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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Educação O PROCESSO


DE ALFABETIZAÇÃO MUSICAL DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA Uma
contribuição para o curso de Formação de Professo...

Method · August 1999

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação

Professora: Leda de A. Maffioletti

PROJETO DE PESQUISA

1999-2003

O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO MUSICAL

DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA

Uma contribuição para o curso de Formação de Professores


das Séries Iniciais e Pré-Escola

Leda de A. Maffioletti
PROJETO DE PESQUISA

Título: O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO. DE ESTUDANTES DE


PEDAGOGIA.
Uma contribuição para o Curso de Formação de Professores das Séries Iniciais e Pré-
Escola.

Responsável: Leda de Auquerque Maffioletti

Período: 1999-2003

1. Justificativa:

Embora se saiba que a eficiência dos procedimentos didáticos dependem do


conhecimento que temos dos processos de aprendizagem dos alunos, nos cursos de
formação de professores não conhecemos os conceitos, as hipóteses, ou mesmo as
fantasias que os adultos fazem a respeito da leitura e da escrita musical. Costumamos
basear nossos programas de ensino em postulados de um saber erudito que
fundamenta a importância da música no desenvolvimento da humanidade, no
conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e nos conteúdos específicos da área
em questão. Mas não conhecemos a produção musical dos alunos, nem sabemos qual
a complexidade dos conceitos musicais que constituíram durante os seus processos
histórico e culturais individuais. Suas concepções sobre o que significa a música
possivelmente são diferentes das concepções de seu professor.
Nos cursos de Pedagogia, a disciplina Expressão Musical não tem por
objetivo alfabetizar1 os alunos. As dificuldades apresentadas pela instituição devido
a organização curricular, reduzida carga horária e falta de instrumentos musicais nos
leva a realização de um trabalho mais generalista.
Mas essa situação real não impede que se ofereça uma oportunidade de
aquisição do conhecimento musical mais aprofundado para aqueles que o desejarem,
em forma de curso de extensão ou disciplina opcional.

A presente pesquisa pretende criar na instituição um espaço para o


aprofundamento dos estudos sobre música. Será uma oportunidade de propiciar aos
alunos maior compreensão sobre os conceitos musicais, mas principalmente será
uma oportunidade para promover a compreensão do seu próprio processo de
construção musical. Entende-se aqui, que a formação dos alunos, futuros professores,
implica em considerar seus percursos e os projetos pessoais, permitindo-lhes a
apropriação de seus próprios processos de formação, dando-lhes um sentido no
quadro das suas histórias de vida2. Essa compreensão poderá desbloquear os saberes
construídos ao longo de suas vidas e derrubar barreiras3 que inibem ou impedem um
contato mais proveitoso dos alunos com essa arte.
Neste caso, a alfabetização musical é compreendida como um processo que o
aluno já traz, e está fundamentada em experiências pessoais vividas no seu ambiente
cultural. Tão diversificado quanto as experiências de cada um, os vários níveis de
desenvolvimento musical dos alunos serão compreendidos a partir de sua história
pessoal.
Ler música não significa apenas ler as notas ou os símbolos convencionais.
Todo o envolvimento com a música supõe um certo tipo de leitura que permite a
compreensão do seu significado. Fazemos uma leitura do que seja a música quando
vemos alguém tocar um instrumento musical, quando ouvimos música, ou quando
participamos de atividades musicais. Essas diferentes leituras permitirão
compreender e criar formas de compreender o discurso musical. A partir disto é que
poderemos pensar no aprofundamento dos estudos sobre música, até a compreensão
de formas de representação gráfica. Tais registros gráficos, a princípios de aspectos
qualitativos dos parâmetros sonoros poderão prosseguir até a compreensão do sistema
métrico adotado pela simbologia convencional, mas não o seu inverso. Compreendida

1Alfabetizar no sentido tradicional de levar o aluno a ler os símbolos musicais. Mais adiante será explicitada concepção
de alfabetização adotada nesse estudo.
2A Formação de Professores deve mobilizar não apenas a dimensão pedagógica, mas também um quadro de produção
de outros saberes. A reflexão sobre a própria formação insere o sujeito na complexdade do processo de aprender e
permite a construção de novos saberes. NÓVOA, Antônio. Formação de professores e profissão docente. In NÓVOA,
Antônio. (org.) Os professore e sua formação. Lisboa, Dom Quixote, 1992. p. 25.
3Refiro-me às experiências musicais negativas que resultaram na diminuição da auto-estima, por ocasião da
aprendizagem de um instrumento musical , experiências de canto coral ou outras.
como um processo histórico construído socialmente, a escrita musical será uma forma
de representar as regras que regem os sons de uma determinada cultura.Os alunos
compreenderão que o saber do professor não é uma patamar ao qual todos dever
chegar, mas que existem diferentes saberes, e que todos podem ser enriquecidos ou
ampliados.
A partir desse conceito de alfabetização, o resgate da musicalidade de cada um
poderá significar um enriquecimento pessoal, e o início de uma outra dimensão ou
perspectiva de vida.

Do ponto de vista cognitivo, a aprendizagem musical mobiliza uma rede de


conceitos implicados na organização do pensamento4. A experiência de criar
hipóteses, testá-las e orientar o pensamento na compreensão da leitura e da escrita
musical poderá constituir-se em uma oportunidade de intensa organização e
sistematização do conhecimento. A observação da trajetória na construção de
conceitos dos alunos professores poderá trazer alguma elucidação para a questão da
formação musical necessária para o trabalho junto às crianças.
De maneira muito especial, os professores de pré-escola e primeira série estão
envolvidos ou comprometidos com a aprendizagem da leitura do idioma. O
acompanhamento das aquisições dos seus alunos direciona sua atenção para o
processo de aprendizagem. Quando o trabalho que realizam tem ressonâncias em
experiências pessoais, o saber prático e o saber acadêmico se articulam na
compreensão mais profunda do fazer pedagógico. O processo de alfabetização
musical vivenciado pelos alunos professores poderá ampliar a compreensão do
desenvolvimento da lecto escritura de seus alunos.
Um aspecto relevante deste trabalho é o registro da trajetória do processo de
alfabetização musical em adultos, seus saberes e seus valores, tendo em vista que há
pouco referencial teórico disponível. A compreensão dessa trajetória é o objeto de
estudo da presente pesquisa.
As constatações que poderão advir deste estudo permitirão compreender o nível
de complexidade alcançada por estes sujeitos na compreensão dos elementos da
linguagem musical. Além disso, poderá provocar a discussão sobre a formação de
professores reflexivos5 e desencadear a reformulação do enfoque de ensino de
música para adultos que nunca tiveram aulas formais de música.

