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Justificativa, problemática e metodologia

Iure Souza

A Arte da Performance surge no pós-segunda guerra mundial. Num período


onde a sociedade se auto destruiu como nunca. Apesar das diferentes afirmações estima-
se que cerca de 50 -milhões de pessoas morreram nessa guerra. O discurso de Hitler
bem como suas propagandas repetidamente veiculadas foram elementos centrais para
que essa guerra de tamanha proporção ocorresse.

Enquanto alguns artistas permaneciam em seus ateliês pintando paisagens,


fabricando esculturas ou criando poemas como se o mundo estivesse maravilhoso,
outros se revoltaram contra tamanha irresponsabilidade. Uma das possibilidades
pensadas para que um discurso não mais pudesse ter tamanha autoridade e influência na
sociedade ocorre quando um grupo de artistas de várias áreas pensaram em construir
obras de arte que não mais tivessem um significado pré-estabelecido a ser interpretado,
mas que os significados pudessem ser criados constantemente de acordo com quem se
relacionava com a obra de arte. Essa seria uma possibilidade de impedir que algum
discurso imponha um ponto de vista e que esse ponto de vista fosse usado para algo
nefasto. A aposta era que seria melhor a variação, a construção constante de ideias e
significações do que a imposição de algum discurso qualquer que seja.

No teatro a performance traz algumas alterações como o fim do texto como


centralidade. As performances teatrais passam a ter menor ênfase no texto sendo ele
muitas vezes suprimido. O que toma a centralidade da performance teatral é a energia
da ação. É a ideia da cena, logo o corpo do artista passa a ter também uma grande
importância na efetividade da cena. Outra mudança que a performance traz ao teatro é
que o artista passa a encenar por si mesmo, em muitos dos casos o personagem não
existe mais, apenas um ator manifestando suas ideias com seu corpo. Ideias essas que
não mais tem como objetivo sua simples decodificação, mas um estímulo a criação de
outras ideias, de outras visões de mundo a partir de cada contato com as pessoas que
participam da performance como espectadores que assim, não mais são vistos como
pessoas neutras que precisem decodificar signos já criados, mas como co-performers
uma vez que a cena é criada de modo que o público seja um elemento ativo na criação
de sentidos, na construção de ideias, de versões de mundo.
Portanto a arte da performance tem como objetivo desde seu nascimento a busca
pela criação de sentidos múltiplos, algo como uma minoridade do pensamento. E é
exatamente por esse caráter rizomático que utilizamos a performance teatral para
estimular linhas de fuga das imposições da cidade.

Durante o mestrado me estimulei pela provocação de Agier (2011) para pensar


as performances quando indaga: o que faz a cidade? Tivemos algumas pistas, dentre
elas a imposição de normas, de modos, de sensações ou mesmo de uma orientação
moral das intensidades do desejo. Sendo essa a grande questão da pesquisa, como fugir
das imposições da cidade? Sejam essas imposições, maneiras de pensar, de reagir ao
mundo, de compreender a cidade, de se portar, de desejar... como escapar as
desterritorializações que a cidade causa ao corpo? Poderia a performance provocar
escapes dessas imposições estimulando à compreensão da cidade como um espaço
aberto, alterável a cada instante sob as muitas influências de cada um?

Uma pista para escapar dessa inexorabilidade deixada por Rolnik (2015) é
pensar o saber do corpo a fim de buscar micropolíticas para resistir ao inconsciente
colonial. Portanto proponho utilizar o corpo em performance buscando gerar
imaginações espaciais, criando afetos a partir do corpo do performer visando a produção
de sentidos onde o espaço geográfico seja compreendido como múltiplo, aberto,
alterável e em constante construção.

Uma vez que a Massey (2006) defende que o espaço precisa ser pensado dessa
maneira para que o futuro também seja passível de mudança. Diferente das
representações da Cartografia tradicional onde o espaço é fechado, todos os elementos
já estão dados e não possuem abertura política, como destaca a autora.

Acredito que o corpo em performance pode expressar seus saberes sem impor
visões de mundo, mas estimulando a criação de mundos, de afetos, de imaginações
espaciais e assim contribuir para a compreensão do espaço geográfico como uma
construção onde a influência de cada corpo se faz efetiva, ainda que numa escala
micropolítica.

Para a construção da performance o professor Cezar Huapaya em seu livro


estética e performance: dispositivos das artes e das práticas performativas, apresenta
detalhadamente uma metodologia para a criação de performances com os dispositivos a
serem utilizados os tecidos performativos que se deseja, a estética da cena bem como
outras características necessárias para maior clareza na criação, produção e roteirização
da performance. Pretendo utilizar essa metodologia pela primeira vez devido a
experiência que o professor possui na montagem de performances em seu antigo grupo
de teatro experimental e por parecer extremamente coerente.

