Você está na página 1de 9

CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

PONDERAÇÕES REFLEXIVAS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA


FENOMENOLOGIA À GEOGRAFIA CULTURAL
Reflective assumptions about the phenomenological contribution
to cultural geography

Marcos Antonio CORREIA1

RESUMO ABSTRACT

Este artigo aborda algumas questões epistemológicas da This article approaches some epistemological issues of the
geografia cultural através da concepção fenomenológica, cultural geography through the phenomenological
enfocando a percepção do espaço vivido. Iniciando com si- conception, focusing the perception of living space. The
tuação e pequena reflexão fenomenológica, destacando a approach starts with an identification and a short a brief
intencionalidade na percepção, buscando reconhecer pos- phenomenological reflection, highlighting the intentionality
sibilidade metodológica na ciência geográfica centrada na in the perception, searching for recognition of methodological
percepção do mundo vivido. Estabelecendo algumas incur- possibility in the geografichal science centered in the
sões fenomenológicas na geografia a qual através da expe- perception of the living world. By establishing some
riência humana, individual e cultural, pode-se dar sentido phenomenological incursions in the geography which through
ao espaço percebido. Seguindo padrão seqüencial inician- the individual and cultural human experience may be
do pela sensação, percepção, estética do lugar. E na sensitive to the perceived space. It follows a sequential
seqüência far-se-á decodificação, descrição e comunica- pattern, starting by the sensation, perception, aesthetics of
ção do espaço local à ser abordado. the place. And after that, a decodification, desciption and lo-
cal space will be taken into consideration.

Palavras-chave: Key-words:
Geografia cultural; fenomenologia; espaço vivido; lugar. Cultural geography; phenomenology; living space; place.

1
Mestrando em Geografia (MINTER – União da Vitória), especialista em Geografia (UFPR).

R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR 67


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

INTRODUÇÃO ao espaço percebido e analisando a ciência geográfica


voltada para o espaço de vivência e as suas perspectivas
A geografia fenomenológica nos termos da ciên- topológicas como abordagens na estruturação de uma
cia clássica está por ser elaborada, mas enquanto o sa- geografia fenomenológica. Seguindo padrão seqüencial
ber geográfico tem várias facetas a considerar, principal- iniciando pela sensação, percepção, estética do lugar, e
mente no atual embate epistemológico no âmbito das na seqüência uma decodificação, descrição e comuni-
ciências humanas, que na geografia passa pelo campo cação do espaço local.
cultural de caráter fenomenológico, tendo na percepção
do espaço vivido o seu principal campo a ser pesquisado.
Segundo Johnston (1986, p. 211), a fenomenologia ultra- MARCO SITUACIONAL DA FENOMENOLOGIA NA
passa o idealismo na sua atenção provinda dos geógrafos GEOGRAFIA CULTURAL
humanos, assim como diz que os fenomenologistas acre-
ditam não haver um mundo palpável sem a presença do Na obra organizada por Corrêa e Rosendahl,
homem. Paisagem, tempo e cultura, Sauer (1998, p. 28) diz que,
Gomes (1996, p.117) diz, que a fenomenologia na “A Geografia é a moderna expressão da geografia mais
instância filosófica é tema para grandes debates e apon- antiga”. Com isso, acredita-se que o autor, assim como
ta para a fenomenologia de Husserl, que segue a intui- boa parte da comunidade científica, esforça-se em ela-
ção pura evidenciando a essência das coisas, fornecen- borar formatos epistemológicos para a geografia, assim
do reduções fenomenológicas que oferece oposição ao como situá-la no cabedal dos relevantes saberes huma-
conhecimento no seu projeto lógico para o plano natural, nos. Neste particular parte-se imediatamente para geo-
perseguindo a descrição dos acontecimentos fenome- grafia humana, que segundo Claval (1999, p. 52) relata
nais em detrimento à suposta explicação racional. Isto que ela
ocorre devido a intencionalidade que recai no mundo vivi-
do, compreendendo em relação às manifestações Nasceu como um ramo das ciências naturais: isto
experenciadas fenomenologicamente de forma inter e explica o fato de que os geógrafos tenham, por muito
subjetivamente, denominadas por Husserl de o tempo, resistido a levar em consideração certas di-
Lebenswelt (a vida no mundo)2 mensões da realidade humana e tenham sido mais
sensíveis à diversidade das paisagens que à origi-
No que tange a Merleau-Ponty (1999, p. 1), o es-
nalidade dos homens e das iniciativas que tomam.
tatuto fenomenológico evidencia as essências, repondo
as mesmas na existência a qual o palpável sempre exis- Portanto elabora-se uma geografia humana assen-
tiu “ali”, prévio ao pensamento no qual a abstração inte- tada na dinâmica cultural dos diversos grupos humanos
lectual espaço-temporal, do mundo, “vividos” materiali- postos na superfície terrestre. E nesse sentido, em rela-
za-se em exercício descritivo da experiência tal como ção ao resgate da “geografia mais antiga” – apontada no
ela ocorre, pois o real deve ser registrado e não construído início – Claval (1999, p. 35), que “A cultura é para Vidal
ou constituído. de La Blache e seus alunos, como para Ratzel e os
O que se observa é que a própria manifestação geógrafos alemães, aquilo que se interpõe entre o ho-
filosófica da concepção fenomenológica se aproxima da mem e o meio e humaniza as paisagens. Mas é também
natureza epistemológica da ciência geográfica, principal- uma estrutura geralmente estável de comportamentos que
mente quando o ponto de partida é a visão humanística- interessa descrever e explicar”. Para melhor destacar a
cultural. Nota-se que, esta pode sanar ou atenuar uma importância do ser humano e sua atuação no espaço –
das grandes dificuldades da geografia no que concerne preocupação da geografia Humana em âmbito cultural –
ao objeto de estudo e seu ponto de partida em relação a o autor Claval (1999, p. 52) reporta-se a Eric Dardel em
sua fundamentação epistêmica e conseqüente estrutura sua obra O Homem e a Terra, natureza da realidade
metodológica. geográfica, de 1952, quando este diz que
Mediante o exposto, pretende-se elaborar sucinta
reflexão sobre a fenomenologia e sua construção filosófi- Os homens não param de se questionar sobre as
ca como uma opção a ser construída dentro das ciênci- razões de sua presença na terra, eles sentem a ne-
cessidade de dar um sentido a sua existência e ao
as humanas, destacando a intencionalidade na percep-
mundo no qual vivem, é disso que os geógrafos de-
ção buscando nova possibilidade metodológica na ciên- vem partir na sua análise.
cia geográfica, centrada na percepção do mundo vivido
e, no caso da geografia, em seu seguimento cultural atra- Estas idéias retiradas da geografia humana reve-
vés da experiência humana individual, dando-se sentido lam que o aspecto cultural é fundamental para o estudo

