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Geografia

Sociocultural
Elaine Mundim Bortoleto
AULA 1
BASES TEÓRICAS E CONCEITUAIS
DA ABORDAGEM SOCIAL E
CULTURAL NA GEOGRAFIA -
GÊNESE E EVOLUÇÃO
EVOLUÇÃO DA GEOGRAFIA E SUAS CONCEPÇÕES

A Geografia se mostrou como um campo do conhecimento que busca


constantemente a compreensão do mundo e suas contradições no âmago das
relações sociais, na apropriação e uso do meio ambiente. Nesse sentido, ao
longo do seu processo de desenvolvimento e construção, evidenciam-se
diferentes formas de perceber, pensar e refletir os fenômenos socioespaciais,
sendo cada uma das quais geradoras de linhas metodológicas as quais são
fundamentais no processo de construção do conhecimento geográfico.
Surgem assim linhas denominadas, por exemplo, Geografia Pragmática ou
Teorética, Geografia Radical ou Crítica, Geografia Humanística ou Cultural,
entre outras (ROCHA, 2007).
Uma breve exposição acerca dessa evolução destaca o surgimento da
Geografia na Antiguidade, tendo como objetivo determinar coordenadas com
a finalidade de localizar os lugares na superfície da Terra, gerando assim
representações espaciais cartográficas dos lugares e, de forma secundária,
descrições sobre os mesmos (CLAVAL, 1997, p. 2002). Com as explorações
marítimas, o trabalho do geógrafo passa por uma grande transformação,
embora mantivesse associação com o seu objetivo central. Nesse momento, o
conhecimento das rotas náuticas era um fator essencial no sucesso de grandes
empreitadas econômicas, sendo o trabalho do geógrafo, nesse sentido,
intensificado no estabelecimento de latitudes e longitudes, associando leituras
de documentos de viagem a levantamentos astronômicos. (CLAVAL, 1997
apud Rocha, 2007).
De acordo com Rocha (2007), a partir de tais investimentos – que dão origem à
criação e ao estabelecimento de equipamentos de navegação – a Geografia passa
a ser questionada, tendo em vista a figura profissional cada vez mais reforçada
do cartógrafo, fazendo com que muitos pesquisadores e estudiosos da área
ingressem em uma nova perspectiva de trabalho, associada em determinados
aspectos às ciências naturalistas, atuando em uma atividade até então secundária
que era a descrição dos espaços. Nessa nova forma de trabalho, um naturalista
que se destaca, sobretudo na apresentação das paisagens, é Alexander von
Humboldt, pesquisador que enfatiza em seus trabalhos a necessidade de praticar
observações e descrições cuidadosas e precisas da natureza no campo,
demonstrando amplo interesse por aspectos como fisionomia e aspectos da
vegetação, as influências do clima sobre os seres, etc. (AMORIM FILHO, 1998;
MAXIMIANO, 2004; apud ROCHA, 2007).
Alexander Von Humboldt, 1809, por Friedrich Georg Geografia das Plantas Equinociais
Weitsch (www.google.com.br/search) Fonte: Feisst (1978), organizado por Springer (2009).
A partir das propostas de Humboldt, duas
concepções se destacam na Geografia: uma
primeira, que buscava por meio de seus
métodos o entendimento das relações entre a
natureza e a sociedade, e uma segunda, que
tinha como preocupação o papel dos espaços
no funcionamento dos grupos, tendo as duas
linhas em comum a convicção sobre a
existência de uma realidade global (AMORIM
FILHO, 1998, apud ROCHA, 2007).