4Desde a implicação de conceitos topológicos na prática musical até a construção de conceitos abstratos, essa rede diz
respeito a relação de interdependência mútua entre as diferentes estrururas de pensamento.
5 O conceito de "professor reflexivo" supõe imersão consciente do professor no mundo de suas experiências, refletindo
na ação e criando novas realidades. GOMES, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: A formação do professor
como profissional reflexivo In NOVOA, 1992 op. cit.p. 103
É nessa dimensão que se coloca a possível contribuição deste trabalho,
além de ser, para o pesquisador, um desafio à construção e reconstrução de
referencial teórico para dar suporte a esse processo de aprendizagem musical.

3. Objetivos:

3.1 Acompanhar o desenvolvimento do processo de alfabetização musical,


identificando as hipóteses e a trajetória da construção de conceitos, e de que forma o
saber musical se insere na vida dos sujeitos.

3.2 Orientar o aluno na construção do conhecimento musical, a partir de suas


experiências e de sua produção musical.

3.3 Refletir sobre o processo de alfabetização musical dos adultos e sua implicação
nos cursos de formação de professores para atuarem na área da música.

3.4 Oferecer aos alunos das Séries Iniciais e Pré-Escola do Curso de Pedagogia da
UFRGS uma possibilidade de auto-reflexão e aprofundamento na área da música.

3. Marco Teórico

3.1 Formação de professores


A formação de professores não pode ser compreendida como um domínio
autônomo, em vista de todo um quadro de orientações e prescrições que lhe são
impostas. A história tem nos mostrado a figura do professor como transmissor de
conhecimentos, como técnico, como executor de rotinas, como planificador, como
sujeito que resolve problemas. A visão do professor como técnico-especialista se
fundamentou nas regras que orientam o conhecimento científico desde o século XVII.
Amplamente divuldado, esse pensamento inspirou métodos de ensino e ditou as
normas para formação dos professores. A racionalidade técnica que resultou desse
pensamento fez com que os conhecimentos fossem organizados em uma escala de
valores e importância, segundo a sua cientificidade ou possibilidade de serem
estudados ou medidos científicamente. A posição de subordinação dos conhecimentos
tidos como práticos em relação aos conhecimentos mais abstratos refletiu-se também
na formação dos docentes, pelo desprestígio de toda a área referente ao saber prático
da sala de aula6.
No entanto, a realidade tem mostrado que a aplicação das regras do
conhecimento científico não dão conta da incerteza, instabilidade, singularidade e
conflito de valores enfrentados pelo professor na sua prática diária. O êxito
profissional desses professores dependem da sua capacidade de integrar, de modo
inteligente e criativo, o conhecimento e a técnica. Esta capacidade denominada
conhecimento prático ativa seus recursos intelectuais mobilizando seus conceitos,
teorias, crenças, procedimentos e técnicas, para delinear as situações de classe e
prever o seu curso. A maior parte das atitudes que os professores tomam em sala de
aula está baseada no conhecimento tácito implícito na ação que dá origem ao
conhecimento prático. A reflexão realizada na ação e o diálogo reflexivo com a
situação vivida por esses professores permitem a construção de um saber que dá
suporte a prática docente7.
A reflexão não é uma atividade isolada, ela expressa as relações entre o
pensamento e a situação histórica que nos encontramos, ao mesmo tempo que reflete
nossos valores sociais8. A reflexão na ação está impregnada de significados socias, de
forma que refletir implica em imersão no mundo das experiências e interações sociais.
O conhecimento acadêmico, teórico ou técnico só será um instrumento de reflexão se
for integrado aos esquemas de pensamento aos quais recorremos quando
interpretamos a realidade, ou quando organizamos a nossa própria experiência de
vida.9

Sabemos que nem todos os professores realizam atividades musicais com seus
alunos. Também sabemos que a impossibilidade para desenvolver esse trabalho nem

6Idem p. 96-97
7Ibidem p. 102
8Idéias de Kemmis citadas por Gomez op. cit p. 103
9GOMEZ, 1992 p. 103
sempre tem suas razões em "lacunas" na sua formação, mas na valorização de um
saber erudito que está fora do alcance das pessoas que não frequentam os cursos
especiais de música. Com a sensação de que nada sabem, esse profissionais se dizem
"não dotados" e se inibem, ao mesmo tempo que diminuem as oportunidades de
aprendizagens musicais na escola.
Ocorre que, o saber musical é entendido como ler partituras e habilidades
musicais como destrezas específicas para a execução de um instrumento musical.
Costuma- se dizer "fulano toca vários instrumentos, mas não sabe nada de música! "
Neste caso, saber fazer "tocar de ouvido" é desvalorizado e anulado em relação ao
saber sistematizado e acadêmico "tocar por notas. Este fato constitui-se um exemplo
de como um saber específico adquire o status de conhecimento e assume a posição de
verdade única, a partir da qual outros saberes são medidos. Neste caso, "saber
música" faz referência a um padrão de conhecimento que impõe uma hierarquia nos
níveis de conhecimento, super valorizando o conhecimento acadêmico, científico e
sistematizado. Essa distorção deriva de uma concepção de conhecimento que se
expandiu e tornou-se senso comum, desde a introdução da racionalidade técnica como
forma ideal de produção de saber.10
Os diferentes saberes supõem diferentes realidades para as pessoas que os
produzem. Enquanto para uma realidade a leitura das notas é uma exigência, em
outras situações "tocar de ouvido" é uma habilidade essencial. Não se trata, pois, de
desprestigiar um ou outro, mas de reconhecer que existem saberes diferentes, e que a
realidade social e a necessidade prática determinam a sua relevância. O que não quer
dizer que, em uma escala de valores, o conhecimento acadêmico é o topo e o objetivo
mais nobre a que todos devem chegar, também não quer dizer que outros tipos de
conhecimento não possam ser ampliados.
O essencial nessa discussão é a clareza de que o conhecimento construído no
cotidiano tem o seu valor como parte integrante na constituição dos sujeitos, e que a
desvalorização desse saber traz consigo a desvalorização do ser pessoa que é seu
portador.
Torna-se impossível pensar em educação, quando temos por princípio um
referencial padrão de conhecimentos pensados por um certo grupo de pessoas, às
custas do descaso ou negação do saber pessoal daqueles para quem essa educação é
dirigida. Os princípios nos quais esse tipo de educação se fundamenta já estão de
início comprometidos, devido a ausência do principal elemento da educação: o saber
pessoal do educando.
Tratando-se de Formação de Professores, é preciso reconhecer que existe um
tipo de conhecimento musical que tem sua origem em práticas sociais desenvolvidas
ao longo da vida dos alunos professores. Saber cantar, realizar atividades rítmicas,

