SUA BÚSSOLA
RICARDO NEVES
A Renascença digital
E nquanto acompanhava o “teatro eleitoral” dos
últimos meses, estive trabalhando em meu
próximo livro, cujo original chegou à mesa de
meu editor na semana passada. É bem conhecida
a analogia do processo de produção de um livro
com a gestação de um bebê. A eleição do título
também guarda semelhança com a escolha do
nome do bebê. Batizar um livro é complicado,
sobretudo porque é muito freqüente o autor e
seu editor não estarem de acordo sobre a melhor
RICARDO NEVES opção. O editor escolhe pensando no mercado.
é consultor de O autor escolhe com o coração. E minha escolha
empresas e autor não foi vacilante: Renascença Digital.
de Pegando no Provavelmente, é um título que não encontrará
Tranco – O Brasil muitos fãs entre aqueles que se julgam mais intelec-
do Jeito Que Você tualizados e eruditos. Afinal, já dizia o economista
nunca Pensou. John Kenneth Galbraith: “Todos concordamos que
www.ricardoneves. o pessimismo é uma marca do intelecto superior e
com.br que só o homem que acha que tudo vai mal e espera
rneves@edglobo. que tudo vá de mal a pior é julgado detentor de um
com.br espírito claro”. Porém, tenho convicção de que os
tempos que já estamos vivendo serão vistos pelos
historiadores no futuro como um período em que a
humanidade, ao deparar com novos, maiores e mais
complexos desafios, conseguiu responder de forma
afirmativa: inovar e crescer.
Não um mero crescimento econômico tradicional,
do PIB, da renda e tal, como gostam os economistas.
Esse tipo de crescimento, no final
das contas, representa continuar
produzindo mais do mesmo tipo
de coisa e nos coloca na rota cer-
Sabia que 97%
teira de um inexorável desastre dos cientistas de
ambiental. É tempo de uma nova toda a história da
perspectiva que entenda cresci-
mento como um salto de qualida- humanidade
de. Um adolescente não se torna estão hoje vivos?
um adulto crescendo mais alguns
centímetros, mas mudando quali-
tativamente. Da mesma forma, uma lagarta não se
torna uma borboleta se continuar crescendo.
Tenho confiança em que a humanidade já está
em processo acelerado de reinvenção e inovação
de nossos estilos de vida, de nossas empresas e
organizações e – acredite! – de nossos governos.
Claro que reinventar governos tomará mais tempo.
Afinal, a atual geração de políticos no poder é uma
liderança de baixa qualidade em termos de talento
e preparo. Mundialmente, vivemos uma entressafra.
Não existem grandes estadistas. Temos, sim, uma
geração de hábeis comunicadores eleitoreiros que
repetem platitudes e fórmulas marqueteiras. Quase
todos incapazes de assumir a responsabilidade que
se espera de um líder adulto. Isso inclui auxiliar as
pessoas comuns a amadurecer questões complexas
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que exigem novas respostas. Assim como forjar uma
agenda inovadora para os desafios políticos, econô-
micos, sociais, culturais e ambientais.
Existe uma nova liderança da humanidade em
formação. Ela chegará paulatinamente ao poder po-
lítico. Essa liderança ainda é invisível. São milhões
de pessoas em todo o planeta, que têm hoje, graças à
internet e à crescente mobilidade internacional, muito
mais capacidade de interação. Elas estão construindo
um novo diálogo humano. São homens e mulheres
que pesquisam e fazem avançar de forma acelerada o
conhecimento. Você sabia que 97% dos cientistas de
toda a história da humanidade estão hoje vivos?
Temos ainda milhões de líderes empreendedo-
res. Sem o constrangimento de barreiras nacionais,
eles seguem inventando e criando uma profusão de
novas ferramentas e de novos tipos de organização.
Milhões de pessoas comuns também fazem parte da
minoria criativa emergente. Comuns por um lado,
por outro extraordinárias, porque estão construindo
formas inovadoras de viver, tanto do ponto de vista
individual quanto coletivo.
Fundamento minha argumentação em 20 anos
de vida empenhados em viagens e pesquisas pelo
mundo, trabalhando com organizações, empresas,
pessoas e governos dos mais diversos. Por isso, ad-
vogo que não estamos vivendo apenas um dia após
o outro. Está em curso uma fantástica jornada de
transição civilizatória – incerta,
angustiante, sinuosa. Essa tran-
sição poderá nos levar dos tem-
pos pós-industriais para a Era da
Sociedade Digital Global.
O historiador inglês Arnold
Toynbee afirmava que “as ci-
vilizações não são destruídas,
elas se suicidam”. Era respal-
dado por sua portentosa obra
intitulada Um Estudo de Histó-
ria, na qual analisava e refletia sobre a ascensão
e declínio de 21 civilizações que passaram pelo
planeta nos últimos 5 mil anos. Explicava ele
que a decadência é sempre evitada quando uma
minoria criativa responde de maneira inovado-
ra aos desafios que as circunstâncias históricas
apresentam. Quando essa minoria falha, a ci-
vilização entra em colapso.
Nesta travessia contemporânea, acredito que
é preciso ver a realidade com os olhos do poeta
Fernando Pessoa. Nossa alma não pode ser peque-
na, se queremos mesmo fazer de nossa existência
individual um empreendimento venturoso e cole-
tivamente edificar a epopéia civilizatória que será
conhecida como “Renascença digital”. Esse é o
nome para os nossos tempos. n
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