https://www.google.com.br/search?rlz=1C1
GCEA_enBR750BR750&tbm
Nesse sentido, com maior ênfase no final do século XIX até a metade do
século XX, é proposta uma nova teoria de diferenciação regional da Terra,
baseada na existência de combinações de aspectos naturais e de artefatos
comuns em dados espaços, como resultante da ação conjugada das forças
naturais e da ação humana (por exemplo, as regiões agrícolas, industriais,
turísticas, históricas, etc.). Após essa evolução, um novo enfoque surge na
Geografia, que é o estudo da distribuição dos homens e sua inserção no meio
ambiente, com os grupos humanos passando a ser o centro da análise.
(CLAVAL, 1997, 2002; ROCHA, 2007).
Assim, a partir de autores como Carl Sauer, se reforça uma nova linha de
pensamento, a Geografia Cultural, a qual estava alicerçada em temas tais
como história da cultura no espaço, ecologia cultural e, principalmente,
paisagens culturais, sofrendo, de acordo com Corrêa (1999), críticas severas
relacionadas principalmente a questões conceituais e metodológicas (não se
tinha uma metodologia e conceitos de estudo claros), o que gerou uma
relativa perda de prestígio e, por fim, o seu declínio na década de 1940
(ROCHA, 2007).
GEOGRAFIA HUMANÍSTICA OU CULTURAL –
DEFINIÇÕES/FASES
Tem como base os trabalhos realizados por Carl Sauer, Yi-Fu Tuan, Paul Claval,
Anne Buttimer, Edward Relph, Roberto L. Corrêa, Zeni Rosendahl.
A Geografia Humanística ou Cultural procura valorizar a experiência do indivíduo ou
grupo, visando um meio para compreender o comportamento e as maneiras de sentir
das pessoas em relação aos seus lugares, ou seja, a cultura dos grupos sociais.
Para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão diferente do mundo,
ou seja, cada grupo tem seu ponto de vista, criticando ou elogiando as condições
ambientais que, por sua vez, se expressa através das suas atitudes e valores para com o
ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu
mundo, e nele se relaciona.
Os geógrafos culturais argumentam que sua abordagem merece o rótulo de "humanística",
pois estudam os aspectos do homem que são mais distintamente humanos: significações,
valores, metas e propósitos. (Entrikin, 1976, apud ROCHA, 2007).
Neste sentido, as categorias lugar e espaço ganham destaque. Lugar é aquele em
que o indivíduo se encontra ambientado e no qual está integrado, carrega
significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas.
O espaço envolve um complexo de ideias. A percepção visual, o tato, o movimento
e o pensamento se combinam para dar o sentido característico de espaço,
possibilitando a capacidade para reconhecer e estruturar a disposição dos objetos.
A integração espacial faz-se mais pela dimensão afetiva que pela métrica. Estar
junto, estar próximo, significa o relacionamento afetivo com outra pessoa ou com
outro lugar. Lugares e pessoas fisicamente distantes podem estar afetivamente
muito próximos.
O estudo do espaço é a análise dos sentimentos e ideias espaciais das pessoas e
grupos de pessoas. Valoriza-se o contexto ambiental e os aspectos que redundam
no encanto e na magia dos lugares, na sua personalidade e distinção. (MOURA
JUNIOR, 2014).
Para Claval (2002), a primeira fase da Geografia Cultural ocorre entre final
do século XIX e meados do século XX, a princípio na Alemanha e França e
posteriormente a partir de 1925 nos Estados Unidos. O segundo período nos
anos sessenta e setenta, relacionado ao tempo onde a geografia cultural
passou por reformulação na tentativa de uma formulação metodológica – a
Nova Geografia Cultural. A partir da década de 1970, é o período em que
Paul Claval (2002) destaca uma mudança significativa na Geografia Cultural,
em que ela deixa de ser tratada como um subdomínio da geografia, se
colocando no mesmo patamar que a Geografia Econômica e Geografia
Política, por exemplo (CORRÊA, 2017).
Corrêa (2017) ressalta que Geografia cultural não trata apenas sobre cultura,
mas busca tratar as espacialidades e o que advém dessa espacialidade como,
por exemplo: o território, a territorialidade, o espaço, o lugar, a paisagem.

“A apropriação simbólica do mundo formula parâmetros de vida


diferenciados e paisagens distintas, onde se estabelecem história e geografias
próprias. Para o autor a tarefa da Geografia Cultural é apreender e
compreender essa dimensão da interação humana com a natureza e seu papel
de ordenação do espaço” (COSGROVE, 2003).
A GEOGRAFIA CULTURAL NA ALEMANHA E FRANÇA
- OS PRIMEIROS PASSOS: A TÉCNICA E O HOMEM

De acordo com Claval (2014) a expressão Geografia Cultural foi utilizada


pela primeira vez por Ratzel após experiências nos Estados Unidos, quando
escreveu sobre questões geográficas norte americanas. O tomo II de sua obra
é intitulado A Geografia Cultural dos Estados Unidos da América do Norte,
constituindo, assim, o primeiro estudo com essa titulação de forte carga
econômica em sua formulação.

