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Fichamento da obra:

Matrizes da geografia cultural / Organizadores, Zeny Rosendahl, Roberto Lobato


Corrêa. – Rio de Janeiro : EdUERJ, 2001. 146 p.

 O papel da nova geografia cultural na compreensão da ação humana


“A abordagem cultural se impôs a geografia humana há cerca de trinta anos.
Isso não significa dizer que os fatos da cultura tenham, até então, deixado os geógrafos
indiferentes, pois ocupam um lugar essencial desde o nascimento da geografia humana,
no final do século XIX [...]; mas eram então tratados em sua tradução material, por meio
dos artefatos criados pelos homens, dos gêneros de vida que os colocam em ação e das
transformações que introduzem nas paisagens (Ratzel: 1881, 1891, Vidal de la Blache:
1913, Schlüter: 1906, Brunhes: 1904). Os fatos da cultura não são analisados sob o
ângulo da atividade mental dos produtores da cultura [...]. Os resultados da geografia
cultural assim desenvolvida durante a primeira metade do século XX são apaixonantes,
mas permanecem limitados. [...] São mais uteis para construir o inventário das formas
passadas da ação humana do que para compreender aqueles que se verificam nos dias
atuais.” (p. 35-36)

“A modernização da geografia cultural herdada do final do século XIX


delineia-se no final dos anos 1950 e no decorrer da década seguinte. Os geógrafos
deixaram de se considerar naturalistas. Não mais hesitam em abordar as decisões
humanas e a lógica que preside as escolhas que delas procedem. A nova geografia, de
aspiração econômica, dedica-se a localização das atividades humanas e, para explica-
las, supõe que os atores geográficos são perfeitamente racionais e procuram maximizar
as rendas que extraem de suas atividades e os ganhos assegurados por seus recursos. Os
geógrafos que agora tentam modernizar os estudos consagrados aos fatos culturais [...],
não se apõe ao caminho tomado pela nova geografia[...]; mas a consideram
exageradamente simplificadora. Pra eles, a lógica do comportamento não é universal,
depende das crenças religiosas ou filosóficas.” (p. 36-37)

“Essa concepção crítica da geografia cultural não tem tempo para se


desenvolver. A rapidez com qual a uniformização técnica do munda progride, graças à
racionalização do processo de fabricação e à universalização das mudanças, condena os
estudos centrados sobre os artefatos e as paisagens. A maior parte daqueles que
continuam a se interessar pelos aspectos materiais da cultura procuram posições de
defesa, voltam-se para a geografia histórica ou escolhem trabalhar nos países em via de
desenvolvimento, onde as formas tradicionais de atividade ainda ocupam um lugar
importante.” (p. 38-39)

“A transformação que começa a afetar os estudos culturais conduzidos pelos


geógrafos a partir do início da década de 1970 repousa sob uma mudança completa de
atitudes e nasceu da constatação de que as realidades que refletem a organização social
do mundo, a vida dos grupos humanos e suas atividades jamais são puramente
materiais. São a expressão de processos cognitivos, de atividades mentais, de trocas de
informação e de idéias1. As relações dos homens com o meio ambiente e com o espaço
tem uma dimensão psicológica e sociopsicológica. Nascem das sensações que as
pessoas experimentam e das percepções a elas ligadas. Exprimem-se por meio de
práticas e habilidades que não são completamente verbalizadas, mas que resultam de
uma atividade mental; estruturam-se pelas preferencias, conhecimentos e crenças que
são objetos de discursos e de uma reflexão sistemática.” (p. 39)

“Adotando essa perspectiva, a geografia humana ganha em profundidade. Seu


proposito não é mais partir do espaço e da paisagem para estudar suas especificidades e
a maneira pela qual são diferenciados regionalmente. De agora em diante, trata-se de
compreender como a vida dos indivíduos e dos grupos se organiza no espaço, nele se
exprime e nele se reflete. Ao problema fundamental da geografia de ontem: “Por que os
lugares diferem?” acrescentam-se outros: “Por que os indivíduos e os grupos não vivem
os lugares do mesmo modo, não os percebem da mesma maneira, não recortam o real
segundo as mesmas perspectivas e em função dos mesmos critérios, não descobrem nele
as mesmas vantagens e os mesmos riscos, não associam a ele os mesmos sonhos e as
mesmas aspirações, não investem nele os mesmos sentimentos e a mesma
afetividade?”” (p. 40)

