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Beleza: outra face da exclusão para mulheres com deficiência

O corpo da mulher com deficiência é uma subversão do que a sociedade considera perfeito -
Link para a matéria: https://azmina.com.br/reportagens/beleza-outra-face-da-exclusao-para-
mulheres-com-deficiencia/ -

Pérola de Souza

12 de setembro de 2016 (Atualizado em 12 de junho de 2018) - Link para a matéria:


https://azmina.com.br/reportagens/beleza-outra-face-da-exclusao-para-mulheres-com-
deficiencia/ -

E nquanto coloca os frascos de cosméticos sobre a cama, a jovem de cabelos lisos com luzes
nos fala que prefere as cores mais vibrantes, como roxo, rosa e o vermelho que tem nas unhas.
Ela nos levou até seu quarto para conhecermos sua coleção de esmaltes e maquiagens.
Mesmo com alguns tropeços na fala, a menina desenvolta não se intimida diante da câmera ao
fazer demonstrações do uso da maquiagem. “Gosto de tirar fotos e de ficar sempre bonita”,
explica, abrindo um estojo e pegando um pincel.

Ela é Ana Clara da Silva, 19 anos e tem síndrome de Down. Ela vive com os pais, em Belém, PA.
E segundo sua mãe, Waldelina Silva, a característica mais marcante de Ana é sua vaidade. “Já
aos 5 anos começou a gostar de se pintar, talvez por ver eu me maquiando”, conta a mãe,
empolgada. E o hábito perdura até hoje, mesmo quando muito apressadas, a jovem não deixa
de levar os estojos no carro e faz questão de pintar as próprias unhas toda semana.

Hábitos que podem parecer banais para qualquer mulher sem deficiência, são essenciais para
a autoestima de Ana. De acordo com Sandra Menezes, especialista em psicologia clínica e
portadora de artrogripose múltipla congênita – uma doença rara que ocasiona atrofia em
múltiplas articulações, comprometendo o movimento do corpo, “a construção da autoestima
das mulheres deficientes perpassa inicialmente pela auto aceitação e valorização dentro dos
aspectos do que elas próprias consideram bonito, interessante e atraente. E a concepção de
beleza tem a ver com a construção social que a pessoa com deficiência faz em torno disso”.

Sandra também aborda a existência de modelos de beleza que contemplam apenas o padrão
comum e o socialmente aceito, que não abrangem pessoas com estereótipos diferentes.
Segundo ela, essa é outra face de formas de exclusão como inacessibilidade urbana e outros
preconceitos. - Link para a matéria: https://azmina.com.br/reportagens/beleza-outra-face-da-
exclusao-para-mulheres-com-deficiencia/ -

Por isso, para Ana e outras mulheres com deficiência, cuidar-se e sentir-se bonita são
verdadeiros atos de resistência e inserção.  Uma luta feita com delicadeza e paz. Quando abre
o guarda-roupa espelhado, Ana procura entre os cabides e mostra um vestido tomara-que-caia
azul-escuro. Ressalta que escolhe as próprias roupas antes de sair, coloca a peça na frente do
corpo, e olha seu reflexo: “Esse aqui é lindo. Fui eu que escolhi na loja”.

A certa altura da conversa, na suíte rosa com acessórios na parede, pergunto onde Ana
costuma passear.

“Ah, eu… Eu… Gosto de ir ao shopping, ao cinema com o Felipe”. Ana e Felipe se conheceram
na APAE de Belém ainda crianças. Já naquela época, sempre que encontrava com a mãe da
menina, Felipe brincava que um dia seria seu genro. Foi numa balada ocorrida na associação,
anos mais tarde, que Ana se encantou pelo rapaz. A menina abre um sorriso ao falar dos três
anos de namoro e como se sente feliz  da vida quando Felipe diz que está bonita e lhe beija.
“Pelo que eu vejo dele, eu penso assim… Penso em a gente casar e ter filhos”. - Link para a
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Atravessamos a casa decorada com quadros na parede e chão acarpetado, em direção ao


quarto no final das escadas antiderrapantes. Diante da penteadeira espelhada – mais por
conveniência do que por necessidade, ela nos explica – a mulher negra de cabelos castanhos
se posiciona.  Com a mão direita segura o batom, com a outra, seus dedos contornam os
lábios, seguindo o movimento do cosmético que colore, evitando desvios, fugindo a borrões.

Rosiane Araújo, negra, mãe solteira e mulher vaidosa é deficiente visual.

