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Resumo: Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa inicial de mestrado onde investiga-se as
possíveis relações teóricas entre a Teoria de Aprendizagem Musical de Edwin Gordon e a
Psicologia Histórico-cultural de Lev Vigotski. Entendendo que são teorias com bases
epistemológicas diferentes, essas relações são consideradas no contexto da educação musical na
primeira infância. Por fim, busca-se compreender como essas relações podem potencializar a
prática pedagógica de educadoras(es) musicais.
Palavras-chave: Teoria de Aprendizagem Musical; MLT; Psicologia Histórico-Cultural; Vigotski;
Aprendizagem Musical.
Abstract: This paper presents part of an initial master’s research where the possible theoretical
relations between Gordon’s Music Learning Theory and Vygotsky’s Historical-Cultural Psychology
are investigated. Understanding that they are theories with different epistemological bases, these
relationships are considered in the context of music education in early childhood. It seeks to
understand how these relationships can enhance the pedagogical practice of music educators.
Keywords: Music Learning Theory; MLT; Historical-Cultural; Vygotsky; Music learning.
Pesquisa em Andamento
por Marta Khol de Oliveira, Zóia Prestes e Elizabeth Tunes – que trazem referências Vigotskianas
para o Brasil, e também Silvia Cordeiro Nassif, que faz contribuições sobre Vigotski no contexto
da educação musical.
A ideia de ponderar pontos de contato entra a Teoria e a Psicologia vem como
desmistificação de mal-entendidos sobre a Teoria, que muitas vezes é considerada como
positivistas e puramente cognitivista. Embora Gordon tenha claramente referências cognitivistas,
livros de autores como Vigotski aparecem como referências bibliográficas, compondo parte do seu
alicerce teórico.
Com relação ao objetivo secundário, está em andamento uma Oficina de Formação
Continuada para educadoras(es) da primeira infância como projeto de extensão do Instituto de
Artes da UNICAMP. A Oficina trata, através de atividades práticas e reflexivas, das bases que
sustentam a Audiação Preparatória, assim como seus tipos e etapas. Também aborda as possíveis
conexões da Teoria com a Psicologia Histórico-Cultural, como a relevância da experiência com
contextos diversos para os processos de discriminação e criação, a importância da mediação para
o aprendizado, dentre outras associações. Questionários e entrevistas serão realizados a fim de
coletar dados que permitam i) entender como educadoras(es) podem potencializar sua própria
fluência musical através do estudo da Teoria de Aprendizagem Musical, da prática musical e da
Psicologia Histórico-Cultural, e ii) impactar o desenvolvimento musical das crianças que fazem
parte da comunidade discente como desdobramento desse entendimento. Mais detalhes sobre o
andamento e conclusões da Oficina serão apresentados numa outra oportunidade.
Espera-se com este estudo, trazer mais referências sobre a Teoria de Aprendizagem
Musical adotada em alguns contextos da educação musical brasileira, trazendo novos elementos
para se pensar a formação musical de educadoras(es) e, assim, potencializar sua atuação como
docentes, impactando direta ou indiretamente a comunidade discente.
Breve contextualização
Lev S. Vigotski
mesmo tempo, criador do contexto sócio-histórico-cultural em que vive. Portanto, essa postura
crítica é caracterizada pela relação dialética de influências do meio no sujeito e do sujeito no meio.
Com claras influências marxistas, a PHC é considerada uma psicologia sócio
interacionista, considerando a mediação dos instrumentos e signos de grande relevância para o
processo de aprendizado. Para Vigotski (2018) a relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento
é mediada por signos (mediação semiótica) e por outras pessoas (mediação social). A linguagem e
o aprendizado também ocupam um espaço de destaque na Psicologia. Sendo a linguagem
considerada a principal mediadora semiótica, tem grande importância nos processos de
aprendizado e no desenvolvimento psíquico.
Dessa forma, Vigotski apresenta o desenvolvimento humano sob diversas perspectivas e
com inúmeras possibilidades de desenvolvimento.
Edwin E. Gordon
Possíveis conexões
Apesar da música não ser uma língua, pode ser considera uma forma de linguagem. Nesse
cenário, é possível identificar uma semelhança entre os processos de aprendizado da língua materna
proposto por Vigotski e o da linguagem musical proposto por Gordon, já que ambas são uma
potencialidade humana que permite a comunicação primordialmente oral e aural desenvolvida sob
a influência do meio sociocultural. E embora a aquisição de vocabulários de escuta, fala e
pensamento muitas vezes acontecerem concomitantemente, a pirâmide nos mostra uma linha
condutora que condiz com o desenvolvimento ontogenético do ser humano.
