O momento atual fez com que
A
ecossistemas educacionais precisassem
ser muito rapidamente revistos e
adaptados para uma realidade
completamente nova e, há algumas
semanas, inimaginável. Em poucos
dias, parte considerável das atividades
relacionadas à educação foram
transferidas para esferas online e tanto
instituições quanto profissionais do
ensino têm demonstrado um altíssimo
nível de engajamento e
comprometimento com seus alunos,
procurando soluções criativas e
flexíveis para atender demandas
acadêmicas e comerciais.
No entanto, um cenário de crise real,
jamais testemunhado pela nossa
geração, obviamente traz desafios sem
precedentes e que não podem ser
resolvidos através de arcabouços
familiares. Por esse motivo,
acreditamos que o debate tenha que
abraçar paradigmas conceituais e
estratégicos e, dessa forma, ir muito
além da escolha de uma plataforma
adequada -- embora essa pareça ser, em
uma primeira leitura, e
compreensivelmente, a questão mais
popular no discurso de vários
profissionais.
Zoom? Google Classroom? Skype?
escolha da ferramenta adequada é, com
certeza, bastante importante, mas não é
-- e nem deve ser -- o maior desafio
enfrentado por educadores, estudantes
e famílias. Vemos o contexto escolar
confrontado com uma enorme
fragilidade e instabilidade e, sem um
planejamento adequado, a sala de aula
acaba sendo transformada em uma
simples tela que tenta reproduzir
práticas desenhadas para outros
contextos.
As reflexões sobre essas práticas e os
fundamentos pedagógicos que
permeiam o desenho instrucional de
um ensino a distância precisam ser
revistos diante de um momento de
inquestionável anormalidade. Somente
com um debate mais abrangente, que
compreende a complexidade do
momento, podemos encontrar
ponderações que visam a informar o
que acontece em novos canais de
comunicação. Nossas discussões em um
período tão peculiar precisam ser
cuidadosas e reconhecer o grau de
ineditismo que é inerente à conjuntura
histórica pelo qual passamos.
Quais são, então, os grandes desafios
para educadores, gestores e famílias? E
como podemos lidar com essas
questões? Escolhemos aqui os cinco
pontos que entendemos como mais
relevantes:
1. Crie um comitê
interdisciplinar para opinar
regularmente no decorrer do
processo, construindo uma
comunidade com vozes diversas
É essencial que diferentes vozes sejam
ouvidas no planejamento,
sistematização e avaliação da transição
das aulas presenciais para online e que
essa seja uma conversa contínua. Cada
disciplina ou área do saber possui suas
particularidades e necessidades
intrínsecas aos seus processos de
ensino e aprendizagem e estas devem
ser levadas em consideração. Em um
cenário de crise, precisamos ter
representantes de diversas perspectivas
contribuindo para uma estratégia viva,
que se molde às imprevisibilidades
constantes. É importante consolidar e
maximizar o poder de uma comunidade
de ensino que se baseia em uma relação
de confiança e solidariedade.
Também é importante levar em
consideração os diferentes níveis de
proficiência tecnológica da comunidade
escolar, procurando incluir as mais
diversas partes.
Para isso, é importante que
professores, assistentes, gestores e
alunos sintam-se confortáveis com as
ferramentas tecnológicas, pedagógicas
e cientes de como como estas
ferramentas impactam os processos de
ensino de cada disciplina na
transposição para um meio de
instrução que não é físico. Uma dica é a
reflexão sobre o modelo TPACK, ou o
Conhecimento Pedagógico e
Tecnológico do Conteúdo, que mostra
em quais áreas cada docente pode
precisar de auxílio para
desenvolvimento.
2. Ajuste expectativas em
relação aos objetivos de
aprendizagem e o currículo
Os diversos documentos curriculares
existentes como, por exemplo, a BNCC,
levam em consideração primariamente
a instrução presencial. Embora no
Ensino Superior e Técnico modelos de
Ensino a Distância (EAD) sejam mais
presentes, isso não é verdade para a
Educação Infantil e os Ensinos
Fundamental e Médio.
