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REPRESENTAÇÃO VISUAL

Abstract: A representação visual é um sistema de significações que assume uma


função simbólica. A expressão aponta para uma estrutura de sentido, mas igualmente
para aquilo que advém de podermos encará-la como um desempenho: o desempenho
dos signos, limitado, modelado, subvertido ou expandido por disposições e
regulamentos sociais explícitos, bem como por sinergias implícitas nos contextos em
que emergem e que, na verdade, os contêm. Neste sentido, o vocábulo convoca noções
semióticas e estéticas, mas também políticas e até económicas, na medida em que
remete para um valor de presença: a representação é aquilo que “está em vez de outra
coisa”.

O vocábulo “representação” é um dos mais poderosos instrumentos conceptuais de


observação do real, ao permitir responder a questões emergentes do foro das ciências da
linguagem, da sociologia e ainda de disciplinas consideradas mais técnicas e operativas.
O conceito tornou-se relevante sobretudo a partir do momento em que foi assumido por
alguns círculos de investigação e produção científica, como o dos Cultural Studies que,
cruzando as ópticas semiótica e discursiva, não se confina ao estudo da poética da
linguagem (dedicada a estudar como a linguagem produz sentido), mas igualmente se
preocupa com a sua política, ou seja, com a análise dos efeitos e consequências das
representações, das relações que estabelecem com o poder e a regulação das condutas
sociais.

[Figura 1. As Damas de Honor. Diego Velásquez, 1656.]

1
Quando encarada do ponto de vista da sua realização material, a representação está
ligada à tecnicidade dos dispositivos de fabricação dos signos, mas não se confina a
essa óptica; ela compromete decisivamente a análise das materialidades com outro tipo
de questões incontornáveis, que se prendem com o envolvimento desses signos na vida
social e na sua complexa dinâmica de funcionamento.
Enquanto representações (sistemas de significação), as imagens adquirem uma
função simbólica. O conceito chega a aproximar-se da realidade da transfiguração: em
terminologia litúrgica, “representação” designa “um caixão vazio sobre o qual se
estende uma mortalha para uma cerimónia fúnebre”. A ligação primordial da imagem ao
drama da morte fica ainda patente na França dos séculos XIV a XVI, quando o ritual
fúnebre de manter exposto o corpo do rei durante quarenta dias (como o melhor
substituto do morto) é trocado pela utilização de uma efígie muito realista do falecido.1
Nesta circunstância, como de um modo geral, representar equivale a tornar presente um
ausente. Vão neste sentido os dois significados propostos para o termo pelo Shorter
Oxford English Dictionary: “1) Representar algo é descrever ou apresentar isso, chamá-
lo à mente pela descrição ou retrato ou imaginação; colocar uma semelhança disso
perante nós, à nossa mente ou aos nossos sentidos; como, por exemplo, na frase: ‘Esta
imagem representa o assassinato de Abel por Caim.’ 2) Representar também significa
simbolizar, substituir, ser um espécimen...., como na frase ‘No Cristianismo, a cruz
representa o sofrimento e a crucificação de Cristo.’”2
O vocábulo “representação” designa uma ligação entre linguagem e cultura,
permitindo referir os mundos dos objectos, pessoas e acontecimentos, sejam estes reais
ou ficcionais. Enquanto representações sociais, as imagens constituem filtros ou
focalizações selectivas que aplicamos à realidade circundante e que são decorrentes de
interesses e estereótipos que nos tornam sensíveis a determinados aspectos dessa
realidade, ao mesmo tempo que nos levam a ignorar, ocultar ou desprezar outros tantos.

1
Cf. DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem – uma história do olhar no ocidente. Vozes, 1994, pág.
24-25
2
HALL; Stuart. Representation – cultural representations and signifying practices. Sage, 1997, pág. 16

2
[Figura 2. SpringOf47]

Sendo um elemento da linguagem e da cultura, a representação é necessariamente, e


ainda, um produto do pensamento, mostrando-se estreitamente vinculada às actividades
mentais, sobretudo nas suas componentes imagéticas, icónicas ou visuais. A Semiótica
Cognitiva dedica-se a evidenciar como o pensamento, ao tratar informação, se socorre
de estratégias peculiares de iconicidade, estruturando-se por intermédio de símbolos,
imagens e relações espaciais que, entre outros modos, possuem um carácter analógico.
Encarada como actividade/processo cognitivo, e como produto dessa actividade, a
representação visual, nas suas diversas manifestações materiais e mentais (que se
referem tanto à realidade concreta, como a coisas tão abstractas como a ideia de guerra,
morte ou amizade), pode assumir várias funções. Algumas delas são vicariais, outras
são de carácter pragmático, não se limitando a recolher e guardar a informação, mas
analisando-a. Basicamente, existem representações que servem para: 1) conservar a
informação (ex: uma fotografia familiar ou uma reportagem); 2) revelar aspectos da
realidade que não são acessíveis de outro modo (ex: imagética médica, fotos da face
escondida da lua) 3) explicitar informação e orientar na execução de actividades
diversas (ex: um plano urbanístico ou arquitectónico, uma maquete); 4) sistematizar um
corpus, constituindo, por essa via, um instrumento de descrição e de conhecimento do
real (ex: uma árvore genealógica, as relações de pertença a classes num esquema
taxonómico, um organigrama); 5) sinalizar (ex: pictogramas internacionais, sinais de
trânsito); 6) metaforizar ou emblematizar, tornando-se as representações, neste caso,
parte de sistemas mais complexos de circulação de informação inter-individual e social.

3
Sendo parte integrante dos sistemas mental e linguístico-semiótico, é na instância da
cultura, enquanto meio particular onde germinam e se desenvolvem estes dois sistemas
(e, por outro lado, enquanto produto deles), que as representações se manifestam e
exprimem.

CALADO, Isabel (2010) - Representação Visual. In Dicionário Crítico de Arte,


Imagem, Linguagem e Cultura (2010). Aplicação interactiva disponível no Museu do
Côa (Património Mundial da Humanidade) e em www.arte-coa.pt.

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