Oliveira e Silva (2010, p. 2) destacam que a Geografia Cultural tem suas


origens na Europa do final do século XIX, e início do século XX, juntamente
com a sistematização da geografia como ciência acadêmica.
Zanata (2008) cita que um dos primeiros a utilizar o termo cultura na
geografia alemã foi Ratzel em seu livro denominado Antropogeografia no ano
de 1882. Sauer (2003) destaca que esta obra alicerçou a geografia humana em
seu sentido conjuntural do meio físico e abstrato relacionado à posição e
espaço e suas influências sobre o homem. Claval (2014) destaca ainda que
Ratzel dedicou um olhar importante para os fatos culturais, ligados aos meios
de aproveitamento de uma determinada população, correlacionando-os às
facilidades direcionadas para os deslocamentos. Assim, a cultura: “[...] é
analisada, sobretudo sob seus aspectos materiais com um conjunto de
artefatos utilizados pelos homens em sua relação com o espaço. As ideias que
a subtendem e a linguagem que a exprime são dificilmente evocadas.”
(CLAVAL, 2014, p. 30 apud CORRÊA, 2017, p.39).
Segundo Claval (2014), Ratzel relacionava o Estado a um organismo, que com, ou
sem a falta de espaço ficará ameaçado (Espaço Vital). É uma concepção pautada em
uma ótica darwinista, em que há uma constante luta pela vida. Claval (2002) afirma
ainda que já havia na geografia alemã grande interesse pela paisagem, que se
desenvolvia rapidamente por volta da década de 1900, sendo que é Schlüter que traz
uma nova concepção para a geografia humana, na qual a paisagem se torna um objeto
geográfico. Tanto a natureza, como a vida e o homem modificam a paisagem.
Schlüter faz conotações sobre a modificação antrópica no espaço, transformando o
meio natural. Esse estudo passa a ser chamado pelos autores alemães frequentemente
de Kulturlandschaft, que é referente à paisagem cultural ou paisagem humanizada.
Para Schlüter e a maioria dos geógrafos alemães das primeiras décadas do século
XX, o objeto fundante da pesquisa era a marca que o homem impõe à paisagem.
Essa marca é estruturada: o objeto da geografia é de apreender esta organização, de
descrever aquilo que qualifica desde então de morfologia da paisagem cultural e de
compreender sua gênese. (CLAVAL, 2014, p. 32).
https://www.idealista.pt/news/imobiliario/internacional/2014/07/30/22495-antes-e-depois-de-nova-iorque
Corrêa (2017, p. 40) aponta que se consegue entender que a cultura é
observada circunscrita a seu caráter material: sendo observada através de
instrumentos utilizados por determinadas populações ou pelos aspectos
apresentados pela paisagem onde se encontram determinados grupos.
A geografia francesa também corrobora com essa visão. La Blache e seus
sucessores obtiveram observações interessantes que vieram a contribuir com a
abordagem cultural na Geografia. Mesmo La Blache nunca tendo falado em
cultura, o mesmo trabalhou em sua abordagem uma forma de diferenciação de
modos de vida, através do conceito gênero de vida. A noção de gênero de
vida permite lançar um olhar sintético sobre as técnicas, os utensílios e as
maneiras de habitar das diferentes civilizações: “ela os organiza na sucessão
dos trabalhos e dos dias [...] e aponta como se relacionam os hábitos dos
lugares, as técnicas e as paisagens.” (CLAVAL, 2014, p. 41).
Edouard Leon Cortes (1882 - 1969)

martabelasartes.blogspot.com

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A vida quotidiana em uma aldeia africana na Bacia
do Congo.

Estilo de vida em remota aldeia africana .