10 A "racionalidade técnica" resulta da crença de que o conhecimento se produz mediante a aplicação rigorosa de
teorias e técnicas científicas. Esse tipo de concepção foi herdada do positivismo que orientou e impôs práticas
educacionais. GOMEZ, op.cit. p. 97
saber ouvir e utilizar a música como forma de expressão de estados de ânimo e de
sentimentos. A capacidade para extrair o significado de combinações sonoras também
tem sua origem em práticas sociais, através das quais aprendemos a reconhecer as
mensagens de angústia, medo, alegria ou paixão que a música nos transmite.
Todas essas aprendizagem colaboram na formação de um conceito sobre
música que precisa ser considerado por ocasião da formação dos professores que irão
trabalhar com essa arte. Porque as práticas musicais que os professores desenvolvem
com seus alunos têm sua raiz na compreensão que eles têm sobre música. A
ampliação dessa compreensão se tornará possível na medida em que os novos
conhecimentos forem conectados com aqueles já existentes. Se não for assim, a
insegurança e a sensação de "não saber nada" tomará o lugar do conhecimento
musical já existente, e do que poderia ser construído.
Preparar o profissional para atuar na realidade da sala de aula supõe reconhecer
que não existe uma realidade objetiva, mas constroem-se realidades nos intercâmbios
psicossociais. A percepção, os juízos e as crenças do professor são decisivos no
processo de construção de significados - tarefa básica da educação.

3.2 A Formação de Conceitos

Em Piaget

Toda a solução inteligente, ou toda a conduta em que intervém a compreensão


manifesta-se como uma totalidade, e não como associações ou sínteses de elementos
isolados. Um sistema estruturado de movimentos e percepções constitui-se em forma
de "esquemas" que funcionam como uma totalidade. Mesmo tratando-se de reações
reflexas que constatamos nos bebês, os esquemas que os constitui possuem
características de totalidades, uma vez que ao mesmo tempo que se estrutura, ele
próprio é estruturado pelas experiências que o formam11.
As necessidades da criança e a formação de esquemas para a sua satisfação, a
fazem assimilar o real a seus esquemas já existentes, de forma que a cada necessidade
deflagrada, uma série de tentativas provoca a coordenação dos esquemas entre si. A
inteligência se desenvolve, assimila o real e o transforma em compreensão. Essa
necessidade de incorporar coisas novas ao esquemas próprios, torna-se o motor
principal da atividade intelectual12.
Inicialmente a criança aplica um mesmo esquema à situações novas,
posteriormente aprende a combinar estes esquemas na busca de novas soluções. Por
fim constrói o esquema que lhe permite abordar a realidade com a qual se defronta.

11PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência R.J. Guanabara, 1987 p. 353.


12Idem p. 54
Atrelado às reações corporais, os primeiros comportamentos inteligentes necessitam
da experiência concreta e da atividade motora para que a criança encontre e combine
os esquemas que lhe permitirão agir adequadamente em cada situação nova.
Mais tarde, as experiências motoras que formaram os esquemas são possíveis
de serem imitadas fora do contexto que lhes deram origem. O início das imitações, e a
possibilidade de elas representarem aquilo que não está mais presente, abre novas
perspectivas ao desenvolvimento intelectual. Não estando mais subordinado à
experiência concreta, a criança pode decidir em pensamento a melhor conduta para as
situações que se apresentam. A partir desse momento, a inteligência se apoia na
interiorização de esquemas que se constituem em conceitos ou esquemas metais.
Numa concepção ainda restrita, a inteligência passa a funcionar a partir das imagens e
da evocação das realidades ausentes. Essas duas espécies de representação guardam
relação mútua, sendo o conceito um esquema abstrato, e as imagens um símbolo
concreto. As imagens são o significante, os conceitos o significado.13 A representação
nasce da união de "significantes "que permite evocar o que está ausente. Essa conexão
entre o significante e o significado ultrapassa a atividade motora, e constitui a função
simbólica, responsável pela aprendizagem da linguagem e dos signos coletivos.14
Do ponto de vista funcional, a inteligência sensório-motora se assemelha ao
raciocínio presente nas coordenações conceituais. Com a diferença que a inteligência
sensório-motora visa uma satisfação prática, o êxito da própria ação, e não à
constatação, classificação e seriação. A passagem da inteligência sensório-motora
para inteligência reflexiva não consiste num simples continuação. A motricidade e a
percepção continuam e se efetivam da mesma forma, mas as estruturas da inteligência
são reedificadas. A criança terá que reestruturar em novo plano aquilo que já superou
na ação imediata.15.
A partir do aparecimento da linguagem, ou da função simbólica, começa um
período que se entende até os 4 anos, no qual se desenvolve o pensamento simbólico
pré-conceitual. Os esquemas desta fase se situam entre a generalidade do conceito e a
individualidade que o compõe. A criança não maneja classes gerais de conceitos
porque lhe falta a distinção entre "todos" e "alguns". De 4 a 7 ou 8 anos, as
articulações do pensamento intuitivo permitem à criança controlar os juízos por meio
de regulações intuitivas, muito semelhante às regulações perceptivas que acontecem
no período sensório-motor. A crescente mobilidade obtida na passagem de uma só
centração, para a regulação de centrações sucessivas, marca a entrada no pensamento
reversível que caracteriza o período operatório. Neste período, a criança coordena
pontos de vista e raciocina a partir de um sistema de conjunto, sobre o qual um

13PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 3a ed. R.J. Zahar, 1978 p 91


14Idemp. 351
15PIAGET, Jean. Psicologia da inteligência. R.J. Zahar, 1983. p. 126
problema se coloca, permitindo antecipações que orientam o seu pensamento. Por
fim, na adolescência a inteligência atinge a sua capacidade reflexiva16.

