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PAISAGENS, TECNOLOGIAS DE REPRESENTAÇÃO E A GÊNESE DO CINEMA

INTRODUÇÃO

As paisagens configuram ao lado de espaço e lugar, temas tradicionais em Geografia. Investigá-las no


âmbito da Geografia Cutural, significa explorar infinitas e complexas constelações simbólico_materiais,
espaços onde formas e significados são inseparáveis. Isso é especialmente relevante quando o seu estudo
refere-se as paisagens operacionalizadas pela cultura através de uma diversidade de novas tecnologias de
representação, como a perspetiva linear, o pintoresco, e os novos aparatos visuais que pavimentaram um
caminho que culminou no nascimento do cinema. A captura e operacionalização das paisagens desde as
figurações nas artes, deu-se por longos e complexos processos de interrelacionamento cultural, dentro dos
quais, elas tornaram-se integrantes das estruturas de mediação das experiências dos territórios (Azevedo,
2008). O estudo da paisagens a partir da exploração das tecnologias, sistemas e movimentos, permite então,
esclarecer variadas estruturas relacionais da modernidade, como os binários eu e o outro, ou estruturas
relacionadas à memória espacial, social e cultural; às ideologias, aos mitos e aos desejos de uma sociedade;
e a produção e representação dos espaços, todos imbricados nas texturas visuais das suas representações.
Para observar esses processos o trabalho foi dividido em cinco temas principais; o primeiro procura
um entendimento sobre a invenção da moderna ideia de paisagem; a segunda trata do surgimento dos
principais movimentos nas artes, como a perspetiva e o pintoresquismo, presentes nas pinturas das
paisagens e nas artes dos jardins ambas com técnicas específicas de figuração da natureza; a terceira parte
destaca os discursos de gênero implícitos nos jardins. Na quarta e quinta partes, a visão peatonal
fragmentada pelos passeios nos jardins paisagísticos, a ampliação das pinturas de paisagem transmutadas
em vedutas urbanas e panoramas, e a aceleração da visualização pelos novos meios de transportes, ilustram
o nascimento de novos sitemas de vistas que originaram o cinema.

