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POLICIA
E

PODER DE POLICIA

* * I 0 DE JANEIRO
IMPRENSA A.CIONM. ?\i I918
OBRAS D O MESMO AUTOR
Prisão preventiva, 1895 — Imprensa Econômica, Bahia.
Germans do Crime, 1896 — Editor José Luiz da Fonseca Magalhães, Bahia.
O Regimen Penitenciário da Bahia, 1898 — « D iário da Bahia ».
A Religião entre os Condemnados da Bahia, [1898 — Typ. Notre D ame, Amar­
gosa, Bahia.
Pela Familia'Brasileira sobre a precedência do casamento civil), 1899— <­ Jornal
de Noticias », Bahia.
A Reforma Municipal (estudo sobre o projecto n. 77o, apresentado na Câmara
dos D eputados), 1902 r­ « Jornal de Noticias ».
O Sentenciado 304 (E. Raulino — leitura para as prisões), 1002 — Typ. do Lyceu
do Salvador.
Relatório da Penitenciaria do Eslado (Bahia), 1903 — publicação official.
Estudos de Sociologia c Psychologia Criminal, ig­j2 — Editores Reis & C.
Us Perigos da Excomunhão na Política, 19.12 — « Diário da Bahiaj>,
Responsabilidade Junccional dos Secretaries de Estado c « Impeachment » dos
Funccionarios Civis perante a Constituição da Bahia, 1915 — « Diário da Bahia».
No plenário da O pinião (conllicto entre os poderes públicos — manifesto poli­
tico), 1907 — « D iário da Bahia ».
.1 Reforma do ensino do Direito no Brasil, 1907 — «Diário da Bahia».
Discurso pronunciado no Instituto dos Advogados da Bahia, na sessão de posse dos
funccionarios eleitos para o exercício de IQII a /9/J­1911 — «Diário da Bahia»,
Individualidade Histórica de Jesus, 1913 — «Jornal do Commercio» .
■Synthèse da acção social dos novos iniciados no direito] nas questões do presente,
1913 — «Jornal do Commercio ».
Technica Constitucional Brasileira, 1914 — «Jornal do Commercio».
Parecer sobre a creação da Ordem dos Advogados (Instituto da Ordem dos Advo­
gados), 1914 — «Jornal do Commercio», Rio de Janeiro.
Câmara Syndical dos Corretores, 1914 — «Jornal do Commercio», Rio de Janeiro.
Historia Constitucional do Brasil, 1915— «Imprensa Nacional, Rio de Janeiro.
Do Aclo Addicioiial a Maior idade (Historia Constitucional e Política)—^Imprensa
Naval, 1915.
Policia e Poder de Policia, 1918 — Imprensa Nacional.

A PUBLICAR
Commenlario à Constituição Federal Brasileira — Editores F . Briguiet 4i C a .,
Rio de Janeiro,
Q=SS^2=^GS,^SBJ

EXPLICAÇÃO PRELIMINAR

A convicção de que a efficiencia do serviço policial


depende largamente do apoio da justiça inspirou-me, no
exercício do cargo que me conferiu a bondade do Sr. Pre-
sidente Wencesláo Braz, a necessidade de animar esse apoio,
augmentando-lhe a profícuidade.
Para collimar o meu intuito, comecei chamando a mim
a informação dos casos que interessavam a liberdade indi-
vidual, discutindo em cada um, perante o Supremo Tri-
bunal e a Corte de Appellação, as hypotheses que lhes
foram affectas.
Em regra, a manifestação da justiça foi provocada, por
meio de pedidos de habeas-corpus, pedidos em que se ac-
cusava a autoridade superior da policia de praticar deter-
minados constrangimentos.
Nas respectivas petições os impetrantes figuravam as
situações jurídicas como bem lhes importava. Natural
era, pois, que as hypotheses fossem bem definidas e se
procurasse juxtapol-as aos preceitos legaes ou regula-
mentares que haviam dictado "a acção daquella auto-
ridade.
Houve causídicos que tentaram explorar essa tão util
pratica, nella vendo « licções á magistratura».
IV

E' claro que o ardil, suspeitissimo de rabulagem, não


podia produzir effeito.
O expediente por mim adoptado vale por uma irre-
ductivel manifestação de respeito ao Poder Judiciário, pe-
rante o qual, accusado em publico e raso de coactor de
direitos constitucionaes, me defendia restabelecendo a ver-
dade dos factos e justificando a minha conducta dentro da
lei, ora desvirtuada, ora olvidada pelos que se oppunham á
ordem publica.
Em bôa hora assim me orientei, porque a juris-
prudência que figura na segunda parte deste livro fala com
serena eloqüência do propósito que sempre mantive de
conter-me dentro dos principios explícitos ou implícitos do
direito escripto.
A policia é sempre mal vista e mal julgada. Com-
prehende-se, portanto, quanto me interessava esclarecer o
Poder Judiciário e quanto me valeu o apoio legal que elle
prestou aos meus actos de autoridade.
Foi justamente o resultado colhido dessa minha pra-
tica que me inspirou a realização de uma Conferência
Judiciaria-Policial, em que as muitas questões de interesse
com.mum á Justiça e á Policia fossem estudadas e resolvidas
pelos juizes e autoridades da segurança publica.
O resultado dessa tentativa foi magnifica e corre mundo
em dois grossos volumes (1).
Como não fosse escassa a minha collaboração para
o util congresso, que tão bons resultados deu antes mesmo
de terminar os seus trabalhos (2), addicionei-a aos meus

(1) Annaes da Conferência Judiciaria-Policial, 2 vols. Imp.


Nac. ; 1918.
(2) Vide na Ia parte deste livro o meu discurso de encer-
ramento da Conferência Judiciaria-Policial, pags. 33 a 60.
V

despachos e informações, formando este livro que me


parece um todo lógico.
Da sua leitura resaitará que foi sensato nortear-me
buscando apoio na justiça de que tanto depende a policia
no seu funccionamento.
Um outro motivo também influiu em mim para a di-
vulgação maior destas paginas: o que nellas se refere á
reforma do serviço policial na Capital da Republica.
Não foi sem propósito que tomei para mim, na Confe-
rência Judiciaria-Policial, o trabalho de escrever as theses
sobre Organização da policia e Poder de policia e relatar
os pareceres das referentes á Vigilância das ruas (3),
Serviço de Identificação (4), Inspectoria de Investigações (5),
A rua sob o ponto de vista moral (6) e Diversões Publicas
(7), em todos procurando assentar uma orientação que a
pratica me havia aconselhado.
A mim me interessa renovar aqui o registo, innu-
meras vezes feito de publico, de que atravessei os quatro
annos quasi completos de minha administração, pedindo,
insistindo pela reforma — larga e efficiente — da policia
do Districto Federal.
Cheguei mesmo a formular um projecto examinado em
conferência perante o Sr. Presidente Wenceslao Braz e o
Sr. Ministro da Justiça Carlos Maximiliano.
Como o actual Chefe do Estado foi sempre avesso a
ter projectos governamentaes no parlamento, pedi ao depu-
tado Prudente de Moraes, membro distincto da Commissão

(3) Vide pag. 157.


(4) » >> 163.
(5) » » 166.
(6) » » 171.
(7) » » 176.
VI

de Justiça da Câmara dos Deputados, que tomasse a si a


reforma da policia.
Aquelle meu eminente collega foi gentilissmo para
commigo e fez-me o favor de comparecer ao meu gabinete,
onde discutimos artigo por artigo dos que ficaram, e foram
quasi todos, após a Conferência do Guanabara.
Prudente de Moraes é uma alma, quiçá, demasiado
liberal, e nunca sentiu como seu pae, o grande e inolvidavel
primeiro Presidente civil da Republica, as asperezas do Go-
verno. N'uma das nossas palestras, o illustre jurista, talvez
por gentileza, affirmou-me « que si fosse eu sempre o chefe
de policia, ou outro como eu, elle acceitaria todo o meu pro-
jecto ; receiava, porém, o advento de algum energúmeno.»
Não comprehendia, como ainda hoje não compre-
hendo, que sejam muito para receiar as violências de um
chefe de policia. Taes violências não podem ser dura-
douras, a menos que as encampe o Presidente da Republica ;
e, neste caso, o mal já não será do chefe de policia, mas do
próprio chefe da Nação.
Fosse como fosse, o projecto foi estudado pela Com-
missão de Justiça e recebeu o n. 274, de 1915, sendo ac-
ceitas idéas a que Prudente de Moraes se oppuzera e que
foram defendidas pelo saudosissimo deputado Maximiano
de Figueiredo, e intercalados dois artigos do deputado
Mello Franco sobre lenocinio.
Devo transcrever aqui um trecho da declaração de
voto do deputado Maximiano de Figueiredo, que tem, para
mim, o valor histórico de registar o projecto tal como eu
o concebera de principio, e que, a meu ver, salvante um ou
outro detalhe, resumia as necessidades policiaes do Dis-
tricto Federal.
«Esse artigo (relativo ao critério da residência para
o effeito da expulsão do estrangeiro), esse artigo, escreveu
MI

o niallogrado parahybano, foi por mim extrahido do Esboço


que serviu de base ao projecto, e que, por igual declaração
do relator, foi elaborado por competente órgão do governo
que bem conhece as necessidades da policia e a conveniência
da repressão de certos crimes nocivos á ordem publica.
« Contendo esse esboço 37 artigos, adoptou-o o pro-
jecto, quasi litteralmente, do art. 17 em diante, com exce-
pção apenas de algumas disposições, e desprezou-o na
parte que comprehende os arts. 1 a 16.
« Convém, entretanto, que esta Commissão faça a re-
visão das matérias inseridas nesses artigos (1 a 16), afim
de, após necessária ponderação, acceital-os ou rejeital-os. »
Foi o seguinte o projecto a que alludiu, sob o nome
Esboço, o deputado Maximiano de Figueiredo.

« Art. 1.° Constituem crimes :


§ 1.° A provocação ao roubo, aos crimes de morte, de incêndio
e de destruição por meio de explosivos de qualquer natureza, bem
como a apologia, por escripto ou por palavras, na via publica ou
em associações, desses mesmos crimes.
§ 2.° A fabricação, o porte e o emprego de bombas de dynamite
e quaesquer outras machinas capazes de produzir damno ás pessoas
ou ás cousas, quando fabricadas ou trazidas para a pratica dos
crimes a que se refere o paragrapho anterior.
Como taes serão reputadas todas as bombas ou machinas, em
cujo conteúdo se encontrem objectos capazes de augmentar o seu
poder de destruição, ou que, ao juizo dos peritos, quaesquer que
hajam sido os elementos empregados na sua fabricação, tenham
capacidade para produzir damno pessoal ou material.
Art. 2.° Os crimes previstos no artigo anterior serão pu-
nidos :
a) os do § Io, com a pena de cinco a dez annos de prisão cel-
lular e o duplo na reincidência ;
b) os do § 2", com as penas de oito a doze annos de prisão cel-
lular, no caso de fabricação e porte, e de dez a quinze annos, no
caso de emprego.
Paragrapho único. Quando qualquer desses crimes fôr commet-
tido por estrangeiro será elle punido com a expulsão.
VI li

Art. 3.° Quando se discutir sobre a residência do estrangeiro


que fôr nocivo á ordem publica, será admittida a prova no interior
ou no exterior ;
Io, de que o mesmo procurou o paiz para perturbal-o em
qualquer sentido, por meio da propaganda, pelo facto, de idéas
anarchistas ou subversivas, ou para o fim de praticar crimes ;
2", de que fora expulso do paiz de origem ou de adopção, ou
que délies se evadira por ter commettido attentados á propriedade
ou quaesquer dos crimes definidos nesta lei ;
3o, de que a policia do paiz de origem ou de adopção o tinha
como elemento pernicioso á ordem publica.
Neste caso, não será considerado residente no paiz, e a
sua expulsão poderá ser decretada na fôrma da legislação em
vigor.
Art. 4. O flagrante desses crimes existirá :
§ 1.° Quando uma ou mais pessoas forem encontradas fazendo
sua propaganda oral ou por meio de distribuição de impressos ou
gravuras de qualquer ordem na via publica ou em alguma casa par-
ticular ou edifício publico.
§ 2. Quando alguma pessoa fôr encontrada trazendo comsigo
bomba ou machina explosiva para os fins a que se refere o § 2' do
art. Io.
§ 3.° Quando na casa ou commodo de residência de alguém fôr
encontrada alguma dessas bombas ou machinas ou materiaes e
instrumentos próprios para fabrical-as clandestinamente e para fins
criminosos.
Art. 5. O processo para esses crimes será iniciado perante a
respectiva pretoria e constará do seguinte :
§ 1.' No caso de flagrante, lavrado este, na fôrma da legislação
em vigor, e junto o laudo do exame procedido nas bombas ou ma-
chinas explosivas, si fôr esta a hypothèse, o delegado remettel-o-ha
ao respectivo pretor no prazo máximo de cinco dias, indicando mais
três testemunhas para o summario. Ouvidas estas pelo juiz summa-
riante, serão os autos relatados e enviados, tudo no prazo de oito
dias, independente de pronuncia, ao juiz criminal competente. Rece-
bidos os autos, o juiz dará vista ao promotor e ao réo respectiva-
mente por dous dias, procedendo em seguida ao julgamento sin-
gular, com assistência do promotor c do advogado que poderão no
acto adduzir novas provas.
§ 2. Não havendo flagrante delicto, a autoridade policial fará o
inquérito dentro de cinco dias, remettendo os autos ao pretor,
ÏX

que procederá na forma do paragrapho anterior, pronunciando ou


não o réo.
Art. 6.° O juiz de direito a quem fôr affecto qualquer dos pro-
cessos referidos nos §§ 1" e 21 do art. 1 ' só decretará a sua annul-
lação quando ficar evidenciado que houve falta de intimação ao réo
para se ver processar ou que este ou as testemunhas foram coa-
gidas. Em todos os mais casos, o juiz baixará os autos para serem
sanadas as nullidades.
Art. 7. São de acção publica os crimes de injuria e calumnia
contra todo e qualquer funccionario, de ordem electiva ou não.
Paragrapho único. Estes crimes serão punidos com a pena de
seis mezes a um anno de prisão cellular e terá o mesmo processo
dos artigos anteriores.
Art. 8.° As penas dos arts. 134, 135 e respectivos paragraphos
do Código Penal serão de um a dous annós.
Art. 9.° As penas dos arts. 204, 205 e 206 do Código Penal,
combinados com o decreto n. 1.162, de 12 de dezembro de 1890,
serão de um a dous annos.
Art. 10. A pena do art. 382 do Código Penal será de cinco a
doze mezes de prisão cellular.
Paragrapho único. Quando occorrer o caso previsto no § 2o do
mesmo artigo, fica estabelecida a pena de um a dous annos de
prisão cellular."
Art. 11. Constituirá crime de vagabundagem o facto de, durante
dous annos, ter alguém dado entrada na Casa de Detenção ou nos
xadrezes das delegacias por mais de cinco vezes por embriaguez
habitual, desordem, falsa mendicidade, costumes dissolutos, ou
como gatuno conhecido. Verificado esse estado de inadaptação á
sociedade, será ao respectivo pretor presente a ficha do indivíduo
com um relatório da autoridade policial, de que constarão todas as
informações relativas aos antecedentes do réo.
Si o juiz achar insufficientes as informações, pedirá outras á
policia. Em seguida admittirá todo o gênero de provas da parte do
réo, no prazo de cinco dias, dará vista dos autos ao representante
do ministério publico, depois do que o absolverá ou condemnará á
pena de prisão por cinco a oito annos, que será cumprida na Colônia
Correccional.
Art. 12. O annuncio de qualquer fôrma de algumas das pra-
ticas prohibidas pelos arts. 156, 157, 158, 159, 300 e 301 do Código
Penal, e mais o de processos para a esterilização da mulher, dará
logar á prisão preventiva do annunciante. Feitas as investigações
X

respectivas, serão ellas remettidas á justiça no prazo de cinco dias


e o processo terá a marcha descripta no art. Io desta lei.
Art. 13. A presença de operários grevistas nas immediações das
fabricas, armazéns, lojas e outras casas de industria e commercio
será tida como ameaça ao trabalho livre. A autoridade convidal-os-ha
a se retirarem e, não sendo obedecida, autoal-os-ha em flagrante do
crime previsto nos arts. 205 e 206 do Código Penal.
Art. 14. Nenhum dos crimes aqui referidos, ou cuja penalidade
fôr alterada, será afiançavel.
Art. 15. Todas as reuniões pacificas nas praças, theatros ou
outros locaes serão livres, ficando, entretanto, livre á policia desi-
gnar outros locaes sempre que o exercício do direito de liberdade
de palavra collidir e perturbar outros direitos, e dos titulares destes
houver reclamação.
Art. 16. Serão apprehendidas e inutilizadas todas as publica-
ções e estampas libidinosas, e os autores, editores, gravadores, im-
pressores e distribuidores processados na fôrma do art. 5o e punidos
com as penas de seis mezes a um anno de prisão ou multa de dous
a quatro contos de réis.
Art. 17. Será expedido regulamento sobre o serviço doméstico
e sobre a identificação dos criados.
Art. 18. Será applicada a pena pecuniária aos pequenos factos
criminaes e policiaes, sendo estes resolvidos summariamente pe-
rante os pretores criminaes. O Governo expedirá regulamento, enu-
merando os factos que por este meio serão processados, bem como
a fôrma do processo.
Art. 19. O Chefe de Policia será de livre nomeação e demissão
do Presidente da Republica, que o escolherá entre os bacharéis ou
doutores em direito com mais de dez annos de tirocinio na advo-
cacia ou na magistratura.
Paragrapho único. A nomeação poderá recahir em qualquer
membro da magistratura vitalícia federal ou local, sem que importe
perda do provimento vitalício. Neste caso, si a lei não prescrever
substituição provisória no logar vitalício, o nomeado para a Che-
fatura de Policia poderá optar pelo vencimento mais vantajoso.
Art. 20. Todas as nomeações, demissões e regimen disciplinar
das repartições dependentes da Policia incumbem ao Chefe de
Policia.
Art. 21. Serão também expedidos regulamentos relativos:
a) ás representações theatraes, « films » cinematographicos e
todas as exhibições em espectaculos públicos, bem como á ordem,
XI

segurança e decoro dos locaes em que todas essas exhibições se


fizerem ;
b) ás casas de commodos, estalagens e hospedadas, quanto á
sua'moralidade c segurança ;
c) ao meretricio, quanto á sua exhibição escandalosa, loca-
lização e exploração ;
d) ao jogo, nos clubs fechados ;
e) ao transito publico ;
/ ) aos divertimentos públicos não comprehendidos na lettra a.
Art. 22. O Corpo de Segurança terá a denominação de In-
spectoria de Investigações e Capturas e será servido por um corpo
de 130 agentes effectivos, sendo 80 de 2a classe e 50 de Ia, aquelles
com o ordenado de 2:400$ annuaes e estes com o de 1:800|000.
§ 1.° Nas instrucções que o Chefe de Policia baixar para a
execução dos serviços ao seu cargo, poderá, do modo mais pratico,
annexai' á Inspectoria de Investigações e Capturas as secções de
Identificação e Photographia Judiciaria.
§ 2.° A Inspectoria de Investigações e Capturas será superin-
tendida por um dos delegados auxiliares designado pelo Chefe de
Policia.
Art. 23. O Chefe de Policia poderá designar os supplentes dos
delegados para qualquer serviço especial, tendo elles, em taes
casos, competência para praticar todo e qualquer acto attribuido
por lei aos delegados.
Art. 24. O actual regulamento da Guarda Civil será modificado
na parte relativa aos pecúlios e á Caixa Beneficente, além do mais
que fôr julgado util ao serviço.
Art. 25. O Chefe de Policia tem competência para rever em
qualquer sentido a divisão policial, sem augmento de despeza.
Art. 26. E' instituído o tirocinio policial do seguinte modo :
§ 1." Haverá uma escola policial dirigida por pessoal da Policia,
sem augmento de despeza.
§ 2.° As vagas de agentes, officiaes de diligencias e escreventes
serão preenchidas por alumnos da escola ; as de commissario, pelos
agentes, officiaes de diligencias e escreventes ; as de delegado de
districto, pelos commissarios e escrivães com mais de cinco annos
de tirocinio policial, ou por bacharéis em direito com dois annos de
pratica. As entrancias das delegacias serão providas por antigüidade
e merecimento.
Art. 27. O serviço de guardas nocturnas será reformado por
instrucções do Chefe de Policia.
XII

Art. 28. Nenhuma demissão será dada de cargo policial sem


audiência do funccionario incriminado de falta disciplinar. A reso-
lução neste caso tomada pelo Chefe de Policia será irrecorrivel.
Art. 29. Nos regulamentos que o Governo expedir em virtude
desta lei poderão ser estabelecidas multas e taxas de 100$ a
500$000.
Art. 30. A carteira de identificação, com valor de folha cor-
rida, será exigida :
a) para a investidura em qualquer cargo ou funcção publica
.federal ou do Districto Federal ;
b) para o registro de todos os títulos scientificos nas repartições
publicas ;
c) para o serviço marítimo, de estiva e de conductor de
vehiculo.
Paragrapho único. Logo que fôr sanccionada esta lei, os di-
rectors e superintendentes de todos os serviços públicos farão
apresentar, do modo que fôr combinado, os respectivos funccionarios
e empregados de qualquer ordem para serem identificados.
Art. 31. Toda pessoa que mudar de habitação communical-o-ha
á delegacia do districto que deixar e á do districto em que fôr residir.
Art. 32. Nas investigações policiaes só poderá estar presente,
além dos funccionarios da Policia, o promotor publico.
Art. 33. Nas perícias medico-legaes não se permittirá o accesso
de ninguém nem a tiragem de photographias.
Art. 34. Os agentes de Policia terão transito livre em todas
as linhas de bonds, estradas de ferro e barcas, mediante a simples
apresentação da carteira.
Art. 35. A disciplina funccional da Policia comprehende a
advertência particular, a censura publica, a suspensão, a multa, o
rebaixamento de classe e a demissão.
Art. 36. Fica o Governo autorizado a abrir o credito necessário
á execução do art. 22 desta lei.
Art. 37. Revogam-se as disposições em contrario. »

O futuro, talvez muito proximo, dirá que foi um


erro não se definirem as modalidades criminaes do anar-
chismo violento.
Erro, o tempo já se encarregou de demonstrar que está
sendo não se haver definido a residência do estrangeiro, de
modo a poder o paiz defender-se dos máos elementos que
XIII

procuram abrigo á sombra da liberdade que praticamos e


que tanto parece, sob certos aspectos, irmã-gemea da li-
cença, situação que força uma corrente victoriosa do Su-
premo Tribunal a julgar inconstitucional o dec. leg., n. 2.741
de 8 de janeiro de 1913.
Quasi todas as ideas concretisadas no projecto acima
foram apoiadas pela Conferência Judiciaria-Policial.
Outras existiam implícitas no nosso direito e eu as
quiz tornar explicitas, como a do art. 15, relativamente á
localisação de meetings • « Todas as reuniões pacificas nas
praças, theatros ou outros locaes serão livres, ficando, entre-
tanto, livre á policia designar outros locaes sempre que o
exercicio do direito de liberdade da palavra collidir e
perturbar outros direitos.»
O projecto não teve andamento, apezar de incluído na
ordem do dia.
Uma tentativa feita no Senado, na cauda orçamentaria,
não logrou melhor resultado. Nessa Câmara do Congresso
Nacional consegui, apenas, uma autorização que vem sendo
repetida nas leis annuas.
A ultima, n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918, no art. 15,
assim dispõe a respeito :
« Continua em vigor a autorização concedida ao governo
para reorganizar, sem augmento de despeza, a Policia do Dis-
tricto Federal, podendo rever os regulamentos em vigor e dar
nova organização ao Gabinete Medico-Legal, no sentido de
subordinal-o directamente ao Ministério do Interior, e asse-
gurada aos medicos do referido gabinete a funcção de pe-
ritos privativos da justiça, incumbindo-lhes attender ás re-
quisições judiciarias de par com as policiaes.»
Dentro deste artigo, formulei um regulamento (na im-
possibilidade de remodelar todo o serviço que não poderá
soffrer nenhuma reforma séria sem augmento das unidades
XIV

de ronda), reorganizando a inspectoria de investigações e


capturas e dispondo sobre vários assumptos que, não sendo
estranhos a essa dependência da policia, diziam respeito,
entretanto, á policia em geral.
Entre outras providencias desse regulamento figuravam
varias tendentes á protecção da infância operaria, da infância
abandonada, da identificação dos locadores de serviços
domésticos, hotéis, restaurants, bars, etc., censura théâtral
e films cinematographicos. Certas disposições preenchiam
uma lamentável lacuna do direito brasileiro sobre prescripção
de notas judiciarias para tornar possivel a expedição de car-
teiras de identidade com valor de folha corrida. Outras
protegiam as senhoras contra o atrevimento de moços sem
educação, sujeitando-os a multa de caracter administrativo.
Quasi todas, senão todas, as decisões da Conferência
Judiciaria-Policial, tomadas como voto de juizes de todas as
instâncias, foram adoptadas no referido regulamento.
O Sr. Presidente da Republica entendeu, porém, que,
estando a findar o seu mandato, seria melhor deixar ao
governo vindouro a responsabilidade da reforma.
Vou, pois, deixar a administração policial sem lograr
melhorar esse tão importante, e, entre nós, tão malfadado
serviço, a despeito de, sem intermittencias, no período de
quatro annos, haver pleiteado, junto ao parlamento, a sua
remodelação.
Estas paginas valerão como uma defesa prévia perante
os que, de futuro reformando a policia do Districto Federal,
levarem a effeito a sua indispensável e urgentíssima re-
organisação.
Rio-julho-1918.
Aurelino Leal.
PRIMEIRA PARTE

COMTRIBUIÇÃO PARA í CONFERÊNCIA JUDICIARÎA-P0LIC1AL

1
I

DiscrcnRSOS
Discurso proferido no acfo de inauguração da Conferência Judiciaria-
Policiai, em 3 de maio de 181/

Bxmo. Sr. Presidente da Republica, senhores ministros.


Bxmas. senhoras, senltores membros da Conferência Judi-
ciaria-Policial, meus senhores.

Neste discurso de abertura da Conferência Judiciaria-


Policial, o meu primeiro dever é agradecer ao honrado Chefe
do Estado o seu comparecimento a esta solemnidade. A pre-
sença do eminente homem publico nesta sala. recebo-a como
uma franca prova de apoio e solidariedade em prol do as-
sumpto que nos congrega.
Pelo nosso presidente, por mim e por todos os membros
da Conferência, agradeço igualmente o comparecimento de
quantos nos trouxeram a honra de sua assistência : ministros
de Estado, altos funecionarios, homens de lettras'." represen-
tantes de actividades liberaes c conservadoras.

Meus senhores.

Quando comecei a dar os primeiros passos tendentes á


realização de?ta Conferência, disse, em carta-circular dirigida
aos seus actuaes membros, que os seus intuitos seriam :
I o , estreitar os laços de harmonia entre os membros da
magistratura e as autoridades policiaes;
__ 6 —

2o, discutir a organização do serviço de policia no Dis-


tricto Federal;
3 o , esclarecer as questões limitrophes ou de interesse
commum á Justiça e á Policia ;
4o, traçar com a possível clareza a linha de acção legal
da Polícia, diminuindo as possibilidades do poder arbitrário.

O Poder Judiciário e a Policia lavram a mesma terra e


se destinam a um ideal commum: a manutenção da ordem.
Ambos, no regimen do direito, andam armados da lei. que é,
por assim dizer, o seu instrumento principal de cultura no
campo immenso da sociedade.
As differenças que, não obstante, os separam, não di-
minuem as relações que existem entre ambos: o judiciário
é um poder de movimentos inespontaneos, de caracter repres-
sivo ou reequilibrador de laços jurídicos que se romperam ou
desataram; ao passo que a Policia, maximé na sua funcção
preventiva, vela, antes de tudo, por que se não afrouxem ou
despedacem aquelles elos que, em essência, constituem o sus-
tentaculo da disciplina social.
A justiça e a policia são instituições legaes e nimiamente
conservadoras da ordem e da segurança publicas. Uma attende
á solicitação que lhe fazem os direitos prejudicados; a outra
vigia por que esses direitos não sejam attingidos.
A alliança, pois, dessas duas organizações é indispen-
sável. Em janeiro de 1901, na Sociedade Geral das Prisões de
Paris, ao ser discutida a these relativa ás garantias da liber-
dade individual, LARNAUDK. que foi relator, salientou a neces-
sidade de approximar a policia do juiz. «Convém precisar,
disse elle, as relações entre a prefeitura de policia e o juiz
de instrucção. E' preciso que cada um saiba até onde pôde
ir e o que pôde exigir » ( 1 ) .
Não foi sinão por ter percebido essa communhão de
intuitos ou unidade de fins, que REISS preconizou « o recruta-

(1) Revue Penit, pag. 193.


— 7 —

mento dos chefes da policia criminal nos meios judiciários »,


como medida «excellente para estabelecer boas relações entre
a policia e a justiça » ( 2 ) .
De facto, um chefe de Policia é um alto representante
do Poder Executivo, e deve, neste caracter, procurar os
membros da magistratura, com elles conferenciar em nome
da ordem publica, esclarecendo a sua conducta em relação a
providencias que haja tomado, susceptíveis de reflectir no
domínio judiciário.
Não ha nisto nenhum attentado á probidade dos que
julgam, nem mesmo condescendência de sua parte em ouvirem
as autoridades policiaes.
Esse gênero de relações é perfeitamente constitucional.
Os poderes públicos, comquanto independentes, são harmô-
nicos, e essa harmonia pôde receber todas as fôrmas exte-
riores e praticas que, conservando a integridade de todos,
augmente a somma de beneficios communs.
Gabo-me, nesta solemnidade em que tomam parte tantos
juizes, de poder dizer que essa maneira de exercer a harmonia
dos poderes públicos muito me ha facilitado o cumprimento
das minhas funcções.
Sirva de exemplo a repressão da vagabundagem.
Chegámos a uma situação, por causas que não vale a
pena apurar no momento, em que rarissimas se tornaram as
condemnaçoes por essa contravenção. D'ahi, a impunidade e o
grande augmento de furtos, roubos e assaltos no Districto
Federal. Foi preciso, nesse instante em que a necessidade
fallou mais alto do que o mecanismo legal, afastar da cidade
esse elemento deletério, que tanto perturbava as nossas classes
conservadoras.
Si á Policia, no primeiro momento, foi fácil, embora
constrangidamente, remediar a situação de tal fôrma, difficil
foi manter a sua therapeutica. Os pedidos de habeas-corpus
succediam-se. A invocação da grande franqueza constitu-
cional, para a qual a lei suprema não estabeleceu excepçÕes,
na vigência das garantias nella firmadas, deu em resultado
que gatunos os mais conhecidos, salteadores os mais desabu-

(2) RÜISS — Contr. á la Reorganisation de la Police, pag. 14.


— 8 —

sados, vagabundos os mais contumazes, vivessem livremente


no meio da gente honesta.
Inteiramente desarmado para uma tal luta, recorri á pro-
verbial gentileza do honrado Sr. desembargador Celso Aprigio
Guimarães, distincto e integerrimo presidente da 3 a Câ-
mara da Corte de Appellaçao. pedindo-lhe uma conferência
em que tomassem parte todos os seus dignos collegas e o
illustre Sr. Dr. Moraes Sarmento, procurador geral do Dis-
tricto. O resultado foi efficacissimo. Combinada uma acção
toda legal, assentada uma orientação firme, com o apoio
indispensável dos esforçados pretores e membros do Ministério
Publico, a vagabundagem começou a ser perseguida e o está
sendo ainda com a tenacidade que bem nos merece a Capital
da Republica.
Estes simples dados depõem com grande eloqüência.
Emquanto em 1906 foram condemnados 422 vagabundos, de
janeiro deste anno até agora já foram, em idênticas condições,
remettidos para a Colônia Correccional 95.
Não é. porém, desse ponto de vista que essa estatística
deve ser estudada.
A minha conferência com os membros da 3 a Câmara da
Corte de Appellaçao se realizou em setembro de 1916. Pois
bem: da minha investidura na chefia de policia desta Capital,
14 de novembro de 1914, até 31 de agosto de 1916, ou seja
um período de um anno, nove mezes e dezeseis dias, foram
condemnados 398 vagabundos; daquella conferência até hoje,
isto é, no decurso de oito mezes. apenas foram condemnados
663. Ou mais simplesmente: em 21 mezes e meio 398; em
pouco mais de um terço desse tempo. 663.
Uma outra pratica por mim adoptada tem sido, nas
informações a mim solicitadas pela magistratura, enfrentar o
assumpto sob o ponto de vista jurídico, discutil-o documen-
tal-o abundantemente.
Com essa conducta, consegui tomar mansa e pacifica-
mente varias providencias contra o meretrício escandaloso (3) ;

(3) Sentença do juiz Antonio Paulino da Silva, de 3 de abril


de 19T5.
— 9 —

firmar o poder disciplinador do chefe de Policia (4) ; pôr


em saliência a força do seu contraste sobre representações e
cambio theatraes (5) ; esclarecer a sua competência para a in-
ternação administrativa de loucos na Colônia Correccional (6) ;
assentar a regra de que não constitue constrangimento á
pessoa o vexame que lhe possa advir da simples vigilância
policial (7) ; e estabelecer a procedência da sua acção em
certas manifestações religiosas (8), a despeito da liberdade
constitucional de cultos.
Agora, com a reunião desta Conferência, confio que taes
relações ainda mais se estreitarão.
O programma que elaborei e que os meus distinetos col-
legas tão generosamente acceitaram sem modificações, fala
do cuidado com que me dispuz a avaliar o potencial de colla-
boração das autoridades do pretorio c da segurança publica
no serviço da manutenção da ordem e á verificação das fron-
teiras até onde se extende a acção de umas e outras.
E ' assim que offereci opportunidade para o estudo da
identificação entre nós sob o ponto de vista do valor de folha
corrida attribuido á carteira respectiva, e da competência da
autoridade policial para cassal-a, bem como das relações entre
esta nossa creação legal, o registro judiciário criminal e a
rehabilitação.
Na minha propria administração tenho lidado com hypo-
theses delicadíssimas no ponto de vista da bôa fama e da
liberdade dos cidadãos.
Pessoas que andaram sob a acção da policia e da justiça,
mas que através de dez e mais annos seguidos voltaram a
uma linha perfeita de conducta, se teem visto a pique de
prejuizos e vexames dolorosos, devido á falta de uma lei
sobre a prescripção do registro criminal ou sobre a rehabili-
tação de pleno direito.

(4) Ace. do Sup. Trib. Fed., de maio de 1915 (n. 3.770).


(5) Acc. da 3 a Câmara da Corte de Appellação, de 7 de janeiro
de 1916.
(6) Ibd., ibd., ibd., de 13 de dezembro de 1916.
(7) Ibd., ibd., ibd., de 10 de maio de 1916.
(8) Acc. do Sup. Trib. Fed., de 1916.
10 —

Um outro assumpto, também delicado, foi offerecido ao


estudo da Conferência: diz respeito á liberdade de trabalho
e se concretiza na apprehcnsâo da carteira dos conductores
de vehiculos e no processo das infracções respectivas.
Entre estes e outros da primeira secção sobresahe a
questão relativa ao poder de policia e ao poder regulamentar do
chefe de Policia, terreno amplissimo e de uma grande com­
plexidade jurídica, onde a cada momento se enfrentam a
administração e a justiça.
Comprehendi com tanto rigor a necessidade de uma intel­
ligencia funccional entre a magistratura e as autoridades de
segurança publica, que uma das secções desta Conferência é
consagrada justamente á Justiça e á Policia.
Antes de tudo, pretendi que se traçasse uma linha limi­
trophe do domínio de uma e de outra ; em seguida, abri ensejo
a que se desse uma solução pratica ao instituto do inquérito
policial, mantendo­o, ou substituindo­o immediatamente pela
instrucção do processo; formulei, depois, a these sobre a
vadiagem e a vagabundagem, inscrevendo como assumpto a
ser resolvido as regras precisas sobre o respectivo processo,
de modo que os funccionarios da policia possam conhecel­as
em toda a sua extensão, segundo o critério dos próprios julga­
dores . Está inscripto, em continuação, o thema sobre « penas
pecuniárias e contravenções a que devem ser applicadas ■>>,
porque penso que devemos, em um grande numero de pe­
quenos factos, substituir a privação da liberdade individual
pela multa.
Demais disto, este estudo abrirá margem a que se firme
a distincção que procurei fazer no meu estudo sobre o poder
de policia entre a multa como pena inscripta no Código respe­
ctivo, e, como sancção de meros 'delidos administrativos, sus­
ceptível de ser imposta e arrecadada pela autoridade que a
impõe, salvo a cobrança judicial aos que não açodem de
prompto á imposição ( 9 ) .
Não olvidei no programma da actual Conferência a tor­
mentosa questão do jogo, a mais difficil, talvez, daquellas com
que a Policia lida.

(9) A. LEAL — Poder de Policia, etc., These para a Conferência


Judiciaria­Policial.
_ -li —

JULES LEFKVRE relatando este assumplo na Société Gé-'


nêrale des Prisons, ao alludir á licença ou á interdicção abso-
luta do jogo, disse, talvez com razão, « que uma solução
radical, num ou noutro sentido, seria perigosa e não poderia
ser definitiva» ( 1 0 ) .
Desgraçadamente, a lei vigente não encarou bem o pro-
blema, e, por isso mesmo, o resolveu mal, creando para a
autoridade publica uma situação de impotência que seria des-
animadora, si o facto não fosse geral.
Em 1913, no meio dos seus confrades da Société Générale
des Prisons, EMILE GARÇON accentuou : « Quem ignora que
em Paris se joga em um numero infinito de estabelecimentos
públicos? Nos cafés doirados e resplandecentes de luz dos
boulevards, freqüentados por pessoas de fortuna, nas casas
de cerveja do bairro latino, onde se encontram os estudantes,
nas tavernas mais modestas das ruas. estreitas e dos bairros
populosos onde vivem os operários, nas sórdidas pocilgas onde
se refugiam as marafonas, os rufiões e os apaches, por toda
a parte se joga ás escancaras» ( 1 1 ) .
E' uma situação vexatória, conveem todos; mas o facto
não levou á fallenciá a policia de Paris.
Em Londres, mesmo, ha quatro annos, apenas, se reco-
nheceu o augmento considerável dos gambling places. A po-
licia era despistada pelos jogadores, que se estabeleciam em
casas privadas e se mudavam constantemente, em geral todas
as noites, para se não deixarem apanhar em flagrante (12).
Quando o legislador enfrenta uma questão de tal ordem
ou occupa um meio termo ou nada resolve.
Melhor do que eu, vós sabereis o critério a seguir.
Nenhum assumpto, porém, dos inscriptos em nosso pro-
gramma, é mais importante do que o referente ás liberdades
individuaes e ás suas restricçÕes.
Seduziu-me fortemente esse estudo; mas na funeção cm
que me encontro, taxar-me-iam, talvez, de suspeito para
tental-o. A policia é justamente o apparelho que se antepõe

(10) Revue Penit., vol. 37, pag. 120.


(11) Revue Penit., vol. 37, pag- 284.
(12) Ibd., ibd., pag. 311.
á liberdade para cohibir-lhe os abusos. Dahi, a lembrança que
tive de propor á acclamação dos suffragios da Conferência
o nome de um juiz do mais alto Tribunal do Estado, grande
também pelo seu saber e pelo seu critério.
Pudesse sahir daqui, meus senhores, a doutrina da ori-
entação conservadora, que é preciso adoptarmos em nome do
nosso futuro!
Ha três annos que me bato por essa linha de condueta
política ; mas. ai ! de mim. hei falado de tribunas que não são
talvez bem escutadas.
No Congresso de Historia Nacional, em 1914, escrevendo
sobre a these Do Acto Additional á Maioridade, disse eu:
« Não ha collectividade que dispense a orientação conser-
vadora. Certamente, esta sería estéril sem a luta pelos idéaes
do liberalismo. E' das prevenções de uma e dos outros que
nasce o meio termo em que vivem os agrupamentos. Quando
a política conservadora é mais forte e deixa de soffrer o re-
flexo ou contraste da orientação liberal, vem um momento
em que é preciso augmentar a pressão para evitar uma parada
de desenvolvimento. Ao contrario, si as tendências liberaes
se exaltam demasiado, o contrapeso conservador deve intervir
para logo, contendo a expansão maxima do movimento » ( 13).
Um pouco mais tarde, no meu curso de Historia Consti-
tucional do Brazil, insisti no mesmo ponto: « E' justamente
essa política, disse eu, da orientação conservadora, que merece
applausos da historia, política que o estudioso encontra através
da nossa existência, quer na Carta de 1824. quer na revolução
de 7 de abril, quer nas leis de 32 e 34. quer. finalmente, na lei
de interpretação. Em todas essas etapas do desenvolvimento
constitucional brazileiro, a nossa garantia foi sempre de\ ida
áquelles que puzeram a mão ao freio da machina e não a
deixaram disparar» (14).
Ao ser recebido no Instituto Histórico, em agosto de 1915,
não olvidei o meu thema predilecto.
Numa synthèse do meu pensamento, formulei este con-
ceito : « No governo e na política brazileira. resistir aos exal-

(13) A. LEAI. — Do Acto Addicional ú Maioridade, pag. 199.


(14) A. L,n \r, — Historia Constitucional do Brasil, pag. 237.
— 13 —

tados tem sido uma pratica repetida e feliz. Insistamos


nelîa... (15),.
Xo Instituto dos Advogados, como seu orador official
em 1915, na sessão de anniversario, a 7 de setembro, mais
uma vez preguei o evangelho conservador. « Faz-se entre nós,
disse eu. um cabedal enorme das liberdades. Todos invocam
as franquezas constitucionaes ; mas poucos são os que com-
prehendem que liberdade não é licença; que assim como o
direito de um indivíduo acaba onde começa o direito do outro,
assim também a liberdade de um cidadão não pôde invadir a
liberdade de outro » (16).
E, com a franqueza que o momento exigia, relembrei o
meu modo de ver sobre a extensão das liberdades : « O Es-
tado se funda sobre a lei. Esía é a sua base. Todas as liber-
dades que elle reconhece ou concede ficam sujeitas á sua
fundação, por dependência material. Não ha liberdade inde-
pendente. E' preciso ser pleonastico e dizer com clareza de
luz solar: não ha liberdades livres, ha liberdades jurídicas...
O limite de todas as liberdades está na necessidade de con-
tel-as para não comprometterem o equilíbrio social. Um re-
gimen de liberdades livres seria um regimen de confusão e
anarchia. Um regimen de liberdades jurídicas é um regimen
üe ordem, de segurança...» ( 1 7 ) .
A Conferência vae decidir sobre esse ponto importante,
como dirá também da « policia dos estrangeiros », indicando
aos poderes públicos o meio pratico, expedito e enérgico de
nos precavermos dos máos elementos de outras terras, dentre
cujos representantes sobresaem os senhores das escravas
brancas, contra os quaes urge seguir o exemplo inglez. já
copiado pela Argentina, submettendo-os á pena de chicote,
em que pese á excessiva bondade do nosso temperamento
latino.
Sobre este e outros assumptos o voto da Conferência
será proveitoso e constituirá fonte segura de informações e
ensinamentos para a reforma de amanhã.

(15) Jornal do Commercio, de 29 de agosto de 1915.


(16) Jornal do Commercio, de 22 de setembro de 1915.
(17) lbd., 22 de setembro de 1915.
— 14 —

Na parte relativa á Policia Administrativa, objccto da


3 a secção da Conferência, submetti ao vosso estudo assumptos
da ordem do « papel da imprensa no domínio da policia » ;
e, jornalista que sou, tenho a esperança de que com um
pouco de tacto da parte das autoridades policiaes, os que
exercem tão nobre profissão hão de comprehender que grande
serviço prestarão ao publico quando omittirem dos noti-
ciários factos que, trazidos á publicidade, burlam as inves-
tigações praticadas, e quando supprimirem da parte destinada
aos annuncios aquelles que attentam contra a lei e contra a
propria moral.
Uma outra providencia, neste particular, deve ser ado-
ptada, mas esta compete aos próprios funccionarios da po-
licia: é a pratica do sigillo.
O serviço policial é de sua natureza reservado, e onde
quer que haja um pouco de senso e de cultura não se pratica
de outro modo.
No Instruction Book da Metropolitan Police, de Londres,
está escripto o aviso categórico : « Police must not give infor-
mation to the Press on police matters, or write letters without
the Commissioner's leave ». A policia não deve dar infor-
mações á imprensa sobre assumptos policiaes, ou escrever
cartas aos jornaes sem permissão do chefe de policia» ( 1 8 ) .
Este assumpto é julgado de tamanha importância para o
serviço policial do grande povo que, no The Police Code, de
a
HOWARD VINCENT, livro que já anda pela sua 15 edição, está
eloqüentemente escripto : « A Policia não deve de nenhum
modo dar informações, quaesquer que ellas sejam, a pessoas
ligadas com a imprensa sobre assumptos do seu conhecimento,
sobre obrigações que tenha de cumprir, ou as ordens recebidas,
nem communicar-se de qualquer modo, directa ou indirecta-
mente, com redactores ou reporters de jornaes sobre qualquer
assumpto que diga respeito ao serviço publico, sem autori-
zação expressa e especial-» ( 1 9 ) .
Entre nós não se entende assim, e contra este máo habito

(18) Instruction Book, pag. 16.


(19) HOWARD VINCENT — Police Code, 15a éd., p.ag. 163.
— 15 —

é preciso reagir appellando para a boa vontade dos jorna-


listas .
Um outro assumpto que ides abordar é o relativo á por-
nographia. FOURCADE disse com razão, falando da França,
que « não ha talvez perigo maior para o seu próprio futuro,
que desperte maiores alarmes, do que os progressos da porno-
graphia e do deboche », « revestindo um caracter interna-
cional », a que é preciso pôr termo ( 2 0 ) .
Póde-se dizer que ainda não iniciamos uma campanha
regular contra essa aberração moral, sendo altamente acon-
selhável que a combatamos antes que ella se infiltre na alma
popular e a envenene com a cachexia da dissolução.
De par com esta, vêem as questões sobre o meretrício
escandaloso e sua localização, assumpto sobre o qual a
minha administração algo já ha conseguido; sobre loucos e
mendigos — estes especialmente — com uma assistência in-
completissima, expondo a nossa cidade a um espectaculo dolo-
roso, que nos humilha ao olhar do estrangeiro observador, sem
que a policia possa tomar uma providencia salutar á falta de
asylos; sobre as hospedarias e casas congêneres, muito ca-
rentes de vigilância hygienica; sobre diversões publicas; sobre
a rua debaixo do ponto de vista moral; sobre a infância aban-
donada, repressão do alcoolismo, uso e venda de armas pro-
hibidas e casas de penhores.
Do ponto de vista theorico, como do ponto de vista pra-
tico, todas essas theses são importantes e jogam de perto com
os interesses da ordem publica.
Das ultimas citadas, porém, duas sobresahem pelo seu
valor: as que se referem á infância abandonada e á repressão
do alcoolismo.
Confesso, senhores, que me préoccupa muito a desgra-
çada herança que vamos transmittir á futura geração ! Não
sei como nos julgará ella deante dos descuidos desta hora, no
tocante aos menores desprotegidos. Quem quer que ande
pelas ruas da cidade pôde ser testemunha de que possuímos
muitas centenas de menores desoccupados. praticando a va-
diagem que começa innocente, mas que, para elles, sem pães

(20) Revue Penit., 1911, pags. 1.037-39 •


— 16

ou com pães que os não educam, não é sinão o aperitivo.


o convite suggestivo, a provocação fascinante á vadiagem
profissional, a grande pepineira dos criminosos' e das prisões.
E tão pouco é possivel fazer neste momento, que, quando
defronto com uma creança dessas, quando as vejo vagando
á tôa pela cidade, quando as encontro em más companhias,
freqüentando assiduamente as delegacias districtaes. e vejo
que o apparelho de assistência é impotente, que não temos
colônias, nem escolas profissionaes sufficientes para esses
pequenos patrícios, dóe­me a alma de brazileiro, e confesso
a mim próprio que os estamos, nós mesmos, condemnando a
uma vida deletéria, a um futuro de actividade negativa, quando
os podemos salvar, com um esforço nobre, do abysmo que os
attrahe e transformal­os em factores de utilidade social.
A administração policial não dispõe sinão de um estabele­
cimento para esse fim : a Escola ­Premunitoria Quinze de
Novembro. Mas esta não comporta mais de 1res centenas de
creanças.
Forçado por esta contingência, estabeleci na Colônia de
Dous Rios, inteiramente separada dos condemnados, sem a
disciplina délies, mas com o caracter educativo que alli é
possivel manter, uma secção de menores, oecupada, em geral,
por aquelles cuja internação me é solicitada pelos próprios
progenitores ou outros representantes legaes.
O facto encontra precedente. O systema das Borstal
Institutions começou, na Inglaterra, na prisão daquellc
nome ( 2 1 ) .
E' urgente, entretanto, sahir dessa situação deplorável,
porque a verdade é esta :■ responsáveis pela sorte da geração
que surge, ha uma grande parte delia que se está perdendo por
nossa culpa : salvemol­a !
Quanto ao alcoolismo, não é preciso esquecer « a sua in­
fluencia cada vez maior no desenvolvimento do suicídio, da
loucura e da criminalidade» ( 2 2 ) .
Em 1916, na França, a União das Francesas contra o
alcool dirigiu ao parlamento uma representação, onde sobre­

(21) Instruction Book, pag. n o .


(22) Rcvuc Penit.. 1897. pag. 8.
— 17 —

saliem as seguintes phrases de grande eloqüência : « Graças aos


nossos esposos, aos nossos filhos, a França será libertada do
bárbaro invasor. Graças a vós ella o poderá ser do flagello
interior: o alcool» ( 2 3 ) .
Entre nós, o art. 10 da lei 11. 1.631. de 3 de janeiro
de 1907. e o art. 247 do regulamento n. 6.440. de 30 de março
do mesmo anno, não resolveram a questão, que está reclamando
os vossos cuidados.

II

O segundo motivo que me levou á convocação desta Con-


ferência foi pedir a vossa collaboração na reforma que a
Policia do Districto Federal está a exigir em nome da nossa
civilização c da nossa cultura.
Xão quiz confiar na minha apoucada experiência, e,
dahi. o empenho de ouvir antigos funccionarios da segurança
publica que abraçaram a carreira da magistratura, e a todos
os membros desta, que, sempre em relações com a policia,
estão nas melhores condições de suggerir prudentes conselhos
e sábios alvitres.
Senhores, é preciso que se diga sem rebuço : na Policia
do Rio de Janeiro tudo é incompleto, acanhado e. em muitos
casos, empírico. Não se compreheiide, mesmo, que em épocas
de maior fartura os Governos não tenham tratado da segu-
rança da cidade, copiando os exemplos que nos fornecem
organizações policiaes como Londres. Berlim, Paris, ou mesmo
Buenos Aires.
O orçamento brazileiro despende com o serviço da ordem
publica na cidade cerca de 14.000:ooo$ooo. Londres1, em 1912,
inscreveu no seu orçamento a somma de £ 2.830.000, ex-
cluindo fracções. Mas, emquanto a policia londrina açode
a uma população de 7.233.306 habitantes (24). nós servimos
a uma. provável, de 1.200.000. Feita a proporção, a grande
capital ingleza deveria despender muito mais. Quanto ao

(23) Ibd., 1916, pag. 272.


(24) FOSMCK — European Police Systems, pag. 101
2
s
— 18

pessoal, o commissioner londrino, no seu relatório de 1914,


informa que o numero de que dispunha para o serviço effe-
ctivo de segurança, á parte 2.919 empregados em vários
serviços, se elevava a 19.129 homens.
Entre nós, excluindo o pessoal de secretaria, e contando
apenas o que pôde rondar as ruas ou investigar crimes, inclu-
sive o próprio chefe de Policia, esse numero é de menos de
4.300 homens, do qual temos de descontar grandes par-
cellas (25) que reduzem extraordinariamente aquella cifra.
Para a vigilância da via urbana, dispomos de pouco mais
de 2.000 homens, nem sempre facilmente apuraveis; e isto,
positivamente, não depõe em favor da nossa efficiencia po-
licial .
Entretanto, dentro dos próprios recursos actuaes, o ser-
viço pôde ser largamente melhorado, evitando-se que o escasso
pessoal seja distrahido para funcçÕes outras que não as de
segurança publica, ou, então, estabelecendo-se que o paguem
á parte, como em Londres, a repartição ou o particular que
o requisitarem (26).
Por outro lado, o Exercito poderia dar a guarnição da
cidade, como já o fez outr'ora. No seu magnifico estudo
sobre o poder de policia, OTTO MAYER attribue á força de
terra o « serviço diário da garde de garnison » (27) .
Com esta providencia, apoiariamos a segurança das ruas
com mais algumas centenas de rondantes.
Si o nosso serviço de ronda é deficiente, deficientissimo
é o de investigação. O regulamento n. 6.440, de 30 de março
de 1907, creou um Corpo de Segurança com um inspector e
80 agentes!... Isto para uma população provável de 1.200.000
habitantes é positivamente ridículo.
O resultado é que sempre se admittem agentes addidos
e se distraem alguns elementos da Guarda Civil para auxiliar

(25) Veja minha carta ao Correio da Manhã de 25 de março


de 1917.
(26) Report of the Commissioner of Police of the Metropolis
for the year of 1914, London, pag. 4.
(27) OTTO MAYËR — Le droit public de l'Empire Allemand, vo-
lume II, pag. 170.
— 19 —

o formidável serviço confiado a essa dependência da policia.


Actualmente, os addidos vieram quasi todos da Alfândega.
Assim, artificialmente, o Corpo de Segurança concorre
para o serviço primacial que lhe é affecto com cerca de
200 agentes, mal pagos, e dos quaes' se exige um trabalho
verdadeiramente extenuante.
O inspector dessa repartição é remunerado com réis
4:8oo$ooo ! . . .
Em Londres, o assistant, que dirige o departamento da
detective force, percebe cerca de 23 :ooo$ annualmente !
Sobretudo, senhores, é preciso augmentar a efficiencia
da policia pela instrucção do pessoal, technico como é o ser-
viço que delle se exige no dominio da investigação.
Xão pense ninguém, entretanto, que a melhor policia do
mundo pede meças á infallibilidade. Xeste assumpto, tudo é
contingente.
FosDicK bem o salienta, referindo-se à extensão dos me-
thodos empíricos na actividade policial.
O seu estudo The Modus Operandi System in the dete-
ction of criminals, elle o abre precisamente com estas pa-
lavras : « A investigação de criminosos, considerada como uma
sciencia, está na sua infância». Sem rebuço, elle affirma
que « empregamos ainda um methodo rotineiro em que a
sorte e a conjectura representam os papeis principaes», de
tal modo que « innumeras vezes o êxito é resultante mais do
acaso ou de um accidente do que de um plano preconce-
bido (28).
Sabido, como é. que àe todas as instituições do governo
publico a policia é a menos sympathisada. é muito commum
entre os depreciamentos da nossa ouvirmos allusões á per-
fcctibilidade das congêneres estrangeiras. KOSDICK, e com elle
muitos outros, esbate essa graciosa affirmativa com um traço
de penna. Alludindo á habilidade dos criminosos de hoje,
« á sua technica », diz elle : « Para combater este estado de
cousas. estamos usando hoje. praticamente, os mesmos me-

(2S) FoSDicK—The Modus Operandi System in the detection of


criminals, reprinted from the journal of Criminal Law and Crimi-
nalogy. novembro 1915-
— 20 —

thodos que os Bozv street runners empregavam ha cem annos


em suas fracas tentativas de reduzir o crime em Londres.
Nossos investigadores são, em geral, deficientemente
instruídos e quasi invariavelmente armados de modestos ins-
trumentos ou inteiramente desarmados délies ( 2 9 ) .
Não admira, pois, que « as autoridades de Nova York
affirmera que das queixas recebidas pela Policia de crimes
contra a propriedade, somente uma pequena prdporção é
esclarecida, devido a uma acção ponderada dos investiga-
dores ( 3 0 ) .
Certamente, não faltam systemas que se destinem a trazer
a Policia desse ambiente de empirismo para um campo de
observação intelligente c de processos technicos. O de BER-
TiLitON, inspirado pela anthropometria ; o dactyloscopico. de
AVíi.i;iAM IlERscnia, FRANCIS GALTOX, EDWARD HENRY,
GUSTAV ROSCHER, YuciíTien, LOCARD, GASTI, suggerido pelas
linhas papillares dos dez dedos das mãos; o Modus Operandi
System, de ATCHERLEY, descansando na comparação dos pro-
cessos de acção dos criminosos ; o Meldwesen, que « constitue
na Allemanha e na Austria o coração do serviço de inves-
tigação » unido ao Steckbrief, isto é. « uma noticia ou aviso
de homens procurados em virtude de crimes », todos se des-
tinam á luta contra o criminoso ( 3 1 ) .
O movimento é intenso no sentido de augmentai' o valor
da sciencia — «the science of crime detection»—e. nota
FosDiCK. « é interessante observar que este novo movimento
não se originou nos departamentos policiaes, mas nas univer-
sidades ». enchendo de fama os nomes de H A N S GROSS, na Al-
lemanha ; de Riíiss, na Russia; de XICKFORO, na Italia, e as
universidades de Bucarest e Sienna, onde foram creadas ca-
deiras especiaes ( 3 1 ) .
« Nestes últimos dez annos os raethodos de laboratório
das universidades teem sido adoptados em muitos departa-
mentos de investigação ». de que podem servir de exemplo a
Italia e a Allemanha ( 3 2 ) .

(29) Ibd., ibd.