Em Vygotsky

Os processos de formação dos conceitos evoluem em duas grandes linhas:


formação de complexos, no qual a criança agrupa vários objetos em uma "família
comum", e formação de conceitos potenciais, baseado no isolamento de certos
atributos dos objetos. Neste processo, o emprego da palavra é parte integrante e
exerce função diretiva no desenvolvimento dos processos de pensamento17.
Os processos que resultarão na formação de conceitos têm início muito cedo,
embora a base psicológica dos conceitos, propriamente ditos, só se configure na
puberdade. Antes desta fase, determinadas formações intelectuais funcionam como
equivalentes dos conceitos. A composição, estrutura e operações dessas formações
intelectual constitui o embrião dos verdadeiros conceitos.
O que desencadeia a formação de conceitos não é somente a presença de um
problema, embora isto seja um fator importante. As exigências culturais também não
justificam o mecanismo destas formações. É preciso considerar o conceito como uma
função do crescimento social e cultural global, que no caso do adolescente afeta não
só o conteúdo, como também o modo de raciocínio.
Na adolescência não aparece uma função intelectual nova, estranha às
anteriores, mas todas as funções existentes são incorporadas em uma nova estrutura.
As leis que regem esse todo funcional também rege suas partes. Aprender a direcionar
os processos mentais com a ajuda da palavra é uma parte integrante dos conceitos. A

16 Idem p 127-143.
17VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3a ed. S.P. Martins Fontes, 1991 p. 70
capacidade para regular as próprias ações, utilizando-se de mediadores ou meios
auxiliares, atinge seu melhor desenvolvimento na adolescência18.
A criança inicia o desenvolvimento dos conceitos quando realiza as primeiras
agregações, ocasionalmente relacionado com a sua percepção. Nesta primeira fase, a
palavra é apenas como se fosse um agregado vago e isolado que aglutina-se em sua
mente. Sua forma de perceber, pensar e agir tende a uma impressão ocasional que a
leva a misturar os diferentes elementos em uma imagem desarticulada. Há uma
tendência para compensar a insuficiência das relações objetivas com as subjetivas,
através de uma superabundância de conexões subjetivas, passando a confundir esses
elos com o elo real entre as coisas. Muitos objetos são agrupados sob o significado de
um só palavra19. A imagem sincrética que ocasiona os "amontoados" baseia-se em
conexões vagas e subjetivas, confundidas com conexões verdadeiras entre os objetos.
Na segunda fase do desenvolvimento dos conceitos, a criança age por
complexos, os objetos isolados associam-se na mente da criança. É uma nova
aquisição. Nessa etapa, ela já não está mais no egocentrismo, e não confunde as
relações que existem entre os objetos, - isso é importante para a formação do
pensamento objetivo. O pensamento por complexo já se mostra mais coerente,
embora não se mostre com relações objetivas, como o pensamento conceitual, mas
com suas próprias impressões sobre as coisas. A criança nesta fase raciocina em
termos de "famílias", os fatos se organizam em famílias. As relações entre os
componentes dessas famílias não são construídas no plano do lógico abstrato, mas a
partir do concreto. As relações que ela estabelece entre as coisas são factuais e
carecem de uma unidade lógica. Isso faz a diferença entre os complexos e os
conceitos. Enquanto um conceito agrupa os objetos considerando um atributo, as
ligações feitas nos complexos podem ser tão diversas quanto as relações que
realmente existem.20
Inicialmente os complexos são de tipo associativo, a partir de qualquer relação
percebida. Conforme o atributo lhe chame a atenção, a criança passa a associa-lo aos
elementos do complexo. A ligação também pode ser por um contraste ou proximidade
no espaço. Neste caso, a palavra não é o nome próprio dos objetos, mas a família de
um grupo de objetos. O complexo associativo apoia-se, a nível de percepção, em
semelhança ou conexões necessárias entre as coisas.
O pensamento por complexo também realiza agrupamentos por contraste,
formando coleções diferentes e complementares, por exemplo, a formação de um
conjunto de objetos de cores diferentes. A associações por semelhança e por
contraste se misturam no pensamento da criança, de forma que ela passa a aceitar a
coleção mista de formas e cores. A criança realiza um agrupamento funcional quando

18Idem p. 51
19Ibidem p. 52
20Ibidem p. 53
agrupa xícara, prato e colher.21 A coleção é característica do pensamento por
complexo, e ocorre a partir da experiência prática.
A criança também poderá realizar complexo em cadeia. Nesse tipo de
pensamento, não há coerência quanto ao tipo de conexão, ou modo pelo qual cada elo
da cadeia se articula O atributo eleito para um elo não é o mesmo para o seguinte. A
cadeia segue como se fosse um ímam que se liga pelo último a cada vez. A cadeia
demonstra a natureza factual do pensamento por complexo. O pensamento por
complexo não possui núcleo, há relação dos elementos isolados, mais nada. Muitas
vezes uma semelhança muito remota já possibilita uma conexão entre os elos.
Outro tipo de pensamento por complexo é o pseudoconceito, que constitui a
ponte para o conceito. O pseudoconceito predomina na idade pré-escolar. Os
significados estáveis das palavras do meio adulto indicam o caminho das
generalizações infantis. O adulto não pode transmitir à criança o seu modo de pensar,
mas através do significado das palavras ela forma complexos que lhe permitem a
compreensão mútua. Por esse motivo, a comunicação verbal com os adultos é fator
importante no desenvolvimento de conceitos na criança.
Os pseudoconceitos coincidem em conteúdo com o pensamento do adulto. A
criança começa a operar com conceitos antes de ter consciência clara destas
operações. No estágio dos complexos, o significado das palavras para a criança é o
mesmo para o adulto, pois refere-se aos mesmos objetos do adulto, no entanto a
criança pensa a mesma coisa por processos diferentes. Muitos aspectos nos levam a
crer que as formas de pensar do adulto já se encontram de forma embrionária nas
crianças de 3 anos. A aprendizagem pela criança da linguagem dos adultos mostra a
consonância entre complexos e conceitos.22 O pseudoconceito traz o embrião do
conceito.
A principal função dos complexos é estabelecer elos e relações. O pensamento
por complexo começa a unificar as impressões desordenadas. Uma vez organizados
os elementos discretos em grupos, cria-se a base para a formação dos conceitos. Mas
o conceito requer mais do que unificação, é também necessário abstrair, isolar. Na
formação de conceitos é importante unir e separar, a síntese combina-se com a
análise.23
O desenvolvimento da abstração se dá quando a criança procura grau máximo
de semelhança. Quando isso acontece, ela está voltada mais para umas características
do que para outras, evidenciando um tratamento preferencial. Aqueles aspectos que
tornam os objetos semelhantes tomam sua atenção e tornam-se, até certo ponto,
abstraídos. Inicialmente a criança abstrai um conjunto de características, sem
distinção entre si, geralmente trata-se de uma impressão vaga. de semelhança e
diferença. Mas isso acusa que o caráter global da percepção da criança foi rompido,