Cabe ressaltar, ainda de acordo com Claval (2014), que La Blache tinha o
anseio de explicar cientificamente os lugares e não uma abordagem no
homem. Evidencia que a abordagem de La Blache mostra que a adaptação de
um grupo humano sobre um determinado meio, consolidando o gênero de
vida, depende: das técnicas produtivas e suas modificações originando novos
meios, técnicas de transportes e a capacidade de “intercambiar”, absorvendo e
passando saberes com outros grupos ou espaços e do hábito de determinado
grupo. Tanto as técnicas produtivas, de transporte e relacionadas ao hábito se
enquadram a uma abordagem cultural na geografia – voltando a destacar que
La Blache não usou a palavra cultura. Entretanto: “a análise do gênero de vida
mostra como a elaboração das paisagens reflete a organização do trabalho”
(CLAVAL, 2014, p. 41).
De acordo com Claval (2001), tanto na abordagem da Geografia Alemã como
na Geografia Francesa no final do século XIX e início do século XX, não
abordam a capacidade intelectual dos atores sociais imersos em um meio
cultural, tampouco estabelecem relações entre as pessoas e o lugar. Contudo,
não existem muitas diferenças na abordagem cultural norte americana, que
tem como principal expoente Carl Sauer e seus discípulos da Escola de
Berkeley – segunda década do século XX (CORRÊA, 2017, p. 40).
A ABORDAGEM CULTURAL DE CARL SAUER E A
ESCOLA DE BERKELEY
Como vimos, a Geografia sempre apresentou um
viés cultural em suas abordagens, entretanto, é
nos Estados Unidos que se constitui uma
identidade de abordagem para a Geografia
cultural, através de Sauer e seus discípulos,
iniciando em Berkeley e posteriormente em
outras universidades (Corrêa, 2003). Claval
(2014) ressalta a importância de Sauer e da
escola de Berkeley para o desenvolvimento da
geografia cultural.

www.google.com.br/search?rlz=1C1GCEA_e
nBR750BR750&biw=1024&bih=657&tbm=isc
h&sa=1&ei=7
Para Speth (2011), Sauer tinha como base o historicismo, introduzindo na
geografia americana um sentido temporal relacionado ao homem e ao conceito
de cultura, influenciando, assim, o pensamento geográfico a distanciar-se da
explicação determinista: dando uma maior autenticação ao homem e sua relação
cultural com a natureza e as capacidades do mesmo de alterá-la. “A geografia
cultural se interessa, portanto, pelas obras humanas que se inscrevem na
superfície terrestre e imprimem uma expressão característica.” (SAUER, 2003,
p. 22). Segundo Corrêa (2003), as produções da escola de Berkeley, portanto
sauarianas – tratavam das sociedades tradicionais com pouca ênfase nas
sociedades urbano-industriais (CORRÊA, 2017).
Os trabalhos da escola de Sauer tratam sobretudo das sociedades dos etnólogos do
mundo norte-americano e das grandes civilizações tradicionais. Eles se ocupam,
sobretudo dos ameríndios e da América Latina, mas o Extremo Oriente, a Europa
e o mundo mediterrâneo não são negligenciados (CLAVAL, 2014, p. 39).
Mathewson e Seeman (2008) destacam que Sauer teve influência tanto dos
geógrafos Alemães como dos Franceses – influência esta que seus colegas e
mentores não possuiam. As leituras de Sauer apresentaram a ele o conceito de
paisagem cultural dos autores alemães e a abordagem histórico regional da escola
francesa. Sauer, então, incorporou o conceito de paisagem tornando-a palavra
chave em sua obra. Outro aspecto importante em Sauer e seu trabalho é o
rompimento com o determinismo ambiental, muito presente na geografia dos
Estados Unidos. Através da abordagem histórica, Sauer mostra entender dois
modelos de paisagem: a natural e a cultural. A paisagem natural, de acordo com
Mathewson e Seeman (2008), se relaciona a áreas anteriores à ação do homem e à
paisagem cultural. É a área geográfica que contêm, em seu último significado, as
obras do homem caracterizando a paisagem (Sauer, 1998). O autor ainda destaca
que a paisagem natural está sendo transformada pelo homem, pois através de sua
cultura há alteração no meio ou até mesmo sua destruição (CORRÊA, 2017).
É significativo destacar a análise de Ducan (1980), pois, para o autor, Sauer foi
uma figura hegemônica na geografia cultural americana, e também os principais
temas desse campo – ecologia cultural e a percepção da paisagem estiveram
presente em seu trabalho. Contudo, percebe que os geógrafos, através da
influência de antropólogos, aceitaram o conceito de cultura supra-orgânica, não
sabendo ao certo o quanto esse conceito afetou os alunos de Sauer.
“A cultura constitui-se assim um nível independente da realidade, externa ao
indivíduo, explicável por si própria, dentro de uma visão holística” (CORRÊA,
2001, p. 25). Para Ducan (2003), com isso, não se tem a necessidade do indivíduo
e seus processos psicológicos. O supra-orgânico estabelece que os fatos culturais
transcendem o indivíduo e molda as suas ações. De acordo com Corrêa (2001),
“Sauer teve influências da antropologia de Kroeber, ou seja, houve a influência do
supra-orgânico. [...] Entretanto, Sauer postumamente simplesmente definiu
cultura como um “modo de vida” (CORRÊA, 2017, p. 42-43).
Zanata (2009) aponta que a geografia cultural na década de quarenta tinha a paisagem
como meio de entender a cultura, através da transformação do homem e também a noção
de gênero de vida. De acordo com Claval (2014), a modernização acaba atingindo os
lugares e, com isso, uma certa uniformização dos utensílios e artefatos ocorrem, o que
acabou ocasionando a inadequação da análise do gênero de vida, ficando, assim,
inapropriado para o mundo urbano e industrializado. De certa forma, a Geografia cultural
entra em declínio. A abordagem dos geógrafos se baseava numa perspectiva positivista
ou naturalista, não se analisava as questões imateriais, psicológicas e mentais de uma
determinada cultura. A cultura nesse período foi entendida como material, tendo a técnica,
a paisagem e o gênero de vida como o método de análise cultural. As questões referentes
à representatividade relacionadas ao lugar não existiam nesta abordagem: não se
trabalhava com as questões ontológicas. No entanto, Sauer e a escola de Berkeley foram
importantes para o fortalecimento da Geografia Cultural, e são as influências que
ajudaram a constituir a base do que é hoje a Nova Geografia Cultural (CORRÊA, 2017).
NOVA GEOGRAFIA CULTURAL