(30) FosDiCK — European Police Systems, pag. 315 e seguintes.
(31) FosDiCK — European Police Systems, pag. 3^2,
(32) Ibd., ibd.. pags. 366-7.
Si alguma cousa temos neste sentido, precisamos, entre-
tanto, melhorar muito.
Na reorganização da nossa policia, instituir a carreira,
sem nenhum pendor para a inamovibilidade, mas garantindo
aos bons funccionarios o aecesso a posições melhores e
a sua conservação nos lugares conquistados, emquanto bem
servirem, armado o Governo, entretanto, de todo o poder
para eliminar do quadro do pessoal os rebeldes ao trabalho
e os deshonestos, instituir a carreira, nestas condições, dizia,
é absolutamente indispensável.
Senhores, a razão é obvia : é preciso permanecer na
policia para ser-se bom policial. E isto não se dá somente
com os investigadores ; deve dar-se com o próprio chefe de
Policia.
Não conheço, no assumpto de que me occupo, nada menos
ponderado do que cada presidente nomear um chefe de Po-
licia. Todos appellam para a confiança...
Mas, si fossemos seguir esta regra, chegaríamos á quinta
essência de um spoils system : todos os funccionarios deveriam
ser substituídos para que o Chefe do Estado se cercasse de
homens da sua confiança pessoal.
Ora. um homem de bem pôde servir com a mais per-
feita lealdade a dois ou mais governos, maximé entre nós
aonde não ha agrupamentos partidários.
Por outro lado. com a organização que pleiteio, a politica
seria absolutamente banida da policia, e o seu chefe seria
um technico, um profissional, um supremo contrasteador da
ordem publica, sem perder tempo nem ter necessidade de
recorrer nem attender a allianças sectárias de qualquer ordem.
Certamente, o governo, neste particular, deve estar sempre
armado do poder de mudar o chefe do serviço ; mas por
amor da propria segurança e da segurança da cidade não o
deve fazer senão quando tal se tornar necessário e puder
substituir para melhor.
Nada enaltece mais este meu conceito do que o exempio
de Londres. De 1829. quando a policia metropolitana foi
reformada por sir ROBF.RT PIVKL. até o momento em que
vos estou dirigindo a palavra, isto é, no decurso de 88 annos.
a capital da Inglaterra está sob a direcção do seu sexto chefe
de Policia. Vox J VGOW é o décimo presidente da policia de
— 22 —

Berlim, sendo que três dos seus predecessores m o r r e r a m n o


exercicio do cargo, e isto desde 1848. L E P I N E serviu desde
1899 até 1913. sem contar o primeiro período da sua admi-
nistração de 1893 a 1897. STEYEXSOX, ROBERT PEACOCK,
R A F T E R , LEONARD D U N . N I N G serviram, respectivamente, em
Glasgow, Manchester, Birmingham e Liverpool, doze, deze-
seis, treze e sete annos ( 3 3 ) .
A F r a n ç a pagou caro a sua inconstância nesse sentido.
De 1800 até hoje nada menos de quarenta e nove prefeitos
contou P a r i s . Alas ahi mesmo se encontra a prova de que
é necessária a continuidade por que me estou batendo. Foi
LUPi'NE, na sua segunda administração de 14 annos, quem
elevou a policia parisiense a ponto de BERANGER ter procla-
mado « os innumeros serviços por elle prestados ao paiz »,
e julgal-o com estas palavras solemnissimas: « O que resta
de ordem em P a r i s é a elle q u e o devemos. E n o dia em
que elle desapparecer, confesso, quanto a mim, que terei
grandes inquietações » ( 3 4 ) .
P o r toda a parte a escolha de u m chefe de Policia é
motivo de profunda meditação. « A chef atura de policia de
uma cidade européa, diz FOSDICK, é um cargo de proemi-
nencia e dignidade, attrahindo os melhores talentos que a
universidade ou o serviço publico podem p r o d u z i r » ( 3 5 ) .
Do Commissioner, de Londres, se diz que elle occupa « u m
posto de honra e distincção. que exige a mais alta intelligencia
e as qualidades de homem de Estado » ( 3 6 ) . O s francezes
teem-n'o como u m a funcção que reclama « os méritos do
funccionario, do soldado, do diplomata e do parlamentar » ( 3 6 ) .
RiBOT salientou que « o prefeito de policia é quasi um
ministro em F r a n ç a » ( 3 7 ) , e FOSDICK põe em relevo que.
« além do gabinete, ha poucos cargos mais importantes em
todo o reino inglez» ( 3 8 ) .
E n t r e nós toda esta saliência existe t a m b é m .

(33) FOSDICK — Ob. cit., pag. 171.


(34) Kevue Pen it., 1912, pag. 67.
(35) FOSDICK — Ob. cit., pag. 177.
(36) Revue Penit., 1913, pags. 628-9.
(27) Ibd., 1901, pag. 464.
(38) FOSDICK — Ob. cit., pag. 164.
— 23 —

Mas vede, senhores : dá proclamação da Republica até


hoje, isto é, em um periodo de 29 annos, apenas, o Districto
Federal tem conhecido 28 chefes de Policia, contando as in-
terinidades.
Cada presidente escolhe o seu, e o que está em exercício
sabe de sobra que não acompanhará o presidente seguinte.
E' claro* que, quando me abalancci a fazer considerações
desta ordem em torno de um cargo de que, no momento, sou
o depositário, é porque não tenho — e Deus me preserve de
tão amarga conjunctura! — o desejo e muito menos a pre-
tenção de continuar nelle. Porque, com a organização actual,
a chefatufa de Policia do Rio de Janeiro é verdadeiramente
um posto de supplicios. Os presidentes da Republica, sem
excepção, teem dito que é o cargo mais difficil do governo.
O mais difficil e o peior. Todos desapertam para o seu lado:
autoridades e particulares. Dir-se-hia que a policia é uma
panacea universal, por todos reclamada, por quasi todos cen-
surada. Ora, um apparelho de que todos se valem, e que,
dentro da lei. não pôde a tudo attender, mas que tem a seu
cargo a delicadíssima funcção de manter a ordem, precisa ser
forte e apto bastante para os fins a que se destina. E no
dia em que se organizar com relativa perfeição, em que o
chefe de Policia tiver ás suas mãos todo o contraste da ma-
china, o cargo estará diminuído de uma grande parte dos seus
tormentos, quasi todos oriundos das deficiências, das intro-
missões políticas, do despreparo technico, que constituem a
regra de agora, e, então, será fácil supportal-o.
A reforma, pois. deve operar-se no sentido de uma pro-
fissionalização systematica e segundo as suggestões intelli-
gentes de uma orientação rigorosamente technica.

III

O meu terceiro intuito, senhores, pedindo a vossa colla-


boração, foi « esclarecer as questões limitrophes ou de in-
teresse commum á justiça e á policia».
No nosso programma, ha uma these geral neste sentido:
« I — Dominio da Justiça. II — Domínio da policia. III —
Demarcação de limites funecionaes ».
Na pratica é esse um campo habitual de vexames e de
desgostos.
Eu vos dizia ha pouco que. para tudo ou quasi tudo. se
procura a policia ou se invoca o seu poder.
De uma feita, preoccupado com a intervenção indébita
das autoridades da segurança em assumptos que escapavam á
sua competência, dirigi-lhes uma circular em que tracei o
circulo theorico da acção policial. « Relações de direito pri-
vado, disse eu. e obrigações délias decorrentes, teem appa-
relho especifico que as regula: é o poder judiciário c não a
policia. Assim, sempre que vos fôr exhibido um instrumento
publico ou particular de um contracte ou obrigação, e queira
alguém por meio delle provocar a vossa intervenção reque-
rendo buscas e apprehensÕes, a recusa da vossa parte deve
ser peremptória. O papel da policia é precipuamente pre-
venir crimes, e no domínio da repressão, auxiliar a jus-
tiça; jamais ella dirime questões suscitadas no direito pri-
vado» (39).
E' justamente um dispositivo legal (n. VIII do art. 41
do decreto n. 6.440. de 30 de março de 1907). repetido, aliás,
de leis anteriores, que .suggère aos que carecem de provi-
dencias urgentes, em casos pessoaes. a procura da policia. Por
aquelle dispositivo a autoridade de segurança pôde «dar
buscas e fazer apprehensõe© nos casos e com as formalidades
prescriptas em lei ».
E', sem duvida, uma attribuição delicadíssima pelo muito
que se presta á violência e ao abuso.
Mas o remédio não está em supprimil-a, e sim em escla-
recel-a.
Na França, onde igual competência se attribue á policia,
no art. 10 do Código de Instrucção Criminal, já se tem dis-
cutido a vantagem da sua suppressão. A respeito, no entanto.
PiuttARAUD proferiu estas palavras de protesto : « Eu sustento
que no dia em que o art. 10 fôr eliminado do nosso código.
á Prefeitura de policia não restará senão o recurso de fechar
a porta !» (40).

(.39) Circular de 24 de abril de 1916.


(40) Revue Pciiit.. [901, pag. 216.
O caminho, pois. me estava traçado por LARNAUDIÍ,
quando affirmou que a solução deste problema dependia « das
explicações muito francas que cada uma das partes (a ma-
gistratura e a policia) deveria dar ao legislador para esta-
belecer um novo modus vivendi » (41).
Infelizmente, senhores, uma grande preoccupação de amor
filial não permittiu ao eminente jurista que acclamastes para
relatar aquella these — o Sr. ministro Pedro Lessa — dar-nos
a fecunda lição que esperávamos da sua capacidade.
Ahi está porque, de passagem embora, ouso ainda chamar
a vossa attenção para esse caso.
Nunca será de mais relembrar, com RAXKLLKTTT, que
«a funcção propria da justiça é a administração do direito,
isto é. reconhecer o direito, defendel-o de violações, appli-
cal-o. . .» A justiça «tutela somente o direito; inspira-se
somente no critério da legalidade...» « A policia, ao con-
trario, não administra o direito; não resolve questões jurí-
dicas, não declara o direito... e. por isso. a sua acção deve
necessariamente se fazer sentir no presente e no futuro, não
no passado: ella se destina a prevenir e evitar o facto illicite
e sufíocal-o, se chegar a realizar-se. . . São. pois, excluidos
da sua competência damnos já oceorridos. salvo os que, pelas
suas conseqüências, possam constituir novo perigo...» (42).
Lição igual deu OTTO MAYIÍR : « Si o direito civil, es-
creveu elle, pertence á boa ordem da cousa publica, o damno
civil. é. sem duvida, uma perturbação delia. Mas a boa ordem,
neste particular, se c a r a c t è r e pelo facto de que só á victima
compete provocar a reparação do damno, e que o autor deste
não pôde ser constrangido por nenhum outro meio. A auto-
ridade policial se envolveria na competência dos tribunaes
civis, si se quizesse oecupar do restabelecimento da ordem do
direito privado, attentando contra a liberdade dos interessados
que teem o direito e o dever de regular entre si taes negócios,
sem que a sociedade possa intervir de outro modo que não
por meio da justiça civil. Quando o poder de policia « protege

(41) Ibd., ibd., pag. 193.


(42) RANELLETTI — La Polisia di Sicuressa,'110 Trat. de Dir.
Am. de Orlando, vo!. IV, 13 parte. pag. 285.
— 26 —

os direitos privados », não o faz apparentemente, na realidade,


é sempre o interesse de ordem publica que elle tem especial-
mente em vista» ( 4 3 ) . Ou em um conceito mais breve: « Não
cabe ao poder de policia lutar contra o damno civil » ( 4 4 ) .
Emquanto a lei não traçar convenientemente essa linha
de limites, o que ha a fazer é as autoridades se entenderem
umas com as outras, e, sobretudo, as autoridades policiaes
prestarem a maior obediência ás do poder judiciário, respei-
tando-lhes as ordens legaes e executando-lhes as sentenças.

IV

Finalmente, eu quiz « traçar, com a possível clareza, a


linha de acção legal da policia diminuindo as possibilidades
do poder arbitrário».
Não é que a policia moderna gose desse arbitrio fami-
gerado de que tanto a suspeitam. O regimen de direito não
supportaria, após as conquistas de liberdade conseguidas ha
mais de um século, esse caso excepcional de teratologia em
uma definitiva situação de normalidade legal.
Neste dominio, « a maxima suprema é esta : nenhuma
ordem de policia pôde ser dada validamente sem fundamento
legal, isto é. de outro modo que não o da lei ou em conse-
qüência de uma autorização da lei » (.44 a) .
O próprio direito costumeiro, segundo MAYER, não pôde
ser invocado senão com a condirão de que elle « se tenha for-
mado antes do nascimento do direito moderno (45). Nem sei
si, entre nós, este conceito se poderá enquadrar em alguma
realidade, porque quando não existe lei geral autorizando os
funecionarios a agir contra a liberdade e a propriedade, isto
prova que o Poder Legislativo não quiz admittir restricçoes
em tal sentido » ( 4 6 ) .

(43) OTTO M A Y E R — Op. cit.. vol. II. pag. 33.

(44) Ibd.. ibd., ibd., pag. 144-


(44 a) OTTO MAYER —<Op. cit., pag. 144.
(45) Ibd., ibd.; ibd., pag. 36.
(46) Ibd., ibd., vol. I, pag. 170.
— 27 —

Senhores ! Em muitas policias européas não se dispensa


a cultura jurídica, o titulo universitário, como requisito indis-
pensável ao exercício da funcção de manter a ordem publica.
E ha razão sobeja para isso.
Si resta — e não ha negal-o — alguma cousa de arbitrário
na acção da policia (e este arbitrio, preciso é mais uma vez
accentual-o, deriva quasi sempre do homem, quasi nunca da
lei), a formação do caracter, a educação da consciência no
ambiente do direito constituem uma garantia de grande im-
portância em favor do cidadão.
De mim vos confesso, tenho praticado, com êxito e larga-
mente, a prudência e a tolerância na administração da policia.
Partindo do principio de que o homem — eu me refiro
especialmente ao homem adaptado á communhão — nada ama
mais do que a propria liberdade, é fácil conceber que a policia,
existindo como vigia dos excessos e da licença para evital-os,
viva em constante conflicto com aquelle.
Dabi, o zelo. o cuidado, a paciência para evitar com-
primindo, ou comprimindo de mais. Como diz MAYER, «na
vida em commum dos homens, cada existência individual com-
porta necessariamente, em relação á .cousa commum, certos
inconvenientes que é impossivel fazer desapparecer » ( 4 7 ) .
Isto quer dizer que a acção da policia não se faz sentir
a propósito de tudo : ella deixa, por simples respeito á lei,
que os cidadãos usem da sua liberdade como lhes apraz, uma
vez que não saiam da linha que assignala o começo da liber-
dade alheia. Quem julga que- a policia pôde em tudo in-
tervir, invocando o principio geral da ordem publica, pobre
se revela da noção da competência juridica e das liberdades
constitucionaes.
No tocante ao publico, a regra geral da policia deve ser
a da bondade, da cortezia e da brandura.
Ha no mundo civilizado duas policias que me podem
servir de comparação: a ingleza e a allemã. Desta, diz FOSDTCK
« que a sua attitude para com o publico é indicativa do espi-
rito autocratico do governo germânico. . . Si é verdade, como
se tem affirmado, que um Schittzmann, de Berlim, provo-

(47) OTTO MAYËR—'Op. cit., vol II, pag. 21.


— 28 -

caria, em duas horas, um tumulto cm Trafalgar Square, é


igualmente certo que o manso e delicado Bobby londrino seria
esmagado em Berlim (48).
Eu preferiria, para nós. o primeiro exemplar, sem ex-
clusão de todos os meios de acção enérgica, quando tal fôr
preciso, meios, aliás, de que usa a propria policia ingleza,
quando se faz mister.
Em uma palavra, senhores: a lei sobre o arbítrio; o re-
gimen severo na organização policial calcado em um svstema
technico e de disciplina forte e sadio, e a delicadeza, a boa
vontade, a cordura para com o publico em todas as situações
normaes (49).

Eu quizera. Sr. Presidente da Republica, que a. bene-


mérita administração de Y. Ex. obtivesse mais um triumpho,
reorganizando a Policia do Rio de Janeiro, tal como o merece
esta grande e formosa Capital.
Innumeras vezes hei solicitado a V. E x . e ao Exmo.
Sr. ministro da Justiça essa reforma ; mas. desgraçadamente,
tal como é preciso fazel-a não creio que sobrem ao Governo
os recursos indispensáveis ao seu emprehendimento.
E eu mesmo, depositário superior da funeção da segu-
rança publica no Districto Federal, sinto, sem me poder
queixar sinão do meu destino, que o mais que nos será dado
é construir o edificio e deixal-o em estado potencial para
que outros mais afortunados o utilizem.
A primeira semente vae ser lançada por esta Conferência
que vale no governo ponderado de A". Ex.. que nunca discutiu
os actos do Poder Judiciário, governo justo que fez o accôrdo
Paraná-Santa-Catharina, governo sereno que tem contido
explosões e ódios na política dos Estados, governo equilibra-
dissimo que tem velado pela honra do paiz sem precipitações
inúteis, nesta hora de sombrias espectativas. vale. dizia eu.

(48) FosDicK — Op. cit., pag. 79-


(49) FosDicK — Op. cit., pag. 60: «There must be autocracy
enough for efficiency and democracy enough for sympathy and
understanding».
por mais uma demonstfação de que os bons entendimentos,
os bons accôrdos. os bons ajustes de par com a calma e a
energia refiectida são. normalmente, os melhores processos
de guiar os povos.
Si não pudermos ir mais longe, muitos assumptos ficarão
desde agora desbravados, com o prestigio soleirne da magis-
tratura, de V. Ex. e do Exmo. Sr. ministro da Justiça, e
assim teremos sido sempre collaboradores efficazes dos que
nos suecederem.
Aliás, senhores, a Policia do Rio de Janeiro, com todos
os seus defeitos, tem efficiencias que é preciso proclamar.
Desprezo, neste momento, a falsa modéstia para fazer,
em poucas palavras, uma obra de reivindicação, menos por
mim do que por alguns milhares de companheiros, dos mais
humildes aos mais elevados na escala hierarchica, que
prestam á segurança da cidade inestimáveis serviços.
Os fados são eloqüentes. Os grandes suecessos poli-
ciaes. á excepção do da rua das Marrecas, ainda não aban-
donado, aliás, teem sido esclarecidos nos seus últimos de-
talhes. As nossas estatísticas de 1916 são consoladoras. Os
valores subtrahidos e apprehendidos aceusam uma porcentagem
de quasi 30 %. Pôde ser pequena; mas certamente a achareis
a\antajada, si eu vos disser que é superior á cifra algumas
vezes obtida pelas policias de Londres e Buenos Aires. No
tocante a capturas, em uma estimativa de 2.085 autores e
cúmplices de crimes, prendemos mil. ou sejam 48 %. Quanto
a réos pronunciados, emquanto em 1915 prendemos 208, em
1916 capturamos 402. ou seja uma differença de 194 para
mais, numero jamais attingido no regimen republicano. Quanto
á repressão da vagabundagem, já vos falei da eloqüência das
suas cifras.
Si, pois, o momento não permittir a montagem de um
apparelho mais moderno e mais em condições de corresponder
á cultura da cidade, esperemos dias melhores.
Quando um povo vê. pela situação geral do mundo e por
certos reflexos sentidos 110 próprio meio. que o horizonte da
paz. até ha pouco branco e azul, se revela aqui e alli carre-
gado de nuvens negras; quando elle percebe que o céo se turva
e se enche de nimbos. annunciando. talvez, uma tempestade
próxima, todos os problemas sociaes adiaveis de qualquer


— 30 —

forma e á custa de quaesquer sacrificios, não devem escapar


á dilação a que a fatalidade os condemnou.
E \ talvez, o nosso caso. Vós todos sentis, meus senhores,
que o Brazil atravessa um momento delicadíssimo. Não direi
que a labareda maldita do incêndio dantesco, que envolve,
em um sopro de destruição e de morte, uma civilização muitas
vezes secular, tenha chegado até n ó s . . . A verdade, porém,
é que do brazeiro tremendo o calor já nos attinge... Seja só,
porém, o calor do fogo, ou nos atirem mesmo no incêndio,
preciso e que aquelles que nos arrastarem aonde não temos
querido ir saibam que exisie accesa no coração de cada bra-
zileiro uma chamma sagrada, testemunha da nossa coragem e
do nosso valor...
Nunca nossa nacionalidade atravessou um período tão
delicado. Nunca a missão de governar foi tão difficil e táo
eriçada de perigos. Nunca o caminho da nossa historia se
encheu de tantos seixos e cardos. O Brazil pelo seu governo,
pelos seus pro-homens, pelo seu povo generoso e forte, nesta
hora de tantas inquietações, precisa ser prudente, mas também
precisa ser digno.
Qualquer, porém, que seja o desdobrar dos aconteci-
mentos, o que ninguém deve olvidar é que o futuro, a historia,
as gerações que hão de vir, vão ter occasião de julgar a
nossa conducta em um instante delicadíssimo da nqssa exis-
tência .
Mais do que isto, senhores : os grandes brazileiros que
construíram a nossa nacionalidade, os grandes mortos que
foram os trabalhadores indefessos desse paiz formosíssimo e
pujante que é o nosso orgulho, parecem fitar-nos com a seve-
ridade de um olhar que a morte não conseguiu embaçar,
reclamando-nos cuidado com o sagrado deposito que nos
legaram a pátria grande e a grande pátria — erguida por elles
de uma mera situação colonial á altura de um paiz que muito
cedo sonhou com a liberdade, e que cedo, também, despertou
desse dulcissimo sonho para a realidade gloriosa de uma
radiante emancipação política.
Si determinantes sociaes nos obrigarem a fazer ao mundo
uma demonstração solemnissima da nossa capacidade, faça-
mol-a com vibração memorável.
Tudo depende da multiplicação do esforço consciente, da


— 31 —-

solidariedade civica. da nitida comprehensão do dever pa-


triótico, i ;
Uma gotta d'agua, crystallina e mansa, junta a outras
e por outras sempre multiplicada, produziria um oceano.
Então, pela cohesão da massa formidável, ella, minúscula
outr'ora, adquiriria o movimento e a força do vagalhão indo-
mito, agitando-se, entre fragores e espumas, como uma energia
que nasceu do nada. ..
O grão de argilla é a representação minima das grandes
saliências do solo. A um, porém, ajuntae outro, mais outro,
milhares de milhões de outros, e tereis o morro, a collina, a
serra, a montanha, como uma somma formidável de super-
posições na terra plana.
Esta superposição é a imagem do esforço. Com ella, a
gotta d'agua se fez mar; com ella, o grão de areia se fez
montanha.
O esforço de um brazileiro, superposto ao esforço de
todos, fará igualmente a revelação da nossa grandeza e da
nossa gloria. Grandeza do tamanho do mar. gloria da altura
da montanha, rebrilhante nas suas cimas, como um pharol
majestoso voltado para o céu, a affirmar á Constellação do
Cruzeiro a força, a capacidade, o vigor, o arrojo e a firmeza
do paiz e do povo cuja bandeira ella protege e illumina!»
Discurso proferido no aeto de encerramento da Conferência Judiciaria-Policial
em 9 de agosto de 131/

Hxmo. Sr. ministro da Justiça, lixmo. Sr. desembargador


vice-presidente da Conferência Judiciaria. Meus senhores:

« Impressionassem-me, senhores, certas decepções e diffi-


culdades que costumam cercar os emprehendimentos humanos,
e a idea da realização de uma Conferência judiciaria-Poiicial
não teria passado dos limites de uma mera cogitação individual
para o domínio de uma realidade creadora.
Realidade creadora. sim. porque eu acreditava, e os factos
confirmaram, que os esforços que todos praticámos não cahi-
riam em terra safara. Elles hão de constituir ainda semente
fecunda destinada a transformar nesta cidade, de um feitio
muito característico, o seu serviço de segurança.
Pode-se dizer, sem exaggero, que a civilização de um
grande centro se exterioriza pelo expoente da sua salubridade
e da sua ordem. ou. por outras palavras, da sua hygiene e da
sua policia. Aliás, nas suas origens, o nome tem precisamente
uma significação geral de hygidez, o bom estado da cotisa
commum. Por isso mesmo que diz respeito á segurança publica,
foi outr'ora negocio affecto ao principe. A's vezes, até os
menos importantes assumptos tinham a honra das cogitações
reaes. Em Potsdam, FREDERICO, O Grande, trabalhou- o ter-
reno cm que tenho multip'icado rugas e cabellos brancos.
3
— 34 —

Uma vez, por lhe haver descontentado a conducta de um


subdito em relação á propria família, fel-o sciente do seu
desagrado.
« Sua Magestade soube com desprazer que o estalajadeiro
Plceger mantém, desde algum tempo, com os seus um lar
péssimo e desregrado: o magistrado deve immediatamente
puxar-lhe as orelhas e scientifical-o de que, si de prompto não
se corrigir, a todos mandará para Spandau e entregará sua
casa ao credor.» ( i )
A essa formidável centralização do serviço policial cor-
respondia o extraordinário circulo de capacidade que lhe era
affecto.
Então, a Policia não era só uma actividade estática; era
também uma energia dynamica. Excepçao feita da adminis-
tração militar, da administração financeira e da administração
da justiça, tudo mais entrava na sua categoria ( 2 ) .
Era o tempo de ouro da Policia de prosperidade que nós
mesmos conhecemos ainda no regimen colonial, praticada pelo
Intendente geral PAULO FERNANDES V I A N N A , que, em uma
administração fecunda, decorrida de 1808 a 1821, calçou as
ruas General Câmara, S. Pedro, Inválidos, parte da do Cattete
e outras; construiu uma calçada de 40 palmos de largura em
redor do Campo de Sant'Anna; edificou o cáes do Vallongo;
contractou com os mineiros vindos de Minas e Cantagallo o
encanamento d'agua desde o Barro Vermelho até o chafariz
denominado das « Lavadeiras », na actual praça da Republica,
enriquecendo-o mais tarde com o manancial do rio Maracanã ;
e fez varias pontes e estradas ( 3 ) .
Uma tal orientação havia de ser fatalmente passageira.
« Toda a actividade do Estado tendo em vista augmentar a
prosperidade não pertence á Policia » ( 4 ) . No emtanto, a
prosperidade passou a ser defendida, occupando-se a Policia
com serviços que se destinam a protegel-a ou facilital-a.

(1) OTTO MAYER — Dir. Adm. de l'Bmp. Allemand, vol. I, pag. 44.
(2) RANEILETTI in ORLANDO—Trai. di Dir Amm, vol. IV, n. I,
pag. 265.
(3) ELYSIO DE ARAÚJO — Estudo Hist, sobre a Policia da Capital
Federal de 1808 a 1821, pags. 32 e segs.
(4) OTTO MAYER — Op. cit., vol. I I , pag. 3 .
Ainda hoje, esse conceito domina, em alguns paizes adian-
tados. Na França, ou mais particularmente, em Paris, onde
o prefeito exerce funcçÕes de magistrado municipal, é elle
quem vela pela salubridade da urbs, « tomando medidas para
prevenir e combater as epidemias, as epizootias, as moléstias
contagiosas », « todas as medidas que a policia sanitaria com-
porta », «a inspecção das carnes e gêneros alimentícios»,
emfim « a execução das leis que regulamentam a medicina e
a pharmacia », e mais o serviço de incêndios, de navegação
do Sena, do Marne, do canal de Saint Martin, do Üurcq, a
policia da bolsa do cambio, etc., etc. ( 5 ) .
A Allemanha também se conserva nessa pratica. A in-
specção da carne, destruição de pragas da agricultura,
inspecção de mercados, feiras, pesos e medidas, incên-
dios, etc. ( 6 ) , tudo isso incumbe á sua policia.
A Bélgica e a Hollanda receberam inspirações da França
e da Allemanha. A.1H, a policia cuida dos mercados e aqui das
construcçÕes, das moléstias contagiosas, dos pesos e me-
didas, etc. (7) .
Nós ficámos, em boa hora, com o exemplo inglez. Cui-
damos da rua, sob o ponto de vista da segurança dos cidadãos
e do livre transito, e velamos pela prevenção ou descoberta dos
crimes: a ronda, o trafego, a vigilância e a investigação.
A propria inspecção que a Policia carioca exerce sobre theatros,
casas de commodos, hospedarias e congêneres não se explica
sinão por serem logares de accesso ao publico.
Nem é preciso maior numero de attribuiçoes para que o
serviço de segurança augmente a sua importância.
Manter a ordem nas ruas é garantir diuturnamente uma
população inteira. O rondante vale por um freio que protege
os disciplinados e serve de recurso prompto contra os que
rompem os elos de dependência para com a ordem publica.
O seu typo, quando bem instruído no serviço, ganha fama,
como a do « constable » londrino, o popular « Bobby » da
grande metrópole.

(5) MOUXKYRAT — La Prefecture de Police, pags. 81 e segs.


i (6) FOSDICK — European Police Systems, pags. 112 e sega.
(7) Ibd., ibd., pag. 136.
— 3G —

O problema do trafego, nas dependências com a segurança


do transeunte, também é geralmente da alçada da Policia.
As raras tentativas que, entre nós, o teem pretendido localizar
de todo na Prefeitura, não se inspiraram no bem publico.
Tendo-se tornado municipal esse serviço, necessidades in-
vencíveis determinaram a sua volta á Policia civil.
Uma outra actividade do serviço de segurança, da mais
alta valia, reside na vigilância e na investigação.
E' preciso ter trabalhado na policia para bem apreciar a
utilidade e o esforço desses funccionarios que se insinuam
entre o povo e que o livram de assaltos ou fraudes. Em uma
reunião de dez mil pessoas, basta a presença de dez ou vinte
investigadores (os ladrões os conhecem quasi todos), para que
uma carteira não seja batida.
E os íactos de tal natureza teem diminuído extraordina-
riamente no Rio de Janeiro, justamente pela acção anonyma
desses bravos rapazes do Corpo de Segurança, mal dormidos,
mal comidos, mal vestidos, em sua grande maioria, por pessi-
mamente pagos, e os quaes, lembrou com justa opportunidade
o incansável major Bandeira de Mello, dão provas, a despeito
disso, de « honestidades heróicas » ( 8 ) .
Muitos dos que me escutam, talvez ignorem que, muitas
vezes, na platéa do Municipal, as suas casacas bem talhadas
teem hombreado com as dos meus auxiliares, na vigilância
que a todos protege.
Quando um desses ajuntamentos mundanos se realiza
sem nenhum facto a lamentar, ninguém se lembra, e quasi
todos não sabem, que assim aconteceu porque os olhos da
Policia não estiveram fechados.
Entretanto, o que todos sabem é censural-a e cobril-a de
ridículo, quando, apesar da sua assistência, o ladrão teve êxito
na obra de sua astucia.
Entre nós, o ataque á Policia, por parte da imprensa,
attingiu a condição de um verdadeiro habito. Os próprios
jornaes o confessam. Na minha these sobre o Papel da im-

(8) Inspectoria de Investigações e Capturas; these apresentada


á Conferência Judiciaria-Policial, Ia secção.
prensa no domínio da Policia transcrevi este trecho de um
d elles:
« Dizer mal da Policia é um habito, quasi uma
obrigação, para quem escreve nos jornaes. Conta-se
mesmo de um talentoso jornalista carioca, já falle-
cido. mas sempre lembrado, que. na concessão de seu
algo interessado apoio ao Governo, resalvava sempre
a liberdade de desancar a Policia: — «Si o meu
jornal, justificava elle, também elogiar a Policia,
ficará irremediavelmente desmoralizado perante o
publico ».

Mas, ainda quando a vigilância falha, a Policia não é


inutil. Nesta altura ella entra com o factor da investigação,
que. si não tem ainda methodos perfeitos e seguros, já con-
corre em todo o caso para a elucidação de innumeros factos.
O que é preciso é realizar o voto da Conferência, e, pelo
menos, reorganizar a Tnspectoria de Investigações, augmen-
tando-lhe o numero de servidores, as vantagens da remu-
neração, garantindo-lhes a pensão á retirada, e assegu-
rando-lhes uma instrucção permanente para melhor combaterem
o crime.
E' uma obra que se pôde levar a effeito acerescendo o
actual orçamento de 500 contos de réis.
Apezar da situação premente que o paiz atravessa, eu
ainda tenho fé em ver essa aspiração realizada em bem dos
habitantes desta grande e formosa Capital.
Não é fantasia affirmai- que os resultados de uma segu-
rança bem organizada c efficiente produzem vantagens eco-
nômica? estimaveis em somma muito maior do que a ora
pedida ao Poder Legislativo para montar um apparelho de
defesa publica.
Com este commettimento e mais o outro a que a Con-
ferência visou, de aprimorar a vida juridica da Policia, fa-
zendo honra ao estado legal, o passo terá sido memorável na
historia das garantias que a ordem social reclama em uma
cidade que é o cérebro do Brazil, que serve de exemplo a
todas as outras do paiz, que tanto se gaba da sua civilização
e da sua cultura.
— 38 —

Porque, senhores, ha ainda uma noção falsa da Policia,


que convém seja combatida: a de que ella constitue apenas
um mecanismo de coerção. Sem ser possível negar que a base
dessa instituição social descança na força como ultimo re-
curso de restabelecer o equilíbrio das relações communs alte-
radas por actividades negativas ou elementos subversivos da
harmonia disciplinada, é preciso conccbel-a c enearal-a de
um ponto de vista mais elevado.
A força não é apparelho especifico da Policia, mas poder
realizador do próprio direito, e, portanto, base do Estado.
Entre as definições de direito dadas por IHÉRING, resalta
esta: « o conjuncto das normas, em virtude das quaes, em
um Estado, se exerce o constrangimento» ( 9 ) .
A' primeira vista, parece que a definição institue o rei-
nado da força, quando o que ella pleitea é o domínio da lei,
da regra, da norma reguladora. O exercício do constrangi-
mento por meio de normas importa na sua constricção. O con-
strangimento e a norma produzem a disciplina. Elle existiu
antes da norma. Foi esta que conteve, que lhe traçou o circulo
de acção e construiu o dique que refreia.
Ora, foi assumpto estudado e resolvido pela Conferência
que « o poder de Polícia deve. principalmente, assentar na lei »,
e « também se exerce, em outros casos, por meio de actos
discrecionarios da autoridade. Entretanto, mesmo em taes
casos, ella não pôde fazer o que quer ; o seu dever de funecio-
nario a obriga a escolher o que melhor corresponde ao inte-
resse do Estado e da cousa publica ». Por outro lado. também
assentamos que o poder de Policia deve sempre ser praticado
em um sentido proporcional. Todo o excesso inutil é incom-
patível com o regimen de direito, o que não quer dizer que,
nos casos em que falhar a brandura e a persuasão, a autori-
dade não salve a ordem publica » (10) .
Nós, juristas, sentimos bem que ha nesses votos da Confe-
rência todo um mundo de ordem e segurança ; em primeiro
logar, a norma legal ou regulamentar preestabelecida, servindo

(9) ZWECK iM RICCHT—(L'Évolution du Droit, éd. fr.). pag. 215.


(ro) Conclusões IT, III e IV da these da Ia secção — Poder da
Policia.
— 39 —

de indicação geral aos co-associados ; em seguida, a discreção,


que, si não é uma norma de limites próximos, também não é
a licença escripta, que ergue o arbítrio á altura de um prin-
cipio; em ultimo logar, a lei da proporção, que, no domínio
da Policia, representa um papel de grande saliência.
O meu esforço máximo nesta Conferência foi reduzir a
actividade policial a normas jurídicas.
Eu sabia de sobra — e não o sei menos agora — que o
direito casuistico é perigoso. Um homem pôde consumir dias
e dias de sua vida sem ter necessidade de invocar, do mundo
abstracto, uma norma para, concretizando-a, garantir uma
determinada situação juridica do dominio do direito privado.
Do que elle é inseparável, porém, é das relações de Policia.
A ordem é para a sociedade o que a atmosphera é para a
terra: envolve-a toda, penetra-a t o d a . . .
Nós votamos aqui que « o poder de Policia, em principio,
não actúa sobre a vida privada do individu o » ( n ) .
Com essa resolução, porém, ficou o limite. Nós dissemos
em principio ; porque, dentre as restricçoes que as liberdades
comportam, accentuamos a necessidade de ser permittida em
direito a entrada nas casas particulares « para restabelecer
a ordem publica» (12).
Aliás, a lei já o permitte nas hypotheses a que se referem
os arts. 197 e 199 do Código Penal.
De modo que, dentro do seu próprio lar, o homem não
fica de todo independente das autoridades da segurança.
Ahi, um simples rondante pôde penetrar á noite, si oceorrer
incêndio ; si ha ruina imminente ; si ha inundação ; si se pede
soecorro ; si contra alguém se commette algum crime ou vio-
lência; e, de dia, nesses mesmos casos ou mediante certas for-
malidades, quando se tiver de proceder á prisão de delin-
qüentes, á busca ou apprehensão de objectos havidos por meios
criminosos, á investigação dos instrumentos ou vestígios de
crimes ou de contrabandos, á penhora ou seqüestro de bens

(11) Conclusão V da referida these: <-O poder da Policia, em


principio, não actúa sobre: a vidn privada do indivíduo; ia juanifes-
tação íiormal das actividades sociaes ; a competência judicial.
(T2) Conclusão XV da these TTT da 2a secção.
__ 40 —

que se occultarem, ou nos casos de flagrante delicto, ou em


scguimento do réo achado em flagrante.
Mas não é só em taes hypotheses que a intervenção po-
licial se reflecte na vida privada. Quando a lei não a permitte
declaradamente, não é raro que o próprio individuo a reclame
contra terceiros. Uma má visinhança é assumpto com que
occupam todos os dias a autoridade policial. E si aqui esta
não intervém, por via de regra, exercendo o constrangimento
legal, pôde, entretanto, actuar por um processo hábil de com-
posição, de conselho e suggestão amistosos.
Vale a pena registrar a larga definição que BLAKSTONIÍ
deu do poder de Policia : « the due regulation and domestic
order of the kingdom, whereby the individuals of the state,
like members of a well-governed family, are bound to conform
their general behaviour to the rules of propriety, good nei-
ghborhood and good manners, and be decent, industrious, and
inoffensives in their respective stations». Além da sujeição
ás normas protectoras da propriedade, a definição préga « a
boa visinhança e as boas maneiras ». COOLEV. no seu conceito
de police power, não olvidou também as good manners and
good neighborhood ( 1 3 ) .
Em verdade, mesmo fora da aeçao que lhe garante a lei,
como nos casos citados dos arts. 197 e 199 do Código Penal,
c do simples conselho e suggestão de paz em hypotheses de
« meros inconvenientes que. na expressão de Orro M AYKR, é
impossível fazer desapparecer sem que se destrua a propria
communhão, e que, por isso, são considerados como « pertur-
bações necessárias» (14). a Policia pôde intervir em outras
manifestações contrarias á « boa visinhança'» e ás «boas
maneiras ».
Antes da nossa reunião, já era materia assentada na
jurisprudência a legitimidade do poder de Policia sobre a
exhibição de meretrício, nas ruas e nas janellas, e não se
julgou que constituía violência á liberdade a presença do ren-
dante á porta de casas habitadas por decahidas (15). nellas
impedindo o accesso dos transeuntes.

(13) RULING CASK LAW — Vol. VI; CONST. LAW — pags. 185-6.
(14) OTTO MAYER— Ob. cil., vol. II, pag. 21.
(15) Accórdão da Terceira Câmara da Côrte de Appcllação.
— 41 —

Na Conferência Judiciaria-Policial fomos mais longe:


dando força a uma sentença de primeira instância (16), reco-
nhecemos á Policia o poder de localizar o meretricio (17)- e,
com elle, o vastíssimo contraste de « todos os actos de incon-
tinencia, desregramento ou impudicicia. . . quaesquer exhi-
biçÕes escandalosas, inscripçÕes e desenhos obscenos, a expo-
sição, affixação ou distribuição de manuscriptos e papeis im-
pressos, lithographados ou gravados, pinturas, cartazes, livros,
estampas, debuxos, emblemas, figuras e objectos contrários ao
decoro publico e aos bons costumes ( 1 8 ) . Quanto a estes úl-
timos, ficou firmado o poder da policia para apprehendel-
os (19).
Tudo isso é meio de intervir em favor da « boa visi-
nhança » e das « boas maneiras », e toca, sem duvida, ou pode
transpor o circulo da vida privada no beneficio do maior nu-
mero .
Assim, senhores, dentro do seu lar, comquanto o prin-
cipio da não intervenção seja a regra, o indivíduo pôde sentir
a acção da autoridade ou precisar chamal-a em seu soccorro.
Si elle deixa a casa, então a policia o colhe de todo. Os seus
próprios passos, a sua liberdade de ir e vir, o seu modo de
conduzir-se, tudo pôde ser sujeito á inspecção dos guardas da
segurança. A um cidadão pôde a policia impedir de passar
por determinado local, si nelle o transito, por algum motivo
justo, estiver impedido; pôde fazel-o voltar, da direita para
a esquerda*, si assim o exigirem as necessidades do movimento
urbano ; pôde afastal-o da via publica, si elle escandalizar a
sociedade ou attentar contra o pudor publico.
Uma instituição social, que tem poder tão largo, precisa,
sem duvida, tanto quanto possivcl, de normas que o regulem,
que o definam, que o limitem.
A differença é capital, si estudarmos o Estado sob o
regimen da policia e o Estado sob o regimen do direito.
Antes de tudo, surge o principe, e, com elle, agindo em
seu nome, e segundo suas determinações, vários funccionarios,

(16) Sentença do juiz PAULINO DA SUVA.


(17) Segunda conclusão da These III, da 3a secção.
(18) Primeira conclusão da These VII, da 3a secção.
(19) Terceira conclusão da These II, da 3a secção.
tendo como limite da sua acção a responsabilidade perante
Deus e a propria consciência, de um lado, e a utilidade geral
do outro lado. Dessa extrema absorpção de Governo e admi-
nistração, havia, mais tarde, de desaggregar-se a funcção judi-
ciaria, conquistando a independência. O direito privado passou
a ser applicado pelo juiz; o principe soffreu a constricção de
só edital-o em fôrma de lei e de só desse modo reformal-o
para reger casos futuros.
Nesse periodo, diz MAYER, existe um direito civil, um
direito penal, um direito de processo, em uma palavra, um
direito de justiça; não existem, para a administração, regula-
mentos que obriguem a autoridade em suas relações com o
individuo; não ha direito publico (20). Na Câmara dos Depu-
tados da Prussia, FRIEDÊNTHAI, assim pinta o Estado de
então :
« O direito civil é sagrado ; cream-sc garantias para elle ;
a justiça deve ser independente... O direito publico nesta
phase não é reconhecido como tal; é considerado como um
precarium; o Estado é o senhor absoluto de todos os negócios
públicos » ( 2 1 ) .
Também na França assim foi. « O rei, com os seus mi-
nistros, seus intendentes, seus commissarios e a autoridade
e a totalidade do pessoal executivo, agia á sua vontade, sem
que o direito lhe fosse barreira ».
HANOTAUX bem o poz em evidencia quando disse : « Ponto
capital : os intendentes estavam fora da l e i . . . isto é, acima
da l e i . . . » ( 2 2 ) .
As conquistas jurídicas puzeram fim a este estado de
cousas. « A policia, como qualquer outra actividade admi-
nistrativa, é, hoje, submettida ás condições do Estado con-
stitucional e dos princípios do regimen do direito» ( 2 3 ) .
Como. porém, é impossível, no campo amplíssimo das
suas relações, resolver o problema da ordem ^publica segundo

(20) O T Ï O M A Y E S — Op. cit., vol. I, pag. 43 e segs., expecialmcnte


pags. 52 e 53-
(21) Ibd., ibd., pag. 53, not. 12.
(22) Ibd., ibd., ibd., pags. 67 e 69, not. 6.
(23) Ibd., ibd., vol. II, pag. 7.
— 43 —

um critério geral de enumeração, restará sempre aos seus


representantes uma zona de exame pessoal, comprehendida —
e só assim se a concebe — em um circulo nitidamente descripto
de princípios jurídicos incontestáveis.
Com isto o arbitrio desapparece. Os que vivem no ambi-
ente do direito sabem que elle constitue, por assim dizer, um
attentado ao pudor das consciências juridicamente educadas.
Ainda me lembra — e relevae á minha immodestia — a
referencia do valor que á minha these sobre o poder de policia
conferiu, em sua sabedoria, o eminente Sr. ministro João
Mendes, porque ella estabeleceu a distincção theorica entre
actos discrecionarios e actos arbitrários.
De facto, senhores, a linha que os separa não deve ser
perdida de vista.
O arbitrio é incompatível com o estado de direito.
O próprio poder discrecionario tem seus preceitos, suas regras,
seus principios, que o administrador não deve esquecer, sob
pena de ver os seus actos annuilados pelo judiciário, ou, si
a lei o permittir, pelo superior hierarchico.
L,ÉOX MARTS assim enumera essas regras :
« I a , qualquer que seja a extensão do poder de apreciação
conferido ao administrador, não se pôde negar que este não
esteja sempre mais ou menos ligado pelo legislador, quer
quanto á natureza das exigências que pôde formular contra
particulares, quer quanto á extensão dessas exigências; do
contrario, o regimen do estado legal não passaria de uma
palavra vã;
2a, quaesquer que sejam a natureza e a extensão dos po-
deres de que a administração se acha investida, ella não dispõe
nunca de taes faculdades sinão para attingir um fim deter-
minado pelo legislador;
3 a , por mais extensos que se supponham os poderes da
administração, esta não é jamais inteiramente livre de decidir
dos meios que entenda empregar para constranger os admi-
nistrados. Livré de tal ou qual decisão, de escolher entre
diversos processos para assegurar a sua efficacia pratica, ella
não possuc, entretanto, a tal respeito, uma faculdade de
escolha illimitada.»
— 44 —

Dahi, as conseqüências que o mesmo autor assignala :


« I a , os actos discrecionarios não são actos contrários ao
direito, são actos cumpridos em virtude de um direito, con-
seguintemente. conforme o direito;
2'\ a qualificação de acto discrecionario não tem nunca
valor absoluto ; não tem sinão um valor relativo ;
3 a , o acto discrecionario não se distingue dos outros actos
administrativos por caracteres extrinsecos, que o tornem reco-
nhecido ao primeiro exame, ou susceptível de classificação
nesta ou naquella categoria;
4 a , não é licito invocar, relativamente aos actos discre-
cionarios. a distincção, mais ou menos contestável, entre actos
de poder publico e actos de gestão;
5 a , o acto discrecionario não escapa, por sua natureza,
ao recurso contencioso (24). ou. entre nós. ao contraste ju-
dicial . "»
Como estamos vendo, senhores, quem fala em discreção,
não fala em arbítrio, mas em faculdade de apreciação jurí-
dica, c. tanto quanto isto, em faculdade de apreciação legal.
O poder discrecionario, susceptível de dar origem a actos
desta natureza, nasce e se expande em um ambiente e em um
circulo em que as aspirações jurídicas de um lado e as alter-
nativas legaes e regulamentares do outro limitam a acção da
autoridade. Dir-se-iam círculos concentricos. representando
o centro commum o interesse publico, a utilidade geral, base
de toda a conducta do Governo e seus auxiliares. A autoridade
pôde mover-se dentro do circulo máximo, do circulo mínimo,
dos círculos intermédios, segundo as determinantes, as exi-
gências, as imposições, as insistências da ordem publica, mas
sempre dentro das linhas que as descrevem. Onde quer que a
sua conducta se exalte e a paixão substitua as sãs suggestões
jurídicas, as rectas impressões da justiça, os nobres impulsos
da razão por um movimento abrupto e abusivo, o poder dis-
crecionario se desfigura e é susceptível de ser refreado pelos
órgãos legaes creados para esse mister.
Foi por isso, sem duvida, que TRZNER, em uma compa-
ração elegante, limitou á liberdade de escolha de autoridade no

(24) LÉON MARTI: — Le dr. pos. et Ia jur. adm., vol. II. pags. 367
e seguinres.
domínio do poder discrecionario ao « maior bem do Estado e
da collectividade », e não ao do « amador que escolhe flores
para compor um «bouquet» ( 2 5 ) .
Aqui intervém a theoria do fim, explicando um grande
numero de situações e construindo barreiras ás explosões do
arbítrio.
C) fim jurídico, o fim da lei, não será sempre de fácil de-
limitação.
Quando em uma situação social determinada, e para acudir
a manifestações menos compatíveis com a ordem publica, fôr
votada uma lei ou expedido um regulamento, deve-se entender
que o fim do legislador foi remediar os symptomas revelados,
pela crise, attenuando-os ou fazendo desapparecer. Si entre as
disposições da lei ou do regulamento, a autoridade fôr inves-
tida de algum poder discrecionario. o fim que o legislador teve
cm vista é o circulo em que ella se terá de mover.
Este mesmo fim, porém, não é absoluto. Preciso é sub-
entender que elle, e mais a discreção para attingil-o. dependem
das garantias constitucionaes, entendidas á luz honesta das
suas restricçÕes conservadoras, bem como de quaesquer outras
seguranças de valor porventura existentes na escala do direito
objective.
Assim, o perigo do poder discrecionario desapparece.
porque, além das linhas geraes contidas na lei ou no regula-
mento, não é menos para contar com a educação jurídica da
autoridade, e, muito mais ainda, com o contraste jurisdic-
tional, que, entre nós. quasi a tudo se antepõe.
O fim, no direito, impressionou tão vivamente o cuitis-
simo espirito de DUGUIT, que elle chegou a esta affirmativa
radical : « Em França o acto discrecionario pertence ao pas-
sado. Não existe mais no direito hodierno. O Conselho de
Estado é sempre competente para apreciar o fim que deter-
minou o acto e annullal-o. se entender que o administrador,
conservando-se embora nos limites formaes de suas attri-
buiçoes, visou um fim outro que o que a lei teve em vista,
dando-lhe tal poder (26) .

(25) MICHOUD — Étude sutr le pouvoir discret, de admin., pa-


ginas 10 e 20.
(26) DUGUIT — Les transf. du dir. public., pags. 20Ó e 207,
— 46 —

O engano do illustre constitucionalista é manifesto. O que


pertence ao passado ou tende inteiramente a desapparecer é,
por assim dizer, a descontrasteação ou a insusceptibilidade de
contraste de certos actos.
Sob este ponto de vista, o poder discrecionario soffre
uma crise evidente de absorpção pelo regimen de direito.
Dahi, porém, a sustentar-se que elle desappareceu. a diffé-
rence é grande.
A questão pôde ser posta nos seguintes termos: uma au-
toridade determinada, applicando um dispositivo de lei es-
cripto eni termos genéricos, pôde, em casos oceorrentes, re-
solvei-os de mais de um modo? Essa faculdade existindo, o
poder discrecionario existe. Ora, ella é incontestável.
A policia pôde prohibir a representação de uma peça livre
ou a exhibição de um film realista, mas pôde, também, con-
sentir que se enscene a primeira ou projecte o segundo, si
ao seu sentimento não fôr perceptível a immoralidade. Aliás,
o facto é de fácil verificação no elasterio que comporta o
conceito da arte.
Eis ahi duas conduetas possíveis e ambas legaes, provando,
sem a menor duvida, que o poder discrecionario; existe.
Os exemplos poderiam ser multiplicados. Nos casos de per-
missão oceorre muitas vezes que ella « é deixada á livre
apreciação da autoridade, não constituindo a sua aspiração
pelo particular sinão « uma possibilidade, uma expecta-
tiva. . . » (27).
O que, porém, é preciso não esquecer é que sobre tudo< isso
paira o espirito protector da lei. Alli, é o intuito da morali-
dade; aqui, a idéa contra a nocividade em geral. Como se
sabe, a permissão de policia constitue excepção a um prin-
cipio geral de prohibição.
Certo, a autoridade pôde deslizar da região serena em que
se deve manter e enterreirar-se em um local estreito de sug-
gestão pessoal.
-.Vinda ahi. porém, a lei não a abandonará, devido á pro-
tecção do — fim— que a inspirou.
A presumpção deve ser a de que a autoridade age bem
ou desempenha com honestidade a sua funeção.
(27) Orro MAYER— Op. cit., vol. II.
— 47 —

Portanto, como diz MICHOUD, de referencia ao Conselho


de Estado, da França, não se « indaga da intenção subjectiva,
do processo interno da vontade do agente, « elle não examina
os seus rins e o seu coração, mas somente o seu acto » ; é a este
e aos documentos administrativos que o instruem, que elle
pede a prova do « détournement » de pouvoir ( 2 8 ) .
Feita, porém, esta prova, inutilmente uma autoridade se
valerá do poder discrecionario para agir, obedecendo a sug-
gestões pouco moraes. Aliás, isso mesmo ficou escripto na
declaração de voto com que sustentei a minha these sobre o
poder de policia : « Pelo nosso direito, disse eu, o chefe de
Policia age coin larga discreção, aliás já reconhecida por
accórdão unanime da 3 a Câmara da Corte de Appel-
lação, em assumptos theatraes. Pôde, por exemplo, impedir,
por motivo da ordem publica, a representação de uma peça ;
mas, admitta-se que, praticando essa attribuição, a autoridade
deslisa e age com capricho pessoal que o interessado consegue
provar. Não hesito em affirmar que o acto discrecionario é
annullavel porque transpoz as raias do fim que a lei teve em
vista : a manutenção da ordem. Por outras palavras : o fim da
lei do regulamento era um; elle formava o circulo jurídico
geral, dentro do qual a autoridade se podia mover. Desnatu-
rando-o, a autoridade sahe da linha de (jiscreção, que é rela-
tiva e legal, para o campo do arbítrio, que é absoluto e
illegal » ( 2 9 ) .
Salvo alguma disposição legal ou regulamentar, estabele-
cendo o contraste de taes actos pelos superiores hierarchicos,
é ao Judiciário, entre nós, que incumbe recorrer para julgal-os.
Mas, além da norma escripta, do preceito legal, por assim
dizer especifico, traçando á autoridade uma linha de acção
determinada, e da ordem geral em que o seu critério pessoal
pôde reflectir, dentro dos principios expostos, ainda orienta
a policia a theoria da proporcionalidade, que tanto domina e
inspira o direito em geral.
Em outro ponto deste discurso, eú lembrei uma das defi-
nições que IHERING dá do direito : « O conjuneto das normas,

(28) MICHOUD — Op. cit., pag. 93.


(29) Vide a 4a reunião da Ia secção da Conferência, no Diário
Officiai, de 14 de junho de 1917.
em virtude das quaes, em um Estado, se exerce o constrangi-
mento.» Ora. as normas, as regras, os preceitos regulando
o constrangimento dosam-n'o, combinam-n'o, segundo as ne-
cessidades ou injuneções jurídicas. Ha, de um lado, um facto
que é preciso submetter a uma situação estável, a uma con-
dição de garantia perenne. Do outro lado. tira-se da somma do
poder geral de constrangimento do Estado uma parcella,
maior ou menor, para servir-lhe de supporte, de apoio. Por-
tanto, ha entre um facto e a necessidade de garantil-o, no
domínio do direito, uma evidente relação, uma proporção :
logo, o direito, neste sentido, é a proporcionalização do con-
strangimento, ou. em sentido geral « o conjuneto de normas,
em virtude das quaes, em um Estado, se pratica a proporcio-
nalização do constrangimento».
Eu não sei para que lado da sociedade politica, e, pois. da
sociedade juridicamente organizada, nos poderemos volver
sem dar de frente com a proporcionalidade das cotisas.
Ao próprio Governo já se reconhece, e não de hoje, em-
bora com delicadeza e extremo cuidado, o poder e mesmo o
dever de não cumprir certas leis.
O velho \ iviKx já aconselhava á administração que «não
empregasse sempre a mesma severidade », e affirmava que lhe
« incumbia usar de temperamentos... e de advertências amis-
tosas » (30).
MICHOUDJ modernamente, adhere a esse modo de ver.
sustentando que a administração pôde « deixar dormir uma
lei imperativa de ordem publica », dando o exemplo, na França,
das «leis prohibitivas das associações» (31).
No dominio dessas inspirações da ordem publica c da uti-
lidade geral, BARTHÉLÉMY formulou o principio de que « o Go-
verno pôde. e em certas circumstancias deve, sem violar di-
rectamente uma lei. abster-se de insistir na sua execução (32).
Em um regimen de direito, não é sem certo receio que se
allude a uma tal theoria. Os factos, porém, são mais poderosos
que o direito objective*. O bill de indemnidade, no regimen

(30) MÍCHOUD — Op. cit., pag. 15.


(31) Ibd., ibd., ibd.
(32) Na Revue Dr. Pub!, vol. XXIV, pag. 305.
— iÜ —

inglez, não passa, muitas vezes, de uma approvação parla-


mentar do não cumprimento da lei. DICKY dá-lhe precisamente
o nome de «legalização da illegalidade » (33).
Na Allemanha uma ordem de serviço expedida pelo chefe
da administração judiciaria ao procurador geral do Império
de não fazer uma certa accusação, não continuar processos, ou
pedir absolvição, ou não appellar de uma sentença de absol-
vição, pôde assemelhar-se a uma abolição de pena (34).
Nesse paiz conhecem-se exemplos de recommendar-se
aos representantes do ministério publico que se abstenham de
iniciar processos criminaes. emquanto uma lei nova não entra
nos hábitos do povo (35).
A força do costume pôde ser tal que DUGUIT affirma que,
« sendo manifesto que uma disposição escripta está em contra-
dição com o direito de.um povo em um dado momento, e que
a regra adequada a esse direito não está ainda constatada
sinão por uma pratica costumeira, esta deve sem hesitação ser
applicada », porque, do contrario, chegar-se-ia ao absurdo de
dizer « que. quando se está em presença de duas regras, das
quaes uma constitue direito e a outra não, é preciso applicar a
que não o constitue» ( 3 6 ) .
Os juizes, em principio, estão certamente fora deste cir-
culo de considerações; mas o Governo não está. Haverá mo-
mentos em que deixar de applicar uma lei será mais vantajoso
do que executal-a. A intensidade das emoções políticas, do
interesse publico, das vantagens econômicas e financeiras ou
da ordem publica, determinará a prudência governamental a
praticar uma omissão salvadora antes que uma acção ou
reacção convulsiva. A lei da vaccina obrigatória terminou não
sendo executada. O sorteio militar só agora está sendo feito.
E as determinantes da conducta omissiva tiveram origem na
quebra do principio da proporcionalidade por parte do legis-
lador, porque a falta de proporcionalidade no direito é uma
fonte perenne de fermentações perigosas.

i33) DËCEY — In!rod. à l'étude du dr. const., pag. 45.


(34) T.AiîAND — Dr. Publ. de l'Ëmp. AU., vol. II, pag. 386.
(35) Ibd., ibd., ibd., not. 1.
(36) DUGUIT—Tr. de Dr. Const., vol. IT, paga. 56-7.
4
— 50 —

O assumpto tem particular importância no dominio de


que ora trato perante vós. « It strikes », diz FOSDICK, « it
strikes deep into the heart of the police problem » (37) .
Será, pelo menos, imprudente constranger o povo a si-
tuações inúteis, a restricçÕes dispensáveis, a exigências des-
cabidas. Toda inclinação geral ou de grandes massas que não
perturbem a ordem publica ou não affectem os fundamentos
da moral, não escandalizem o pudor ou não attentem contra a
liberdade de terceiros deve ser tolerada, ou pelo menos tratada
com cuidado e prudência.
E a razão é esta : a lei que tentar mudar-lhe a direcção
corre o risco de produzir a desordem e não ser cumprida.
FOSDICK lembra exemplos interessantes. Por uma lei do
Parlamento as public houses de Londres, dentro de um certo.
raio de Charing Cross, podem abrir aos domingos de 1 ás
3 horas da tarde e das 6 ás 11 da noite. A um alto funccio-
nario da policia perguntou o autor qual seria o effeito de uma
lei prohibindo a venda de alcool naquelles dias : « Importaria »,
respondeu elle, « na desmoralização do pessoal. Nós não po-
demos garantir a integridade da policia contra as influencias
viciosas oriundas de leis impossiveis de ser cumpridas». Per-
gunta semelhante feita a um elevado policial allemão logrou
esta resposta : « Absurdo ! Todo o Exercito allemão não po-
deria cumprir uma tal lei » (38) .
Finalmente lhe ponderou um policial londrino : « A cousa
que mais receamos é o estabelecimento de leis tornando crimi-
nosos actos que a grande maioria considera innocentes » (39).
Na grande arvore do direito, pois, a proporção, que é a
harmonia, constitue uma regra sem excepção.
No direito constituticional o systema de freios e contra-
pesos é um systema de equilibrio, e por isso mesmo um sys-
tema de proporções.
Foi por isso que, sem discrepância de um voto, a confe-
rência approvou na these memorável do ministro Viveiros de

(37) FOSDICK — Burop&an Police Systems., pags. 379-80.