68 R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

da geografia cultural e que esta vem tomando outra di- como este que sente tem a intenção ante a uma realida-
mensão ante as necessidades da sociedade atual, pois de a ser conhecida. A intencionalidade passa pela subje-
no final do séc. XX e no início do séc. XXI a tendência dos tividade e amplia-se na intersubjetividade que melhora a
saberes é tornarem-se mais humanos ou humanizados. percepção em relação aos fenômenos sensíveis, confi-
No caso da geografia Holzer (1997, p.14) trata da gurando-se em apreensão teórica das realidades vividas,
“Humanistic Geography” ou Geografia Humanística inau- materializadas em descrições feitas pelos atores envol-
gurada por Yi-Fu Tuan, destacando uma forma humanista vidos neste contexto.
para a ciência geográfica provocando um redimen- Como a fenomenologia discute o percebido, o vivi-
sionamento na geografia cultural que não teria a função – do, através do sentido e subjetivamente concebido. Pode-
como da geografia cultural clássica – de se deter em um se depreender que estes fundamentos – já identificados
tema central, mas ampliar os instrumentos epistemo-ló- por alguns geógrafos humanistas, fenomenológicos e da
gicos utilizados na elaboração dos estudos voltados para percepção podem enriquecer a construção epistemológica
os fenômenos humanos. Esta visão foi reforçada por e metodológica da geografia, principalmente no que diz
Buttimer que publica “Grasping the dynamism of respeito a categorias como lugar, espaço vivido e paisa-
Lifeworld ”, sugerindo princípios fenomenológicos gem, dinamizando até outros fundamentos da ciência
existencialistas como a intencionalidade e o mundo vivi- geográfica. Neste particular, acredita-se que o aporte
do a serem introduzidos nos estudos geográficos. Além metodológico principal esteja na própria descrição – sem-
destes o autor cita outros, como Lowenthal que preocu- pre presente na geografia – que será abordada neste ar-
pa-se com o “meio pessoalmente apreendido”. tigo quando se tratar na possibilidade metodológica da
Holzer (1997, p. 11) exalta a participação precípua fenomenologia na geografia.
de Relph (1970), em relação a importância da
fenomenologia para os interesses da geografia e sua ela-
boração epistemológica que de acordo com suas colo- PEQUENA REFLEXÃO FENOMENOLÓGICA
cações poderia, a mesma, concentrar todos os geógrafos
que se ocupam da subjetividade espacial, sem estar na Em se tratando de fenomenologia reporta-se a
vereda comportamentalista. Holzer (1997, p.11-12) conti- Husserl, que como diz Japiassu (1996, p.133), em seu
nua seu pensamento dizendo, dicionário de filosofia, que esta é uma corrente filosófica
que visa constituir um método estrutural para as ciênci-
O método fenomenológico seria utilizado para se fa- as assim como base fundamental teórica para as mes-
zer uma descrição rigorosa do mundo vivido da ex- mas. A tônica pode ser definida como “volta às coisas
periência humana e com isso, através da mesmas”, ou em outras palavras retornar aos fenôme-
intencionalidade, reconhecer as essências de es- nos aquilo que a consciência capta de forma intencional.
trutura perceptiva. Este conceito é o core na fenomenologia. Dizendo que a
própria intenção vem da consciência, daí sua volta para o
As descrições feitas para a percepção sensível po-
dem ser realizadas paralelamente por nós para to-
mundo, ele diz também que, “toda consciência é consci-
das modalidades da intuição e seus cogitata ência de alguma coisa”. Sendo assim, a fenomenologia
correlatos (como, por exemplo, a lembrança visa desconsiderar o empirismo e o psicologismo e trans-
reprodutora de uma intuição antiga e a espera que por a contradição clássica entre realismo e idealismo.
espreita uma intuição que está por vir). O objeto Só pelo fato da tentativa de se ultrapassar a opo-
rememorado aparece, também, sob diversas faces, sição, idealismo e realismo já fazem da fenomenologia
em diversas perspectivas, etc. Como se percebe algo no mínimo complexo, mas que oferece possibilida-
quando se procede à execução, essas descrições des epistemológicas principalmente para as ciências que
vão extremamente longe. Mas, para poder diferenci-
não têm um padrão tão tradicional como é o caso da
ar as modalidades da intuição (por exemplo, o dado
da memória e o da percepção), a descrição deveria
geografia, que, além disso, é considerada nova diante de
recorrer a dimensões novas. No entanto, subsiste outras, denominadas ciências positivas.
um fato geral, que vale para toda a consciência en- Gomes (1996, p. 118-119), traz outras informações
tendida como “Consciência de alguma coisa”. sobre a fenomenologia, principalmente husserliana. De
(HUSSERL, 2001, p. 58). início destaca que o termo foi criado por J. H. Lambert,
em 1764, recebendo desde então várias denominações
A contribuição da fenomenologia husserliana ao diferentes. Mas, como já foi colocado, os pensamentos
conhecimento, está na sua postura em relação ao ser de Husserl criaram uma filosofia que serve de sustentá-
cognoscente e objeto a se conhecer. No caso, antes do culo para vários outros segmentos dentro desta orienta-
pensar existe o ser que sente e pode conhecer, assim ção na qual destaca-se, como ponto precípuo no seu

