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A recomposição dos espaços

The recomposition of spaces


La recomposición de los espacios
Georges Benko
Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne / CEMI-EHESS
Contato: mdlocal1@ucdb.br

Resumo: As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma nova reestruturação das escalas espaciais no
planeta, numa recomposição provocada pela rápida evolução dos meios de transporte, de comunicação e de produção
de bens e serviços. A esse processo dá-se o nome, no presente artigo, de “deslizamento de escala”. No patamar
superior, criam-se ou fortalecem-se os blocos econômicos, tomando o aspecto inicial de mercados comuns e rumando,
posteriormente, à organização em espaços política e economicamente unidos como é o caso da Europa; o patamar
inferior da escala caracteriza-se pelo reforço das unidades territoriais em nível regional. Este artigo discute algumas
das tensões decorrentes do “deslizamento de escala”.
Palavras-chave: Globalização; Desenvolvimento Local; Escalas espaciais.
Abstract: The final decades of the 20th century were marked by a new restructuring of space scales on the planet, in
a rearrangement provoked by a rapid evolution of, communication, means of transport and the production of goods
and services. This process, in this article is named, “scale sliding”. At the highest level, the economic blocks are created
or strengthened, taking on the appearance, initially, of common markets and, afterwards, going in the direction of the
organisation of spaces politically and economically united, as is the case in Europe; the lowest level of the scales is
characterised by reinforcing territorial units at regional level. This article discusses the tensions resulting from this
“scale sliding”.
Key Words: Globalization; Local Development; Space scales.
Resumen: Las últimas décadas del siglo XX fueron marcadas por una nueva reestructuración de las escalas espaciales
en el planeta, en una recomposición provocada por la rápida evolución de los medios de transporte, de comunicación
y de producción de bienes y servicios. A ese proceso se le llama, en este artículo, de “deslizamiento de escala”. En el
nivel superior, se crean o fortalecen los bloques económicos, tomando el aspecto inicial de mercados comunes e
tendiendo, posteriormente, a la organización en espacios política y económicamente unidos como es el caso de
Europa; el nivel inferior de la escala se caracteriza por el refuerzo de las unidades territoriales a nivel regional. Este
artículo discute algunas de las tensiones resultantes del “deslizamiento de escala”.
Palabras claves: Globalización; Desarrollo local; Escalas espaciales.

A recomposição dos espaços: o O fim da geografia?


deslizamento da escala
Nós passamos, ao longo do último
Nas duas últimas décadas, os obser- quarto do século XX, de um sistema econô-
vadores – economistas, geógrafos, cientistas mico internacional a um sistema econômico
políticos – seguem a tendência de chamar global. Trata-se de uma importante mutação
nossa atenção sobre uma mudança, de geopolítica das condições de produção, de
dimensões consideráveis, que eu qualifico competição e de interdependência. O antigo
como um “deslizamento de escala”. Trata- regime internacional era caracterizado pela
se de uma recomposição dos espaços: os soberania dos estados, a quem competia
espaços clássicos – nos quais os sistemas definir, entre outros, suas políticas monetá-
econômico, social e político evoluíram rias e alfandegárias. A ordem que substitui
praticamente ao longo de todo o século – aquela é uma ordem global difusa na qual
estão se deslocando ao mesmo tempo para as relações entre os estados diluem-se, em
cima e para baixo. Na escala superior, uma certa medida, ao proveito das conexões
constata-se a criação ou o reforço dos blocos entre economias regionais afastadas, ligadas
econômicos, inicial e, freqüentemente, sob entre elas por intercâmbios complexos feitos
forma de mercados comuns, evoluindo, em de competição e de colaboração.
seguida, rumo a espaços política e economi- Vários analistas, ao observarem o cres-
camente unidos como é o caso da Europa; o cimento do intercâmbio em escala mundial
deslocamento rumo ao patamar inferior da em todos os domínios nessas duas últimas
escala caracteriza-se pelo reforço das décadas, aventaram a hipótese de que o fim
unidades territoriais em nível regional. O da geografia está próximo (O’Brien, 1992),
nosso planeta tem assim quatro níveis assim como outros haviam previsto o fim da
espaciais pertinentes de análise: o mundial, história (F. Fukuyama), o fim do trabalho (J.
o supra-nacional (blocos econômicos), o Rifkin), o fim dos territórios (B. Badie) ou,
nacional (estados-nação) e o regional (local ainda, o fim dos estados-nação (K. Ohmae).
ou infranacional). De maneira indiscutível, a mundialização da