(38) FOSDICK — Ob. cit., pag. 380.
•(39) Ibd., ibd., pag. 881.
— 51

Castro a conclusão de que « a liberdade individual não deve


ser considerada em sentido absoluto, como a libertas quid liber
faciendi : ella soffre naturalmente as restricções impostas pelo
interesse collectivo, pela necessidade de ser mantida a ordem
publica » ( 4 0 ) .
Proporcionadas são as relações da União e dos Estados
e as attribuições de uma e dos outros. As liberdades publicas,
porque não são absolutas, soffrem o limite da proporciona-
lidade.
Salvo uma ou outra restricção, consideramos legal a acção
prudente da autoridade, prohibindo meetings criminosos, ex-
pulsando estrangeiros perigosos, fechando associações que
pregam a subversão da ordem e o regimen da lei ( 4 1 ) .
No tocante a manifestações do pensamento, entendemos
que « a Constituição brazileira explicitamente admitte a regu-
lamentação da liberdade de imprensa. O § 12, do art. 72,
deixou á lei ordinária a attribuição de enumerar os casas que
constituem abusos da liberdade de manifestação do pensa-
mento. Assim, o legislador ordinário dispõe de meios effi-
caces para cohibir taes abusos, desde que os defina com rigor
compatível com os princípios do direito penal. A lei que im-
pedir um jornalista ou um particular de manifestar o seu pen-
samento em qualquer assumpto, pela imprensa ou tribuna, é
inconstitucional, mas aquella que, lhe dando tal liberdade, con-
siderar abusos palavras ou processos por elle empregados na
mesma manifestação, é perfeitamente legitima» (42).
Tudo isso é conservador sem ser compressor. E não
é compressor porque é proporcional. Pôde ser feito dentro de
um circulo de cohesão liberal, sem os perigos de exaltações
dissolventes.
No direito penal a proporção também é a regra : pro-
porção 'do crime, da temibilidade do criminoso e da pena.
Os crimes revestem varias modalidades : os criminosos são
considerados através de categorias, e a pena applicada ao in-
fluxo de innumeras circumstancias.

(40) Vide a these sobre liberdades individuaes.


(41) Ibd., ibd., ibd.
(42) Vide a these sobre o papel da imprensa no domínio da policia.
E' a proporcionalidade jurídica, com todas as influencias
que ahi podem reflectir, influencias sociaes, physicas e moraes,
que trata de modos dissemelhantes o crime de morte e o crime
de offensas physicas; vê através de prismas diversos o louco
criminoso, o louco moral, o criminoso de habito c o de oc-
casião. A individualizaçao da pena que a sciencia hoje acon-
selha é também pura suggestão da proporcionalidade.
Esta se encontrará em todo e qualquer ramo do direito,
dosando normas, harmonizando situações, estabelecendo a sy-
metria entre categorias jurídicas.
E porque o poder de policia domina um vastíssimo circulo
do direito, de tal sorte, que os seus limites « nunca foram defi-
nidos com precisão », tornando-se necessário recorrer ao pro-
cesso de «inclusão e exclusão» para applical-o (43), a pro-
porcionalidade não podia deixar de affectal-o visceralmente.
OTTO MAYËR O disse com precisão absoluta : « a regra da
proporcionalidade é commurn a todas as medidas de po-
licia » (44). « A perturbação, diz elle, que procede do indi-
víduo, apparece. muitas vezes. 110 conjuneto de outras mani-
festações de sua existência, como uma parte de actividade
mais extensa. Neste caso, o poder de Policia não deve, sem
necessidade, supprimir. ao mesmo tempo que a perturbação, o
que é licito e admittido pela liberdade social, não separando
assim o joio do trigo» (45).
Dahi a seguinte regra que evita o excesso de poder : uma
empreza licita não pôde ser totalmente prohibida. em conse-
qüência de alguma perturbação a que haja dado logar e que
não provenha directamente do seu caracter.
A policia pôde corrigir o que fôr relativamente illicito por
meio das medidas que julgar necessárias. A sua acção com-
prehende, por inspirações da «consciência», todo o circulo
que vae da « suppressão total, definitiva ou provisória », até
restricções parciaes. « Haverá sempre casos em que se pôde
dizer que o restabelecimento do estado normal de policia é
sufficient emente garantido pelo meio mais brando ; se então

(43) RULING (CASE LAW — Vol. VI. pag. 18;.


(44) OTTO MAYER—Op. cit., vol. II, pag. 142.
(45) Ibd., ibd.. pag. 29.
— 53 —

a autoridade recorre a medidas mais rigorosas, commette um


excesso de poder » ( 4 6 ) .
Toda esta formosa theoria, em que a tolerância se exhibe
no pleno dominio da boa razão e da justiça, a nossa Confe-
rência resumiu no apoio da seguinte conclusão: « O poder de
Policia deve ser sempre praticado em um sentido proporcional
Todo o excesso inútil é incompatível com o regimen do direito,
o que não quer dizer que, nos casos em que falhar a bran-
dura e a persuasão, a autoridade não salve a ordem pu-
blica » (47).
Eis ahi, senhores, através de uma linha que se não parte,
a norma reguladora da ordem, a discreção dentro de uma
norma geral, de fundamentos plenamente jurídicos, e, final-
mente, a proporcionalidade dentro da propria discreção.
Fazendo a sua educação nesse ambiente, nelle haurindo
inspirações de justiça para o bem da sociedade e dos indiví-
duos que a compõem, a autoridade só mui difficilmente errará.
Já vimos que a impossibilidade de sempre traçarem-se
regras á policia colloca-a na situação de escolher, dentro dos
princípios do direito, os meios mais aptos a uma acção justa
e efficiente.
Ora. não se me afigura que a tarefa seja de difficuldade
insuperável. Os meios para acertar-se são vários e amplís-
simos. O mais será feito pela cultura jurídica, pelo sentimento
de justiça, pelas suggestÕes da tolerância pela observação do
meio, pela transigência prudente e hábil com os hábitos geraes
da communhão.
Concebida a escala do constrangimento, em policia, mais
do que em qualquer outra actividade social. 6 preciso não ir de
chofre ao extremo.
Vigiar, condescender, persuadir, rogar, são processos de
que tenho usado e que aconselho a todos. Quando uma acção
moral como essa se mostra inefficaz, os bons policiaes não
revelam o seu desanimo, buscando no arsenal da repressão as
armas mais rudes. Si é possível chegar ao fim com um mínimo
de força, será contra a civilização empregal-a demais.

(46) OTTO MAYËR — Op. cit., vol. II, pag. 31.


(4;) Diário Official, de 14 de junho de 1917.
— 54 —

Nas policias bem organizadas esse cuidado contra os


excessos inúteis não cabe só aos dirigentes. Os livros de in-
strucção conteem innumeros desses conselhos aos vigilantes :
« Above all, diz o de Londres, remember always to keep your
temper ». « A policeman in a passion is not only ridiculous
but useless ». « By the employment of tact and conciliatory
methods the public ordinarily can be induced to comply with
directions and thus the necessity of employing force may be
obviated» (48). Um constable londrino disse a FOSDICK estas
palavras, que não sei de que falam melhor, si da cultura
do povo ou da grande comprehensão do dever da sua policia :
« Ha 17 annos que pertenço á força e nunca me utilizei da
minha arma » (49) .
Certo, a acção enérgica, decisiva, resoluta, tem o seu
logar; mas entre um insuecesso por fraqueza e uma chacina
inutil e barbara, eu prefiro a responsabilidade daquellc.
Senhores, vamos cerrar o velario da scena onde represen-
tamos esta obra de inspiração social conservadora.
Delia guardarei a immorredoura lembrança do apoio que
destes á minha iniciativa, apoio tanto mais desvanecedor
quanto o labaro que desfraldei — o da boa e leal entente entre
as autoridades do pretorio e da segurança publica — defendia
uma idéa de cuja concretização, que me conste, ninguém, antes
de nós, se havia oecupado por meio de uma conferência.
A nossa fôrma de processo criminal, fazendo tudo de-
pender do inquérito policial ; o corpo de delicto praticado pelas
autoridades de segurança; os processos de vadiagem perten-
cendo ás suas attribuiçÕes normaes; a sua competência para
a expedição de mandados de busca e apprehensão, nos termos
da lei, constituem um vastissimo campo de actividade em que
a policia não anda só. Ella e a justiça, bem que em zonas deli-
mitadas, vivem em relações intimas, aquella preparando o
que lhe incumbe para facilitar a acção desta no dominio da
repressão.

(48 e 40) In FOSDICK — European Polie9 Systems., pags. 234


e 235.
— 55 —

Dahi, a necessidade da approximação que quiz tentar e


que, me parece, está transformada em efficacissima realidade.
As autoridades de segurança não errarão, sempre que se-
guirem esta regra: — a policia judiciaria é auxiliar da justiça.
Tudo que ella faz. inquéritos, corpos de delicto, processos de
vadiagem, buscas e apprehensòes, constitue subsidios, do-
cumentos, nos quaes os juizes teem de calcar a sua orientação
no summario e as suas decisões.
Ora, nada mais perigoso do que um auxiliar viver afas-
tado de quem tem funeção superior, como é a funeçao de
formar a culpa ou condemnar.
Quanto á policia administrativa, a sua dependência da
magistratura é também evidente. Medidas que firam a liber-
dade podem cahir com o remédio do habeas-corpus. Interdictos
possessonos são susceptíveis de remover vexames illegaes.
Nesta cruzada, pois, que se destina á manutenção da
ordem, sigamos a Justiça bem orientada, a Justiça digna.
Sigamol-a, não passiva, mas activamente, collaborando com os
seus representantes.
Só assim faremos da policia o que ella deve ser : uma
instituição protectora da liberdade.
Oriental-a de outro modo seria imprudente, porque de
um povo como o nosso não se diminuem impunemente, por
pressão de poder, as liberdades constitucionaes.
A nossa historia é um sacrario de lições e de exemplos
memoráveis quanto á luta pela conservação das franquezas
populares. E o instrumento que mais pôde perturbal-as e é
mais capaz de irrital-as é uma policia rude, prepotente e
f açanhuda.
O Presidente Wenceslau Braz disse-me um dia, com
acerto penetrante, que o povo conhece o Governo através do
chefe de Policia. Esta é a autoridade que mais contacto tem
com as massas, que com ellas mais lida e nellas mais faz
reflecíir o poder e a força.
Dahi a necessidade de uma acção justa, ponderada, tole-
rante, intelligente, só se devendo recorrer aos meios violentos
em casos de absoluta necessidade.
No relatório da Royal Commission que, em Londres, cm
1906, foi nomeada pelo Rei para investigar certas aceusaçoes
— 5G —

feitas contra a policia, estão escriptas estas memoráveis pa-


lavras :
« It is extremely important, especially in dealing with
a people in which the sentiment of liberty is so ingrained and
intolerance of authority so marked ps is the case in this
country, that executive powers should be used in as wise
and as gentle a manner as is consistent with the maintenance
of public order.»
« E' extremamente importante, especialmente com relação
a um povo tão impregnado do sentimento de liberdade e tão
contrario á violência da autoridade como o nosso, que as
attribuições executivas sejam praticadas de modo hábil e
moderado, tanto quanto seja preciso para a manutenção da
ordem publica.»
A policia, precipuamente, vigia. Quando cila age. fal-o
por gráos. Apenas attingido o fim, deve parar e voltar á sua
funeção essencial de vigilância. E' esta a formula da insti-
tuição com que lidamos.
Senhores.
A ultima sessão da nossa Conferência realizou-se a t6 de
julho proximo passado. Só hoje podemos celebrar, accorde-
mente com a nossa lei interna, esta solemnidade final.
No espaço decorrido entre a votação definitiva dos nossos
estudos e esta reunião, a cidade passou pelo perigo de uma
grande convulsão.
Refiro-me ao movimento operário.
Aquelles que duvidaram do êxito do nosso tentameu
devem estar convencidos do erro commettido.
A parede c os seus antecedentes vieram pôr cm grande
destaque a obra da Conferência.
Um nosso talentoso confrade, diante dos factos, com-
mentou-o?' com um sorriso alludindo á opportnnidade da Con-
ferência c dizendo-me sem ambages : « Nem de encom-
menda ! ».
O primeiro triumpho se concretizou no habeas-corpus com
que os anarchistas pretenderam garantir-se no direito de
« realizar comícios operários em qualquer praça, theatro ou
outro logar conveniente desta cidade».
Por unanimidade de votos, a 3 a Câmara da Corte de Ap-
pelação adoptou os motivos por mim expostos, no tocante a
localização de meetings, reconhecendo tal direito á policia.
Batidos ahi, os anarchistas recorreram ao Supremo Tribunal
Federal, onde mais ruidosa decepção os feriu. Ao nosso emi-
nente confrade, o ministro Viveiros de Castro, que redigira,
magistralmente, na Conferência, a these sobre liberdades indi-
viduaes e suas restricções, coube a sorte de relatar o recurso,
exprimindo o voto brilhantíssimo que se consubstanciou no
accôrdão n. 4.313, apoiado por todo o Supremo Tribunal, re-
serva feita de um ponto, do qual discordou um único juiz.
Póde-se dizer que essa sentença da nossa suprema Corte
foi a carta de lei conservadora da ordem publica da cidade.
A policia tivera o apoio da justiça que reconhecera, doutrinai
e constitucionalmente, a legitimidade da sua acção.
Dahi me foi fácil prohibir meetings anarchistas, vedar
passeatas que tinham por fim comprimir operários, obri-
gando-os á cessação do trabalho, e fechar o Centro Cosmo-
polita e a Federação Operaria, restabelecendo a ordem publica
na cidade no curto espaço de uma hora.
Com a volta á tranquillidade, não triumphou menos o
voto da Conferência, reconhecendo á policia a faculdade de
intervir nos dissídios entre operários c patrões, para com-
pôl-os.
Eu vos falo, senhores, ainda sob a impressão do prazer
que senti, sendo o arbitro pessoal de reclamações cuja satis-
fação mais ou menos completa deu em resultado a volta ao
trabalho de mais de vinte e seis mil operários. Estes e os
industriaes bondosamente salientaram a efficiencia dessa in-
tervenção sedativa e conciliadora.
Assim, pois, devemos estar satisfeitos com os resultados
que obtivemos da nossa obra. Mal plantamos a semente, a
terra fecundou-a, a arvore cresceu e encheu-se de fruetos.
E' que havia e ha nesta cidade elementos máos que é preciso
combater. Entre elles resaltam o caften e o anarchista.
Se a guerra embaraçou o combate a essa gente, pelos tro-
peços em que se encontra a policia para expulsal-os, não ha
duvida de que a legislação interior pôde remediar os males que
resultam da difficuldadc de punil-os.
— 5'8 —

A quasi impossibilidade da prova do caftismo, a meu ver,


ha de levar os Governos a uma classificação artificial do crime
do captiveiro carnal da mulher. E' regra que a escrava não
accusa ao senhor. Se alguma vez este a supplicia de mais ou
exige mais fartos proventos, a misera revolta-se e denuncia o
explorador á policia. A reacção, porém, é passageira. Mal os
dous se defrontam, o olhar do caften, dominante, fascinador,
faz voltar atrás a sua victima.
A expulsão summaria desses typos asquerosos se tornou
quasi impossível devido á guerra.
No momento, o caftismo é uma chaga, que tem sido entre
nós pouco tratada, e para a qual é preciso que os legisladores,
remodelando todo o arcabouço da nossa legislação a respeito,
voltem os olhos com cuidado.
O anarchista não é asqueroso, não é nojento. Seria in-
justo tratal-o assim. O anarchismo, em si, nada tem de im-
moral. E' utópico, pelo menos no actual estado da civilização
humana. Anarchistas ha verdadeiramente ideólogos, incapazes •
de uma reacção contra a ordem, contra a segurança, contra
a liberdade alheia, contra a propriedade. Oujíros, porém,
provavelmente por um consórcio entre as concepções abstractas
da doutrina e as tendências pessoaes, são perigosos.
Ha quasi três annos, eu venho repetindo que esse perigo
existe, que elle se espalha e se alastrará futuro adeante com
evidente perigo para a sociedade que nos succéder.
O mal do anarchismo reside, principalmente, no facto de
ser elle estudado em meios de escassa cultura mental, e, por
isso mesmo, por homens de nullo poder de assimilação.
Aqui, um anarchista platino pregou em plena Federação
Operaria a subversão da pátria, da familia. do Governo e da
burguezia ! O arrojo dessa concepção iconoclasta pôde ser jul-
gado inócuo, devido á propria extensão da sua formula. Mas,
senhores, predicas desta natureza não são mnocentes em meios
inexpertos. A terra recolhe a semente da boa ou má arvore, e.
indifferentemente, a fecunda. O cérebro recebe a idéa, grava-a,
transforma-a em suggestão e pratica-a. Este phenomeno se
explica pelo gráo e natureza da receptividade individual.
Cérebros impetuosos, mal educados, tarados talvez, são ter-
— 59 —

renos onde medra, na sua feição damninha. o anarchismo


feroz. . »
E esses terrenos não faltam nas classes operárias.
No Germinal;, EMÍLIO ZOLA fez para sempre o retrato do
operário inculto, de temperamento exaltado e grande rece-
ptividade, envenenando-se com paginas do credo subversivo.
A figura de Estevam é de incontestável flagrante psychologico,
empanturrado de livros, « cuja leitura mal digerida acabou de
exaltal-o ». Tudo elle lia : « mas a falta de methodo tornava
a assimilação muito lenta », produzindo-lhe « uma confusão
tal que acabava por saber cotisas que não tinha comprehen-
dido ».
Bastou elle só para levar a desordem ao seio dos mineiros
de Voreux.
Na Cathedral, de BLASCO IBANLZ^ a concepção não é
menos exacta. Luna « sin querelo», habia introducido la per-
turT5àción en la catedral ». ahi exercendo « un .efecto disol-
• vente ».
O diagnostico preciso, mas, não o tratamento, fel-o o
Vara de plata, falando ao velho agitador : « Estás transfor-
mando a cabeça desses pobres com as cousas que lhes dizes.
Toma cuidado: são muito bons, porém brutissimos. Quando
se tem sido ignorante toda a vida. é perigoso querer, de um
golpe, transformar os homens em sábios. E' como se a mim,
acostumado ao cosido doméstico, me levassem hoje á mesa de
Sua Eminência. Empaturrar-me-ia, beberia a grande, porém,
á noite teria uma eólica e talvez morresse».
E o resultado, perfeitamente concebivel, BLASCO registrou
nas paginas da A Cathedral.
GABRTLL LUNA, aliás, differentemente de ESTEVAM^ do
Germinal, era culto. O terreno em que elle lançou a semente
é que era máo. Pessoas que. em pura tréva, vêem ao longe um
foco de luz, tomam-n'o por um sonho formoso e correm atrás
delle como se fora uma esperança bemdita. Mas é fogo fatuo,
é decepção, é miragem.
Quanto aos pregadores do anarchismo entre nós, si os
conhecesseis, rir-vos-ieis á grande. Excepção de um velho agi-
tado, que um litterato talentoso, poucos dias atrás, denunciou
_ 60 —

em linda chronica, como burguez de facto, proprietário e pai


de filhas professoras, todos os outros são ignorantíssimos.
No meu gabinete, um lavador de pratos de hotel discutiu
commigo as efficiencias do anarchismo e as vantagens da
parede g e r a l . . .
Reflictam sobre estas cousas os homens de governo e
reparem na necessidade urgente de oppôr á desordem que se
semeia ou que já fructifica a barreira de uma lei intelligente
e decisiva.
Quanto á policia, propriamente dita, e sua organização,
facto precipuo que me ditou a reunião da Conferência Judi-
ciaria-Policial, ainda não perdi a esperança de dar um passo
no dominio das legitimas aspirações da cidade.
Não eu, não os meus auxiliares, mas os membros da
magistratura que compareceram á sessão de 10 de julho,
apresentaram uma moção em que « se fez um caloroso appello
ao Chefe do Estado e ao Sr. ministro da Justiça p a r a ^ u e ,
servindo-se da autorização que se contém no art. 70, n. 5. da
lei n. 3.089, de 8 de janeiro de 1916. e 4, da lei n. 3.232. de
5 de janeiro de 1917, reorganizem a Policia do Districto Fe-
deral ».
O appello não partiu, pois. dos interessados individual-
mente na reforma : partiu de ministros do Supremo Tribunal,
de desembargadores, de juizes de direito, de pretores, do
chefe e outros representantes do Ministério Publico.
Satisfaçam, pois, o Sr. Presidente da Republica e V. Ex.,
Sr. ministro, essa aspiração da cidade, porque o Rio de Ja-
neiro reclama instantemente uma reforma no seu serviço de
segurança.
A's glorias de uma administração fecunda junte-se mais
este serviço inestimável, serviço de paz, de ordem, de segu-
rança c de liberdade !
II

T H E S E S
I—Constituição da Policia; descentralização e centralização.II—Policia
de carreira: garantias. III — Escola de Policia

These I a da I a secção — Organização da Policia

I
O primeiro enunciado da these comporta duas inves-
tigações: a) como 6 constituída a Policia do Districto Fe-
deral; b) como deve ella ser constituída.
A) A Policia do Districto Federal recebeu sua ultima
organização no decreto legislativo n. 1.631, de 3 de janeiro
de 1907, desdobrado nos decretos regulamentares ns. 6.439
e 6.440, de 30 de março de 1907.
O primeiro desses decretos se refere á Secretaria de
Policia; o segundo ao serviço policial, que é o de que me
vou especialmente occupar.
O art. i° do decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907,
constituiu « o serviço de policia do Districto Federal, sob
a inspecção suprema do Presidente da Republica e superin-
tendência do Ministro da Justiça e Negócios Interiores e
immediatamente dirigido por um Chefe de Policia ».
O art. 2° manteve a já antiga divisão da Policia, entre
nós, em « judiciaria e administrativa ou preventiva, ambas
exercidas pelas autoridades policiaes nos limites das suas re-
spectivas attribuições ». A esta (art. 3°) « incumbe em geral
a vigilância em proteger a sociedade, manter a ordem e tran-
quillidade publicas, assegurar os direitos individuaes e auxiliar
a execução dos actos e decisões da justiça e da municipa-
lidade». Aquella (art. 4 0 ) « comprehende os actos neces-
sários ao pleno exercicio da acção repressiva dos juizes e
tríbunaes ».
Sob o ponto de vista da jurisdicção e do território,
a primeira se extende a toda a superficie do Districto Fe-
deral, ilhas inclusive, dividida em 30 districtos policiaes.
creados. respectivamente, pelos decretos ns. 1.631, de 3 de
janeiro de 1907, 6.440, de 30 de novembro do mesmo anno.
1.828, de 23 de dezembro de 1907 (que creou o 29o dis-
tricto) e a lei n. 3.089, de 8 de janeiro de 1916, que reco-
nheceu o decreto n. 11.534, de 31 de março de I 9 ! 5 J do
Presidente da Republica, creando o 30o districto.
Esses districtos (art. ó°) são classificados em entrancias,
segundo o movimento policial e a respectiva população. O
pessoal de cada um (art. y°) se compõe de um delegado
e commissaries designados pelo chefe de Policia, os de ter-
ceira e segunda entrancia de quatro, pelo mco„s.. e os de
primeira de três.
O art. 8 o enumera os órgãos da administração poli-
cial : um chefe de Policia, três delegados auxiliarcs. 30 dele-
gados de districto. 30 commissarios de I a classe, 100 com-
missarios de 2 a classe, um administrador do Deposito de
Presos na Repartição Central, trcs auxiliarcs do Deposito
de Presos, três escrivães de delegacias auxiliares. três es-
creventes das mesmas, 30 escrivães das delegacias de dis-
tricto, 20 escreventes das delegacias de terceira e segunda
entrancia, 28 officiaes de justiça, um inspector geral da
Policia Marítima, cinco sub-inspectores. dous auxiliares, um
inspector de vehiculos, 10 auxiliares, dous escreventes, um
inspector de investigações e capturas, 80 agentes, um in-
spector da Guarda Civil, um sub-inspector, um almoxarife,
1.000 guardas, sendo 400 de primeira classe e 600 de se-
gunda e a Brigada Policial, composta de 173 officiaes e
3.015 praças. A Brigada Policial é « immediatamente subor-
— G5 —

diiiada ao Ministro da Justiça (regulamento que baixou com


o decreto n. 12.014, de 29 de março de 1916) e á dispo-
sição das autoridades policiaes para o serviço que estas re-
quisitarem em bem da ordem e segurança publicas no Dis-
tricto Federal ».
Além desses funecionarios, conta a Policia com os da
secretaria (um secretario, um official de gabinete do chefe
de Policia, quatro officiaes, oito escripturarios, um official
archivista, interprete e traduetor, 12 amanuenses, um the-
soureiro, um fiel, quatro telephonistas, um porteiro, oito con-
tínuos, seis serventes) ; os do Serviço Medico Legal (12 me-
dicos legistas, dos quaes um serve de director, um assistente,
um servente) ; os do Gabinete de Identificação e de Es-
tatística (um director, um encarregado (escripturario) da
secção de identificação, três auxiliares (amanuenses), um
encarregado (escripturario) da secção de informações, dous
auxiliares (amanuenses), um encarregado (escripturario) da
secção photographica, um auxiliar (amanuense), um con-
tinuo).
Cada delegado tem três supplentes. A despeito do ar-
tigo do regulamento que manda que os espectaculos sejam
presididos pelos commissarios, a pratica encarregou os sup-
plentes desse serviço por deficiência daquelles.
Finalmente, ainda pertencem á Policia do Districto Fe-
deral a Colônia Correccional de Dois Rios e a Escola Pre-
munitoria Quinze de Novembro, com o pessoal a que se re-
ferem os respectivos regulamentos.
Os particulares auxiliam a Policia mantendo guardas-
nocturnas, além do serviço policial mantido pela Companhia
do Porto para os seus cáes c armazéns.
A investidura do pessoal está dividida pelo Presidente
da Republica, ministro de Interior e Justiça e chefe de Po-
licia.
« São livremente nomeados e demittidos (art. 90) : pelo
Presidente da Republica: o chefe de Policia, dentre os dou-
tores ou bacharéis em direito por alguma das faculdades da
Republica, com 10 annos, pelo menos, de tirocinio na ma-
gistratura, na* advocacia ou na administração publica, ou que
por estudos especiaes; tenham demonstrado aptidão para o
õ
— GG —

serviço policial; pelo ministro da justiça, o secretario da po-


licia, os medicos legistas; pelo chefe de Policia, os dele-
gados auxiliares, dentre os doutores ou bacharéis em direito
por alguma das faculdades da Republica, com quatro annos,
pelo menos, de tirocinio na magistratura, na advocacia ou
na administração publica; os delegados de districto, dentre
os doutores ou bacharéis em direito por uma das faculdades
da Republica, com dous annos, pelo menos, de pratica fo-
rense; os supplentes de delegado; os commissarios de po-
licia; os escrivães; os escreventes e officiaes de justiça; o
inspector geral e os sub-inspectores da Policia Marítima e
os funecionarios do Gabinete de Identificação e de Esta-
tística; o inspector de vehiculos e empregados da Inspe-
ciona ; o inspector e agentes do Corpo de Investigação e
Segurança Publica; o assistente e o servente do Serviço
Medico Legal; o administrador e empregados do Deposito
de Presos.
A capacidade é provada: dos delegados, em geral, com
a attestação, por autoridade judiciaria, da residência no Dis-
tricto Federal, o registo do diploma scientifico na Secre-
taria da Policia, e documentos que provem o exercido de
f uneção publica anterior ou de advocacia ; dos commissarios,
com a prova de serem menores de 6o annos e maiores de
2i, e de idoneidade moral e intellectual revelada em con-
curso feito perante uma commissão de dois advogados ex~
tranhos á Policia e nomeados pelo chefe de Policia, sob a
presidência deste ou de um dos delegados auxiliares. As
provas de habilitação serão escriptas e oraes e constarão :
aquellas, de conhecimento da lingua portugueza, de uma
questão juridico-policial, de redacção e correspondência offi-
cial ; estas, de elementos de direito constitucional brasileiro,
noções de direito e processo penal, organização e divisão
policial. As provas exigidas para os escrivães são as mesmas.
O inspector e sub-inspectores da Policia Marítima são es-
colhidos entre os nacionaes de menos de 6o e mais de 21 annos,
que tenham revelado aptidão para o cargo e conheçam theo-
rica e praticamente a lingua franceza. Os logares de me-
dicos-legislas serão providos por concurso prestado perante
uma commissão composta do director do Serviço Medico
— 67 —

Legal e dois medicos nomeados pelo ministro da Justiça.


Os demais funccionarios da Policia serão escolhidos entre os
brasileiros de mais de 21 annos e menos de 60; idôneos, ,1
juizo do chefe de Policia. São secretas as nomeações' de
agentes da segurança publica. O regimen de accesso, entre
os delegados, que só podem ser nomeados para a primeira
entrancia, se regula pelo merecimento, ou pela antigüidade,
sendo aquelle egual. Esta regra é geral para os demais func-
cionarios. O inspector da Guarda Civil é de nomeação do
ministro da Justiça e dispensado quando convier ao serviço.
Todos os outros empregados são de nomeação do chefe de
Policia. Os requisitos para a nomeação de guarda são : na-
cionalidade brazileira, idade maior de 21 e menor de 40 annos,
saber 1er e escrever correctamente, ser de reconhecida mora-
lidade e bom comportamento, reunir condições de robustez
physica e não soffrer de moléstia que impossibilite o desem-
penho do serviço, ter residência effectíva por mais de um anno
no Districto Federal, não ter sido condemnado nem estar sendo
processado em juizo criminal, ser vaccinado, ter pelo menos,
im,Ó5 de altura. A exclusão se dá a pedido ou quando o
guarda commetter falta grave a juizo do chefe de Policia.
H a duas classes ( i a e 2 a ), sendo a promoção desta para
aquella feita pelo chefe de Policia, mais pelo critério do
merecimento. A Brigada Policial tem organização militar.
A praça propriamente dita se alista por três annos, preci-
sando saber 1er e escrever, ter boa moralidade, 18 a 40 annos
de idade e robustez physica verificada em inspecção de saúde.
A nacionalidade é indifférente; cada corpo, porém, não pôde
ter mais de oito estrangeiros e estes devem ser naturalizados
na data do engajamento. Exige-se-lhes o conhecimento da
lingua portugueza e prova de residência no território da Re-
publica por mais de quatro annos. Os menores de 21 annos
dependem, para ser alistados, de licença dos seus repre-
sentantes legaes. Em egualdade de condições, são preferidas
as ex-praças do Exercito, Armada e Corpo de Bombeiros
da Capital Federal. No fim dos três annos, a praça pôde
ser reengajada.

Esta é, em largos traços, a organização da Policia do


Districto Federal.
— 68 —

B) Como deve ser ella constituída?


Pouco depois de empossado no cargo de chefe de Po-
licia, dei uma interview ao Jornal do Commercio em que ex-
ternei os seguintes conceitos :
« A meu ver, três soluções podem ser dadas : fazer da
Policia um ministério, que seria o Ministério da Policia e
Segurança Publica, incorporar as funeções do chefe de Po-
licia nas do ministro do Interior e Justiça, ou crear uma
Prefeitura de.Policia. Qualquer dessas soluções seria melhor
que a pratica actual... Quem conhece de perto o serviço
policial do Rio de Janeiro e as suas grandes responsabi-
lidades, quem tem noticia da sua complexidade e do seu
formidável expediente, sempre em escala ascendente, não pode
deixar de concluir pela sua absoluta autonomia. Sendo assim,
a Brigada Policial devia, como a Guarda Civil, ser superin-
tendida pelo chefe'de Policia, o que. aliás, se daria muito
logicamente, si o serviço passasse a constituir um minis-
tério » ( i ) .
Reformo, em parte, o meu modo de pensar, convencido,
como estou, de que a Policia deve de todo escapar á in-
fluencia da politica, e, pois, não constituir um ministério (2).
Entretanto, por força de certos phenomenos locaes, entendo
que se deve augmentar a sua autonomia e submettel-a imme-
diatamente á inspecção do Presidente da Republica como
acontece com o prefeito do Districto Federal.
Não é que não haja hoje uma grande liberdade de movi-
mentos da parte do chefe de Policia. No próprio Ministério
da Justiça, a autonomia dessa autoridade ficou salientada em

(1) Jornal do Commercio de 25 >de janeiro de 1915.


(2) « A politica nada tem a fazer na policia, que existe para
proteger toda1; as pessoas honestas, pertençam a este ou áquelle
partido politico, contra os criminosos e para collaborar com a Jus-
tiça na observação das leis. Toda nomeação politica em policia é
um grave erro, que pôde acarretar as mais lamentáveis conseqüências
para o bom funecionamento desta instituição». (Riuss — Contri-
buifion à la Reorganisation de la Police, pag. 12.)
E' digna de nota a insistência de RKISS contra a intervenção
da politica na Policia. Numa das suas conferências cm S. Paulo,
disse elle : « Politica e policia são duas entidades que não podem
— 09 —

dois casos occorridos na minha administração, e délies dá


noticia o seguinte parecer proficientemente elaborado pelo
Dr. Pelino Guedes e com o qual concordou o titular da
pasta : « . . . Por outro lado, ha a notar que o conceito enun-
ciado e invocado pelo illustre patrono do identificando,
quando diz que recorre do acto do chefe de Policia para o
Sr. ministro, por ser este a autoridade immediatamente su-
perior, não procede, porque o recurso não provém do prin-
cipio da hierarchia; é, antes de tudo, um meio de direito,
uma garantia creada pela lei, em beneficio da justiça, e
que só pôde ser invocado ou interposto nos casos em que
a lei expressamente o admitte. Assim, por exemplo, não ha
em assumptos de identificação, recurso dos actos do chefe
de Policia para o ministro, pela simples razão de que essa
autoridade age, ahi, ratione imperii, visto tratar-se de uma
repartição autônoma, sob a sua directa e immediata fisca-
lização. (Decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907.) Dos
actos dessa natureza só cabe recurso perante a mesma au-
toridade ou perante o poder judiciário. Na hypothèse do
chefe de Policia commetter uma violência contra a liberdade
individual, o remédio não seria o recurso ao minitsro da
Justiça, mas o pedido de habeas-corpus. Os casos são idên-
ticos. Por assim pensar, emitti o seguinte parecer em 7 de
abril de 1915 a propósito de um recurso interposto por F . . . ,
em virtude de uma pena de suspensão que lhe foi imposta
pelo chefe de Policia, parecer esse com o qual o Sr. mi-
nistro se declarou de inteiro accôrdo. «Não é demais accen-

viver conjuníamente e nada teem que ver uma com a outra... No


Brazil tive oceasiao de conhecer uma policia que, devo dizel-o com
franqueza, é essencialmente influenciada pela politics. Ahi entram
como delegados indivíduos que não possuem a menor preparação
tcchnica e não podem, por conseguinte, cumprir a sua missão com
a cordura devida ao cargo que lhes foi confiado...» E, visando de
perto o nosso caso, criticou o professor RF.ISS : « Sob este ponto de
vista — para que negal-o? — a Policia do Rio deixa alguma cousa
a desejar, pois a protecção política dá mais accesso aos postos poli-
ciaes do que o preparo technico ». (Bibliotheca do Boletim Poli-
cial; Resumo das Conferências realizadas em S. Paulo, pelo pro-
-(essor^ Reiss.)
— 70 —

tuar que, em face das disposições em vigor, não ha recurso


para este Ministério dos actos do chefe de Policia, dentro
da esphera de acção administrativa que lhe é traçada pela
lei. Fica livre áquelles que se julgarem prejudicados pelos
actos da referida autoridade recorrer a outros meios de di-
reito, quer pedindo reconsideração daquelles actos, quer in-
tentando acção que no caso couber» (3).
O ministro da Justiça concordou com a doutrina ex-
ternada pelo director geral da directoria de justiça, reaffir-
mando, assim, a doutrina anteriormente acceita, como consta
do parecer acima transcripto.
Entretanto, exemplos teem havido de choques entre o
ministro e o chefe de Policia, que conviria evitar.
O Rio de Janeiro é, sabidamente, uma cidade de grandes
fermentos. Receptaculo de maus elementos estrangeiros e
centro ainda não emancipado de idéas revolucionárias, o
Chefe do Estado— : e todos assim teem agido—não dispensa
conferenciar amiudadamente com o chefe de Policia, trans-
mittindo-lhe ordens directas. Aliás, o facto é antigo, porque,
ao que se sabe, o próprio Imperador recebia em S. Chris-
tovão o chefe da segurança e com elle se informava da
ordem publica. Logicamente, dentro do regimen actual, o
ministro da Justiça devia ser o intermediário entre o Pre-
sidente e o chefe de Policia, receber o primeiro ordens1 do
segundo e transmitil-as ao terceiro, nos casos mais graves,
em que ninguém assume responsabilidades exclusivas, sem
de tudo dar conta ao depositário supremo da autoridade.
A verdade, porém, é que as cousas não se passam
assim. O Presidente da Republica chama á sua presença
o chefe de Policia, de tudo se esclarece e dá-lhe instrucçoes.
Não raro, sem nenhum propósito, mas devido á pressão das
circumstancias, o ministro só tem sciencia dos factos quando
as providencias vão a meio caminho.
Por tudo isto, penso que os factos devem ser encarados
na sua verdadeira lógica e o chefe de Policia investido
exclusivamente das funeções de supremo gestor da segu-

is) Parecer do DR. PFJJNO GUIÎDËS, de 20 de outubro de 1916,


numa petição de CAMIIXO BADIN.
— 71 —

rança publica do Districto Federal, sob o ponto de vista


da policia civil.
Feito isto, a centralização do serviço deve ser uma regra
absoluta.
Quando se reformou* a Policia de Londres, uma das ca-
racterísticas « do systema, foi sua centralização » ( 4 ) .
DUGUIT teve uma segura orientação do assumpto, quando
affirmou que « para os serviços que tendem com a segurança
no interior e a protecção no exterior, cuja gestão não re-
clama conhecimento technico particular, mas somente uma
direcção única e enérgica, não existe nenhum motivo para
conferir aos funccionarios encarregados do serviço a di-
recção, o impulso ; haveria mesmo graves perigos em sub-
trahir aos governantes e a seus agentes immediatos a plena
direcção do serviço» (5).
Não quer isto dizer que não se comprehendam, dentro
dos moldes geraes da Policia, serviços relativamente autô-
nomos, comtanto que o chefe de Policia seja o centro de
todos, podendo contrasteal-os com absoluta efficiencia.
O Corpo de Segurança, por exemplo, deve ser subor-
dinado ao respectivo inspector. Acima da autoridade deste,
porém, só uma autoridade deve existir: a do chefe de Po-
licia, e esta absoluta. O mesmo se pôde dizer do Gabinete
de Identificação e da Inspectoria da Policia Marítima.

II
A segunda parte da these se refere á policia de carreira
e ás garantias que devem protegei-a.
A) Na minha entrevista ao Jornal do Commercio, já
citada, disse eu a respeito : « Não sou, como a muitos se

(4) GOODNOW — City Government in the United States, pag. 217.


(5) DUGÜIT — Trai fé de Droit Public, vol. I, pag. 461. «Nada
de dualismo».
Vem a propósito citar estes conceitos de RÊÍSS : « A policia da
ordem e a policia criminal devem, segundo penso, ser dirigidas por
uni chefe único e independente. Em toda a parte onde ellas dependem
de duas direcções différentes, estas duas autoridades se atropellam
iTiutu imente...». Coutribuition. pag. 2,
• 72

tem afigurado, um partidário exaltado da policia de car­


reira. Ella tem, evidentemente, lados fraquissimos. E' indis­
cutivel, porém, a necessidade de amparar a carreira do po­
licial, encoraj ando­o, animando­lhe o amor á profissão, pre­
miando­lhe o zelo, estimulando­lhe ® accesso, tudo isso, porém,
sem que o funccionario conte mais com a inamovibilidade
absoluta que lhe assegure a lei do que com os créditos, a sua
boa fama e as excellencias da sua conducta profissional » ( 6 ) .
Mantenho ainda agora, após mais de dois annos de exer­
cido na Chefatura de Policia, a mesma opinião externada
em 1915. A policia de carreira é indispensável. E' preciso
que o funccionario, ao alistar­se no serviço de segurança
da cidade, ainda moço e cheio de vida, tenha a esperança
de melhores dias, porque elle os vae passar maus no exer­
cido do seu cargo.
A funcção do policial é antipathica ao povo, com o qual
tem que lutar nos seus desvios. Por outro lado, é mal remu­
nerada e cheia de perigos.
Por tudo isto é indispensável a garantia do accesso até
os postos mais elevados, sem que, entretanto, o Governo
fique desarmado de recursos mais ou menos expeditos contra
os maus elementos.
Penso que não se deve demittir o policial sem um
processo administrativo, circumscripto ás provas colhidas
pela autoridade e á defesa do inculpado; mas entendo
também que esse caso é de mera administração, e, uma vez
preenchidas as formalidades da lei, a decisão do superior
hierarchico não deve ser susceptivel de recurso. Concedo
mesmo que a pena maxima de demissão não possa ser appli­
cada senão por um tribunal de que façam parte funccio­
narios e a autoridade superior. O que é indispensável é
não estabelecer uma garantia que favoreça o funccionario em
prejuízo do serviço. O intuito deve ser duplo: proteger o
funccionario e garantir a funcção.
Segundo este meu modo de encarar a policia de car­
reira, o indivíduo, uma vez nomeado, sabe que com boa con­
ducta. amor ao trabalho, diligencia c lealdade —■ porque este

(6) Jornal do Commercio, numero citado.


— 73 —

é requisito de êxito em taes funcçoes — poderá ascender a


postos elevados, dentro das especificações legaes respectivas.
Por outro lado, tem a certeza de que não poderá ser
despedido do cargo sem certas formalidades protectoras da
sua defesa.
Não é différente a situação da maioria dos actuaes func-
cionarios do Estado.
O que impõe a instituição da policia de carreira é o seu
caracter profissional. A policia moderna é actividade difficil.
A nomeação de uma pessoa a quem falleça algum conhe-
cimento pratico da especialidade para um cargo de direcção
policial é um erro. E' á custa da ordem e da segurança
publica que ella vae aprender. E a experiência que tenho
do serviço me diz que essa aprendizagem é difficil e lenta.
Não se conhece com facilidade a vida de uma grande
capital. E conhecer uma cidade importante sob o ponto de
vista policial é cousa que demanda tempo. A policia não
lida com factos normaes. A sua missão, justamente, é tratar
com os casos que perturbam a normalidade ou ameaçam
perturbal-a. Bom policial é aquelle que conhece o meio em
que exercita a sua funcção : a cidade, os seus vicios, as suas
desordens, as suas fermentações, e, por outro lado, os vi-
ciados, os desordeiros, os agitadores.
B) Quanto ás garantias, o que deixei escripto é suffi-
ciente para demonstrar que ellas são actualmente incom-
pletas.
O chefe de Policia é nomeado e demittido livremente
pelo Presidente da Republica; os delegados auxiliares e de-
legados de district© de livre escolha e demissão do chefe de
Policia. Os escrivães, commissarios, inspectores e sub-inspe-
ctores da policia marítima e demais funccionarios estão nas
mesmas condições. Todos elles podem ser exonerados ou « a
pedido, ou quando pronunciados em crime commum ou func-
cicnal, ou por immediata resolução do chefe de Policia, ou
mediante processo administrativo do qual não caberá re-
curso ».
De tal forma, o chefe de Policia, «por immediata reso-
lução sua », pôde demittir todos os funccionarios policiaes.
— 74 —

Mesmo na hypothèse do processo administrativo, a ultima


palavra é sua, porque delle « não caberá recurso ».
Quanto aos guardas civis, podem ser « excluídos do
quadro a pedido, ou quando commetterem falta grave a juizo
do chefe de Policia». As praças da Brigada Policial também
podem ser excluídas ou expulsas em casos graves. A lei
da despeza, n. 3.232, de 5 de janeiro de 1917, garantiu ao
* « guarda civil que se invalidar no serviço da corporação,
a metade de seus vencimentos ». Si algum guarda fallecer
em virtude de « lesão recebida no desempenho de suas f unc-
çoes, fica também garantido esse direito » á sua viuva ou
filhos.
E' verdade que o Governo deve dispor de meios fáceis
para afastar do serviço funccionarios inúteis ; mas um sys-
tema de garantias deve existir em beneficio dos bons. Por
isso a defesa do policial deve ser sempre produzida perante
o superior.
E' indispensável também instituir a pensão para os que
se invalidarem no serviço ou para a familia dos que fal-
lecerem no cumprimento do dever.

III

A terceira parte da these se refere á Escola de Policia.


E' conveniente adoptal-a dentro de moldes seguros. Na
organização actual, sem que, aliás se lhe tenha podido dar
cumprimento, existe o dever attribuido ao director do Ga-
binete de Identificação de « dirigir o curso de filiação mor-
phologica e exame descriptivo, funccionando como seu as-
sistente o encarregado de secção que designar ». Este curso
foi imaginado para « os agentes de segurança publica » e
é vasado em moldes « de freqüência obrigatória ».
Quanto á Guarda Civil, o regulamento em vigor cogita
de « uma escola para o ensino pratico de guardas de re-
serva ». ensino que será ministrado por « um fiscal dentre
os de melhor aptidão ». Na Brigada Policial também ha uma
escola, sendo uma parte do programma relativa á policia
e suas funcções.
— 75 —

Em Londres os candidatos á Policia Metropolitana,


que tiverem os requisitos regulamentares, freqüentarão o
Curso Preparatório {Preparatory Class) durante seis se-
manas, ou mais si fôr preciso, recebendo durante esse tempo
uma remuneração de 15 s. semanalmente, si morarem na « Se-
ction House », ou 20 s. no caso contrario. Si forem considerados
aptos ao trabalho, serão vaccinados, diplomados e remettidos
ás divisões, onde continuarão a ser instruídos durante seis
mezes (7).
Na Argentina ha a Jlscuela de Cadetes, na qual « cursan
estúdios especiales los jovenes aspirantes á la carrera poli-
cial» (8).
A França preferio, para muitos cargos policiaes, a prova
do concurso (9).
Entre nós, penso que a questão deve ser resolvida de
modo a não entrar ninguém para o serviço policial sem um
exame de habilitação, além de certos requisitos expressos
no regulamento, isto para a Brigada Policial, como para a
Guarda Civil. Por outro lado. haverá uma Escola de Policia
propriamente dita, freqüentada por guardas civis ou soldados
da Brigada que, occorrendo vaga na Inspectoria de Inves-
tigações e Capturas, concorreriam ás ditas vagas, sujeitan-
do-se aos programmas e provas regulamentares. A promoção
far-se-ia á 2 a classe de agente*, dando-se a promoção á pri-

(7) Instruction Book for the guidance of the Metropolitan Po-


lice, pag. 8.
(8) Condiciones e Programa de ingreso a la Bscuela de Ca-
detes, publicação official.
(9) Repertoire de Droit Adm.; verb. Police; L. COURCKLW, — Re-
pertoire de Police; Org. Comm.; pags. 1.134 e segs.
No livro de Rs-iss ha varias referencias á educação policial.
Fallando do chefe de policia criminal, diz elle : « Este chefe deve
ter recebido unia educação profissional methodioa. Elle deve co-
nhecer a fundo o serviço criminal e ter trabalhado, si possível,
como simples inspector de policia. Não é absolutamente necessário
que tenha seguido ia carreira desde o principio. Póde-se ser bem
suecedido como policial, tendo-se antes exercido uma profissão
différente. Mas, neste caso, uma condição é indispensável: é preciso
1er trabalhado como simples inspector durante um tempo suffi-
— 76 —

meira sem concurso, mas por antigüidade e merecimento.


Estes concorreriam aos logares vagos de commissario de
segunda classe e teriam accesso á primeira sem concurso.
As vagas de delegados seriam preenchidas por concurso dos
commissarios de primeira classe. Os guardas civis e as praças
da Brigada poderiam concorrer aos logares de escreventes.
Destes, por concurso, sairiam os escrivães de primeira en-
trancia, que ascenderiam até á terceira entrancia e pode-
riam como os commissarios de primeira classe concorrer ás
vagas de delegados. As vagas de inspectores (da Guarda
Civil, Investigações e Capturas e Policia Maritima) seriam
preenchidas por concurso entre delegados em geral. Os postos
do Gabinete de Identificação também seriam disputados por
concurso.
Assim, chego ás seguintes conclusões, que offereço ao
sábio juizo da Primeira Secção da Conferência Judiciaria-
Policial :

A Policia do Districto Federal tem uma organização


deficiente que urge remodelar.

ciente». (Op. cit., pag. 13). «Finalmente, uma secção especial do


serviço de identificação judiciaria servirá de secção escolar piara o
ensino de assignalamento (retrato íallado) a todos os inspectores
(agentes) da policia criminal, os quaes deverão freqüentar esta es-
cola ao entrar para ia policia». (Ibd., pag. 57.) « O laboratório de
policia servirá egualmente de escola, nelle fazendo um estagio mais
ou menos longo os 'funccioniarios dos quadros da policia judiciaria,
para se familiarizarem com os meios technicos da investigação po-
licial moderna... O estagio deve ser feito antes da promoção a
brigadeiro, e ninguém deverá ser promovido antes de tel-o feito
com suecesso». (Ibd., pag. 66 in fine e seg.)
« O recruta não é definitivamente admittido ao serviço senão
depois de um estagio de seis mezes pelo menos... Durante o
estagio e o primeiro anno de seu serviço definitivo, o joven polichl
freqüentará duas vezes por semana e á tarde, cursos nos quaes se
lhe explicará .as leis e regulamentos mais importantes que tiver
de applicar na pratica da sua funeção...» (Ibd., pags. 97 e segs.) •
— 77 —

II

Ella deve constituir um serviço autônomo, e, attendendo


a certos característicos locaes, dependente immediatamente
do Chefe do Estado. Deve constituir uma Prefeitura.

III

A organização da Policia do Districto Federal deve ser


realizada de tal forma a excluir toda influencia da política.
4

IV

A base geral do serviço policial deve assentar na cen-


tralização, de modo que o chefe de Policia possa, em caso
de necessidade, empregar providencias enérgicas e promptas
para garantir o seu funccionamento. Entretanto, é aconse-
lhável, salvaguardando sempre o mais amplo poder de con-
traste do chefe de Policia, uma orientação descentralizadora
em relação a certos serviços policiaes technicos.

A Inspectoria de Investigações c Capturas, numa pos-


sível reforma da Polícia, deve merecer a mais cuidadosa
attenção. cumprindo melhorar a situação dos seus agentes,
instruil-os intensamente para tornai-os profíssionaes. O nu-
mero dos agentes deve ser urgentemente augmentado.

VT

A policia de carreira deve ser adoptada, sem caracter


de inamovibilidade. A dispensa do funecionario deve pre-
ceder, entretanto, processo administrativo. A carreira po-
licial deve ser organizada de tal modo que os próprios
rondantes (guardas civis, soldados da brigada) possam con-
correr ás vagas da Inspectoria de Investigações e Capturas,
e, uma vez ahi admittidos, galgar os mais elevados postos
policiaes.
— 78 —

VII

Ninguém deve entrar para a Policia sem provas espe-


ciaes de habilitação, nem nella ascender sem instrucçao te-
clinica obtida em escolas especiaes,

VIII

A Brigada Policial deve ser submettida immediatamente


á autoridade do chefe de Policia ( 1 0 ) .

(10) As conclusões acima limitam-se a traçar as linhas geraes


da reforma.
Nas outras theses do programma serão estudadas pelos respe-
ctivos relatores .as diversas dependências do serviço policial'.
i — Poder de policia. H—Poder regulamentar do chefe de Policia,
111 —Regras precisas explicitas o implicite do nosso direito

These 7 a da I a secção

PODER DE POWCIA

Chama-se poder de policia « a manifestação do poder


publico tendente a fazer cumprir o dever geral do indi-
víduo » ( i ) .
Não se pôde bem comprenender essa definição sem. es-
clarecer a phrase — dever geral do indivíduo — usada por
OTTO MAYER, seu autor: «Ainda hoje, diz elle, ha um dever
geral dos indivíduos para com a sociedade e a administração
que defende os interesses delia; um dever que, de ante-mão,
consideramos como existente e innato : é o dever de não per-
turbar a boa ordem da cousa publica, de evitar cuidadosamente
e impedir as perturbações que poderiam provir da sua exis-
tência. Que existe ahi um mandamento moral, é evidente;
lia mais, trata-se não somente de um dever moral, mas de

(i) OTTO MAYER — Droit Adm. de I'Bmp. All, vol. II, pag. 13.
— 80 —

um dever de natureza jurídica. O caracter jurídico especial


do que hoje chamamos policia, o que distingue suas insti-
tuições de todas as outras do direito administrativo, é justa-
mente a existência de um dever geral preexistente, dever
que a policia tem de cumprir e fazer effectivo » (2) .
Qualquer que seja o laivo de metaphysica que se perceba
na concepção desses deveres innatos, é indiscutível que o
individuo tem múltiplas dependências na sociedade. Em um
sem numero de relações, elle é um instrumento passivo e não
um agente de actividades: não faz isto ou aquillo, porque
não pode fazer; ou então, si fizer isto ou aquillo, que lhe é
vedado fazer, sabe que encontrará uma força actuando em
sentido contrario ao seu movimento. Esta força, em simples
condição latente, tem a virtude de apassivar o individuo; e
este se deixa apassivar ou pela sua perfeita adaptação ao
meio social e jurídico, ou pelo receio de que contra elle
funccione o apparelho de coerção que realiza o direito. Si,
cedendo a qualquer phenomeno de ordem physiologica, moral
ou social, o individuo rompe os limites que são impostos á
sua conducta, o apparelho de coerção passa do seu estado
latente a uma condição patente, e redul-o á passividade. A
gênese do poder de policia se encontra na conjunctura, no
estado de necessidade em que o homem se viu de só mover-se
dentro de um circulo, embora amplissimo nas suas linhas; e
da certeza de que, sahindo ou tentando sahir desse circulo,
uma força organizada, um mecanismo, um apparelho social
e jurídico o obrigará a voltar ao traçado da sua actividade
legitima. Dessa ameaça perenne de coerção exterior foi
conseqüência a concepção do dever de apassivação ou sujeição
aos princípios, preceitos e ordens da autoridade constituída.
A necessidade de regular a coexistência dos homens na
sociedade deu origem ao poder de policia; o estado de con-
sciência que se firmou no individuo de que lhe seria impossível
viver bem sem submissão a esse poder, fez nascei* o dever
de policia.
Innato ou social, em conseqüência de injuneções ine-
vitáveis, esse dever é geral, e a policia, no conceito já externado
de OTTO MAYËR, existe para realizal-o e fazel-o valer.

(2) Ibd., ibd., pag. 9.


I
_ 81 —

A primeira conseqüência dessa noção é que o poder


de policia se extende a todas as relações collectivas nas quaes
se note a presença de deveres para com a policia. Esses de-
veres, ainda no dizer do sábio escriptor allemão, « são con-
siderados como juridicamente definidos e validos, antes
mesmo de ser*em regulados de um modo qualquer pelo direito
positivo » ( 3 ) . Mais ainda: « admittem-se por toda a parte, em
materia de policia, os poderes os mais largos e as autorizações
as mais geraes: o dever supposto preexistente para com a
policia dá a essas- autorizações uma determinação jurídica
sufficiente da sua extensão e de seu fim » ( 4 ) .
Ao exemplo da Prussia, onde « o poder de policia tem
seu fundamento na A. L. R., II, 17, § 10, em que não se
encontra sinão uma referencia extremamente vaga ás attri-
buições que incumbem á policia », e ao da França, onde se
invoca a lei de 22 de dezembro de 1789, que diz simplesmente
que a administração departamental é encarregada da manu-
tenção da segurança, da salubridade e da tranquillidadc
publicas» ( 5 ) . pode ser junto o nosso. O art. 3 0 do decreto
n. 6.440, de 30 de março de 1907, diz: « A ' policia adminis-
trativa ou preventiva incumbe em geral a vigilância em pro-
teger a sociedade, manter a ordem e tranquillidade publicas,
assegurar os direitos individuaes e auxiliar a execução dos
actos e decisões da justiça e da municipalidade».
E \ como se vê, um circulo amplíssimo de funcções.
O artigo podia ter terminado dizendo : — de accôrdo com
o estabelecido neste regulamento — o que faria vedado ás
autoridades policiaes, explicitamente, o regimen do arbítrio.
Não quer isto dizer que o poder de policia é arbitrário,
ou que a lei creou para essa instituição administrativa uma
situação discrecionaria sem contraste. De facto, alguns au-
tores emprestam á policia um poder arbitrário.
Bluntschli é desse numero: « Um certo arbítrio ou a livre
escolha dos meios são inseparáveis delia. Uma legislação que
a priori quizesse regular todos os seus actos, seria impra-
ticável e desastrosa. Sem duvida, este arbítrio não é absoluto;

(3) OTTO MAYËK— Op. cit., vol. II, pags. 9, in fine e 10.
(4) OTTO MAYER — Op. cit., vol. II, pag. 10.
(5) Ibd., ibd., ibd., pag. 10, not. 18.
6
— 82 —

elle se move no quadro das leis, e a policia não deve nunca,


sem uma verdadeira necessidade, lesar ou violar um direito
adquirido » ( 6 ) .
E' este um ponto delicadíssimo que merece ser elucidado.
Foi justamente ao regimen de policia que succedeu o
actual regimen de direito sob o qual vivem todos os povos
cultos. Não mais se substitue «o fundamento legal», pela
« situação jurídica geral de policia», por «um direito publico
costumeiro », ou mesmo « por motivos politicos » (7) .
Neste particular, o voto é unanime : « A policia é, como
qualquer outra actividade administrativa, submettida ás con-
dições do Estado constitucional e dos princípios do regimen
do direito » ( 8 ) . « A autoridade administrativa não deve
nunca intervir em materia de policia, tanto quanto em quaesquer
outros, sinão nos casos e segundo as condições determinadas
pela lei » ( 9 ) . No dizer de STEIN, os actos policiaes devem
conformar-se com «as leis e regulamentos vigentes» ( 1 0 ) .
De facto, répugna, num regimen de direito, uma acção
discrecionaria. Todo o esforço deve ser empregado no sen-
tido de garantir a vida social, amoldando-a ao quadro geral
do direito. E quando se reflectir em que « o direito universal
da pcslicia administrativa » se destina « á manutenção da
ordem publica, á custa de uma limitação opportuna da liber-
dade pessoal » (11), ver-se-á como é delicada e melindrosa,
numa sociedade civilizada, a montagem do apparelho regu-
lador dessa funcção de prevenção e de defesa, e com que
molas é preciso constituil-o para augmentar a segurança geral
com o minimo possível de restricções.
Individualmente, penso, abstrahindo da questão sob o
ponto de vista geral, para de passagem visal-a ao prisma das
necessidades locaes, que nos faltam innumcros pontos de
apoio em leis c regulamentos de policia para conseguir uma
efficiencia maior nesse ramo da administração superior.

(6) BUJNÏSCHLÏ — te droit públ. géncr., pags. 188-189.


(7) Orro MAYER — Op. e vol. cits., pag. 11.
(8) Ibd., ibd., ibd., pag. 7.
(9) DUGUIT—Traité de Droit Const., vol. II, pag. 25.
(10) STKIN — La Scienza delia Publica Amminist., pag. 53.
( n ) Ibd., ibd., pag. 55.
— 83 —

Entretanto, muito se pôde fazer dentro do que já existe,


no tocante á acção prohibitiva da policia, si se attender ás
seguintes regras, que se applicam a nós mesmos e á inter-
pretação do direito geral que lhe diz respeito :
Uma lei ou um regulamento de policia regem situações
explicitas e casos implícitos.
Si uma lei ou um regulamento- de policia descreve um
circulo geral para nelle ser exercida a acção das respectivas
autoridades, não se pôde dizer que estas tenham poder ar-
bitrário. A sua conducta deve ser traçada dentro do domínio
jurídico; suas providencias devem ser compatíveis com o
systema de garantias existente no paiz e inspirar-se no prin-
cípio da necessidade. Estas são as regras mais geraes. Outras
muitas existem de caracter mais particular que lembrarei
opportunamente.

