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COMPREENSÃO DO LUGAR
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Alice Coelho Corrêa e Castro
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Elvira Maria Santana da Cunha
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Elisabete Rodrigues Reis
RESUMO
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Artigo produzido para a disciplina de Iniciação Científica do curso de Arquitetura e Urbanismo - Unilasalle/RJ
ministrada pela Profª Msc. Estela Maris de Souza.
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Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo - Unilasalle/RJ
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Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo - Unilasalle/RJ
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Profª Drª do curso de Arquitetura e Urbanismo Unilasalle/RJ
INTRODUÇÃO
Partindo desta argumentação, esta pesquisa levanta a seguinte questão: como o olhar
fenomenológico pode ampliar a compreensão da cidade? Com base nesse questionamento,
buscamos subsídios dentro do contexto do olhar fenomenológico para explicitar que,
cidades são locais de encontro. Praças, ruas, parques e até mesmo calçadas bem feitas e
dimensionadas, são princípios que estimulam o crescimento, são lugares de encontro que a
tornam humana e dá prazer. É direito de todos que espaços públicos e coletivos sejam
acessíveis para todos os habitantes da cidade; sentar em um banco de praça, caminhar por
calçadas, ir e vir com filhos ao parque e conversar em esquinas obtendo desta forma
condições de descobrimento. Conforme nos ensina por Jan Gehl (2010), os espaços
públicos oferecem oportunidade de encontro, e são essenciais à qualidade de vida dos
habitantes da cidade. A convivência, seja no âmbito profissional, no transporte, nas
atividades culturais, na esfera artística, no lazer e na circulação livre de pessoas, tornam a
cidade mais viva, mais interessante. Todos esses eventos reforçam a identidade e a relação
de pertencimento com o lugar e reafirmam o espaço arquitetônico como espaço existencial.
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abordagem em relação ao espaço arquitetônico como dimensão da existência humana e a
necessidade de relações com o meio ambiente que o rodeia.
É a partir do olhar fenomenológico e das teorias sobre o lugar, desenvolvidas pelo arquiteto
Norberg-Schulz (1975), que a pesquisa será construída. Nesse contexto, a pesquisa tem por
objetivo geral, realizar uma investigação bibliográfica de artigos e livros para compreender o
aporte teórico-conceitual fenomenológico e ampliar a apreensão da cidade
A partir dessa argumentação, a pesquisa se justifica pelo fato de contribuir para uma
ampliação da compreensão das cidades e seu papel como lugar, e a percepção do indivíduo
como ser existencial no espaço, nos lugares das cidades, como definido pelo arquiteto
Norberg-Schulz (1975). No livro citado, o autor apresenta a cidade através desse olhar, a
simultaneidade de homem e mundo, e a maneira de ser e estar no mundo. A cidade, o
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lugar, não do ponto de vista estatístico, dimensional ou econômico, mas da visão empírica,
a forma como o homem se relaciona no ambiente que o cerca.
SOBRE OS CONCEITOS
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nos relacionamos e atribuímos significados e sentidos aos lugares. Norberg-Schulz (1975),
em sua obra “Existencia Espaço e Arquitetura”, relaciona a perspectiva da experiência e do
olhar fenomenológico, fundamenta-se a partir da epistemologia e dos pensamentos de
Martin Heidegger, pensador no campo da fenomenologia existencial que afirma, “uma
edificação não pode ser compreendida somente como um objeto a ser admirado, é
principalmente parte de uma experiência contínua de construção de moradias”
(NORBERG-SCHULZ, 1975, p. 20).
O princípio do conceito fenomenológico, busca um retorno das coisas como elas mesmas,
busca um entendimento de um todo, “oposto às abstrações e construções mentais” (Reis,
2017). Norberg-Schulz (1975), ancora-se a esse olhar fenomenológico, a fim de questionar
os modelos positivistas que estruturaram o modernismo no século vinte e dessa forma,
consolida-se uma reação contrária ao positivismo.
Dessa forma é possível compreender o diálogo atribuído a ambos conceitos, ao “genius loci”
e ao “espaço existencial”, ancorados pelo arquiteto Norberg-Schulz (1975), em seu livro
“Existencia, Espaço e Arquitetura”. No qual o autor, relaciona também, a percepção
epistemológica, de relação com o mundo que parte da experiência, e é desenvolvida
progressivamente, compreendida durante a infância, em primeiro momento, através do
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reconhecimento dos objetos no espaço e posteriormente, passa a criar conexões, a fim de
fundamentar uma compreensão de um todo.
Como a partir desse contexto, compreender o conceito de cidade? Segundo Jan Gehl
(2010), o arquiteto e urbanista, apresenta a cidade como o espaço dos encontros, das
trocas e das percepções, além de proporcionar o lazer e a reflexão. Em seu livro “Cidade
para Pessoas”, o autor, realiza um estudo criterioso e profundo sobre a qualidade dos
espaços públicos e sua relação com a sociedade civil.