21Ibidem p 54 -55
22Ibidem p. 58-60
23Ibidem p. 66
porque ela dividiu os atributos dos objetos entre os de maior e menor importância. No
segundo momento do desenvolvimento da abstração, o grupo de semelhança máxima
é substituída pelo argumento com base em um único atributo. Essas formações são os
conceitos potenciais.
Os conceitos potenciais resultam de abstrações muito primitivas, e são
encontradas em crianças muito novas. Crianças pré-verbais esperam que situações
semelhantes levem a resultados idênticos. Os conceitos potenciais podem ser
formados, tanto a partir do pensamento perceptual - aquele formado por impressões
semelhantes, como a partir do pensamento prático, voltado para a ação - aquele que se
forma a partir dos significados funcionais.24
Os conceitos potenciais também estão presentes no pensamento por complexo.
Nos complexos associativos, por exemplo, supõe que uma característica é abstraída
como um traço comum entre os objetos. No caso dos conceitos potenciais essa
abstração não é perdida entre outros demais traços.
O domínio da abstração é que vai permitir a formação dos conceitos. Um
conceito aparece quando os traços abstraídos são reunidos novamente, e formando
uma síntese, tornam-se instrumento do pensamento.
Nos processos intelectuais do adolescente, as formas primitivas de pensamento
e os conceitos potenciais vão diminuindo. Nesta fase, há uma discrepância entre o uso
dos conceitos e sua capacidade para defini-los verbalmente. O adolescente poderá
formar um conceito em uma situação concreta, mas achará difícil expressa-lo com
palavras.25
Os conceitos evoluem de forma diferente da elaboração consciente em termos
lógicos. Analisar a realidade com base em conceitos é anterior à analise do próprio
conceito. Quando esse conceito encontra-se fora de sua situação original, torna-se
mais difícil a transferência para outras situações. A dificuldade na aplicação dos
conceitos em novas situações só é dominado no final da adolescência.
A formação de conceitos dada pela psicologia tradicional é desvinculada da
realidade. O esquema através do qual um adolescente chega a um conceito, nunca
corresponde ao esquema previsto pela lógica tradicional. Ou seja, não é a soma de
traços semelhantes que permite a formação de conceitos. Também não é a interação
das associações que os formam, mas uma operação intelectual em que todas as
funções mentais elementares participam de uma combinação específica. Essa
operação é dirigida pelo uso da palavra, como meio de centrar a atenção, abstrair
determinados traços, sintetiza-los e simboliza-los por meio de um signo.26

24Ibidem p. 67
25Ibidem p. 68
26Ibidem p. 70
Em Ausubel

Vivemos num mundo de conceitos, e não num mundo real de objetos, eventos e
situações. O conteúdo de um grupo de palavras faladas ou escritas que compõe uma
mensagem, por mais particular que seja, dificilmente é uma representação sensorial
completa e fiel da realidade, mas reflete o conteúdo cognitivo moldado pela natureza
dos conceitos envolvidos nela. Ou seja, por influência dos conceitos contidos em
nossa estrutura cognitiva, nós percebemos uma representação consciente da
realidade, mas não se trata de uma representação fiel desta realidade. Os conceitos
que têm origem na maneira pessoal de ver, sentir, agir e reagir utilizados para moldar
as próprias experiências, e os conceitos resultante das experiências culturais formam
o "filtro conceitual", com o qual percebemos a realidade a nossa volta. Através do uso
de conceitos, temos a representação simplificada e generalizada da realidade,
facilitando a solução de problemas e a comunicação27.
A aquisição de novas aprendizagens depende das idéias relevantes que já
fazem parte da estrutura cognitiva. A aprendizagem ocorre por meio de uma interação
entre o novo conteúdo e aquele já existente. O resultado é a assimilação dos
significados velhos e novos, dando origem a uma estrutura mais diferenciada28
Os conceitos se constituem a partir das abstrações dos atributos essenciais
comuns de uma categoria de objetos, eventos ou situações. Eles podem ser
manipulados, compreendidos e transferidos mais facilmente quando são nomeados. A
aquisição desses rótulos-conceitos são posteriores à aquisição do significado dos
conceitos, e torna possível a aquisição de idéias abstratas na ausência de experiência
empirico-concreta.29
A aquisição de conceitos se dá de duas formas: formação e assimilação. A
formação de conceitos, típico da idade pré-escolar, é caracterizada pela aquisição
intuitiva e espontânea de idéias genéricas. Os atributos essenciais do conceito são
adquiridos pela experiência direta, e através de estágios sucessivos de formulação de
hipóteses, teste ou generalizações. Assim que o vocabulário aumenta, novos conceitos
podem ser adquiridos pelo processo de assimilação30
A assimilação é a forma dominante de aquisição se conceitos em crianças
maiores, e em adultos. Novos significados conceituais são aprendidos no contato com
os atributos essenciais dos conceitos, e relacionando esses atributos a idéias relevantes
das estruturas cognitivas. Em crianças mais novas, a assimilação de conceitos requer a