II
UMITÉS DO POD£R DE POLICIA

O regimen de direito não se realizaria bem sem tuna


verdadeira divisão de trabalho. A theoria da separação ou
divisão dos poderes públicos, além da vantagem de não per-
mittir funcções différentes dos mesmos órgãos, possue a da
repartição das actividades jurídicas. Assim, cada órgão des-
empenha a funeção que lhe é propria e cada instituição se
destina á realização de um dado serviço.
A policia é a instituição jurídica destinada á manutenção
da ordem publica, « a boa ordem da cousa publica », diz OTTO
MAYER, isto é, « um estado geral da sociedade no qual as forças
collectivas são compromettidas o menos possível por effeitos
nocivos », no domínio « da tranquillidade, da segurança, da
salubridade, da moralidade e da ordem publica no sentido es-
pecial » (12) .
No Districto Federal, bem se pôde fazer uma distineção
entre a «boa ordem da cousa publica» e a ordem publica.
Póde-se dizer que a policia, entre nós, sob o ponto de vista
administrativo, se destina á manutenção da ordem publica
propriamente dita, comprehendendo, aliás, o vasto circulo da

(12) OTTO MAYER — Op. e vol. cits., pag. 18.


— 84 —

tranquillidade geral, da segurança collectiva, da moralidade.


A salubridade, entretanto, já é actividade sujeita a vigilância
différente. Isto, entretanto, não importa em contradicção com
o n. l i do art. 32 do Regulamento que baixou com o decreto
n. 6.440, de 30 de março de 1907, segundo o qual ao chefe de
Policia incumbe « exercer a policia administrativa relativamente
aos serviços dos ministérios federaes e da Municipalidade do
Districto Federal, de accordo com as respectivas autoridades ».
A policia, ahi, não tem acção espontânea, é auxiliar de outras
instituições, ou meio regular de constrangimento na execução
de ordens ou respeito a prohibições não attendidas sem a in-
tervenção da força.
Por outro lado, a organização politica do Districto Federal
trouxe em conseqüência a absorpção, pela Municipalidade, de
certos serviços sobre os quaes a policia apenas exerce vigi-
lância.
Apezar disto, a policia, 110 Rio de Janeiro, extende o seu
poder a:
I. Liberdade de transito publico, inspeccionando os ve-
hiculos e outros meios de transporte de passageiros e con-
ducção de mercadorias, de modo que sejam observadas as
necessárias garantias de vida e de propriedade ;
I I . Inspecção de escolas c colônias correccionaes ;
I I I . Inspecção dos divertimentos, theatros e espectaculos
públicos, não só quanto á ordem e moralidade, como também
em relação; á segurançãl dos espectadores, exercendo, iem
relação aos contractes entre emprezarios e artistas, o que fôr
licito á policia administrativa ;
IV. Inspecção das agencias de serviços, providenciando
para fiel observância dos regulamentos e contractus e super-
intendendo, directamente ou por intermédio dos respectivos
fiscaes, a inspecção das casas de empréstimos sobre penhores
e congêneres;
V . Fiscalização do serviço marítimo, sem prejuízo das
attribuições da Capitania do Porto e da Alfândega, cum-
prindo-lhe, neste particular, effectuai- todas as diligencias a
bordo dos navios;
V I . Inquéritos sobre incêndios, delictos e contravenções
oceorridos a bordo dos navios surtos no porto ou em nave-
gação nas águas territoriaes do Districto Federal ;
4

. _ 83 —

V I I . Providenciar, na fôrma das leis, sobre o que per-


tence á prevenção de delictos, sinistros, riscos e perigos
communs ;
V I I I . Processar ex-officio nos termos da lei n. 628,
de 28 de outubro de 1899, decreto 11. 3-475, de 4 de novembro
do mesmo anno, e lei n. 947, de 29 de novembro de 1902, as
contravenções do livro III, capítulos I c III, arts. 369, 389,
371 e 374, IV, A', VI, VIII, XII e X I I I do Código Penal:
IX. Julgamento de corpos de delicto;
X . Prisão dos reus em flagrante delicto ou contra-
venção, ou indiciados antes de culpa formada, contra os
quaes houver mandado ou ordem de prisão por autoridade
competente, os pronunciados em crimes não afiançados ou em
crimes inafiançáveis e os indivíduos que tiverem sido con-
demnados ;
X L Representação á autoridade judiciaria sobre a con-
veniência da prisão preventiva de indiciados cm inquéritos
instaurados;
X I I . Arbitramento e concessão de fianças criminaes;
X I I I . Buscas e apprehensões nos casos e com as for-
malidades prescriptas em lei;
XIV. Processar e obrigar a assignar termo de segurança
ás pessoas provavelmente suspeitas de crime ou de resolução
de commettel-o ;
XV. Communiear ao official do registro civil e de
óbitos os nomes das pessoas encontradas mortas na via pu-
blica ou que morrerem sem assistência medica;
X V I . Participar á autoridade competente o óbito de
pessoas que deixarem herdeiros ou suecessores ausentes,
acautelar os respectivos bens até o comparecimento de quem
tenha qualidade para arrecadal-os, assim como pôr em boa
guarda os bens das pessoas que desapparecerem, aban-
donando-os ;
X V I I . Prohibir, em caso de incêndio, a agglomeraçao
de curiosos que impossibilitem a acção do Corpo de Bombeiros
c da Policia;
X V I I I . Prender, em caso de incêndio, as pessoas que
forem encontradas em flagrante delicto ou contra as quaes
existam provas ou véhémentes indicios de que foram os au-
tores do facto criminoso ou seus cúmplices;
— 86 —

X I X . Proceder ás diligencias que lhe forem requisitadas


pela autoridade judiciaria ou pelo Ministério Publico;
X X . Ter sob sua vigilância as prostitutas escandalosas,
providenciando contra ellas, sem prejuizo do processo judicial
competente, da fôrma que julgar mais conveniente ao bem
estar da população e á moralidade publica ;
X X I . Fiscalizar as hospedarias, hotéis, albergues e
quaesquer outros estabelecimentos onde entrem e saiam diaria-
mente hospedes, obrigando os proprietários, procuradores ou
encarregados, sob pena de multa de 100$ a 500$ a ter um
livro devidamente aberto e rubricado pelo delegado do dis-
tricto, em que sejam inscriptos os nomes dos hospedes, sua
nacionalidade, procedência e destino ;
X X I I . Dar destino aos loucos e enfermos encontrados
nas ruas, bem como aos menores vadios e abandonados e aos
mendigos ;
X X I I I . Auxiliar o serviço de alistamento militar, da
Guarda Nacional e jurados;
X X I V . Zelar pela conservação dos monumentos pú-
blicos, fontes, praças, mercados, etc. ;
X X V . Fazer autopsias, exhumaçoes, exames de idade,
sanidade, toxicologicos e de defloramento;
X X V I . Presidir aos theatros e espectaculos públicos.
Não se deve perder de vista que se contém nesse rol de
attribuições escriptas um outro de capacidades e competências
implícitas, valendo este tanto quanto aquelle.
Sob o ponto de vista theorico, o poder de policia não
comprehende :
i.° A vida privada — Por via de regra, a casa do cidadão
escapa á intervenção policial, salvo algum perigo que ameace
o publico ou alguma pratica indecorosa que affecte o pudor
da visinhança ou dos transeuntes. Si o interior da casa for
accessivel a pessoas extranhas (villas, hospedarias, etc.), a
intervenção, no sentido da segurança de todos, é legitima.
2.0 Certos pequenos factos da vida diária, embora cau-
sando vexames, costumam, em grande numero de legislações,
não justificar a intervenção da policia. E' o caso de músicos
que tocam na via publica, da chaminé de uma fabrica que
incommoda a casa visinha, do uso immoderado de gramo-
phones, da presença de cães em quintaes.

\
_ 87 —

3-° O poder de policia não actúa sobre a manifestação


normal das actividades econômicas. Assim, todas as socie-
dades anonymas, empresas industriaes, bancos, etc., etc, não
podem soffrer a intervenção da policia, a menos que os
respectivos directores peçam o seu concurso. Os serviços
públicos industrializados devem ser espontaneamente pro-
tegidos pela policia.
4.0 O poder de policia cessa inteiramente deante da com-
petência judicial.
5.0 O poder de policia deve manifestar-se num sentido
sempre proporcional, e não prohibit duas -manifestações de
actividade somente porque uma délias é illicita.
6.° Sempre que o cquilibrio de um estado policial puder
ser realizado por meios brandos, o poder de policia deve
preferil-os.
7.0 A vigilância constitue uma arma legitima quando
houver motivo de suspeita de que uma actividade submettida
ao seu contraste aberrou das normas legaes ou regulamentares,
podendo comprometter a ordem, a segurança e a moralidade
publicas.
8.° O poder de policia se exerce por prohibições e por
ordens.

III

PERMISSÃO DIÎ rOIJCIA

A' idéa de policia corresponde sempre a de vigilância c


de restricção á liberdade. Com a sua missão de velar pela
crdem publica, de mantel-a, assegural-a, em bem da tranquil-
lidade geral, a policia desempenha na sociedade uma funccão
essencialmente negativa.
Por isso mesmo, o regimen de direito não podia deixar
de alcançar a instituição da policia, contendo-a dentro da lei,
para que o seu poder de restricção não se exceda em prejuízo
da liberdade.
Dahi decorre o principio de que a autoridade policial
age, tanto quanto as outras, dentro da lei, guiando-se ou
inspirando-se nas suas disposições claras ou implícitas.
Tanto erra a autoridade que permitte o que a lei prohibe
quanto a que prohibe o que a lei permitte.
■88

Ha, entretanto, na sociedade certas manifestações de


actividade que. comquanto. não perturbem a ordem publica,
podem, em todo o caso. affectal­a. seja pela pessoa que as
pratica, seja pelo modo por que são praticadas.
Para não prohibir systematicamente o que pôde ser obje­
ctivado em uma pratica normal, si bem dirigido ou explorado,
o direito creou uma figura especial : a prohibição da policia
com reserva de permissão, ou seja, a possibilidade de uma
permissão condicional em assumpto relativamente ao qual a
prohibição é a regra.
Portanto, a prohibição de policia, com reserva de per­
missão, assenta na lei ou no regulamento. Não deve ser acto
arbitrário da autoridade.
Si a lei consagrar o principio de uma prohibição geral,
nada pôde ser praticado no dominio dessa prohibição. E,
naturalmente, a contravenção á regra legal ou regulamentar
arma a autoridade policial do poder summario de restabelecer
a regra subvertida, sem que ao transgressor assista nenhum
direito de indemnização.
Quando, porém, ao lado da prohibição, a lei inscreve o
principio da permissão condicional, a solução reveste uma
dupla possibilidade: si a lei deixa a permissão ao critério
pessoal da autoridade, esta resolve por si mesma, sem contraste
outro; si, porém, ella declara permissivel um facto, quando
revestido de determinados requisitos, a satisfação desses re­
quisitos, relativos á pessoa (o permissionario) e á cousa
(o objecto da permissão) obriga a autoridade a deferir.
E, segundo a indole do nosso direito, quem se encontrar
numa tal situação, e não lograr a acquiescencia da autoridade
administrativa, pôde encontrar remédio no judiciário, ou
mesmo em recurso hierarchico. si a lei o estabelecer.
A permissão reveste sempre um accentuado caracter de
exclusividade. Por isso o acto de permissão deve indicar o
objecto permittido. ao qual nada de extranho pôde ser
acerescentado que incida em outras prohibiçoes. salvo licença
especial para a parte nova. Novas exigências policiaes podem
recahir sobre permissões já concedidas, quando novas leis
ou regulamentos assim o determinarem. Estes também podem
dispor sobre a situação futura das permissões.
As permissões podem ser temporárias (para uma estação
— 89 - -

de anno, festas, etc.), e só valem pelo tempo declarado no


acto.
No caso de duvida, quando alguém pretender uma per-
missão, a autoridade, á falta de dados positivos, pôde con-
ceder, si a lei não dispuzer o contrario, uma permissão
provisória, até que o permissionario esclareça o caso. As
prescripções estabelecidas no acto da permissão não devem
ser consideradas como condições resolutivas da mesma. Entre
estas condições ou cláusulas particulares resalta a obrigação
(charge), que é uma prescripção attribuida no próprio acto,
ao permissionario com o intuito de evitar os inconvenientes
possíveis da permissão.
Sempre que a autoridade tem a faculdade de conceder ou
recusar uma permissão, pôde livremente fazel-o mediante
cláusulas particulares. Neste caso, o não cumprimento das cláu-
sulas deixa a autoridade armada do poder, segundo o principio
da proporcionalidade, de adoptar medidas sufficientes á re-
moção do inconveniente, ou por meio da execução da obrigação,
ou pela applicação de qualquer contraste capaz, ou mesmo pela
revogação da permissão.
Si, porém, a obrigação entrou no acto da permissão de
accôrdo com a lei, decidir-se-á de accôrdo com esta. e. no
silencio, com a revogação immediata.
Estas obrigações seguem os destinos jurídicos da per-
missão. A permissão, uma vez concedida, não pôde terminar
senão em casos previstos.
São motivos para a terminação da permissão : o termo,
isto é, o prazo por que foi concedida, salvo opportúno pedido
de prorogação, que obedece ás normas de uma permissão
nova, e, pois, sujeita á satisfação de todas as exigências legaes
ou regulamentares de um primeiro pedido ; a morte do per-
missionario, salvo o direito hereditário; o desapparecimento
dos meios approvados; a extineção da empresa.
A permissão pôde ser revogada : de accôrdo com a lei, isto
é. por disposição expressa que determine a revogação ; pelo
consentimento do interessado ; pelo não cumprimento de
alguma clausula particular; pelo vicio de illegalidade inicial,
quer pela incompetência absoluta, quer pela competência ap-
parente da autoridade que a conceder. No segundo caso, a
permissão produz effeito jurídico até que a autoridade com-
— 90 —

petente intervcnha. A autoridade que concedeu uma permissão


incompetentemente pôde reconsiderar espontaneamente o seu
acto. A annullação pôde egualmente ser pronunciada por uma
autoridade superior, si a lei estabelecer recurso para ella.
Um julgamento dessa natureza pôde também ser provocado por
um terceiro interessado.
A prova de que a permissão foi concedida em virtude de
meios illegitimos também motiva a revogação.

IV
PENAS DE POLICIA

A pena, em regra, é applicada pelo poder judiciário,


mediante garantias processuaes preestabelecidas na lei. Entre-
tanto, ha um certo numero de penas de caracter administrativo
que podem ser impostas pelos chefes de serviços. Entre estas
estão as chamadas penas de policia, inteiramente distinctas das
penas do direito penal commum. Dois systemas orientam este
assumpto. o systema francez, que STËIN chama politico-civil,
segundo o qual todas as penas devem ser inscriptas no código
penal geral, e « o systema opposto, scientif icamente melhor.
que consiste em distinguir o direito penal no seu verdadeiro
sentido do direito penal de policia, e ao par do código penal
geral instituir um código penal de policia.»
No Wurtemberg, na Baviera, em Baden e na Suissa, esse
systema foi adoptado ( 1 3 ) . Entre nós foi sempre habitual o
uso de penas administrativas, especialmente por meio de
multas.
Além desta questão, uma outra existe relativa á origem por
assim dizer política da pena de policia, questão que pôde ser
assim formulada: qual o órgão competente para instituir a
pena de policia? Cabe decretal-a ao poder executivo? No
direito francez, não : « O Governo não pôde estabelecer penas
como saneção das disposições regulamentares de policia por
elle editadas. A saneção penal do regulamento não pôde ser
estabelecida senão por uma lei formal...» ( 1 4 ) .

(13) STÉIN — Op. cit., pag. 57.


(14) DUGUIT—Traite, vol. II, pag. 473
— 91 —

Um outro systema (délie é typo a lei prussiana relativa


á administração da policia) « autoriza as autoridades, no
circulo da sua competência, a editar prescripçÕes e estabelecer
multas, até uma somma* determinada, no caso de inobser-
vância » (15) .
No tocante á policia, a lei orçamentaria n . 3.089, de 8 de
janeiro de 1916, no art. 70, n. 1. autorizou o Presidente da
Republica « a reorganizar, sem augmente de despeza, a Po-
licia do Districto Federal, revendo os regulamentos em vigor,
fundindo ou desdobrando repartições, dando-lhes a organi-
zação que julgar mais conveniente, garantindo por meio das
medidas que julgar apropriadas a segurança e a moralidade
publicas e impondo multas e taxas até 5oo$ooo ». Não tendo
sido utilizada esta autorização, a lei annua n . 3.232, de 5 de
janeiro de 1917, art. 40, a reproduziu.
Desta sorte, as faltas puniveis ficaram, legitimamente,
para ser discriminadas em regulamentos do poder executivo.
A lei ou o regulamento de policia deve indicar sempre
a autoridade que impõe a pena c a que a executa. Esta deve,
num regimen de direito, ser o poder judiciário, não havendo
inconveniente, entretanto, em que, para a execução da pena,
se prescreva na mesma lei ou no mesmo regualmento um pro-
cesso especial.
O delicto de policia ou administrativo, punivel com uma
pena de policia, escapa ao conceito do dolo e da culpa ; « tudo
depende unicamente do facto exterior do dever não cumprido »,
dever que é « evitar perturbações da boa ordem » ( 1 6 ) .
Ao indivíduo colhido pela pena deve ser facultada a
defesa. E entre as causas que podem determinar a inappli-
cação da pena estão a falta de discernimento, a legitima defesa,
o evitamento de mal maior, a provocação e o erro dentro da
natureza do delicto administrativo.
Neste particular de penas de policia ou penas administra-
tivas, convém accentuar que o nosso direito sempre reco-
nheceu a sua legitimidade independentemente do systema do
Código Penal.
« Comquanto. diz RIBAS, a applicação do direito penal

(15) OTTO MAYER — V o l . I I , pag. 8 5 .


(16) OTTO MAYER — O.P. cit., vol. IT, pags. 93, 100, TOI.
— 92 —

commura seja da exclusiva competência do poder judicial,


não se deve privar a administração da attribuição de reprimir
e prevenir pela punição aquelles actos que, embora a consci-
ência da nação algumas vezes os não qualifique como crimi-
nosos, oppoem tropeços ao desenvolvimento regular da acção
administrativa e prejudicam a causa publica» (17)-
O Código Penal vigente conservou este systema, quando,
no art. 410, estatuiu que «as disposições das leis e regula-
mentos de fazenda e commercio, de administração e policia
geral, e regimentos das auditorias, que decretam penas pe-
cuniárias e disciplinares continuarão a ser observadas...».

SYSTEMA DE COERÇÃO POLICIAI,

Os autores distinguem dois modos : a execução por


coerção de policia e a coerção directa. O'rro MAYER define a
primeira « o processo tendente a obter o cumprimento de
uma ordem de policia desobedecida» (18).
Execução por coerção de policia — Este modo de coerção
se realiza : por penas coercitivas, pela coerção por substituição
e pela força.
1) Nenhuma pena coercitiva pode ser applicada, sem que
se baseie num « fundamento legal próprio ». Em geral, ellas
revestem o caracter de multas, que. não sendo satisfeitas, só
poderão ser convertidas em prisão mediante preceito termi-
nante da lei.
A pena presuppoe a violação do dever para com a policia,
violação que se apurará, dando-se ao contraventor todo o direito
de defesa. A autoridade conserva, na applicação das penas
coercitivas, uma certa discreção, applicando-as, dentro dos
limites da lei. com maior ou menor energia. Entretanto, pro-
nunciada a pena. escapa á autoridade, salvo clara disposição
da lei, competência para revogal-a. Isto é verdade especial-
mente quanto á multa porque esta « constitue objecto de um

(17) RICAS — Direito Administrativo, pags. 156 c seguintes.


(18) Ori'o MAYER'—Op. c vol. cits., pag. 100, in fine.
— 93 —

direito correspondente do fisco, ao qual a autoridade não


pode renunciar » ( 1 9 ) .
A pena coercitiva pode ser repetida pela violação do
mesmo dever policial. Ella « encontra um limite especial no con-
curso com uma pena editada por uma regra de direito... Desde
que uma regra de direito fixou uma pena para um certo facto, o
seu dominio lhe pertence... A pena coercitiva, sendo tal a
despeito da sua natureza particular, é excluída pela regra de
direito » ( 2 0 ) .
Os actos preparatórios ou auxiliares de qualquer facto
punivel como crime podem incidir no dominio da actividade
policial e constituir objecto de pena pecuniária.
2) A coerção por substituição — No nosso direito po-
licial propriamente dito, não é conhecido esse apparelho
coercitivo ; entretanto, elle pôde ser admittido pelo direito
positivo (leis e regulamentos de policia) . Ha quem sustente,
como OTTO MAYER, que « a coerção por substituição não tem
necessidade de fundamento\ legal próprio». Elle accrescenta
que, « a menos que a lei não o tenha especialmente excluído.
este meio é livre naturalmente, mesmo sem uma lei », porque
« a faculdade de operar a transformação em coerção se contém
de pleno direito na ordem da autoridade » ( 2 1 ) .
O indivíduo deve ser notificado do seu dever de fazer
alguma cousa, dentro de certo prazo, sob pena da autoridade
substituil-o na execução, isto é, fazer, na sua falta, o que elle
recusou fazer. Concebe-se um « prazo moral » para a execução,
quando o prazo fixo não é assignado, entendendo-se como
tal o espaço de tempo necessário á execução. A policia pratica
a substituição por seus próprios funecionarios, por operários
contractados, por meio de requisição de serviços, si a lei o
permittir, e os seus agentes podem remover directamente

(19) OTTO M A Y I - R — O p . e vol. cits., pag. 117.


(20) Ibd., ibd., pags. 119, 120.
(21) Ibd.. ibd., pag. 123. « Q u a n d o l'inidividuo non compie di
sua volontá 1'atto impostogli dalla polizia. allora questa Io fa, si é
possibile. compiere da altri, a spesc di l u i . . . » ( S T I Î I X — Op. cit.,
pag. 60, n. 56). « U n a seconda maniera di coazione e l'csecuzione
di ufficio col consiguente rimborso délie spese ia carico del tras-
gressore se si sono fatte». (RANELLETTI — La Policia di Sieurezza; em
OREANDO—Trattato de D. Amm. Ital., vol. IV, pc. I, pag. 3 9 2 ) .
— 94 —

todos os embaraços oppostos á execução. O indivíduo é obri-


gado a indemnizar á policia as despezas feitas com a substi-
tuição; mas os operários que trabalharam no serviço nada
teem com elle: a policia é que os deve remunerar.
Si o indivíduo não satisfizer as despezas devidamente
apuradas pela autoridade, a conta respectiva deve servir de
base a um executivo fiscal.
3) A força é outro apparelho de coerção policial. Entre
nós, o uso da força não está regulamentado. O Código Penal
se refere ao emprego da força para dissolver ajuntamentos
illicitos. Além disso, baixei instrucções, como chefe de Po-
licia, sobre o modo de usal-a nos ditos ajuntamentos.
A regra que deve dominar o emprego da força é a da
proporcionalidade. Medida de excepção, embora indispensável,
não se a deve empregar « sem necessidade », e senão « legal-
mente, isto é, uma força que não seja contraria ás leis » ( 2 2 ) .
A coerção pela força se destina a garantir que alguém :
supporte alguma cousa, não faça alguma cousa, ou faça alguma
cousa.
O proprietário de um theatro modifica, por ordem da
policia, e em bem da segurança, uma certa condição da sua
propriedade : elle supporta esse constrangimento, e, segundo
as legislações, podel-o-á supportai- até pela força. Nos casos
de « não fazer », casos que revestem « as fôrmas mais graves
do uso da força» (23), as leis e os regulamentos devem ser
absolutamente explícitos. Também nos casos em que a coerção
se manifesta pela obrigação de « fazer », a hypothèse é delica-
díssima. O fim a attingir não confere á autoridade o poder
de praticar todos os meios para conseguil-o ; o que quer dizer
que quaesquer medidas de constrangimento não podem ser
praticadas sem autorização terminante da lei.
Coerção directa — O pessoal da policia é o incumbido desse
meio de constrangimento, de accôrdo com as leis e regula-
mentos.
Casos oceorrem, entretanto, em que « uma coerção directa
tem logar em uma medida, sem fundamento particular, ora
em virtude de uma referencia muito geral que se encontra

(22) Oïi'o MAYJÍR — Op. c vol. cits-, pag, 128.


(23) Ibd., ibd., pag. 132.
— 95 —

em uma lei, ora independentemente dessa referencia, mas


sempre com uma legitimidade incontestável » ( 2 4 ) .
OTTO MAYER aconselha que se bebam inspirações no di-
reito civil c no direito penal, nos casos em que a violação do
dever para com a policia reveste gravidade e obriga a auto-
1 idade a transpor «os limites formaes da liberdade» ( 2 5 ) .
Entre nós, esses casos são, entre outros, o de commetter
um crime para evitar mal maior, em legitima defesa propria
ou de terceiro, ou na repulsa dos que á noite entrarem ou
tentarem entrar na casa onde alguém estiver ou nos pateos
e dependências da mesma, estando fechada, salvo o caso em
que a lei o permitte, etc. (arts. 32, 33, 34 e 35 do Código
Penal) . No Direito Civil, « o possuidor turbado ou esbulhado
poderá manter-se ou restituir-se por sua propria força, com-
tanto que o faça logo », não indo « os actos de defesa ou de
desforço além do indispensável á manutenção ou restituição
da posse » (art. 502, paragrapho único, do Código Civil).
Mayer lembra que as regras de direito penal e de direito
civil « regem relações entre particulares e não podem ser
transportadas pura e simplesmente para o domínio das re-
lações entre o poder publico e o indivíduo. Elias devem
soffrer transformações, extensões e restricçÕes, emfim, uma
orientação inteiramente nova ». Dahi, a sua classificação
relativamente ao emprego da força : « para a defesa adminis-
trativa; para impedir jactos puniveis; para medidas de alta
necessidade » (26) . No primeiro caso, a policia vela e defende,
pela força, si fôr preciso, as cotisas publicas, caminhos, pontes,
fortalezas, todos os edificios affectados ao serviço publico,
salas de audiências, utensílios, armas, provisões, cousas per-
tencentes aos funecionarios, mas destinadas ao serviço publico.
Os próprios funecionarios em serviço recebem a protecção da
policia, sendo defendidos pela força. Em qualquer desses
casos, a resistência pela força só se justifica, si o ataque fôr
illegal. Cessa o uso da força, quando o fim que a determinou
foi alcançado. Si o ataque produziu resultado, emquanto
perdurar a perturbação é legitimo o constrangimento pela

(24) Orro MAYKR — Op. c vol. cits., pag. 137.


(25) Ibd., ibd., pag. 138.
(26) Ibd., ibd., pag. 142.
— 9G —

força para restabelecer a normalidade. No segundo caso, a


força pode ser empregada para impedir que se commettam
factos puniveis. E' a ordem publica que se defende nesses
casos, affectando especialmente o Código Penal, porque o
poder de policia não se extende ao damno civil. A imminencia
do facto punivel serve de ponto indicativo da acção inicial da
força. No terceiro caso, a alta necessidade em materia de
policia justifica todos aquelles damnos que se commetterem
pela força por serem inferiores aos perigos que a ordem pu-
blica soffreria. si os factos evitados tivessem logar. Assim,
o perigo urgente reclama o prompto emprego da força para
removel-o.
A calamidade publica pode ainda mais aggravai- o uso
da força, a tal ponto de ser legitimo o seu emprego contra a
propriedade de terceiro innocente. Sirva de exemplo a de-
molição de uma casa visinha á outra, presa de incêndio, pari
salvar as que se seguem.
Agentes de policia—Sob esta denominação genérica,
devem ser comprehendidos todos os policiaes incumbidos de
velar pela ordem publica. Elles são protegidos por disposição
expressa do Código Penal. Segundo o art. 125, o executor
de uma ordem não é responsável pelo mal causado na repulsa
da força empregada pelos resistentes, salvo excesso. Em
principio, o agente é irresponsável pela illegalidade da ordem
cumprida. O próprio erro, oriundo da sua faculdade de
apreciar livremente os factos, cobre a sua conducta vencendo,
pela força, a resistência opposta, salvo, porém, si errou scien-
temente, ou, si no cumprimento da ordem deixou de observar
regras e formulas prescriptas pela lei.
A ordem (ou que outro nome tenha : mandado, requisição,
etc.) é, em regra, exigida para legitimar o emprego da força.
Si o agente fôr competente para cumprir certas ordens e
determinações de uma autoridade, e estas ordens ou deter-
minações forem dadas, relativamente a elle, com as forma-
lidades previstas pela lei, além yde lhe não ser reconhecido o
direito de desobediência, escapa elle ao mal causado pela
força empregada contra a resistência opposta.
A medida do emprego da força se reduz sempre a uma
questão de proporcionalidade com o fim de policia. A forma
pode ser prescripta pela lei. Os agentes podem ainda empregar
— Ü; —

a força nos casos de buscas c apprehensões quer ordenadas


pela autoridade policial quer pela autoridade judiciaria, quando
fôr solicitado o seu auxilio. Entre as observações a fazer neste
sentido, relativamente ao emprego da força, resultam as dos
arts. 197, 198, 199, 200, 201 e 202 do Código Penal sobre a
entrada de dia e de noite na casa do cidadão.
Quanto ao emprego de armas, o agente não as deve usar
senão de accôrdo com a lei ou os regulamentos, não bastando
para isso « uma instrucçao de serviço », mesmo « expressa pelo
superior » ( 2 7 ) . Por outro lado, só devem usar as armas
regulamentares (28), bem como só devem andar armados os
funccionarios devidamente autorizados pela lei ou regula-
mento (29) .
Quanto ao cerceamento da liberdade do indivíduo, elle
de\ e ser feito nos termos da Constituição e das leis : a prisão,
só mediante ordem da autoridade judiciaria ou em virtude de
flagrante. Os bebedos podem ser postos em custodia, emquanto
se acharem embriagados. Os mendigos, loucos e menores aban-
donados podem ser internados ex-officio (30).

II
PODER REGULAMENTAR DO CUlv^li DP, POLICIA

O direito escripto de um paiz não se compõe apenas das


leis emanadas do parlamento. Numa grandíssima extensão,
é elle constituído por innumeros regulamentos, ao ponto de
se dizer na França que elles formam « uma legislação se-
cundaria » ou «quasi leis» ( 3 1 ) . DUGUIT vae mais longe,
entendendo que « qualquer que seja a definição que se dê

(27) Orro MAYER—Op. e vol. cits., pag. 168.


(28) Ibd., ibd., ibd.
(29) Ibd., ibd., pag. I/O.
(30) Até aqui me serviu de guia inseparável o magnífico estudo
de OTTO MAYER — sobre O Poder de Policia, na sua obra citada, vol. IT,
pags. 11176.
(31) DUCROCQ — Cours de Droit. Adm., vol. I, pag. 83; F. MORRAU
— Le Règlement Adm.. pag. 61 e not. 4.
7
— 08 —

da lei j as disposições dos regulamentos de policia são leis


materiaes » ( 3 2 ) . O que é incontestável, é que a noção do
regulamento se alarga de mais cm m a i s . P o n h o de parte esta
questão para tratar mais de perto da que diz respeito á these.
H a , na administração publica, um certo numero de auto-
ridades que gosam de poder regulamentar. A primeira é o
Presidente da Republica a quem compete (art. 48, da Consti-
tuição, n. 1) « sanccionar, promulgar e fazer publicar as leis e
resoluções do Congresso ; expedir decretos, instrucções e regu-
lamentos para sua fiel execução » .
Além disto, a doutrina e a lei delegam este poder regu-
lamentar a outras autoridades, entre ellas, no Districto Federal,
ao chefe de Policia. Aliás, em todos os paizes civilizados o
chefe de Policia participa do poder regulamentar.
« Do mesmo modo que o Chefe de Estado, diz L E P I N E ,
recebe o poder regulamentar de uma delegação implícita da
lei constitucional, os prefeitos, que são em cada departamento
depositários directos do poder publico, recebem o mesmo
poder de u m a delegação geral do Governo » ( 3 3 ) . E ' esta a
opinião geral ( 3 4 ) . N a Inglaterra também é reconhecido ao
Commissioner of Police (chefe, prefeito de Policia), o direito
de prescrever « rules and regulations on certain subjects » ( 3 5 ) .
O mesmo acontece na Allemanha, na Argentina, nos Estados
Unidos, etc., etc.
E n t r e nós, como j á disse, o chefe de Policia também gosa
desse direito. E assim j á o e r a : « O s chefes de Policia dão
regulamentos especiaes p a r a as prisões, os quaes são sujeitos
á approvação provisória do presidente da Província, e á defi-
nitiva do ministro da J u s t i ç a ; elles e os delegados dão ins-
trucções ás autoridades policiaes de inferior categoria» ( 3 6 ) .

(32) DUGUIT—Traité, vol. I, pag. 205.


(33) La Police (Bxtr. du Rcp. du droit adm.), pag. 8.
(34) SiMONET — Dr. Pub. et Adm., piags. 261 e segs.; MOUNEYRAT
— La Prefecture de Police, pags. 139 e segs.; H. BËRTHËEEMY—
Traité Blém. de droit adm., pags. 139 e segs. ; DUCROCQ — Traité de
dr. adm., vol. I., pags. 178 e segs.; FELIX MOREAU— Le Règlement
Administratif, pags. 405 e segs.; STËIN— Scie 112a délia Amm.,
pags. 442 e segs.
(35) Instruction Book, piag. 40.
(36) RIBAS—Direito Administrativo, pags. 227-28. -
— 99 —

No tempo do império a noção do regulamento não com-


portava a amplitude que hoje se lhe reconhece. Não fora isto,
e um indiscutível poder regulamentar se encontraria implici-
tamente no dispositivo do n. 4, do art. 40 da lei de 3 de de-
zembro de 1841 e n. 8, do art. 58 do Reg. n. 120 de 31 de
janeiro de 1842, segundo os quáes aos chefes de Policia in-
cumbia « vigiar e providenciar, na fôrma das leis, sobre tudo
o que pertencer á prevenção dos delictos e manutenção da
segurança e tranquillidade publica ».
De uma maneira geral, se pode dizer que a autoridade, com
poder regulamentar, o exerce em qualquer assumpto em que
a lei lhe confere a faculdade de gerir, de administrar, con-
fiando á sua discreção os meios e modos de desempenhar sua
funeção. E' possivel que esse poder não occupe o primeiro
logar na noção gradativa e theorica do regulamento ; o certo,
porém, é que elle existe e muito adeanta á ordem jurídica,
porque melhor é tratar o indivíduo e suas liberdades com
preceitos já estabelecidos do que expôl-os ás surprezas de
cada facto. Em materia de policia, não deve ser esquecido que,
por isso mesmo que ella é uma instituição que pratica a limi-
tação das liberdades, a sua condueta deve ser a mais legal
possivel.
Além do poder regulamentar que aos chefes de Policia
era licito praticar em virtude das disposições acima citadas,
a mesma lei e o referido Reg. (arts. 40, § 11 e 58, n. .15)
autorizavam-n'os a « dar-lhes (aos delegados, subdelegados e
subalternos) as instrucçÕcs que fossem necessárias para melhor
desempenho das attribuições policiaes que lhes fossem in-
cumbidas ».
Só no direito republicano esse poder appareceu mais
explicitamente definido. O decreto n. 1.034 A, de 1 de
setembro de 1892, não avançou muito, si o compararmos com
as leis imperiaes. Entretanto, o decreto n. 4.763, de 5 de
fevereiro de 1903, attribuiu ao chefe de Policia competência
para « expedir ordens e instrucções para a boa administração
da policia» (art. 22, n. IV) e «fiscalizar e regulamentar a
venda e o porte de armas. . .» (n. V I ) . Só em 1907 se tornou
mais explicito o poder do chefe de Policia do Districto Federal
em materia de regulamentação.
ü decreto n. 6.440. de 30 de março de 1907. conseqüente
— 100 —

do decreto legislativo n. i.631. de 3 de janeiro do mesmo


anno, dispoz mais claramente a respeito.
Além da attribuição repetida dos decretos anteriores, se-
gundo a qual o chefe de Policia pode « expedir ordens e
instrucçoes regulamentares para a bôa administração do ser-
viço policial» (art. 32, n. IV) e do poder de « regulamentar
as vendas e o porte de armas », etc, (n. X I I I do mesmo
art.), o art. 247 do Reg. n. 6.440, accordemente com o
art. 10 do decreto n. 1.631, conferiu á policia o poder de
«organizar de modo especial a repressão do alcoolismo».
Dentro da lei e regulamento vigentes, e tendo em vista os
ensinamentos vencedores da doutrina, o chefe de Policia pode
regulamentar ou publicar instrucçoes, firmado nas seguintes
disposições :
I a , sobre a bôa administração do serviço policial em geral
(n. IV, do art. 32, do Reg. 11. 6.440) ;
2a, sobre a venda e o porte de armas offensivas. bem como
o fabrico, a venda e o uso de explosivos, inflammaveis e
tóxicos (n. XIII, do art. citado) ;
3aj sobre a liberdade de transito publico ( S i°, do ar-
tigo 34) ;
4 a , sobre as prostitutas escandalosas (n. X \ li. do ar-
tigo 41) ;
5 a , sobre hospedarias. boteis, albergues e quaesquer
outros estabelecimentos onde entrem e saiam diariamente
hospedes (n. XVIII, do art. 41) ;
6"-, sobre a repressão do alcoolismo (art. 247) .
O poder regulamentar geral do chefe de Policia, quanto
á policia administrativa, decorre implicitamente do art. 3 0 , do
Regulamento que baixou com o decreto n. 6.440: « A' policia
administrativa ou preventiva incumbe, em geral, a vigilância
em proteger a sociedade, manter a ordem e tranquillidade
publicas, assegurar os direitos individuaes e auxiliar a execução
dos actos e decisões da justiça e da Municipalidade».
Tudo está numa linha de limites que convém traçar.
E' claro que, si um regulamento feito por decreto do
Presidente da Republica tratar de qualquer assumpto per-
tinente á policia, a autoridade do respectivo chefe cessa
peremptoriamente sobre o dito assumpto.
— 101 —

No seu magnífico estudo sobre o Règlement Adminis-


tratif, F E U X MOREAU assim descreveu a competência regula-
mentar dos prefeitos:
« Os limites do poder regulamentar exercido pelo pre-
feito são determinados pelos direitos reconhecidos ás outras
autoridades publicas, as quaes não podem por elle ser attin-
gidas : i°, o regulamento do prefeito não pode ir de encontro
aos tratados internacionaes ; 2o, não pode oppor-se a uma lei
constitucional, nem invadir os direitos do poder constituinte;
3 o , a lei principalmente assigna ao regulamento do prefeito
limites precisos e importantes sob o ponto de vista pratico:
elle não pode contrariar uma lei ou decreto-lei, attingir as
liberdades legaes, crear obrigações, que a lei não prescreve,
contra as pessoas ou cousas, supprimir direitos adquiridos,
attingir a propriedade privada ou usurpal-a sob pretexto de
delimitação do dominio publico..., despojar um proprietário
da sua propriedade; fazer o que é propriamente do dominio
da lei, prescrever penas, saneções materiaes ou taxas, esta-
belecer o modo de prova de uma infracção, etc. O regulamento
do prefeito não pode também oppôr-se, interpretar ou supprir
um decreto, nem resolver uma questão que pertença aos tri-
bunaes (237).»

III

REGRAS EXPLICITAS E IMPLÍCITAS DO NOSSO DIREITO

E' principio corrente em direito que o poder regulamentar


incumbe primacialmente ao Chefe de Estado. O chefe de
Policia gosa também desse poder, como já se viu: « A dele-
gação geral de que elle (o prefeito) é investido no ponto de
vista administrativo, empresta a suas attribuiçoes uma feição
egual á das exercidas pelo Chefe de Estado », com a differença,
porém, de que « sua delegação se caracteriza pelo facto de
ser organizada e declarada pela lei », e de só poder ser exercida
no ponto de vista da administração. «Espontaneamente, o
prefeito pode expedir instrucçoes regulamentares úteis á
execução dos decretos presidenciaes e das instrucçoes minis-

(37) F. MORIVVU — 0/>. cit., pags. 405 c segs.


— 102 —

teriaes » (38). Isto interessa muito ao presente estudo, porque,


em regra, a policia é organizada por meio de regulamentos, e
justamente a nossa o é, não sendo a lei de 1907 senão uma
larga delegação da organização regulamentar de que sahiu o
decreto n. 6.440.
Ha, entretanto, quem sustente que toda autoridade admi-
nistrativa dispõe, em principio, do poder regulamentar.
GNEIST diz a respeito : « Quando um agente tem o poder de
ordenar ou prohibir alguma cousa. pode igualmente ordenal-a
ou interdizel-a para todos os casos da mesma espécie» (39).
DUGUIT faz reservas, entendendo que, « no ponto de vista
do direito positivo francez, o poder regulamentar dos agentes
administrativos tem alguma cousa de excepcional. As leis teem
tido sempre o cuidado de especificar os assumptos sobre os
quaes os agentes administrativos teem o poder regula-
mentar. . . » (40).
Dessas reservas também é partidário BARTHÉLÉMY, para
quem o prefeito « não pode fazer regulamentos senão sobre
assumptos para os quaes recebeu formalmente o respectivo
direito... A pratica fixou-se no sentido de que os prefeitos
não teem o poder regulamentar senão quando a lei lh'o dá de
um modo especial». Em todo o caso, BARTHÉLÉMY confessa
que essas leis « são numerosas e algumas de uma applicação
elástica » ( 4 1 ) .
E' um ponto curioso que convém elucidar. De um lado,
se sustenta que os regulamentos espontâneos do prefeito só
se podem verificar no tocante aos regulamentos expedidos
pelo Chefe de Estado e pelos ministros, e que, fora disto, só
lhes e licito regulamentar quando a lei lh'o autoriza. De outro
lado, estão os que acham que a idéa de regulamento está
comprehendida na idéa da funeção. «Não é necessário, para
este effeito, diz LABAND, possuir uma delegação legal especial
permittindo expedir regulamentos administrativos ; os poderes
relativos a este ponto contém-se implicitamente nas
funeções» (42).

(38) Ibd., ibd., pags. 405-6.


(39) A pud DUGUIT—Op. cit., vol. I, pags. 209-10.
(40) DUGUIT—Op. e vol. cits., pag. 210.
(41) BARTHELEMY—Op. cit., pag. 140.
(42) LABAND — Droit publ. de l'Emp. All., vol. II, pag. 546.
— 103 —

Eu creio que as duas doutrinas podem conciliar-se.


Parta-se da lei. Esta pôde silenciar sobre a respectiva
regulamentação, o que não tira ao Chefe do Estado o poder
de regulamental-a. porque este seu poder é geral. Pode ella
também indicar quem a deve regulamentar, e, uma vez esta
autorização constando do texto, vale por uma determinação
que deve ser cumprida. Duas hypotheses, porém, no tocante
á policia, podem concorrer : ou a lei silencia e o Chefe do
Estado deixa de regulamental-a, ou autoriza a regulamentação
c a autoridade incumbida, o ministro, por exemplo, deixa de
cumprir a delegação : pôde o chefe de Policia, neste caso,
agir por substituição, expedindo normas de caracter geral
para o serviço?
Creio que sim. E' uma questão apenas de latitude.
Certamente, o chefe de Policia não pode estabelecer
multas, firmar penalidades, embaraçar ou crear entraves á
liberdade, por sua propria autoridade; mas pôde regular, sob
o ponto de vista administrativo; desdobrar a lei, explicando-a,
aclarando-lhe o circulo de acção potencial, ou o que é mesmo,
dizer o que nella se contém implicitamente. Ao poder judi-
ciário é que incumbe recusar applicação concreta ás absorpções
contidas em taes regulamentos. E' claro que um regulamento
do Chefe do Estado sobrepujará o da autoridade inferior.
Essa capacidade do chefe de Policia explico-a eu pela
sua funeção de administrar. Para descmpenhal-a, na falta
de direito escripto, elle pode, por uma razão, aliás, de utili-
dade incontestável, regular o modo geral de sua acção. Assim,
desappareceria o arbítrio, e os cidadãos teriam uma medida
certa de orientação, tanto mais cheia de garantias quanto,
« existindo o regulamento, o agente, administrativo, como
toda a administração, como todos os administrados, é ligado
por elle. O agente administrativo que expediu um regulamento
pôde revogal-o e modifical-o por via geral, mas, emquanto
existir, é a elle ligado como o legislador é ligado pela lei que
votou...» (43). «Não somente aquelle que fez o regula-
mento, mas todos os detentores de uma porção qualquer do
poder executivo são submettidos a esta regra, comprehendido

(43) DuGurr — Op. cit., pag. 210.


— 10 í —

o próprio Chefe do Estado.. . ; o funccionario, com o seu


íegulamento, obriga mesmo o seu superior » (44) .
Tudo isto considerado, penso que o poder regulamentar
do chefe de Policia comprehende dois círculos: o i° explicito
e o 2o implícito.
No primeiro, esse poder é inscripto na lei, que é clarís-
sima, autorizando o chefe de Policia a « expedir ordens e
instrucções regulamentares para a bôa administração do ser-
viço policial » (n. 4, do art. 32. do Reg. n. 6.440). « o regula-
mentar as vendas e o porte de armas offensivas, bem como o
fabrico, a venda e o uso de explosivos, inflammaveis e tó-
xicos» (n. XIII. do art. 32. do Reg. n. 6.440). « a organizar de
modo especial a repressão do alcoolismo» (art. 247 do Re-
gulamento n. 6.440), « a liberdade de transito» (§ i°. do
art. 3 4 ) .
No segundo, o poder regulamentar é implícito: sobre a
policia administrativa em geral (art. 20, do Reg. n. 6.440) ;
sobre as prostitutas escandalosas (n. XVII, do art. 32, do
citado R e g . ) ; sobre hospedarias, hotéis, albergues, etc.
(n. XVIII, do art. 4 1 ) .
De facto, quaesquer que sejam as dependências da po-
licia entre nós, é certo que o respectivo serviço « é immediata-
mente dirigido por um chefe de Policia» (art. i°, do Reg. nu-
mero 6.440). que superintende não só a policia adminis-
trativa como a judiciaria. Pondo de parte esta, que 6 regida
principalmente por leis de organização judiciaria, sabe-se que
áquella « incumbe, em geral, a vigilância em proteger a so-
ciedade, manter a ordem e tranquillidade publicas, assegurar
os direitos individuaes e auxiliar a execução dos actos e
decisões da justiça e da Municipalidade».
Ora, quem tem esse poder de direcção immediata é auto-
ridade autônoma, sendo preciso que essa autonomia encontre
limites na lei para que se justifiquem influencias hierarchicas.
Do contrario, o poder de direcção é de orientação pessoal.
A lei fica sendo a linha divisória de tudo.
Si, pois, a lei é omissa e o Chefe do Estado não a regula-
mentou, o chefe de Policia pôde adoptar as regras que lhe
tracem uma linha segura de condueta em casos idênticos.

(44) OTTO MAYER — Op. cit., vol. I, pags. 116-117.


— 103 —

Aquelle clever de «vigilância em proteger a sociedade», o


de « manter a ordem e tranquillidade publicas », o de « asse-
gurar os direitos individuaes » assignalam círculos de acção
que, em casos não previstos pelas leis ou regulamentos do
Chefe do Estado, podem ser regulados, por via geral, pelo
chefe de Policia, uma vez que este não saía do dominio da
sua competência.
Quanto ás prostitutas escandalosas e hospedadas, a
acção da policia é exercida por intermédio dos delegados
(art. 34, ns. 17 e 18 do art. 4 1 ) . Como, porém,« o chefe de
Policia exerce as suas funcçÕes c attribuiçoes directamente,
quando assim entender necessário ao serviço publico » (ar-
tigo 31, do Reg. n. 6.440), ao ponto de poder chamar a si « todas
as attribuiçoes commettidas ás delegacias auxiliares e de dis-
tricto » (n. I l l , do art. 32, do referido Reg.) ; como é da sua
competência « expedir ordens e instrucçÕes regulamentares
para a bôa administração do serviço policial » (n. IV. do
art. 32 do referido Reg.), é claro que sobre taes assumptos
pôde elle prescrever normas de caracter geral. O mesmo se
dá com o transito publico (art. 34, n. 1, § i°, do Reg.). O que
lhe é sempre vedado, é sahir das raias da lei, dos regulamentos
superiores, e dos preceitos constitucionaes. O dispositivo que
mais claramente investe o chefe de Poliica de um poder regu-
lamentar geral é o n. IV, do art. 32, do Reg. n. 6.440.
Como se viu acima, esse preceito attribue ao chefe de Po-
licia competência para « expedir ordens c instrucções regula-
mentares para a bôa administração do serviço policial ».
São duas palavras technicas cuja significação convém
posta em relevo.
Todo funccionario, em principio, expede ou dá cndcns
aos seus subordinados. A ordem, pois, é uma relação de
subordinação. Este é o seu conceito mais simples.
« Ha. porém, diz OTTO MAYKR, outras ordens que são
expedidas sem ter por fundamento uma relação pessoal e
especial, simplesmente devido á plenitude do poder publico.
São ordens de autoridade pura. A ordem de policia é desta
ultima espécie» ( 4 5 ) .

(.45) OTTO MAYËR — Op. cit., vol. II, pag. 35.

>
— 106 —

Póde-se dizer que é inutil incluir em uma lei ou em um


regulamento, a competência de uma autoridade para dar
ordens. A simples relação de subordinação justifica, salvo
determinação em contrario, a competência para fazel-o no
tocante ao serviço. Por isso, não se pôde attribuir a quem
redigiu o Regulamento de 30 de março de 1907 tão pouco
tracto com a technica do direito administrativo ao ponto de
dar competência ao chefe de Policia para expedir ordens,
quando elle é, por excellencia, uma autoridade ordenante, e
quando, cm cada uma das suas múltiplas funcçÕes, estava
comprehendida a idéa de mandar. Além disto, a palavra —
ordens — no decreto n. 6.440 está acompanhada das palavras
instrucções regulamentar es, que, me parece, concorrem para
suffragar a opinião que estou sustentando.
A palavra — instrucções—em direito administrativo, tem
significado próprio. « São regras, diz RIBAS, dadas ás auto-
ridades publicas, prescrevendo-lhes o modo porque devem
organizar e pôr em andamento certos serviços e quasi sempre
se referem aos que são de novo creados ou reformados e vão
começar a funecionar » (46) .
Na noção do regulamento as — instrucções — oecupam
um plano inferior. A sua submissão ao regulamento pro-
priamente dito é fatal, e, portanto, a sua incapacidade de crear
situações novas. Póde-se dizer que o ultimo impulso a um
serviço organizado, mas não installado, é dado por meio de
instrucções. Concebe-se egualmente que ellas sejam expedidas
cm qualquer tempo para interpretar disposições de regula-
mentos vigentes, e t c .
A ordem, porém, tem um circulo mais amplo de com-
prehensão. «Ella serve, diz OTTO MAYER, de intermediário
entre o fundamento natural do poder de policia e as exigências
do regimen do direito ; ella dá ao dever natural (o já estudado
dever para com a policia), sua expressão na fôrma de uma
declaração de vontade submettida ás regras do regimen do
direito. Esse fundamento não fornece sinão princípios geraes,
dos quaes se trata de deduzir, por meio de raciocínios lógicos,
os deveres concretos; a ordem de policia dá justamente a esses
deveres a determinação formai; ella declara, por via de auto-

(46) RIBAS — Op. cit., pag. 226.


— 107 —

ridade, cm que elles consistem, como devem ser desempe-


nhados e por quem » ( 4 7 ) .
Nada mais claro. O poder de policia tem de se mani-
festar dentro do regimen do direito. A ordem é a sua expressão
de toda a hora, é o meio de todo o instante da sua realisação.
E' preciso que ella se accommode ao regimen do direito, ou por
outra, é preciso que ella exista concretisada em principio, em
regra de direito, explicita ou implicitamente, para o fim de
haver uma « determinação formai », ou por outra, uma enu-
meração dos deveres que o indivíduo tem de cumprir para « não
perturbar a bôa ordem da cousa publica » (48).
Logo, a ordem de policia depende, gradativamente, da
Constituição, da lei, do regulamento de policia assignado pelo
ministro da Justiça, mediante decreto do Chefe do Estado, ou
instrucçoes daquelle, dos regulamentos e instrucçoes do chefe
de Policia, aqui comprehendidas as circulares e ordens de
serviço.
A estas noções basta accrescentar que os regulamentos,
instrucçoes ou ordens geraes do chefe de Policia dependem,
para se tornarem exigiveis, da publicação ( 4 9 ) .
Por outro lado. podem cessar os seus effeitos pela revo-
gação. Esta pôde dar-se ou por meio de acto expresso do
próprio chefe de Policia (50) ou pela publicação de qualquer
acto de egual natureza, expedido por autoridade superior.
Pelo que fica dito, póde-se chegar ás seguintes conclusões :
Quanto ao poder de policia :

O poder de policia assenta no dever, de natureza moral


e jurídica, que o individuo tem de não perturbai" a ordem
publica. O poder de policia serve de contraste ou de constran-
gimento legal para o cumprimento do dito dever.

(47) OTTO MAYËR — Op. e vol. cits., pag. 36.


(48) Ibd.. ibd., pag. 35, in fine.
(40) OTTO MAYER — Op. e vol. cits., pag. 4 5 ; H A U R T O U — Precis
dc Dr. Adm., pag. 303; B E R T H E L E M Y — Op. cit.. pag. 141.
(50) H A U R I O U — Op. cit., pag. 303. in fine; OTTO MAYER — 7&Í?..
ibd., ibd.
— 108 —

II

O poder de policia deve, primacialmente, assentar na lei.


« O principio é que. tanto quanto possível, tudo deve ser
determinado por uma regra de direito — lei de policia ou
regulamento de policia » (51).

III

O poder de policia se exerce também, em certos casos,


por meio de actos discrecionarios da autoridade. Entretanto,
mesmo nesses casos, « ella não pôde fazer o que quer; seu
dever de funccionario o obriga a escolher o que melhor cor-
responde ao interesse do Estado e da cousa publica» ( 5 2 ) .

IV

O poder de policia, no Rio de Janeiro, pela organização


especial da cidade, está distribuído por vários serviços pú-
blicos : prefeitura, saúde publica, etc. Mas, no tocante á vigi-
lância pela tranquillidade geral, pela segurança, pela morali-
dade publica, é centralizado na Policia do Districto Federal,
com a organização que lhe deu o decreto 11. 6.440. de 30 de
março de 1907.

O poder de policia, em principio^ não actúa sobre: a vida


privada do indivíduo ; a manifestação normal das actividades
sociaes; a competência judicial.

VI

O poder de policia deve ser sempre praticado num sentido


proporcional. Todo excesso inutil é incompatível com o re-

(51) OTTO M \YI R — Ibd., ibd., pag. 38.


(52) Ibd., ibd., ibd., pag. 43.
- 409 —

gimen do direito, o que não quer dizer que, nos casos em que
falharem a brandura e a persuasão, a autoridade não empregue
a força para salvar a ordem publica.

VII

O poder de policia se manifesta por prohibiçoes geraes e


por ordens. As prohibiçoes podem ter a reserva de permissão,
quando acautelados os interesses da ordem publica. Estas
permissões devem ser concedidas, conservadas e retiradas de
accôrdo com as leis e regulamentos.

VIII

O poder de policia comprehende as penas de policia.


Estas são différentes das inscriptas no Código Penal, porque
revestem um caracter puramente administrativo. Os factos
punidos com taes penas são mefas contravenções administra-
tivas ou delidos administrativos (53) que escapam ao conceito
do dolo e da culpa. « Tudo depende do dever não cumprido »,
dever que é « evitar perturbações da ordem publica ». O re-
gimen de direito exige que todo o indivíduo colhido por uma
pena administrativa possa defender-se. A autorização contida
na lei ri. 3.232, de 5 de janeiro de 1917, permitte francamente
?: instituição de taes penas. Quanto aos factos puniveis, a lei
escolhe ou deixa que o Poder Executivo escolha as pertur-
bações que se lhe afiguram bastante importantes para dar-lhes
saneção penal (54).

IX

O poder de policia, no dominio dos factos, se realiza por


penas coercitivas, por substituição e pela força. Toda a acção
coercitiva deve ser regulada nas leis e regulamentos. A

(53) OTTO MAYER — Op. e vol. cits., pag.


(54) Ibd., op. cit., vol. II. pag. 99.
— na —
coerção por substituição, embora desconhecida do nosso direito,
pode ser por elle adoptada e está contida na delegação da
lei n. 3.232, de 1917.

Quanto ao poder regulamentar do chefe de Policia :

Entre as autoridades que gosam de poder regulamentar


está o chefe de Policia. Este poder é susceptível de maior ou
menor amplitude por delegação da lei ou do Chefe do Estado
(55) e repousa sempre num fim de utilidade geral (56).

II

A delegação pôde ser expressa ou tácita. A primeira pôde


ser feita « com o intuito de regular livremente certos assumptos
que são deixados ao regulamento (exemplo principal: o regu-
lamento de policia») (57). « O regulamento'contendo decla-
ração de vontade de um órgão do Poder Executivo, para o
exercicio da faculdade a ella delegada de estabelecer, em nome
do Estado, regras obrigatórias, tem na esphera da policia seu
campo de actividade o mais importante » (58) .

III

Quando a lei silencia sobre a sua regulamentação e o


Chefe do Estado não a pratica em virtude do seu poder geral,
o chefe de Policia, na parte relativa á policia administrativa,

(55) H A U R I O U — Op. cit., pQg. 302; MOUNEYRAT—Op. cit.


pag. 133- Os prefeitos, segundo elle, dispõem do poder regulamentar
em virtude « d e uma delegação geral do poder executivo».
(56) MOUNEYRAT — Op. cit., pag. 135; F E U X M O R Ë A U — Op. cit.,
pags. 405, in fine, 406.
(57) OTTO MAYËR — Op. cit., vol. I, pag. 159.
(58) Ibd., ibd., vol. II, pag. 38.
— ill —

sujeita á sua immediata direcção, pôde. por motivo de utili-


dade, prescrever regras geraes para manter uma só orientação
em casos análogos.

IV

Os regulamentos expedidos pelo chefe de Policia teem


os precisos limites da delegação que recebem. Nos regula-
mentos espontâneos, não pôde elle affectar a Constituição, a
lei, os regulamentos das autoridades superiores, os assumptos
regidos por tratados internacionaes, estabelecer penas, taxas,
nem cercear a liberdade, em geral, a menos que a restricção
se contenha implicitamente na Constituição. A delegação,
numa palavra « diz respeito só á administração, emquanto o
Chefe do Estado é livre de regular todo o assumpto de que a
lei não se oecupou, o prefeito é adstricto ás matérias admi-
nistrativas » ( 5 9 ) .

No direito policial vigente, o chefe de Policia do Districto


Federal dispõe de poder regulamentar, em virtude de uma
delegação geral contida no n. IV, do art. 32, do Reg. n. 6.44a, de
30 de março de 1907. Além disto, pôde elle regular, nos termos
do mesmo Regulamento, a venda e o porte de armas offen-
sivas, o fabrico, a venda e o uso de explosivos, inflammaveis e
tóxicos (n. XIII, do art. 32), a repressão do alcoolismo
(art. 247). a liberdade de transito (§ i°, do art. 34), a policia
administrativa em geral (art. 2 0 ), e os assumptos pertinentes
ás prostitutas escandalosas (n. XVII, do art. 32), sobre hospe-
dadas, boteis, albergues, etc. (n. XVIII, do art. 4 1 ) . A reor-
ganização porventura feita em conseqüência da lei n. 3.232,
de 5 de janeiro de 1917, pôde alargar ou restringir esse poder
regulamentar.