Considerando o espaço qual se concebe alicerçado em Massey (2006) de modo


ainda a se relacionar intimamente com o corpo do pesquisador e com a performance que
possui um caráter tão rizomático, penso que o melhor método para a pesquisa e escrita
seja o método da cartografia. Criado por Deleuze e Guattari (1995) esse método se
propõe a acompanhar processos ao invés de representar objetos assim como a
performance propõe a criação de sentidos e processos, o método seria ideal para se
relacionar com os interesses desta pesquisa, pois como esclarecem os autores sobre o:

5º e 6º - Princípio de cartografia e de decalcomania: Toda lógica


da árvore é uma lógica do decalque e da reprodução. (...) A árvore
articula e hierarquiza os decalques, os decalques são como folhas da
árvore. Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Se o mapa se opõe
ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experimentação
ancorada no real. (...) Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo
como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma
meditação (ou como performance). (1995, p. 21, grifo nosso).

Concebendo-se o método da cartografia como um elemento que se relaciona


com um espaço em constante construção, estabilizar o método num conceito delimitado
seria fadá-lo a uma inatingível busca de representação ideal de uma realidade que não
para de se movimentar, logo, evidencia-se maior eficácia na formulação de pistas que se
aproximem do necessário para sua compreensão, mas permitindo as pequenas variações
necessárias para construção de múltiplos espaços sob as mais variadas entradas
possíveis, dos mais variados pesquisadores.

Algumas das pistas elencadas sobre o método da cartografia são, a cartografia é


um método de pesquisa-intervenção, cartografar é acompanhar processos, cartografar é
habitar um território existencial.

Trata-se de uma pesquisa-intervenção pois parte-se do princípio que o próprio


pesquisar constitui uma intervenção na realidade, já que o espaço é concebido como em
devir a pesquisa afeta tanto pesquisador quanto espaço pois a medida que se altera a
compreensão do espaço altera-se a própria percepção do mesmo alterando também a
maneira como se relaciona com ele, acabando por alterá-lo também como esclarece
Damasio (apud NUNES, 2014).

Na pesquisa-intervenção são valorizados os processos. O importante não é o


objeto, unicamente, mas também todas as relações que este arrasta e cria, tanto no
espaço quanto no pesquisador, uma vez que em nossa abordagem um implica
transformações no outro gerando reverberações imparáveis como destaca Barros e
Passos (2012).

O método em questão supõe ainda um acompanhamento desses processos que


vem ocorrendo. Dos agenciamentos que vão se formando, as desestabilizações e
reterritorializações sendo a atenção um elemento central para o acompanhamento dos
processos que ocorrerão variando seu foco de acordo com o momento da pesquisa.

A atenção durante a laboratório de montagem da performance ficará sobre o


corpo. Um diário de bordo ajuda a registrar as sensações, afetos, ideias, sentimentos,
pensamentos e... se o objetivo é deixar que o corpo se expresse na cena, parece coerente
que as impressões deste corpo sejam registradas a fim de facilitar a retomada de
determinado pensamento que ocorrera em determinado momento da criação da
performance para potencializar os agenciamentos a partir da apresentação culminando
na escrita.

Durante a presentação da performance a atenção ficará nas relações do corpo do


performer com os corpos da plateia. As reações, as inflexões, os jogos que se montam e
se desfazem, as múltiplas interações com os corpos presentes, as espacialidades que
serão criadas. Ao fim da presentação a ideia é que haja uma breve conversa a fim de que
os co-performers se expressem verbalmente, nesse momento a atenção estará sobre eles.

Após as presentações das performances serão feitas anotações das falas e


percepções do público, haverá fotos e filmagens para compor o trabalho, a escrita se
torna central neste momento. A partir desse momento a atenção se volta para os
possíveis agenciamentos a partir das relações entre os múltiplos processos produzidos e
desencadeados a partir dos encontros dos corpos. Utilizando as falas das pessoas que se
fizeram presentes nas performances, nas reações de seus corpos, suas impressões e
também as construções feitas pelo performer que passa a ser também, a partir desse
momento, um intérprete de todo esse processo se tornando assim, um co-performer.
Como inicialmente a apresentação seria oral me esforcei para resumir tudo ao
máximo, acabei me debruçando sobre a problemática que ainda não havia decidido e
pretendo ainda esclarecer melhor para mim mesmo a metodologia da pesquisa, a qual
exige ainda maior cuidado e estudo, contudo a direção, inicialmente, é essa. Sobre a
metodologia da performance preferi não detalhar pois já está pronta e para mim é mais
simples de pô-la em prática e está muito bem detalhada no livro do Huapaya que tenho
aqui e posso te mandar maiores detalhes, ele mesmo é um professor de performance da
UFES que já me deu aulas na FAFI e UFES e sempre colabora.

Abraço

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