27AUSUBEL, David, NOVAK, Joseph e HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. 2a R.J., Interamericana, 1980. p
74
28Idem p. 58
29Ibidem ps 72-75
30Ibidem p. 47
influência facilitadora das provas empírico-concretas. As crianças aprendem novos
termos genéricos conhecendo sua definições, ou então estabelecendo uma
equivalência entre os novos termos e os significados conceituais emergentes na
estrutura cognitiva. As palavras já significativas das definições, ou de contextos são o
modo como são eliciados os significados emergentes da estrutura cognitiva. Uma vez
adquiridos, os conceitos auxiliam o funcionamento cognitivo, pois eles estão
envolvidos na categorização perceptual, na compreensão imediata dos significados
dos conceitos previamente adquiridos e na solução de problemas31
O processo psicológico envolvido na formação de conceitos inicia pela análise
discriminativa dos diferentes padrões de estímulo. Em seguida, dá-se a formulação de
hipóteses, as quais são retiradas dos elementos comuns dos atributos, seguido da
testagem destas hipóteses em situações específicas. A partir disto, forma-se uma
categoria geral, ou conjunto de atributos mais ou menos dominantes. Esse conjunto de
atributos comuns são relacionados com idéias relevantes estabelecidas na estrutura
cognitiva, quando então ocorre a diferenciação do novo conceito entre os outros já
existentes. Desse momento em diante, é possível a generalização dos atributos
essenciais do novo conceito, com todos os membros da classe, estabelecendo-se a
representação do novo conteúdo categórico, através de uma linguagem simbólica. O
processo de formação de conceitos é facilitado pela aquisição da idéia de
categorização, tornando-se progressivamente menos globais, menos superficiais e
menos difusos32.

3.4 O Desenvolvimento Musical

Keith Swanwick analisou as composições musicais de crianças entre 3 e 14


anos, e as relacionou ao seu modelo teórico que define os elementos básicos da
experiência musical como sendo os materiais, expressão, forma e valor,33 a partir
disto, elaborou sua teoria do desenvolvimento musical.
Fundamentando-se na natureza da experiência musical, a teoria apresenta como
as crianças desenvolvem o conhecimento musical, desde o momento em que iniciam
seus estudos musicais, ou se engajam sistematicamente com a música.
Cada um dos elementos da experiência musical: materiais, expressão, forma e
valor foi indentificado nas composições das crianças, como também foram
constatadas duas facetas do desenvolvimento musical: a individual e a social.

31Ibidem p. 79
32Ibidem ps. 83-84
33 SWANWICK,Keith. Criatividade e Educação Musical. I Simpósio de Música. Salvador, 15-24 ago. 1991.( tradução
de José Carlos Meching) p.4
Na perspectiva individual, o processo evolui desde a mestria, jogo
imaginativo e meta-cognição. Na perspectiva social a evolução inicia pelo aspecto
manipulativo, seguido do vernáulo, idiomático e sistemático. O crescimento em
direção a maior compreensão da música inicia com uma perspectiva pessoal de se
engajar na música, movendo-se no sentido de compartilhar essas impressões
socialmente. Desta forma, a criança entra na área musical controlando alguns
materiais básicos, na tentativa de adquirir uma noção, a nível individual e social, das
possibilidades exploradas. As respostas a cada estágio são qualitativamente diferentes,
e requerem graus diferentes de desenvolvimento musical. De forma cumulativa, as
respostas dos primeiros estágio são incorporados nos posteriores.34

Mapeando o processo de desenvolvimento musical, a partir da observação dos


territórios da experiência musical, a teoria apresenta a seguinte ordem.35

Sensorial: Parece haver prazer no som em si mesmo, na exploração e experimentação


com instrumentos. A organização dos sons é espontânea e a pulsação irregular. As
variações de colorido sonoro não parecem ter significação como estrutura expresssiva
.Esse tipo de resposta musical está presente em crianças de 3 anos.

Manipulativo: No contato com instrumentos já se mostra possível o controle sobre


repetições . Poderá haver uma pulsação regular enquanto a criança explora o
instrumento a partir da sua estrutura física. As composições tendem a ser longas e
repetitivas, expressando o sentimento do compositor em explorar o instrumento. Essas
características foram encontradas em peças de crianças entre 4 e 5 anos.

Expressividade individual: Nas composições desta fase, a expressividade é evidente


nas mudanças de andamento e níveis de dinâmica. Algumas frases ou gestos musicais
podem ser repetidos exatamente do mesmo modo. Há drama, clima ou atmosfera. As
idéias são desenvolvidas espontaneamente. Tais característica foram observada em
crianças entre 4 a 6 anos.

Vernáculo: A peça apresenta padrões de figuras rítmicas e melódicas que podem ser
repetidas. As peças são geralmente curtas e atendem a convenções musicais quanto ao
números de compassos nas frases, e quanto à métrica utilizada. As composições
tornam-se mais ou menos previsíveis, e mostram outras experiências musicais de seu
autor. Foi observado em trabalhos realizados por crianças de 5 anos, mais claramente
em crianças de 7 anos.

34HENTSCKE, Liane. A adequação da teoria espiral como teoria de desenvolvimento musical.. In. Fundamentos da
Educaç!ão Musical. Porto Alegre, ABEM, 1993 ps 55-67.
35SWANWICK Op. cit. p.5 e 6
Especulativa: Além da repetição deliberada de padrões, como nos níveis anteriores,
ocorrem os desvios ou surpresas, embora não muito bem integradas na peça. A
caracterização expressiva é submetida à experimentação e estruturação de várias
idéias musicais. Após a adoção de um certo padrão na composição, é muito comum a
busca de um final novo. Essas caraterísticas foram encontradas em peças de crianças
entre 9 e 11 anos.

Idiomático: As surpresas estruturais são integradas em um estilo reconhecível. As


imitações de modelos permitem o aparecimento de contrastes e variações,
frequentemente retirados das tradições musicais populares. Há controle técnico,
expressivo e estrutural nas composições mais longas. Esse tipo de composição
aparece em crianças entre 13 e 14 anos.

Simbólico: Nesta fase, o domínio técnico está a serviço da composição. A atenção se


volta para as relações formais e expressivas, formando um discurso musical coerente
e original. Aparecem progressões harmônicas e grupos de timbres variados,
demonstrando forte senso de comprometimento do autor com sua obra. Essas
caraterísticas aparecem em obras de crianças com aproximadamente 15 anos.

Sistemático: Além das qualidades dos níveis anteriores, os trabalhos podem


apresentar sistemas musicais desenvolvidos atualmente, como geração harmônica,
sons eletrônicos ou tecnologia dos computadores.

