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A MUSICALIZAÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO DO CIDADÃO PLANETÁRIO

Autor: Luis Alberto dos Santos Paiva1

Coautor: João Paulo Rocha Façanha Moreno2

Professor(a) Orientador(a): Marco Túlio Ferreira da Costa3

O presente ensaio objetiva refletir acerca das contribuições que a musicalização pode gerar no tocante
ao estímulo de uma consciência planetária lançando mão da revisão de literatura e tendo como aporte
teórico os principais autores: MORRIN (1999); FREIRE (1987) e (2009); PENNA (2008), dentre outros.
Dessa forma, serão abordados conceitos e abordagens que poderão acrescentar em perspectiva benefícios
da música dentro do universo multidisciplinar, bem como sua importância na composição curricular dos
habitantes terrestres. Portanto, este ensaio está sendo desenvolvido pelo método da cartografia, dessa
maneira, analisando fenômenos de caráter subjetivos que nos façam refletir sobre a temática apresentada.
Inicialmente, utilizar-se-ão como guia de ideias e ensaios o texto “Sete saberes necessários à educação
do futuro”, que o autor Edgar Morin escreveu a partir de reflexões e provocações ante a trajetória de
formação docente. A crítica dos buracos negros elucidada pelo autor como problemas específicos nos níveis
de formação humana que, por sua vez, são ignorados, subestimados pelos programas educativos, nos faz
dialogar com o campo da física espacial: os buracos negros estudados pelos físicos e astrônomos.
Amparados pelos estudos científicos de Kip Thorne, é compreendido nos dias de hoje que se um buraco
negro colidir com outro, no universo, ambos se tornarão um só, porém, com dimensões elevadas, ou seja,
desse modo, trazem este fenômeno para o campo da educação e, nós como docentes, devemos nos preocupar
com a definição de buracos negros explanados por Edgar Morin. Consequentemente, apoiado nessa
analogia, é sabido que em todos os níveis de formação dos cidadãos do futuro são compostos por estes
“buracos”. Desse modo, devemos buscar meios que nos ajudem na prevenção de colisões desses objetos
celestes e, por conseguinte, a soma das lacunas na formação dos indivíduos.
Partindo dessa premissa, um dos conflitos que potencializam as lacunas na educação apontadas pelo
sociólogo Edgar Morin refere-se ao que ele chama modelo de ensino disciplinar, ou seja, um modelo de
ensino que fragmenta os saberes, tornando-os distantes um do outro, deixando de lado uma concepção de
conhecimento pertinente, este que engloba e conecta profundamente todas as ciências. A busca do diálogo
entre as ciências já é corrente no âmbito educacional; a interdisciplinaridade seria a forma de interação e
integração entre as disciplinas. Todavia, segundo Pereira (2009), Piaget (1981) acredita que a
transdisciplinaridade, etapa posterior à interdisciplinaridade, seria uma maneira mais eficaz de romper as
fronteiras existentes entre as especializações que por sua vez formariam uma unidade global entre todas as
ciências, uma vez que encontramos barreiras nas especificidades de cada disciplina, desse modo causando
uma descaracterização do conhecimento complexo. Ademais, seguindo este pensamento, temos uma certa
ideia de integração mais constante entre as sapiências.
Conforme Morin (2011), é importante ter-se uma educação que contemple a literatura, a poesia, a
música etc. É essencial e não secundário. Dessa forma, compreender a complexidade humana através das
artes nos ajuda a compreender a vida. De fato, a presença da música na escola é de suma importância para
a formação humana. É compreendido que nós, seres humanos, temos sensações humanas que devem ser
trabalhadas em nossa formação, como: paixão, medo, ansiedade, desejo, sentimentos em geral. À face do
exposto, pensando interdisciplinarmente, podemos trabalhar letras de músicas explorando uma variedade
de conexões com outras matérias, exemplo disso podemos relacionar a poesia musical com os sons
presentes na música, expandindo para indagações no que tange ao léxico do nosso idioma. Para Vygotsky
(1989, p. 132, apud PORTO, p. 8), “as palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento
do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um
microcosmo da consciência humana”. Desse modo, diante do universo quântico expresso anteriormente,
presume-se que a formação do indivíduo parte desde as etapas iniciais da constituição humana.
O uso das artes, em geral, é de fundamental importância no processo de formação da identidade
humana. “A importância das artes na escola, no caso da música, é que ela é o único lugar em que o sensível
e o cognitivo são absolutamente a mesma coisa.” (FAVARETTO, 2012, p.55). Vale lembrar que a
oportunidade do relacionamento que os discentes tenham com a música estimulará a criatividade,
percepções, respeito, imaginário, dentre outros aspectos que fortalecem uma formação mais ampla do
indivíduo. Sendo assim, é de fundamental significância valorizar, nas aulas de musicalização, um olhar que
explore a subjetividade, dando abertura para diversos fenômenos interacionistas que ocorrerem durante o
processo de análise, como também, considerar os conceitos e metodologias que estimulem a
heterogeneidade e a diversidade cultural no âmbito do ensino da escola pública.
Dessa forma, é primordial procurar fortalecer aspectos que contribuam para a prática coletiva entre
os discentes e docentes no espaço escolar, a fim de se buscar construir momentos que possam fortalecer o