R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR 69


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

pensamento, o abandono inicial pelo lógico e sua investida pecificamente objeto, mas somas de impressões objetivas
no plano natural na busca das essências das coisas. onde brotam as suas subjetividades.
Mas ele não dispensa o racional, em contrapartida recu- O mundo e as coisas estão presentes porque eu
pera a percepção como elemento da apreensão ao co- e meus semelhantes os fizemos existir e, ao mesmo
nhecimento, partindo da consciência pura. tempo parece-me que o mundo vive para si mesmo, por-
O momento seguinte é o da descrição dos fenô- tanto subjacente a mim, assim como as paisagens mais
menos, colocando-se no lugar da suposta explicação distantes vivem, mesmo longe da minha visão, como em
racionalista. A essência das coisas necessariamente se outros momentos pretéritos se viveu para aquém do ins-
transforma numa crítica a uma positividade científica, que tante. Sendo assim o mundo percebido é meu e do ou-
em Descartes era considerada como um fim. Esse retor- tro, é neste campo que observo outras manifestações
no ao fenômeno se distancia de qualquer forma de ob- que se transformam em minhas apreensões e dos ou-
servação prévia, seja do senso comum ou da ciência tros. Pois diz o psicólogo, que o objeto nos fornece as
constituída, ressalvando-se que existe uma intencio- formas e grandezas de maneira variável, dependendo do
nalidade no fenômeno a ser observado, ou seja, visa-se ângulo pontual a que estamos e nós é que interpretamos
alguma coisa no qual a sua descrição considera-se como como verdadeira ou não o que notamos preferencialmen-
verdadeira e essencial, transformando-se em conhecimento. te a nossa frente ou nas adjacências. Vem aí ainda a
Ainda em Gomes (1996, p.122-123), Husserl men- questão das formas e grandezas reais, pois a quantida-
ciona que as experiências vividas no mundo são dirigidas de das mesmas são bem variadas e também sua per-
cepção não ocorre de maneira individual, pois são ape-
pela consciência, as quais podem ser experenciadas por
nas nomenclaturas para identificar as relações entre as
outros sujeitos e materializadas através da comunica-
frações fenomenológicas.
ção entre os mesmo. Aí é que entra a redução
fenomenológica, introduzida pela experiência vivida. En- Kant tem razão em dizer que a percepção é, por si,
tão a volta às coisas, ou essência das coisas em Husserl, polarizada em direção ao objeto. Mas, junto a ele, é a
considera o fator cultural como elemento condutor das aparência enquanto aparência que se torna incom-
relações dos sujeitos dos objetos, passando pela des- preensível. As visões perspectivas sobre o objeto,
crição, interpretação de seus significados, pelo sujeito sendo de um só golpe recolocadas no sistema
que observa e portanto percebe o seu mundo. objetivo do mundo, o sujeito pensa sua percepção e
Nota-se que a intencionalidade na captação na verdade de sua percepção em vez de perceber. A
perceptiva do sujeito em relação ao objeto é o grande consciência perceptiva não nos dá a percepção como
uma ciência, a grandeza e a forma do objeto como
condutor dentro da estrutura filosófica fenomenológica e
leis, e as determinações numéricas da ciência tor-
a grande possibilidade de aproximação entre realismo e nam a passar sobre o pontilhado de uma constitui-
idealismo, podendo até superar este paradoxo ção do mundo já feita antes delas.(MERLEAU-PONTY,
paradigmático da sociedade contemporânea. Esta é a 1999, p. 404-405)
contribuição deste método filosófico, que se bem condu-
zido e direcionado para o espaço vivido poderá auxiliar Merleau-Ponty (1999, p. 429-430), diz ainda, que
na organização epistemológica e científica da geografia, os fenômenos ligam-se diretamente ao corpo que absor-
que para tanto deverá explorar os seguimentos que mais ve todas as formas e grandezas, mas imediatas à per-
ofereçam suporte à mesma e nesse sentido, pode-se cepção criando um mundo próprio, que relaciona as coi-
observar na Fenomenologia da Percepção de Maurice sas identificadas pelo nosso corpo que percebe a natu-
Merleau-Ponty uma possibilidade a ser explorada na bus- reza funcionando como palco para a encenação individu-
ca da construção filosófica da geografia humanística cul- al no seu espaço vivido, transformando o sujeito em cons-
tural. ciência de si e o objeto e seus fenômenos como elemen-
Já dizia Merleau-Ponty (1999, p. 446-447), que é tos balizadores da percepção realizada pelo sujeito que
no mundo vivido pela experiência que surge o conheci- sente seu mundo. Na verdade tudo é manifestação do
mento ou seu próprio conteúdo montados sobre elabora- ambiente, a qual a percepção é explicitada pela comuni-
ções e significações lógica, pois os momentos e os objetos cação dos seus elementos. Mas o percebido nem sem-
só podem relacionar-se uns aos outros para construir um pre aparece claramente em minha frente como algo a ser
espaço através desta ambigüidade do ser que se chama conhecido, o mesmo pode ser uma “unidade de valor”
subjetividade, motivada por uma intencio-nalidade que ao que só se apresenta na prática, que é dado em alguns
mesmo tempo revela a complexidade ontológica na su- momentos pela experiência da coisa que provoca a sub-
posta plenitude do objeto, o qual de modo geral não se jetividade formada através de uma história.
pode denominar de mundo, mas que é envolvido por cons- A coisa, no entanto, não é dada naturalmente na
truções objetivas, em outras palavras o mundo não é es- percepção, ela vem do íntimo do ser, reformulada e con-