3.5 Considerações Finais

É importante assinalar que as considerações teóricas a respeito do


desenvolvimento musical serão úteis ao presente estudo, no sentido de conhecer o
tipo de produção musical das pessoas que tomam contato com a música. Porém, não
será realizado, em nenhum momento, a classificação de suas produções. Em primeiro
lugar porque a preocupação do estudo é compreender o processo de aprendizagem
musical, na sua relação com as experiências vividas pelos sujeitos, de uma maneira
aberta e livre de imposições ou enquadramento teórico. Em segundo lugar, porque se
a realidade observada for submetida a um esquema de análise organizado
previamente, terei perdido a oportunidade de refletir por mim mesma, o que
corresponde a desprezar todos os fundamentos teóricos que embasam minha postura,
e desconsiderar a participação dos sujeitos na construção de um conhecimento
compartilhado.
Para explicitar melhor o meu olhar para as atividades musicais, gostaria de
comentar que acredito que o sujeito constroi o conhecimento a partir de experiências e
concepções pessoais, e progride no sentido de compreender, de forma mais ampla e
cada vez mais sistematizada, a realidade musical. Isso implica considerar que a
produção musical pessoal será o ponto de partida para as intervenções didáticas que
visam a construção do conhecimento.
Estudos e observações que realizei junto ao trabalho com adultos indicam que
os primeiros contatos com instrumentos musicais costuma apresentar uma
característica muito comum: as pessoas fazem com os instrumentos musicais tudo o
que sabem, ou aquilo que já viram alguém fazer. Durante essa fase, eles tentam
reproduzir melodias conhecidas nos instrumentos de teclado ou sopro, percutem
ritmos populares, e formam pequenos conjuntos de música popular, de forma
semelhante como fazem em práticas musicais sociais. Muitas inibições acontecem em
razão destes adultos terem uma concepção de música como algo pronto e acabado, e
não vislumbrarem a possibilidade de cada um fazer a "sua música". Alguns tentam
reproduzir melodias conhecidas e fracassam, acreditando somente nessa possibilidade
de tocar o instrumento. Portanto, vejo nesse momento que a concepção do que seja
música, ou tocar um instrumento tem a ver com reprodução fiel das melodias
conhecidas, e não da música como uma possibilidade de criação e expressão. No meu
modo de ver, a construção e reconstrução de um outro conceito de música e atividade
musical deve permear todo o processo, mas principalmente os primeiros contatos com
instrumentos musicais.
O estudo que realizei sobre improvisos musicais tem me permitido
compreender a produção musical dos alunos, ao mesmo tempo que tem me orientado
na adequação do tipo de intervenção realizada. Tanto em adultos como em crianças,
tenho observado que as improvisações musicais acontecem em três momentos. Cada
momento tem uma duração muito variável, podendo se estender por vários meses,
enquanto que em outras pessoas é possível ver acontecer as três fases em um só
improviso. Observei, então, que se trata realmente de momentos, e que devido a
características pessoais, uns avançam rapidamente até a definição de uma estrutura,
ou de uma forma definida de trabalho, enquanto outros necessitam de ajuda ou
intervenção pontual para avançar.
Reescrevo brevemente aqui o que está melhor desenvolvida na pesquisa que
chamei "As intervenções do professor em atividades criativas" no capítulo "A
compreensão da produção musical". Esses três momentos, devido ao tipo de produção
demonstrada podem ser assim identificados:

O movimento comanda o som: A pesquisa do gesto tem prioridade sobre a atenção


auditiva.
O ouvido comanda o som: As experiências de movimento são combinadas com
graduações nos parâmetros sonoros. Ao realizar o movimento, o instrumentista se
interessa pelo resultado sonoro, e prossegue a partir dele.

A idéia comanda o som: A idéia musical se impõem, o movimento e as pesquisas


sonoras se coordenam na elaboração de idéias a serem executadas.

Como se vê, essas observações pretendem auxiliar a estruturação do


pensamento musical, desde o esboço de uma idéia até a sua estruturação em forma de
peça musical. Mesmo que o conteúdo das peças seja pobre em termos de recursos no
uso de diferentes alturas ou ritmos, a minha preocupação maior no início dos
improvisos é que o sujeito estruture o seu pensamento musical, expressando suas
idéias através do enlaçamento sonoro. O trabalho de Swanwick, por exemplo está
preocupado em descrever o conteúdo musical das peças, e em situa-las dentro de seu
quadro teórico de referência. São preocupações distintas.
Em relação aos primeiros conjuntos musicais, observei que as combinações ou
regras estabelecidas em conjunto seguem um critério numérico. Ou seja, ao invés de o
grupo se organizar tendo em vista critérios sonoros, como o timbre dos instrumentos
ou os contrastes sonoros, as combinações ou regras adotadas para a execução da peça
se baseiam na sequência ordenada das entradas de cada componente, ou em
combinações de duplas ou trios de execução simultânea. Em princípio, fazer um
conjunto musical significa tocar todos juntos, a mesma coisa, durante todo o tempo. O
papel de cada um no grupo não é diferenciado, muito menos o papel dos instrumentos
no conjunto.
A partir dessas experiência, parece que a produção musical em grupo tem
estreita relação com a posição pessoal social de cada um. De forma que o
aprimoramento nos arranjos musicais, ou a decisão de trabalhar o timbre dos
instrumentos, por exemplo, tem a ver com a posição que o instrumentista ocupa como
componente do grupo enquanto pequeno grupo social. A produção musical e o nível
de adaptação dos sujeitos no grupo, de forma dialética parecem fundamentar os
avanços dos sujeitos e suas produções musicais.
Com relação à aprendizagem do código escrito, observei que a grande maioria
dos adultos que tentam registrar ritmos simples, o fazem sem atenção à medida
métrica do som36. Ou seja, a escrita representa aspectos qualitativos da duração dos
sons, mas não a medida do tempo de cada evento. Isso sugere que a adoção de uma
simbologia que represente a medida do som é uma aprendizagem mais complexa e
necessita a mediação de um conhecimento já sistematizado. Os métodos

36 Constatações com base em atividades realizadas com alunas do cusro de Pedagogia da UFRGS, e confrontadas com
os resultados encontrados por Bamberguer. BAMBERGUER, Jeanne. As estruturas cognitivas da apreensão e da
notação de ritmos simples. In. A produção de notações na criança. Linguagem, números, ritmos e melodias. S.P.
Cortez, 1990 p.97-124
convencionais de ensino da música, aqueles que iniciam pela adoção do sistema
métrico, não parece atender às características de como se dá a compreensão da
duração dos sons, mesmo tratando-se de adultos.