PAISAGENS, UMA INVENÇÃO

Quem lida com as paisagens reconhece que elas não possuem uma definição clara, possuindo no
máximo um horizonte conceitual de referência. Oferecendo a noção de que nenhum de nós percebe ou lida
com as paisagens da mesma maneira, o geógrafo norte-americano D. W. Meinig (1979) na obra canônica
The Interpretation of Ordinary Landscapes, emprestou da teoria musical termos como polissemia e
dissonância, criando um ponto de partida para exploração de tema tão complexo. Difratadas
conceitualmente, elas costumam assumir uma miríade de aspetos eventualmente contrapostos, variando de
acordo com os interesses dos vários grupos sociais e disciplinares que a abordam. Assim, assumem a retórica
relacionada a natureza versus cultura; constróem-se como artefactos ou como sistema ecológico;
apresentam-se como paisagens commoditificadas mas também como instrumentos ideológicos;
fundamentam-se em valores históricos, ou a partir dos sentidos de lugar (1979:33-48).
Capazes de carregar várias camadas de significados entre as ciências e as artes, elas resultam de
diálogos entre sistemas emocionais, perceptivos, semióticos e materiais (Azevedo, 2008). Impregnadas de
subjetividades individuais, as paisagens são ao mesmo tempo objeto e sujeito do agenciamento humano, e
entendê-las ou interpretá-las é indiscutivelmente uma ação parcial e circunstancial. Nesse sentido, Ann Spirn
(1998) nos lembra que as paisagens tem uma linguagem própria e poderosa – e a retórica construída sobre
ou a partir delas tem muitas consequências.
Paisagem é uma invenção, uma ideia configurada no estabelecimento da chamada modernidade,
tendo sido construída como uma complexa teia cultural cujas relações íntimas e intricadas, desenvolveram-
se rizomáticamente em uma infinidade de diferentes universos. Nas paisagens estão integrados seres e
mundos humanos e não-humanos, objetos e tecnologias, redes e fluxos, espaços reais e virtuais. A
investigação da ideia de paisagem deve levar em conta todas as relações possíveis a ela associadas e que se
manifestam com o tempo em suas vinculações ao espaço. A complexidade analítica vai contra qualquer
reconhecimento simplista, obrigatório ou binário que relacione exclusivamente apenas seres humanos e
ambiente natural, natureza e cultura, masculino e feminino, raças, identidades ou etnias diversas.
Para Augustin Berque (1995), a descoberta das paisagens ou a instauração dessa idéia, radicou das
evoluções matemáticas, científicas e dos novos paradigmas que deslocaram a terra do centro do universo.
Fundamentando uma nova ontologia do cosmos, o mundo foi redescoberto como entidade físico_material,
passando a ser dissociado da subjetividade humana, durante um processo no qual artes e descobertas
científicas sobre o mundo natural deixaram de ser complementares. Como resultado final, a ideia de
paisagem em si impôs-se dilacerada: entre a imagem apresentada por um pintor e a representação das
paisagens voltadas para as ciências, a primeira foi atraída para o mundo dos objetos e a outra para o dos
sujeitos (Berque, 1995).
Assim objetificadas, as paisagens acompanharam a implantação do capitalismo e a transformação do
território na criação de uma cultura paisagística. Transmutadas tanto em mercadorias como em espetáculos
a serem contemplados, elas instrumentalizaram a naturalização de certos tipos de relações sociais
conflitantes e desiguais não só entre indivíduos como em relação a natureza em oposição a cultura,
justamente no período de reconstrução histórica e expansão das potênciais imperiais européias. Foi um
processo de naturalização pela conversão mental dos territórios apreendidos pela visão que receberam uma
atribuição de valor estético e cultural (Azevedo, 2008). Esses valores dependiam primeiramente do seu
criador (de quem os representava) e depois dos seus intérpretes (dos leitores das imagens). Caracterizada
por ser branca, européia, ocidental e essencialmente masculinista, a ideia de paisagem difundida pelo poder
hegemônico do olhar como dipositivo fixado no centro do processo de percepção humana, foi corroborada
por diversas manifestações artísticas.
Não são poucos os teóricos em Geografia que tem como base a definição enfática de Denis Cosgrove
(1984-1998) sobre a configuração da paisagem como ideia na modernidade. Para o geógrafo, a ideia de
paisagem representa uma maneira de ver e interpretar o mundo, mas é igualmente um conceito ideológico,
em grande parte derivado do ideário daqueles que a representaram. Em sentido geral, seria uma maneira
pela qual o eurocentrismo - a matriz referencial do universo ocidental, se auto figurou para si mesma e para
o restante do mundo. Sob um olhar cultural, as representações de paisagens durante os séculos XVI e XVII
teriam contribuído para a concepção de novas espacialidades conectadas às emergentes tecnologias de
visão e representação, nomeadamente a inovação das técnicas de perspetiva linear – a construção legítima,
segundo os florentinos que a adotaram - e a gradual laicização dos elementos da paisagem (Berque, 1995).
A semiótica da ideia de paisagem e a etimologia do termo revelam uma curiosidade: imposta aos
sentidos, as representações pictóricas das paisagens precederam sua representação em palavras (Berque,
1995). O termo integrou-se às linguagens simbólicas do cotidiano em denotações e conotações verbais
variadas, e à medida que foi sendo incorporado nas diversas línguas adquiriu novas sutilezas de significação.
O termo landskap holandês teria aparecido em finais do sécluo XV e nas décadas seguintes esprairaram-se
pelo continente europeu termos formados no mesmo modelo em outras línguas de origem anglo-saxônica
(landschap, landschaft, landscape...).

