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Joseana Paganine/UnB1
RESUMO
O artigo mostra como o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer projetaram o
traçado urbanístico e os monumentos da futura capital da República de forma a criar uma
“paisagem”. Para isso, seguimos o entendimento de que a paisagem não é sinônimo de
natureza, mas um conceito que surge em determinado momento histórico, e marca uma
forma de ver o mundo. No caso de Brasília, Costa e Niemeyer formularam um vocabulário
visual para fazer surgir uma paisagem no terreno sem relevos do cerrado brasileiro. Esse
vocabulário dialoga com o construtivismo e representa o ideal de progresso técnico que
imperava no país nos anos JK.
PALAVRAS-CHAVE
Brasília; Lúcio Costa; Oscar Niemeyer; Paisagem
ABSTRACT
The article shows how urban planner Lúcio Costa and architect Oscar Niemeyer designed
the urban layout and monuments of the future capital of the Republic in order to create a
“landscape”. For this, we follow the understanding that landscape is not synonymous with
nature, but a concept that arises at a certain historical moment, and marks a way of seeing
the world. In the case of Brasília, Costa and Niemeyer formulated a visual vocabulary to
bring out a landscape in the terrain without relief from the Brazilian cerrado. This vocabulary
dialogues with constructivism and represents the ideal of technical progress that prevailed in
the country in the JK years.
KEYWORDS
Brasília; Lúcio Costa; Oscar Niemeyer; Landscape
Em 1883, Dom Bosco, padre italiano fundador da Ordem dos Salesianos, teve um
sonho em Turim, o qual julgou premonitório:
Ideia construída
Mas o que significa “construir a paisagem”? Para o senso comum, paisagem não se
constrói, ela é dada pela natureza. Ou é a natureza que se dá à visão humana tal
qual “vista”, “panorama” ou “quadro natural” (CARCHIA; D’ÂNGELO, 2009, p. 270),
como se a paisagem fosse tão natural quanto a própria natureza.
Tanto Cauquelin quanto Besse são orientados por uma abordagem fenomenológica
do tema paisagem. Se a natureza não é algo simplesmente dado, o sentido dela
também não é um mero produto da subjetividade humana, mas é revelado pelo
homem na experiência, em diálogo com o mundo. É por isso que o sentido da
natureza muda historicamente — o cosmos na Antiguidade, o divino na Idade Média,
os recursos naturais a partir da Idade Moderna.
Paisagem de Brasília
Figura 1. Projeto do Plano Piloto de Brasília, 1957. Reprodução fotográfica/Acervo da Casa de Lúcio
Costa. Fonte: Livro Brasília 55 anos – da utopia à capital, p. 94
Figura 2. Juscelino Kubitschek e Lúcio Costa, no local de construção do eixo monumental, 1957.
Fotografia de Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF.
Fonte: Brasília 55 anos – da utopia à capital, p. 50
Figura 3. Vista área do cruzamento do eixo monumental com o eixo rodoviário, 1957.
Fotografia de Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF.
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/945354/a-capital-colonial
Figura 4. Vista aérea das obras na Esplanada dos Ministérios, com o Palácio do Congresso Nacional
no canto inferior à esquerda e plataforma da rodoviária no canto superior direito, 1958. Fotografia de
Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF. Fonte: Brasília 55 anos – da utopia à capital, p. 158
Figura 5. Vista aérea da Esplanada dos Ministérios, com a Catedral no canto inferior à direita e o
Palácio do Congresso Nacional ao fundo, 2019. Fotografia de Marcello Casal Jr./Agência Brasil.
Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-03/decretos-da-reforma-ministerial-sao-
publicados-no-diario-oficial
Figura 6. Vista área do eixo monumental a partir da Torre de TV, 2020. Fotografia de Marcelo
Camargo/Agência Brasil. Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2020-10/torre-de-tv-reabre-para-
visitacao-1601673693-0
Considerações finais
Embora nem Le Corbusier nem Lúcio Costa tenham sido ligados direta ou
indiretamente ao movimento, os fundamentos do estilo já circulavam no Brasil desde
1933, quando foi realizado o 1º Salão de Arquitetura Tropical, cujo catálogo trouxe
um texto do arquiteto alemão Walter Gropius, fundador da Bauhaus. Na década de
1950, o construtivismo se consolida no Brasil como “concretismo”, por meio do
Grupo Ruptura, que lança seu manifesto em 1952. O grupo reforçou a crença na
abstração e na geometria matemáticas como linguagem universal e aderiu à
proposta de conjugar arte, tecnologia e indústria em busca do desenvolvimento
social.
Não só a arte concreta propagava esse ideal. Também a nova capital foi erguida sob
essa égide. JK prometeu 50 anos de progresso em 5 anos de realizações em seu
governo. O Brasil do futuro precisava de uma capital moderna, afinada com as
novas tendências não só artísticas, mas também técnicas e industriais, vide o
privilégio que recebeu o automóvel no planejamento de transporte de Brasília.
Notas
1
Doutoranda em Teoria e História da Arte pela Universidade de Brasília (UnB), é jornalista e formada em Teoria,
Crítica e História da Arte, com Especialização em Filosofia e Mestrado em Teoria Literária, todos pela mesma
Universidade. Contato: joseanap@gmail.com
2 Em 1810, ainda durante o período colonial, o chanceler Veloso de Oliveira sugeriu, em memorial enviado a
Dom João VI, a mudança da capital para um lugar “são, ameno, aprazível e isento de confuso tropel de gentes
indistintamente acumuladas”, mas não propôs a interiorização da sede da Colônia (ATHAYDE, 2015, p. 33).
3 A primeira Constituição republicana do país, promulgada em 1891, ditou: “fica pertencente à União, no Planalto
Central da República, uma zona de 14.400 km, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a
futura Capital Federal”. No ano seguinte, o presidente Floriano Peixoto instituiu a Comissão Exploradora do
Planalto Central do Brasil, chefiada pelo belga Luiz Cruls, que ficou conhecida como Missão Cruls, para
demarcar a área da nova capital. Em 1922, o presidente Epitácio da Silva Pessoa assinou um decreto
determinando o assentamento da pedra fundamental que simbolizava a transferência da capital para o Planalto
Central (ATHAYDE, 2015, p. 35-36).
4 Percebe-se no ensaio de Anne Cauquelin, em expressões e ideias como esquema mental, historicidade das
formas e caráter linguístico da imagem, uma aproximação com o pensamento de Ernst Gombrich. O historiador
da arte austríaco, que foi diretor do Instituto Warburg em Londres, entende a obra de arte como uma linguagem,
a qual possui um vocabulário de formas fornecido pela tradição. Esse vocabulário se modifica conforme o lugar e
o período histórico, mas pode ser entendido pelo espectador que conhecer o contexto linguístico em que se situa
a imagem (GINZBURG, 1989, p. 79).
5
São quatro as escalas previstas pelo urbanista. Além da monumental, há a escala gregária, que está contígua à
plataforma de cruzamento e contendo os aparelhos culturais; a escala residencial, situada ao longo do eixo
rodoviário; e a escala bucólica, que se estende ao longo do Lago Paranoá.
Referências
BESSE, Jean-Marc. Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. Tradução
Vladimir Bartalini. São Paulo: Perspectiva, 2006.
FREITAS, Grace de. Brasília e o projeto construtivo brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Tradução de Federico Carotti. São Paulo:
Companhia das Letras,1989.
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss. Disponível em:
https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-3/html/index.php#0. Acesso em: 30/06/2021.
MOTTA JR, Geraldo. O risco – Lúcio Costa e a utopia moderna. Disponível em:
https://tamandua.tv.br/filme/?name=o_risco_lucio_costa_e_a_utopia_moderna. Acesso em:
30/06/2021