70 R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

cebida por nós e integrada ao nosso mundo interior que berada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se
nos oferece várias possibilidades. A vida do ser pode ser destacam e ela se pressuposta por eles. Um mundo
definida pela negação ao pensamento objetivo, pois seu não é um objeto do qual possuo comigo a lei de
próprio mundo é ponto de partida e sua referência, que constituição; ele é um meio natural e o campo de
todos os meus pensamentos e de todas as minhas
se manifesta na percepção corpórea que reflete os luga-
percepções explícitas. A verdade não “habilita” ape-
res de determinado ponto de vista. nas o “homem interior”, ou, antes, não existe homem
interior, o homem está no mundo, é no mundo que
No horizonte interior ou exterior da coisa ou da paisa- ele se conhece. Quando volto a mim a partir do
gem, há uma co-presença ou uma co-existência dos dogmatismo do senso comum ou do dogmatismo
perfis que se ata através do espaço e do tempo. O da ciência, encontro não um foco de verdade intrín-
mundo natural é o horizonte de todos os horizontes, seca, mas um sujeito consagrado ao mundo.
o estilo de todos os estilos, que, para aquém de to- (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6)
das as rupturas de minha vida pessoal e histórica,
garante às minhas experiências uma unidade dada O sujeito da percepção é desconsiderado no pen-
e não desejada, e cujo correlativo em mim é a exis-
samento objetivo, argumenta Merleau-Ponty, e continua
tência dada, geral e pré-pessoal de minhas funções
sensoriais, em que encontramos a definição do cor- dizendo que isso acontece em um mundo que já está
po. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 442) totalmente pronto para ele, palco de manifestações pos-
síveis, consagrando a percepção como uma dessas
Pode-se dizer que a intencionalidade idealiza o manifestações. O ser que percebe é parte das coisas e
fenômeno e este aciona a percepção que direciona ou de não consegue desvencilhar-se das mesmas produzindo
certa forma racionaliza ou organiza a seqüência de ma- uma impressão perceptiva dos fenômenos, como se fos-
nifestações advindas dos eventos demonstrando aí certa se um estudioso que descreve os animais em um lugar
desconstrução do antagonismo filosófico, idealismo e distante onde nunca tenha estado. Então se diz que o
realismo, sem esquecer de voltar às coisas e retornar ser na percepção ficará incógnito até o momento que se
aos fenômenos partindo-se da consciência estimulada evidencie o naturante e o naturado.
pelos mesmos. Portanto, pode-se dizer que o fenômeno No exercício da sensação, o elemento intelectual
aciona a percepção que é acompanhada pela experiên- não é ressaltado por ele mesmo, mas sim em sincronia
cia, cultural, histórica e pessoal do ser, portanto diferen- com o meio que estimula a sua sensibilização. Assim,
te do estrutural filosoficamente falando. busca-se a pré-disposição dos órgãos dos sentidos que
De acordo com as exposições feitas, nota-se que sempre estão a procura de sensações que chegam sor-
rateiramente e entram em contato com todo o corpo pre-
a relação sujeito e objeto na perspectiva intencional e
enchendo todo o espaço nele disposto. Há que se obser-
perceptiva estabelece possibilidades que podem fortale-
var que para o existir de alguém, por parte do ser, é pre-
cer o conhecimento científico das humanidades e da
ciso que este alguém esteja fora do ser. Assim, as sen-
cultura, particularmente no que toca a geografia cultural
sações tornam-se impensáveis e o espírito assume o
de cunho fenomenológico, o qual dinamiza categorias de
ente perceptivo, e este instrumentaliza-se com os órgãos
estudo, que não eram contempladas até então ou não
dos sentidos que excitam o sujeito corporalmente, mas
obtinham tanta atenção dentro da geografia, como: es-
não o capacita para a percepção integral, pois as mes-
paço vivido, paisagem cultural e lugar. Sendo estas rela-
mas estão na alma daquele que percebe e que coloca o
cionadas com as essências voltadas para a existência,
que é percebido na sua percepção.
o corpo como sensível e perceptivo, valorizando a experi- Em relação ao espaço Merleau-Ponty (1999, p.
ência pessoal e sentimental do mundo vivido por cada 328) afirma que ele não é sustentáculo dos objetos
uma, reforçados por construções e representações sim- ambientais (reais ou lógicos), mas sim o meio que pos-
bólicas organizadas em linguagem descritiva, que soma- sibilita a posição destes objetos. Por outro lado, tudo se
da às impressões de outros indivíduos podem servir de reporta às inter-relações orgânicas do ser que pensa e
substrato para novas formas de apreensão e elaboração seu espaço, que caracteriza o poder do sujeito sobre a
dos conhecimentos geográficos. natureza dando origem à mesma. Portanto, este é con-
cebido pela consciência do sujeito que percebe as coi-
sas através de observação orientada ao espaço. Então
POSSIBILIDADE METODOLÓGICA DA FENOMENO- nossa primeira investida perceptiva é naturalmente espa-
LOGIA NA GEOGRAFIA: A PERCEPÇÃO DO MUNDO cial e mundana, pois o próprio nascimento do interior do
sujeito é marcado pela percepção e pelo espaço que
estabelece a relação perceptiva precípua, sendo anterior
A percepção não é uma ciência do mundo, não é
nem mesmo um ato, uma tomada de posição deli-
à sua consciência de mundo.