“[...] Em vez de se contentar com a tipologia das paisagens e com o inventário


das combinações produtivas (gêneros de vida ou modos de produção) que permitem
explorar o ambiente, trabalha-se com a dialética das relações sociais no espaço, com sua
ligação ao meio ambiente e o papel complexo das paisagens, ao mesmo tempo suportes
e matrizes das culturas.” (p. 41)

1
“Idéias”: ortografia do autor
“Várias críticas foram dirigidas à geografia cultural da primeira metade do
século XX: 1) [...]; 2) [...]; 3) [...]; 4) [...]; 5) [...]; 6) [...]” (p. 41-42)2

“A nova abordagem cultural faz desaparecer o conjunto dessas limitações, pois


alarga e aprofunda consideravelmente o campo coberto pela geografia cultural da
primeira metade do século XX. Além disso, seu impacto é muito maior, porque
modifica a perspectiva global da geografia humana, que não tem mais por finalidade
simplesmente descrever a diversidade da Terra, inventariar os tipos de paisagens que se
encontram nela e explicar as formas de organização do espaço que nela se desenvolvem;
trata-se de interrogar os homens sobre a experiência que tem daquilo que os envolve,
sobre o sentido que dão à sua vida e sobre a maneira pela qual modelam os ambientes e
desenham as paisagens para neles afirmar sua personalidade, suas convicções e suas
esperanças.

Insistiremos em quatro pontos: [...]” (p. 42)

AS NOVAS PREOCUPAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E O DESENVOLVIMENTO


DA ABORDAGEM CULTURAL
A fenomenologia, as filosofias críticas e o nascimento de uma nova epistemologia

“No final do século XIX e no começo do século XX, os geógrafos se


consideravam naturalistas, mesmo quando trabalhavam em geografia humana. Suas
atitudes mudaram na metade do século XX e muitos geógrafos pensaram, então, que sua
disciplina se classificaria na da família das ciências sociais. Todavia, as concepções de
ciências sociais que adotaram permanecem próximo dos modelos do início do século
XX.” (p. 44)

“No final da década de 1960 e início da década seguinte, essa concepção


neopositivista de ciências sociais satisfazia cada vez menos os pesquisadores. Os
ataques vinham de geógrafos que se interessavam pela fenomenologia, seja pela crítica
radical. Para o primeiro grupo, os neopositivistas estão errados quando consideram que
sua tarefa principal é explorar mecanismos e distribuições no espaço (Relph, 1970). Em
vez disso, ela deveria compreender a maneira com as pessoas vivenciam a experiência
do lugar onde vivem e daqueles que visitam ou atravessam quando viajam. O problema
não é somente explicar por que a terra muda de acordo com os lugares. É compreender

2
Críticas à geografia cultural: ver página 41 e 42
porque as pessoas associam aos mesmos lugares sentimentos, atitudes e humores
diferentes.” (p. 45)

“A crítica radical é diferente. Os pesquisadores desta tendência consideram que


os estudos empreendidos nos anos sessenta seguem falsos caminhos por uma razão
fundamental: a maior parte dos geógrafos considera o sistema social independente,
constituindo um dado que devem aceitar (Harvey, 1873). Para os críticos radicais, a
sociedade não um sistema que existe desde de sempre, suas regras resultam de iniciativa
humana [...].” (p. 45)

“Há mais similaridade do que parece, à primeira vista, entre os geógrafos


atraídos pela fenomenologia e aqueles que abraçam a causa radical, pois os dois grupos
consideram que os fatos sociais diferem dos fatos naturais. O que é fundamental para os
geógrafos de aspiração humanista ou radical não é a distribuição espacial dos fatos
sociais, mas a maneira como as pessoas vivem nos lugares onde residem ou os que
visitam, deles extraindo uma experiência.” (p. 46)

“Vinte e cinco anos depois do seu início, a contestação humanista e radical das
ciências sociais tradicionais encontrou uma grande audiência. Muitas de suas
conclusões são hoje compartilhadas pelo conjunto dos geógrafos. A abordagem pós-
moderna das ciências sociais difere muito daquelas que a precederam. A idéia de que os
especialistas das ciências sociais podem se apoiar em uma revolução epistemológica
para dispor de um paradigma que se oponha à experiência das pessoas comuns é
refutada. Os especialistas das ciências sócias são seres humanos que estudam realidades
sociais e não tem o direito de ignorar a experiência dos outros seres humanos, muito
menos confronta-los com um tipo de discurso que seria fundamentalmente diferente – e
superior – ao deles.” (p. 47)