DAS PERSPETIVAS AO PINTORESQUISMO

Uma exploração genealógica das experiências de paisagem oferecidas pelo cinema, revela que os
modos cinematográficos de mobilização espacial tem predecessores nas artes. Pode-se dizer que eles
nasceram da pintura e da construção dos espaços retratados em termos arquitetônicos e cênicos. Em
particular, a maioria dos estudos teóricos existentes concordam que os filmes devem seus códigos de
representação às técnicas de representação em perspetiva, ao espaço pintoresco trazido à tona pela estética
topográfica do século XVIII nas pinturas e na cartografia, e a composição espacial formulada pelas artes dos
jardins (Bruno, 2002).
A perspetiva linear funcionou como um dispositivo para controlar o mundo das coisas, relacionando-
se a uma cosmologia renascentista onde toda a criação ordenava-se por regras geométricas. A inovação da
perspetiva e suas propriedades ilusórias, sob o jugo da centralidade do olhar de um sujeito exterior à tela, foi
plenamente incorporada nas pinturas de paisagens, expondo a instauração de uma nova ordem simbólica; a
da equivalência entre natureza artificializada e o mundo natural (Azevedo, 2008). A natureza foi colocada à
distância de duas formas: opticamente pelo olho do observador, sendo este o abstrato da representação; e
simbolicamente, pela posição do sujeito, que a partir de agora, transcendia o objeto (Berque, 1995).
A invenção histórica das pinturas de paisagens costuma ser relacionada com a invenção do
enquadramento. A paisagem seria uma vista emoldurada de forma aproximada ao que seria sua captura
desde uma janela, fosse ela parte do quadro, ou confundida com o próprio quadro, ativando assim, uma
dialética interior_exterior (Besse, 2014). Inicialmente como apenas um ornamento de fundo da pintura, a
natureza pictórica perspetivada passou a adquirir a consistência de uma realidade além do quadro, tanto
quanto o território quando naturalizava-se em paisagem (Cauquelin, 2007). No período do Renascimento
“descritivo” das novas geografias de continentes recém desbravados por navegadores e comerciantes, a
pintura comprometeu-se a revelar a variada cena terrestre e a relação entre os povos e as terras por eles
ocupadas, enfatizando relações visuais e o controle espacial onde uma ilusão de ordem humanista poderia
ser sustentada (Cosgrove, 1998:21).
Desenvolvida como um gênero reconhecido em regiões econômicamente avançadas, densamente
povoadas e altamente urbanizadas da Europa do século XV em Flandres e na Itália, a pintura de paisagem
alcançou sua plenitude expressiva nas escolas holandesas e italianas do século XVI e XVII, e nos séculos
seguintes, nas escolas artísticas francesas e inglesas. A escola holandesa dava ênfase a uma narrativa
documental sobre o meio rural e urbano mais próxima do conceito de landschaft ou seja, uma pintura de
usos e costumes que regiam a vida local, considerada mais como uma pintura “política” do que pitoresca
(Besse, 2014:110). A pintura italiana desenvolveu paisagens pastorais idealizadas, e retratou a cultura das
villas romanas, enfatizando simetrias em um todo harmônico e universal, em suas representações de
paisagens intramurais e vistas inspiradas nos mitos gregos e pastorais da Arcádia virgiliana. Essas
representações míticas submetidas ao olhar contemporâneo do poeta Virgilio (que eliminou dos aspectos
originais da Arcádia grega o que seria considerada a sua bestialidade) exaltavam a ordem social, o recanto
pastoral perfeito, o lugar onde todas as criaturas (até mesmo os animais) se comportavam como cidadãos de
uma economia política perfeita, o locus amoenus (Cauquelin, 2007).
Os elementos compositivos das paisagens pictóricas – como árvores, cursos dágua, pedras - eram
francamente manipulados em forma, escala ou localização, a fim de estruturar ou compor uma cena com
uma aparência mais realista ou precisa. Mas não só: específicamente sobre as paisagens perspetivadas e
manipuladas, elas tinham o poder de congelar momentos específicos como se fossem uma realidade
universal, removendo-os das mudanças e dos fluxos temporais, enquanto aprisionavam o instante histórico
naquela narrativa visual. Se a perspetiva enfatizava a objetividade imutável do objeto observado, a
experiência coletiva humana reduzia-se em significância, comparativamente a individualidade do
espectador. Para Cosgrove (1998:25) a experiência de vida coletiva ou de um insider estava implicitamente
negada nas pinturas de paisagens. Por isso é significativo que a ideia da paisagem e as técnicas de perspetiva
linear tenham emergido em um determinado período histórico, com convenções que reforçavam ideias de
individualismo, o controle subjetivo de ambientes e a separação das experiências pessoais, a partir do fluxo
da experiência histórica coletiva (Cosgrove, 1998).
Enquanto a paisagem era inventada como gênero pictórico independente, paralelamente
desenvolviam-se modelos de configuração do território tais como o jardim paisagístico de desenho
geométrico. O jardim paisagístico já existia desde a Idade Media com seu esquema simbólico proprio
(Cauquelin, 2007) quando era uma área protegida e protetora entre os castelos e o mundo exterior - o locus
horridus (Corboz, 2004). Mas foi durante a renascença italiana que aos poucos, as fronteiras entre o jardim,
a casa, e o exterior desconhecido, foram sendo progressivamente eliminados. O modelo geométrico se
repetiu em toda Europa durante ao menos dois séculos, com particular relevância nos jardins de villas
renascentistas e nos labirintos barrocos franceses. No século XVIII o jardim inglês romântico tomou
configuração totalmente diversa, com curvas suaves, aclives e declives, surgindo agregado aos cottages ou
as fazendas, como prolongamento de campos cultivados ou de criação de animais.
Os jardins paisagísticos como geradores de uma narrativa própria, tiveram um papel importante na
organização da moderna ideia de paisagem, desde que fomentaram a construção de um sujeito ativo do
lazer, envolvido no ato de vivenciar e de consumir paisagens (Azevedo, 2008). Ativado pela composição e a
distribuição dos mais diversos artefactos dispostos como num cenário, esse consumo animava-se por uma
cenografia relacionada à incorporação de elementos fantásticos que procuravam surpreender e atrair o
visitante para percursos específicos, fomentando um sentido de descobertas no interior de um local
inteiramente controlado. Isso espelhava a forma pictórica de composição das paisagens, onde uma série de
imagens eram associadas cenográficamente, enquanto truques de perspetiva eram usados para aperfeiçoar
a composição e o modo de receção. Espalhados nesses parques cenográficos, distribuiam-se artefactos
trazidos de além-mar como testemunhos de viagens exploratórias a outros continentes, proporcionado
assim, uma experiência física e sensorial diferenciada, a do transporte do corpo a outros territórios em
viagens imaginárias. Os espetacularizados jardins paisagísticos, inauguraram um modo de produção da
própria paisagem pelo estabelecimento de uma figuração estilística, o pintoresquismo. O pintoresquismo
refletiu nos jardins a estética pictórica – o modelo para o design da arquitetura paisagística - concretizando
assim uma intersecção entre pintura e espaço material (Bruno, 2002; Azevedo, 2008).
O DISCURSO DE GÊNERO NOS JARDINS