R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR 71


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

A geografia cultural no seu tronco fenomenológico intento. Por outro lado, dizem alguns fenomenólogos tra-
pode diante do exposto, ser contemplada com instru- dicionais, que o ser humano está refém do ambiente físi-
mentos metodológicos abstraídos do interior da co e social, e este, ao mesmo tempo influencia na com-
fenomenologia da percepção, sustentada pelas experi- preensão do mesmo alterando situações de significância
ências vividas no palco das manifestações sensibiliza- e intencionalidade.
das pelos sentidos, estimuladas pelo meio que condiciona Na seqüência, a autora destaca duas concepções
os objetos formando o espaço construído na ligação na abordagem fenomenológica, “corpo-sujeito” e
perceptiva do sujeito, na qual o interior se relaciona com “intersubjetividade”, além da categoria dos “ritmos do tem-
o exterior que é acima de tudo uma mútua existência po-espaço”, esta última constituindo-se em formas con-
presencial do sujeito e objeto, interagindo e criando a ceituadas da geografia contemporânea, sendo as mes-
percepção do mundo vivido, suscitando configurações mas capazes de dialogarem e possivelmente entrarem
temporais e espaciais, no qual repousam as possibilida- em consenso, pois o corpo-sujeito pontua objetivamente
des do desvelamento da verdade, que em um dado mo- as relações mais imediatas entre ser corpóreo humano e
mento é movido pela intencionalidade. seu entorno material, construindo com a intersubjetividade
Sensibilidade corpórea é o impulso fundamental uma interação elementar entre o meio ambiente e o su-
para a relação com o mundo conquistado ou percebido jeito cognoscente, baseado em traços socioculturais e
pelo ser pensante que mesmo antes de perceber sente e momentos fugazes do cotidiano, qualificando estas pro-
em última instância pensa através do sentimento vindo postas a perspectivas aplicativas na busca da compre-
do íntimo do ser, envolvido, também, por uma construção ensão espacial através da observação e percepção das
histórica e cultural de ordem pessoal que interage com experiências do mundo vivido.
os fenômenos que também têm sua história natural pas- Buttimer (1985, p. 171) In Christofoletti, continua
sível de ser focalizada e descrita pelo sujeito sensível, dizendo, que os geógrafos sabem da ação eficaz dos
através de linguagem comunicável a outros sujeitos que, aspectos naturais e culturais e que estes interferem na
de outros pontos, poderão contribuir mutuamente na apre- experiência modificando a noção terminológica de mun-
ensão de parte do espaço experenciado por alguns que do e espaço. Sendo o mundo cotidiano uma concentra-
farão deste único lugar visto de vários pontos, mas que ção de atividades dinâmicas vividas de forma holística,
na sua essência permanece fornecendo os mesmos ele- até que o ser que pensa comece inferir reflexões sobre
mentos materiais servindo assim de referência conceitual ele.
na interpretação espacial. Estas incursões até aqui ressaltadas mostram que
Deste ponto, podem-se estabelecer parâmetros ci- a intencionalidade permeia a percepção do mundo vivido,
entíficos para a ciência geográfica visto que o espaço mas que este pode se apresentar de várias formas de-
percebido pode ser identificado e qualificado de várias pendendo da inter-relação combinatória, perceptiva e in-
maneiras a serem ordenadas em raciocínio geográfico. tencional entre atos e atores. No que toca a geografia é
Esta pode constituir-se em abordagem conceitual e interessante notar que estes conceitos e reflexões
metodológica, pois usando de simbologia, representa- fenomenológicas tem conotações diferenciadas e pró-
ção e linguagem, acredita-se poder descrever e analisar prias, pois o mundo geográfico consiste em elementos
o espaço combinando com uma das ferramentas mais mais palpáveis ao mundo das ilações apresentadas no
antigas de geografia que é a descrição dos fenômenos, interior da referida abordagem. Este mundo geográfico é
só que se estabelecem maneiras comparativas proporci- mais físico, e acredita-se ser o substrato natural para as
onando sempre a renovação do pensamento e conse- atuações e transformações humanas, através das rela-
qüentemente avanço dos conhecimentos filosófico e ci- ções subjetivas e intersubjetivas e envolvem o todo do
entífico, principalmente ligados ao espaço natural abali- homem no todo do mundo, que em dado momento pode-
zado pelo ser humano. se extrair partes proporcionando entendimento e concep-
ções espaciais, portanto, de união geográfica que pode-
rão se transformar em teorias na interpretação do espa-
INCURSÕES FENOMENOLÓGICAS NA GEOGRAFIA: ço vivido e organizado pelo homem.
O ESPAÇO SENTIDO, PERCEBIDO E VIVIDO Ainda em relação a tentativas e campos da geo-
grafia fenomenológica, sintonizamo-nos com Lowenthal
De acordo com Buttimer (1985, p.170), In (1985, p.104), In Christofoletti, quando posiciona a geo-
Christofoletti, os cânones fenomenológicos assentam- grafia como disciplina de discurso geral no tocante dos
se na intencionalidade, sugerindo que o ser cognocente conteúdos objetivantes da mesma, mas também se con-
é sempre o ponto de partida no reconhecimento do seu centra nas partes que são notadas e analisadas em pon-
espaço vivido, mesmo que não tenha consciência deste tos específicos da vida cotidiana. Isto transforma este

72 R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

saber no entorno desses universais em consenso da ci- É importante sublinhar a impossibilidade de se