(59) MoRiîAU — Op. cit., pag. 40o.


I—Papel da imprensa no domínio da policia, H—Difficoldades que a imprensa
créa 1 repressão. Ill -Necessidade de um appelío aos jornalistas

These I a da 3 a secção — Policia Administrativa

I
PAPEI. DA IMPRENSA NO DOMÍNIO DA POWCIA

O assumpto a que se refere a presente these nada tem de


n o v o . H a sobre elle u m a litteratura a b u n d a n t e . E n t r e nós,
mesmo, dois trabalhos podem ser citados que resumem o
assumpto admiravelmente ( 1 ) . Organizador, porém, que fui
do programma, devo salientar que o meu intuito visou preci-
samente estudar a influencia do jornal propriamente dito
sobre a policia cm geral. E ' menos uma these de sociologia
criminal do que de policia propriamente dita.
O facto encontra explicação na propria natureza da insti-
tuição. Si. como mui justamente diz S T E I N , a actividade da

( i ) CELSO VIEIRA — Policia c Publicidade, Conferência, Bibl. do


Boi. Pol, e tiragem á parte, 1915; ESMERAEDINO BANDEIRA—Littera-
tura Criminal, Influencia do jornal e do livro no crime e no julgamento,
Conferência, 1913, Revue Penitenciaire, Infl. de l'image e de la publi-
cité sur la mentalité des criminels, 37 vols., 1913, pags. 491 e segs. e
674 c segs., etc., etc.
8
— Hi

policia se exercita com o fim de manter a ordem publica


« mediante uma limitação opportuna da liberdade indivi­
dual » (2) ; e si, como ensina OTTO MAYER, « na noção mo­
derna da policia, ficou algurrça cousa das ideas juridicas funda­
mentaes que existiam na base do antigo systema do regimen
da policia », sendo que a este próprio nome « se ligam recor­
dações as mais dolorosas do antigo regimen e do seu poder
publico absoluto e indeterminado» ( 3 ) , é fácil comprehender
porque esse apparelho que se destina á manutenção da ordem
e ao apoio da segurança publica desperta essas prevenções que,
por assim dizer, constituem um legado que as gerações trans­
mittem umas ás outras, sem malbaratal­o.
Nada mais commum do que o registo dessa má vontade
contra a policia ( 4 ) .
Entre nós, porém, parece que o facto assume proporções
maiores, o que deve ser attribuido, necessariamente, a con­
dições de meio. O Rio de Janeiro é uma cidade grande, mas,
considerada em relação a outras da sua superficie, de popu­
lação relativamente pequena. Os factos que se desdobram no
scenario da sua actividade econômica, da sua vida artistica,
intellectual e moral, não bastam para occupar o espaço de
jornaes de muitas paginas que é preciso encher diariamente.
Dahi, a prolixidade sempre escandalosa do noticiário policial.
H a innumeros jornaes europeus que seguem orientação
diametralmente opposta : casos de tal ordem, a menos que
tenham ferido profundamente o sentimento publico, são rele­
gados para a quarta pagina, sob o titulo — factos diversos —
e liquidados com cinco e seis magras linhas.
No Rio de Janeiro já passou em julgado o conceito de
que a policia é cabeça de turco, responsável por tudo, pelo

(2) La Sdensa delia Amministrasione, pag. 55.


(3) Orro MAYIÍR — Le dr. adm. de I'Bmp. AIL, vol. II, pags. 8 c 7
in fine.
(4) Entre outros, ALONGHI — Polizia e delinquensa in Italia,
2a éd., pag. 12 e segs. ; L,. GAMBAKA —■ La Policia, pag. 191. « Si Ia
policia se precave de posibles desordenes, se grita contra inoportuno
aparato de ostentación de fuerza e a veces de pnovooación ; si hay
desordenes, se grita contra Ia imprevisión y contra la ineptitud de Ia
policia».
— 115 —

que faz, pelo que deixa de fazer. Si fez, fez mai; si não fez,
devia ter feito.
Os próprios jornaes não se pejam de declaral-o.
Um délies, no começo deste anno, numa local, publicou
estas palavras : « Dizer mal da policia é um habito, quasi uma
obrigação, para quem escreve nos jornaes. Conta-se mesmo
de um talentoso jornalista carioca, já fallecido, mas sempre
lembrado, que na concessão de seu algo interessado apoio ao
Governo, resalvava sempre a liberdade de desancar a policia:
— Si meu jornal, justificava elle, também elogiar a policia.
ficará irremediavelmente desmoralizado perante o publico ».
Nessa mesma local, o jornalista disse que essa « hostilidade á
policia» era um «sentimento ingenito».
E' authentico o caso do secretario de um matutino que,
chegando á redacçao, ordenou a um companheiro de serviço
que escrevesse uma nota violenta contra certo delegado.
O plumitivo fel-o: sahiu-lhe da penna uma descompostura
formidável, contra a autoridade do io° districto.
— Não é o delegado do io°, é o do 12o, ponderou o secre-
tario.
O redactor, imperturbavelmente. poz 2 onde estava o e
conservou o libello ipsis litteris...
E' pena que assim seja, porque o publico continuará mal
impressionado com a instituição que o Estado mantém para
protegel-o.
Nesta cidade já se registou o facto curioso de senho-
rinhas vaiarem a policia.
Recolhi de um jornal a respectiva nota para documentar
esta these. Foi numa praia de banhos. Tendo sido appre-
hendida uma canoa de um Club de Regatas, o agente, diz o
jornal, «levou uma formidável vaia na Praia do Flamengo».
E termina: « Tomavam parte nesta vaia até senhoritas » ( 5 ) .
E' inutil prolongar o commentario é melhor enfrentar
brevemente a questão sob o ponto de vista pratico.
Quem quer que estude o papel da imprensa no dominio
da policia, chegará á conclusão de que ella exerce, quasi
sempre, uma influencia má, nefasta, perigosa e apaixonada.
Esta situação advém de varias causas, muitas das quaes

(S) A Noite, 24 de novembro de 1916.


— 116 —

poderiam encontrar correctivo na propria imprensa, si os dire-


ctores quizessem, por assim dizer, fazer uma policia interna,
velando mais directamente pela orientação dos jornaes.
O primeiro mal é todo de ordem individual : não ha, sinão
praticado incompletamente, um bom critério de selecçao no
pessoal.
De modo que, não é raro auxiliares da imprensa — cousa
que, aliás, os melhores não contestam, — contrariarem os mais
legitimos interesses da ordem e da moralidade publica e ata-
carem a autoridade só porque não foram servidos em pre-
tençoes menos confessaveis.
Por outro lado, as autoridades não saem livres de culpa
de tal situação. Quando ellas comprehenderem definitiva-
mente que o serviço da policia é de natureza reservada e
souberem resistir á vaidade de alguns encomios baratos ou
ao temor de alguns insultos ou calumnias, a má influencia de
taes elementos ha de desapparecer ou attenuar-se.
O homem investido de uma parcella de autoridade po-
licial deve ter a sciencia de transigir dentro da lei, para obter
o máximo da utilidade em favor da ordem e da paz. Um re-
gimen de concessões licitas capaz de facilitar a acção geral
da autoridade é sempre de bom aviso. Mas, quando o que
se pretende não é licito e o que se pede não é honesto, é
preciso ter resignação c coragem para resistir e soffrer o
ataque. A autoridade que assim procede, mais dia menos dia,
se impõe á consciência dos próprios aggressores.
Deixo, porém, esse lado pessoal da questão, para estudar,
mais de perto, os desserviços que a imprensa presta á policia.
O jogo—Entre as fôrmas do jogo de azar, conta-se o
jogo do bicho, que, sabidamente, a lei pune. No entanto, como
meio de augmentar a renda, pela maior circulação, os jornaes
— quasi todos — inserem diariamente nem só os resultados da
sorte, como publicam palpites. E' um crime, cuja propaganda
é interesseiramente feita pela imprensa.
Loterias clandestinas — Também as nossas leis punem as
loterias clandestinas. Os jornaes, para ter augmentadas as
rendas de annuncios, fazem também a propaganda délias, o
que — é curioso — não os impede de, uma vez por outra, atacar
a policia porque não as persegue.
- 117 —

Cartomancia — O nosso Código Penal, no art. 157- pune


todo aquelle que « praticar o espiritismo, a magia e seus sor-
tilegios, usar de talismans e cartomancias, para despertar
sentimentos de ódio ou amor, inculcar curas de moléstias
curaveis ou incuráveis, emfim, para fascinar e subjugar a
credulidadc publica». Entretanto, quem quizer se dar ao
trabalho de 1er os nossos jornaes, verá como a propaganda
das cartomantes' é desassombrada, pelo annuncio.
Yale a pena transcrever alguns desses reclames, colhidos
de um jornal de grande circulação, no momento em que escrevo
estas linhas.
« Cartomante e faz qualquer trabalho para _o bem, não
usar de cerimonias em falar no que desejares e trata de
feridas chronicas e outras doenças.»
« Cartomante bahiana deita cartas e faz trabalhos para
o bem.»
Uma outra se diz «medium espirita», '«habilitada» para
« todos os negócios dif f iceis e reconciliações ».
Uma outra ainda. « consagrada pelo clero, nobreza e povo,
com milhares de curas scientificas, intimas e commerciaes »,
dá « consultas por carta, sem a presença das pessoas » e pro-
clama-se « a única no gênero».
E outras ainda...
Xão é que a policia não lhes dê caça. Eu mesmo tenho
ordenado mais de uma vez o combate a essas exploradoras da
bôa fé alheia, e, algumas, já perseguidas, mudam de tactica,
e annunciam de outra fôrma.
Aqui está um exemplo:
« Mme. G. participa ás suas f reguezas que se mudou da
rua Machado Coelho n. 130. para a rua da Luz n. 12, onde
continua com a sua profissão ás segundas, terças e quartas
feiras das 11 ás 4 da tarde ».
E' um annuncio de cartomancia.
Antifecundantes— O nosso código não pune a ministraçao
ou a venda de remédios contra a concepção. Entretanto, o
decreto n. 10.821, de 18 de março de 1914, prohibe o annuncio
e a venda de remédios secretos, punindo o infractor com « a
multa de 100$ a 500$. e o dobro nas reincidências » (art. 309
e paragraphos).
— 118 —

No entanto, as praticas neste sentido estão se accentuando


de modo a fazer pensar no futuro deste paiz, cujo progresso
depende primordialmente da população.
Ha parteiras que annunciam ora veladamente, ora a des-
coberto, processos para evitar a gravidez.
Eis alguns exemplos:
« Parteira Mme. Barroso » . . . trata de moléstias do utero
ç evita a gravides... »"
« Bvita-se a gravidez sem fazer operações nem medica-
mentos de espécie alguma...»
«Gravidez. Evita-se, usando as velas antisepticas. .. »
H a casos, como na cartomancia, em que o reclame é feito
disfarçando-se o fim :
«Parteira. Mme. Francisca... faz apparecer a mens-
truação por processo scientifico e sem d ô r . . . » E' um annuncio
de provocação de aborto.
Medicos, mesmo, existem que annunciam a pratica do
aborto :
« O dr. H. de Andrada... de modo simples evita a gra-
videz nos casos indicados...»
Quem exerce a funeção policial sabe como se está desen-
volvendo nesta cidade a legião dos anti-fecundadores, havendo
medicos que se prestam a essas praticas immoraes e impa-
trioticas.
Nada melhor do que citar exemplos. Citemol-os de outras
espécies.
Um auxiliar meu descobriu em uma hospedaria de segunda
ordem um casal. Era gente distineta. A senhora, casada,
fora ao dentista com dois filhos, e ahi deixando-os, sob o pre-
texto de comprar bonbons, foi ter áquella casa para encon-
trar-se com o amante. Por deslise da autoridade em revelar
o facto a alguém, ou por outro motivo, houve um jornal que
deu noticia delle. Não conservei a local. Mas esta registava
que « Madame ». como sempre dizem elles quando não querem
revelar o nome, « sahira com os filhos, fora ao dentista, dei-
xára-os ahi, e, affectando ir ao confeiteiro. fora encontrar-se
com o amante em uma hospedaria, quando a autoridade a
surprehendeu », etc.
O facto não teve nenhuma conseqüência, e, parece, á
— 119 —

primeira vista, que, em casos taes, a policia prestaria um ser-


viço intimidando as mulheres levianas, e, por isso, impe-
dindo-as de uma má conducta.
Mas, a verdade é que nada justifica a publicação de
noticias taes.
Em primeiro lugar, não vae uma senhora só ao dentista
acompanhada de filhos. E a publicação de uma noticia tal,
sem mais pormenores, pôde determinar em muitos maridos
suspeitas infundadas. Por outro lado, a divulgação de um
facto desses pôde comprometter a paz e a tranquillidade de
varias pessoas absolutamente innocentes : o marido trahido, os
filhos do casal, etc.
Guardo na memória um caso que a mim mesmo causou
emoção.
Na sua primeira pagina, como se fosse um caso de alto
valor, vi eu o retrato de uma dama com a face meio occulta
sob um loup veneziano. O jornal dizia-a uma senhora da nossa
mais alta sociedade, c, confesso, eu mesmo procurei ver si,
através da pequena mascara, descobria a face formosissima.
O caso era simples : a dama fora á rua Riachuelo, entrara em
uma casa de rendez-vous para ter com o amante, e, á sahida,
ao tomar o seu rico automóvel, deparara com um amigo, que,
pasmo de semelhante facto, recebera delia uma supplica cho-
rosa: que não a compromettesse...
Tomei a deliberação de falar ao director do jornal, um
amigo, para que não permittisse em sua folha a divulgação de
factos taes. que tinha justamente o defeito de expor innocentes.
Pois bem : a reportagem era mentirosa, e toda a noticia
se resumia "numa grande reclame a uma casa de tolerância !
No entanto, quantos maldizentes não viram na face mas-
carada uma physionomia conhecida ? Quantos não apresentaram
a figura imaginaria como sendo o retrato de alguém ?
Na minha passagem pela vida de imprensa, aqui no Rio
de Janeiro, fui testemunha de um caso francamente con-
demnavel.
Para augmentar a venda do jornal, concebeu-se uma
reportagem sensacional. WILLIAM PITTS era um policia amador
de notáveis qualidades. Dois ou três factos imaginários, habil-
mente descriptos, impressionaram o publico.
O resultado foi fácil : innumeras pessoas accorreram á
— 120 —

redacção, querendo faliar a W I L L I A M . Um dia estava eu pre-


sente quando appareceu uma senhora procurando o policia
famigerado. Designaram um rapaz desageitado (^como teriam
designado outro qualquer), junto ao qual a senhora se sentou
e desvendou factos da sua vida intima, suppondo que se dirigia
a alguém que a iria salvar !
Outras noticias ha que produzem desordens e merecem
correctivo.
Pertencem a esse numero as relativas a menores delin-
qüentes. E' commum os jornaes publicarem seus retratos,
darem-lhes os nomes e contarem ao grande publico o quanto
são aptos para o crime.
Na Conferência do DR. CELSO VIEIRA vem um facto ex-
trahido d'Os Gatos de FIALHO DE ALMEIDA, que é eloqüen-
tíssimo ( 6 ) .
Nos crimes contra a honra, si os jornaes estampassem os
retratos dos criminosos, poder-se-ia ver nessa pratica um meio
de pena publica pelo constrangimento causado aos que os
praticaram. No entanto, os jornaes vão mais longe: publicam
egualmente o retrato das victimas. Raparigas de 15 e 16 annos,
attingidas, devido á sua inexperiência ou desaviso, pela con-
cupiscencia de profissionaes da deshonra, se vêm, de subito,
envolvidas na triste fama de heroinas de romance barato,
perdendo, talvez só por isso, o resto do pudor e descendo,
pelo resto da vida, aos últimos estádios da degradação.
Quanto á reproducção de suicidios pela noticia detalhada
do primeiro caso occorrido. é caso sabido e ha muito registado.
A imprensa presta ainda desserviços á policia desven-
dando-lhe a acção. contando, pelo mcúdo, o seu modo de
agir, quando o descobre, ou phantasíiando-o, quando lh'o
occultam. E' facto communissimo, encontrarem agentes de
policia, em poder de criminosos, números de jornaes em que
vêm, com fartos detalhes, a narração dos crimes por elles com-
mettidos. Muitas vezes, os jornaes lhes servem de bússola,
ensinando o que devem fazer para não serem descobertos.
Um ultimo ponto a considerar é o da predica á revolta,
a propaganda junto ás classes armadas contra a autoridade
constituída.

(6) CELSO VIEIRA— 06. cit., pags. 35-6.


— 121 —

Aqui, porém, o problema cae, todo inteiro, no dominio


constitucional da liberdade de imprensa, que uns admittem e
outros condemnam.
Eu não quereria a restricção dessa liberdade propria-
mente; mas a punição dos abusos é muito para desejar.
O dispositivo constitucional não é nenhum enigma. Ao
contrario, acho-o de simples traducção concreta:
« Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pen-
samento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de
censura, respondendo cada um pelos abusos que commetter,
nos casos e pela fôrma que a lei determinar.»
E' sabido que não ha liberdades irrestrictas ou liberdades
irregulamentaveis. Ao contrario, todas, sem excepção de uma
só, trazem comsigo a fatalidade da regulamentação.
A nossa Constituição ora tornou claros os limites das
liberdades, ora considerou-os implicitamente.
Justamente, na questão da liberdade de imprensa, o cri-
tério constrictor é manifesto. Respondendos cada um, diz a
lei suprema, pelos abusos que commetter, nos casos e pela
fôrma que a lei determinar.
Ora, nada mais amplo : a Constituição nem só não olvidou
os abusos possíveis do exercício da liberdade de imprensa,
como deixou á lei ordinária o encargo de definir esses abusos,
ou por outra, de enumerar os casos que constituem taes abusos
e a fôrma de punil-os.
Quem conhece a historia da imprensa entre nós, sabe
quanto cila tem sido fértil nos seus ataques á honra dos homens
públicos. Póde-se dizer, sem exaggero, que nenhuma reputação
tem escapado á critica desapiedada e injusta dos nossos me-
lhores estadistas.
Eu concebo que um jornalista possa fazer estas cousas;
mas não hesito em affirmar que a pessoa offendida deve
dispor de um meio fácil e prompto de desaggravo, o que,
neste momento, não existe.
Abusos que são, na propria linguagem da Constituição,
elles precisam ser punidos.
Convém também pôr em relevo que a liberdade de im-
prensa « é, de uma maneira geral, o direito de exprimir
— 122 —

opiniões e crenças por escriptos impressos, de qualquer fôrma


que seja, livro, brochura, revista, jornal ou avulso » ( 7 ) .
Ora, quem admitte num jornal annuncios de actividades
criminosas, de abortivos, e outras cousas immoraes ou peri-
gosas á saúde, não está exprimindo sua opinião. Do mesmo
modo, não entra nos domínios da manifestação do pensamento
a publicação de retratos com fins pejorativos. Todos esses
factos podem ser regulamentados sem relação com a liber-
dade de imprensa, e não ha nenhum inconveniente em serem
punidos como delictus administrativos (8) .
Os jornaes obscenos também podem ser prohibidos,
porque estão fora inteiramente da liberdade garantida pelo
art. 72, n. 13, da Constituição Federal.

II

DIFICULDADES QUE A IMPRENSA CREA Á REPRESSÃO

Pelo que ficou dito, vê-se que a imprensa créa não pe-
quenos obstáculos á repressão.
A já alludida falta de selecção do pessoal concorre para
isso. Ha reporters que protegem gatunos, caftens e casas de
lavolagem. o que seria o menos, si, infelizmente não houvesse
autoridades que, receiosas de ataques ou por condescendência
injustificável, acquiescem a muitas das suas indevidas soli-
citações.
No próprio jornal, isto é, na materia escripta, esses obstá-
culos existem.
Si um auxiliar da imprensa não é attendido no pedido que
fez em favor de um vagabundo, é quasi certo que elle vae
defendel-o, accusando a policia de perseguil-o, ora dizendo-o
pessoa de boa conducta ora proclamando a sua rehabili-
taçao.
Na descoberta dos crimes, também não é raro a imprensa
prejudicar a acção da policia, como já ficou dito.

(7) DUGUIT — Traité de dr. const., vol. II, pag. 89.


(8) Vida a minha these sobre Poder de policia.
— 123 —

III

NECESSIDADE DE UM APPEEEO AOS JORNALISTAS

O remédio para todos esses inconvenientes é conhecido:


deve estar na lei. Em grande numero de casos, essa lei não
precisa tocar na liberdade de imprensa propriamente dita.
Mas emquanto não fôr ella votada, ou o assumpto não
fôr regulado por via regulamentar, como é possível, os jorna-
listas podem prestar á sociedade o grande serviço de evitar,
nos órgãos de publicidade de que são directores. a divulgação
de todos os factos de que tenho feito menção.
E' um caso de auto-policia ou policia interior.
Aliás, é preciso affirmar que já existem jornaes que não
admittem annuncios immoraes. O mal, porém, não está so-
mente nos annuncios, mas nos próprios noticiários. Tudo se
reduz a uma questão de orientação, que, pela propria honra,
e pela bôa fama dos seus jornaes, os homens da imprensa
devem adoptar, prestando um grande serviço á ordem publica
e á boa fama.
Adopto, pois, as seguintes conclusões :
I . Os directores dos jornaes devem ter grande cuidado
na escolha do pessoal, especialmente no tocante á reportagem,
e velarem, elles próprios, pela orientação das folhas que
dirigem.
I I . Os annuncios de factos que o Código Penal consi-
dera criminosos ou que a moral condemna devem ser elimi-
nados dos jornaes. Não attenta contra a liberdade de imprensa
a lei ou o regulamento que prohibir taes assumptos. Estão
neste caso os annuncios relativos ao jogo do bicho, loterias
clandestinas, cartomancia, antifecundantes, etc.
I I I . Os jornaes devem evitar a divulgação de factos
Íntimos, que possam comprometter a tranquillidade das fa-
mílias ou affectar a bôa fama e o futuro das pessoas inno-
centes .
IV. E' extremamente perigoso relatar crimes em que
estejam envolvidos menores ou estampar os seus retratos.
Egualmente devem ser excluídas do noticiário as noticias re-
lativas a suicídios.
— 124 —

V. A Constituição Brazileira explicitamente admitte a


regulamentação da liberdade de imprensa. O § 12, do art. J2^
allude a abusos da liberdade de manifestar o pensamento.
Assim, o legislador ordinário dispõe da maior amplitude para
definir taes abusos.
V I . A lei que impedir um jornalista ou um particular de
manifestar o seu pensamento em qualquer assumpto, pela
imprensa ou pela tribuna, é inconstitucional, mas aquella que,
lhe dando tal liberdade, considerar abusos palavras ou pro-
cessos por elle empregados na mesma manifestação, é perfei-
tamente legitima.
VIT. A prohibição do anonymato traz como conseqüência
a necessidade de terem autores responsáveis todos os artigos
e noticias insertas nos jornaes. O nome do jornal ou outras
iniciaes combinadas, indicando a responsabilidade dos autores
dos artigos ou noticias insertas, satisfaz a exigência consti-
tucional .
V I I I . A lei'e o regulamento podem impedir inteiramente
a circulação de jornaes e revistas obscenas (ou de livros, gra-
vuras, e t c ) , sob o fundamento de protecção da ordem publica
no seu sentido mais geral.
I X . As autoridades devem, por conveniência do serviço,
guardar sigillo de todos os factos affectos á policia que não
interessam o publico. Esta regra é elementar em materia de
policia (9) .

(9) « Police must not give information to the Press on police


matters, or write letters to the newspapers, without the Commissioner's
leave». (Instruction Book; London, pag. 16). Aliás, a prohibição
é tão natural que não precisa vir mencionada nas leis e regulamentos
para ser observada. O decreto n. 6.993, de 19 de janeiro de 1908,
sobre a Guarda Civil, considera falta disciplinar, entre outras (arts. 37
e 38, ns. II, III e IV) « publicar pela imprensa correspondência ou
documentos officiaes, fazer communicações á imprensa sobre <objecto
de serviço e promover discussões pela imprensa». O silencio de outros
regulamentos não quer dizer licença de desvendar segredos. O sigillo
é inhérente á funeção policial.
I — Â prostituição- II — Localização

These 3 a da 3 a se:;ão — Pclicia Administrativa

A PROSTITUIÇÃO NO DIREITO BRAZILEIRO

Era aos juizes de paz (art. 12, § 20, do Cod. do P r o c ) ,


no direito imperial, que competia « obrigar a assignar termo
de bem viver aos vadios, mendigos, bebedos por habito, pros-
titutas que perturbam o socego publico, etc.»
Esta attribuição, pela lei n. 261, de 3 de dezembro de
1841, (art. 4o, § i°) passou para « os chefes de policia em toda
a provincia e na Corte, e aos seus delegados nos respectivos
districtos ».
O Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, (art. 58,
11. 2 ) , repetiu, para as autoridades policiaes, na fôrma da lei
de 1841, a disposição do velho Código do Processo.
A lei n. 2.033, de 30 de setembro de 1871, (art. 10), e
o Regulamento n. 4.824, de 22 de novembro do mesmo anno
(também art. 16), não modificaram essa situação.
No periodo republicano, com Floriano Peixoto e Fer-
nando Lobo, foi publicado o decreto n. 1.034 A, de 1 de se-
tembro de 1892, em cujo art. 22, n. 21, foi attribuido ao chefe
de Policia « ter sob sua severa vigilância as mulheres de má
— 126 —

vida, providenciando contra ellas, na forma da lei, quando


of f enderem publicamente a moral e bons costumes ».
Mais tarde, tendo sido reorganizado o serviço da policia
do Districto Federal pela lei n. 947, de 29 de dezembro de
1902, o respectivo regulamento, baixado com o decreto nu-
mero 4.763, de 5 de fevereiro de'1903, dispoz no art. 31,
n. XIII : « Aos delegados urbanos e suburbanos, em suas cir-
cumscripções compete : ter sob sua vigilância as prostitutas,
providenciando contra elias, sem prejuízo do processo judicial
competente, da fôrma que julgar mais conveniente ao bem estar
da população e á moral publica ».
Finalmente, foi outra reforma introduzida nesse ramo do
serviço publico pelo decreto legislativo n. 1.631, de 3 de ja-
neiro de 1907, regulamentado pelo decreto n. 6.440. de 30 de
março de 1907. que attribuiu aos delegados de policia « terem
sob vigilância as prostitutas escandalosas, providenciando
contra ellas. sem prejuízo do processo judicial competente,
da fôrma que julgar mais conveniente ao bem estar da popu-
lação e á moral publica ».
E' esta a condição actual.
Como é fácil de vêr, o primitivo regimen era -somente
legal. Os juizes de paz obrigavam as prostitutas a assignai'
termo de bem viver, nos termos dos arts. 121 e seguintes do
Código do Processo.
No domínio da lei de 1841 e do Regulamento n. 120, bem
como 110 da lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871 e res-
pectivo Regulamento 11. 4.824, de 22 de novembro do mesmo
anno, esse regimen legal passou a ser cumprido pelas autori-
dades policiaes nos termos dos arts. 58 e seguintes do Regu-
lamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842.
Ainda assim, continuou esta situação, já no período repu-
blicano, em face do decreto n. 1.034 A, de 1 de setembro de
1892, que apenas tornou, por assim dizer, mais emphatica a
attribuição da policia, mandando, entretanto, que as provi-
dencias contra as meretrizes fossem tomadas na fôrma da lei,
que outras não eram sinão as leis judiciarias e processuaes do
tempo imperial.
A situação, porém, creada pela lei n. 947, de 29 de de-
zembro de 1902 e seu respectivo regulamento, alterou profun-
damente esse estado de cousas.
— 127

Como já ponderei, nessa reforma do nosso direito policial,


a autoridade ficou incumbida de « ter sob sua vigilância as
prostitutas, providenciando contra ellas, sem prejuizo do pro-
cesso competente, da fôrma que julgar mais conveniente ao
bem estar da população e á moral publica ».
Isto quer dizer positivamente, claramente, indiscutivel-
mente que a policia dispõe hoje de uma acção dupla contra o
meretrício :
a) acção preventiva;
b) acção legal.
Age preventivamente a policia, segundo o dispositivo
citado. « tendo sob sua vigilância as prostitutas, providen-
ciando contra ellas, da fôrma que julgar mais conveniente ao
bem estar da população e á moral publica » ; age legalmente,
processando-as quando attentarem contra o pudor publico.
A phrase — sem prejuizo do processo judicial compe-
tente— separou nitidamente a acção da policia preventiva e
da policia judiciaria. Segundo ella, as leis e regulamentos que
até então preferiam o systema meramente repressivo, sof-
freram uma modificação importante: «sem prejuizo do pro-
cesso judicial competente », isto é, sem que périma a acção
judicial contra as prostitutas delinqüentes, a autoridade « pôde
providenciar contra ellas da fôrma que achar mais conveni-
ente ao bem estar da população e á moral publica ».
JURISPRUDÊNCIA — Em novembro de 1899. foi requerido
habeas-corpus em favor de Maria Albano. Francisca Lopes,
Marchesin Giuseppina e Maria José dos Santos, que o delegado
da então sétima circumscripção policial urbana, intimara « para
retirarem-se immediatamente do citado estabelecimento (á rua
do Lavradio n. 24, pertencente a Augusto Fornaroli, de quem
eram empregadas) o que as supplicantes fizeram unicamente
no intuito de evitar alguma violência por parte da referida
autoridade policial ».
Foi juiz o notável VIVEIROS DE CASTRO, que accentuou,
desde logo, o seu modo de vêr o caso, negando salvo-conducto
ás pacientes, que requereram inutilmente reconsideração do
despacho.
A autoridade policial informou que agira nos termos dos
§§ i° e 21 o do art. 22. do decreto n. 1.034 A. de 1 de setembro
de 1892, « prohibindo que o proprietário da casa de chop ps
— 128 —

existente á rua do Lavradio n. 24 continuasse ter caxeiras ao


serviço da freguezia que a freqüenta, visto ter sido verificado
que essa casa não passava de um bordel... onde se exercia
a prostituição... ».
O despacho de VIVEIROS DE CASTRO se reportou ás infor-
mações do delegado. Entre outros, ha estes dois considerandos
que merecem ser citados : « Considerando que nos termos do
§ I o do art. 22, do decreto n. 1.034 A, de 1 de setembro de
1892, incumbe á policia manter a ordem publica e pelo § 21 o do
citado art. 22 ter sob sua severa vigilância as mulheres de má
vida que offendem publicamente a moral publica e os bons
costumes; considerando que a autoridade policial no circulo
de suas attribuições legaes, providenciando sobre scenas im-
moraes praticadas em um bordel, que affrontavam o pudor pu-
blico e perturbavam a ordem, não atacou uma garantia consti-
tucional, julgo improcedente, e t c » .
Esse caso despertou ataques á policia, e o lapis dos humo-
ristas sobre elle bordou charges interessantes.
As impetrantes recorreram inutilmente ao Supremo Tri-
bunal, sendo relator do accordão Lúcio DE MENDONÇA, que
escreveu: « Considerando, em face das informações de fis. 10,
que o acto da autoridade policial contra o qual requer está
dentro da esphera de suas attribuições (decreto n. 1.034 A, de
1 de setembro de 1892, art. 22, §§ i°, 20 e 21o) e assim não
constitue ameaça de violência ou coacção por illegalidade ou
abuso de poder, de sorte que contra elle caiba pedido de
habeas-corpus preventivo (Const, art. 72, § 22) accordão negar
provimento ao recurso... ».
A decisão foi unanime.
(Todas estas informações estou eu copiando dos autos
respectivos).
A autoridade policial impedira as mulheres em questão
de continuarem como empregadas da tal casa commercial.
Debalde foi allegada a liberdade de profissão, a liberdade de
ir e vir.
O Supremo Tribunal reconheceu unanimemente que a
autoridade policial agira dentro da esphera legal de suas attri-
buições, isto é, que o seu acto prohibindo as impetrantes de
irem á rua do Lavradio para exercer a sua profissão na casa
de Fornaroli « não constituía ameaça de violência ou coacção
— 129

por illegalidade ou abuso de poder». (Acc. de 10 de janeiro


de 1900.)
Um outro caso, ainda mais typico, encontrou apoio no
Supremo Tribunal Federal:
O advogado GUILHURMI: COUTINHO CINTRA requereu
habeas-corpus em favor de 12 prostitutas, que haviam sido
intimadas « já para, dentro de oito dias, transferirem suas
residências para outros locaes, que os em os quaes se acham
actualmente e já para não estarem ás janellas de suas resi-
dências que se deverão fechar invariavelmente ás dez horas
da noite de cada dia, attentando-se, assim, contra a livre loco-
moção e habitação, a liberdade e a inviolabilidade dos domi-
cílios das pacientes, cujos direitos foram garantidos em toda
a sua plenitude pelo nosso pacto fundamental ». (Trecho da
petição1. )
A autoridade informou que, « cumprindo strictamente o
Regulamento policial na parte referente á prostituição, enten-
dera conveniente ao bem estar da população e á moral publica
o afastamento* das prostitutas dos lugares mais freqüentados ».

Era a confissão franca da ordem de mudança. Julgando-se


o juiz da I a instância incompetente por haver o delegado invo-
cado a autoridade do chefe de Policia, houve interposição de
recurso para o Supremo> Tribunal, que assim decidiu : « Negam
provimento ao recurso por não estar provado que as paci-
entes. . . estejam soffrendo ou estejam ameaçadas de soffrer
constrangimento illegal em sua liberdade ».
Logo, o facto da autoridade policial « entender conve-
niente ao bem estar da população e á moral publica o afasta-
mento das prostitutas dos lugares mais freqüentados » ou —
no caso concreto da petição — a intimação para, dentro de
oito dias, meretrizes transferirem suas residências para outros
locaes não constitue constrangimento nem ameaça de constran-
gimento « illegal em sua liberdade ». (Acc. de 17 de novembro
de 1900.)
E' o Supremo Tribunal do paiz que assim entende, elle,
a sentinella por excellencia das franquezas da Constituição da
Republica.
Cumpre não esquecer que na longa petição de habeas-
corpus, como nas razões do respectivo recurso, o advogado
9
— 130 —

pretendeu que se tratava de um despejo das pacientes, em


prazo breve, sem observância das formulas processuaes...
Com o seu accordão não o entendeu assim a Veneranda
Corte Suprema.
A 3 a Câmara da Corte de Appellação, si não teve um
caso equivalente, já julgou por unanimidade uma hypothèse,
em que reconheceu á policia um grande poder de coacção
contra o meretrício.
Em favor de Rosa Silva e Emma Samann foi requerido
habeas-corpus sob o fundamento de que « das seis horas da
tarde em deante as suas casas eram guardadas por guardas
civis que prohibem o transito de suas residências ». A 3 a Câ-
mara negou unanimemente o habeas-corpus « em face da
informação prestada pelo Sr. chefe de Policia». (Acc. de
7 de outubro de 1914.) A autoridade policial confirmou a
procedência das allegações das impetrantes, quanto ás provi-
dencias adoptadas.
Acertadamente, a justiça local não viu na hypothèse atten-
tado nenhum á liberdade de locomoção nem á inviolabilidade
da casa.

II

LOCALIZAÇÃO ©O MERETRÍCIO

Não é só no nosso paiz que a policia dispõe desse poder,


até certo ponto discrecionario, sobre o meretrício. Tem-se>
querido trazer a prostituição desse regimen para o direito
commum e o esforço nesse sentido tem sido inutil.
« Na França, diz DUGUIT, o pensamento até agora domi-
nante tem sido, antes de tudo, proteger a saúde publica, e,
para tal fim, as pessoas que habitualmente se entregam á pros-
tituição são submettidas a um regimen de policia. Ainda mais :
este regimen de policia foi estabelecido, não pela lei, mas por
meio de regulamentos administrativos » ( 1 ) .
Segundo este autor, tacs regulamentos se justificam por
motivos da segurança e boa ordem da cidade.
DUGUIT, que, aliás, é contra esse regimen, no campo da

(1) DUGUIT — Traité de Droit Const., vol. II, pag. 41.


— iijl —

doutrina, affirma que a jurisprudência tem infirmeras vezes


reconhecido a legalidade desta regulamentação ( 2 ) .
Não é só na França que tal acontece. Na Bélgica também
são as simples autoridades communaes que regulamentam o
meretrício, podendo « submetter as prostitutas, ao mesmo
tempo, a restricções rigorosas de residência e de circulação ».
ORBAN, que me fornece esta informação, indaga: « O ar-
tigo 7o da Constituição se oppõe a isto? De modo algum,
porquanto não se trata sinao de policia de costumes e não de
repressão. Ainda neste particular, não ha nenhuma garantia
constitucional; não ha mesmo legal. Contra as decisões das
communas neste particular — mesmo sendo abomináveis —
não ha nem recurso administrativo nem recurso judiciário.
A jurisprudência admitte até a completa irresponsabilidade em
tal assumpto dos administradores communaes» ( 3 ) .
O regimen francez não mudou. Ainda em 1911, GASTON
GÈSU assim o disse, embora combatendo esta situação : « A
prostituição na França é submettida, não a um regimen legal
de policia, mas a um regimen arbitrário de policia » (4) .
Nos Estados Unidos, o culto á liberdade não deteve os
tribunaes no reconhecimento da legitimidade do poder de po-
licia neste particular :
« Este poder (está escripto na modernissima encyclopedia
Ruling Case Law) também claramente se estende á regula-
mentação ou suppressão de casas de prostituição, e dispo-
sições fixando os limites além dos quaes taes casas não serão
permittidas têm sido sustentadas como meramente assegwa-
doras da ordem publica, da decência e da moral, e como não
violando nenhuma das garantias dos direitos individuaes e de
propriedade contidas nas Constituições federal c dos es-
tados » (5) .
E' sabido que varias classes sociaes estão sujeitas a limites
no tocante ás franquezas geraes da Constituição. A prosti-
tuição é uma délias.
BRUNIAI/TI, que entende que, « in primo luogo é neces-
sário sovra tutto in questa materia, Vesclusione di qualsiasi

(2) Ibd., ibd., ibd.


(3) ORBAN — Droit Const. Belge, vol. Ill, pag. 367.
(4) Na Revue de Droit Pitbl., vol. XXVIII, 2a parte pag. 600.
(5) Constitutional Lava, vol. VI, § 201, pag. 208.
13

arbítrio de polizia o di governo », não chegou ao fim das suas


considerações sem dizer sobre a prostituição que « 1'espcrienza
dimostra a troppo chiare note, que anche questa limitazione
delia liberta individuate d'alcune sciagurate é necessária alla
salute del magior numero, e che non a caso quasi tutti gli
Stati del continente europeo hanno ammesso l'intervent o delia
polizia in questa materia». E justamente o regulamento de
CRISPI tratou da prostituição « in condizione siffate da offen-
dere publicamente il buon costume, o compromettere la si-
curezza e la salute publica » ( 6 ) .
Tudo isso descança na necessidade de proteger a ordem,
a segurança e a moralidade publicas.
Nos Estados Unidos o police power tem uma extensão
extraordinária. No caso Chamber v. Grccncastle, ficou es-
cripto : « Deste poder foi dito que se sabe quando e onde elle
começa, porém não quando e onde elle terminará » ( 7 ) .
O juiz BROWN, no caso Lavjton v. Steele descreveu um
circulo vastíssimo para appréhender os factos sujeitos ao
police power. Nelle « está universalmente admittido incluir-se
tudo que é essencial á segurança, á saúde e á moral publicas e
justificar-se a destruição ou a suppressão, por processos
summarios, de tudo quanto possa ser considerado como um
damno publico ».
E entre os ditos factos, está mencionada « a suppressão de
casas de má fama — houses of ill fame » ( 8 ) .
Casas de tal ordem são cffectivamente sujeitas a uma
inspecção rigorosíssima. Os seus locatários podem ser obri-
gados « a fechal-as aos visitantes durante certas horas do
dia » ; o regulamento pôde « limitar o numero de prostitutas
que devem habital-as», ou « exigir que taes casas sejam desi-
gnadas por algum signal que indique ao publico o seu
caracter». « E m conseqüência do seu poder de policia, o Es-
tado tem competência para licencial-as ou prohibil-as intei-
ramente » (9) .

(6) BRUNIALTI — H Diritto Costituzionale e Ia Política neUa


scienza e nelle Istituzioni, vol. II, pags. 662, 675-6.
(7) WATSON — On the Constitution, vol. I, pag. 601.
(8) WATSON — Op. cit., vol. cit., pag. 603.
(9) Ruling Case Lazv, vol. IX, pags. 221, 222.
133 —

P a r a que não pareça que no grande paiz do norte o police


power, cxercendo-se sobre a « keeping of houses of prosti-
tution, inspecção das casas de prostituição », n ã o comprehende
a localização, lembrar-vos-ei o testemunho de COOLIÍY : « P r o s -
titutes, annota elle, may be restricted to a limited area of
o town », ou em portuguez « prostitutas podem ser localizadas
em u m a área limitada d e uma cidade » ( 1 0 ) .
T I T O C A R N E V A U também pôde depor com vantagem sobre
o que julgo attribuição da policia. Referindo-se á Italia, diz
elle : « N o n possono essere tollerati locali di meretrício m
luoghi nei quali, a giudisio deli'autorité predetta (di publica
sicurezza) possono essere di publico scamdalo » ( l i ) .
E ' precisamente o caso do Districto Federal, em favor de
cuja população tenho insistido nessa providencia, a qual, com-
mentando a antiga attribuição dos juizes de paz sobre as mu-
lheres decahidas, já lembrava o nosso P A U L A PJVSSOA que era
uso dos r o m a n o s : « A s meretrizes, que com o seu máo exemplo
escandalizavam a visinhança, pelo direito romano podiam ser
expulsas da mesma visinhança» (12).
Tem-se tanto receio de regular o regimen da prostituição
no direito commum que, em F r a n ç a , quando a commissão
extraparlamentar apresentou o seu projecto, o notável pro-
fessor LARNAUDIV, discutindo-o na Sociedade Geral das P r i -
sões de P a r i s , disse que elle constituía — « uma nova decla-
ração dos direitos — la declaration des droits de la raccro-
cheuse » ( 1 3 ) . A sua formidável oração LARNATJDE termi-
nou-a corn estas palavras sensacionaes : « Sob todos esses
pontos de vista é criminoso, não hesito em dizel-o, querer
desarmar a policia como se p r o p õ e » ( 1 4 ) . E o projccto não
recebeu acolhida do parlamento.
N a maior parte das grandes cidades, providencias são
adoptadas quanto á visinhança incommoda. E m P a r i s , as
prostitutas não podem estar na visinhança das egrejas catho-

(10) COOLKY — Constitutional Limitations, pag. 884, rot. /a).


(11) CARNF,VALI — II potere politico negli Ordini Libert, pag. 45.
(12) PAULA PESSOA — Código do Processa, 1882, pag. 32, not. 87.
(13) Na Revue Penit. et de Droit Pénale, 1908, pag. 1.003.
(14) Ibd., ibd., pag. 1.017.
— 134 —

licas e protestantes, escolas, lyceus, internâtes e externatos.


E a lei ou regulamento, que tal prohibe, implicitamente impede
a morada em taes ruas onde ellas não podem estar (15) .
Em Berlim, essa mesma providencia é adoptada. Além
disto, as meretrizes não podem penetrar em varias ruas, nem
freqüentar theatros e logares congêneres. Accresce que. além
da enumeração regulamentar, as autoridades policiaes podem
incluir outros lugares (16). Em Hamburgo, existe o mesmo
systema. Ha ruas que as meretrizes não podem freqüentar
(consequentemente não podem nellas morar), theatros nos
quaes o accesso lhes é vedado, com a enumeração de outros
onde a policia permitte que tenham ingresso (17) . Em Vienna,
as meretrizes que praticam a prostituição na propria casa onde
residem, não podem alugal-a sem approvação da policia. Esta
vela por que taes casas sejam afastadas das principaes linhas
de trafego e não fiquem na visinhança de escolas, egrejas,
edificios públicos ou outro qualquer logar, onde sua presença
seja escandalosa (18) .
Nada disto collide com a repressão penal propriamente
dita: « O Código Penal, diz CARNÊVAU, pune determinados
actes contra os bons costumes por consideral-os crimes. A' po-
licia de costumes são reservados outros que, não revestindo
a figura de crimes, offendem o senso moral no seio da com-
munhão » ( 1 9 ) . Enquadra-se aqui o conceito do delicto admi-
nistrativo (20) .
Chego, assim, ás seguintes conclusões:

O facto do Código Penal considerar criminosos certos


actes contra os costumes não impede a prevenção adminis-
trativa desses mesmos actos.

(15) FLËXNER — Prostitution in Europe, pag. 405.


(16) Ibd., ibd., pag. 416.
(17) Ibd.. ibd., pag. 427.
(18) Ibd., ibd., pag. 432.
(19) T I T O CAENËVALI — Op. cit.. pag. 41. in fine, 42.
(20) Vide ia minha these sobre Po'der de Policia.
— 135

il

O art. 41, n. XVII, do decreto n. 6.440, de 30 de março


de 1907, na parte em que çpnfere á autoridade policial compe-
tência para providenciar contra as meretrizes « da fôrma que
julgar mais conveniente ao bem estar da população e á morali-
dade publica », comprehende a faculdade de, em nome da
mesma moralidade, localizal-as em determinados pontos da
cidade.
*

III

3DBO.niiA.R,A.Ç!OES I D E VOTO
Sojòrs a autonomia da Polícia

Declaração de voto, quanto á conclusão da these I da


primeira secção:

« Si se tratasse de um caso individual, seria eu


o menos autorizado para pedir a completa autonomia
da Policia, igual á que dcsfructa a Prefeitura Muni-
cipal do Districto Federal, tal a liberdade corn que
tenho agido e a completa harmonia de vistas entre
mim, o actual illustre ministro da Justiça e o dis-
tincto commandante da Brigada Policial.
No caso vertente, porém, a Conferência Judi-
ciaria-Policial está discutindo questões geraes, e, cer-
tamente, precisa fazel-o sem cogitações de ordem
pessoal.
Mantenho a conclusão acima:
í°, porque no regimen parlamentar, cabendo o
governo ao Gabinete, entende-se que o chefe de
Policia seja pessoa da confiança do ministro da Jus-
tiça ou do presidente do conselho ;
2o, porque no regimen presidencial, incumbindo
a responsabilidade do Governo ao Chefe do Estado,
— iíO —

este não pódc abrir mão da competência de nomear
e demittir, como lhe convenha. o chefe de Policia ;
3°. porque, no passado e no presente, o chefe de
Policia sempre se entendeu directamente com o Chefe
do Estado, delle recebendo instrucçoes e ordens ;
4°. porque, sendo o chefe de Policia um func-
cionario da confiança do Presidente, qualquer dissidio
entre elle e o ministro do Interior pôde collocar mal
o próprio Chefe do Estado;
5°, porque aqui c no estrangeiro ha exemplos
que aconselham uma modificação neste regimen.
Em Londres, três chefes de Policia viram-se obri-
gados a abandonar o cargo, em conseqüência de
choques dessa natureza. Um délies (Sir EDMOND
HENDERSON) servia já ha 17 annos. O outro,
Mr. MUNRO, também se exonerou em conseqüência
de taes attritos, bem como Sir CHARLES WARREN.
Si se considerar que, dos seis chefes de Policia que
Londres tem contado, um morreu no exercício do
cargo, « emquanto três se demittiram em conseqüência
de difficuldades com o Ministério do Interior », pa-
rece que ha todo o direito de se suspeitar do actual
regimen de dependência. Paris, com as suas con-
stantes mudanças anteriores á administração LÉ-
PINE, regista « de todas a «riais infeliz experiência ».
E a inconstância, entre outras causas, foi devida « ás
constantes lutas entre a prefeitura c o departamento
do interior». Entre nós ha exemplos verdadeira-
mente frisantes da inconveniência de tal systema;
6o, porque no próprio Ministério da Justiça, na
administração do actual titular da pasta, se ha reco-
nhecido, sinão a necessidade da independência que
pleiteio, pelo menos a autonomia legal de que já gosa.
Os doits despachos do illustre Dr. Carlos Maximi-
liano referidos na dissertação se me afiguram dignos
de leitura e ponderação.
— lil —

II

Scfe o poder de Policia

« Insisto nas conclusões a que cheguei na dissertação ora


sujeita ao exame da Conferência Judiciaria-Policial.
Quanto á primeira parte — poder de policia, — sustentou
a Commisssão que « a Constituição Federal estabelecendo que
« ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
cousa sinão em virtude de lei » tirou ao Executivo todo o
arbítrio, toda a discreção no impor limitações á liberdade
individual ».
Partindo desse principio geral, a Commissão se pro-
nunciou contra a acceitação das conclusões III, VIII e IX da
primeira série, sob o fundamento de que « não se pôde deixar
ao critério da autoridade policial na orientação dos seus actos,
a escolha do que melhor corresponda ao interesse do Estado
e da cousa publica », e porque, não se pôde conciliar « o dis-
posto no § 30 do art. 34 e no § 14 do art. 72 da Constituição
com o reconhecimento de attribuiçoes do Executivo para in-
stituir penas mesmo de caracter administrativo ».

* * *

Data venia, não procedem os motivos da Commissão.


O artigo da Constituição, citado no parecer, segundo o
qual « ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma cousa sinão em virtude de lei », não significaria agora
cousa différente do que já significou entre nós e fora de nós.
A disposição já existia na Constituição Franceza de 3
de setembro de 1791 — declaração dos direitos do homem e
do cidadão, — cujo art. 50 dizia:

« A lei não pôde prohibir sinão os actos nocivos


á sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não
pôde ser prohibido, e ninguém pôde ser constrangido a
fazer o que ella não ordena ».
4
- - 142 —

Igual dispositivo se continha na Constituição Girondina


(1793), art. 3 o , na do 50 Fructidor, anno III, de 22 de agosto
de 1795, art. 7 0 .
E', bem se vê, a mesma cousa que dizer o que se disse na
lei magna brazileira, nem é différente a disposição desta da que
se continha no n. I, do art. 179 da Constituição Imperial,
segundo a qual :

« Nenhum cidadão pôde ser obrigado a fazer ou


deixar de fazer alguma cousa sinão em virtude de
lei ».

A regra chegou até nós, vinda de documentos consti-


tucionaes de Estados da America do Norte, antes da federação,
da revolução franceza, do Contractu Social de Rousseau, e
pertence « aos princípios superiores do direito e á expressão
resumida de toda uma philosophia social, jurídica e política»,
princípios aos quaes escriptores como E S M F J N , chegam a
recusar valor legal: « . . . n ã o são artigos de lei precisos e
executorios. São pura e simplesmente declarações de prin-
cípios ». (Apud DUGUIT. TV. de Dr. Const., vol. I. pag. 143.)
Aliás, eu penso como DUGUIT : « Uma assembléa política,
nacional e constituinte faz leis». (Ibd., ibd., e vol. II, pag. 5
e segs.) e, portanto, « as declarações dos direitos não eram
simples formulas dogmáticas ou simples enunciados theoricos,
formulados por um legislador philosopho, mas verdadeiras
leis positivas, obrigando não somente o legislador commum,
mas ainda o legislador constituinte». (Ibd., ibd., vol. II, pa-
gina 13.)
Si, pois, a disposição invocada pela Commissão não é
uma novidade no direito brazileiro, mas uma formula antiga,
mais que secular, do direito constitucional dos povos, não é
a ella que se deve attribuir o facto de haver « tirado ao
Executivo todo o arbítrio, toda a discreção no impor limi-
tações á liberdade individual », mas a toda a Constituição ou
á instituição do regimen do direito.
Entretanto, as conclusões a que chegou o relator, e a Com-
missão não acceitou, nem de longe pretendem defender um
« regimen » discrecionario de « limitações á liberdade indi-
vidual ».
«
— 143 —

Entre ellas está a seguinte: III. O poder de policia se


exerce, também, em certos casos, por meios discrecionarios da
autoridade.
Entretanto, mesmo nesses casos, ella não pôde fazer o
que quer; seu dever de funccionario a obriga a escolher o que
melhor corresponda ao interesse do Estado e da cousa publica.»
O relator continua a pensar que está com a verdade jurí-
dica, emittindo os conceitos constantes da terceira conclusão.
Em qualquer que seja o paiz constitucionalmente organizado,
as declarações de direitos ou franquezas políticas nunca foram
tão liberalmente interpretadas ou construídas ao ponto de se
retirar inteiramente do Poder Executivo os chamados poderes
discrecionarios. Aliás, muito de propósito o relator empregou
a phrase — «meios discrecionarios da autoridade» — e não
— meios arbitrários.
« No exercício desses poderes, já dizia VIVIEN, falando
das autorizações discrecionarias, a administração é investida
de um pleno poder; ella pôde conceder ou recusar. A lei se
submette inteiramente á sua prudência. Mas muito convém
não confundir o poder discrecionario de que a autoridade gosa
com o poder arbitrário. O primeiro é submettido a condições
e a regras ». (Apud MICIIOUD — Étude sur le pouvoir discré-
tionnaire de l'administration, pags. 17 e 18.)
O poder propriamente, rigorosamente arbitrário, 'isto é,
« o poder, para uma autoridade, de agir segundo sua vontade
pessoal, segundo seu capricho e seu h u m o r . . . não existe no
Estado moderno». ( M i c n o r o — Op. cit.. pag. 17.)
Não é o mesmo com o poder discrecionario « que é depen-
dente da regra geral dos serviços públicos : não agir sinão tendo
em vista o interesse commum ». (Jbd., ibd., pag. 17.)
Pelo poder arbitrário, a autoridade age indifférente ao
direito; pelo poder discrecionario, age dentro de um circulo
geral do direito.
Este conceito é externado com grande precisão por LÉON
MARIE : « O facto discrecionario por todos os lados se limita
com o direito ; por todos os lados, a administração que o pra-
tica se encontra limitada pelo direito ; é somente nos limites do
direito que a administração se pôde mover e agir discreciona-
riamente ; de todos os lados ella defronta esses' limites ; ella não
— 144 —

age e não pôde agir discrecionariamente sinão dentro desses


limites». {Le droit positif et la Jurisdiction Administrative?
vol. II, pags. 366-67.)
Convém applicar esses conceitos abstractos a um caso
concreto. Pelo nosso direito, o chefe de Policia age com larga
discreção. aliás já reconhecida por accórdão unanime da
3 o Câmara da Corte de Appellação, em assumptos theatraes.
Pôde, por exemplo, impedir, por motivos de ordem publica, a
representação de uma peça; mas, praticando essa attribuição,
a autoridade desusa e age com capricho pessoal que o interes-
sado consegue provar. Não hesito em affirmar que o acto não
é discrecionario porque transpoz as raias do fim que a lei teve
em vista: a manutenção da ordem. Por outras palavras: o
fim da lei ou do regulamento era um; elle formava o circulo
jurídico geral, dentro do qual a autoridade se podia mover.
Desnaturando-o, a autoridade sahe da linha da discreção, que
é relativa e legal, para o campo do arbitrio que é absoluto
e illegal.
Ora, o que o relator quiz foi, justamente, reconhecer esse
poder discrecionario que só ingenuamente se poderá negar á
administração e que nunca se negou á policia. Nem se diga
que os paizes que adoptaram a mesma fôrma política do Brasil
desconhecem essa modalidade política de attribuições discre-
cionarfas.
Os Estados Unidos, por nós copiados, concebem-nas
mansamente e mansamente as praticam.
No direito americano essas funcções se denominam:
executive duties e ministerial duties. Emquanto estas se podem
traduzir por funcções legaes, aquellas podem receber o nome
de funcções - discrecionarias. Entre innumeras definições
podem ser referidas estas : « Acto ministerial é aquelle a res-
peito do qual nada se deixa á discreção. E' acto de funccio-
nario que o deve cumprir de accôrdo com a lei, sem discreção ».
(WooDBURN — The American Republic arui its Government,
pag. 107.) «Acto executivo é todo aquelle que se confia á
discreção da autoridade. ( M E C H Ê M — On Public Officers,
§ 604.)
Não é só o presidente que tem poderes discrecionarios.
Justamente sobre esse ponto, MECHEM, em obra especializada,
— 145 —

affirma : « Este poder governamental discrecionaria é confe-


rido ao chefe do Executivo com a maior amplitude; mas não
se limita a elle, sendo confiado a um grande numero de func-
cionarios inferiores e corpos.. .». (Op. cit., pag. 394, § 603.)
E agora, particularizando ao caso da dissertação, é para
dizer, como RANELLETTI, que « resta sempre um poder díscre-
cionario que convém reconhecer á autoridade policial », porque
o contrario seria « desarmar a sociedade contra os seus próprios
inimigos». (RANEXLKTTI — La Polizia di Siccurezza, in
Orlando, Trat. di Dir. Amm., vol. IV, parte I a , pag. 347-)
Quanto a este ponto, resta ao relator mostrar, rememo-
rando conceitos da these, como elle entendeu ou como elle
traçou o circulo da acção discrecionaria da policia. « Uma lei
ou regulamento de policia rege situações explicitas e casos
implicites ».
« Si uma lei ou um regulamento de policia determina
especificadamente certas restricções ás liberdades individuaes,
outras restricções neste particular não podem ser sub-enten-
didas. Deve-se admittir que a especificação teve intuito enu-
merativo. »
« Si uma lei ou um regulamento de policia descreve
um circulo geral para nelle ser exercida a acção das respectivas
autoridades, não se pôde dizer que estas tenham poder arbi-
trário. A sua conducta deve ser traçada dentro do dominio
jurídico; suas providencias devem ser compativeis com o sys-
tema de garantias existente no paiz e inspirar-se no principio
da necessidade.»