A linguagem estilística pintoresquista e a consequente retórica envolvida, abrigaram muitos outros


discursos além dos fenomenológicos, camuflando enunciados geográficos e de gênero. Códigos culturais
foram transferidos para as iconografias dos parques e jardins voltados ao usufruto dos centros de poder e
das elites, por sua vez transmutados em cenários para os sentidos. Se a materialização dessas representações
informava as experiências de paisagem, elas por sua vez condicionavam formas simbolizadas por arranjos
espaciais específicos (Azevedo, 2008). Esses arranjos distribuiam espaços cujo percorrer dava-se por angulos
de visualização variáveis entre o descobrir e o ocultar, na alternância de locais abrigados e grandes áreas
abertas, em visadas manipuladas para proporcionar perspectivas infinitas e uma profundidade espacial
ilusória. Nessa ativação de ressonâncias culturais negociadas nos espaços e nas experiências das paisagens
(Azevedo, 2008) o observador ativo e responsável pelo controle visual do território era compatibilizado às
áreas mais elevadas, cujas vistas diretas, dominantes e abrangentes eram percebidas como ideais do gênero
masculino. O gênero feminino corporificava-se no observador passivo, para quem seriam oferecidas as vistas
para contemplação, as surpresas no percurso. A visão masculina corresponderia a expansão colonialista,
enquanto a feminina aos elementos bucólicos, a criação de refúgios espaciais e a uma identificação com o
ambiente natural – uma natureza feminizada. Identificadas com a cultura, as identidades masculinas
compatibilizavam-se à visão prospectiva da paisagem, já que teriam a capacidade de ativar no observador o
“jogo geopolítico da construção ficcional do mundo” (Azevedo, 2008). Como estímulo a uma interação
dialética entre natureza e cultura, subjazia a submissão do feminino ao masculino, estruturando um
enquadramento cultural binário no qual a experiência da paisagem procurava ativar reações padronizadas do
observador, enquanto integrava as representações de sujeito, natureza e espaço que acompanharam os
desenvolvimentos da idéia de paisagem no mundo ocidental (Azevedo, 2008).
A geração gradual de representações terra_natureza compatibilizadas às expressões do feminino,
transmutaram as mulheres em objetos geográficos, histórica e imagéticamente estabelecidos no imaginário
geográfico (Azevedo, 2008). Essa espécie de cosmologia generificada está claramente exposta na produção
de objetos culturais tais como mapas, pinturas, jardins, literatura, fotografias, cinema e até na música. Essas
políticas de reprodução sexualizada incidiram sobre os territórios mapeados, topografando diferenças de
género enquanto definiam um modo particular de representação relacionando corpo_espaço_tempo. E se é
através do corpo e dos sentidos que se faz o acesso dos corpos à terra (Merleau-Ponty, 1965) é nesse ponto
que a terra transmutada pela artes jardinísticas associou-se ao desejo corpóreo de dominação ativa do
espaço como prerrogativa do universo masculino, enquanto a experiência sensível do usufruto do meio
natural foi tornada passiva e dócil – feminina e penetrável.
Observar no entanto o jardim pintoresco apenas sob esse prisma seria reducionista. Na verdade ele foi
um espaço possível para articulação da subjetividade feminina. Ao jardim pode ser imputada a
pavimentação do caminho para uma nova forma de espacialidade, na qual o corpo feminino não era apenas
um objeto penetrável, mas o sujeito de uma mobilização espacial intersubjetiva. Pois muito antes da era do
cinema, ao gênero feminino foi permitido ingressar em novas práticas públicas como participar de eventos
em jardins, passear em promenades e visualizar vitrines, dentro de um novo jogo de consumo inclusivo. Essa
participação foi fartamente documentada em ilustrações, pinturas, na literatura e na literatura de viagens
produzida por aquelas que extrapolavam a sua posição social, conseguindo viajar. Os terrenos mobilizados e
espetaculares pintoresquistas abriram a emoção das viagens e do trânsito transcultural para a construção de
um outro feminino (Bruno, 2002).
O pintoresco difundiu-se avidamente em meados do sec XVIII e XIX, acompanhando o fulgor
relativamente a ideia de viagem e de conhecimento do mundo. As filosofias geográficas desenvolvidas
incrementaram as modernas espacialidades proporcionadas por um olho viajante mecanizado e
especializado na tarefa de captar vistas. A própria tarefa de captar vistas era popularizada pela divulgação de
narrativas de viagens (como as muitas narrativas resultantes de viagens científicas de Humboldt e Darwin) e
de livros, pinturas e ruinas arquitectonicas (Azevedo, 2008). Com o avanço das viagens centíficas e
descobertas de outros mundos e o processo de inventariação desse universo desconhecido, surgiram outros
movimentos que desenvolveram uma abordagem mais factual ao espaço, culminando com a tradição
realista do sec XIX.
Ao longo do tempo ocorreu uma espécie de marginalização do impacto do pintoresquismo nas artes e
no surgimento das imagens, em especial no que concerne as possibilidades de representar multiplicidades
espaciais. Contrariando essa colocação, Giulina Bruno (2002) afirmou que os filmes teriam re_inventado a
prática pintoresca de maneira moderna, permitindo ao corpo do espectador tomar caminhos inesperados de
exploração. Como um passo importante na construção moderna do espaço e portador de uma
homogeneidade dentre várias posicionamentos tanto artísticos como filosóficos, o pintoresquismo foi
muitas vezes redefinido em teorias e práticas. Considerado uma revolução, ele participou da construção do
espaço dos sentidos, preparando o terreno para a evolução das imagens em movimento.