ência geográfica tornando-a aditiva e cumulativa. Isto deu ignorar um ou outro tronco epistemológico, pois as duas
ao campo geográfico uma percepção espacial comum formas estão presentes no mesmo sujeito. Este deixa
passando pela sensibilidade palpável e estável do meio transparecer dois âmbitos, o da reflexão e o da emoção.
físico ou natural o qual encontra na sinestesia corpórea a A parte que pensa é geral, universal, e holística desen-
sua convalidação. volvida com o passar do tempo, portanto segue estrutura
Então, diz-se que a visão de mundo deve acompa- obedecendo à história, a cultura, a política, o social, o
nhar as transformações ocorridas em diversos tempos econômico e outras formas que destacam os grupos. Já
distintos seguindo as ambições humanas, dando caráter no tronco emocional, pode-se destacar o introspectivo,
antropocêntrico ao mundo vivido. Neste sentido, a mais singular, o individual, o sentimental que percebe o espa-
pura visão do espaço vivido, apreendida pelo ser ço mais imediato. Portanto as duas possibilidades, gros-
cognoscente é, no geral, um realce parcial do mundo so modo, podem exercer o exercício de desocultamento
voltado para o próprio homem. Nota-se, pois, a passa- do ser do todo e do ser das partes, encaminhando-se
gem pelas vontades e ações do humano, possibilitando para o desvelamento ou aproximação da verdade.
a existência do natural a partir de sua necessidade, sa- Todavia em se tratando de espaço percebido e
bendo-se que o ocultamento humano obstrui a perma- compartilhado há necessidade de abordagem
nência e a recorrência assim como a evidência da forma. fenomenológica para alicerçar a geografia no estudo das
Continuando as colocações de Lowenthal (1985, categorias já mencionadas, destacando neste momento
p.119-120), In Christofoletti, depreende-se no contato ge- o lugar como categoria mais presente no saber geográfi-
ral do mundo a transcendência do vivido. Os anseios e co e também as categorias não menos importantes como
especulações existenciais do ser humano normalmente paisagem local e espaço vivido que poderão servir de
incentivam as percepções de caráter comum. Por outro substrato para o estudo.
lado, a singularidade do natural acumula mais traços
espaciais e conceitos diversificados do que o meio ambi-
ente compartilhado do qual a imaginação e a realidade PERSPECTIVAS TOPOGEOGRÁFICAS
se apresentam de formas individualizadas de acordo com
o conteúdo ontológico dos mesmos. Este mundo com- Na introdução da Poética do espaço, Bachelard
partilhado do qual as pessoas participam faz parte da destaca temas que mais tarde seriam empregados na
realidade cotidiana e até as manifestações paisagísticas geografia humanística de Yi-Fu Tuan e podem ajudar na
advindas com os sonhos partem de episódios verdadei- sustentação e explicação de conceitos como: topofilia,
ros vividos em tempos pretéritos. espaço percebido, espaço vivido, que na geografia são
Na seqüência, o sentir pode surgir independente caracterizadas ou estão intimamente ligadas a ques-
da percepção externa, mas geralmente a construção in- tões de lugares e paisagens; tais temas são indicados
dividual dos ambientes idiossincráticos são semelhan- da seguinte maneira:
tes uns aos outros na qual sua tangência é semelhante,
devido aos elementos sensíveis usados na sua percep- ... as imagens do espaço feliz. Nessa perspectiva,
nossas investigações mereciam o nome de Topofilia.
ção, que provêem da mesma essência, sem a qual seria
Visam determinar o valor Humano dos espaços de
impossível obter uma idéia comum do meio ambiente que
posse dos espaços defendidos contra forças adver-
se vive. Na realidade filtramos e selecionamos algumas sas, dos espaços amados. O espaço percebido pela
facetas do mundo em detrimento a outras. imaginação não pode ser o espaço indiferente en-
Seguindo as colocações acima expostas, pode- tregue à mensuração e a reflexão do geômetra. É um
se dizer que a ciência geográfica apresenta dois troncos espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas
epistemológicos. O primeiro de cunho geral, explorando com todas as parcialidades da imaginação.
o mundo como um todo, obedecendo a uma construção (BACHELARD, 2003, p. 19).
mais objetiva e racional dentro da ciência dita clássica
ou tradicional, marcada geograficamente por categorias Em relação ao conceito de lugar, Holzer (1997,
como espaço e paisagem. Num segundo momento, res- p.12) relata que na geografia humanística o
salta-se o mundo percebido ou vivido pelo indivíduo que existencialismo fenomenológico apresenta algumas difi-
na sua própria visão se reporta ao todo balizado pelo seu culdades de ordem filosófica, pois a investida husserliana
corpo que munido de sensibilidade pode perceber o seu é de difícil assimilação e, de certa forma, de difícil aceita-
entorno mostrando algumas evidências perceptivas do ção pelos seus pares e comunidade epistêmico-científi-
todo se configurando em categorias como paisagem lo- ca em geral. Por outro lado ressalta-se que conceito de
cal, espaço vivido e lugar. “lugar” é o mais evidenciado na geografia e está assenta-