Cada fase escolar deve ser contemplada
levando em consideração as diretrizes
de desenvolvimento, não apenas em
termos de componentes curriculares
mas também no que tange as
habilidades sócio-emocionais,
cognitivas e interacionais. É essencial,
por exemplo, que o (re)desenho de
atividades para a Educação Infantil e
Ensino Fundamental I leve em
consideração as limitações de espaço e
interação entre estudantes. Embora o
docente possa propor atividades curtas
de contação de histórias e jogos
interativos, um dos lastros dessa etapa
escolar é o desenvolvimento de
habilidades sócio-emocionais que
requerem a interação física entre pares.
Assim, os objetivos de aprendizagem e
expectativas, sobretudo nas etapas
iniciais de educação, devem ser
ajustados, sublinhando e reforçando a
necessidade dos encontros e da vida
cotidiana, como mostra o professor
Paulo Fochi nesta palestra sobre o
tema.
Durante uma situação como essa é
preciso ter uma mente aberta para
questionar o papel principal da
educação e, até mesmo, distanciar-se de
uma abordagem conteudista. O
fenômeno pelo qual estamos passando
tem proporções e consequências muito
maiores do que alguns meses de
"atraso" no conteúdo programático.
Impor um ritmo de normalidade a uma
situação anormal contradiz todos os
preceitos básicos de gestão de crises.
Se temos diversos especialistas
afirmando que o mundo não será o
mesmo após essa pandemia, como
ilustra a empresa de consultoria
McKinsey em sua análise, talvez seja o
momento de entendermos que os
modelos educacionais existentes
também precisarão mudar. Ficarmos
presos a condições, parâmetros e
práticas desenhados para uma outra
realidade pode causar mais estresse e
danos do que buscar uma reinvenção.
3. Compreenda quais são os
recursos disponíveis (tempo,
software, hardware) que podem
integrar todos os envolvidos - ao
invés de excluir
Não existe solução digital perfeita para
este momento. Cada software ou
serviço digital possui vantagens e
desvantagens e a comunidade escolar
deve ser ouvida sobre a viabilidade de
seu uso, levando em consideração as
limitações de cada contexto. Quais são
as necessidades de cada área? O quão
viável é para docentes e famílias,
sobretudo as que possuem mais de uma
criança, adotarem essas ferramentas?
Temos alternativas que não imponham
uma carga de trabalho ou a necessidade
de equipamentos novos para os
envolvidos?
Muitas vezes, ferramentas simples,
como uma vídeo-chamada do Google
Hangouts ou do Skype pode fazer às
vezes do checkpoint síncrono que pode
ser desdobrado em atividades
autônomas ou feitas colaborativamente
em ferramentas como o Office Online
ou Google Docs. A International Society
for Technology in Education propõe
uma série de ferramentas, em sua
maioria gratuitas, aqui.
Um padrão na busca de soluções tem
sido oferecer aulas síncronas ou filmar
aulas. Esses dois modelos pressupõem
acesso a determinados recursos
tecnológicos e habilidades específicas.
Fazer uma aula síncrona exige boa
conexão, uma plataforma que favoreça
interação, disponibilidade de tempo e
acesso a recursos tecnológicos em
horários determinados. Gravar uma
aula para disponibilizá-la exige um
tempo grande de preparação para criar
roteiros, desenvoltura frente às
câmeras, equipamento de filmagem e
captação de áudio e, por vezes, até
mesmo conhecimento de recursos de
edição. É preciso tomar cuidado para
que a solução encontrada não gere mais
trabalho, mais preocupação, mais
demandas emocionais e resultados
acadêmicos menores.