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economia, sustentada pelas novas tecno- majoritariamente na cidade do México) ou,


logias da informação e da comunicação, ainda, o produto de Osaka excede em 25%
assim como pelos transportes de alta àquele da Índia, e o de Seul é superior àquele
velocidade, modifica as escalas territoriais ou, da Indonésia. Globalização não significa,
pelo menos, nossas relações ao espaço. portanto, homogeneização do espaço
Essa abertura econômica recente é mundial, mas, ao contrário, diferenciação e
mensurável por intermédio do crescimento especialização. Grandes polos se constituí-
do comércio exterior. Em 1965, as expor- ram, formando uma economia em oásis, ou
tações mundiais de bens representavam 6% seja, uma rede de regiões mais dinâmicas,
do PIB mundial, e as importações 6,3%; em que deixam atrás de si o restante do mundo.
1998, respectivamente 16,3% e 16%, segun- Pierre Veltz (1996) observa o crescimento de
do dados da ONU. Esses números são defini- pequenas Nações, por vezes de Cidades-
dos em relacão ao PIB que, ele próprio, Estado, na hierarquia dos territórios prós-
cresceu significativamente em termos abso- peros, visto que tais regiões demonstram
lutos ao longo do mesmo período. É igual- uma melhor reatividade que os grandes
mente necessário observar que o comércio Estados, e que essas regiões dispõem das
internacional de serviços teve um cresci- mesmas vantagens de acesso aos mercados.
mento ainda mais rápido que aquele de bens. As regiões, ou melhor, os territórios,
Em termos absolutos, nós não estamos longe tornaram-se, dessa maneira, fontes de vanta-
de uma multiplicação por dez. gens concorrenciais. Ao longo dos anos 70 e
Contrariamente às hipóteses aventa- 80, os Estados viram agravar-se seus déficits
das por muitos, o encolhimento do mundo públicos, fato que os incitou a conduzir
revitaliza a geografia. Os efeitos de distância políticas de descentralização. A gestão de
exercem uma influência considerável sobre inúmeros bens coletivos locais, tais como a
as estruturação das relações econômicas e educação, a formação, as infraestruturas de
sociais. É claro que o tempo das Nações não transportes, as ajudas sociais foram, a partir
terminou, e os Estados continuam exercendo de então e com freqüência, regionalizados.
um papel crucial em muitas áreas (notada- Foi a ocasião de descobrir que a densidade
mente na formação, nos equipamentos, nos das relações entre os atores locais (empresas,
transportes, etc.); mas, preso entre a dimen- universidades, coletividades territoriais,
são local e a global, seu lugar na economia sindicatos, etc.) pode exercer um papel deter-
foi redefinido. Assiste-se, por um lado, a um minante na competitividade das atividades
movimento de internacionalização da ativi- econômicas.
dade econômica em um mundo cada vez Os distritos industriais – um conceito
mais destituído de fronteiras reais, a tal ponto introduzido no início do século XX pelo
que alguns não hesitam em aventar também economista britânico Alfred Marshall – estão,
a hipótese de um iminente desaparecimento doravante, de retorno, tanto no campo de
do Estado soberano clássico, fundado sobre atividades quanto no de análises. Esses locais
a noção de território, um dos três elementos têm uma característica interna, uma perso-
constitutivos do Estado em direito interna- nalidade regional, como dizia Vidal de la
cional, ao lado do governo e da população; Blache, um dos pais da geografia francesa.
por outro lado, sublinha-se a intensificação A especificidade dos distritos industriais
do crescimento econômico de um certo decorre de uma capacidade, no mais das
número de regiões, reconhecidas como os vezes herdada de uma cultura antiga, em
motores da prosperidade mundial, e que dão negociar modos de cooperação entre capital
origem a uma recomposição da hierarquia e trabalho, entre grandes empresas e forne-
dos espaços produtivos. Essas regiões são, cedores de produtos intermediários, entre
principalmente, metropolitanas. administração pública e sociedade civil, entre
Tais noções podem se sustentar a par- bancos e indústria, etc. Como observa o
tir de alguns dados inquestionáveis: o pro- economista Alain Lipietz, em Emília Romana
duto da aglomeração de Tóquio é o dobro (Itália) ou no Bade-Wurtenberg (Alemanha),
daquele do Brasil, o produto de Chicago dois polos de crescimento econômico, a
equivale àquele do México (concentrado estratégia do Partido Comunista ou da