“[...] A geografia não pode ser concebida com um metadiscurso completamente


diferente daquele que as pessoas propõem sobre sua experiência terrestre. [..] Como as
outras ciências sócias, a geografia não dispõe de um ponto do vista universal e objetivo
para fundamentar suas asserções. Não existem razões totalmente convincentes para que
as interpretações propostas prevaleçam sobre as interpretações espaciais das
distribuições humanas, das paisagens humanizadas e das leituras simbólicas dos
territórios desenvolvidas pelas pessoas que as conceberam, que as utilizam ou colocam
em ação, não existe um lugar a partir do qual um especialista das ciências sócias – e um
geografo – possa dispôs de uma perspectiva universal e objetiva sobre as realidades
sociais. A única possibilidade é partir de diferentes perspectivas adotadas pelos
indivíduos e pelos grupos que estuda, e se interrogar sobre as maneiras como eles as
apresentam.” (p. 47-48)

A perspectiva cultural como nova fundamentação da geografia humana

“Todos os especialistas das ciências sociais trabalham no âmago de uma


cultura. Suas ferramentas não são universais, mas foram imaginadas no seio de uma
forma particular de cultura, a cultura cientifica, que é um componente de uma cultura
mais vasta: a cultura ocidental. Desde o momento em que esta evidência seja aceita,
todas as hipóteses fundadoras das ciências sociais e da geografia devem ser
reexaminadas, porque os procedimentos científicos estão inseridos em conjuntos de
técnicas, habilidades e valores, isto é, em sistemas culturais.” (48-49)

“Para a geografia pós-moderna, tanto quanto para a tradicional, a evidencia


empírica é fundamental. A diferença entre as duas está na convicção de que não existe
descrição objetiva da sena social, por isso os significados dos quadros estratificados que
dela se produzem respondem a diversas lógicas.” (p. 50)

“Não existe uma cultura unificada, pois esta é feita de elementos retransmitidos
e reinterpretados permanentemente, o que quer dizer que cada um desenvolve sua
própria cultura em função do meio ambiente onde vive, trabalha ou viaja, das
dificuldades que encontra e da informação que recebe de fontes próximas ou distantes.
[...] Vem daí uma tendência para os estudos de escala micro: a imagem de um bairro tal
como ele é construído por aqueles que o habitam ou aqueles que estão instalados além
de seus limites, a experiência dos espaços das lésbicas em São Francisco ou dos
imigrantes turcos em Düsseldorf etc.” (p. 50-51)

A ABORDAGEM CULTURAL E O SIGNIFICADO GEOGRÁFICO DA CULTURA:

“Os geógrafos da primeira metade do século XX se interessavam pela cultura


em parte porque ela contribuía bastante para a diversidade regional da Terra. Contudo,
não progrediam muito nesse domínio por se recusarem a analisar as experiências
mantais daqueles que estudavam: deram muita ênfase as técnicas e à maneira como são
utilizadas para construir as paisagens.” (p. 60)
“A nova orientação das pesquisas sobre a diversidade parte dos homens, e não
mais dos lugares: a grande preocupação é inventariar as facetas da experiência que os
homens tem do espaço. Isto começa pela exploração do papel que o corpo e os sentidos
desempenham em suas relações com o meio ambiente. Em seguida, trata-se de analisar
as categorias mentais que as pessoas constroem para organizar suas experiências. A
última etapa consiste em desenvolver novos instrumentos para explicar a natureza dos
grupos sociais e suas formas de organização espacial.” (p. 61)

O papel do corpo na experiência humana da terra

“Os geógrafos do início do século XX de bom grado falavam do homem. Na


verdade, tratavam dos adultos masculinos do grupo social dominante. Uma vez que se
interessavam essencialmente por esta fração da população, não havia qualquer razão
para destacarem as diferenças na experiência do espaço que resultam de idade ou de
sexo. O corpo, em si mesmo, não tinha significação. Os geógrafos falavam de uma
humanidade feita de entidades desencarnadas.