Durante todo o processo de análise dos
recursos tecnológicos, acreditamos que
seja fundamental que o plano
pedagógico guie as decisões, ao invés
de buscarmos recursos tecnológicos
que encantam mas que, talvez, não
estejam alinhados com a proposta de
aprendizagem desenhada. Um plano
pedagógico leva em consideração o
perfil dos alunos (suas necessidades,
seu contexto, seus objetivos), o perfil
dos professores (sua experiência, seus
conhecimentos, suas habilidades, os
recursos que pode acessar), os
princípios pedagógicos que informam a
prática docente e a filosofia de
avaliação. Após rever todas essas
frentes, podemos estudar as
ferramentas disponíveis e escolher as
mais apropriadas - ao invés de seguir o
caminho contrário: adaptar nossas
crenças e práticas para usar uma
ferramenta que promete resolver todos
os problemas acadêmicos do momento.
4. Reorganize a carga horária, o
modelo pedagógico, as
ferramentas de avaliação
Uma aula de 50 minutos presencial hoje
em dia não compreende uma palestra de
50 minutos entregue pelo educador.
Uma aula ideal incorpora elementos
como discussões, debates, construção
de projetos e co-autoria de ideia, por
exemplo.
Assim, é essencial que os modelos
pedagógicos que adotamos abracem
uma variedade de meios de instrução e
avaliação para este momento não
presencial. A carga horária de momento
síncrono não precisa, necessariamente,
replicar a carga horária total de uma
aula. Estes momentos síncronos podem
funcionar como momentos
instrucionais em que os professores
tiram dúvidas, acompanham projetos e
propõem atividades. É preciso um
distanciamento saudável das vivências
estabelecidas para aceitar modelos
novos. É preciso praticar o desapego. Se
os alunos não terão acesso a
determinado livro, eles podem fazer
pesquisas guiadas na internet sobre
determinado tema. Se eles ficarão
sobrecarregados na frente do
computador, podem ser orientados a
construir algo interdisciplinar
colaborativamente para diminuir a
necessidade de horas de contato com os
professores. Cobrir conteúdo com foco
em memorização de dados, regras ou
fórmulas perde sua relevância no atual
contexto, que nos convida a questionar
o quanto a educação formal que
conhecemos irá preparar os alunos para
um mundo completamente novo.
Agora, mais que nunca, vemos a
validade do modelo de sala de aula
invertida, em que o conteúdo passivo
pode ser absorvido autonomamente
pelos alunos, com a curadoria e auxílio
do professor. Esse conteúdo é
trabalhado antes dos momentos
síncronos de contato entre a classe, e
esta interação - a aula em si - é usada
para ampliar o debate e a proposição de
atividades e projetos relevantes. O
professor atua como facilitador e sua
maior responsabilidade é selecionar
referências e estar completamente por
dentro do tema para fazer uma
mediação e problematização que
propiciem o desenvolvimento de
autonomia e pensamento crítico.
5. Planeje aulas e atividades que
sejam próprias para o modelo
que você adota; não tente
replicar o ambiente presencial
Esse ponto talvez seja o resumo mais
eficiente da nossa proposta de reflexão.
Um dos maiores erros de planejamento
neste momento é acelerar o processo de
transição sem planejamento para tentar
replicar a experiência presencial em um
ambiente online.
Ao fazer isso, acabamos perdendo o
melhor dos dois mundos: perdemos a
interação que acontece
presencialmente e deixamos de
aproveitar muitas das ferramentas
colaborativas dos ambientes online. Ao
planejarmos aulas não presenciais,
precisamos levar em consideração as
possibilidades de interação, tanto
síncronas quanto assíncronas, e como
podemos maximizar estas interações
para que elas gerem mais colaboração e
aprendizado entre os diferentes atores
da comunidade escolar.

Além disso, esse planejamento tende a

ser, em um primeiro momento, uma
versão do planejamento de aulas
presenciais. Afinal, é o modelo familiar
e que já faz parte de práticas que
dominamos confortavelmente. A
mudança de paradigma não é simples.
Para que o planejamento seja
verdadeiramente inédito e
completamente focado no universo
online, precisamos investir em
capacitação dos professores, suporte
contínuo, ferramentas de avaliação que
mostrem a eficácia das medidas
tomadas e em uma mentalidade aberta
a erros e mudanças sistematizadas.
Precisamos entender que o processo é
vivo e que estamos todos aprendendo.

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