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Democracia Cristã consistiu em procurar dos investidores. Pouco importa que um


um melhor compromisso social lá onde fosse brinquedo seja oriundo de uma “montadora-
possível nogociá-lo, ou seja, em âmbito local: maquiadora” na fronteira mexicana ou de
os altos salários, o melhoramento das uma zona econômica especial chinesa, pois
condições de vida, a qualificação da mão de somente os custos entram na linha de conta.
obra são a contrapartida à elevada compe- Em compensação, as especifividades territo-
titividade das empresas dessas regiões. riais têm enorme importância em outros
As políticas de organização do terri- domínios econômicos. Nesse caso, as diferen-
tório, tarefa do poder central até os anos 80, tes regiões não são nem um pouco intercam-
também foram delegadas às coletividades biáveis entre si. Uma diferenciação durável
territoriais. O desenvolvimento local subs- dos territórios, ou seja, uma diferenciação
titui, doravante, o desenvolvimento coman- não suscetível de ser colocada em causa pela
dado por cima, estatizado e centralizador, mobilidade dos fatores de produção, somen-
que caracterizou, na França pós-Guerra, os te pode decorrer de uma especificidade dos
“trinta anos gloriosos”. Nesse país, o período territórios reconhecida como tal. Mesmo que
foi o da redistribuição (a política do guichê, se produzam excelentes vinhos espumantes
das ajudas e da instalação de equipamentos); na Califórnia, o champanhe não é um
hoje em dia, é o período dos projetos: “ajude- produto deslocalizável. Seu valor, como
se, o Estado o ajudará”. “Não há territórios aquele de outras produções, está ancorado
em crise, há somente territórios sem em um território, ele é o resultado daquilo
projetos”, declarava, já em 1997, o ministro que os geógrafos chamam um “meio”. Esse
francês da organização do território. meio é criado em diversos domínios de
Essa perspectiva tornou-se obrigatória produção: na informática, por exemplo, há,
tanto em economia quanto em política. A para os Estados Unidos, o Vale do Silicone
consideração dos fatores locais nas dinâmi- ou a Rota 128 (perto de Boston); para a
cas econômicas aparece hoje como uma França, há Sofia-Antipólis, Grenoble ou
evidência e uma necessidade rigorosas. Toulouse. O bairro do Sentier, em Paris,
Trata-se, afinal de contas, de uma preocu- continua a atrair o prêt-à-porter, e o quar-
pação relativamente recente, que abre a via teirão da rua Faubourg Saint-Honoré tem na
rumo à diversificação das políticas econô- alta costura a sua especificidade. Os exem-
micas, sociais e culturais. Os problemas plos são múltiplos quando os fatores decisivos
atuais ligados ao “Projeto Corso” são origi- de localização estão fora do mercado (não
nários da mesma família de reflexões. E não são quantificáveis), e os elementos qualita-
se trata de um problema exclusivamente tivos de um lugar são os que determinam as
francês: uma certa aspiração à autonomia é escolhas das empresas. A diferença é uma
muito sensível também no Reino Unido, por vantagem comparativa. Aquilo que se chama
exemplo, no que se refere à Escócia ou ao “atmosfera industrial”, segundo Marshall,
País de Gales. está presente em todos os lugares, em cada
Muito se escreveu também sobre a território.
nova geopolítica de produção que começou Nosso mundo global é assim um
a se cristalizar em torno dos vínculos entre mosaico composto de uma miríade de
os dois níveis espaciais de atividades econô- regiões, de localidades, de países, que não
micas – o local e o global. Na competição são, necessariamente, equivalentes. A
mundializada, as regiões e as localidades “glocalização”, neologismo forjado para
encontram-se, doravante, em situação de designar a articulação expandida dos terri-
concorrência, mas esta última pode ser tórios locais em relação a economia mundial,
analisada em dois planos distintos. O sublinha a persistência de uma inscrição
primeiro é aquele definido pelo controle dos espacial dos fenômenos econômicos, sociais
custos e da otimização dos fatores de produ- e culturais. Contrariamente aos mais
ção. Os custos da mão-de-obra, os preços da sombrios prognósticos, os territórios – com
energia, os juros e a fiscalidade são variáveis suas especificidades – não foram apagados
que, para um grande número de produções, sob os fluxos econômicos da mundialização.
torna as regiões indiferenciadas aos olhos