NOVOS SISTEMAS VISUAIS

Reflexões diversas sobre as visualidades fragmentadas e sequenciais elaboradas a partir do pintoresco,


tem tornado possível o desencadear de uma série de questões teóricas, permitindo que se enxerguem
relações com o aparato cinematográfico na construção dos "fundamentos" de uma outra prática cultural de
vivenciar espaços - o cinema.
Os jardins foram implantados como aparatos espaço_visuais e eram materializados pela prática,
fazendo parte de uma narrativa visual em desenvolvimento para cada indivíduo. Construídos pelo
movimento pintoresco como um novo tipo de espacialidade em que o espetáculo era exibido através do
movimento peatonal, incitavam o observador a vagar pelo espaço criando suas próprias tomadas espaciais.
Montadas sequencialmente, as imagens resultantes funcionavam como um sistema de vistas, dispostas
como uma série de quadros criados para o prazer estético, um prazer culturalmente cultivado. O transcorrer
dos seus espaços pelos movimentos dos sujeitos criava um sentido de lugar, como uma série de
relacionamentos em desenvolvimento, provocando identificações individuais que cresciam
progressivamente junto a expressão de um genius loci que crescia à medida que os locais eram revisitados.
Nesse sentido, o pintoresquismo pode ser reconsiderado como uma prática protofílmica, na medida em que
sua construção espacial foi usada, como seria o filme, para envolver a imaginação do passageiro e incitar seu
movimento e suas emoções (Bruno, 2002).
Em termos de evolução tecnológica, o que mais se aproximaria do espaço cênico móvel dos filmes
seriam aqueles produzidos pela “visão panorâmica” dos novos artefactos visuais que povoaram o século XIX,
bem como as visadas criadas pelos novos meios de transporte, como os trens e os automóveis. Nesse
sentido, a ideia de paisagem deve ser vista não apenas como refúgio das tecnologias, mas, de forma muito
mais complexa, como seu produto (Gunning, 2010).
Ao longo do século XIX, os pintores de paisagens tentaram capturar noções espiritualizadas do
sublime e do belo kantiano na Europa, ocorrendo o mesmo na América do Norte. As pinturas de paisagens
européias da primeira metade do período, tendiam a incluir os seres humanos, enquanto as norte-
americanas rejeitavam a sua presença, revelando abordagens culturais divergentes com relação à
representação da natureza artificializada em paisagens. No contexto europeu, a presença humana em uma
paisagem inspiradora, denotava a sua habilidade em confrontar o divino nas manifestações mais
inspiradoras da natureza (Melbye, 2010:37-50). O contexto americano incluía noções de expansionismo e
idealização de paisagens inexploradas, no qual o manifest destiny era considerado uma questão divina.
Nesse contexto os novos meios de transporte propiciavam a exploração das novas terras, tal como ordenado
por Deus.
Sob esse prisma, Tom Gunning (2010) ressalta que os novos meios de transportes transformaram o
modelo pintoresquista sublime das pinturas de paisagens, radicalizando suas implicações relativas ao
movimento, pela sua acelerada tecnologia de penetração nos vastos terrenos virginais naturais norte-
americanos. Como uma longa história das transformações subjacentes a implantação dos transportes
ferroviários e sua relevância na construção da ideia de paisagem norte-americana - no que concerne a
velocidade dos quadros, enquadramentos visuais e ao papel desempenhado pelos espectadores - novos
pontos de vista sofreram uma espécie de “industrialização” do olhar, originadas sobretudo, das
transformações operadas no espectador tornado consumidor de paisagens - e de viagens.
Enaltecendo o modo privilegiado de visualizar mediado por meio de uma máquina móvel da
modernidade, esta nova forma de interação com a paisagem passou a ser panorâmica, compatibilizando
assim "a máquina de ver com a máquina de se mover" (Tom Gunning, 2010:64). A ampliação da velocidade
das viagens afetou a visão das paisagens, oferecendo a transcendência de pontos de vistas peatonais
tradicionais, que a partir das novas impressões, captadas e transferidas para a representação pictórica das
paisagens, instituiu novas visualizações. O distanciamento entre os sistemas de visualização acelerada e uma
quantidade enorme de paisagens ainda inexploradas, provocou uma espécie de conflito entre o sublime e o
moderno tecnológico. Nesse jogo dialético entre imersão e isolamento, futuros espectadores viram-se
confrontados simultaneamente com uma sensação de perda e de dissolução das paisagens.