Outras áreas do desenvolvimento musical precisam ser observadas e


sistematizadas, para o que pretendo coletar informações no decorrer da pesquisa. Por
ora, a compreensão que tenho daquilo que pretendo observar está aqui brevemente
explicitada, mas principalmente quero reforçar minha atitude aberta para novas
interpretações e novos conhecimentos.

4. Metodologia

4.1 Caracterização do estudo

A pesquisa busca identificar os conceitos e as hipóteses de pensamento dos


sujeitos em processo de aprendizagem. Considerando-se que existe relação entre o
que se pretende observar e os objetivos da ação educativa; que estão implicados de
maneira ativa o pesquisador e os sujeitos na resolução de problemas; que se busca a
reflexão e a produção de conhecimento a pesquisa caracteriza-se como pesquisa-
ação37:

4.2 Público alvo

Alunos do curso de Pedagogia: Séries Iniciais e Pré-Escola matriculados em


curso de Extensão de 40 horas.

4.3 Estratégia para os Encontros

Aulas de Música

O projeto será desenvolvido durante as aulas de música as quais se


caracterizarão pelo envolvimento constante do conhecimento prático sobre música,
pela reflexão sobre as ações realizadas e pela construção de novos saberes mediados
pelo professor.
37THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 7a ed.S.P. Cortez, 1196. p. 14-19.
4.4. Procedimentos para coleta de dados 0

A coleta de dados se dará a partir da observação realizada durante as de aula de


música. Serão foco de atenção a experiência musical pessoal dos sujeitos e a
seqüência de suas ações durante o processo de aprendizagem. Farão parte dos
registros as reflexões do pesquisador sobre o que ocorre em aula.

4.5. Modalidades de Resgistros

Serão utilizados quatro tipos de registro:

Relatórios

Serão registrados em forma de relatórios:

a) situação didática na qual o sujeito está inserido:


Significa descrever a proposta de trabalho que desencadeia as ações dos
sujeitos, os materiais utilizados e os vínculos que a atividade observada mantém com
os outros colegas e as demais atividades desenvolvidas na classe;

b) a seqüência das ações realizadas pelos sujeito:


Trata-se de descrever os passos seguidos pelo sujeito durante a realização das
atividades musicais.

c) hipóteses de trabalho

Trata-se de registrar o tipo de compreensão que está implicada na eleição da


seqüência das ações realizadas pelo sujeito.

d) o conteúdo musical manifesto na produção musical e a estrutura criada para


organiza-los:

Significa identificar na produção do sujeito a presença dos elementos musicais:


altura, intensidade, duração timbre e textura, e a estruturação, ou tratamento dado a
esses elementos na construção da forma da peça musical.
Registro de Protocolos

Serão registrados em forma de protocolo, as situações pontuais nas quais seja


possível ao pesquisador delinear o problema, avaliar processos e formas de pensar;
formular hipótese de trabalho, realizar assinalamentos, questionamentos, diálogo,
orientação ou informações específicas. Neste caso, serão registrados, em colunas
distintas, as ações do sujeito e as do professor - pesquisador, de forma que a
descrição da sequências das ações, de um e de outro, permita acompanhar a trajetória
do pensamento do sujeito 38:

Filmagens:

As filmagens serão realizadas por profissional contratado para esse fim, e


planejadas, em forma de roteiro, pelo professor pesquisador. Ocorrerão 3 filmagens
durante os encontros. Cada filmagem terá a duração de uma hora.

Fita cassete

Os trabalhos musicais serão gravados em fita cassete, e serão eventuais. Serão


priorizados os trabalhos que, na opinião do professor pesquisador, ou por indicação
do grupo de alunos são representativos de um momento significativo da
aprendizagem musical. Também serão realizadas gravações com o objetivo de
provocar discussões em classe sobre o conteúdo musical explicitado.

5. Análise e interpretação dos dados

As análises ocorrerão em dois momentos:

a) durante o desenrolar das aulas de música.:


As análises realizadas nesse primeiro momento têm a característica de serem
ligadas imediatamente ao momento em que se dão as ações dos sujeitos. Trata-se do
momento em que o professor pesquisador avalia a produção musical dos sujeitos para
tomar decisões sobre o andamento do processo de aprendizagem.

38 Os cuidados necessários ao se realizar observações e intervenções seguem os princípios do método clínico proposto
por Piaget. Ou seja, ao fazer uma intervenção, o pesquisador precisa ter uma hipótese para o delineamento da situação;
uma proposta clara de trabalho e observar atentamente a "tendência do espírito" . Foram realizados estudos com base
em PIAGET, Jean. Introdução La representación del mundo en el niño. Madrid, Morata, 1978.
b) após o término do programa:

Para análise e interpretação dos dados será privilegiada a abordagem


qualitativa, utilizando-se também um tratamento quantitativo naqueles dados
considerados relevantes para o aprofundamento da pesquisa.
É possível que no desenvolvimento do projeto, outras práticas de pesquisa
sejam necessárias. O esquema metodológico pretende ser aberto o suficiente para
abranger aquelas modificações que venham contribuir ou melhorar a proposta
inicial.
Ao final deste trabalho espera-se ter uma compreensão mais profunda dos
processos de aprendizagem musical e da implicação desse saber na constituição da
história social desses sujeitos.

Referências Bibliográficas

AUSUBEL, David, NOVAK, Joseph e HANESIAN, Helen. Psicologia educacional.


2a R.J., Interamericana, 1980

BAMBERGUER, Jeanne. As estruturas cognitivas da apreensão e da notação de


ritmos simples. In. A produção de notações na criança. Linguagem, números,
ritmos e melodias. S.P. Cortez, 1990 p.97-124

GÓMEZ, Angel Pérez, (1992). O pensamento prático do professor; a formação do


professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, Antonio (org.). Os professores e
sua formação. Portugal: Publicações Dom Quixote, p. 93-114.

HENTSCKE, Liane. A adequação da teoria espiral como teoria de desenvolvimento


musical. In: Fundamentos da Educaç!ão Musical. Porto Alegre, ABEM, 1993

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência R.J. Guanabara, 1987

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 3a ed. R.J. Zahar, 1978

PIAGET, Jean. Psicologia da inteligência. R.J. Zahar, 1983

SWANWICK,Keith. Criatividade e Educação Musical. I Simpósio de Música.


Salvador, 15-24 ago. 1991.( mimeo, tradução de José Carlos Meching)
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3a ed. S.P. Martins Fontes, 1991

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