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Um sistema triádico a CNUCDE, o FMI, o BIT, a FAO, o Banco


Mundial, a OMC,ou as reuniões como o G7
Um novo mapa mundial da economia ou Davos. Todavia, segundo as estatísticas
foi desenhado. Os espaços mais desenvol- do Livro anual de associações internacionais
vidos do mundo estabeleceram-se sob a editado em Munique, foram recenseados, em
forma de um sistema de economias regionais 1998, mais de 5.600 associações internacio-
polarizadas, construídas em torno de zonas nais e intergovernamentais, e quase 32.000
metropolitanas centrais ou sob forma de associações internacionais não governa-
regiões megalopolitanas como a Randstaad mentais, ou seja, houve uma multiplicação
holandesa, como a fachada atlântica dos numérica da ordem de 25 vezes, desde 1960.
Estados Unidos, que vai de Boston à Essas ONGs cobrem um leque muito amplo
Filadélfia, ou, ainda, como a megalópole de atividades e interesses, indo da saúde à
japonesa. Nesse mundo, dividido em tríades, ecologia ou dos direitos cívicos às questões
constituem o centro nervoso do sistema de desenvolvimento.
mundial contemporâneo a Europa, a No mundo das relações sociais, a
América do Norte e o Japão, tríade comple- noção de “estruturação em tríade” também
tada por espaços anexos que correspondem, é aplicável, mas sob bases diferentes. As
de maneira esquemática, à África, à América novas tecnologias conduzem a dois fenôme-
latina e a uma parte da Ásia. Essa ossatura nos contraditórios: por um lado, a globali-
de base é mantida por vínculos comerciais e zação, ou seja, a interdependência no tempo
pelos fluxos de investimentos. e no espaço (aquilo que Jacques Attali chama
Uma ordem social hierarquizada toma de “conectividade”); por outro lado, a
assento em três níveis, uma estrutura solidão. Esses fenômenos não são incompa-
baseada numa divisão tanto espacial quanto tíveis. Torna-se cada vez mais interdepen-
social. Essa divisão é ajudada pela rápida dente, mas, também, cada vez mas solitário
evolução tecnológica. No plano espacial, nessa interdependência. Nós estamos em um
distinguem-se os líderes mundiais muito mundo de “comunicação solitária” (Benko,
desenvolvidos (em termos técnicos e econô- 1988). Pode-se dizer que mundialização é
micos), os espaços recentemente industria- uma justaposição de solidões conectadas.
lizados (marcados por uma renda média e No plano da organização social, a
por uma fase tradicional de desenvolvi- tecnologia vai dividir a sociedade em três
mento) e os espaços subdesenvolvidos. grupos sociais. Primeiramente, um grupo
Mas essa tendência de abertura ou de composto de várias dezenas de milhões de
desaparecimento das fronteiras entre as pessoas que dispões de meios de acesso a
economias nacionais nos conduz em direção redes e à criação, pessoas que fabricam e
a um único sistema econômico de integração manipulam as informações. Diante desse
global. A questão da regulação de um grande grupo, os nômades da miséria, na parte
número de problemas coloca-se nesse inferior da escala social, que se submetem às
momento. A única instituição internacional tecnologias e são obrigados a oferecer uma
que se assemelha a uma estrutura governa- grande mobilidade para encontrar trabalho
mental é a ONU, marcada por inúmeras ou para sobreviver, em um grupo formado
dificuldades em gerir o grande número de por aproximadamente um quarto da
distintas situações no mundo. Diante da população mundial. Em terceiro lugar, uma
complexidade dos problemas (econômicos, enorme classe média, com esperança de
sociais, políticos e culturais), diferentes tipos agrupar-se à hiper-classe, mas receando
de instituições multiplicaram-se desde os escorregar rumo à pobreza e ao nomadismo
anos 60. Algumas são muito conhecidas, pois planetário. Uma “sociedade afunilada em
suas ações são acompanhadas pela mídia; relógio de areia” está nascendo, conforme
contudo, a grande maioria trabalha de uma descreve Alain Lipietz. Essa classe média
maneira mais discreta sobre inúmeros viverá cada vez mais no espetáculo fornecido
pontos de detalhe que é preciso coordenar pelos novos meios de comunicação; as
ou definir. Entre as instituições mais em vista, economias culturais tornam-se as atividades
encontram-se a ONU, a UNESCO, a OCDE, de maior importância social (festas, esportes,