VEDUTAS, PANORAMAS E ESPAÇOS PROTOFÍLMICOS

Ao lado de representações do mundo idílico rural, das paisagens heróicas dos viajantes, e dos jardins
com suas perspectivas infinitas, floresceu em meados do séculos XVIII um outro gênero de pintura
topográfica e de vistas, o vedutismo (Bruno, 2002). Como um ápice da representação pictórica da paisagem,
em um mundo que se tornava cada vez mais urbanizado, o vedutismo incorporou a cidade transportando
emocionalmente o espectador para uma paisagem urbana sedutora, retratada à distância e em grande
escala. O termo veduta de origem italiana informa uma categoria estética autônoma no final do século XVII,
cuja evolução se deu a partir de uma verdadeira pandemia de imagens urbanas e furor geographicus, que
desde o século XV assumiu a forma de ilustrações, desenhos, gravuras, pinturas de livros, relatórios de
viagens (Bruno, 2002: 3838).
Durante o século XVIII, ao viajarem para os atlas, os mapas e os globos terrestres, as vedutas passaram
a fazer parte igualmente da vida privada e dos interiores domésticos, revestindo paredes e estampando
objetos do cotidiano. Esses dispositivos culturais foram fundamentais no estabelecimento de um gosto pela
visualização de sitios urbanos, mas igualmente influenciaram a própria maneira pela qual foram elaborados.
O vedutismo era caracterizado pelo culto imagístico à cidade, e por uma atenuação simbólica dos conflitos
entre natureza e cidade, através da dramatização e embelezamento das vistas, tanto das cidades européias,
como de outros territórios urbanizados pelos estados imperiais. Denotando o crescente interesse nas formas
arquitetônicas e urbanas, o vedutismo surgiu como categoria estética calcada sobre a elaboração de todo
um imaginário das cidades - a nova “espacialidade epifânica do homem civilizado” (Azevedo, 2007:232).
Para Bruno (2002:14.202) a veduta em si é inseparável da história dos Grand Tour - aquelas viagens
empreendidas por jovens abastados ingleses ou europeus (eventualmente moças eram aceitas nessas
jornadas) que aconteceram do século XVII em diante. Nas vedutas, retratos de cidades re_produzidos em
desenhos ou pinturas eram moldados com os mesmos parâmetros de codificação das pinturas de paisagens
e da cartografia, em um tipo de representação cenográfica repleta de tomadas distribuídas por diferentes
pontos de vista. À medida que os códigos mesclavam a topografia urbana com a pintura de paisagem, as
vistas urbanas também incorporavam o impulso cartográfico, criando mapas representativos_imaginativos.
Sob esse prisma, pinturas e mapas confundiram-se na forma de representação. Em geral, cartografia e
pintura de paisagem interagiam no desenvolvimento de noções de espaço mas também interagiam nas
atitudes em relação ao espaço (Bruno, 2002). As composições das vedutas podiam abrigar diferentes pontos
de vista em um mesmo enquadramento, em perfil, em perspetiva, ou em planos e vistas panorâmicas,
geralmente combinadas em visualizações topográficas, cujo foco podia ser um detalhe da cidade ou uma
visão mais alargada do conjunto urbanístico, abarcando os limites da cidade ou até os campos do entorno.
A precisão factual nunca foi o objetivo dessas figurações, nem na cartografia tradicional, nem nas
visões urbanas, nem nas composições combinadas, e elas continham eventualmente muitas distorções. Na
verdade intencionava-se a formulação de uma imagem mental compreensível e palatável das cidades - não
como "mapeamentos cognitivos", mas como diversas e indicativas rotas sobrepostas de observação (Bruno,
2002:14202). Assim, a veduta urbana teria inscrito na pintura, as diversas vistas do espaço em um
movimento dentro de seu mapeamento da cidade. Em suma, essas representações eram mapas de
paisagens urbanas ensaiando movimentos cinemáticos futuros. A linguagem fílmica teria vindo condensar
essa prática de visualização, tornando viáveis até mesmo as projeções aéreas impossíveis e as paisagens
“móveis” das pinturas de vistas (Bruno, 2002).
Ao longo de sua história e em suas muitas formas, manifestações e nomenclaturas, as vedutas
urbanas estabeleceram uma forma específica de observar e afigurar os lugares. Eram dispositivos movidos
pela ansiedade aristocrática por uma imagem total, em um processo de estender a visualização para além
das perspetivas e das fronteiras do enquadramento, “em um ato de mapeamento” que acompanhava a sede
por novos mundos nos fluxos de viagens. Essa busca incansável impressa nas imagens das vedutas urbanas,
já era prenúncio de expansões que desembocaram nas visões panorâmicas. O impulso cartográfico das
vistas aéreas e das visões panorâmicas, como frutos de uma representação geográfica imaginária,
funcionavam como mapas tanto para quem conhecia, como para quem nunca tinha visto uma cidade.
Algumas vedutas passavam por processos de fragmentação e multiplicação e eram tão amplas, que
necessitavam de mais de um quadro, transbordando para além das suas bordas, dos seus limites,
serializando as narrativas das paisagens urbanas. Era uma arte de fazer acreditar que a paisagem era o
território original, em uma estratégia que terminou por definir o mundo moderno ocidental. Afinal, se a
viagem não foi empreendida pelo pintor, a seleção reproduzia na tela o que lhe contavam os viajantes e não
o que ele próprio poderia ter visto (Besse, 2014).
Transmutadas no final do sec XVIII em panoramas, as vedutas retrataram o espaço como uma
montagem interligada para um observador imagináriamente móvel, antecedendo as imersões em mundos
cinemáticos e virtuais dos séculos XX e XXI. O panorama era um espaço protofílmico onde instalava-se uma
arte cartográfica em movimento, envolvendo a inauguração de uma modalidade visual pela construção de
um novo tipo de observador. Pode-se afirmar que a simulação do campo de visão panorâmica ingressou a
humanidade na esfera do sublime romântico, tal como definido pelo filósofo Immanuel Kant (Otto, 2007).
Pelo seu desempenho fundamental no desenvolvimento da valorização romântica, ele funcionou não apenas
como indexador da realidade, mas como aparato dentro de determinados sistemas culturais e perceptivos.