R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR 73


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

do, como já foi mencionado, em “Mundo vivido” de suma importância nesta relação, no sentindo de se
(Lebenswelt) e “Ser-no-Mundo”. estabelecer maneiras para determinadas necessidades de
Já no que tange ao lugar, geograficamente falando, forma geral, a absorção espacial está ligada à capacidade
Holtzer (1997, p.12-13) lembra o geógrafo Eric Dardel em de abstrair e fazer conexões com outros espaços, o que
sua obra L’Homme Et La Terre – Nature de La Realité causa uma sensação de liberdade e ao mesmo tempo
Geographique (1990), que trata, com autenticidade, da ge- que provoca um deslocamento do lugar através do aumen-
ografia existencialista. Nesta feita opondo-se o geográfico to e rapidez da movimentação das pessoas.
espacial às manifestações existenciais do ser humano e Ele continua falando da impossibilidade de se dis-
seu destino, ao mesmo tempo que situava e conceituava cutir o espaço em que se vive sem se reportar aos objetos
o espaço fenomenológico, dando suporte aos estudos e locais definidores dos seus espaços, sendo que o es-
sobre lugar e paisagem. Isto desencadeou obras – cada paço só se transforma em lugar a partir de seus motivos
uma em seu respectivo momento – como as de Relph, significativos. Assim, alguns conceitos como direção e
The phenomenon de place e de Tuan Topofilia, e poste- distância estão mais ligados a categorias especiais e
riormente Espaço e lugar, trabalhos estes fundamentais mais distantes das categorias topológicas. Por outro lado
para a edificação do humanismo na geografia cultural. é perfeitamente possível descrever o meio em que se vive
Yi-fu Tuan (1980, p. 5) indica que o termo topofilia topofilicamente sem se reportar diretamente aos concei-
é a ligação afetiva entre o sujeito e o lugar ou a natureza. tos espaciais.
As manifestações são de várias ordens, envolvendo prin-
cipalmente a estética ou sentimentos estéticos, assim
como sensações e sentimentos relacionados ao meio CONSIDERAÇÕES FINAIS
ambiente mais próximo o qual é, em última análise, o
meio ambiente da subsistência humana, pois as pes- Fica patente, diante do exposto, que esta visão
soas se concentram para as questões ambientais que alternativa da geografia cultural traz contribuições
lhes dão segurança, sustento e satisfação em suas vi- epistêmicas e metodológicas para a elaboração do co-
das. Portanto, os seres humanos sonham e imaginam nhecimento geográfico, se não, pelo menos instiga-o a
lugares ideais. Mesmo a terra não sendo a morada final novas percepções fenomenológicas do espaço vivido,
de toda a humanidade, como pensam alguns, existe uma tendo na relação intencional entre o indivíduo e o fenô-
relação íntima com o planeta, inspirando afetividade a meno que despertou sua atenção, uma apreensão
determinado lugar. subjetiva e, ao mesmo tempo, objetiva, resultando numa
Em outro momento, Yi-Fu Tuan (1983, p. 83) diz que imagem interpretativa desta investidura.
a familiaridade com o espaço é que o caracteriza como A fusão cognitiva pode representar muito para o
lugar e na sua elaboração conceitual a experiência e o conhecimento geográfico, pois reforça o meio e o ho-
contato topofílico proporcionam novas abstrações espaci- mem com agentes do mesmo processo ou interação.
ais que poderão ser transformadas e comunicadas através Visto que este embate – físico e humano – cerca a geo-
de simbologias, palavras e imagens, montando capacida- grafia desde sua origem, sem se reportar a questões te-
des geográficas configuradas em conhecimento espacial. órico-filosóficas mais amplas como o idealismo e o rea-
Avaliando as colocações acima e comparando com lismo.
a episteme geográfica, depreende-se que o conhecimen- Metodologicamente desponta a possibilidade da