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jogos, lazer, viagens – tanto no espaço quanto Quatro forças combinam-se para
nas drogas). Para manter a ordem social, usurpar o poder econômcio dos Estados: o
essas distrações são necessárias, visto que elas capital, a comunicação, os consumidores e
fazem esquecer a reversibilidade (ou a as empresas multinacionais. Assim, Kenichi
instabilidade) das trajetórias individuais e a Ohmae interrogava-se nestes termnos: “Os
precariedade, que se tornam regra geral. Estados-Nação tornaram-se dissonauros
Em conclusão, podem-se citar dois moribundos?”
antigos Chefes de Estado franceses, Charles Por fim, o renascimento dos meios
de Gaulle que dizia: “O esforço multisecular locais e regionais na qualidade de núcleos
que foi durante muito tempo necessário ao da organização econômica, cultural e
nosso país para a manutenção de sua política oferece novas e inesperadas possi-
unidade, malgrado as divergências das bilidades para a renovação da vida comuni-
províncias que lhe foram sucessivamente tária. A democracia e a cidadania tomam
agregadas, doravante não se impõe mais. Au um novo sentido no contexto da sociedade
contrário, são as atividades regionais que local. A criação de novas identidades locais
aparecem como a mola propulsora de sua e de novas ações democráticas entra em
potência econômica de amanhã”. A visão de perspectiva. A realização de uma nova visão
François Mitterand, expressa em 1981, é política local gesta-se em relação com o novo
similar: “A França teve necessidade de um contexto global. Como sugere o exemplo
poder forte e centralizado para se construir. europeu, um dos valores mais exigentes é a
Ela tem necessidade, hoje, de um poder coesão, ou seja, um desenvolvimento susten-
descentralizado para não se descontruir”. tável fundado sobre a solidariedade, uma
Desde um período recente, assiste-se a ferramenta indispensável para construir
uma nova configuração das entidades uma grande Comunidade Européia (em
territorias. As uniões econômicas e as regiões várias escalas) mais forte, mais ampla, mais
tornaram-se conjuntos econômicos e equilibrada e, portanto, melhor compre-
políticos de pleno direito, por intermédio da endida pelos povos que a compõem. Para
edificação de uma nova estrutura da ordem obter sucesso é preciso passar de uma Europa
coletiva. Essa situação requisita um novo abstrata a uma Europa política, social e
modo de governança. Na Europa, as economicamente coerente, cuja integração
reformas institucionais estão em marcha. política é possível no âmbito de uma
Penso que, no plano regional, o reforço e a federação de Estados-Nação.
formalização de novas estruturas de gover-
nança econômica são, certamente, possíveis
a médio prazo, e não apenas unicamente na
França. As regiões são coletividades de
atividades interdependentes, cujos interesses
econômicos são melhores realizados quando
as formas institucionais de gestão e de Mundo
coodenação locais estão em funcionamento.
Os espaços regionais estão, igualmente, cada Blocos
vez mais vulneráveis na competição e na
tensão mundiais. Os Estados nacionais
encontram-se tenazmente presos entre entre Estados
a constituição de grandes conjuntos econô-
micos (macroregiões supranacionais) e as
crescentes exigências de uma descentra- sssss sssssss ss Regiões
lização imposta pelas atividades econômicas
e políticas. Os Estados não têm mais a
faculdade de sempre proteger suas regiões
(infranacionais) ou de negociar em nome Figura 1: A transformação dos espaços: os blocos
delas, em um mundo cada vez mais aberto e econômicos e as regiões exercem um papel cada vez
concorrencial. mais importante na economia mundial.