Os panoramas desde seu surgimento operacionalizaram sobre três grandes temas, estendidos
posteriormente aos filmes; as cidades, o nacionalismo e as viagens. Por muitos anos, os registos e as
imagens das viagens panorâmicas a cidades ocidentais consideradas históricas e patrimoniais, e paisagens
naturais ou exóticas, foram convertidas em objetos de contemplação e curiosidade por olhares dominadores
ou colonialistas, desejosos de realizar sonhos científicos ou turísticos (Amancio, 2000: 14-15, 49). Como mais
uma base para uma extensão notável do reino da mimese, procurou-se incansavelmente, por meio de
artifícios técnicos, fazer dos panoramas as cenas de uma perfeita imitação da natureza. Posteriormente foi o
cinema que centralizou esses desejos, pela duplicação de imagens de paisagens_cidades, funcionando como
uma máquina de curiosidades e de re_apresentação da história em imagens ficcionais para o coletivo
(Amancio, 2000:49). Em sua tentativa de produzir mudanças aparentemente realistas na natureza
representada, os panoramas prepararam o caminho não apenas para a fotografia, mas também para os
filmes.
As representações panorâmicas eram como arte documental, pois capturavam um momento vivido de
forma estática, como em uma fotografia, apesar dos efeitos imersivos provocados por jogos de luzes e sons,
ou aparatos que simulavam movimentos e deslocações. Arte patenteada pelo seu inventor inglês, Joseph
Barker (1785) ela reunia arquitetura e pintura. Os panoramas eram exibidos em construções provisórias ou
permanentes como as rotundas, espaços circulares sem janelas, e nos quais o espectador confinado sentia-
se envolvido hápticamente. Pintado sobre telas curvas, o voyageur ilusório ficava imerso no lugar
representado e espetacularizado, tal como posteriormente se fez nas salas de cinema. A partir de um prazer
enraizado nos sentidos, pode-se dizer que eles avançaram pelo universo das imagens benjaminiamente
definidas como pertencentes a era da reprodução mecânica do real, através do uso de técnicas industriais.
Ao quebrar as fronteiras das representações ilusionistas, pela primeira vez o real e o imaginário
confundiram-se.
Como entretenimento popular, os panoramas não exigiam nenhum conhecimento particular
específico ou erudição estética do seu espectador, libertando os indivíduos comuns do conhecimento de
uma realidade angustiosamente enciclopédica (Miller, 1996:44) propiciando assim, a criação de um mercado
alargado e democrático para o consumo de imagens. Mas os panoramas eram mais que entretenimento.
Capturados como instrumentos ideológicos e sociais, reafirmavam interesses nacionalistas através de
imagens, pois dependiam de investimentos de empresários e governos para sua produção (Miller, 1996;
Bruno, 2002; Coelho, 2007). Em resposta, os panoramas eram feitos sob medida por aqueles que buscavam
clientes ou seguidores. Incentivando a construção de um imaginário coletivo, eles oscilavam entre a
distração a qualquer preço e uma “melancólica pedagogia, sob a égide da rentabilidade”. Os panoramas
transformaram-se em uma verdadeira geo_estratégia do olhar (Amancio, 2000:15).
Em um mundo em efervescente mutação, os panoramas integraram o conjunto dos diversos
maquinários oníricos que emergiram desde o século XVIII, testemunhando o nascimento de instrumentos
científico_tecnológicos que acompanharam a criação dos mecanismos visuais fundadores de novas e
diversificadas categorias do olhar. A maioria de caráter híbrido, esses instrumentos oscilavam entre o
enfoque científico ou artístico, ou entre o puramente visual e a representação. Esses novos instrumentos
permitiram capturas exploratórias tanto do interior dos corpos como dos lugares, através de tecnologias que
simularam movimentos, fantasmagorias e transparências, distâncias e proximidades, em diferentes escalas e
grandezas, tais como a camera obscura, os estereoscópios, microscópios, telescópios, raio-x, os panoramas,
daguerreótipos e as câmeras fotográficas. Os dispositivos potencializaram o domínio do olharcentrismo,
tornado culturalmente hegemônico pelas tecnologias de poder comprometidas com os novos parâmetros do
capital, e pelas experiências de consumo entranhadas em uma elite burguesa. Implantou-se a erótica do
desnecessário aliada ao lazer, como o desejo de viajar e adquirir bens - exponenciada pela importância dos
valores de troca, mais que os de uso. Esses novos dispositivos nada mais faziam do que dinamizar essas
relações (Azevedo, 2007:306).
As representações panorâmicas tais como mapas e pinturas eram estáticas, e procuravam
proporcionar em sua materialidade e imersividade, uma sensação corpórea através de uma atividade
cinética. Freqüentemente emprestaram da cartografia náutica a experiência da linha do horizonte, enquanto
imitavam ou registavam as novas experiências de vistas aéreas (como nas excursões de balão frequentes no
século XIX). As representações urbanas pictóricas frequentemente incorporavam elementos simbólicos e
representacionais dessas tipologias cartográficas, no afã de localizá-las relacionalmente a movimentos
estelares, fluxos de marés e de ventos. O mesmo desejo por movimentos e fluxos engendrados inscreveram-
se nas representações fílmicas primitivas das cidades, em finais do século XIX e início do XX. Inúmeros foram
os filmes realizados dentro de fluxos fluviais, de forma a associá-los à sensação de progresso metropolitano,
como eventos portuários de carga e descarga. O desenvolvimento da verticalização urbana através do
mapeamento de novas construções e a cinética dos meios de transportes como trens e automóveis,
igualmente evidenciaram padrões de “modernidade”. As cidades tornaram-se o telos do cinema e vice-versa,
em associações que colocavam em correspondência os espaços dos filmes e os movimentos metropolitanos.
O amálgama do cinema com a estrutura urbana foi reproduzido nos filmes de todo o mundo, tendência
dominante nos seus primórdios. Cinema, cidade e arquitetura se fizeram simultâneamente como modo de
produção, indústria cultural e testemunho da expansão urbana.