II

A commissão opinou também pela rejeição das VIII e


IX conclusões, com o que lambem não se conforma o relator.
São estes os termos da VIII conclusão:

« O poder de policia comprehende as penas de


policia. Estas são différentes das inscriptas no Có-
digo Penal, porque revestem um caracter puramente
administrativo. Os factes punidos com taes penas são
meras contravenções administrativas ou delidos ad-
\0
— 147 —

que se attribua ao poder discrecionario. Ao contrario: elle


invocou a lei n. 3.089, de 8 de janeiro de 1916, que autoriza a
cobrança de taxas e multas, e terminou : « as faltas puniveis
ficaram, legitimamente, para ser discriminadas em regula-
mentos do Poder Executivo ». E accrescentou, eliminando por
completo a idéa do poder discrecionario neste assumpto :
« A lei ou regulamento de policia deve indicar sempre a
autoridade que impõe a pena e a que a executa ».
Logo, o relator não admitte multa sem lei que a deter-
mine, ou regulamento que a prescreva fundado na lei.
Quanto ás disposições constitucionaes invocadas, uma
délias deve ser immediatamente posta de parte : a que se refere
ao art. 72, § 14, segundo o qual « ninguém poderá ser conser-
vado em prisão sem culpa formada, salvas as excepções espe-
cificadas em lei ; nem levado á prisão ou nella detido, si prestar
fiança idônea, nos casos em que a lei a admitte ».
E o relator afasta esse dispositivo do debate, porque não
se trata de pena de prisão.
A lei n. 3.089 não autorizou semelhante pena, que está
inteiramente fora de discussão.
Resta, pois, o art. 34, § 30, segundo o qual ao Congresso
incumbe legislar « sobre a policia » do Districto Federal. Ainda
aqui a Commissão não tem razão.
A policia do Districto, basilarmente, se regula por lei
federal : é a lei n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907.
O que a lei 11. 3.089 fez foi autorizar o Poder Executivo
a « reorganizar » o serviço policial, « revendo os regulamentos
em vigor, fundindo ou desdobrando repartições, dando-lhes a
organização que julgar mais conveniente, garantindo por meio
das medidas que julgar apropriadas a segurança e a moralidade
publicas e impondo multas e taxas até 500$ », tudo isto « sem
augmente de despeza ».
Ora, nada se créa de novo, si se abstrahir a ultima parte
do dispositivo : a policia do Districto terá a mesma base legis-
lativa que lhe deu o Congresso, com uma « reorganização »
calcada na dita base. E ' uma mera funeção regulamentar,
para a qual, em rigor, o Executivo não precisaria de auto-
rização.
Quanto á ultima parte — a delegação ao Executivo de
— i 18 —

impor multas e taxas — só será possível á Conferência votar


contra o caso si fizermos um grande recuo nos nossos hábitos
jurídicos.
Na França « a delegação basta para habilitar o governo »
a lançar multas e taxas. Desde 1835 assim o entendeu a
Corte de Cassação.
O próprio BARTIIKLIVMY, que muito contrario se mostra
ás delegações legislativas, faz reservas no tocante ás multas.
« porque estas não teem sinão um caracter penal attenuadis-
simo ». (O. CAHEX — La Loi et le Règlement, pags. 267-69.)
Entre nós, é pratica antiquissima essa do Poder Legisla-
tivo autorizar o Executivo a impor taxas e multas.
E' preciso, sem duvida, que a lei dê a autorização; mas
esta, uma vez dada. a conducta do Executivo é legitima.
« E \ porém, evidente, diz RIBAS, que a decretação de
penas só pôde ter logar por acto legislativo ; a administração
«ao é competente para creal-as nos seus regulamentos, salvo
com expressa autorização do Poder Legislativo». {Direito
Administrativo, pags. 238-39.)
Ao demais, agora mesmo, e sem que os interessados
tenham encontrado remédio no Poder Judiciário, ha vários
regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, cobrando
multas e taxas, com autorização do Congresso, jamais ata-
cados na sua validade.
Sirvam de exemplo : o regulamento do imposto de con-
sumo, o regulamento de saúde publica e o do trafego de ve-
hiculos. Este é municipal, e a policia applica e cobra multas
votadas pelo Conselho Municipal.
Nos Estados Unidos, comquanto exista, como entre nós,
o principio de que « o poder de taxação é legislativo », e, no
dominio da « pura theoria », insusceptivel de delegação, é
certo que, na realidade, a delegação se dá dentro de certos
limites, com plena acquiescencia dos juizes e tribunaes.
Assim, diz GRAY, que é um grande especialista: «Não é
necessário que a legislatura determine todos os detalhes do
systema de taxação ou indique todos os meios relativos ao
lançamento e percepção de t a x a s . . . A responsabilidade ori-
ginal de determinar a conveniência e de decretar a existência
da taxa deve ser supportada pela legislatura. Feito isto. tendo
— I 19 —

a legislatura estabelecido a regra de taxação e definitivamente


creado a obrigação do contribuinte, questões de administração
e de detalhe, pelas quaes a incidência c extensão da dita obri-
gação são reguladas, podem ser deixadas a outros funccio-
narios». (JAMES GRAY — Limitations of the taxing power,
pags. 272-274.)
Não é menos éloquente a lição de COOI/ÜY : « Ha dif f e-
rença, diz elle, entre fazer a lei c applical-a; alli, ha legislação;
aqui, administração. Concebe-se que a legislatura deve, em
qualquer caso, prescrever a regra de accôrdo com a qual a
taxação pôde ser applicada ; ella deve indicar a autoridade sob
a qual, mediante as regras prescriptas, o arrecadador exige
a contribuição ; mas não é necessário prescrever todos os
detalhes de acção, ou mesmo fixar com precisão a somma
a ser estabelecida»... (COOLLY — On taxation, vol. I, pa-
gina TOO.)

Ill

Finalmente a Commissão opina pela rejeição de toda a


segunda série de conclusões da dissertação relativa ao poder
regulamentar do Chefe de Policia, invocando o art. 48, § i°,
da Constituição Federal, segundo o qual « compete privativa-
mente ao Presidente da Republica : sanccionar, promulgar c
fazer publicar as leis e resoluções do Congresso ; expedir de-
cretos, instrucções c regulamentos para sua fiel execução ».
A palavra — privativamente — nesse dispositivo quer
dizer tão somente que a funcção regulamentar é executiva e
não legislativa ou judiciaria.
Quanto á delegação de podcrcs, o que ella prohibe é que um
poder exerça as funcçÕes de outro. Que um poder, porém,
delegue funcçÕes suas a outro poder, no puro dominio da
administração, não é prohibido pela lei magna do paiz.
Aliás, esse poder de delegação não constitue novidade cm
materia regulamentar. Os prefeitos delle gosam na França.
« A delegação geral de que elle (o prefeito) é investido, diz
MOREAU, empresta a suas attribuiçoes, no ponto de vista admi-
nistrativo, uma natureza semelhante á das attribuiçoes exer-
cidas pelo Chefe do Estado». (Règlement Administratif\
pag. 4°7Õ Paliando dos regulamentos dos prefeitos, assevera
— 150 —

HAURIOU: « Elles.podaai ser feitos... para fins especiaes, por


delegação do Chefe do E s t a d o . . . » . {Précis \de dr. adm., pa-
gina 302.) Os prefeitos gosam de poder regulamentar cm
virtude «de uma delegação geral do Poder Executivo».
(MOUNËYRAT — La Préfecture de Police, pag. 133.) « O Pre-
sidente da Republica, em conseqüência do seu poder regula-
mentar geral, pôde dar competência a uma autoridade publica
para fazer regulamentos de organização de um serviço pu-
blico». (G. JÉSB — Les principes gén. du Droit adm., pa-
gina 319.)
Para não augmentar citações, mesmo porque outras mais
constam da dissertação, direi que em paizes de organização
igual á nossa a situação é perfeitamente a mesma: além das
leis do Congresso, o chefe do Poder Executivo e outras altas
autoridades concorrem para o direito objectivo do paiz com
os regulamentos. E' assim nos Estados Unidos, onde « uma
faculdade discrecionaria pôde ser assegurada ás autoridades
executivas e administrativas p a r a . . . estabelecer regras e regu-
lamentos ligando seus subordinados e o publico, fixando em
detalhe « the manner in which the requirements of the statutes
are to be met and the rights therein created to be enjoyed »
( W'JUVOUGIIBY — On the Constitution, vol. II, pag. 1.318. Vide
também a pag. 1.325).
Em geral, assevera GOODNOW, « a legislatura investe o
chefe do Executivo, os chefes dos departamentos executivos
ou outros funecionarios executivos determinados, assim como
os corpos dirigentes das diversas instituições locaes, do poder
de fazer regulamentos sobre determinados assumptos». (Les
prinep. du dir. des Etats Unis, trad, fr., pag. 366.)
Particularizando ainda mais a discussão, deve ser citada
a famosa e novíssima encyclopedia americana Ruling Case
Law, em cujo farto trabalho relativo ao direito constitucional
se encontra a mesma lição : « Uma das mais importantes limi-
tações da prohibição de delegar-se o Poder Legislativo aos
funecionarios executivos consiste no reconhecimento do di-
reito da legislatura, em certas circumstancias, de lhe fazer tal
delegação, bem como a corpos collectivos para promulgar
regras e regulamentos». (Ruling Case Law, vol. VI, pa-
gina 179.)
— 151 —

Enumerando as varias autoridades a que -se tem conferido


esse poder regulamentar, lá estão citados os police commis-
sioners, que mais não são que Chefes de Policia. (Ibd., ibd.,
§ 179).
Finalmente, si é preciso passar dessas simples referencias
abstractas a factos concretos, a exemplos, o relator apresenta,
em sua completa materialidade, á honrada Primeira Secção da
Conferência Judiciaria-Policial, os seguintes regulamentos ex-
pedidos por chefes de Policia em Nova York e na Republica
Argentina: Rules and Regulations, Police Department, assi-
gnado pelo Police Commissioner R. Walds ; Condiciones y
Programa de ingreso a Ia escuela de cadetes y decreto regla-
mentario, assignado por L. J. DEIJ/ÜPIANE.
Nem creou o relator novidade nenhuma. Mansa e paci-
ficamente, entre nó?, » chefe de Policia expediu Instrucções
Regulamentares do Serviço Policial de Inspecção de Vehiculos,
em 22 de setembro de 1907, e a essas instrucções, baseadas na
delegação dos regulamentos em vigor, prestam obediência todos
os cidadãos e autoridades, desde o Chefe da Nação até os po-
pulares. A magistratura ha julgado innumeros processos fun-
dados nessas instrucções e nas leis e regulamentos da Prefeitura
em que elles assentam, sem que jamais se houvesse discutido
a competência do chefe de Policia para fazel-os. Do mesmo
modo, baixou o chefe de Policia Instrucções para o* funccio-
namento da Caixa Beneficente da Guarda Civil, etc.
Dir-se-á que instrucções regulamentares não são regula-
mentos.
Alas nem esta distincção quiz fazer a honrada Commissão,
que entendeu ser uma barreira intransponível o n. 1 do art. 48
da Constituição. Si ao Presidente da Republica é que cabe
« expedir decretos, instrucções e regulamentos para sua fiel
execução», nenhuma outra autoridade, agindo por elle, pôde
substituil-o em tal actividade.
No emtahto, não ha um só paiz no mundo civilizado (um
só que seja!) em que esse poder regulamentar não exista, de
um modo ou de outro, e não seja delegado, pela legislatura ou
pelo Chefe do Estado, aos ministros e outros funecionarios
elevados, incumbidos de alguma parcella administrativa ou de
direcção de serviço.
— 152 —

Em materia de serviço publico, quem administra regula-


menta. Regulamenta absoluta ou relativamente, mas regula-
menta .
Na orbita do poder regulamentar, convém que se tenha em
vista, não se comprehende só o regulamento propriamente dito,
mas também as instrucções, as circulares. E nunca, no mundo
inteiro, onde quer que haja um direito reduzido a objectivação.
se negou aos directores de serviço competência para expedir
instrucções aos seus auxiliares.
Em resumo : o poder regulamentar que em minha disser-
tação attribui ao chefe de Policia é o mesmo de que elle já
gosa. Apenas construi a theoria para o nosso uso, porque, que
me conste, ainda não existia systematizado no direito brazi-
leiro.
Longe de pretender alargar, como parece que tem sido a
impressão, eu quiz restringir. Restringir sempre.
Mesmo no caso do regulamento espontâneo, o meu pensa-
mento foi garantir o publico contra o critério ou a acção
discrecionaria em cada caso individual, isto quando a autori-
dade superior não houver regulamentado e sempre dentro de
poderes implícitos. Quem prescreve regras em um determi-
nado sentido avisa a todos, a todos indica um caminho a seguir.
Essas prescripçÕes anteriores e de caracter geral são, por
outro lado, premunitorias de abusos ou compressões, porque,
a tempo avisado de que lhe não será licito agir desta ou daquella
fôrma, o cidadão que entender que tal prohibição attenta contra
a Constituição, contra a lei, contra um regulamento de auto-
ridade superior, tem tempo de garantir-se. Sendo a prohibição
concomitante do acto, é fácil avaliar os vexames a que pôde
ficar exposto o particular até que remédio lhe seja dado.
Por tudo isto, peço o apoio da conferência para todas as
minhas conclusões, que reputo da boa doutrina, dos autores
já consagrados no direito universal, de que, por certo, não
quererá ser excepção única o Estado brazileiro.
153 —

PARECER DA COMMISSÃO

«A Commissão incumbida de emittir parecer sobre as conclusões


da these V'IJ da Primeira Secção da Conferência Judiciaria Policial,
e que se inscreve « Organização Policial », ex'aminou-as attentamentc.
bem como a erudita dissertação com que o seu illustre autor as
fundamentou.
F/ uma das theses avais importantes a serem discutidas pela Con-
ferência e não poderia ter sido confi'ada a ninguém mais competente
que o seu relator, que allia aos vastos conhecimentos os obtidos na
pratica da funeção.
Definir o poder de Policia, traçar-lhe limites precisos de modo a
assegurar á sua acção a maior efficiencia na defesa da ordem pu-
blica, sem que exorbite das normas estabelecidas pela Constituição
e pelas leis, sem que sacrifique, no uso das faculdades implicitas, as
amplas garantias asseguradoras á liberdade do cidadão pelo regimen
republicano, é tarefa-delicada e extremamente difficil; e tanto mais
delicada e difficil quanto o poder de Policia estende-se á vigilância
sobre serviços a cargo de autoridades íederaes e municipaes autô-
nomas, o que, á falta de uma delimitação precisa das respectivas
attribuições, poderá determinar conflictos prejudicialissimos, ou á ef-
ficacia da acção da Policia, ou á regularidade dos serviços sob sua
vigilância.
A Constituição Federal, estabelecendo que « ninguém será obri-
gado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa sinão em virtude de
lei », tirou ao Executivo todo o arbítrio, toda a discreção no impor
limitações á liberdade individual.
A sua acção na defesa da ordem publica terá de se conter dentro
das normas legaes, e as leis de Policia entre nós, são, é forçoso
reconhecer, deficientes, resentem-se de lacunas, que constituem sérios
obstáculos á completa efficiencia da acção policial.
Todo o esforço do legislador para suppril-as tem se limitado a
autorizações ao Executivo, concebidas em termos vagos e enxertadas
na cauda dos orçamentos, para reorganizar a Policia por via de re-
gulamentos, delegando nellc attribuiçâo de instituir penas, que só
podem ser regularmente editadas por lei.
Dessa pratica abusiva resulta que o Executivo, chamado a exercer
funeções que lhe não pertencem, ou deixa-se ficar aquém das facul-
dades delegadas pelo Legislativo, ou excede-as, provocando recursos
ao Judiciário, que burlam por vezes medidas as mais opportunas e
convenientes, tomadas no intuito da preservação da ordem publica
só porque não se lacham, como se deveriam achar, expressas em lei.
Dominado pela louvável preoecupação de resolver os múltiplos pro-
blemas da nossa organização policial, o illustrado relator da these VII,
depois de minucioso estudo do modo pelo qual os solveram as nações
mais cultas, apoiando-se na autoridade de notáveis tratadistas, for-
mulou princípios e regras, que consubstanciou nas conclusões sujeitas
ao parecer da Commissão.
Infelizmente, embora acceitaveis em theoria. algumas dessas con-
clusões parecem incompatíveis com' o nosso regimen constitucional.
Com efíeito. como harmonizar este regimen, que é o de legalidade
estricta, com as faculdades discrecionarias a que alludem as con-
clusões III e VII da primeira série, aquella deixando ao critério da
autoridade policial, na orientação dos seus actos, « a escolha do que
melhor corresponda ao interesse do Estado e d'à causa publica », re-
conhecendo-lhe esta « competência, quanto aos factos puniveis, para
determinar quaes as perturbações que, por sua importância, deverão
merecer saneção penal?»
— 154 —

Como conciliar o disposto no § 14, do art. 72 da Constituição


com o reconhecimento de a'ttribuiçao do Executivo para instituir
penas, mesmo de caracter administrativo?
Como admittir com as conclusões da II série autoridade na Po-
licia para expedir regulamentos por delegação, ou espontâneos, em
ïace do preceito contido no art. 48, § i°, da Constituição?
Assim é de parecer a Commissão que sejam approvadas as con-
clusões da these VII, exceptuadas as III, VIII e IX da primeira
série e as da segunda.— G. Natal, relator.—Raul Martins.—A. F.
S o u ca Pitanga.»
Não obstante o parecer transcripto, foram unanimemente
approvadas as conclusões da these, constando o seguinte cfa
acta respectiva (4 a reunião da I a secção, em 8 de junho de
1907), sobre a votação a p u r a d a :
«Ninguém mais desejando fazer uso da palavra, o Sr. Presidente
declarou encerrada a discussão da these e annunciou a votação. Na
fôrma do costume, foram postas em votação englobadamente as move
conclusões d'à primeira série. Pela ordem pediu a palavra o Dr. Au-
relino Leal, que declarou concordar em alterar a redacção do final
da VIII conclusão, em harmonia com o pensamento da emenda do
Sr. Ministro Viveiros de Castro. Propunha ficasse assim redigido
esse fina! : « Quanto aos iactos puniveis, a lei escolhe ou deixa
que o Poder 'Executivo escolha as perturbações que se lhe afiguram
bastante importantes para dar-lhes saneção penal.» O Sr. Ministro
Viveiros de Castro, satisfeito com essa solução, retirou a emenda
que apresentara. Apurada a votação, verificou-se a approvação una-
nime de todas as conclusões citadas.
Submettidas á votação as cinco conclusões da segunda série,
foram também unanimemente approvadas. O Sr. desembargador
Edmundo Rego declarou votar contra ellas somente em parte.»
I"V

DPA-T^ECEI^ES
í

Sobre a these 2 a da I a secção — Ã vigilância das ruas

« O Sr. desembargador Geminiano da Franca, relator da


presente these, terminou-a externando o conceito de que « a
policia desta cidade tem. é verdade, muitas falhas ; mas, com
os minguados recursos de que dispõe, e com a insufficiencia
do pessoal parcamente remunerado, presta ella, é de toda jus-
tiça reconhecer, inestimáveis serviços á ordem e á tranquilli-
dade publicas.»
Não é, propriamente, uma conclusão tal como pede o
art. 5° do Regulamento da Conferência Judiciaria-Policial.
Entretanto, no texto da dissertação, o relator sustenta :

I o , que « a cidade do Rio de Janeiro, devido á


sua extensão e accidentada área, e á difficuldade de
transporte de um ponto a outro, exige numeroso
pessoal para o seu policiamento;
2°. que. constituindo a Brigada Policial maior
contingente para o serviço de vigilância das ruas, é
isso máo, porque « não ha hoje quem não reconheça
cs inconvenientes do policiamento militar ». embora
« muitas vezes o serviço de vigilância exija o em-
prego da força militarizada : como no caso de sérias
perturbações da ordem, de motins generalizados, de
greves e de festas populares » ;
— 158 —

3 o , que a Brigada devia ser reduzida e a dimi-


nuição assim feita constituir augmento da Guarda
Civil, com a qual deve ser feito exclusivamente p
policiamento ;
4o, que a circumscripção ou districto deve ser
feito tendo em vista a extensão das ruas, os costumes
dos seus habitantes, o numero de fogos, a maior ou
menor concurrencia de viandantes, sendo muito acon-
selhável que não se mudem os guardas de um ponto
para outro;
5o, que a fiscalização do policiamento deve ser
feita pelos delegados, pelos commissarios, residentes
no districto, pelo inspector da Guarda Civil, por
meio de fiscaes;
6o, que, além do serviço de vigilância da Guarda
Civil, faz-se mister « um serviço especial e bem orga-
nizado de viação publica » ;
7o, que a actual organização das guardas-no-
cturnas é defeituosa, sendo aconselhável a creação de
um conselho presidido por um dos delegados auxi-
liares e composto de pessoas escolhidas pelo chefe de
Policia. Este conselho nomearia commissÕes dis-
trictaes para a collecta das contribuições.

A Commissão approva plenamente os conceitos emittidos


em sua dissertação pelo distincte relator, e, dentre elles.
aconselha, na reforma da Policia do Districto Federal :
i°, que a vigilância das ruas seja feita por um
numero maior de rondantes, sendo deficiente o nu-
mero actual. Londres dispunha até pouco tempo de
um policial para 354 habitantes; Liverpool, um para
426; Manchester, um para 536; Glasgow, um para
388; Amsterdam, um para 410; Bruxellas, um para
211; Rotterdam, um para 440. (FOSDICK — Euro-
pean Police Système, pags. 109 e 138, notas 2 e 3.)
No Rio de Janeiro, calculando-se 2.400 rondantes
pára 1.200.000 habitantes, chega-se ao resultado de
um para 500, muito mais que em Londres.
20, que a militarização do policiamento seja at-
tenuada. E' este o systema inglez. « Na Inglaterra e
— 159

na Escossia a policia é um problema de adminis-


tração civil». (FOSDICK — Op. cit., pag. 200.) No
continente as cousas se passam de modo différente:
o exercito é a grande pepineira da policia. Mas, mesmo
nesse systema, não é o soldado do exercito, o soldado
raso, propriamente, que se admitte na polícia; na
Allemanha é o Unteroffizier, correspondente ao
posto de cabo. E' assim na Allemanha, na Awstria e
Hungria, Vienna, Amsterdam, Bruxellas, Paris, etc,
exigindo-se, além do mais, grande tempo de serviço
na fileira; em Berlim, um minimo de nove annos;
Hamburgo e Dresden, seis; Stuttgart, cinco, etc.
O systema não é, talvez, dos mais recommen-
daveis. Pelo menos, LEPINE O criticou, entendendo
que os ex-soldádos entravam, em Paris, para a policia
« sem vocação » e alguns « com uma má educação
moral» {Revue Pénitentiaire; janeiro. 1911, pa-
gina 6 6 ) .
- Verdade é que, entre nós, o caso é différente.
A Brigada Policial, comquanto militarmente organi-
zada, presta magníficos serviços ao policiamento, e
uma reforma na sua actual organização poderia satis-
fazer as actuaes necessidades. Avulta, entre as modi-
ficações necessárias, que ella seja submettida imme-
diatamente á autoridade do chefe de Policia. Não se
comprehende que assim não seja. Feito isto e ado-
ptado um mecanismo interior mais simples, com o
intuito de diminuir empregados, exigindo-se, por
outro lado, o engajamento após um preparo propria-
mente policial, não vê a Commissão, dadas as con-
dições do nosso meio, motivo para que uma força
civil não policie com a collaboração de uma força ar-
mada, destinada esta aos bairros onde existam em
maior numero elementos mais indisciplinados e
prompta, ao mesmo tempo, para a repressão dos
motins.
Nada disto, porém, se conseguirá sem que se
entregue o supremo contraste da força ao chefe de
Policia.
— 160 —

O relator deste parecer dá um exemplo que é


typico : é elle chefe de Policia do Districto Federal
ha dous annos e meio. Apezar disto, raros são os
soldados da Brigada Policial que o conhecem e o
cumprimentam. E' fácil imaginar a condição de uma
força que não conhece o chefe do serviço para que
ella existe.
3°, que, entre outros, devem ser exigidos na
composição dos elementos da vigilância os seguintes
requisitos : i°, edade de 25 annos completos (em
Londres, o máximo é de 27; Liverpool e Glasgow,
25 ; Manchester, 28 ; Berlim, Vienna e no maior nu-
mero das cidades da Allemanha, Austria, Ilollanda e
Bélgica, os policiaes são recebidos até depois dos
35 annos) (Fosdick, op. cit., pag. 20c) ; 20, preparo
anterior ao serviço da rua. Si o permittirem as con-
dições financeiras, o typo da escola de Vienna seria
aconselhável. O curso é de um anno, em regimen de
internato e se divide em classes. Assim, elles
aprendem a nadar e remar, a atirar e esgrimir, pra-
ticam a télégraphia, os primeiros cuidados aos fe-
ridos; assistem a incêndios e tumultos, estudando de
visu o trabalho da policia. Em casos urgentes, colla-
boram com a força já em serviço. Depois de oito se-
manas, o alumno, uniformizado, começa o serviço de
vigilância das ruas acompanhado de policiaes expe-
rimentados. (Para maiores detalhes, ver FOSDICK,
op. cit., pags. 213 e segs.) Não se podendo installai-
uma escola des.c;e gênero, deve-se recorrer a outro
systema pratico e rápido. FOSDICK acha a Peel House
de Londres « the best plained police school building
in Europe ». O que se não deve permittir nunca é que
o engajado na força seja enviado para o serviço de
vigilância sem instrucção policiai anterior; 3 0 , altura
de um metro e sessenta e cinco centímetros, in-
strucção regular (1er, escrever e contar) ; consti-
tuição robusta ; não ter antecedentes de moléstias
incuráveis na família ; não ter mais de dous filhos
no momento de ser engajado (requisito cia policia
ingleza de incontestável prudência) ; 40. salário com-
— 1G1 —

pativel com a funcção, susceptível de ser augmen-


tado por meio de divisão dos policiaes em classes.
systema de gratificações, de estímulos, etc. ; 5°, sys-
tema de promoções rigorosamente combinado. Em
muitas cidades européas, a promoção não attinge
altos postos. Assim, em Berlim, Stutgart, Budapest,
Amsterdam, Rotterdam e outras, onde o policial não
pôde ir além do posto de i" sargento. Em Londres
o constable não vae acima do posto de superinten-
dente. O systema já adoptado na Brigada Policial se
afigura preferivel á Commissão : quem tiver mérito,
deve percorrer todos os postos da carreira. O que é
indispensável, é evitar por todos os meios o accesso
dos inúteis. Dahi, a necessidade de difficultar a pro-
moção num sentido crescente : quanto mais elevado o
posto, maior o numero de provas exigidas, provas
moraes e provas de cultura ; 6o, regimen de reforma
para todo o pessoal da policia ; 70, rigida disciplina ;
8", contraste efficiente e gradual do serviço de ronda,
de modo que a fiscalização se dê num sentido cres-
cente de hierarchia, sendo um inferior contrasteado
por seu superior immediate
Mutatis mutandis, os mesmos requisitos e van-
tagens devem ser exigidos para a Guarda Civil, relati-
vamente á qual, entretanto, uma providencia se
impõe : o guarda civil não deve ser eleitor. O serviço
de policia exige que não haja dependência de qual-
quer ordem do seu pessoal com a politica. No dia em
que assim se entender e praticar, innumeros inconve-
nientes terão desapparecido da administração policial.
De Londres, diz FOSDICK : « Political considerations
play no part in the management of the Metropolitan
Police» (op. cit., pag. 4 7 ) .
Na Guarda Civil deve ser instituída uma
3 a classe.
4o, para evitar a distracção dos elementos po-
liciaes convém : i°. estabelecer que o Exercito pra-
tique o antigo systema de dar guarnição á cidade ;
2°, que quem quer que requisite elementos da Brigada
11
— 162 —

Policial ou da Guarda Civil (repartições publicas ou


particulares) pague á parte as praças ou guardas
fornecidas.
No relatório do commissioner de Londres, de
1914, quatro superintendentes, 65 inspectores, 305
sargentos e 2.545 guardas (constable) foram empre-
gados cm serviços especiaes de différentes depar-
mentos do Governo, inclusive armazéns de docas e
estações militares, por companhias e particulares.
« The services of men thus employed », accrescenta
o relatório, foram pagos pelos departamentos ou par-
ticulares respectivos (Vide o relatório cit., pag. 4 ) .
Km Liverpool, « the Mercey Dock and Harbour
Board » pagam 400 guardas da policia (KOSDICK,
pag. 109) . A mesma cousa deve acontecer com os
theatros, etc., porque a policia existe para vigiar as
ruas.
A Commissão concorda em que as guardas-
nocturnas soffram uma reforma que as torne mais
efficientes ».

Rio, S de maio de igvj


— 163 —

II

Sobre a the.se 3 a da I a Sscção — Serviço de Identificação

è. O Sr. Edgard Simões Corrêa, relator da presente these


e especialista no assumpto, como competente director que é
do Gabinete de Identificação e Estatística da Policia do Dis-
trict» Federal, chegou ás seguintes conclusões :

I a , a prova de identidade deve ser independente


da folha corrida e do attestado de bons antecedentes ;
2'\ a policia pôde appréhender as carteiras de
identidade, quando o seu possuidor infrinja qualquer
disposição do Código Penal;
3 a 3 dentro das leis e regulamentos em vigor é a
policia incompetente para trancar as notas oriundas
de sentença do Poder Judiciário;
4 a . o archivo judiciário do Districto Federal, que
é archivo criminal do Gabinete de Identificação,
exige, pois, urgente remodelação, no sentido de se
regular a attestação de antecedentes e o cancella-
mento de notas;
5 a , o assumpto pôde ser regulamentado sem
intervenção do Poder Legislativo, dada a autorização
ao Poder Executivo para reformar os serviços po-
liciaes (Lei n. 3.232, de 5 de janeiro de 1917) ;
6a, é desejável que o Poder Legislativo não de-
more por mais tempo a adopção no nosso systema
penal daquellas medidas que visam c facilitam a
regeneração dos criminosos.»
A Commissão está de accôrdo quanto á primeira
conclusão : a carteira de identidade, tal como existe
entre nós, com valor de folha corrida, expõe os ci-
dadãos a vexames dos quaes a policia não é culpada.
De facto, o Gabinete de Identificação, ao cassar uma
carteira por elle expedida com aquelle valor, age
mecanicamente. O facto determinante de tal oroce-
— 164 —

dimènto pôde ter sido sem importância ; ao Gabinete,


porém, escapa competência, para qualquer inda-
gação .
Sendo assim, um indivíduo da melhor condueta,
da mais perfeita adaptação á sociedade, está exposto
a se vêr, embora sem condemnação judicial, privado
da sua folha corrida.
Casos conhece o relator os mais delicados que
constituem forte suggestão para uma reforma ur-
gente .
A carteira de identificação é. e não pôde deixar
de ser, um documento de verificação material da
pessoa, completada pela exactidão de outras refe-
rencias: nome, idade, filiação, etc. E ' a prova de
quem é o seu portador, e mais nada.
O caso do attestado de bons antecedentes é outro :
a autoridade não o deve expedir, sem as precauções
hoje tomadas para a entrega de carteira de identi-
dade com valor de folha corrida.

Quanto á segunda conclusão, embora o regula-


mento vigente justifique a apprehensão da carteira
de identidade a quem quer que infrinja uma dispo-
sição do Código Penal, indispensável é que se modi-
fique esta situação. Basta, para remover os emba-
raços e vexames a que ella dá logar, retirar da car-
teira o valor de folha corrida que actualmente se lhe
attribue. Não haverá, então, mister de cassal-a, porque
o crime não altera a identidade. O individuo, é claro,
criminoso ou não, é o mesmo, a mesma pessoa.
A Commissão entende, porém, que o attestado de
bons antecedentes deve ser largamente utilizado.
O Governo poderia exigil-o para a admissão de func-
cionarios nas repartições publicas, os patrões para
operários nos estabelecimentos industriaes, etc.

A Commissão lembra, como meio de auxiliar a


prevenção de desastres causados por vehiculos na via
publica, que se suspenda a funeção de conductor, ap-
16-5 —

prehendendo-se-lhe a carteira profissional para su-


jeital-o a novo exame. E' talvez um meio de conciliar
os interesses do publico com a actual jurisprudência.

Quanto ás 3 a , 4a e 6 a conclusões, preciso é que


o Poder Legislativo dê solução a este caso. Salvante
a rehabilitação a que se referem o Código Penal e a
lei de fallencias, o indivíduo que, no Brasil, com-
mette um crime e é condemnado a uma pena minima,
seja, embora, o facto da menor importância, não pôde
obter um attestado de bons antecedentes. E' sempre
um stygmatizado.
E' indispensável, pois, que se dê solução ás múl-
tiplas questões que se prendem ao registro judiciário
criminal (casier judiciaire) e regimen penal.

Quanto á 5 a conclusão, pensa também a com-


missão que na autorização contida na lei n. 3.232, de
5 de janeiro de 1917, encontra o Governo amplitude
sufficiente para resolver todas estas questões.

Rio, 8 de maio de 1917.


— 106 —

III

Sobre a these 4 a da I a seccão — Inspectoria de


Investigações

« O Sr. major Gustavo M. Bandeira de Mello, que é o


actual inspector da Inspectoria de Investigações e Capturas,
encerrou a sua these com as seguintes conclusões :

I a , a actual estructura da I. I. C , desde que se


lhe reunam serviços que representam muitos de seus
melhores meios de acção, não entrava, antes facilita
o trabalho profícuo da investigação, em todos os seus
objectivos;
2a, na ínsolução dos vitaes problemas que dizem
respeito ao recrutamento e á remuneração e profissio-
nalização do pessoal, problemas já debatidos neste
humilde trabalho, ó que está a causa primacial da
situação inferior em que, no ponto de vista technico,
ainda se encontra a repartição que temos a honra de
dirigir.»

No texto da sua dissertação, o relator preconiza:

I o , o recrutamento dos investigadores em todas


as différentes camadas sociaes, a especialização de
actividades, um controle forte, uma remuneração
maior e a vantagem aa aposentadoria, escolas theorico-
praticas, direito de accesso por meio do concurso, a
organização de fartos archivos criminaes. collabo-
ração de outras repartições da policia;
2o, a centralização do serviço, affirmando : « Que
nos conste, ninguém hoje se obstina em reconhecer a
cfficiencia investigadora desses pequenos e desappa-
relhados centros » (pag. 6) ;
3 o , a incorporação do serviço de identificação á
I. I. C , « a exemplo do que se faz em Buenos Aires,
1-67 —

S. Paulo e outras grandes cidades », que viveram sob


o regimen da autonomia e instituíram o da centra-
lização .
Quanto ao mais, a dissertação do relator, obe-
diente aos enunciados do programma, se occupa do
actual estado da I. I. C. e dos resultados obtidos.

A Commissão approva plenamente todos os remédios indi-


cados pelo relator, podendo concretizar nos seguintes itens,
indicados nas conclusões e alvitres acima referidos e outros
délies decorrentes ou suggeridos aos seus membros pelas con-
dições da cidade, que a Conferência Judiciaria-Poücial deve
adoptar como base de uma reforma :

i°, o recrutamento do investigador, por via de


regra, deve ser feito nas fileiras dos corpos rondantes,
mediante freqüência prévia de escolas profissionaes e
technicas e concurso. E' a lição de grande numero
de paizes europeus. Poder-se-á adoptar, entre nós,
o systema de Berlim, recrutando-se 5° % dos inves-
tigadores entre os civis, ou, como diz o relator, « em
todas as différentes camadas sociaes », o que, sem
duvida, é indispensável;
2o, adoptar o systema de Londres em relação ao
concurso ou exame dos candidatos a investigador, de
modo que nenhum rendante seja admittido á Inspe-
ctoria sem essa prova de capacidade. O .concurso,
entre nós, além de exigir do candidato conhecimentos
de redacção, arithmetica, etc. deverá versar sobre
methodos de investigação criminal, noções de direito
penal e direito constitucional na parte relativa a ga-
rantias de direitos.
Não será demais combinar o systema de Londres
com o de Berlim, onde não existe o exame nem escola
apropriada. O Schutsmann, com um anno de exer-
cido, ou, na realidade dos factos, com cinco annos
de trabalhos de ronda, pôde ser admittido no serviço
de investigação districtal, onde praticará durante um
— 108 —

anno, estudando os methodos adoptados no serviço,


guiado pelo investigador mais antigo e mais compe-
tente .
3°, quanto á organização do serviço é aconse-
lhável: a autonomia da I. I. C , que ficará dependente
apenas do chefe de Policia; a manutenção da divisão
das secçÕes ; a creação de tantos sub-inspectores
quantas forem as secçÕes, sob o contraste immediate
do inspector ; a competência dada ao inspector, como
actualmente ao delegado, de poder, ouvido, sempre
que fôr possível, o chefe de Policia, expedir man-
dados de busca e apprehensão nos termos precisos da
lei ; praticar, também elle, quaesquer actes de policia
judiciaria attribuidos aos delegados. Tudo isto se
impõe porque a pratica mostra que a Inspectoria de
Investigações quando se não pôde mover prompta-
mente prejudica a investigação dos crimes. Outra
medida que se impõe é o augmente do numero de
agentes. O Rio de Janeiro não pôde ter menos de
400 agentes. Isto pelas razoes seguintes : a centrali-
zação e a descentralização resumem os dous sys-
temas que existem, sob o ponto de vista da organi-
zação policial de investigação.
Comquanto o relator exalte — e, talvez, com
razão theorica — o systema da centralização, não se
deve esquecer que Londres adopta justamente o sys-
tema descentralizador. Em Berlim, onde domina o
systema de centralização, é elle, entretanto, mitigado
com uma ligeira descentralização, concretizada na
existência, em cada districto, de dous investigadores
e um sargento investigador incumbidos de casos infe-
riores. Em Vienna ha, em maior gráo, uma com-
binação dos dous systemas. Paris, até 1913 sob o
regimen centralizador, abraça agora a descentrali-
zação. Por outro lado, a centralização especializa o
investigador, ao passo que a descentralização o torna
apto a lutar com maior numero de criminosos e
variedade de crimes.
Parece á Commissão que á cidade do Rio de Ja-
neiro conviria mitigar a centralização necessária com
— 1C9 —

a pequena descentralização berlinense. Reformada a


I. I. C. com um delegado-inspector, dez inspectores
(conservadas as actuaes secções), seria preciso crear
também trinta e três investigadores ajudantes que
seriam distribuídos pelos districtos e delegacias anxi-
liares cem dous investigadores, para o serviço local.
Os restantes investigadores ficariam na sede da in-
speciona, com os sub-inspectores e o delegado in-
spector para o serviço geral de investigação. A segu-
rança dos habitantes da cidade reclama insistente-
mente o augmente do pessoal da I. I. C. neste sentido.
4 o . quanto á identificação, como já ficou dito,
o relator preconiza a sua incorporação ao serviço da
I. T. C. e apresenta os exemplos de S. Paulo e Buenos
Aires, que adoptaram esse systema. Effectivamente,
si a lição dos povos cultos vale alguma cousa, não
ha como sustentar o actual regimen de separação.
Londres teve o seu serviço de investigação centrali-
zado em um Central Office Squad com quatro ramos :
Special Branch, Criminal Registry, Convict Super-
vision Office e Finger Print Branch. Este é, justa-
mente, o apparelho que preside á identificação.
Berlim também inclue o serviço de identificação no
serviço de investigação (Erkennungsdienst). Paris,
igualmente, bem como Vienna, etc.
A razão é simples : a identificação é um me-
thodo de investigação, e, portanto, não pôde viver
independente do serviço geral que a pratica.
Em Nova York, « the Commanding Officer of
the Detective Division is responsible for the custody
of identification systems, and the records and files of
the Detective Division. . . {Rules and Regulations,
Police Department). A regra é, portanto, geral, e
REISS partilha deste modo de ver (Contrib. à la
reorg. de la Police, pag. 4 3 ) .
5°, na reforma não devem ser esquecidos : I o , di-
visão dos investigadores em classes : I a , 2 a e 3 a , com
ordenados gradativos e melhores ; 20, regras bem com-
binadas de promoção; 3 0 , systema de estímulos;
4o, princípios de rigida disciplina; 50, aposentadoria.
— 170 —

6°, ao lado do serviço de identificação deve


existir na I. I. C. um laboratório techníco de policia,
um museu criminal e a escola de investigação. O sys-
tema viennense de fazer o escolar acompanhar agentes
experimentados para adquirir pratica deve ser ado-
ptado.
7o, deve dominar a reforma o máximo cuidado
em separar a policia de qualquer que seja a inter-
venção da política.
Constando da these do relator vários dados que
demonstram, máo grado as deficiências da actual or-
ganização da I. I. C , os resultados obtidos pelo seu
chefe, que é exactamente o autor da dissertação, a
Commissão termina este parecer, louvando-o e felici-
tando-o pela sua grande capacidade de trabalho e
amor á ordem publica.»

Rio, 8 de maio de 1917.


— 171 —

Sobre a these 3 a da 6 a secção—Diversões publicas

« O relator da presente these (*) honrou, sem


contestação, o encargo que lhe confiou a Conferência
Judiciaria-Policial, escrevendo com accentuada com-
petência e segura orientação sobre o assumpto a
que a mesma se refere.
Em principio, a Commissão apoia todas as con-
siderações feitas pelo relator.
Apenas delle se separa em um ou outro detalhe,
que vae indicar.
Referindo-se á Policia e á Prefeitura do Dis-
tricto Federal, o relator alludiu a certos decretos
municipaes, entre outros o de n. 1.167, de 13 de ja-
neiro de 1908, referente á Companhia Dramática
Nacional, que não podia levar á scena nenhuma
peça sem licença do prefeito, « o que dá a este a
mesma attribuição que ao 20 delegado auxiliar con-
fere o decreto n. 6.440, e do que tem resultado não
censurar a policia as peças que se representam no
Theatro Municipal, mesmo outras que as da Com-
panhia Dramática Nacional», e « o de n. 1.678, de
31 de dezembro de 1914, que extinguiu a Dire-
ciona Geral do Theatro Municipal... e declarou
ficar a cargo da Directoria Geral do Patrimônio a
administração do dito theatro, o que redunda em
ser o director do Patrimônio quem superintende a
inspecção dos espectaculos nesse theatro. em con-
flicto, até certo ponto, com as attribuiçoes da auto-
ridade policial ».
Quanto ao caso da Companhia Dramática Na-
cional, a prohibição possível do prefeito não collide
com a da policia. Havendo, como houve, um con-
tractu entre a Prefeitura e o emprezario ou os
artistas da dita companhia, estes se podiam sujeitar

(*) Dr. Henrique Mafra. de L,act.


.'

a quacsquer condições licitas contidas nas cláusulas


do mesmo contracte.
Entretanto, si o prefeito consentisse na repre-
sentação de uma peça que a policia entendesse dever
prohibir, pouco valeria a permissão contractual, ou
privada, contra a defesa regulamentar.
No tocante ao Theatro Municipal, o digno re-
lator não está bem informado. Na passada estação
lyrica, a policia exerceu a censura, podendo citar o
caso da opera do maestro LEROUX — Les Cadeaux
de Noel, que foi submettida a exame por suspeita de
atacar a Allemanha.
A companhia que. então, trabalhou no dito
theatro foi multada pessoalmente pelo relator deste
parecer, por haver passado além da hora marcada
no regulamento em um dos seus espectaculos.
Concebe-se que o theatro. sendo municipal, es-
teja, sob o ponto de vista da sua administração
interna, sujeito á sua direcção e a um regulamento
especial. Isto, porém, não impede a intervenção da
policia que alli tem. sabidamente, camarote para o
seu representante.
Numa palavra : a policia tem e não podia deixar
de ter no Theatro Municipal a mesma competência
de agir que nos demais da cidade. A razão é
simples : regulado o assumpto por lei do Congresso
e decreto do Chefe do Estado, o direito municipal
não os poderia sobrepujar.

Quanto ao conceito do que seja logar publico,


para o fim da acção da policia, no tocante aos es-
pectaculos e diversões em geral, o relator da these,
externando varias idéas relativas a reuniões pu-
blicas e particulares, diz com acerto : « Menos certo,
porém, não é que. na pratica, entre as sociedades pu-
ramente familiares e as diversões manifestamente pu-
blicas, existe uma escala de gráos intermédios, pelos
t
— 173 —

quaes de um para outro extremo se passa de modo


insensível tal, que muitas vezes a distincção se torna
difficil ».
Apesar disto, o relator chega á seguinte con-
clusão :
« Por diversão publica se deve entender não
só aquella que se realiza em logar essencialmente
publico, como sejam as ruas e praças publicas, mas
ainda as que se effectuam em casas ou quaesquer
recintos fechados, uma vez que seja accessivel a
qualquer pessoa, por paga ou gratuitamente, salvo
si gratuitamente, mediante convites intransferíveis.»
Justamente pela difficuldade insuperável a que
acima tão sensatamente alludiu o autor, a Commissão
propõe, na 2 a conclusão, a suppressão das palavras
«salvo si gratuitamente, mediante convites intransfe-
ríveis >/, porque a simples palavra — intransferível
— em um bilhete théâtral pôde ser usada, como
artificio. Impossível seria á policia saber, á porta
de um theatro, si todos os portadores dos bilhetes
são os próprios.

Também a 3 a conclusão merece reparos da Com-


missão :
« Não é publica, diz elle, e portanto escapa á
acção fiscalizadora da policia administrativa a di-
versão que se realizar em sociedade particular, desde
que o ingresso só é permittido aos membros da so-
ciedade. »
. O principio é verdadeiro, porque, de facto, os
phenomenos do dominio privado escapam, em regra,
á vigilância da policia.
Mas uma sociedade de diversões particular pôde
aberrar dos seus fins, degenerar em antro de de-
boche, em foco de indecências, e, por isso mesmo,
constituir ponto de attracção de pessoas que se can-
didatem a sócios.

\
— 17 í —

De uma tal sociedade não se pôde dizer que


ella « escapa á acção f iscalizadora da policia ». Ao
contrario, a intervenção policial é, ahi, legitima, e
deve manifestar-se para o fim de ser praticado o
n. I l l do art. 21 do Código Civil, segundo o qual
«termina a existência da pessoa jurídica... pela
sua dissolução, em virtude de acto do Governo, cas-
sando-lhe este a autorização de funccionar, quando
a pessoa jurídica incorra em actos oppostos aos seus
fins ou nocivos ao bem publico ».
A Commissão propõe que á dita conclusão se
addicione o seguinte: e não contravenha o disposto
no art. 21, n. III, do Código Civil.
A' 4 a conclusão pensa a Commissão que se de-
veriam supprimir as palavras — dos direitos auto-
raes—que escapam ao domínio da policia e devem
ser garantidos pelos remédios próprios da justiça.
Afigura-se também á Commissão que convém
serem modificadas as lettras b e c da 10a conclusão.
Segundo o relator da these, « devem ser termi-
nantemente prohibidas as companhias infantis, e
nenhum emprezario poderá fazer figurar crianças
accidentalmente em representações sem autorização
especial da autoridade ».
Em ambos os casos, a acção da autoridade deve
ser, preferencialmente, de vigilância, de observação
prudente, antes que de prohibição absoluta.
As companhias infantis não se constituem, na-
turalmente, sem que os pães dos artistas deem a
devida permissão, confiando a sua guarda ás pes-
soas que os contractam.
Para que uma prohibição de tal ordem tivesse
caracter absoluto, seria preciso que uma companhia
de jovens artistas fosse um facto illicito, immoral
em si mesmo, o que absolutamente não se dá.
Ao contrario disto, ellas constituem núcleos
práticos, em cujo seio muitas vocações se patenteiam,
desenvolvendo-se com grande proveito para a arte.
■— 173 —■ ,

Parece á Commissao que, neste particular, a au­


toridade deve indagar, com o devido sigillo, do modo
por que os menores são tratados, das relações que
manteem, e denunciar quaesquer abusos á autori­
dade judiciaria. As peças representadas por taes
companhias devem ser censuradas com maior rigor.
Em todo caso. o regulamento de policia théâtral
c casas de diversões deve marcar uma idade minima
para que se permitia a collaboração infantil e deter­
minar as horas de trabalho que se pode exigir dos
menores.
E' claro que, em caso de qualquer desregramento
ou qualquer perigo moral para o elenco da com­
panhia, a autoridade deve intervir com maior rigor,
mesmo prohibindo os seus esjjectaculos.
Pensa a Commissao que taes medidas serão pre­
feríveis á de caracter radical lembrada pelo relator.
Quanto á lettra c, parece que o que se deve
exigir não é « a autorização especial da autoridade »,
mas sim a autorização dos pães. Isto porque, inci­
dindo o facto no puro domínio da liberdade ou da
vida privada do indivíduo, este é que deve examinar,
antes de qualquer outra pessoa, o perigo a que
exj)õe os filhos.
E' claro que, verificada a autorização paterna
ou de outros representantes legaes e correndo o
menor evidente perigo moral, a autoridade policial
deve agir em seu auxilio, denunciando o facto á
autoridade judiciaria ou prohibindo a representação
da peça.
Peitas estas únicas resalvas, a Commissao é de
parecer que sejam approvadas todas ag conclusões a
que chegou o relator na sua brilhante these.

Rio de Janeiro, 15 de junho de 1917.


— 176 —

Sobre a these 7 a da 3 a secção — k rua sob o ponto


de vista moral

« Coube ao Dr. Celso Vieira relatar a VI these


da 3 a secção da Conferência judiciaria-Polieial, es-
tudando « a rua sob o ponto de vista moral ».
Assumpto vastíssimo, porque a rua é a po-
licia toda inteira, só um espirito fecundo e habituado
ao estudo, como o do distincto relator, poderia, fa-
zendo, embora, abstracção de certos casos da via
publica, praticar um grande esforço de synthèse, e,
em algumas laudas de papel, precisar o que se tem
dito em grossos livros de especialização.
Por outro lado, a leitura da presente disser-
tação deixa claro que o cérebro que a concebeu e o
punho nue a graphou são familiares com assumptos
policiaes.
Quer se satisfazendo, « para os fins da vigi-
lância e repressão com a simples materialidade dos
factos genericamente previstos no art. 282 do Có-
digo Penal », para caracterizar a offensa aos bons
costumes, quando taes factos forem praticados em
logar publico ou de accesso ao publico ; quer no do-
mínio judicial, entendendo que entram no conceito
do crime definido naquelle artigo « todos os actos
de incontinentia, desregramento ou impudicicia, as
palavras e os gestos obscenos, quaesquer exhibições
escandalosas, inclusive a de figuras e vistas immo-
raes nas casas de diversões publicas, as inscripçÕes
e os desenhos obscenos, a exposição, affixação ou
distribuição de manuscriptos e papeis impressos, li-
thographados ou gravados, pinturas1, cartazes, livros,
estampas, debuxos, emblemas, figuras e objectes
contrários ao decoro publico e aos bons costumes » ;
quer definindo o « logar publico », sob o ponto de
vista da maior extensão, e sempre julgado através
da sua « qualidade » ; quer colhendo na rede da vigi-
lância e da acção policial os factos da « circulação
e estabelecimento de meretrizes na via publica, bem
como a sua permanência em local exposto ao pu-
blico », « embora sem caracter absoluto », mas
sempre com o intuito de proteger os transeuntes e
as famílias; quer contemplando no quadro da sua
dissertação os actos contrários á decência publica,
os máos tratos de animaes, inclusive, bem como « a
mendicidade repugnante ou permittida a menor de
14 annos, disfarce de sexo, vadiagem caracterizada
pelo facto de prover á subsistência por meio de
oecupação prohibida por lei, ou manifestamente
of fensiva da moral e dos bons costumes ; quer, final-
mente, ajustando todos esses factos, e outros de
igual natureza, ao circulo do art. /°, n. I da lei
n. 3.089, de 8 de janeiro de 1916, que os pôde juri-
dicamente comprehender para effeitos de saneção
administrativa », o autor não fez sinao chegar a
conclusões que a Commissão adopta e recommenda
á approvação da Conferência Judiciaria-Policial.
Não é demais, entretanto, insistir a Commissão
em que muitos desses factos comprehendidos na
these do relator — e elle adhere a esta idea — devem
ser punidos com penas pecuniárias, não sendo pre-
scripta a pena privativa da liberdade sinão em casos
de grande gravidade ou contumacia incorrigivel.
Como se sustentou no grupo allemão da União
Internacional de Direito Penal, deve-se « estabe-
lecer como principio a exclusão das penas privativas
da liberdade», c deixar claro que «o fim da pena
é unicamente causar um incommodo a quem é des-
cuidado, convidal-o a ser reflectido e attento».
(Revue Pénitentiaire, 1899, pag. 877.) Este mesmo
grupo aconselhou como penas, « a advertência, a
multa e outras penas pecuniárias moderadas (con-
fiscação. revogação de permissões, obrigação de
prestações gratuitas, etc.) (Ibd., ibd., ibd.)
12
— 178 —

Também se afigura á Commissão que é util, em


certas contravenções mais graves, manifestações im-
pudicas, etc, uma vez que já tenham sido objecto de
repressão, constituírem motivo para penas maiores.
E' claro que a execução da pena, quando não
satisfeita de prompto, deve obedecer ás praxes pro-
cessives devidas, de caracter expedito, aliás, perante
o Poder Judiciário.
A policia, no tocante á moralidade das ruas,
deve auxiliar o governo municipal, contribuindo para
a effectividade das posturas respectivas.
E' o que pensa a Commissão, que, igualmente,
subscreve os conceitos do relator relativamente ao
Circulez.

Rio de Janeiro, 9 de maio de 1917.


SEGUNDA PARTE

INFORMAÇÕES E
 policia e o meretrício

Em 30 de março de 1915.— Exmo. Sr. Dr. Antonio Pau-


lino da Silva, M. D. Juiz de Direito da 2 a vara criminal.—
Accuso recebido o officio de V. Ex. requisitando informações
soüre o pedido de habeas-corpus requerido por Maria G r o
guitz e outras com o intuito de ser-lhes « garantido o direito
de morarem onde lhes convier e de terem sua liberdade ga-
rantida de facto ».
Reporto-me ás informações prestadas sobre o caso pelo
Sr. delegado do 40 dístricto, e peço licença para accentuar a
V. Ex. a necessidade em que se sente a Policia do Districto
Federal de ser neste sentido apoiada pela justiça, sem prejuízo
das leis que nos regem.
Não é ignorado de ninguém o que se passa em varias ruas
onde se explora o meretrício. As mulheres decahidas exhibem-
se escandalosamente, trajando não raro de modo a offender
o pudor publico. Umas proferem palavras obscenas; outras
provocam transeuntes ao deboche.
Em muitas dessas ruas trafegam bonds cheios de fa-
mílias, passam menores para as escolas, transitam senhorinhas
. para o serviço de ateliers ou de aulas testemunhando um es~
pectaculo deprimente, que nem só offende o pudor como pôde
servir de suggestão deletéria a espíritos menos fortes.
Ora, V. Ex. sabe que esses factos são criminosos.
O art. 282 do Código Penal pune todo aquelle que « of-
fender os bons costumes com exhibições impudicas, actos ou
gestos obscenos, attentatorios ao pudor, praticados em logar
— 182 —

publico, c que, sem offensa á honestidade individual de pes-


soa, ultrajam e escandalizam a sociedade.
Não ha como temer a interpretação extensiva, por ana-
lógica ou paridade, desse artigo. Elle é, de si mesmo, amplís-
simo.
A offensa « aos bons costumes », pela nossa lei, ou se dá:
« com exhibiçÕes impudicas » ; ou
« com actos obscenos » ; ou
« com gestos obscenos ».
Por outro lado, é preciso que essas « exhibiçÕes impu-
dicas », esses «actos ou gestos obscenos» sejam:
« attentatorios ao pudor ». .
« praticados em logar publico ou freqüentado pelo
publico », e
«ultrajem e escandalizem a sociedade».
Ora, uma mulher decahida que se apresenta em publico
quasi desnudada, certo se « exhibe impudicamentc », ou, n.i
linguagem do código, pratica uma « exhibiçao impudica ».
Os jornaes, não raro, referem exemplos de muitas délias se
exhibirem ás sacadas de suas casas em trajes indecentissimos,
e esses factos constituem, certamente, « exhibiçÕes impu-
dicas ».
Os « actos obscenos » a que se refere o código compre-
hendem tudo quanto pôde melindrar ou ferir o pudor publico.
Aliás, o conceito, ahi, tem explicação meramente etymologica.
«Acta» é «tudo que se faz ou pôde fazer». (Aulete).
« Obsceno », entre outras significações, vale por aquillo « que
é contrario ao pudor». (Aulete). Logo, «facto obsceno» é
« tudo que se faz contrario ao pudor ».
No conceito, pois, da phrase legal — « actos obscenos »
— entra toda e qualquer acção humana « contraria ao pudor ».
Essa mesma extensa concepção attribuem a esse requisito
da figura criminal do art. 282, do Código Penal, escriptores m
da estofa de Garraud : « Os actos impudicos ou obscenos, diz
elle, elementos materiaes do delicto de ultraje publico ao
pudor, são todos os actos de natureza a offender o senso
moral, o pudor dos cidadãos». (Traité; vol. IV, pag. 450).
A elles se ajustam, pois, os convites ao deboche, as pa-
lavras immoraes dirigidas aos transeuntes, a propria attitude
— 183 —

atravez das rótulas ou cortinas, á espera de freguezia para o


triste commercio do corpo. E tudo isso hão de ver e hão de
ouvir quantas pessoas — menores de ambos os sexos, senhoras
casadas ou senhorinhas — transitem pelas ruas.
A figura criminal do art. 282 se completa com o lugar
em que esses factos são praticados : a rua. Que elles « ultrajam
e escandalizem a sociedade», não pôde haver duvida: a im-
prensa, que re fleet e o sentir da communhão e serve de porta
voz ás suas queixas, reclama diariamente contra os excessos
do meretrício, contra a offensa que delle parte em detrimento
dos bons costumes, da moral publica, do pudor das famílias.
Sendo assim, é claro que nas vias publicas onde o mere-
trício se explora, a lei penal é violada ou está exposta a
violações continuas. Portanto, a acção da policia, intimando
essa gente a mudar-se, é toda preventiva, visa evitar crimes,
no desempenho, aliás, de uma das suas funeçoes primordiaes.
A these, pois, que está em jogo é esta: tem a policia, para
evitar a violação do art. 282 do Código Penal, competência
para adoptar medidas que obstem a dita violação ? Entre essas
medidas pôde figurar a da localização do meretrício em
certos e determinados sítios da cidade, menos expostos ás
vistas da população honesta, e dos quaes seja independente
o trabalho dessa mesma população?
A mim se me afigura que sim, porque está escripto na lei
(e se não estivesse seria ao mesmo, porque uma instituição
jurídica qualquer, á parte resalvas objectivãmente determi-
nadas, gosa, no domínio da doutrina de todos os predicamentos
que .lhe são visceraes, que lhe são próprios, como se esses
predicamentos estivessem escriptos) ; em primeiro logar, dizia
eu, porque está escripto na lei que a policia é preventiva e
judiciaria (art. i°, do decreto legislativo n. 1.631, de 3 de ja-
neiro de 1907, combinado com o art. 20 do regulamento que
baixou com o decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907),
e nesse caracter, ella tem a faculdade de adoptar aquellas pro-
videncias que forem necessárias para impedir a violação da
lei penal, paralysando. dest'arte, a actividade negativa das pes-
soas que habitualmente delinquem.
No caso em questão, a policia pôde agir de dois modos:
ou exercendo vigilância local para que o meretrício se con-
tenha dentro de linhas menos abusivas, ou afastando-o das
— 184

ruas onde transita gente honesta e cujo pudor fica sempre


exposto ao ultraje.
No primeiro caso, é inutil dizer, por maior que seja a
vigilância, o attentado ao pudor não pôde ser evitado. Seria
preciso ter um guarda a cada porta para obstar praticas im-
moraes, para impedir « actos obscenos » ou « exhibições im-
pudicas ».
Resta, pois. o outro meio. Não é que elle corte o mal pela
raiz, ou faça desapparecer o meretrício; tem, porém, a vir-
tude de praticar, aos poucos, a sua localização, de ir abrindo,
caminho para que só em certas ruas elle se installe, ruas nas
quaes a população honesta não precise transitar para as neces-
sidades da vida diária.
Não ha na Constituição Brasileira nenhum dispositivo
que contrarie a acção da autoridade policial neste sentido,
como invoca o impetrante.
Antes de tudo, a sociedade não assenta menos na moral
do que no direito. A organização jurídica e política de um
paiz não é outra coisa senão um regimen de disciplina geral,
que se baseia, antes de tudo, na ordem, na justiça, no respeito,
nos bons costumes.
O art. 72 da Constituição invocado pelo impetrante está
sujeito aos paragraphos que o integram. E' uma disposição
enunciativa que se completa com os preceitos discriminados
nos ns. 1 a 31.
Mal se apegou o impetrante ao § i° desse artigo. Cer-
tíssimo é que « ninguém pôde ser obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei » ; mas também
é certissimo :
i°, que a policia, nos termos da lei, exerce uma funeção
preventiva, e que. sendo assim, dispõe ella de certo arbítrio
na escolha das medidas que convém pôr em pratica para
manter a ordem geral, medidas que, ou constam explicitamente
das leis e regulamentos ou nellas se contém implicitamente;
2o, que, no caso vertente, ha uma lei (o Código Penal),
«em virtude da qual » todo o mundo é « obrigado a . . . deixar
de fazer alguma cotisa», e, se a faz, é passível de pena.
Ora, que meretrizes « offendem os bons costumes com
exhibições impudicas, actos ou gestos obscenos, attentatorios
ao pudor, praticados em logar publico », « ultrajando » desta
— 185 —

arte, « e escandalizando a sociedade », não ha quem o não


saiba.
Portanto, ellas deixam de fazer » aquillo que devem,
isto é, respeitar o pudor publico, como lhes obriga a lei; logo,
a Policia pôde contel-as, pôde adoptar medidas que abstem ou
diminuam taes praticas, e, entre ellas, está a localização fora
do transito regular da gente honesta.
Também não foi feliz o impetrante, transcrevendo a li-
berdade, que « em tempo de paz » tem « qualquer » de « entrar
em território nacional ou delle sair, com a sua fortuna e bens,
como e quando lhe convier, independente de passaporte »,
porque á policia é indifférente que as profissionaes do mere-
trício fiquem ou saiam do território nacional.
Nem jamais lhe passou pelos cálculos algo impedir ás
impetrantes, neste sentido.
Também carece de fundamento a invocação do n. n , do
art. 72 da nossa lei fundamental, segundo o qual « a casa é o
asylo inviolável do indivíduo».
Antes de tudo, a disposição não está ^completa. O trecho
omittido é justamente o que lhe dá sentido: « A casa é o
asylo inviolável do indivíduo; ninguém pôde ahí penetrar, de
noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as
victimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos
e pela forma prescripta nas leis ».
Ora, ha um grande numero de casos em que a autoridade
publica pôde penetrar «no asylo inviolável do indivíduo»,
sem incorrer em crime, como quando é preciso effectuar
buscas, apprehensões, realizar arrombamentos, prender crimi-
nosos, etc., etc. (arts. 197 e 199, do Código Penal).
Aliás a policia não entrou nem ameaçou entrar na casa
das impetrantes, o que constitue mais um motivo para não ser
invocado o dispositivo do art. 72, n. 11, da Constituição.
Quanto á jurisprudência invocada pelo impetrante, é ella
improcedente.
O aecórdao do Supremo Tribunal Federal de S. Paulo não
serve de directriz á justiça do Districto Federal. O do nosso
Supremo Tribunal é de todo inapplicavel á hypothèse. O chefe
de policia de Minas Geraes prohibiu certo cidadão de afastar-se
da capital sem prévia communicação. Essa pessoa julgou-se
— 180 —

constrangida na sua liberdade de locomoção e recorreu ao


Poder Judiciário, que o garantiu com o hdbeas-corpus.
Que ha de commum entre essa hypothèse e a mudança
de meretrizes que «ultrajam e escandalizam» a sociedade?
Quizesse o impetrante invocar uma boa jurisprudência e
achal-a-ia em decisões do nosso Supremo Tribunal e da nossa
Corte de Appellação.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu com grande
amplitude esse poder da policia. No accordão de 17 de no-
vembro de 1900 assim o fez, e para elle chamo a esclarecida
attenção de V. Ex. : « As pacientes eram também meretrizes
e tinham requerido ao juiz ordem de habeas-corpus preven-
tivo, por haverem sido intimadas de parte da delegacia po-
licial para dentro de certo prazo, e sob pena de prisão, trans-
ferirem seus domicílios para logares menos centraes do que
aquelle em que se achavam; não chegarem ás janellas, que
seriam fechadas ás 10 horas invariavelmente. Informou a au-
toridade policial que procedera nos termos do art. 33, 11. 12,
do regulamento de 14 de abril de 1900, como medida de mo-
ralidade. Em vista da informação, julgou-se o juiz incompe-
tente para tomar conhecimento do pedido ». Havendo sido
interposto recurso para o Supremo Tribunal, este, contra o
voto, apenas, do ministro Macedo Soares, negou provimento.
« por não estar provado, que as pacientes... estivessem sof-
frendo ou estivessem ameaçadas de soffrer constrangimento
illegal em sua liberdade ».
E' um accordão eloqüentíssimo em que se reconhece á
policia o direito de, em nome da moralidade publica :
i°, intimar meretrizes a se mudarem de um para outro
local ;
2°, impedil-as de chegarem ás janellas das casas em que
habitarem ;
3 o , ordenar que as ditas janellas fossem fechadas a de-
terminada hora.
Aliás, o Supremo Tribunal já se tinha oecupado de um
caso a esse perfeitamente equiparavel. A hypothèse foi a se-
guinte: mulheres que allegavam ser empregadas de uma casa
de chopps, foram intimadas pela autoridade policial para re-
tirar-se incontinenti do estabelecimento... e desde então fi-
caram impossibilitados de penetrar na dita casa.
— 187 —

O juiz, a quem recorreram, requerendo habeas-corpus,


negou a ordem pedida, considerando que a casa de chopps em
que estavam as pacientes, que se entregavam á prostituição,
era um bordel disfarçado sob as apparencias de um estabele-
cimento commercial, e um foco permanente de conflictos,
sendo que, nos termos da lei, incumbe á policia manter a
ordem publica e ter severa vigilância sobre ?4s mulheres de má
vida que offendem á moral publica e aos bons costumes.
O Supremo Tribunal negou provimento ao recurso inter-
posto dessa decisão, sustentando que « o acto da autoridade
policial, contra o qual se reclama, está dentro da esphera de
suas attribuiçoes, em face da lei ».
Este accordão é de 10 de janeiro de 1900 e foi proferido
unanimemente (Vide para ambos os casos a Coüecção de
Accórdãos do Supremo Tribunal Federal de 1900).
A Côrtc de Appellação também tem jurisprudência fir-
mada. Foi o caso que a policia fez estacionar guardas civis ás
portas de meretrizes, impedidas, assim, de transitarem nas ruas
ostentando escândalos.
O Chefe de Policia informou, devidamente baseado, que
se tratava de uma « medida de moralidade publica ». e a Ter-
ceira Câmara da Corte de Appellação, em accordão unanime,
resolveu « negar, afinal, a pedida ordem de habeas-corpus,
em face da informação prestada pelo Dr. Chefe de Policia ».
O Poder Judiciário não se tem. agindo com essa unifor-
midade, afastado da lei.
Além do que está disposto no art. 282, do Código Penal,
existe o regulamento que baixou com o decreto n. 6.440, de
30 de março de 1907, que é muito explicito 110 tocante ao me-
retrício escandaloso. Entre as attribuiçoes dos delegados de
districto (art. 41, n. X V I I ) , figura a de:
ter sob sua vigilância as prostitutas escandalosas, pro-
videnciando contra ellas, sem prejuízo do processo
judicial competente, da fôrma que julgar mais con-
veniente ao bem-estar da população e da moralidade
publica ».
Além do processo judicial, que não será nunca prejudi-
cado, a autoridade policial tem competência — e competência
amplíssima, é preciso salientar—para providenciar contra
— 188 —

ellas... da forma que julgar mais conveniente ao bem-estar


da população e da moralidade publica».
Ahi se traçou, com maxima clareza, o circulo em que se
pôde mover a Policia.
A doutrina já reconhecida pelos tribunaes, estou bem
certo, será seguida por V. Ex. que, dest'arte, concorrerá para
o « bem-estar da população e da moralidade publica »*
Reitero a V. Ex. os meus protestos de subida estima e
consideração. — O Chefe de Policia, Aurelino de Araújo
Leal ».

