexto da obra homônima, concluiremos que ela nos comunica de um
lugar que não existe. Ou melhor, existe literariamente, mas é o avesso da conturbada
Europa vista no século XVI, marcada por reinos totalitários, por descaso com o ser
humano comum e por crenças que não se coadunam com o pensamento humanista. A
terra imaginada por More é um exemplo de modo de viver e se organizar almejados
pelo europeu e por qualquer povo.
Platão, por volta de 380 anos a.C., já havia escrito sobre uma cidade ideal,
governada por reis-filósofos, em A república. Buscou, através de um exemplo criado,
responder à questão “o que é justiça?". Além dos dois autores citados anteriormente,
outros mais dedicaram-se ao assunto, a exemplo de Tommaso Campanella com A
Cidade do Sol (1602), Voltaire em Cândido (1759), William Morris com Notícias de
lugar nenhum (1890), dentre outros tantos, que acabaram por contribuir com a
formação de um vasto acervo literário de temática utopista.
São diversas as áreas que focam em discutir o que ainda é inexistente, mas pode
servir de alternativa ou inspiração às instituições humanas e suas imperfeições. O sonho
não é prerrogativa de grupos de esquerda. Há pensadores identificados com o ideal
liberal ou neoliberal que também são proponentes de um novo modo de organização
social.
André Gorz (1988) pensa em uma sociedade de “tempo liberado”, ou tempo
livre, afinada mais com o posicionamento marxista, no que concerne à negação à
apropriação da força de trabalho proletária e a oportunizar ao homem produtivo o
direito de se desenvolver dentro de seus próprios objetivos. Ainda na vertente de
esquerda, John Roemer apresenta o “socialismo de mercado”, que de alguma maneira
busca alinhar à preocupação de atuação mercadológica com a inegociável igualdade
social, tão cara ao projeto socialista.
Se formos campear à direita, podemos mencionar o ideal anarcocapitalista,
defendido pelo economista David Friedman (1989 [1973]). A proposta de Friedman é a
abolição do Estado, mas “não como no sonho de anarquistas e comunistas, porque suas
funções seriam desempenhadas pela livre associação dos produtores” (FELIPE, 2006, p.
95).
Quanto à aplicação dessas teorias, as opiniões são também divididas. Karl
Popper, afirma que há um caminho íngreme para quem “tenta realizar um estado ideal,
usando um projeto de sociedade como um todo; e isso exige o forte regime centralizado
de uns poucos” (POPPER, 1974 [1945], vol. I, p. 175 apud FELIPE, 2006, p. 92).
Gorz (1988) acredita que é pouco provável que uma utopia se realize em sua
totalidade. De qualquer maneira, entende que não deve ser subestimada pelo que pode,
ao menos, apontar diretrizes que “orientam a produção de uma nova sociedade, mais
próxima do ideal” (MIGUEL, 2006, p. 93).
Já Karl Marx (1848) compreende que a teoria utopista não tem função prática se
desmembrada do processo histórico, o que a torna mera abstração. Porém, a sua
veiculação tem valor importante no convencimento às pessoas acerca de ser a melhor
escolha viver em um Estado que privilegia mais o bem comum do que o bem individual.