vínculo afetivo da turma. De acordo com Freire (1987), deve existir uma boa relação de diálogo entre
educando e educador, no sentido de que o mestre escute e dê liberdade de expressão para o estudante.
Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de
autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, se necessita estar sendo com as liberdades
e não contra elas. (FREIRE, 1987, p. 39). Para Paiva (2010, p. 31), “através do coletivo, os estudantes
trocam suas experiências e vivências musicais, adquirindo e construindo o conhecimento tanto em nível
individual quanto em grupo. À vista disso, a autonomia e decisão de escolha para o educando é um fator
positivo no desenvolvimento das relações mútuas entre o orientador e estudante.
Desse modo, é pertinente trabalhar nas aulas de musicalização práticas sobre o canto coletivo,
explorando aspectos sobre a percussão corporal, desenvolvendo a fruição do saber compartilhado, como
também buscar expandi-las para outros campos dos saberes. Dessa forma, é viável o apoio de conteúdos
sobre parâmetros sonoros e elementos básicos da música, com o intuito de envolver e estimular a relação
dos estudantes com os sons. De acordo com Aronoff (1974, p. 34, apud PENNA, 2008, p. 27), “A música
é uma experiência humana. Não deriva das propriedades físicas do som como tais, mas sim da relação do
homem com o som".
Cada organismo, cada ser, é constituído de suas diversidades, singularidades e pluralidades. Com
presença da música na escola, principalmente nas aulas de música, é possível criar um universo sonoro em
torno da estrutura física do espaço escolar. Pensando no conceito de transdisciplinaridade, já mencionado
no presente ensaio, com a música é viável a ruptura de certas barreiras causadas pelas particularidades de
cada matéria/disciplina. Destarte, esmiuçar a letra de uma música é possível atentar em uma análise textual
das peculiaridades históricas, geográficas, filosóficas, linguísticas de cada letra, fortalecendo as conexões
da interdisciplinaridade entre as disciplinas, assim, explorando uma ação multifacetada. Desse modo,
buscamos nos ocupar do conhecimento pertinente mencionado pelo sociólogo Edgar Morrin (2011), em
que o próprio aponta as conexões entre todas as disciplinas, onde haja um conhecimento unificado e não
fragmentado. Desse modo, busca-se adquirir sensações que possam ser trabalhadas durante processos
formativos de um cidadão planetário, consciente da importância da sua atuação como cidadão universal,
ajudando na preservação dessa “esfera flutuante” sem braços para se apoiar. Portanto, é importante destacar
as potencialidades que as aulas de musicalização podem resultar diante do desenvolvimento da consciência
planetária, desta forma dando ênfase no canto coletivo, abordando letras de músicas que mencionam
aspectos ligados à natureza, à humanidade, à preservação do planeta em geral.
Assim, podemos lembrar o projeto pedagógico de Canto Orfeônico idealizado por Heitor Villa-Lobos
em 1930. O canto orfeônico era uma prática de canto coletivo, de aspectos próprios organizados em
conjuntos heterogêneos de vozes. A prática do canto orfeônico não exigia conhecimento

musical ou treinamento vocal prévio. Nas palavras de Villa Lobos, o êxito está na comunhão:

“O orfeão adotado nos países de maior cultura socializa as crianças, estreita seus laços afetivos, cria a noção
coletiva do trabalho. Só quando todas as vozes se integram num mesmo objetivo artístico, despidas de quaisquer
predominâncias pessoais, é que se encontrará a verdadeira demonstração orfeônica. Nas escolas primárias e mesmo
nas secundárias, o que se pretende, sob o ponto de vista estético, não é a formação integral de um músico, mas
despertar nos educandos as aptidões naturais, desenvolvê-las, abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhes os
institutos superiores de arte, onde é especializada a cultura. Oferecendo-lhes as primeiras noções de arte,
proporcionando-lhes audições musicais, cultivando e cultuando os grandes artistas, como figuras de relevo da
humanidade em todos os tempos. Este ensino, embora elementar, há de contribuir, poderosamente, para a elevação
moral e artística do povo.” (VILLA-LOBOS, 1937 apud PAZ, 1988, p. 11) .

Dentre os parâmetros norteadores a serem utilizados no desenvolvimento da construção de uma


consciência planetária por meio do canto coletivo nas aulas de musicalização, é cabível o diálogo com a
praxiologia de Pierre Bourdieu. Segundo os pensamentos de Bourdieu, o habitus é a capacidade dos
sentimentos, dos pensamentos e das ações dos indivíduos de incorporar determinadas estruturas sociais.
Dessa maneira, pretende-se trabalhar na construção do habitus por meio da escuta mediada, utilizando
técnicas de musicalização e estudo textual das músicas selecionadas, sem deslegitimar o habitus trazido
anteriormente pelos agentes. Dito isto, se os esquemas de percepção das linguagens artísticas são
desenvolvidos pelas experiências de vida de cada um, torna-se claro que não é apenas a escola que
musicaliza. (PENNA, 2008, p. 31).
No que diz respeito à escolha por repertório a ser praticado, propõe-se utilizar somente músicas do
gênero popular brasileiro, a fim de incorporar no estudante letras musicais que contemplam textos sobre
elementos da natureza, do planeta, da vida e do universo como um todo. Isto posto, vale lembrar que a
aquisição do capital cultural contribui no acúmulo de conhecimentos em geral para os indivíduos, tendo em
vista que os estudantes podem vir a ser de escola da rede pública, estas que geralmente acolhem estudantes
relacionados ao descaso social. Segundo Grenfell (2018, p. 146), considera que as disparidades associadas
ao capital cultural refletem desigualdades nas capacidades de adquirir capital que também refletem
desigualdades anteriores na posse de capital cultural. Portanto, busca-se contribuir para o acúmulo de
capital cultural de estudantes com a música inter-relacionando-se com saberes diversos das matérias, do
cotidiano, utilizando o repertório proposto para as aulas, bem como incentivando-os a desenvolver os
capitais adquiridos durante o processo.
Diante do que foi exposto neste ensaio, evidencia-se a relevância da musicalização nas aulas de arte
como etapa significativa, antes do ensino de música propriamente dito, para a construção da consciência
planetária e para a possibilidade de oportunizar o enriquecimento cultural do educando.

Referências

FAVARETTO, Celso. Roda de conversa 1. In: JORDÃO, G. et al. (Coord.). A música na escola/Ministério
da Cultura. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações, 2012. p.54-55.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2009.
__________. Pedagogia do oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
GRENFELL, Michael (Ed.). Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais. Tradução de Fábio Ribeiro.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
INTERDISCIPLINARIDADE. In: Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, 2009. Disponível em:
<http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/int.html>. Acesso em: 09 de Agosto de 2021.
MORRIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Disponível em:<
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EdgarMorin.pdf>. Portal.mec.gov.br, 1999. Acesso em:
09/05/2021.
PAIVA, Rodrigo Gudin; ALEXANDRE, Rafael Cleiton. Bateria e percussão brasileira em grupo:
composições para prática de conjunto e aulas coletivas Itajaí: Ed. do autor, 2010.
PAZ, Ermelinda. Heitor Villa-Lobos o educador. Monografia – Prêmio Grandes Educadores Brasileiros.
Brasília, 1989. Disponível em: http://www.ermelinda-a-paz.mus.br/Livros/villa-lobos.pdf . Acesso em: 09
de Agosto de 2021.
PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008.
PORTO, Bernadete de Souza. O jogo e a zona de desenvolvimento proximal: aplicações no contexto
educativo. Disponível em: http://brincar-para-crescer.blogspot.com/2015/04/o-jogo-e-zona-de-
desenvolvimento.html. Brincar para crescer, 2015. Acesso em: 09 de Agosto de 2021.

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