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Tabela 1: Recomposição dos espaços e evoluções sócio-econômicas (cf. K. Ohmae, 1995, revisto pelo autor).

Período Industrial (1850-1975) Período Informacional (1975 - séc. XXI)


• Escala espacial dominante: Estado-Nação • Escala espacial dominante: região e união econômica
• Estados: atores essenciais da economia • Atores econômicos: capitais, empresas multinacionais,
(dirigismo/centralisação) unidades territoiras (regiões)
• Centro de decisão: nacional • Centro de decisão: supranacional e local
• Soberania nacional • Soberania dos cidadãos
• Barreiras alfandegárias • Abertura econômica (supressão de
fronteiras)/internacionalização da economia
• Economia centrada na produção e consumo nacionais • Economia baseada na informação e na comunicação /
maior importância da inovação
• Iniciativas públicas • Constituição de redes (“sociedade em redes”)
• Organização do território em âmbito nacional e • Organização do território baseada na iniciativa local
centralisado (“de cima”) (redistribuição) (“de baixo”)
• Estados-Providência
• Regulação social estável • Regulação social “flexível”
• Lógica econômica majoritariamente fordista • Lógica econômica principalmente pós-fordista
• Crescimento fortalecido • Nova articulação: global/local
• Evoluções lentas • Evoluções rápidas

Espaços de referência: Espaços de referência:


− Grã-Bretanha − Vale do Silicone (São Francisco) / Orange County
− Estados Unidos (Los Angeles) / Rota 128 (Boston)
− Alemanha − Terceira Itália / Lombárdia
− Japão (a partir de 1950) − Hong Kong / Taiwan
− Ile-de-France / Toulouse / Grenoble
− Irlanda / Escócia
− Grandes Metrópoles (e “cidades globais”)
Etc.

Artigo publicado originalmente em Agir – revue générale


de stratégie, n. 5. Paris, set-nov 2000, p. 11-18. Tradução:
Marcelo Marinho (UCDB). Revisão da tradução: Leila
Christina Dias (UFSC).

Bibliografia

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géographie à la sociologie. Caen, Paradigme, 1988, p.
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BENKO, G.; LIPIETZ, A La richesse des régions. Paris,
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In: Futuribles, n. 212, p. 21-34, 1996.
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Geography. Londres, Pinter, 1992.
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