De acordo com Corrêa (2001, p. 24) “A renovação da geografia cultural


iniciada no final da década de 1970, deve-se em parte, às críticas provenientes
de diversas fontes que a escola de Berkeley recebeu.”

Para Claval (2001), as críticas estão ligadas ao modo de abordagem


relacionado à primeira metade do século XX: alegam que a visão do período
tinha a intenção de descrever o mundo e não tentar entende-lo; possuía grande
peso do rural devido à forte influência da paisagem e gênero de vida; forte
peso referente ao pretérito; isenta de preocupações de cunhos sociais;
desprovida de interesses relacionados a festas, revoluções – de fato não se
preocupava com a subjetividade das pessoas relacionadas às suas vivências.
Claval (2001; 2002) evidencia que a insatisfação advinha tanto dos geógrafos
que tinham como corrente filosófica a fenomenologia, como os geógrafos de
base crítica radical. Ambos fundando críticas diferentes, mas permeados pela
mesma insatisfação, acordados de que os fatos sociais não poderiam ser
entendidos como um fato natural. Se percebe a constituição de uma nova
epistemologia.

A fenomenologia: interesse pela experiência do lugar se desenvolveu;


Com a base filosófica crítica marxista – traz a concepção de que o positivismo
em questões sociais tende a um conservadorismo – surge a tendência de
trabalhar a perspectiva crítica nas relações sociais.
A renovação realizada na geografia cultural não deixará de abordar o passado,
mas há de se privilegiar o presente ou um passado não muito longínquo. O
que a nova abordagem tem de diferente é análise dos significados, atribuídos
à espacialidade do homem. Seu foco está nos significados criados por
diversos grupos: no passado, presente ou até mesmo do futuro. (CORRÊA,
2009; CORRÊA, 2017).
A ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA E A GEOGRAFIA
CULTURAL
Tendo sido utilizada mais ou menos desde de a década de 1920, somente no
final dos anos 1960, em um momento de muita transformação no meio
cultural acadêmico, um grupo de geógrafos procurou, através da
fenomenologia, romper com a base teórica que alicerçava a geografia naquele
período. De acordo com Rosendahl (2002, p.23), a crítica à visão reducionista
do homem, principalmente após 1970, favoreceu aos geógrafos humanistas a
interpretação do sentimento e a compreensão das relações entre os homens e
seu mundo. Essa perspectiva humanista defende a dimensão subjetiva e a
experiência vivida pelo indivíduo e os grupos sociais. (CORRÊA, 2017).
Em seu livro L’homme et la terre – nature de la réalité géographique (1952),
há uma análise do homem e a terra em uma perspectiva fenomenológica,
Dardel propõe um estudo à frente de seu tempo, quando a base da geografia
ainda era positivista, já trabalhando com uma geograficidade, e tendo como
base filosófica Heidegger. De acordo com Claval (2003), Dardel acreditava
que a tarefa da Geografia era a compreensão do sentido que os homens davam
à sua vida na Terra. “O fato é que Dardel foi, de algum modo, uma referência
que permitiu a adoção, pela geografia norte-americana, de um aporte
fenomenológico; e suas ideias estão presentes nas obras dos mentores da
geografia humanista” (Holzer, 2001, p. 106; apud Corrêa, 2017) .
“Yi Fu Tuan em seu livro Espaço e lugar: a perspectiva da experiência traz a
influência de Dardel. A obra de Tuan traz grandes contribuições para a
geografia humanista, tanto metodologica como teoricamente, fazendo com
que a geografia humanista possua uma autonomia epistemológica referente à
fenomenologia. Contrariamente às geografias crítica e teorético-quantitativa,
[...] a geografia humanista está assentada na subjetividade, na intuição, no
sentimento e na experiência, no simbolismo e na contingência, privilegiando
o singular e não o particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na
compreensão a base da inteligibilidade do mundo real.” (CORRÊA, 2017,
p.30).
O conceito de lugar é um dos conceitos mais importantes na geografia
humanista. “O espaço se transforma em lugar à medida que adquire definição
e significado.” (TUAN, 2013, p.167).
Segundo Tuan (2013), o lugar é pausa e o espaço é movimento. Logo, se
percebe que o lugar na perspectiva fenomenológica é dotado de sentimentos e
é lhe atribuído a questão do pertencimento. Quando Tuan fala que o lugar é
pausa, relaciona-se a relação de vínculo do indivíduo para com o lugar.
Abordando o espaço como movimento, por conseguinte, não se cria vínculos
afetivos: justamente por ser fugaz. Yi-Fu Tuan deve à sua origem chinesa os
fatos de se colocar questões ignoradas por aqueles que viveram sempre na
cultura ocidental. Ele se interessa pelo elo que as pessoas manifestam em sua
região de origem e pelas experiências dos meios populares.
A GEOGRAFIA RADICAL CULTURAL