A abordagem cultural abre, nesse domínio, um novo campo de investigação. A


experiência do espaço é feita por meio dos sentidos humanos; as geografias vividas
dependem da visão, da audição, do olfato, do gosto e do sentido de tocar, e variam em
função da mobilidade e da força de quem as vivencia.” (p. 61-62)

Uma nova maneira de explorar a diversidade regional da Terra: as imaginações


geográficas

“O objetivo da geografia atual é compreender a maneira como as pessoas


vivem sobre a Terra, fazem a experiência dos lugares que habitam ou visitam,
encontram indivíduos e grupos, dão um sentido a esses contatos e tentam modificar a
realidade nas quais vivem.

Até cinquenta anos atrás, os geógrafos costumavam oferecer uma visão


tendenciosa do mundo, na medida em que não exploravam verdadeiramente a
diversidade real das pessoas: colocavam-se na perspectiva dos homens adultos dos
grupos dominantes, os quais geralmente desfrutavam de pleno emprego. Sua geografia
era a única a ter o direito de existir. Quando domínios até então negligenciados
passaram a ser explorados, verificou-se uma maravilhosa explosão de novas direções de
pesquisas [...].” (p.62-63)
“[...] Muitos estudos são dedicados a entender a maneira como os grupos
dominados – as mulheres em particular (Rose:1993) – e as minorias vivem e percebem
o meio ambiente construído por outros, como buscam descobrir estratégias de adaptação
a essas condições hostis (Sibley: 1995) e como desenvolvem ações individuas ou
coletivas para melhorar seu estatuto econômico e social. Esses estudos tratam da
situação das mulheres, dos negros, [...]. Pode-se também os grupos religiosos, os idosos,
as minorias sexuais que descrevam sua experiência do espaço e exprimam seus desejos
e sonhos de organização alternativa da sociedade e de restauração das paisagens e dos
territórios. Geralmente essas pessoas estão à procura de uma vida melhor e de mais
justiça.” (p. 64-65)

“Desde o início da década de 1980, a geografia achou-se cada vez mais


associada a exploração dessas geografias esquecidas. Os trabalhos concebidos de acordo
com essa orientação de pesquisa descrevem um mundo onde as pessoas lutam por
reconhecimento, esforçam-se para ter acesso a territórios seguros e desejam expressar
suas preferências. É uma geografia das espirações, assim como das realidades.” (p. 65)

 A geografia fenomenológica de Eric Dardel


“Diz o autor:

Se a geografia como realidade terrestre é o ‘lugar’ da história, uma


persistência que ultrapassa o acontecimento, as geografias como concepção
do mundo circundante são testemunhos de épocas sucessivas (...). A história
da Terra (...) não se confunde com a história da descoberta da Terra, nem
com o desenvolvimento da ciência geográfica. O que nos importa, antes de
tudo, é o despertar de uma consciência geográfica, através das diferentes
intenções sob as quais aparece ao homem a visão da Terra (Dardel: 1990, p.
63).”

De acordo com essa concepção, ao configurarem a história de sua disciplina, os


geógrafos deveriam se dedicar ao estudo das atitudes humanas duráveis, da realidade
circundante e cotidiana [...]. Essas atitudes duráveis resultariam em “concepção global
do mundo”, que tem sentido não se considerarmos a terra como um “dado bruto”, mas
sim se tratarmos a relação homem/Terra como uma “interpretação”, um “horizonte de
mundo”, uma “base” a partir da qual a consciência parte.” (p. 108-109)

“O conhecimento geográfico teria como objeto decifrar os signos oculto da


Terra, aqueles em que, nas palavras do autor, “a Terra revela ao homem sua condição
humana e seu destino”. O resultado desta relação do homem com a Terra seria a
“geograficidade (géographicité) do homem como modo de sua existência e de seu
destino.” (1990, p. 2).

A geograficidade refere-se a cumplicidade obrigatória entre a Terra e o


homem, que se apresenta à existência humana. Refere-se também a um espaço material,
uma matéria que não podemos descartar.” (p. 111)

“Os marcos referenciais são o corpo e o suporte material onde o homem se


apóia: a casa, a cidade natal, o horizonte que lhe é familiar. É esse o “espaço primitivo”
onde se desenvolve a existência e que impõe a procura de horizontes, a escolha de
direções e de percursos a seguir.” (p. 112)

“Acredito que sua principal qualidade reside no fato de não se ocupar apenas
com o método fenomenológico, mas também com questões ontológicas que se referem a
uma ontologia da espacialidade, uma ontologia fenomenológica da espacialidade, ou
melhor, da geograficidade, ou de modo mais abrangente, uma nova ontologia da
geografia.” (p. 113)

“A busca por uma ontologia para a ciência geográfica remete-nos ao principal


questionamento feito pela filosofia contemporânea no que se refere aos pressupostos da
ciência positivista, que, além de pretender superar a metafísica a partir da lógica e da
técnica, preconizava uma autonomia da ciência frente a filosofia. Dardel une ciência e
filosofia.