CONCLUSÃO

Movendo-se ao longo do caminho da modernidade, a invenção da ideia de paisagem evoluiu em


movimentos artísticos, cujos códigos e técnicas específicas de representação ainda refletem discursos
hegemônicos de séculos pretéritos. Movimentos como a perspetiva linear criaram uma ilusão da realidade,
transferida para as representações da natureza nas pinturas de paisagens, mas também para as
representações de paisagens urbanas. Cidades e ambientes naturais, capturados pela descrição dos viajantes
e transferidos para as telas e para os jardins pintoresquistas, em uma campanha sedenta pelo alargamento
de vistas e pela expansão em direção ao domínio de mundos desconhecidos, fundamentaram o nascimento
das imagens em movimento do cinema.
O desejo por domínio visual prevalece na contemporaneidade e faz relembrar a interpretação sobre a
Paris do Século XIX de Walter Benjamin. Ele destacou como “a cidade se abriu, tornando-se paisagem” para
incorporação das franjas urbanas e rurais nos panoramas, e pelas atitudes dos flaneurs em passeio pela
cidade. Atitudes indicativas de uma condescente abertura de horizontes prospectivos, reafirmando
igualmente a superioridade e o controlo do cidadão metropolitano sobre todo o restante. Agora a “torção”
representativa direcionou-se a espacialidade do homem moderno, a cidade, a paisagem urbana. Para
Benjamin (Benjamin et al, 2002:35) o panorama fez com os parâmetros artísticos da pintura no século XIX, o
mesmo que as estruturas em ferro fizeram ao serem utilizadas nas novas construções, suplantando certos
paradigmas arquitetônicos aquando da sua utilização nas arcadas francesas. Mas não é só isso: da mesma
forma que as paisagens se abriram para o rural nos panoramas, as arcadas continuaram a se abrir para os
passeios dos flaneur em um movimento dinâmico de fragmentação de vistas, já presentes nos jardins
paisagísticos. A linguagem do cinema é herdeira de todas essas tecnologias e técnicas de representação, mas
tal qual esses sistemas visuais, também carrega em si valores culturais, ideológicos e sociais implícitos,
transferidos fantasmáticamente de uma linguagem para outra através dos tempos.
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