Rosi, como gosta de ser chamada, começou a perder a visão aos 18 anos. Aos 25, não
enxergava mais nada. O exame inicial indicava uma lesão nos olhos, porém, o diagnóstico final
atestaria retinose pigmentar – um conjunto de doenças oculares hereditárias: ela nunca mais
voltaria a ver. Rosiane começava ali a reescrever sua história. Foi no ano do décimo nono
aniversário que decidiu mudar–se para Belém, PA. Segundo ela, naquela época a cidade de
Macapá–AP, onde havia nascido, não apresentava estrutura para pessoas com deficiência, e
ela viu na mudança uma oportunidade para conquistar independência e liberdade, ambas
cerceadas pela superproteção da família.

Ingressou no então Instituto José Alvares de Azevedo de educação para cegos e não demorou
muito a se adaptar a nova vida. Descobriu um novo mundo: ao alcance de suas mãos,
conheceu o Braille, e com ele o acesso a leituras e o infinito de oportunidades que o universo
em relevo oferece; aprendeu novas formas de locomoção, e deu seus primeiros passos
utilizando a bengala.

A partir deste ponto, surgiram as primeiras oportunidades de emprego e o envolvimento com


movimentos sociais. Atualmente, faz parte do Conselho de Saúde e Segurança Alimentar,
trabalha como secretária parlamentar na Câmara de Vereadores de Belém e atua no Comitê
Estadual de Direitos Humanos e Educação.

“A representatividade é um fator que possibilita ascensão social e econômica. Por isso, é


primordial que existam mulheres com deficiência representando o segmento em cargos
importantes, na direção de grandes empresas, na política e em múltiplas profissões”, destaca a
psicóloga Sandra Menezes

Rosi nos conta que na reconstrução da nova vida, nunca abriu mão dos cuidados com a
aparência.  Também relata que ainda hoje não são poucos os que se surpreendem pelo fato de
ser deficiente e gostar de se arrumar. “Quando subo nos ônibus, percebo o silêncio repentino:
as pessoas ainda interrompem suas conversas para observar”.

Quando aborda esse assunto, diz, resoluta, trabalhar muito o preconceito dentro de si. Além
disso, atribui a discriminação à falta de esclarecimento social e a uma concepção ainda arcaica,
que enxerga os deficientes como doentes ou meros beneficiários de programas do governo.

“Quando estou com minha filha, ainda ouço muito as pessoas perguntando a ela, sem me
dirigir a palavra: ‘És tu que escolhe as roupas dela?’, ‘És tu que veste ela?’. Eu não tenho como
deixar de me divertir com isso”.

“Mas eu respondo que não”, interpõe a filha, Erem Carla dos Santos, “digo  que ela tem perna
e braço, e mesmo que não tivesse, isso não seria empecilho para se vestir sozinha!”.

A moça relata que até conhecer sua mãe de coração, não dava muita atenção a roupas ou
cosméticos: gostava mesmo de usar shorts e calças jeans. Foi a deficiente visual que a
incentivou a diversificar as peças de roupa e experimentar maquiagens. Erem, por sua vez,
ajudou–a nas cores.

“Quando eu conheci minha mãe, ela só usava roupas pretas. Então eu falei ‘Tu vais parecer
uma viúva negra!’. Foi quando decidimos colorir esse negócio!”. E as duas caem na risada ao
lembrar. “Por outro lado, eu sempre a via se maquiando sozinha e achava isso fantástico”. -
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Ela diz preferir as de média/longa duração – como henna nas sobrancelhas –, que dispensam
retoques diários; e produtos em bastão e creme, que facilitam seu manuseio e distribuição
uniforme sem a assistência de outrem.
“Não importa o que os outros irão achar, o que importa é que eu goste.  Ser cega não me
atrapalhou em nada, eu uso o que eu quero, amo usar saltos e me maquiar.  A gente pode ser
linda, independente da deficiência”.

Segundo Sandra, “a beleza está relacionada com vários aspectos. Tem, sobretudo, muito a ver
com bem–estar, com o olhar que uma pessoa concede a si mesma e com a importância que dá
para o olhar do outro. O que as pessoas enxergam no exterior é o resultado da história de
alguém, do momento em que vive. A beleza tem a ver, fundamentalmente, com o
relacionamento de uma pessoa consigo mesma”.

A mulher negra que reinventou sua forma de viver e descobriu com o toque um universo a ser
desbravado, alinha agora o vestido sobre as pernas, ajeita uma mecha de cabelo atrás da
orelha e complementa cheia de certezas:

“Digo que vaidade não é só se maquiar ou vestir uma roupa bonita, é principalmente você se
amar. Nas palestras que ministro pelos conselhos, costumo sempre deixar uma mensagem às
mulheres: Nunca deixem que digam que vocês não podem ou não vão conseguir o que
querem. Se amem, independente da deficiência. Se disserem que você é feia porque tem
deficiência, não absorva. Feia é uma pessoa incapaz de enxergar o que existe além do seu
exterior”. - Link para a matéria: https://azmina.com.br/reportagens/beleza-outra-face-da-
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