Uma das tarefas a que se propôs a fenomenologia foi definir leis eidéticas que
orientassem o conhecimento empírico, oferecendo, como alternativa à ciência
positivista, a constituição de ciências eidéticas, ou ciências das essências, definidas por
ontologias regionais.” (p. 114)

“Na fenomenologia, os processos eidéticos e experimental não estão ligados


por relacionamento de sucessão. As essências só podem ser vistas a partir da
experiência do fato e o fato só pode ser tratado considerando-se a visão das essências.
Entre os processos, há um relacionamento dialético, ou melhor, holístico.” (p. 115)
“[...] Ao se propor uma ciência eidética3, deve-se referir à existência humana e
sua experiência do mundo (Lebenswelt), enquanto se constituem os conceitos.” (p. 116)

“Ao nos propormos a tarefa de uma constituição de uma ciência das essências,
deparamos com outro problema estabelecido pelos próprios fenomenólogos 4: a divisão
entre essências exatas – que tem uma relação indireta coma a vivência e produzem
construções – e as essências morfológicas – que exprimem todos os aspectos da
vivência e têm como base a sua descrição (Dartigues: 1972).” (p. 116)

“Se procurarmos correlações ontológicas entre o pensamento fenomenológico e


o pensamento positivista, poderemos dizer que as “ciências exatas”, como a matemática
e a física, estão ligadas à ontologia formal [...]; enquanto as “ciências humanas”, ligadas
à ontologia regional ou da natureza, são representadas pela história, psicologia e
geografia – respectivamente temporalidade, consciência e espacialidade –, além de
muitas outras.” (p. 116-117)

“[...] O que se pode afirmar é:

O mundo da matemática ou mensurável, em que a figura foi construída, não é


precisamente o mundo perceptivo. Importa por isso associar o meio
perceptivo e o meio que Koffka denomina geográfico como o que é dado
imediatamente e o que é construído por mediação conceitual e instrumental.
(...) não se trata precisamente, para nós [“cientistas humanos”], de partir do
construído: importa, ao contrário, compreender o imediato a partir do qual a
ciência elabora o seu sistema (Merleau-Ponty: 1973, p. 58).” (p. 117)

“Desse modo, quando nos referimos a geografia como ciência essencial, nosso
objeto de estudo não é a espacialidade, mas a geograficidade. Já falei em
geograficidade, mas cabe aqui citar textualmente a definição de Dardel:

A geografia em ato, uma vontade intrépida de correr o mundo, de franquear


os mares, de explorar os continentes. Conhecer o desconhecido, atingir o
inacessível. A inquietude geográfica precede e sustenta a ciência objetiva.
Amor ao solo natal ou procura de novos ambientes, uma relação concreta liga
o homem à Terra, uma geograficidade do homem como modo de sua
existência e de seu destino (Dardel; 1990, pp. 1-2).

Cabe observar que a geograficidade, enquanto essência, define uma relação – a


relação do ser-no-mundo.” (p. 118-119)

3
Ao nos propormos a constituição de uma das essências, deparamo-nos com dois problemas... (ver pg.
115-116).
4
Para este problema, é apresentado uma solução, a partir de Husserl, no terceiro parágrafo da pg. 116.
“Mundo, para a fenomenologia, engloba muito mais coisas do que o suporte
físico ou do que um sistema de coisas que percebemos à nossa volta – o ambiente.
Segundo Tuan (1965), o mundo é um campo de relações, estruturado a partir da
polaridade entre eu e o outro, é o reino onde nossa história ocorre, onde encontramos as
coisas, os outros e nós mesmos. É desse ponto de vista que deve apropriar-se a
geografia.” (p. 119-120)

“Neste campo de relações, o corpo representa a transição do “eu” para o


“mundo”. Está do lado do sujeito e, ao mesmo tempo, envolvido no mundo, constitui o
ponto de vista do ser-no-mundo e coloca o homem como existência (Luijpen: 1973;
Lyotard, s. d.).” (p. 120)

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