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HOLZER, WERTHER
Por motivos sobre os quais não cabe aqui se alongar, devidos à publicidade dada a essa
empreitada de imigração oficial, o número de imigrantes que saiu da Europa foi bem maior
do que o previsto no acordo, envolvendo também habitantes de outros cantões, parte deles
de língua alemã. A procedência dos imigrantes, do ponto de vista português, não era
importante já que o contrato previa que eles abrissem mão da cidadania suiça adotando a
nacionalidade portuguesa (Nicoulin, 1988, p.237).
Havia uma importante contrapartida oferecida pela coroa portuguesa: “custear a passagem
dos imigrantes, do porto à colônia, garantir-lhes subsídios para os primeiros anos na nova
terra e preparar o local para recebê-los. A cidade encontrada pelos suíços era formada por
um conjunto de cem casas, divididas em três quarteirões, uma praça e um hospital. A casa-
grande da antiga fazenda do Morro-Queimado, local escolhido para a instalação da colônia
tornou-se a moradia dos dignitários do governo junto à colônia. Ali funcionavam também a
escola e a igreja. Havia ainda dois fornos comunitários, um armazém, um açougue, dois
moinhos e um silo”. (Sanglard, 2003, p.177).
Uma carta anônima, comentada por Sanglard, descreve essas casas no momento em que
chegaram os imigrantes: “As casas, construídas quase sempre em conjunto de seis, são
cobertas de telhas fundas, o assoalho dos cômodos em terra batida, as janelas guarnecidas
de postigo, sem vidro, à moda do país, bem leves, mas melhor do que tínhamos pensado;
há somente a chuva contra a qual estamos protegidos; cada casa deve alojar 16 pessoas”.
(Sanglard, 2003, p. 186).
Alves descreve essa situação de segregação, que ainda perdurava no ano 1840, por
ocasião da viagem que fez a Nova Friburgo o alemão Ernst Hasenclever. Segundo esse
viajante a vila de Nova Friburgo “era formada por um pouco mais de 100 casas, todas de um
andar apenas e muito parecidas entre si. No centro, havia um belo pasto comum que era
dividido por 2 pequenas fileiras de 5, 6 casas cada uma. Naquele momento, muitos
proprietários estavam construindo um segundo andar. Os moradores da vila eram em sua
maioria suíços e franceses, sendo possível encontrar dentre eles alguns poucos alemães e
brasileiros. Ganhavam dinheiro com horticultura, gado e sobretudo com a hospedagem e
alimentação dos inúmeros visitantes que, no verão, chegavam à região. Devido ao seu clima
saudável, vinham para se tratarem ou para o lazer. Quinze minutos da vila em direção ao sul
e separada por uma colina, localiza-se o vilarejo dos alemães chamado habitualmente de
Alemanha, pois neste só moravam alemães. Era formado por 30 casas e tinha uma
aparência bem mais pobre que a vila”. (Alves, 2012, p. 4).
Importante ressaltar que, desde o início esse vilarejo também foi edificado em taipa.
Segundo Oliveira (2012, p. 6). o primeiro templo luterano, edificado pelo pastor que liderava
os imigrantes alemães, foi erguido em pau-a-pique.
Para os mais pobres, que não queriam permanecer na Colônia devido ao número excessivo
de moradores por residência, restou a alternativa de dirigir-se para o lado contrário de
Cantagalo, seguindo os cursos d”agua que corriam pela Serra do Mar em direção ao
Oceano Atlântico. Esse foi o caso dos fundadores de Lumiar, distrito de Nova Friburgo
objeto da pesquisa apresentada nessa artigo.
Brito data o início da colonização suiça em Lumiar entre os anos de 1819 e 1822, tendo a
localidade sido oficialmente fundada em 1828, nas terras da família De Roure, cuja sede
ainda existe, hoje na forma de um belo chalé de dois pavimentos feito em taipa de mão, com
técnica diversa da adotada pelos suiçõs, que se encontra implantado na praça principal da
localidade, a praça Carlos Maria Marchon. (www.lumiar.net.br/informacoesgerais /
familiaspitz.br.tripod.com/famliaspitz/id10).