Uma forma de romper com o neopositivismo foi a abordagem crítica. Zanata


(2008) aponta uma influência do materialismo histórico na abordagem
cultural, manifesta pela compreensão da cultura, concomitantemente, a
condição social dos indivíduos. Esse olhar surge em oposição à visão
neopositivista. De acordo com Cosgrove (2003), a cultura é incapaz de
apresentar uma definição apenas pela prática. Uma geografia marxista deve
reconhecer que o mundo vivido, apesar de simbolicamente construído, é
material e não deve negar sua objetividade. (COSGROVE, 2003, p. 104, apud
CORRÊA, 2017, p. 46-47).
Claval (2014) ressalta que os intelectuais marxistas contribuíram amplamente
para o declínio dos estudos culturais, pois, de certa forma, houve um
reducionismo no qual o econômico respondia a tudo. Segundo Cosgrove
(2003), houve abordagens como o stalinismo, que coibiram manifestações
culturais como as religiosas, e forçaram a gênese de novos valores, tudo isso
atrelado ao controle do Estado.

Thompson (1978, apud Cosgrove 2003), adverte que um dos maiores desafios
do materialismo histórico é não cair em um idealismo ou materialismo
apequenado, mas sim trabalhar a dialética da cultura e natureza: o que acaba
inicialmente se esbarrando em obstáculos e equívocos (CORRÊA, 2017).
De acordo com Corrêa (2017), a visão de Gramsci é uma das formas do
marxismo de encarar a cultura. Contudo, na atualidade o trabalho de Hall e
seu grupo do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade
de Birmingham, traz contribuições em variados temas como os das minorias,
abordando: feminismo, agressões físicas, racismo, o jovem e suas subculturas,
entre outras abordagens.
Para Stuart Hall, “a cultura é o meio pelo qual as pessoas transformam o
fenômeno cotidiano do mundo material num mundo de símbolos, significativos,
ao qual dão sentido e atrelam valores.” (COSGROVE; JACKSON, 2003, p.
141). Constata-se, assim, que na abordagem cultural marxista se encontra essa
constante preocupação com o social, dando um olhar crítico às diversas questões,
sendo elas: de gênero, classe social, entre outras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CLAVAL, P. A Contribuição Francesa ao Desenvolvimento d Abordagem Cultural na


Geografia. In: CORRÊA, LR. ROSENDAHL, Z (org). Introdução à Geografia
Cultural/ Rogério Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
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CORRÊA, L, R. ROSENDAHL, Z. Geografia Cultural: introduzindo a temática, os
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SAUER, O, C. A Morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R, L e ROSENDAHL, Z
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