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cidades em que se vive, “As cidades no cinema nos envolvem e nos induzem por causa da
emoção que elas nos causam e nos preenchem. [...] à alma das coisas, à nossa própria
intimidade e é por isso que elas nos comovem”. Assim como a cidade retratada pela autora,
as cidades reais, são capazes de percorrer nossos afetos e sentimentos.
O autor afirma que todos devem ter o direito à cidade, a espaços abertos, assim como tem o
direito à água tratada, entretanto é possível reconhecer que isso não representa uma
realidade. Dessa forma, através desse artigo, traz-se o questionamento de; como a partir do
olhar fenomenológico é possível ampliar a compreensão da cidade, não só como um espaço
em que se vive, mas também um espaço em que se sente.
A partir desse contexto, de alguma forma, refletir como possibilitar uma leitura de qualidade
para todos e reconhecer os erros em sua gramática. “Bairros bem planejados inspiram os
moradores, comunidades mal planejadas brutaliza seus cidadãos” (GEHL, 2010, p.11).
Como está sendo escrito hoje, esse livro chamado cidade?
Esses conceitos possibilitam compreender a cidade como objetivo único para convivência
da experiência humana, permeada pela diversidade e pelo contato da sociedade em torno
dela. A atribuição de sentido se dá individualmente, mas, o conjunto ambientado por
múltiplas relações distinguem as qualidades essenciais de uma cidade. É preciso inteirar-se
dela e isso implica saber onde está sua vitalidade.
“A cidade viva precisa de uma vida urbana variada e complexa” (GEHL, 2010, p.63), o autor
entende que o ambiente urbano edificado dispõe de amplo impacto sobre o que se pode ou
não realizar. Seus estudos incluíam o modo como as pessoas se utilizam dos espaços
públicos e as variantes que compõem e definem as qualidades dos lugares habitados.
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Gehl (2010) acredita que a escala humana foi negligenciada pelo planejamento urbano,
evidenciando isto pela falta de visão e estudo dos urbanistas relacionado ao que acontece
ao nível dos olhos.
O autor acredita que quanto maior forem as atividades acontecidas no nível dos olhos, mais
segura e saudável será a cidade, consequentemente, seu bem-estar consiste em como os
edifícios se relacionam com o térreo, como se interligam e como os espaços públicos se
organizam ao redor. “Quanto mais movimentadas e atraentes forem as calçadas e quanto
maior o número e a variedade de usuários, maior deverá ser a largura total para comportar
seus usos satisfatoriamente” (JACOBS, 1961, p.95).
A vida entre os edifícios com suas funções e habitantes é mais importante do que os
próprios edifícios. Entende-se que, influenciada quantitativamente, a cidade pode, de fato
atrair mais pessoas, mas é a qualidade dela que as convida à permanência. Os autores
defendem a teoria de que a cidade pode ter alta densidade, porém com prédios de alturas
menores, menores proporções espaciais e maior vida em comunidade. Em seu livro, Jan
Gehl (2010) realiza um estudo das proporções espaciais das cidades antigas, o que revela o
mesmo modelo em todas elas.
A escala menor, ao se desenrolar ao nível dos olhos, convida as pessoas a estarem nos
espaços públicos, por meio de espaços convexos onde as distâncias são efêmeras, as
velocidades são baixas e a permanência é incentivada numa mesma esfera. Gehl (2010)
afirma que esses pré-requisitos são facilmente encontrados nas velhas cidades de
pedestres.
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sustentável, amigável para as pessoas, é compacta, segura, com bons espaços públicos,
boa para caminhar, pedalar e com boas opções de transporte público (GEHL, 2010).
Caminhar: bons espaços, sem obstáculos, boas superfícies, acessibilidade para todos e
fachadas que se veem e que se experimentam;
Ter espaços para jogar e se exercitar: criatividade e atividades físicas, a toda hora e em
todas estações;
Ter oportunidades de falar e ser ouvido: baixo nível de ruído e mobiliário urbano
adequado;
Criar experiências sensoriais positivas: fachadas ativas, bons materiais, vistas, árvores,
plantas, água;
A escala humana: para edifícios e espaços abertos, tamanho e densidade, pensados para
a pessoa que caminha e não para quem passa num carro;
Além disso, uma boa cidade concilia a atribuição de ser lugar de encontro e um lugar de
mercado de bens e serviços. É também imprescindível que se ofereça acesso a saúde,
escola e trabalho, tendo como alicerce a moradia e transporte coletivo de qualidade,
servidos por uma boa mobilidade. O planejamento urbano contemporâneo deve ser
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pensado como uma série de setores que possam ser percorridos a pé, conectando as
pessoas e misturando atividades, o que é essencial para a vitalidade das cidades.