O distrito sempre foi isolado. Em uma das entrevistas realizadas durante a pesquisa um
morador sexagenário de uma das casas de taipa documentada relatou que na década de
1950 tropas de mulas demoravam um dia e meio para chegarem à sede do município
distante cerca de trinta e cinco km.
Como os terrenos são acidentados e pedregosos, optaram pelo cultivo pelo sistema de
pousio, fazendo a limpeza da capoeira, após o período de descanso da terra, com a
queimada controlada. Essas áreas de cultivo ladeiam os cursos d’água, deixando as áreas
mais planas, mas ao mesmo tempo secas e longe do alcance das enchentes, para que se
implante as casas, quase sempre isoladas.
Hoje, por conta do afluxo cada vez maior de turistas, as famílias desses primeiros imigrantes
se agrupam em torno de um núcleo central mais antigo, de forma bastante concentrada, se
utilizando de materiais de construção industrializados, como cimento e tijolos cerâmicos,
abandonando a sabedoria ancestral de uma implantação segura em uma área sujeita a
deslizamentos e a enchentes. Muitos desses terrenos mais favoráveis à implantação segura
de residências estão nas mãos de turistas.
Esta afirmação se baseia no Dicionário Histórico da Suíça, em seu verbete referente à casa
camponesa, referindo-se ao Planalto e ao Jura (onde se localiza Friburgo):
Com pequenas variações as casas de taipa de Lumiar apresentam a mesma tipologia como
será apresentado no item a seguir.
Esse texto apresenta os resultados parciais de uma pesquisa que objetiva o levantamento
de residências já existentes construídas entre 1820 e 1960. A descrição das técnicas para a
sua construção é prospectiva, apoiando-se também em algumas entrevistas com alguns de
seus proprietários.
As plantas são retangulares, com a maior dimensão para a fachada principal, que se volta
ou para uma estrada vicinal ou para a calha de um rio.
A técnica construtiva para se elevar as casas é a de apoiar toda a sua estrutura sobre
baldrames contínuos de madeira, no mais das vezes grosseiramente aparelhadas. Estes
baldrames são apoiados sobre pedras retiradas do próprio terreno, que tem seu topo
nivelado. Sobre esses baldrames são apoiados os esteios (colunas) também de madeira,
que compõe as fachadas e o tabuado corrido do piso. Os esteios apoiam o frechal, também
grosseiramente aparelhado, onde descansa o encaibramento dos telhados, alguns feitos em
pau roliço, outros com madeira aparelhada à mão. Essas peças, nas casas mais antigas são
encaixadas, ou fixadas com cavilhas de madeira.
Pelo descrito acima depreendemos que esta é uma estrutura em enxaimel, que
diversamente do sul do Brasil, onde a vedação das paredes é feita com tijolos de barro, em
Nova Friburgo é preenchida com taipa de mão, aqui chamada de estuque provavelmente
para deixar claro que sua função não é autoportante.
O telhado, sempre de duas águas, tem declividade maior do que 30%, coberto de telhas de
barro. Essas telhas, nos exemplos mais antigos, são do tipo capa e canal, fabricadas no
local (como dizem os moradores: feitas nas coxas), exemplos mais recentes são cobertos
de telhas francesas. Foram encontradas residências em bom estado em que o telhado
original foi substituído telhas de fibrocimento. Os beirais são generosos projetando-se de 80
cm a um metro além da fachada. Não constatamos o uso de calhas.
CONCLUSÃO
As residências estão esparsas nas vertentes dos pequenos rios que são tributários do rio
Macaé. Elas contam a história de um lugar que conseguiu manter vivas as suas tradições e
peculiaridades. O ideal é que se constituíssem nos objetos centrais de um museu a céu
aberto que se apresentasse enquanto um circuito cultural e turístico.
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