JURISPRUDÊNCIA

«Allega o impetrante da presente ordem de habeas-corpus pre-


ventivo que as pacientes, sendo moradoras nos prédios ns. 42, 44,
46 e 48 da0 rua Luiz Gairna, têm sido intimadas pela autoridade po-
licial do 4 districto para, dentro de certo prazo e sob pena de prisão,
transferirem seus domicílios para lugares manos centraes; c porque
semelhante acto da autoridade policial as colloque na imminencia de
uma violência ou coacção por illcgalidade ou abuso do poder da
mesma autoridade, pede que lhes seja permittido o direito de mo-
rarem onde convier, tendo assegurada de facto a sua liberdade pela
concessão da ordem impetrada.
As informações prestadas pela autoridade policial do districto
onde residem as pacientes e completadas pelo preclaro chefe do de-
partamento policial na minuciosa e proficiente exposição que se
dignou fornecer a este juizo esclarecem perfeitamente o caso, dei-
xando resultar nos conceitos emittidos o salutar alcance da medida,
para afastar o meretrício do centro da cidade, onde em diversas ruas
as mulheres decahidas se exhibem ás janellas impudicamente, offen-
dendo os bons costumes e attentando. contra o pudor publico, vio-
lando dest'arte o preceito expresso do art. 282 do nosso Código
Penal.
O decoro social, como diz Pincharli, commentando o código
italiano, fonte do nosso código, tem direito a exigir o respeito de
todos os membros da collcctividade. e, portanto, quem u traja o
pudor publico offende a propria sociedade. Magna, commentando a
disposição do mesmo código a respeito, diz que o seu objecto é a
defesa da decência publica, tendo a sociedade o direito de ser respei-
tada no sentimento de pudor e na sua dignidade.
Estudando-se a figura jurídica do citado art. 282, bem se vê
que, sendo os elementos de delicto as exhibições impudicas ou actos
obscenos, a publicidade é a sua base essencial, devendo-se tomar,
segundo professa o Dr. Marcondes Romeiro, na sua mais ampla
significação, a expressão « lugar publico », empregada pelo legislador,
comprehendendo ella não só os lugares sempre á disposição do pu-
blico, como as praças, ruas, etc, mas ainda as propriedades inteira-
mente particulares, não freqüentadas pelo publico, mas expostas a
ser devassadas pelos olhos da multidão. As exhibições impudicas e
actos obscenos praticados em qualquer desses lugares são reputados
attentatorios do pudor publico.
— 189 —

Or,a, a offensa aos bons costumes pode ser feita, não só por pa-
lavras, gestos e acções, como ainda com exhibiçõcs impudicas de
mere'trizes nas janeHas e portas de suas casas, e, assim sendo, irre-
cusável é a competência da policia para agir em bem da ordem e
moralidade publicas, COCHO é aduiittido na nossa legislação c tem
sido consagrado em arestos dos nossos tribunaes, entre os quaes os
do Supremo Tribunal Federal, de 10 de jianeiro de 1900 e de 17 'Je
novembro da mesmo anno, (jur. do mesmo Supremo Tribunal, pa-
ginas 5 e 52).
Por estes fundamentos, julgo improcedente o pedido e, denegando
a ordem
1
impetrada, fica de nenhum effeito o salvo-conducto conce-
dido ; pagas >as custas pelo impetrante.
Publique-se e intirte-sc.
Rio de Janeiro, 3 de abril de 1915• — Antonio Paulino da Silva.»
Regimen disciplinai dos funccionarios públicos

Km 5 de abril de 1915.— Exniû. Sr. Desembargador,


Ataulpho Nápoles de Paiva, M. D. Presidente da Terceira Câ-
mara da Corte de Appellação.— Respondo o officio n. 1.735?
de 27 de março passado, dessa Veneranda Corte, sobre o
habeas-corpus requerido pelo advogado Sr. Alberto de Car-
valho em favor do Sr, Manoel Clemente do Rego Barros,
medico-legista da Policia.
Nos próprios termos da petição, o paciente quer que essa
Veneranda Corte « o mantenha no uso dos seus direitos de
cidadão, declarando-se na ordem que:
« a) embora funecionario publico, o impetrante conser-
va-se no uso e goso das garantias outorgadas pelos arts. 72,
§ 12, e 74 da Constituição de que o pretende privar o Sr.
Dr. Chefe de Policia;
b) podendo, portanto, o impetrante emiltir o seu pensa-
mento pela imprensa, em qualquer assumpto, sem dependência
de autorização ou apesar de prohibição do Sr. Dr. Chefe de
Policia, respondendo apenas pelos abusos que commetter, e
não podendo, pois, ser por tal motivo privado das vantagens
do seu cargo. (Const, art. 74).»
Terminando a sua petição, insiste o impetrante em que
essa Corte lhe conceda « uma ordem de habeas-corpus que o
reintegre nas garantias conferidas pelos arts. 72, § 12, e 74
da Constituição, de que o despojou c ainda pretende despojar
o Dr. Chefe de Policia, declarando-se que:
i°, o impetrante, embora funecionario publico, pôde es-
— 192 —

cre\ er na imprensa, sobre qualquer assumpto, independente


de censura prévia, nos termos do art. y 2, § 12 da Constituição;
2o, sem que, pelo facto de usar desse recurso constitu-
cional possa perder as funcçÕes e as vantagens do cargo pu-
blico que exerce ha vinte e cinco annos, sob a égide do ar-
tigo 74 da Constituição, em cujas garantias deve ser mantido ».
Não tenho força nem pendor nenhum absolutista para
obstar que. « embora fimecionario publico, o impetrante se
conserve no uso e goso das garantias outorgadas pelos ar-
tigos J2. % 12, e 74 da Constituição.»
Também não recuso ao impetrante o direito de « emittir
o bcu pensamento pela imprensa em qualquer assumpto, sem
dependência de autorização » minha. ..
Igualmente, nunca esteve nos meus cálculos impôr-lhe a
« prohibiçao » de « emittir o seu pensamento pela imprensa em
qualquer assumpto », nem « prival-o. por tal motivo, dab van-
tagens do seu cargo ».
A questão é outra, e o impetrante deixou-a obscurecida
de propósito ou por inopia.
Nada posso informar a essa respeitável Corte sem exa-
minar a situação jurídica em que nos encontramos, o impe-
trante e eu.
Pia unia phrase na petição de habeos-corpus para a quaj
chamo a attenção do Tribunal. « O impetrante quer emittir
o seu pensamento pela imprensa « cm qualquer assumpto ».
sem dependência de autorização ou apezar da prohibiçao tio
Dr. Chefe de Policia'».
Aqui é que se insinua insidiosamente a pretenção anar-
chica do impetrante, sob o disfarce de uma « these constitu-
cional ».
Não tenho, nem jamais tive. a preoecupação de dictar
normas de conducta ao cidadão brasileiro Manoel Clemente
do Rego Barros
Elle goza, como eu, de todas as franquezas que a Consti-
tuição assegura a nacionaes e extrangeiros residentes no paiz.
(Art. 7 2 ) .
O mesmo, porém, não acontece com o fimecionario pu-
blico, com o m&dico-legista da Policia Manoel Clemente do
Rego Barros. Este é meu subalterno, é meu inferior hie-
rarchico. e deve-me obediência dentro da lei.
— 193 —

O cidadão tem a liberdade absoluta de emittir o seu pen-


samento, nos termos da Constituição. C) funccíonario tem,
em principio, a mesma liberdade.
Certo, ninguém recusará a um funccíonario o direito de
ter opiniões religiosas, philosophicas, políticas c econômicas.
Certo, ninguém lhe recusará o direito de exprimir seu pensa-
mento sobre a organização dos serviços públicos, na critica
impessoal do seu artificio.
C) impetrante, por exemplo, exerceria um direito seu, se,
pela imprensa, revelando competência profissional, discutisse
a organização do serviço medico-legal, apontando-lhes falhas
desnudando-lhe defeitos e propondo-lhe reformas. Será o
mesmo, porém, permittir-lhe que aja de modo igual relativa-
mente ao expediente interior, que contenda com o seu director
sobre factos da economia intima da repartição? Creio que nao.
Assim me parece em abstracto, assim o é objectivãmente.
Não ha serviço publico que não seja organizado sob a
base da hierarchia. Existe, em qualquer délies, uma graduação
de funecionarios, e o principio que mantém a hierarchia é o
dever da obediência funccional sanecionado pela disciplina.
As nossas leis e regulamentos são claríssimos a respeito,
e ninguém ignora que délies é característica grande dose de
arbítrio deixado aos superiores na applicação das penas que
compõem o apparelho disciplinar.
Em materia de — advertência, reprehensão e suspensão
—' principalmente, a legislação nacional collocou. em regra,
os funecionarios na situação descripta por DUGUIT relati-
vamente aos funecionarios francezes ainda cm 1904.
« Em principio, a repressão disciplinar, em si mesma, nao
dá origem a nenhum debate contradictorio. O agente, inves-
tido do poder disciplinar, estatue sem defesa contradictoria.
Nenhuma garantia é estabelecida em proveito daquelle que é
objecío da repressão disciplinar: o funecionario interessado
pôde dirigir petições quer aos governantes (Chefes de Estado
e Parlamento) quer ao agente superior que resolve discipli-
narmente; mas o direito de petição pertence a todo cidadão;
não ha aqui nada de particular. O superior que tem de pro-
nunciar a pena disciplinar, pôde pedir explicações, fazer com-
parecer o funecionario incriminado, permittir-se que se de-
fenda; mas ha ahi uma possibilidade c não uma obrigação. ..
13
— 194 —

Em uma palavra, cmquanto a jurisdicção penal, estreitamente


limitada pelos termos da lei, não pôde infligir uma pena senão
por um facto previsto, definido e qualificado de infracção
pela lei, o agente disciplinar pôde apreciar, com toda a liber-
dade, os fados susceptíveis de acarretar uma repressão.»
(DuGurf, L'Etat, les gouvernements et les agents; vol. i l ,
pags. 466-7.)
E' certo que essa situação na França se modificou com
a promulgação da lei de finanças, de 22 de abril de 1905, se-
gundo a qual « todos os funccionarios civis e militares, todos
os empregados e operários de quaesquer administrações pu-
blicas teem direito á communicação pessoal e confidencial de
todas as notas, folhas signaleticas e outros documentos for-
mativos do seu dossier, quer antes de ser objecto de uma pena
disciplinar ou de demissão, quer antes de ser preferido nas
suas promoções ».
Actualmente, na França, quando algum funecionario pune
outro disciplinarmente, este pôde recorrer para o Conselho de
Estado. Enganar-se-á, porém, quem suppuzer que o elevado
órgão administrativo tem o direito de contrastear a acção do
superior hierarchico. O que a lei quiz, foi que nenhum fune-
cionario soffresse pena disciplinar sem saber por que. A re-
velação do seu dossier tornou-se obrigatória. O Conselho de
Estado, porém, limita-se, quando tem de decidir o recurso, a
examinar se o dossier foi communicado ao funecionario.
Dil-o em termos claríssimos GKORCKS-CAIIIÍN : « O Con-
selho de Estado limita, é verdade, o campo de suas investi-
gações ao exame da regularidade: a opportuniiade das me-
didas lhe escapa». (GÉOGES-CAHÉN ; Les Fonctionnaires,
' pag. 314.)
De modo que, o facto que deu logar á pena disciplinar,
a sua motivação, as suas causas, ficam exclusivamente sob a
apreciação do superior hierarchico competente para pronun-
cial-a.
Essa característica da instituição disciplinar é, demais
disto, largamente consagrada : « Em geral, diz DTJGUIT, a auto-
ridade que exerce a disciplina não é ligada de modo algum
por leis ou regulamentos, no ponto de vista dos factos que
podem acarretar uma repressão disciplinar. Ella pôde, de
um modo absolutamente discrecionario, apreciar os factos sus-
— 195 —

ceptivcis de causar essa repressão ». (DucuiT: Traité de Droit


Constitutionel, vol. I, pags. 540 in fine, 541.)
Menos positivo não é GASTON JKZJC: « O funecionario
que dispõe do poder disciplinar tem, na apreciação da falia
e na pena a impor, uma maior amplitude que o Juiz repres-
sivo. (Blem. de droit pub. et admn., pag. 85.)
lambem NKZARD: « Os superiores hierarchícos e os juizes
disciplinares gosani de grande amplitude em determinar se
a faita do agente (desobediência, abandono do serviço, au-
sência, e t c . . . ) é, ou não, punivel e que pena se lhe deve
applicar ». NÉZARD: (Blem. de droit publ. et admn., pag. 110.)
Não menos lato do que o arbítrio (embora prudente, como
o exige o art. 230, do Código Penal) de punir disciplinarmenle,
é o conceito da falta disciplinar. DuGuiT diz que ella existe
em todo o acto pelo qual o funecionario viola as obrigações
especiaes da sua qualidade ». « Isto mostra, acerescenta o no-
tável escriptor, que ha falta disciplinar não somente quando o
funecionario não cumpre ou cumpre mal sua funeção, mas
ainda quando viola os deveres de seu estatuto negativo,
bem que não se verifique omissão ou máo cumprimento da
funeção». (Traité de Droit Const., vol. I. pag. 541.)
Basta firmar o conceito do estatuto negativo dos func-
cionarios para concluir-se que ha uma differença entre o
cidadão e o funecionario no tocante a direitos cívicos c polí-
ticos.
Pódc-se definir estatuto negativo dos funecionarios o con-
junção de obrigações que lhes são impostas, restringindo, em-
bora, o seu estatuto de cidadão (Vide DuGuitf, op. e vol.
cits., pag. 507).
Com absoluta clareza diz o preclaro constitucionalista
que « incontestavelmcnte essas restricções existem e devem
existir », e acerescenta : « Toda a violação, pelo funecionario,
das disposições que formam seu estatuto negativo constituirá
uma falta disciplinar». (Ibd.; ibd., pags. 507-8.)
Vale a pena acompanhar a lição do mestre. Partindo da
formula de que «o estatuto normal dos cidadãos comprehende
direitos civis, direitos políticos e direitos civicos », pergunta
elie « se os funecionarios podem ser privados, por motivo de
sua funeção», de alguns dos ditos direitos. A resposta não
pôde deixar de ser affirmaíiva. « Os funecionarios conservam,
— 19« —

en) principio, a plenitude dos seus direitos civis. . . conservam


em sua integridade seus direitos políticos...» Quanto aos di-
reitos cívicos (liberdade individual, religiosa, de opinião, de
trabalho, de associação), se elle sustenta a sua intangibilidade,
faz reserva sobre outros. E' o que se dá justamente com a
liberdade de opinião : <<, Quanto á liberdade de opinião, ella
deve ficar intacta para o funecionario. Entretanto, ha ahi
alguns temperamentos a introduzir. O funecionario é evidente-
mente livre de ter opiniões religiosas, políticas, philosophicas,
econômicas e sociaes que bem lhe parecer...» (Ibd.; ibd.;
pags. 509 e 510.) E' preciso, porém, que essas opiniões não
constituam delictos. Aqui. Duguit lembra que nestes últimos
annos o Governo tem demittido certos funecionarios por ha-
verem « sustentado doutrinas impatrioticas, defendido a greve
geral e o direito syndical dos funecionarios», acção que elle
sustenta, dizendo: « E' incontestável que se. por exemplo, um
funecionario, sob pretexto de expor uma opinião econômica,
prégar a grève, commette uni acto de indisciplina caracteri-
zado ». (Ibd., ibd., ibd., pag. 511.)
Da lição de Duguit. que, aliás, é a lição geral, très con-
clusões se tiram :
I a , que a liberdade de opinião que os funecionarios con-
servam é a que se refere a questões políticas (que, aliás, elles
devem manifestar coin um certo tacto, uma certa reserva :
(loc. cit., pag. 510). e questões religiosas, philosophicas e eco-
nômicas ;
2a. que, mesmo enunciando sua opinião sobre algumas
destas questões, elles podem commetter faltas disciplinares ;
3 a , que a exteriorização da actividade mental dos fune-
cionarios está subordinada ao seu estatuto negativo, isto é,
aos deveres dos seus cargos.
Ora, o estatuto negativo de qualquer funecionario com-
prehende : «o dever de desempenhar pessoalmente a funeção;
o devotamento ao serviço publico ; o segredo profissional ; a
obrigação de exercer a funeção ; o dever de obediência hierar-
ciiica e a dignidade da condueta privada». (GASTON JÉZE;
op. cit.. pags. 80-2, ORLANDO; Trattato Completo di Diriilo
Amm. ital., vol. 1, pags. 357 e s e g s . ) .
Preso. pois. ao seu estatuto negativo, pôde o funecionario,
obrigado a manter o segredo profissional ou il segreto d'uf-
197 —

ficio (ORLANDO, Tratatto, vol. I, pag. 368), jungido a cumprir


o dever de obediência hierarchica (dever que domina todo o
direito administrativo e que deveria ser applicado, ainda
mesmo que nenhum texto o consagrasse (DuGUi'f, Traité
de Droit Const., vol. I, pag. 537), publicar, discutir os as-
sumptos da sua repartição, sendo funccionario subalterno, a
despeito da prohibição do seu chefe?
Pôde elle, que « deve ubbidienca nclle cose interne dell'uf-
ficio c secondo Vordine gerarchica stabilita da regolamenti
nello interno di ciascuno » (MIÎUCCI, Instituszioni de dir.
amm., pag. 218, in fine), desvendar ao publico o* que pertence
ao serviço, comprometter a ordem da administração, sobre-
pondo á lei as manifestações de um temperamento insubmisso?
Claramente não. Ahi, não gosa elle do seu estatuto de
cidadão ; antes é submettido, por vontade propria, manifestada
ao acceitar o cargo, ao revestir-se da funcção, ao estatuto
negativo.
Como verá a Veneranda Corte do officio já por mim
dirigido ao Sr. Ministro da Justiça, a prohibição em que
fiz incorrer o meu subalterno consta deste trecho de um des-
pacho meu em papeis referentes ao objecto de que se occupa
o seu patrono na petição de habeas-corpus: «Faça-se sentir ao
Sr. Rego Barros que, sempre que tiver de tratar do assumpto,
dirija-se a esta chef atura e não directamente á imprensa,
porque não lhe é permittido occupar-se, de publico, de assumpto
de serviço do qual não tem a superintendência ».
Parece fora de toda duvida que o serviço medico-legal
da Policia, estando submettido á hierarchia administrativa, os
assumpíos nelle tratados não podem ser, sem damno para a
ordem da repartição, objecto de contestações pela imprensa,
entre funccionarios delle, maximè quando o superior o pro-
hibir expressamente. Não impedi o impetrante de defen-
der-se. Fiz sentir apenas ao funccionario irrequieto e rebelde
que, tendo algo a dizer sobre o assumpto em questão, e sempre
que o quisesse (ipsis verbis: sempre que tiver de tratar do
assumpto), se dirigisse a mim, seu superior e único com-
petente, no domínio disciplinar, para apreciar e julgar da
sua conducta funccional. Na sua qualidade de funccionario
subalterno, é a mim que elle deve explicações, e não ao pu-
blico.
— 198 —

Que a minha acção, suspendendo o funccionario reinci-


dente, foi legitima, prova-o o direito escripto pelo qual se
governa a Policia do Districto Federal.
Vejamos.
Ü art. 32 do regulamento que baixou com o decreto nu-
mero 6.440. de 30 de março de 1907. é claríssimo:
« E' de sua competência (do chefe de Policia) : n. V I I I :
impor penas disciplinares e conceder recompensas pecuniárias
aos seus subalternos.»
« Art. 63. Os funccionarios e autoridades policiaes ficam
sujeitos ás seguintes penas disciplinares, conforme a maior
ou menor gravidade das faltas commettidas :
I. Advertência:
II. Reprehensao;
III. Suspensão até sessenta dias com perda de todos os
vencimentos. »
« Art. 70. O serviço medico-legal constitue uma secção
autônoma, directamente subordinada ao chefe de Policia.»
Entre os funccionarios da Policia (art. 8o, § 30) existem
12 medicos que compõem o serviço medico-legal.
Ora, si o chefe de Policia tem competência para castigar
disciplinarmente os funccionarios rebeldes (art. 32. n. VIII. e
art. 63, do reg. cit.), si o impetrante é medico-legista, perten-
cente ao serviço medico-legal. ao Chefe de Policia directamente
subordinado, e, portanto, funccionario da Policia (art. 70
combinado com o art. 63 do regulamento), é lógico que, quando
convencido, como foi, de incontinencia disciplinar, de insub-
missão hierarchica, pôde ser attingido pelas penas do art. 63.
das quaes não cabe recurso algum.
A « these constitucional ». pois. que o impetrante for-
mulou, dando-lhe feitio novo e pondo-a em foco como uma
descoberta liberal, é um fermento de anarchia e desordem.
Tudo quanto está consagrado no art. 72 da Constituição
Federal se refere ao cidadão. Até onde vai a entidade jurí-
dica — cidadão — prolongam-se. naturalmente, as franquias
que o protegem na collectividade política. Mas onde o indi-
víduo não apparece com o seu estatuto de cidadão, certamente
não o pôde invocar. E' o caso do funccionario publico; quando
este abre contestações sobre assumpto pertencente ao serviço.
ao cargo de que está investido, o direito a que recorre para
— 199 —

dirimir as ditas contestações é o formativo do seu estatuto


functional.
E isso foi cousa incontestável no Brasil, embora sem a
actual terminologia jurídica, desde os primordios da sua or-
ganização administrativa. Só agora a «these constitucional»
pretende alterar a uniformidade mais que secular dessa pra-
tica, transformando a administração publica numa cova de
Cacco.
Nem sequer o impetrante desconheceu a inocuidade do
habeas-corpus, se fosse concedido nos termos requeridos.
(Aide let. c da sua petição, inicio.)
De facto, si essa Veneranda Corte adherisse á aberrativa
e teratologica « these constitucional », defendida na petição,
isto é, si o cidadão fosse inteiramente comparado ao func-
cionario; si fosse julgado que um e outro não teem estatutos
différentes, ou que o estatuto normal do cidadão não pôde
nunca ser restringido pelo estatuto do funccionario, ficaria o
impetrante com a liberdade de anarchizar o serviço, de trazer
para a publicidade os seus segredos, de estabelecer discussões,
de ajimentar escândalos.
Mas, como a hierarchia administrativa subsistiria a essa
desordem, o funccionario nos próprios termos do art. 72, § 12,
cuja guarida procurou. « responderia pelos abusos que com-
meitesse », e seria, pois, ao critério do seu superior, sempre
que fosse convencido de falta disciplinar, advertido, reprehen-
dido ou suspenso.
A licença (que liberdade não é), pretendida pelo impe-
trante, não lhe deixou 1er com cuidado a Constituição da
Republica; do contrario, teria visto, com clareza solar, que
a hierarchia e a disciplina administrativas foram nella expli-
citamente instituídas.
Lá está no art. 82 estabelecido que « os funccionarios pú-
blicos são cstrictamente responsáveis pelos abusos e omissões
em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como
"pela indulgência ou negligencia em não responsabilizarem ef-
fectivamente os seus subalternos ».
Xa responsabilidade funccional definida no inicio desse
dispositivo constitucional assenta o regimen disciplinar.
E' uma lição trivial de direito administrativo que a re-
sponsabilidade dos funccionarios é civil, penal e disciplinar.
— 200 —

Esta, justamente, tem « per scopo di assicurare Vosservansa


délie norme di subordinazione gerarchica ed in générale
l'esatto adenuphnento di tutti i doveri di ufficio.» (ORLANDO,
op. cit., vol. I, pag. 421.)
Quem tem habito de consultar livros de direito adminis-
trativo sabe que « a responsabilidade da administração pôde
ser considerada na ordem interna e na ordem externa ». e que
a primeira se verifica « nerapporti tra V amministrazione ed
il funcionário — nas relações entre a administração e o func-
cionario, realizando-as por meio da disciplina. (Vide além de
ORLANDO, no loc. cit., Mi-ucci, op. cit., pags. 222. in fine,
226 e 218-19.)
Não é tão escassa a propria litteratura nacional que não
tenha posto ao alcance dos pesquizadores de « theses » mal
comprehendidas a verdade simplissima do que estou affir-
mando . No seu Tratado de S ciência de administração e direito
administrativo VIVEIROS DE CASTRO disse que a infracção dos
deveres funecionaes « podia produzir uma tríplice responsa-
bilidade: civil, penal e administrativa ou disciplinar ». e que
esta é uma conseqüência da subordinação hierarchica, e deve
ser considerada como uma manifestação da faculdade juris-
dictional da «administração...» (Vide op. cit., pag. 541.)
O regimen disciplinar, pois. não é uma mera creação
legal ou regularmcntar ; é. sim. uma instituição constitucional,
explicitamente consagrada e consagrada com vigor. Quando
o legislador estatuiu que « os funecionarios públicos são es-
irictamente responsáveis pelos abusos e omissões em que
incorrerem no exercício de seus cargos... », submetteu-os a
uma responsabilidade estricta, rigorosa, severa, porque todos
esses vocábulos se contêm na phrase constitucional : estricta-
mente responsáveis, é o mesmo que estreitamente, rigorosa-
mente, severamente responsáveis. ..
Certamente, tal situação não favorece nem se adapta aos
espiritos trefegos. aos temperamentos rebeldes, aos tarados
da irrequietude. Mas o escopo da lei é justamente conter
esses exaltados em bem do maior numero dentro do circulo
de uma disciplina bem entendida, não permittindo que se col-
loquem acima da ordem, nem perturbem a eurytmia geral
do publico serviço.
Ou eu me engano muito, ou essa Veneranda Corte salva-
— 201 —

guardará a administração publica dessa pretenção dissolvente


e anarchica. Já não quero pôr em destaque somente os males
que decorreriam da dissolução da hierarchia e da disciplina
no dominio do Poder Executivo, porque ellas não existem
apenas nesse dominio. Quero também realçar a situação em
que ficaria o próprio Poder Judiciário, si tal monstruosidade
vingasse.
Realmente, a que ficaria reduzida a autoridade do Pre-
sidente do Supremo Tribunal Federal, quando impuzesse, nos
termos do n. 13 do art. 17 do reg. interno daquella Corte,
« penas disciplinares aos empregados da Secretaria que fal-
tassem ao cumprimento dos seus deveres », si aos empregados,
assim punidos, fosse permittido discutir o acto do seu su-
perior e insistir na pratica dos actos que determinaram a pena ?
A que ficaria exposta a propria autoridade do Supremo
Tribunal, quando tivesse de, « por omissão no cumprimento de
deveres », suspender « os empregados da Secretaria e serven-
tuários da justiça que servirem perante » elle (art. 271 do
regimento) ?
A que ficaria exposta a autoridade do Presidente da
Corte de Appellação, no caso do art. 82 do decreto n. 9.263,
de 28 de dezembro de 1911?
A que ficariam expostos os juizes quando tivessem de
applicar o art. 87 do referido decreto?
A que ficaria exposto o Procurador Geral do Districto
Federal, quando, firmado no art. 81 desse decreto, não pu-
desse manter a disciplina no ministério publico?
Bem vê a Veneranda Corte que o que o impetrante deseja,
invocando com erro palmar o art. 72 da Constituição da Repu-
blica, é nada menos que se dissolva a bierarchia da adminis-
tração em geral, supprimindo-se a disciplina.
E é a isto que se chama « these constitucional » ! . . .
Junto por cópia, por muito elucidar o caso, o officio por
mim dirigido, a respeito, ao Sr. Ministro da Justiça. Da sua
leitura, verá a Veneranda Corte quanto condescendi com um
subalterno que reincidio em falta disciplinar, que fraudou o
texto de uma portaria minha, attribuindo-me a autoria de
uma phrase por elle mutilada no próprio beneficio, e ex-
poz-me, emfim, á pecha de prevaricador, ao affirmai-, numa
missiva particular, que propositalmente deu á publicidade, que
— 202 —

sou capaz cie « boas disposições » para certas partes que


recorrem á minha autoridade em prejuizo de o u t r a s .
Reitero a essa Yeneranda Corte os meus protestos de
grande respeito e profunda consideração.— O Chefe de P o -
licia, Aurélino de Araújo Leal.»

JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE « HABEAS-CORPUS » N. 3-770

Districto Federal

DECISÃO RECORRIDA

Relatados e discutidos estes autos de habeas-corpus, em que é


impetrante o Dr. Alberto de Carvalho e paciente o Dr. Manoel Cle-
mente do Rego Barros, accordam, afinal, não conhecer do pedido de
f 1. 2. e assim decidem pelos motivos seguintes :
O paciente, medico legista da Policia, foi prohibido, pelo Chefe
de Policia, de fazer publicações pela imprensa relativamente á questão
do exame de sanidade procedido na pessoa do Dr. Edmundo Bitten-
court, e viu-se, posteriormente, suspenso por essa autoridade em
razão de haver escripto uma carta que foi editada pela imprensa
sobre a mesma questão.
Firmado nestes factos, o impetrante invocou o presente recurso
de habeas-corpus para ser assegurado ao paciente o direito de es-
crever na imprensa sobre qualquer assumpto. independente de cen-
sura prévia, nos termos do art. 72, § 12, da Constituição, sem que,
pelo exercício do direito constitucional, venha a perder as funcções
e vantagens do cargo que exerce.
Do exposto, e do additamento apresentado na sessão do julga-
mento, conciue-se que a presente medida visa, evidentemente, ga-
rantir o paciente contra penas disciplinares e demissão que possa
soffrer por effeito de transgressão á ordem recebida de abster-se de
tratar na imprensa do caso aMudido.
Mas, não sendo o habeas-corpus, como já decidiu unanimemente
o Supremo Tribunal Federal, por accordam de 6 de dezembro de 1911
(Rev. de Dir., vol. 25, pag. 89), meio idôneo para revogação de
pena disciplinar imposta por autoridade que tenha competência para
fazel-o, forçoso é concluir que não o é também para prevenir, ou
obstar a «cção disciplinar de uma autoridade em idêntica situação,
como o Dr. Chefe de Policia, ex-vi do dispositivo do art. 32, nu-
mero VIII, do decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907.
Accresce que este Tribunal não poderia proteger o paciente contra
uma demissão, mesmo injusta, visto lhe ser vedado conhecer, por
habeas-corpus, de actos do Ministro da Justiça, a quem cabem as
attribuições de nomear e demittir os medicos legistas da Policia.
(Decreto citado, art. 9°, § 2 0 ). Custas pelo impetrante.
Rio de Janeiro, 7 de abril de 1915. — Blviro Carrilho.— Fran-
cisco Guimarães.— Edmundo Rego.
Presidiu o julgamento o Sr. desembargador Ataulpho de Paiva.
— .203 —

ACCORDAM

N. 3-1/70 — Relatados e discutidos estes autos de recurso de


habeas-corpus, interposto do accordam de fis. 48 e 49, pelo Dr. Ma-
noel Clemente do Rego Barros, e considerando :
Que o recorrente, medico legista da Policia, impetrou á 3 a Câ-
mara da Corte de Appellação uma ordem de habeas-corpus que lhe
garantisse :
Io, o direito de se defender da accusação de cumplicidade no
extravio de um laudo medico, escrevendo na imprensa e só podendo
ser responsabilizado, penal e disciplinarmente, pelo uso que fizesse
daquelle direito que a Constituição Federal assegura, no art. 72,
§ 12, aos cidadãos e aos estrangeiros residentes no Brasil;
2°, o direito de organizar desde já a sua defesa, usando de todos
os recursos ou meios essenciaes a ella, e, conseguintemente, promo-
vendo inquéritos que para tal fim se fizerem necessários;
que o accordam recorrido, indeferindo o pedido, como ficara
exposto, declarou que se visa, na espécie, garantir o impetrante contra
penas disciplinares e demissão que possa soffrer por effeito de trans-
gressão da ordem recebida de " não tratar na imprensa da questão
levantada sobre o exame de sanidade na pessoa do Dr. Edmundo
Bittencourt, director do jornal Correio da Manhã; c que o habeas-
corpus. não sendo meio idôneo para revogação de penas discipli-
nares impostas pela autoridade que tenha competência para fazel-o,
forçoso é concluir que não o é também para prevenir ou obstar
acção disciplinar da Justiça, a quem oabe demittir 0o.s medicos le-
gistas da Policia, conforme estabelece o art. 95, § 2 do citado de-
creto, não podendo o Tribunal íocal proteger o paciente contra a
demissão que lhe fôr imposta por esta ultima autoridade;
que o recorrente, convencido da impropriedade do meio empre-
gado para obter garantia contra actos de seus superiores hierarchicos,
affirmou nas razões de recurso de fis. 53 a 61, que não pede rele-
vação de suspensão que lhe foi imposta pelo Chefe de Policia, em
5 de março do corrente anno, nem tão pouco a prohibição de qualquer
futura pena disciplinar, em que possa incorrer pelos abusos que
commetter, mas quer simplesmente que, nos termos do art. 72, §§ 112
e 16 da Constituição Federal, possa escrever na imprensa sobre a
falsa accusação que lhe foi feita, e preparar sua defesa legal pro-
cessual, promovendo os inquéritos policiaes que se tornarem precisos,
e us,ando de outros meios ou recursos essenciaes;
que, sem embargo, desta alteração e mesmo que não se subentenda
na garantia, como agora é impetrada, o effeito de prevenir ou
obstar penas administrativas, motivadas por publicações que inte-
ressam á repartição de que faz parte o paciente, não é admissível que
este Tribunal conheça em gráo de recurso do pedido feito em termos
diversos daquelles em que foi apresentado á terceira Clamara da
Corte de Appellação e por ella decidido a fis. 48 e 49;
que é o Chefe de Policia que affirma, á fl. 26, n,ão obstar que
o paciente se conservasse no goso das garantias constitucionaes in-
vooadas, não lhe negando o direito de emittir pela imprensa o seu
pensamento, mas tomí&ndo medidas relativas á sua condueta, como
funecionario, irfhibido de revelar segredos de sua repartição, e obri-
gado, desde que acceitou o cargo, á disciplina administrativa;
que é a referida autoridade que informa, no officio de fl. 38,
dirigido ao Ministro do Interior, quando o paciente reclamou contra
o acto de sua suspensão, que a primeira certidão requerida pelo
advogado do Dr. Edmundo Bittencourt, sobre o desvio do auto de
— 204 —

exame de sanidade, deu lugar a uma verdadeira devassa na secretaria


da Policia, muito mais efficaz do que o inquérito pedido pelo pa-
ciente;
que o habeas-corpits é impróprio para solver a questão discutida
nos autos, e, pois, a decisão recorrida não se afasta da doutrina
firmada pelo Tribunal Federal, em seus arestos sobre aquelle Insti-
tuto, na forma por que se acha consagrado no art. 72, § 22, da
Constituição Brasileira;
que a responsabilidade, administrativa é característica do func-
cionario publico e se applica ás relações internas da hierarchia, e
sem intromissão de autoridades estranhas, porquanto a disciplina é
essencial a toda organização administrativa;
que o funccionario punido com inobservância das normas admi-
nistrativas que o amparam, ou privado do cargo, de direitos ou van-
tagens que o processo disciplinar não attinge, pode invalidar em
juizo, por meio de acções competentes, o acto lesivo, e, si este
constituir um delicto, promover a responsabilidade penal de quem
o motivou.
Accordam, por estes fundamentos, negar provimento ao recurso,
para confirmar, como confirmam, o accordam recorrido.
Custas na forma da lei.
Supremo Tribunal Federal, 8 de maio de 1915-—H, do Espirito
Santo, presidente. — Sebastião de Lacerda, relator.— Oliveira Ri-
beiro.— Comuto Saraiva.— Viveiros de Castro. — / . L. Coelho e
Campos. — Leoni Ramos.—<Pedro Mibielli.— G. Natal.— Pedro Lessa.
— .1/. Murtinho.— Godofredo Cunha.
Demissibiiidade «adnuíum» dos commlssarios de polícia

Em 14 de dezembro de 1915. — Ao Sr. Terceiro Pro-


curador da Republica.—« Passo a responder-vos o officio nu-
mero 754. de 30 de novembro proximo passado, em que me
pedis informações que vos habilitem a defender os interesses
da União na acção contra ella proposta pelo ex-commissario
da Policia ürlantino da Silva Loreto.
Este e outros cidadãos que pertenciam á policia civil.
demitti após longas e minuciosas informações, que me pro-
varam não convir a sua permanência na effectividade do ser-
viço com o qual não se conciliam deslises ou deliquios da
idoneidade funccional.
Ao ter de lançar mão do extremo alvitre de separal-o, e
a outros, do commissariado de Policia, o meu primeiro cuidado
foi consultar a lei e verificar si ella, de par com a pratica dos
tribunaes. e os princípios theoricos. bem me armara de tal
poder, não me tendo sido difficil concluir pela affirmativa.
De facto, o decreto legislativo 11. 1.631, de 3 de janeiro
de I9°7- discriminando os órgãos auxiliares da administração
policial, entre os quaes (art. i°, § 2°. lettra a) 30 commissarios
de Policia de primeira classe e 100 de segunda, estabeleceu
no art. 20, em termos claros e peremptórios.
« Os funccionarios de que trata esta lei serão livremente
nomeados e demittidos pela fôrma seguinte :

4 — Os demais funccionarios pelo chefe de Policia ou


pelos chefes das repartições, conforme fôr determinado em
regulamento.»
— 20G —

F/ neste numero que entram os commissarios.


O regulamento que baixou com o decreto n. 6.440, de 30
de março de 1907, respeitando a lei acima, repetio no art. 90 :
« São livremente nomeados e demittidos :

§ 2°. Pelo chefe de Policia:

IV. Os commissarios de Policia.»


Ao estatuto dos commissarios de Policia também per-
tencem os requisitos da sua investidura, definidos do seguinte
modo no art. 11 :
« Os commissarios de Policia serão nomeados dentre os
cidadãos brazileiros menores de sessenta annos e maiores de
vinte e um, de reconhecida idoneidade moral e intellectual, em
concurso prestado perante uma commissão de dous advogados
cxtranhos á Policia e nomeados pelo Chefe de Policia, sob a
presidência deste ou de um dos delegados auxiliares. »
O § i° deste artigo estabelece quaes são as provas de
habilitação (escriptas e oraes) e o § 20 exige um certo numero
de documentos sem os quaes o aspirante ao cargo não pôde
ser inscripto : certidão de idade, folha corrida, attestamento de
residência no Districto Federal e da profissão que exerça ou
tenha exercido e do bom desempenho delia, e attestado me-
dico, comprovador de que não soffre de moléstia alguma que
o impossibilite do exercício do cargo.
Isto quanto á nomeação.
Quanto á demissão, o art. 29 é taxativo :
« Os delegados de districto, escrivães, commissarios. in-
spector e sub-inspectores de Policia Marítima e demais func-
cionarios serão exonerados :
I, a pedido;
II, quando pronunciados em crime commum ou func-
cional ;
III, por immediata resolução do chefe de Policia, ou
mediante processo administrativo, do qual não caberá recurso.»
A primeira cousa a concluir do que fica dito, é, pois,
que o chefe de Policia nomeia e demitte livremente os com-
missarios de Policia.
Num caso essa sua liberdade é relativa, no outro é abso-
luta : relativa quanto á nomeação, porque esta depende do con-
curso, e absoluta quanto á demissão, porque esta fica sujeita
— 207 —

á « immediata resolução do chefe de Policia, isto é, ao seu


simples critério, á sua personalíssima apreciação do facto de
que se tratar.. . No caso do processo administrativo, a facul-
dade é também relativa, dependente, como fica, da proce-
dência ou improcedencia da aceusação.
Entretanto, do direito, tal qual está escripto (decreto le-
gislativo n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907, e regulamento nu-
mero 6.440, de 30 de março do mesmo anno), se deduz que:
( i.° São livremente nomeados e demittidos pelo chefe
de Policia os commissarios de Policia.
2." A sua nomeação definitiva depende de concurso.
3. 0 Elles podem ser demittidos por immediata resolução
do chefe de Policia ou mediante processo administrativo do
qual não caberá recurso.»
E' claro que o superior dirigente dos negócios da Policia
tem um duplo meio de afastar do serviço os commissarios cuja
permanência não for conveniente : o primeiro depende imme-
diatamente de suas proprias impressões, tão somente délias,
sem outro contraste que não sejam o senso, o critério do
demittente; o segundo do processo administrativo que elle,
sobre determinado facto, manda porventura abrir, e do qual se
conclua a responsabilidade do commissario. Portanto, quando
o chefe de Policia, independentemente de processo adminis-
trativo, demitte um commissario de Policia, permanece dentro
da lei, por isso que lhe é assegurada a faculdade de demittil-os
«POR IMMEDIATA RKSOLUÇÃO SUA (art. 29. n. III. do regula-
mento que baixou com o decreto n. 6.440, de 30 de março
de 1907).
Se no tempo em que examinei a situação jurídica do
autor para bem me aperceber do direito que tinha de de-
mittil-o, conclui pela perfeita procedência desse direito, não
concluo hoje de modo différente diante dos argumentos ad-
duzidos pelo seu talentoso patrono.
São estes os dispositivos legacs em que o autor assenta
o seu direito: o art. 90 da lei n. 191 b, de 30 de setembro
de 1893, de que concluio que, sendo elle « empregado nomeado
por concurso, não pôde ser demittido ad nutum, artigo de que
encontrou reaffirmação em outras leis : art. 8o da lei n. 266,
de 24 de dezembro de 1894; art. 40 da lei n. 358, de 26 de
dezembro de 1895 », e «mais a do art. 30 da lei n. 2.321, de
30 de dezembro de 1910.»
— 208 —

No emtanto, nenhuma das leis citadas tem applicação ao


caso.
A lei n. 191 b, de 30 de setembro de 1893, estabeleceu,
é certo, que (art. g") :
« Os empregados de concurso não poderão ser removidos
para. cargos de categoria inferior aos que occuparem, e só
poderão ser demittidos em virtude de sentença.-»
E' também certo que o art. 8o da lei n. 266, de 24 de
dezembro de 1894, mandou continuar em vigor, entre outras,
a disposição do art. 90 da lei n. 191 /;, de 30 de setembro.
Como, porém, applicar a funccionarios creados por lei
de 1907 disposição de direito escripto movei, de caracter an-
nual, tornado objectivo em 1893 e 1894?
O decreto legislativo n. 358, de 26 de dezembro de 1895,
que é uma lei permanente, não pôde, entretanto, ser invocado,
porque trata de funccionarios do Thesouro. O art. 40. invo-
cado pelo autor, começa justamente com essas palavras restri-
ctivas : « Os empregados de Fazenda, de entrancias ou con-
curso, só poderão ser demittidos, etc. ». O dispositivo não se
estende, pois, aos empregados dos outros ministérios.
E' verdade que o autor cita também o art. 30, da lei nu-
mero 2.321, de 30 de dezembro de 1910, mas, ainda aqui, não
lhe vale o direito invocado.
De facto, diz o art. 30 dessa lei :
« Continuarão em vigor todas as disposições das leis de
orçamento antecedentes que não versarem particularmente
sobre a fixação da receita e despeza, sobre a autorização para
marcar ou augmcntar vencimentos, reformar repartições ou
legislação fiscal e que não tenham sido expressamente revo-
gadas . »
Concedendo mesmo que o legislador de 1910, nesse ar-
tigo, quizesse reviver disposições de leis de 16 e 17 annos
passados, nem assim teria razão, porque o art. g" da lei nu-
mero J91 &, de 30 de setembro de 1893, e art. 8o, da lei n. 266,
de 24 de dezembro de 1894. foram revogados pelo decreto
legislativo n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907, art. 2". que
sujeitou os funccionarios 11 elle contemplados a serem « no-
meados e demittidos livremente pelo Presidente da Republica,
pelo Ministro da Justiça e pelo Chefe de Policia. Entre elles
estão os commissarios (art. i°, lettra a terceira alinéa) de-
missiveis pelo Chefe de Policia. « conforme for determinado
— 209 —
pelo regulamento» (art. 2o, n. 4 ) . O regulamento é o baixado
pelo decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907, cujo art. 29,
como já mostrei, arma o Chefe de Policia, « por immediata
resolução » sua, do poder de demittir os commissarios, mesmo
sem processo administrativo.
A jurisprudência citada pelo autor também não o apro-
veita .
Nada posso allegar sobre o accórdão n. 1.294, de 1907?
do Supremo Tribunal, julgando que «os funccionarios de-
clarados expressamente vitalícios pela Constituição não são os
únicos que têm direito a reclamar judicialmente contra uma
demissão ad nutum». Ha outros, effectivãmente, que, não
sendo vitalícios, gosam, todavia, de certas regalias que o as-
seguram no cargo, ora pelo prazo inicialmente marcado na
investidura, ora emquanto bem servirem, ora emquanto não
incidirem na perda disciplinar do cargo em conseqüência de
processo administrativo. Posso, porém, sustentar que entre
os empregados não expressamente declarados na Constituição
que gosam de tal segurança não estão os commissarios de Po-
licia. Basta consultar os outros accórdãos citados pelo autor.
O de 20 de julho de 1912, n. 1.841, embora referido
entre aspas, como affirmando que «os emprgeados por con-
curso só podem ser demittidos em virtude de sentença », não
contém tal conceito. A essência desse accórdão, como se
poderá facilmente verificar, está em af firmar que « adquirido
pelo funccionario o direito outorgado» por uma lei « não pôde
perdel-o por effeito retroactivo da lei posterior». (Revista
de Direito, vol. 25. pag. 499). Ora. eu já mostrei que foi a
lei 11. 7.631, de 3 de janeiro de 1907, que creou os lugares
de commissarios de Policia, dando-lhes o respectivo estatuto,
que nada tinha com a lei n. 1:91 b, de 30 de setembro de 1893,
e as demais que a repetiram, ü accórdão n. 1.187. de 2& de
junho de 1909. também não pôde ser invocado pelo autor.
Tratava-se, no caso. de um funccionario da Alfândega, por
concurso, escripturario desde 1893 e demittido sem processo
cm agosto de 1894, justamente quando estazja em vigor a lei
n. ípi b. de 30 de setembro de 18Q3 (Rev. de Direito, vol. 21.
pags. 5 0 - 1 ) • Também neste accórdão não existem, textual-
mente escriptas, as palavras que leio, entre aspas, na contra-fé.
Nas mesmas condições está o accórdão de 27 de no-
14
— 210 —

vembro de 1901, li. fît. Foi ainda um appello á lei 11. 191 b, .
de 30 de setembro de 1893, feito por um conferente da Al-
fândega de Porto Alegre, nomeado por concurso e demittido,
seiii processo, em agosto de 1894, quando aquella lei estava
em pleno vigor. (O Direito, vol. 87, pags. 83-4).
Quanto ao accórdão n. 2.01o, de 1913, segundo o qual
« a demissão do funccionario publico só pôde ser dada com
observância da lei reguladora do caso, sendo nullo o acto do
Governo que a dá sem esse motivo e sem essa observância »,
muito apro\ eita elle ao critério por mim adoptado, porque
usei de uma attribuição que me assegurou o decreto legislativo
11. 1.631, de 3 de janeiro de 1907, e me conferiu o regula-
mento que baixou com o decreto n. 6.440, de 30 de março
do mesmo anno (respectivamente, art. i°, § 20, lettra a, e "ar-
tigo 9o, § 2o, ' n. I V ) .
Ainda quanto ao accórdão n. 2.443, de T^ de julho de
1915, segundo o qual « a clausula legal de ser conservado o
funccionario emquanto bem servir exclue o arbitrio na sua
demissão, que, para se justificar, é preciso se fundar em
faltas que denotem que o funccionario servia mal o cargo em
que fora imitíido », é argumento contra o autor, porque, o
que da sua lettra se deduz (e é justamente o que está assen-
tado), é que é necessário existir na lei a clausula emquanto
bem servirem, para que os funccionarios, não vitalícios, gosem
de estabilidade funccional, não podendo ser demittidos sem o
concurso de certas formalidades. Ora, tal clausula não existe
nem na lei n. 1.631, nem 110 regulamento n. 6.440, de 1907...
Finalmente, quanto ao accórdão de 8 de abril de 1915,
tratando elle da situação intermedia de funccionarios não vi-
talícios, mas também indemissiveis ad nutum, põe em relevo
o que eu não contesto, isto é, que taes funccionarios só
« podem ser destituídos do emprego em virtude de decisão
da propria autoridade administrativa, por motivos precisa e
taxativamente indicados em lei, mediante a observância de
formalidades que o direito processual estabelece para os
juizes ordinários». (Rev. de Direito, vol. 33, pag. 9 6 ) .
E' preciso, porém, que taes, « motivos » existam « taxativa-
mente indicados », para que a autoridade a elles se cinja, o que
não occorre no caso dos commissarios de Policia. Ahi a
«inimediata- resolução do Chefe de Policia» tudo dirime.
211 —

O processo» administrativo é uma alternativa, é um outro meio


de demissão que não exclue o livre alvedrio do superinten-
dente do serviço policial.
Outra jurisprudência, porém, posso invocar, que põe á
sombra de qualquer ataque o acto que pratiquei.
Um novo accórdão, de 12 de maio deste anno, refere
que « o nosso direito administrativo sempre reconheceu ser
licito á administração demittir livremente os empregados pú-
blicos que não foram declarados vitalícios por expressa dis-
posição de lei ou cuja demissão não depender de formalidades
também expressamente consagradas em preceitos legaes ».
Embora este accórdão tenha tido vários votos vencidos, não
é demais salientar que um délies, o do eminente ministro Pedro
Lessa, não me desaproveita, porque o que elle sustentou,
sustento eu também, isto é : o Poder Judiciário não permittc
demissões contrarias ao terminante preceito legal'». {Rev. de
Direito, vol. 38, pag. 9 1 ) . Ora, mais uma vez o repito; os
« terminantes preceitos'» da lei n. 1.631 e do regulamento nu-
mero 6.440 o que fazem é dar-me justamente a attribuição, o
direito da demissibilidade ad nntum de todos os funccionarios
da Policia — todos, é preciso salientar — comprehendidos nas
disposições que já citei delegados auxiliares, delegados dis-
trictaes, commissarios, agentes, etc.
Mais ainda: no accórdão ri. 2.132, de 23 de abril de 1913,
de que foi relator o ministro Pedro Lessa e que é seguramente
o leading — case da situação jurídica dos funccionarios, quanto
á sua vitalíciedade nos cargos, foi sustentado que a demissi-
bilidade ad militm » era « necessária em se tratando de cargos
da exclusiva confiança do Poder Executivo, como, por
exemplo, os de commandante de forças de terra ou de mar,
de chefe, delegado c sub-dclegado de Policia». {Diário Of-
ficial, de 5 de julho de 1913, pags. 9.694-96).
A lei n. 2.924, de 5 de janeiro de I9i"5, art. 125, deu
mais garantias ao « funecionario ou empregado publico fe-
deral, salvo os funccionarios em commissão » ; com « 10 ou
mais annos de serviço publico federal, sem ter soffrido penas
no cumprimento dos seus deveres », qualquer délies « só po-
derá ser destituído do mesmo cargo em virtude de sentença
judicial, ou mediante processo administrativo. E' o que dispõe
a dita lei, que é igualmente inapplicavel ao caso, porque a
demissão do autor e dos demais commissarios que demitti
foi deliberada e praticada antes da respectiva sancção. Como
se vê, a lei é de 5 de janeiro, o autor foi demittido a 25 de no­
vembro de 1914, e seus companheiros a 2 de janeiro de 1915.
Se bem agi dentro da lei e dentro da jurisprudência, não
andei de modo différente deante da doutrina.
E' dispensável fazer praça de erudição; necessário é,
porém, firmar que a vitaliciedade, pelo nosso próprio direito,
constitue excepção. E a concepção jurídica assim objectivada
não é anachronica. «Um principio incontestável do direito
publico moderno, diz D uguit. é que um funccionario é sempre
demissivel ». (L'Etat, les gouvernants et les agents, vol. 1J.
pag­ 573) •
Na estabilidade dos funccionarios operou­se uma grande
transformação, não no sentido da vitaliciedade. mas das ga­
rantias de defesa. Em "innumeros casos — entre nós só se
exceptuam os juizes, os professores, os militares de terra e
mar e os notarios — os funccionarios públicos continuam de­
missiveis. A evolução que se operou, relativamente a muitos,
apenas os premune do arbítrio pessoal do superior. D ahi, a
clausula de serem conservados emquanto bem servirem, — que
a jurisprudência faz depender da prova de que — mal serviam
— para que a demissão seja legal; dahi. ainda, a exigência
de processo administrativo para apurar a responsabilidade dos
funccionarios culpados.
O que é preciso, porém, accentuai' é que nenhum func­
cionario tem garantia de estabilidade sem que a lei o declare:
« A demissão das funeções publicas, diz Barthélémy, é sempre
possível, salvo texto em contrario. » (TV. élém de droit adm..
pag. 74). E' igual a affirmativa de Gaston Gèze : « A regra. '
quando não ha texto é que não ha garantias.» (Blém. de dr.
publ. et adm., pag. 72.)
Ahi está porque, cedendo á evolução do direito, os nossos
legisladores e governantes têm adoptado nas leis c nos regu­
lamentos medidas protectoras dos funccionarios, asseguran­
do­os contra os caprichos da política, contra o ódio pessoal,
contra o arbitrio irrefreável.
Actualmente, quasi não é mais necessário invocar a lei
■n. 191 b, de 30 de setembro de 1893. porque cada lei orgânica,
cada regulamento feito por autorização do Congresso, ou sem
— 213 —

ella, contém normas relativas á investidura e conservação nas


funcções publicas, e essas normas é que prevalecem, au-
(jmcntam ou diminuem as prerogatives dos funccionarios que
não forem vitalícios.
E como não ha, entre nós. uma lei systematica firmando
o estatuto dos funccionarios públicos, não tem. quem quizer
deslindar estas questões, outro caminho a seguir senão o apon-
tado por Gaston Gèze : « Para conhecer as garantias contra
as demissões arbitrarias, é preciso consultar as leis e regula-
mentos relativos a cada funcção.» (Op. cit., pag. 72). -
No direito brasileiro, a estabilidade funccional é vita-
lícia para :
a) os juizes federaes (art. 57 da Constituição) ;
b) os officiaes do Exercito e da Armada (art. 76 da
Constituição) ;
c) os cargos que por lei ordinária forem considerados
inamoviveis (art. 74 da Constituição) ; taes são os professores,
os tabelliães. etc.
Fora dahij a demissão ou é livre, perfeitamente arbi-
traria, sujeita somente ao critério do superior do serviço, ou
é sujeita ás formalidades do processo administrativo. Quando
o funccionario soffreu penas disciplinares por faltas no cum-
primento dos seus deveres, a demissão não depende de forma-'
lidade alguma, mesmo já contando 10 annos de serviço. Si
elle tem limpa a sua folha de serviço, conta 10 annos de ser-
viço e commette falta disciplinar ou crime, só pôde ser de-
mittido por processo administrativo ou sentença judicial ; é
o que está estabelecido na lei n. 2.294, de 5 de janeiro de
1915. que. aliás, não aproveita ao autor, demittido em 1914.
Foram estes os motivos em que me estribei para praticar
o acto contra o qual o autor procura o remédio judiciário
a que allude a petição inicial.
Aproveito a opportunidade para apresentar a V. E x .
os meus protestos de estima e consideração.— Aurelino
Leal ».