Uma outra e não menos importante temática adotada é a mobilidade. Gehl (2010) pondera a
relevância de medidas para a redução do uso de carros particulares sugerindo que a
solução para os congestionamentos não é só melhorar o transporte público e sim criar mais
opções para o deslocamento das pessoas. Grande parte do seu trabalho evidencia o uso da
bicicleta visto como um meio de transporte mais popular a cada dia. Quando a cidade cria
condições e incentiva pessoas a pedalarem e caminharem torna-se mais saudável.
Pode-se dizer que há uma tendência mundial de recuperar as cidades seguindo essas
linhas, sobretudo no contexto atual, onde a necessidade emergente de replanejamento das
cidades torna-se crucial. Esse é um dos exemplos mais notáveis da importância da
mobilidade urbana nas cidades. Num cenário de pandemia, a COVID-19 tem gerado
intervenções urbanas pontuais caracterizadas como urbanismo tático. Com o fechamento
das ruas e a necessidade de oferecer mais segurança aos que precisam se deslocar
durante a crise, grandes ciclovias e alargamento de calçadas, comuns em intervenções de
urbanismo tático, estão sendo criadas da noite para o dia oferecendo mais espaço para que
as pessoas possam manter distância segura umas das outras nos deslocamentos, a pé ou
de bicicleta. Essas extensões de calçada podem ser implementadas com tinta ou tachões
demarcando o novo desenho do pavimento.
É uma forma rápida e eficiente de enfrentar desafios impostos pela pandemia e de testar
novos perfis de ruas que priorizem pedestres e ciclistas e contribuam para cidades mais
vibrantes, acolhedoras, e menos poluídas. Muitas cidades estão acelerando seu processo
de implantação e priorizando a mobilidade ativa pretendendo com isso tornar as cidades
mais estimulantes para o comércio, as ruas mais seguras e evitar o retorno da poluição. O
atual contexto tem evidenciado a importância de planejamentos que integrem diferentes
estratégias na construção de cidades mais sustentáveis e resilientes, combatendo a
poluição do ar, as emissões de carbono e outras externalidades negativas da mobilidade
baseada no transporte motorizado individual. (ArchDaily Brasil, 2020).
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de planejamento de dentro e de baixo, seguindo o princípio: primeiro a vida, depois o
espaço e só então os edifícios.” (GEHL, 2010, p.198)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão dos lugares habitados pelo olhar fenomenológico nos trouxe uma reflexão
crítica sobre os problemas das grandes cidades. Objetivando contribuir para ações efetivas
que visem melhorar a qualidade dos lugares satisfatórios para o habitar das pessoas nas
grandes cidades, inferimos que é chegada a hora de valorizarmos mais a vida no seu
aspecto ordinário. Os aspectos extraordinários já são habitualmente valorizados pela
espetacularização da cidade e das ações voltadas para garantir a roda do consumismo
desenfreado. Os fundamentos da fenomenologia aplicados na esfera urbana provocam
investigações e estabelecem condições de como esse olhar pode ampliar a compreensão
da cidade e como o trabalho, com a dimensão humana, pode atingir diretamente a mudança
das questões presentes no cenário urbano atual.
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Contudo, essa forma de perceber o espaço urbano, não representa um trabalho isolado,
essa atribuição, não é só do arquiteto, nem só do político, nem tão somente do
esclarecimento da população. Não se pode tratar coisas separadas que naturalmente são
imbricadas. A saúde, a segurança, a habitação são peças atadas, vinculadas de apenas
uma maneira. As peças não são únicas, uma se entrelaça à outra, você só habita bem se
houver segurança, só há condições de saúde se usufruir de habitação, tudo está
relacionado por sua própria natureza. É necessário saber trabalhar de uma maneira
cooperativa, a fim de contribuir para um cenário satisfatório para o habitar humano,
reconhecendo a inter-relação do cidadão e a cidade, sua experiência e participação no
desenvolvimento do ambiente social, tanto como indivíduo, quanto cocriador do ambiente
que o compõe.
Em síntese, acreditamos que a valorização dos lugares de significado e sentido da
experiência cotidiana dos habitantes da cidade pode nos apontar caminhos favoráveis para
ampliar a compreensão do ambiente da cidade e nos auxiliar na criação de lugares
qualificados para as atividades humanas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GEHL, Jan & SVARRE, Brigitte. A vida na cidade como estudar. São Paulo: Perspectiva,
2018.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RASMUSSEN, Steen Eiler. Arquitetura Vivenciada São Paulo: Martins Fontes, 1986.
[Prefácio e cap1]
REIS, Elisabete Rodrigues dos. Lugar do sentido. Rev. NUFEN, Belém , v. 9, n. 2, p.109-
123, 2017. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217
5-25912017000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 19 maio 2020.
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