to espacial é de grande valia para o ser humano e sua utilização dos sentidos, em primeira intervenção, seguida
relação com o meio ambiente baseado na experiência da percepção dos fenômenos, que funcionam como
de mundo, sentimentos de mundo, sentimentos estéti- substrato nas elaborações significativas e represen-
cos e percepção do lugar, transformam-se em importan- tacionais, proporcionando uma ação intelectual frente ao
tes sustentáculos aos estudos da ciência geográfica que condicionado. Portanto, há que se destacar a inter-rela-
se iniciam com as abstrações afetivas do sujeito em seu ção da cultura humana com a história natural, fundamen-
ambiente mais próximo, sendo que eles depois de orga- tada no foco do sujeito cognoscente, que sente o pensar.
nizados intelectualmente, poderão ser comunicados atra- Então os diversos sujeitos ou partes que formam
vés de descrição idiossincrática do local percebido, ser- o todo, poderão compartilhar dos mesmos momentos no
vindo de balizamento e comparação com outras mani- tempo e espaço, materializados através de registros des-
festações semelhantes. Toda esta seqüência sistemati- critivos dos eventos manifestados em discursos individu-
zada pode ser denominada de topogeográfica. ais dos ambientes mais imediatos denominados - na ci-
Explorando ainda mais o pensamento de Tuan ência geográfica – de lugar, que neste artigo denomina-
(1983, p .84-85), em relação à forma com que as pessoas mos manifestações topogeográficas, na tentativa de am-
se relacionam com seu espaço, ele relata que o corpo é pliar a percepção do mundo vivido.

74 R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR


CORREIA, M. A. Ponderações reflexivas sobre a contribuição...

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 6ª tiragem. Tra- JOHNSTON, R. J. Geografia e geógrafos. São Paulo: Difel,
dução de: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins 1986.
Fontes, 1993. Coleção Tópicos, 2003.
LOWENTHAL, David. Geografia, experiência e imaginação:
BUTTIMER, Anne. Apreendendo o dinamismo do mundo vi- em direção a uma epistemologia geográfica. In:
vido. In: CHRISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da geo- CHRISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da geografia. 2.
grafia. 2. ed. Rio Claro, SP: Difel, 1985. ed. Rio Claro, SP: Difel,1985.
CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Tradução de: Luiz MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção.
Fugazzola Pimenta e Margareth de Castro Afeche Pimenta. Tradução de: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 2. ed. São
Florianópolis: UFSC, 1999. Paulo: Martins Fontes, 1999.
GOMES, P. C. da C. Geografia e modernidade. Rio de Janei- RELPH, Edward. Phenomenology. In: HARVEY, M. E.; HOLLY,
ro: Bertrand, 1996. B. P. Themes in geographic thought. Londres: Croom Helm,
HOLZER, Werther. A geografia humanista: uma revisão. Re- 1981. p. 99-114.
vista Espaço e Cultura da UERJ, Rio de Janeiro, n. 3, p. 8-19, SAUER, Carl O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA,
1997. Roberto Lobato; ROSENDHAL, Zeny (Org.). Paisagem, tem-
HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas: introdução à po e cultura. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.
fenomenologia. Tradução de: Frank de Oliveira. São Paulo: TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e
Madras, 2001. valores do meio ambiente. Tradução de: Lívia de Oliveira.
JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico São Paulo: Difel, 1980.
de filosofia. 3. ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge _____. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradu-
Zahar, 1996. ção de: Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel, 1983

R. RA´E GA, Curitiba, n. 11, p. 67-75, 2006. Editora UFPR 75

Você também pode gostar