Acredita-se que é nesse contexto que Gordon desenvolve o termo Audiação (do inglês
Audiation). Para o autor, esse conceito é para a música o que o pensamento é para a linguagem
verbal (GORDON, 2012, p.9). Segundo Caneca
Gordon não inventou a audiação. Ela deriva do conceito de ideação, que significa
projetar ações na mente. Gordon (2021) percebeu esse processo dentro do
campo musical e teorizou sobre seu desenvolvimento, mas a audiação é uma
capacidade humana, logo ela não foi inventada, mas surge como fruto do
desenvolvimento histórico, social e cultural do homem. Vigotski (2009), no início
do século XX, já avançava na relação entre ideação e objetivação como
capacidade que permite o pleno desenvolvimento do pensamendo e da fala em
nossa espécie (CANECA, 2021, p.16)
Nassif (2019) afirma que atividades que são praticadas ou não no ambiente no qual o
indivíduo se desenvolve, vão formar ou não determinadas estruturas cerebrais e,
consequentemente, desenvolver determinadas capacidades não outras. Assim, a música pode ser
considerada uma potencialidade humana, já que é um importantíssimo sistema simbólico de
comunicação presente em diversas culturas que, portanto, só pode ser desenvolvida socialmente.
Sendo a música uma criação da necessidade humana (de ordem cultural), fica claro que não é
possível reduzir a musicalidade à capacidade biológica, apesar da sua potencialidade de desenvolver
ser de ordem natural.
Vigotski corrobora quando não desconsidera o fator biológico no processo de
desenvolvimento. O autor entende que apesar de fazermos a divisão entre biológico e sociocultural
por motivos de estudo, estes exercem juntos uma influência dialética no desenvolvimento da
criança, que é um ser integral. Essa influência não é concreta e nem determinante, mas sim motora
do desenvolvimento, já que é vivenciada de formas ímpares dependendo de como a pessoa
interpreta o que vive
tradução nossa). Dessa forma, a capacidade de aprender habilidades e conteúdos musicais é uma
característica humana que precisa da influência do meio e de vivências para que seja desenvolvida.
Gordon ainda fala sobre como o período da primeira infância tem uma importância genuína
no desenvolvimento da Audiação quando afirma que “o período mais importante para aprender
[música] é do nascimento (se não antes) até os dezoito meses de idade, período crítico durante o
qual a criança aprende através de exploração e orientações não estruturadas [com objetivos
pedagógicos] dos pais e outros cuidadores” (GORDON, 2003, p.5 – tradução nossa). Vigotski
também discorre sobre como o desenvolvimento de funções superiores tem seus períodos
preferências:
[...] vemos que cada função tem o seu período preferencial ou propício de
desenvolvimento e, nesse período uma determinada função passa para o primeiro
plano. Transcorrido o ciclo correspondente de desenvolvimento, desloca-se para
o segundo, e outra função se apresente no primeiro plano. (VIGOTSKI, 2018,
p.26).
Considerações finais
A partir dessa análise inicial, pode-se deduzir que Gordon se inspirou em algumas ideias
desenvolvidas pela Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski para desenvolver a Teoria de
Aprendizagem Musical.
Essas inspirações trouxeram contribuições significativas para entender o processo de
aprendizagem musical e de ensino também. A importância da mediação e da vivência musical, assim
como o papel do desenvolvimento ontogenético são algumas inspirações identificáveis.
Como próximo passo para essa pesquisa, espera-se aprofundar o estudo e entender outras
possíveis conexões, dentre elas a relação entre os processos psicológicos propostos por Vigotski
(funções intrapsíquicas e interpsíquicas) e os processos de aprendizagem propostos por Gordon
(por inferência e discriminação). Além disso, também espera-se entender e explicitar também
possíveis pontos de choque e conflitos entre a Teoria e a Psicologia.
Referências
PÉREZ, Marisa; PUJOL, Eli; PUJOL, Alba; CARBÓ, Victòria. Jugando com la musica niñas y niños.
Espanha: IGEME, Instituto Gordon de Educación Musical España, 2018.
SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif. A arte como linguagem: um olhar sobre as práticas na
educação infantil. Leitura: teoria & prática. Campinas, v.30, n. 58, p. 77-85, 2012.
TORMIN, Malba Cunha. Dubabi du: uma proposta de formação e intervenção musical na creche. 2014. Tese
de Doutorado. Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, São Paulo. Disponível em:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-25092014-152305/pt-br.php
VIGOTSKI, Lev S. Sete Aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. Tradução de Zóia
Prestes; Elizabeth Tunes. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.