JURISPRUDÊNCIA

Sentença — Conclusão — O acto do Chefe de Policia, exonerando


o autor de accôrdo com as disposições transcriptas, não ha pois, como
ser examinado em face de regulamentos ou de leis anteriores, a
— 214 —

acceitaçâo do emprego dependia livremente da vontade do mesmo


autor, que não pode invocar outros direitos além dos expressamente
concedidos na lei e no regulamento em virtude dos quaes foi nomeado.
Longe de ter sido incluída a garantia da permanência entre as
condições que uma e o outro estabeleceram para o attrahir ao cargo,
estava consignado de modo taxativo que a sua conservação dependia
apenas da vontade do Chefe de Policia.
Nestas condições, julgo improcedente "a acção proposta e con-
demno o autor nas custas.
Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1917.—Raul de Sousa Martins.
Livre exercício de confissão religiosa

« Em 29 de janeiro de 1916 — Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal


da I a Vara — Em resposta ao officio desse Juizo, hoje rece-
bido, informo a V. Ex. que a Policia resolveu prohibir a
procissão de S. Sebastião que, no Curato de Bangú, deseja
realizar Domingos José Rodrigues, porque o Vigário do dito
Curato e outras altas autoridades da Egreja consideraram o
facto vilipendioso e ultrajante da religião catholica, que, com
tal pratica, seria desacatada.
Accresce*que os representantes do clero catholico, interest
sados no caso, informaram esta Chefatura de que a sahida
da dita procissão tornaria inevitáveis graves conflictos entre
as correntes religiosas da localidade.
Saúde e fraternidade.— O Chefe de Policia, Aurclino de
Araújo Leal.»

Não me foi possível explanar juridicamente o assumpto


a que se refere este officio escripto á ultima hora, para não
demorar a informação.
Eimitei-me a apontar ao Juiz Federal os motivos que
haviam determinado a prohibição da Policia : evitar um crime
contra o livre exercido dos cultos, salientando que, ao dizer de
autoridade^ da Egreja, a procissão importaria no vilipendio c
ultraje da religião catholica (art. 185 do Código Penal).
Por outro lado. alludi á possibilidade de perturbação da
ordem.
— 216 —

A f uncção é perfeitamente normal no dominio da Policia.


Nos Estados Unidos não se admittem restricções no
tocante ao livre exercício da religião, mas esta garantia, diz
Cooley, « não impede a adopção de regras relativas ás ruas ».
(Constitutional Limitations, pag. 665 e not. 1 ) . Neste as-
sumpto. como em outro qualquer, é preciso que as praticas,
para serem permittidas. se accommodem « ás regras communs
da ordem». São legitimas as leis que punem, nas manifes-
tações religiosas, « quaesquer extravagâncias que possam per-
turbar a paz publica». (Cooley, Principles of Const. Law.,
pag. 227; Hall, Constitutional Lazv., pag. 90.)
E' preciso, porém, que as leis ou regulamentos disponham
a respeito explicita ou implicitamente.
No caso em questão, o Supremo Tribunal decidiu muito
bem, porque, tratando-se de uma procissão catholica. ella só
podia ser feita ou autorizada por autoridades da Egreja, que é
associação organizada e até em relações diplom-tóicas com
vários Estados.
Este ponto, Orban elucida muito. (Le Droit. Const. Belge,
vol. I l l , pag. 472 e seguintes.)
Veja também sobre o assumpto. entre outros. Racioppi
e Brunelli: Comento alio Statuto, vol. III. pags. 2T9 e se-
guintes, etc.

JURISPRUDÊNCIA
SUPREMO '1' R 1 B U K \ L V V. D K R A L

ACCORDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas-


corpus, interposto do despacho de fis. 15 c seguintes, pelo qual o
Juiz da secção da Primeira Vara desta Capital negou a ordem im-
petrada pelo Dr. Octacilio Carvalho de Camará, em favor dos pa-
cientes Domingos José Rodrigues e outros devotos <de S. .Sebastião,
para que possam levar a effeito, no Curato de Bangú, uma procissão,
que em cumprimento de promessa, feita áquelle Santo, não puderam
realizar por probibição do Chefe de Policia, á requisição da autori-
dade ecc'lesiastica, que á dita procissão também se oppoz, como tudo
consta dos autos, e,
Oonsideramdo os fundamentos de direito e de facto da decisão
recorrida, que procedem';
Considerando que o livre exercicio do culto garantido pela Con-
stituição, art. 72. § 3o, tem seu limite na lei, quer quando prove, no
interesse social, ás necessidades de ordem publica, quer quanto á ga-
rantia devida a cada confissão religiosa;
— 217 —

Considerando que, como no caso, permittir a procissão de uma


imagem benta da Egreja Catholica (fora dos ritos desta Egreja e
contra a prohibição da autoridade religiosa respectiva, e com os re-
clamos desta poralnle a Policia, fora desrespeito e vilipendio que a
lei veda por contrario á garantia do livre exercício de cada confissão
religiosa nos termos de sua liberdade consagrada pela Constituição :
O Supremo Tribunal nega provimento ao recurso interposto para
confirmar a decisão recorrida, pagas as custas pelo recorrente.
Supremo Tribunal Federal. 19 de abril de 1916. — H. do Espirito
Santo, presidente.— /. L. Coelho e Campos, relator.— .1/. Murtinho.
— Lebon Ramos.— Canuto Samiva.— Sebastião de Lacerda.— Pedro
Lessa.— Oliveira Ribeiro.— Viveiros de Castro.— G. Xatal. — Pedro
Mibielli.— Godofredo Cunha.

S
caso da "Jgüla Negra'
1
« Em 5 de junho de 1916 — Exmo. Sr. Desembargalor
Celso Aprigio Guimarães, DD. Presidente da Terceira Câ-
mara da Corte de Appeliação.— Acudindo pressuroso ao pe-
dido de informações emanado dessa Veneranda Cône de Jus-
tiça relativamente á prohibição por mim ordenada da repre-
sentação da Águia Negra, no theatro Recreio, preciso, antes
de mais nada, e como homenagem respeitosa ao Poder Judi-
ciário, salientar que a minha conducta, em todo esse caso,
jamais affectou o meu dever de obediência ás ordens da
Justiça.
E' certo que o funccíonarío encarregado da Policia dos
theatros e espectaculos públicos permittiu a enscenação da
peça e isto se verificou quatro vezes.
Factos, porém, occorreram, que fizeram certo que a
ordem publica seria alterada, se a peça continuasse no cartaz,
em conseqüência de scenas representadas de modo offensivo
a um dos paizes envolvidos na guerra europea. A autoridade
que presidiu ao ultimo espectaculo trouxe ao meu conheci-
mento que houve, na platéa. um começo, limitado embora,
de manifestações, que tenderiam, nas representações seguintes,
a augmentai- de intensidade, tomando um caracter grave, collo-
cando, além de mais. o Governo brasileiro, cuja attenção foi
solicitada para o caso, em situação vexatória no tocante aos
zelos da sua neutralidade.
Dahij a prohibição.
Intervindo o Poder Judiciário por meio de um man-
dado prohibitorio, expedido pelo Sr. Juiz de Direito Almeida
— 220 —

Russell, recommendei ao Sr. 2o Delegado Auxiliar que se


desse por intimado, e fosse, elle mesmo, presidir ao espe-
ctaculo com a força sufficiente para impedir que se dessem
desordens, e intervir com o intuito de que ellas, quando não
evitadas, prejudicassem o menos possivel a segurança das se-
nhoras e cavalheiros no theatre
Entretanto, tentei, por meio suasorio. conjurar a situação,
convidando a vir ao meu gabinete o emprezario José Loureiro,
que se promptificou a acquiescer ao meu pedido; a peça foi,
assim, retirada do cartaz.
No dia seguinte os actores da Companhia requereram
habeas-corpus ao Sr. Juiz de Direito Albuquerque Mello,
que concedeu a ordem com in formação^ do Sr. 2n delegado
auxiliar, expedindo um salvo-conducto erí? favor dos impe-
trantes. Avisado, porém, de que o facto estava affecto á
minha autoridade, o illustre magistrado nem só cassou o salvo-
conducto. como julgou prejudicado o pedido.
Vê, pois, a Yeneranda Câmara (e isso mesmo tornei pu-
blico por meio de uma nota do meu gabinete dirigida a todos
os jornaes) que a prohibição estava de pé, no primeiro caso,
por consentimento do emprezario. e. no segundo, por haver
o juiz cassado o salvo-conducto.
Restabelecida a verdade do facto, passo a justificar o
meu acto.
Tem-se censurado á Policia o haver consentido na repre-
sentação da peça e depois expedido ordem revogando o con-
sentimento .
Ora, como ensina Oito Mayer (Le droit administratif
allemand, vol. II, pag. 63). « aquelle que obteve a permissão
não é protegido contra as medidas de Policia que forem to-
madas por outros motivos...»
A representação da A Águia Negra ameaçou a ordem
publica e collocou o Governo brasileiro em situação incom-
moda para com deveres de cortezia internacional, senão de-
veres de respeito á sua condição neutral. São estes, pois,
« outros motivos », que não podiam, por imprevistos, ser in-
cluídos na anterior permissão policial.
Por outro lado. salvo melhor juizo, a Policia tem a attri-
buição de impedir representações publicas em vários casos,
o que, como sabe essa Veneranda Corte, constitue direito
— 221 —

escripto de outros povos cultos, sem que. por isso. seja ferida
a Constituição.
Na Italia, por exemplo, apezar do art. 28 do estatuto,
garantindo a liberdade de imprensa, uma lei de Policia es-
tatue :
« Le opere, i drammi, le rappresentazioni coreographichc
e le altre produzioni teatral i non possano darsi o declamar si
in publico, senza essere prima communicate al prefctto delia
província.
11 prefeito potrá proibere Ia representazione o Ia decla
r
mazione per ragioni di morale o di ordine publico.» -
E' esta, dizem Racioppi e Brunelli, uma « categoria «tie
manifestações do pensamento para a qual se conserva a cen-
s u r a » . {Commenta alio Statuto del Reyno, vol. II. pags. 162
e segs.)
Na Bélgica é conferida ao Conselho Communal attri-
bttição para regulamentar as representações de toda a ordem
« e elle vela por que não se realize nenhuma contraria á ordem
publica », ou « pode, em casos extraordinários, prohibir qual-
quer representação para assegurar a manutenção da ordem
publica». (Errera: Traité de Droit Public Belge, pag. 469.)
Na França a situação é positivamente a mesma. Alli
está em pleno vigor o art. 3" do decreto de 6 de janeiro de
J864. segundo o qual « toda a obra dramática, que tenha de
ser representada, deverá ser examinada e autorizada pelo mi-
nistro das bellas-artes nos theatros de Paris e pelos Prefeitos
nos theatros dos departamentos.
Esta autorização poderá sempre ser retirada por motivos
de o r. de m p u b li ca ».
Commentando esta disposição, Duguit. talvez a mais alta
competência em direito constitucional da França moderna, e
que, seja dito. sob o ponto de vista abstracto. é contrario a
esse regimen, diz peremptoriamente : «.. .em direito o theatro
é submettido a um regimen de Policia. O art. 3 0 do decreto
de 6 de janeiro de 1864 não está abrogado. Emquanto existir
este texto, a autoridade administrativa conservará seu direito
de prohibir de antemão e discrecionariamente a representação
publica de uma peça. e de retirar, também discrecionaria-
mente a autorização dada tácita ou expressamente.» (Traité
de Droit Constitutionnel, vol. II, pags. 73-4.)
— 222 —

Os nossos visinhos do Prata também seguem a mesma


orientação : « A commissão de censura prohibirá a repre-
sentação publica das obras que, em sua urdidura, expressão
ou fôrma, offendam os princípios fundamentaes da moral, a
Constituição Nacional, os altos poderes e funccionarios do
Estado, o culto da religião catholica e demais religiões tole-
radas e também as obras cuja representação possa alterar a
tranquillidade publica». (Ofdenanzas Générales de Ia Policia
de Buenos Aires, pags. 288-9 • )
Não é différente o nosso direito. Já o edital de 29 de
novembro de 1824 tinha regulamentadcf a aSsumpto. A lei de
3 de dezembro de 1841, no art. 40, § 6o, ábnferiu* á autoridade
policial a attribuição de « inspeccionar os theatros e especta-
culos públicos, fiscalizando a exjjcução de seus respectivos
regimentos...»
O regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, entre
outras disposições, firmou que « nenhuma representação terá
logar sem que haja obtido a approvação e o visto do Chefe
de Policia, ou do delegado, que o não concederão quando
of f enda a moral, a religião e a decência publica ».
Em 1845 guardou a mesma orientação o decreto n. 455;
de 19 de julho, e um aviso de 17 de dezembro de 1851 escla-
receu que as p*eças censuradas pelo Conservatório Dramático
podiam deixar de receber o visto da autoridade policial, á qual
era licito « negar a sua approvação ás peças já revistas e
até prohibir que se ellas representem ». Paula Pessoa, Código
do Processo Criminal, edição de 1880, pags. 404-5 e notas
2.440-41.)
A lei 11. 2.033, de 20 de setembro de 1871, no art. 10,
e regulamento n. 4.824, de 22 de novembro do mesmo anno,
em igual artigo, não alteraram taes attribuições.
Para não alongar mais as presentes informações, basta-
me appellar para o decreto legislativo n. 1.631, de 3 de ja-
neiro de 1907, cujo art. 90, sobre mandar « continuarem em
vigor as leis e decretos relativos á organização policial não
revogados explicita ou virtualmente », autorizou o Governo
a « modificar os actuaes regulamentos da Policia e também
o de theatros e casas de diversões ».
Em conseqüência, o decreto ri. 6.440, de 30 de março
de 1907. attribuiu á 2ri delegacia auxiliar a funeção de entre
— 223 —

outras : « inspeccionar os divertimentos, theatros e especta-


culos públicos, não só quanto á ordem e moralidade, como
também em relação á segurança dos espectadores...»
Finalmente o decreto n. 6.562, de'26 de junho de 1907,
ainda em cumprimento á lei do Congresso, estatuiu no § 22
do art. 2o que « não será permittida a representação de qual-
quer peça que offenda ás instituições nacionaes ou de paizes
extrangeiros, seus representantes, ou agentes, aos bons cos-
tumes e á decência publica, ou que contenha allusoes aggres-
sivas a determinadas pessoas ».
O poder da Policia é tão ainplo, no caso, que lhc-é licito^
«. prohibit' temporária ou definitivamente o funccionamento de
qualquer casa de espectaculos, club ou sociedade recreativa
que infringir as disposições do regulamento, ou, quando assim
julgar conveniente, em beneficio da ordem, segurança e mo-
ralidade publica'». (Art. 25.)
O impetrante insiste muito no facto do 2° delegado au-
xiliar ter dado, originariamente, licença para a representação
da A Águia Negra. Mas, como já fiz notar, estribado, aliás, na
lição do Otto Mayer, a permissão foi revogada, por outros
motivos que não era possível prever e que occorreram depois.
Para ultimar as presentes informações, não é demais re-
cordar que a propria justiça local já se pronunciou no sentido
de reconhecer o poder da Policia de exercer contraste defi-
nitivo sobre os theatros e divertimentos públicos. De facto,
num confíicto de attribuições entre o Juiz dos Feitos da Fa-
zenda Municipal e o Chefe de Policia, foi decidido que era
« incontestável a competência do Chefe de Policia para super-
intender os espectaculos públicos de qualquer natureza, afin
de manter a ondem e prohibir que nos mesmos se pratiquem
actos illicites e que possam offender a moral...»
Reitero a essa Veneranda Câmara os meus protestos de
subida estima e consideração.— O Chefe de Policia, Aure-
lino de Araújo Leal.-»
— 224 —

JURISPRUDÊNCIA

« HABEAS-CORPUS » X. 4 . 2 0 $

ACCORDÃO

Vistos e expostos e 'discutidos estes autos de recurso de habeas-


corpus, interposto da decisão de fis. 15 e seguintes da Terceira Câmara
da Corte de Appellação, que denegou a ordem de habeas-corpus. im-
petrada pelo Dr. Henrique Inglez de Souza, em favor dos pacientes
José Loureiro e outros, emprezarios e artistas do theatro Recreio,
para que possa ser levada á scena a peça « Águia Negra », que a
Policia ora prohibe, depois de ter condedido licença-para a sua re-
presentação, o Supremo Tribunal, á vista dos autos e informações
do Chefe de Policia a fis. 9 e seguintes:
Nega provimento ao recurso, para confirmar, como confirma, por
seus fundamentos, a decisão recorrida. Custas Velo recorrente.
Supremo Tribunal Federal, em ia de junho de 'I91Ó.— II. do Es-
pirito Santo, presidente.— /. L. Coelho e Campos, relator.— Oliveira
Ribeiro.—\heoni Ramos.— Godofredo Cunha.—tCanu-to Saraiva.—
Viveiros de Castro.— André Cavalcante.— G. Natal.— Pedro Mi-
biclli. — .1/. Murtinho.

ACCORDÃO RECORRIDO
«
Vistos estes autos de habeas-corpus em que são impetrante o
Dr. Henrique Inglez de- Souza Filho e pacientes José Loureiro
Jorge Gentil e outros :
tendo o Dr. Chefe 'de Policia prohibido a representação da peça
«. A Águia Negra», que estava sendo exhibida pela Companhia « Ruas»
no Theatro Recreio, depois de competentemente licenciada, enviou
o impetrante o presente recurso para ser garantido ao primeiro pa-
ciente, emprezario da companlhia, e aos demais artistas da mesma o
direito de representarem aquelía peça, assegurando-se ainda por
este meio o livre ingresso no theatro de todos aquelles que quizerem
assistir aos espectaculos. Allega o impetrante que tal prohibição
constitue constrangimento ülegitimo. Si á Policia compete velar
pela ordem e moralidade publicas, não lhe assiste o direito de sus-
pender, mediante representação de um consul estrangeiro, uma peça
licenciada, causando com isso grandes prejuízos á empreza que a
montou, fiada na autorização recebida. Affirma que a peça não
tem nenhuma allusão á Allemanha ou a qualquer nação, e, quando
tivesse, muitas outras peças teem sido levadas em todos os tempos
e em todos os paizes; contendo criticas a nações e a chefes de
Estado, sem que a censura as prohibisse. A Policia sem razões de
direito cerceou a liberdade de pensamento garantida na lei básica.
Não se justifica ainda a prohibição com fundamento na ordem pu-
blica, que permaneceu inalterada nas quatro vezes em que a peça foi
exhibida. Pedidas informações ao Dr. Chefe de Policia, prestou elle
as que se encontram á fil. 9. A peça «A Águia Negra» foi de facto
prohibida, depois de licenciada pelo encarregado da Policia dos
theatros, e de representada quatro vezes. Assim procedeu o Dr. Chefe
— 225 — ■ *

de Policia, porque factos occorrcram que certificaram que a ordem


publica seria perturbada, si a peça continuasse no cartaz, em con­
seqüência de scenas representadas de modo offensive a um dos
paizes envolvidos na guerra européa. A autoridade, que presidiu ■*>
ultimo espectaculo, trouxe ao conhecimento da Chefia, que houve
na piatéa um começo, embora 'limitado, de manifestação, que tendia a
augmentar nas representações seguintes, tomando um caracter graps,
collocando, além do mais, o Governo brasileiro, cuja attenção foi
solicitada para o caso, em situação vexatória no tocante aos zelos da
sua neutralidade. Invoca o D r. Chefe de Policia, para justificar o
seu acto, a legislação brasileira, que, desde o tempo do Império,
conferiu á Policia a inspecção dos theatros e o direito de prohibir
as representações em casos taes, sustentando, com. a doutrina, que
essa faculdade de prohibição pôde manifestar­se depois de licenciada
a peça, sobrevindo causa justa. Argumenta que a censura vigora
entre nós, como em vários paizes cultos, como a Bélgica, a Italia,
a França e a Argentina, não obstante as garantias que dão á liber­
dade de pensamento. E tudo bem ponderado; considerando, preli­
minarmente, que ao Tribunal compete o julgamento originário do
presente habeas­corpus, por íorça do art. 140, § 3", do decreto nu­
mero 9.163, de 1911, partindo o constrangimento allegado do D r. Chefe
de Policia, autoridade cote attribuições locaes e que perante elle
responde criminalmente. A circumstancia de informar o D r. Chefe
de Policia que a sua prohibição, além de pretender amparar interesses
de ordem publica local, visou também a defesa de imeresse de
ordem internacional, não estabelece para o caso discutido a com­
petência da Justiça Federal. Não se enquadra elle em nenhuma das
hypotheses taxadas em nossas leis de competência desta ultima Jus­
tiça em materia de habecns­corpus. Não partiu o constrangimento de
autoridade federal; não attingiu Juiz ou funecionario federal. Tanto
basta, como observam Q,S publicistas pátrios « Pedro Fessa » Do poder
judiciário, pag. 207, e « Pontes de Miranda » Historia e Pwtica do « ha­
beas­corpus», iro pag. 15Q, para inclusão da hypothèse na competência
da Justiça Focai, que é a jurisdicção commum.

DE MERITIS

Considerando que o habetis­corpus é o remédio constitucional in­


stituído para fazer cessar o constrangimento, ou a ameaça de con­
strangimento resultante de illegalidade ou abuso de poder;
considerando que a legislação pátria, no Império e na Republica,
deu á Policia a inspecção dos theatros e casas de espectaculos pú­
blicos, mandando submetter .ao « Visto» desse departamento da admi­
nistração as peças que tenham de ser representadas, conferindo­lhe a
faculdade de negar licença para a exhibição, uima vez que a obra
examinada contenha offensa á moral, ás instituições nacionaes ou
extrangeiras, a particulares, ou possa causar perturbação de ordem
publica;
considerando que essas conclusões decorrem da lei de 3 de de­
zembro de 1841, art. 40, § 6o, regulamento 120, de 1842, arts. 58 § 10
e 137, decreto n. 435, de 19 de julho de 1845, decreto n. 2.558, de
24 de julho de 1897, que extinguiu o «conservatório dramático»,
arts. 9 e 10, lei n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907, autorizando o
Governo a rever o regulamento dos theatros, e mandando vigorar
as leis e regulamentos anteriores de organização policial não revo­
- 226 - % v-

gados implícita ou expressamente por ellas, decreto regulamentador


ai. 6.562, de 16 de julho de 1907, art. 2° §§ 22 e 25;
considerando que o decreto n. 2.558, de 1907, no art. 25, per-
mitte á Policia suspender, por motivo de ordem publica, as repre-
sentações autorizadas ;
considerando que a legislação apontada não attenta contra o
preceito do art. 72, § 12 da Constituição, que, garantindo a liberdade
de pensamento, apenas cogitou expressamente de duas fonmas de
manifestação de opinião — a tribuna e a imprensa, para-»quanto a
dias abolir a censura, o que faz suppor que não foi intenção do
legislador constituinte banir a censura théâtral, que vigorava entre
nós no Império, apesar da Constituição monarchica assegurar a li-
berdade de pensamento quasi nos mesmos termos que o estatuto
republicano ;
considerando que, como o Dr. Chefe de Policia mostrou, não só
entre nós mas em muitos paizes cultos, existe o regimen da censura
théâtral. Mostraram-n'a as legislações da Bélgica, It,alia, França e
Argentina, o que testemunha quanto á França «Duguit», adversário,
em principio, da instituição. Cumpre notar qua nesses paizes a liber-
dade de pensamento constitue direito constitucional ou fundamental;
considerando que o Dr. Chefe de Policia informou que prohibiu
as representações da « A Águia Negra », receioso de perturbação da
ordem publica, em face de communicação do seu representante, que
presidiu o ultimo espectaculo, de que observara, na platéa, mani-
festações capazes de augmentar de intensidade nos espectaculos
seguintes, tomando um caracter grave, e zelando deveres interna-
cionaes ;
considerando que essa autoridade agiu, portanto, no exercício re-
gular de uma attriuuição, que 'lhe foi conferida por lei, e que não
contraria a Constituição;
considerando que, dada essa situação, inão ha como proteger os
pacientes com o remédio invocado:
Accordam, afinal, em Terceira Câmara da Corte de Appellação,
denegar a ordem impetrada. Custas pelo impetrante.
Rio de Janeiro, 7 de junho de 1916.— Celso Guimarães, presi-
dente.— Edmundo Rego. — Francellino Guimarães.
Os cambistas tetas

Em 9 de setembro de 1916.—Exmo. Sr. Desembargador


Presidente da Corte de Appellação.— «Tenho presente o
officio n. 2.780, em que me pedis informações a respcilo do
hàbeas-corpus preventivo requerido em favor de Augusto
Mendonça, José Bartone, Firmino L- Machado, Felix do
Valle, Augusto P. Leite e Francisco Serra, « ameaçados de
prisão », segundo diz o illustre patrono que os ampara, « pelo
Sr. Dr. Chefe de Policia, si os pacientes exercerem a sua
profissão de cambistas de theatro.»
Effectivamente expedi ordens no sentido de fazer passar
o vexame de que se queixam os freqüentadores de theatros,
que, contando com a tarifa annunciada e communicada á
autoridade publica pelas emprezas que exploram espectaculos.
são freqüentemente surprehendidos pelos chamados cambistas
que elevam a dita tarifa, estabelecendo um commercio que se
me afigura illicito perante o direito brasileiro. Desde o tempo
do Império, o regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842,
isto é, ha mais de 76 annos, attribuia á autoridade policial a
competência de que ora me prevaleço para prohibir o cambista
théâtral. Assim dizia o art. 140 daquelle regulamento :
« Não consentirá q u e . . . os bilhetes de entrada se vendam
por maior preço do que o estabelecido, quer por conta da
empreza, quer de particulares, que os tenham comprado para
os tornar a vender.»
Por essa disposição, nem á empreza, nem aos particulares
era licito vender ou revender bilhetes de entrada, além da
tarifa previamente estabelecida.
O regimen republicano não innovou esse direito.
- 228 -

A lei n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907, no respectivo


art. 9o, mandou « continuar em vigor as leis e decretos rela-
tivos á organização policial não revogados explicita ou vir-
tualmente, podendo o Governo modificar os actuaes regula-
mentos da Policia, e também o de vehiculos, casas de pe-
nhores, theatros e casas de diversões, etc».
Amparado a essa disposição, o Presidente da Republica
expedio o decreto n. 6.562, de 16 de julho de 1907. appro-
vando o regulamento para a inspecçao de theatros e outras
casas de diversões publicas no District» Federal.
O art. 2". § 18, desse regulamento, mantendo, aliás, o di-
reito imperial, dispõe sobre o assumpto de modo categórico:
« Xão será permittida, sob qualquer pretexto, a venda de
entradas para os diversos lugares que excedam á lotação do
theatro. c bem assim fora da bilheteria ou das agencias es-
peciaes da enipreca.»
Xo caso vertente, o artigo pôde ser traduzido da seguinte
fôrma :
«Não sera permittida, sob qualquer pretexto, a venda de
entradas para os diversos lugares fora da bilheteria ou das
agencias especiaes da empreza.» Portanto, ou a empreza se
serve da bilheteria do theatro explorado ou estabelece agen-
cias suas incumbidas de vender as entradas.
Por outro lado. quer na bilheteria quer nas suas agencias
especiaes. a tarifa é uma e única, não podendo soffrer, em
garantia do publico, a menor alteração. E' o que diz também
sem sombra de duvida o art. 5 0 . § 90. do citado regulamento :
« Todos os emprezarios ou directores de companhias são
especialmente obrigados a publicar em cartaz affixado á porta
e pela imprensa, no começo de cada serie de espectaculos,
a tabeliã dos preços dos différentes logares destinados ao
publico, não podendo alteral~a. »
Ora, se os bilhetes de entrada nos theatros nãp podem.
«sob qualquer pretexto», ser vendidos fora da bilheteria ou
das agencias especiaes da empreza. nem alterados podem ser
os preços da tabeliã » previamente annunciada ao publico, é
clara a prohibição da venda por particulares para revendel-os
em outro qualquer logar. E' o caso dos cambistas.
vSob o ponto de vista jurídico, pouco importa que a Pre-
feitura tenha cobrado imposto aos impetrantes, porque a lei
— 229 —

que estabeleceu esse imposto não pôde prevalecer contra a


lei e regulamento federaes acima citados.
No regimen que adoptamos, o Districto Federal está na
mais larga dependência da legislação federal, porque, nos
termos do n. 30 do art. 34 da Constituição de 24 de fevereiro,
é ao Congresso Nacional que compete : « legislar sobre a or-
ganização municipal do Districto Federal, bem como sobre a
Policia, etc ».
E' claro que, tendo o Poder Federal competência para or-
ganizar o Districto Federal, isto è, para traçar-lhe, impôr-lhe,
dictar-lhe a lei do seu artificio, não é possivel, sem flagrante
contradicção e subversão da base do regimen politico que
adoptamos, reconhecer no Conselho Municipal capacidade de
taxar profissões que o direito nacional prohibe.
Sem duvida, a Municipalidade pôde taxar os theatros da
cidade, desde o edifício e suas localidades até ás companhias
que os exploram. Ha um ponto, porém, em que o seu poder de
taxação encontra intransponivel barreira : é no tocante á ven-
dagem de bilhetes de entrada por particulares. A lei e o regu-
lamento emanados da autoridade nacional prohibiram a venda
avulsa de bilhetes por particulares, pois tanto importa não
autorizar a venda. « sob qualquer pretexto », dos mesmos bi-
lhetes, fora da bilheteria ou das agencias especiaes da empreza
théâtral. Uma lei local emanada do Conselho Municipal.ta.xa. a
venda ambulante dos ditos bilhetes, e com essa taxa permitte
a troca ou mercancia das entradas a quem recolher a impor-
tância do imposto aos cofres da Prefeitura.
Logo, temos uma lei e um regulamento federaes ante-
pondo-se a uma lei municipal, ou por outra, uma lei municipal
em antinomia com leis federaes.
No nosso regimen ha de ceder, diante dos tribunaes, a lei
local, porque não se pôde conceber, sem attentar contra a
lógica da organização política que adoptamos, que o Município
permitia aquillo que a União prohibe.
Como nos Estados Unidos, o Brasil conhece « quatro
classes de leis: a Constituição Federal, as leis (e tratados)
federaes, as Constituições dos Estados membros e as leis dos
Estados. A Constituição Federal prevalece sobre todas as
outras ; as leis do Congresso, feitas de accôrdo com a Consti-
tuição, prevalecem sobre as Constituições e leis dos Estados
— 23a —

'membros: se excedem os poderes permittidos pela Consti-


tuição, não têm valor. As Constituições dos Estados preva-
lecem só contra as leis dos Estados respectivos. (Giacomo
Grasso, La Const, degli Slati Uniti d'America, pag. 136).
As leis municipaes ficam, pois, no fim da escala, no má-
ximo de dependência juridica que fôr possível dentro da
Constituição, precisando, para terem valor, para produzirem
effeito, amoldar-se, ajustar-se ás leis que lhes sao superiores.
No caso do Distrícto Federal, a dependência se dá em
relação ás leis do Congresso Nacional.
Eoi, pelas razões que ahi ficam, que me julguei em con-
dições de fazer a prohibição de venda a que se refere a petição
de habeas-corpus pendente do julgamento da Terceira Câmara,
a cujo pronunciamento me submetterei promptamente.
Apresento-vos os meus protestos de subida estima e con-
sideração.— O Chefe de Policia, Aurelino de Araújo heal.

JURISRRUDENCIA

« Accondam negar a ordem impetrada pelo Dr. Theodoro de Ma-


galhães, por não constituir o acto do Dr. Aurelino Leal, Chefe de
Policia, prohibindo a venda de bilhetes de theatro pelos pacientes
á porta dos mesmos ou das suas agencias e por preço superior ao
taxado pelas emprezas, constrangimento ou violência ao exercício da
profissão dos pacientes, para a qual pagaram o imposto respectivo
estatuído em lei municipal.
O decreto n. 120, de 1842, art. 140, e o decreto n. 6.562, de 1907,
art. 2°, § 18, vedam expressamente a venda 'de bilhetes de theatros
por terceiros estranhos á empreza e tfóra da bilheteria, como bem
informou o Sr. Dr. Chefe de Policia a fis., não podendo prevalecer
o dispositivo orçamentário municipal contra os princípios de legis-
lação federal.—-A. Miranda.— P. Francellino.—B. Carrilho.— Ed.
Rego.

ACCORDA M N. 4.083

Vistos, expostos e discutidos estes autos de recurso de habeas-


coryus interposto pelo advogado Theodoro de Magalhães, da de-
cisão da Terceira Câmara da Corte de Appellação que denegou essa
ordem de habeas-corpus preventivo pelo mesmo impetrada em favor
de Augusto de Mendonça, José Bartone. Firmino Lopes Machado,
Felix Vale, Augusto Pereira Leite e Francisco Serra que se dizem
ameaçados de prisão pelo Chefe de Policia do Districto Federal, si
— 231 —

exercerem a sua profissão de cambistas theatraes, visto a alludida


autoridade impedir que elles a exerçam, tendo até ordenado ao 2°*de-
legado auxiliar que, nas horas de espectaculo, não consinta na per-
manência délies nas portas das casas de diversão.
Accordam negar provimento ao recurso para confirmar, como
confirmam, a 'decisão recorrida por ser conforme a direito, pagas as
custas pelos recorrentes.
Prohibindo que os pacientes revendam bilhetes de theatro ás
portas dos mesmos ou em suas agencias e por preços superiores aos
da tabeliã previamente communicada ao publico pelas emprezas de
theatros, não pfatica o Chefe de Policia nenhuma illegalidade ou
abuso de poder que justifique o emprego do remédio constitucional
invocado pelos pacientes. O Chefe de Policia, assim procedendo, não
fez mais do que cumprir o disposto no art. 140 do regulamento n. 120,
de 31 de janeiro' de 1842, c no art. 2°, § 18, do regulamento para
inspecção dos theatros e outras casas de diversões publicas do Districto
Federal, que baixou com o decreto n. 1.631, de 3 de janeiro de 1907.
O regulamento n. 120, de 1842, já attribuia á autoridade policial a
competência para prohibir o cambio theitfal. No seu art. 140 dis-
punha: «Não consentirá (a autoridade policial) que 05 bilhetes de
entrada se vendam por maior preço do que o estabelecido, quer por
conta das emprezas, quer por particulares qiíe os tenham comprado
para os tornar a vender». A lei n. 1.631, de 1907, mandou continuar
em vigor as leis e decretos relativos á organização policial não revo-
gados explicita ou virtualmente e autorizou o Governo a modificar
os regulamentos da Policia então em vigor e também o de theatros
e casas de diversões publicas. Assim autorizado, o Governo expediu
o decreto n. 6.562, de 16 de julho de 1907, approvando o « regulamento
para a inspecção de theatros 0 e outras casas de diversões publicas do
Districto Federal». O art. 2 , § 18, desse regulamento dispõe: «Não
será permíttida, sob qualquer pretexto, a venda de entradas, para os
diversos logares, que excedam á lotação do theatro e, bem assim, fora
da bilheteria ou das agencias especiaes da empreza». O mesmo regula-
mento no art. 5'0, § 90, assim dispõe : « Todos os emprezarios ou
directores de companhias são obrigados a publicar em cartaz affixado
á porta e pela imprensa, no começo de cada serie de espectaculbs,
a tabeila dos preços dos différentes logares, destinados ao publico,
não podendo alteral-os». Como muito bem diz o Chefe de Policia
cm sua informação de fis. .16, si os bilhetes de entrada no theatro
não podem, sob qualquer pretexto, ser vendidos fora da bilheteria ou
nas agencias especiaes da empreza, e por preços maiores do que os
da tabeliã previamente annunciada ao publico, é clara a prohibição
da venda, 00m agio, por particulares, em outro qualquer Iogar. Da dis-
posição citada vê-se que a lei, tendo em apreço o interesse do publicb,
quiz evitar a exploração que se poderia dar por um cambio entre a
empreza e particulares, que 'a ella se associassem clandestinamente,
para a revenda dos bilhetes por preço maior que o da tabeliã.
Allegam os pacientes que pagaram á Prefeitura impostos taxados
na lei orçamentaria municipal para os cambistas de theatro. Mas,
desde que a lei federal prohibe a revenda de bilhetes por particulares,
pouco importa que a lei municipal a autorize. No conflicto entre as
'duas leis, o Chefe de Policia não podia deixar de cumprir a lei fe-
deral, que tem prevalência á municipal.
Supremo Tribunal Federal, 23 de setembro de 1916.— Leoni
Ramos, relator.
As cartomantes

« E m 27 de novembro de 1916.— Exmo. Sr. Desembar-


gador Celso Aprigio Guimarães, M. D. Presidente da Terceira
Câmara da Corte de Appellação. Respondo o vosso officio nu-
mero 2.902. de 25 do corrente, em que. em cumprimento ao
accórdao da Terceira Câmara na mesma data proferido, me
pedis informações sobre o habeas-corpus preventivo requerido
em favor de Olympia do Oriente Esteves, que. por seu pa-
trono, se diz «perseguida por determinação» minha.
A Policia tem provas de que a impetrante pratica a car-
tomancia. Dahi, a sua acçao contra quem. desassombrada-
mente, aliás, viola o Código Penal brasileiro, que no seu ar-
tigo 157 pune todo aquelle que « praticar o espiritismo, a magia
e seus sortilegios. usar de talismans e cartomancias, para des-
pertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar curas de moléstias
curaveis ou incuráveis, emfim. para fascinar ou subjugar a
credulidade publica. »
E' verdade que o patrono da paciente affirmou aos Juizes
da Terceira Câmara que ella « exerce a profissão de modista,
cuja licença pagou á Prefeitura e Thesouro».
De facto, á fis. 5 e 6 dos autos, que me remettestes. e
ora devolvo com estas informações, consta uma publica-fórma
com que a impetrante quiz convencer á Terceira Câmara da
sua profissão de modista.
Entretanto, é dos próprios documentos em que Madame
Olympia firma a queixa da sua « perseguição » que resalta a
fraude das suas allegaçoes.
— 234 —

Em primeiro logar, a impetrante é « actualmente resi-


dente á rua da Assembléa n. 39, sobrado ». E' o seu próprio
patrono quem o affirma. No emtanto, a publica-fórma do
eonhecimento da Prefeitura, a fl. 5, allude « ao imposto de
officina de costuras em pequena escala, lançado pela casa nu-
mero 50 da rua Barão de Itapagipe ».
Nada vejo nesse documento que se refira á « modista » da
rua da Assembléa, n. 39.
Vejo, porém, no numero â'A Açoite de 14 de novembro do
corrente anno, documentando a petição da « paciente », a tran-
scripção de dous cartões com os seguintes dizeres :
« Mme. Olympia, cartomante brasileira, celebre pelas suas
prophccias sobre os annos de 1913, 1914, 1915 e 1916, rua
da Assembléa, n. 39 ».
« Mme. Olympia (modista) especialidade em toilettes
para theatro, baile e passeio, enxovaes para casamento, ele-
gância e modicidade nos preços, rua da Assembléa n. 39».
Como vedes, « Mme. Olympia » se diz, ao mesmo tempo,
cartomante e modista. Isto é, cartomante a Policia sabe que
ella o é pela prova que o seu próprio patrono juntou á petição
de habeas-corpus, e, principalmente, pela apprehensão de cartas
e objectes de superstição que arrecadou, como o gallo. a
figa, etc, como tudo consta do numero á'A Noite, submettido
pelo requerente ao Jüizo dessa Veneranda Câmara.
Modista é que talvez não o seja:
I o , porque, confessando que reside á rua da Assembléa
n. 39, junta um documento que prova ter tido uma casa de
costuras á rua Barão de Itapagipe;
2 o , porque, tendo pago 34$ « correspondente ao imposto
de officina de costura em pequena escala» (fis. 5 v.), an-
nuncia pomposamente a sua « especialidade em toilettes para
theatro, baile e passeio, e enxovaes para casamentos » ;
3 0 , porque o delegado do 5 0 district©, que foi o próprio
a presidir á diligencia, nada encontrou nos compartimentes
oecupados por Mme. Olympia que lembrasse uma casa de
costureira, nem mesma a presença cie um manequim.
Emquanto é assim negativa a prova de praticar Madame
Olympia o commercio de modas, é, ao contrario, positiva a da
pratica habitual da cartomancia, punida pelo art. 157 do Có-
digo Penal :
I
— 235 —

i°, porque, á propria autoridade acima referida, con-


fessou a filha de Mme. Olympia que esta praticava aquella
fraude; ,
2°, porque na casa habitada pela « paciente » havia uma
sala devidamente installada para tal mister ;
3°, porque nessa sala foram encontrados exemplares dos
cartões transcriptos no numero á'A .Noite acima referido v
Portanto, a licença paga á Prefeitura é relativa a um
commercio fictício. O verdadeiro commercio é o da carto-
mancia, é o do assalto á credulidade dos ingênuos, que se
deixam fraudar por espertos typos policiaes.
Mas esse commercio (o da cartomancia), ainda quando
licenciado pela Prefeitura, não podia ser explorado á luz do
nosso direito: « O s actos ilíicitos (prohibidos por lei) e
contrários á moral e aos bons costumes, quando exercidos com
intento de lucro ou especulação e habitualmente, não con-
correm para caracterizar no agente a qualidade de commer-
ciante». (Carvalho de Mendonça, Tr. de Dir. Com. Bras.,
vol. II, pag. 74).
A lei não conhece, antes prohibe, a profissão da carto-
mancia. Considera o seu exercício uro facto criminoso.
A acção da Policia, pois. intervindo na prevenção e re-
pressão de factos desta ordem é perfeitamente legal e jurí-
dica.
Os seus agentes nunca penetraram em casa da « paciente »
senão nos precisos termos da lei, e para cumprir as suas
disposições.
Aproveito o ensejo para reiterar-vos os protestos da
mais alta consideração e respeito.— O Chefe de Policia, Au-
relino de Araújo Leal ».
i

JURISPRUDÊNCIA

Vistos, relatados e discutidos estes autos de hábeas-corpus pre-


ventivo em que é impetrante José Corrêa de Oliveira e paciente
Olympia do Oriente Esteves, etc.
Accordão os juizes da Terceira Câmara da Corte de Appellação
denegar a ordem impetrada por não estar a paciente sob ameaça de
constrangimento illegal, como allega o impetrante a fl. 2.
Conforme se verifica das informações de fl. II, a acção da Po-
licia intervindo na prevenção de factos taxados criminosos, conto seja
— 236 —

a pratica da cartomancia (ant. 157. do Código Penal), não pôde ser


considerada illegal e, nem também, perseguição á pessoa da paciente.
Custas pelo impetrante.
Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1916.— Celso Guimarães,
presidente.— Elriro Carrilho.— Francellino Guimarães. — Edmundo
Rego.
Internação de Loucos

Em 12 de dezembro de 1916.— Exmo. Sr. Desembar-


gador Dr. Celso Aprigio Guimarães, Presidente da Terceira
Câmara da Curte de Appellação do Districto Federal.— Tenho
presente o officio n. 2.919. em que, nos termos do accordão
de 9 do corrente, da Terceira Câmara da Corte de Appellação,
me pedis informações sobre o constrangimento que se attribue
a F...
Trata-se de um doloroso caso. de que os documentos
juntos darão detalhada noticia a essa Veneranda Corte: um
pae. desilludido da conducta do filho, tendo esgotado todos
os recursos da instrucção e da educação domestica, dos mais
brandos aos mais rigorosos, o vê attingir á edade adulta nas
mesmas condições de absoluta amoralidade. Tenta varias vezes
collocal-o. mas verifica serem baldos todos os seus esforços.
O pendor do filho se revela freqüentemente para o lado de
manifestações criminosas, ao mesmo tempo em que põe em
sobresalto o lar paterno. De todo desesperado, o progenitor
recorre á interdicção. que é decretada pelo Juiz. sendo aquelle
investido das funcções de curador.
Procurado por este pessoalmente, para solicitar-me o in-
lernamentó do curatelado na Colônia Correccional. acon-
selhei-o a que reduzisse a escripto o seu pedido, o que foi
feito a 14 de novembro deste anno.
Do estudo que fiz do caso, conclui que podia intervir
em favor do pae afflicto e curador, removendo o interdicto
para aquelle estabelecimento, onde não está sujeito a regimen
penal nenhum nem na promiscuidade dos criminosos.
—L238 -

Para este ponto chamo especialmente a attenção da Ve-


neranda Corte. *
O meu despacho na petição do curador foi este : « En-
viese para a Colônia com a recommendação de não ser tra-
tado como correccional ».
Em telegranima que enviei ao director daquelle estabe-
lecimento também recommendei : « F. que para ahi seguiu a re-
querimento do pae, não deve ser tratado como correccional
por ser doente mental. Entretanto, deve ser submettido a
intensivo trabalho de campo ».
E' esta a situação do paciente.
Como já disse, creio não ter sahido da orbita da lei, cujas
disposições conciliei no sentido duplo de acautelar a ordem
publica e o pudor de uma família respeitável, victima. neste
caso, de uma crueldade do destino.
Quanto á internação dos loucos (e o paciente é um louco
moral, autor de innumeros factos que a lei pune), é esta uma
das attribuições da Policia. O n. XIX. do art. 42, do regula-
mento que baixou com o decreto n. 6.440, de 30 de março
de 1907, attribue aos delegados (e todas as funeçoes polioiaes
podem ser directarnente exercidas pelo Chefe de Policia, ar-
tigos 31 e 32, ns. III e XII) «providenciar para que tenham
o conveniente destino os loucos e enfermos encontrados nas
ruas, os menores, vadios e abandonados e os mendigos ».
Por outro lado, é da competência dos curadores diligen-
ciar a internação de seus curatelados, quando assim se torne
preciso.
Já a Orden. do liv. 4, tit. CHI pr., mandava que se desse
curador « a algum sandeu que pela sua sandice possa fazer
mal ou damno algum na pessoa ou fazenda, o entregue a seu
pae, se o tiver, e lhe mande de nossa parte em deante ponha
nelle bôa guarda, assim na pessoa como na fazenda e se
cumprir o faça aprisoar...», isto é. prender, segurar ». {Cân-
dido Mendes, Cod. Phil., vol. I, pags. 1.004 e 1.005, n o t - 5)-
Na Consolidação das Leis Civis, Teixeira de Freitas es-
creveu :
« Sendo necessário, o curador fará prender o demente
para que não cause damno.
O Código Penal vigente considerou contravenção de pe-
rigo commum o « deixar vagar loucos confiados á sua guarda,
»
— 239 —
ou, quando evadidos de seu poder, não avisar a autoridade
competente para os fazer recolher».
Aliás, o direito extrangeiro não diffère muito do nosso
neste particular.
Si em Portugal não é licito restringir a liberdade do in-
terdicto, « sem que preceda autorização judicial, sendo ouvidos
o Ministério Publico e o Conselho de família», (art. 329,
do Cod. Civ.), si na Suissa, quando se trata de internação
em um Asylo ou Hospital, é necessário recorrer á autoridade
tutelar» (Russell et Mentha; Manuel du Droit civil Suisse,
vol. I. pag. 464), na França o direito é igual ao nosso: « No
tocante aos alienados perigosos, a internação pôde ser for-
çada, isto é, ordenada ex-officio pelo prefeito de Policia de
Paris e nos departamentos pelos prefeitos». (Planiol, vo-
lume I, pag. 651).
O prefeito ordena ex-officio a internação em um esta-
belecimento de alienados de qualquer pessoa, interdicta, ou
não, cujo estado de alienação mental compromette a ordem
publica ou a segurança das pessoas (Colin e Capitant; Cours
Element. de Droit Civil Français, vol. I, pag. 562).
Applicando a questão ao nosso direito, convém lembrar
que a attribuição administrativa da internação dos loucos pe-
rigosos á ordem publica tem sido reconhecida.
No seu Direito Civil Recopilado, Carlos de Carvalho es-
creveu: « A ' curatela dos loucos precedem as informações ju-
diciaes precisas, devendo o enfermo, havendo perigo, ser
seqüestrado e recolhido em estabelecimento especial, na fôrma
dos regulamentos administrativos».
O Código Civil, prestes a entrar em vigor, também dispõe :
« Os loucos, sempre que parecer inconveniente conserval-os
em casa, ou o exigir o seu tratamento, serão também reco-
lhidos em estabelecimentos adequados », art. 457. E' esta
uma das funcçoes attribuidas aos curadores.
Até aqui, pois, não me parece haver duvida quanto á
legitimidade da minha acção.
Não me era, entretanto, desconhecida a lei n. 1.132, de
22 de dezembro de 1903, que reorganizou a assistência aos
alienados.
Embora esta lei confira á Policia o poder de interna-
mento administrativo dos loucos nos respectivos asylos (ar-
— 240 —

tigo 2 o ), é certo que ella dispõe. « E' prohibido manter ali-


enados em cadeias publicas ou entre criminosos. Onde quer
que não exista hospicio, a autoridade competente fará alojar
o alienado em casa expressamente destinada a esse fim até
que possa ser transportado para algum estabelecimento es-
pecial » (art. 9° e paragrapho único).
O regulamento vigente expedido para a execução desta
lei limitou-se a dispor no art. 173 (Decreto n. 8.834, de 11
de julho de 1911): « E' prohibido manter alienados em ca-
deias publicas ou entre criminosos ».
Entre criminosos não está o paciente, como provam o
despacho que dei e o telegramma expedido ao Director da
Colônia Correccional.
Em cadeia publica também se não pôde dizer, em rigor,
que está elle, porquanto o que a constitue é o regimen penal,
e deste está separado o paciente.
Releva notar que a Colônia Correccional é um estabele-
cimento mixfo. O próprio decreto que a regulamentou (nu-
mero 6.994. de 19 de junho de 1898) desdobrou-a em esta-
belecimento correccional e colônia de trabalhadores livres.
De facto, o art. 72 estatue :
« Em zona da Colônia Correccional, separada dos ter-
renos destinados aos trabalhos dos internados em virtude de
sentença, será fundado um núcleo com a denominação de
Colônia de Livres Trabalhadores, onde serão admittidos ho-
mens validos, nacionaes ou extrangeiros, que hajam cumprido
pena e se encontrem sem recursos e trabalho immédiates ao
deixarem a Casa de Correcção, a Casa de Detenção ou a
propria Colônia Correccional.»
Embora seja uma creação em favor de liberados, não se
pôde dizer que quem se sujeitar a esse regimen se encontra
em uma « cadeia publica ».
Também é verdade (art. yz do citado decreto) que «a
admissão (á Colônia Livre) será resolvida pelo Chefe de Po-
licia, mediante requerimento do pretendente ». mas, no caso.
o requerimento foi feito por quem o representa legalmente:
o curador.
Seja como fôr. o que confere á Colônia Correccional a
impropriedade para a reclusão de loucos é ser ella uma prisão.
Mas, si ella pôde revestir um outro caracter que não o ele
— 241 —

uma casa de prisão e si um louco nella internado é benefi-


ciado com um regimen différente, não se pôde dizer que
tenha sido violada a lei n. 1.132, de 22 de dezembro de 1903.
Ou isto, ou o paciente voltará á sociedade, continuando
na pratica indominavel dos seus tristes pendores criminosos,
envergonhando a familia e prejudicando a segurança.
No Asylo Nacional de Alienados não pôde elle ter en-
trada. O documento de fis. é uma carta do director desse
estabelecimento, dizendo ao próprio pae do paciente que elle
alli não podia continuar : « Depois de nova observação, meu
collega Dr. Gottuzo opina pela retirada de seu filho, visto
como o estado mental delle se não pôde modificar com a
estadia a q u i . . . « Uma psychotherapia de desusado rigor con-
viria mais que os nossos meios suaves ».
Finalmente, ainda receioso de que o meu acto fosse
menos jurídico, consultei o mesmo Director do Hospital Na-
cional de Alienados, que, como sabeis, é um luminar da
psychiatria neste paiz e 110 mundo europeu, pedindo a sua
opinião como profissional sobre o caso, respondendo-me elle
nem so que o paciente « continua hoje em condições de não
poder gosar de plena liberdade, porque não se adapta á so-
ciedade normal », como ainda, que, não dispondo o Estado
de « Asylo-Colonia para phrenopathas delinqüentes, nada con-
tra indica sua internação cm uma colônia corrcccional ». Fi-
nalmente, opinou o Dr. Juliano Moreira, que « desde que
não está sujeito á disciplina penitenciaria nem está entre con-
demnados, a Colônia Correccional pôde ser utilizada para iso-
lamento delle como de outros anormaes como elle.
Como vedes, pois, não houve violação das leis de assis-
tência aos alienados. Ao contrario, procurei harmonizar as
suas disposições com o caso em questão que, de outra sorte,
ficaria sem remédio em desproveito da sociedade.
Aproveito o ensejo para apresentar a V. Ex., etc.— O
Chefe de Policia, Aurclino Leal,

16
— 242 —

JURISPRUDÊNCIA
Vistos estes autos de habeas-corpus em que são impetrante o
bacharel Alberto Beaumont e Paciente F . . . ; Allega o impetrante na
inicial que o Dr. Chefe de Policia fez recolher o Paciente á Colônia
Correccional dos Dois Rios, por provocação de seu próprio pae o
coronel F . . . que não tendo sido tal internação precedida de sentença
de juiz competente, e não querendo o Paciente permanecer na Colônia,
a sua residência alli constitue constrangimento illégitime», cuja cessação
pede por este recurso. Ouvido o Dr. Chefe de Policia sobre o pedido,
prestou as minuciosas informações de fis. S em diante, acompanhadas
de documentos, em justificativa do seu acto. Par a ellas se vê que o
Paciente foi declarado interdicto pelo Dr. Juiz da 2 Vara de Orphãos,
que nomeou curador ao mesmo seu pae o coronel F . . . Este, na im-
possibilidade de manter no lar o paciente onde era causa de contínuos
sobresailos, de modificar-lhe os pendores muitas vezes de caracter
deiictuoso, não podendo recolhel-o ao Hospital Nacional de Alienados,
de onde fora retirado por entender o respectivo director que não con-
vinha ao doente o regimen do estabelecimento, carecendo elle antes de
uma psychotherapia de desusado rigor, raquereu ao Dr. Chefe de Po-
licia a internação de F . . . na Colônia Correccional dos Dois Rios.
A vista das circumstancias de que se revestiu o caso, tal solicitação
foi attendida, recommendando, porém, desde logo o Dr. Chefe de Po-
licia ao Director da Colônia que não tratasse o Paciente como correc-
cional, e para maior scguirança da regularidade dessa providencia
consultou, sobre cila, o illustre Director do Hospício, que, em officio
junto por copia, declarou nada contraindicar a solução adoptada, não
podendo o Paciente gosar de plena liberdade, não existindo no paiz
estabelecimento adequado ao tratamento de phrcnopathias delin-
qüentes, e desde que o Paciente não fosse submettido ao regimen
penitenciário.
Exposto assim o caso, verificando que o Paciente é um interdicto
que mão pôde gosar de inteira liberdade; que a sua internação na
Colônia foi solicitada por seu pae e curador, obrigado a velar pela
segurança do interdicto por dever natural e imposição da lei, e
ordenada por autoridade a quem por lei incumbe zelar pela segurança
publica, providenciando para que tenham os loucos o conveniente
destino (art. 41, n. XIX, do regulamento que baixou com o decreto
n. 6.440, de 30 de março de 1907) ; que a medida impugnada não
infringe o art. g", paragrapho único da lei n. 1.132, de 22 de de-
zembro de 1913, que veda a permanência de alienados nas cadeias
publicas ou entre criminosos, pois, como ponderou o Dr. Chefe de
Policia na sua informação, a Colônia Correccional é um estabeleci-
mento mixto, onde estão reclusos contraventores, mas onde tambem
se admittem, apartadamente, trabalhadores livres, sendo certo que o
paciente se acha separado dos detentos e isento de regimen peni-
tenciário; considerando assim não ser illegal o constrangimento por
elle soffrido, de modo a poder ser reparado por este recurso: Ac-
cordam os Juizes di Terceira Câmara da Corte de Appellação em
negar a ordem impetrada. Custas na fôrma da lei.
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1916.— Celso Guimarães, pre-
sidente.— Bdmundo Rego.—Francellino Guimarães.—Blviro Car-
rilho .
Localisação de meetings

« E m ió de junho de 1917.— Exmo. Sr. Presidente da


Terceira Câmara da Corte de Appellação :
Em obediência ao accórdão da veneranda Terceira Câ-
mara da Corte de Appellação. venho prestar as informações
relativas ao habeas-corpus preventivo impetrado em favor de
Paschoal Gravina, Yalentim Joaquim de Britto, José Madeira,
José Caiazzo, Pedro Matera e Bento Alonso, « para o fim »,
diz a petição respectiva, « de poderem elles realizar comícios
operários em qualquer praça, theatro ou outro logar conve-
niente » desta cidade.
O constrangimento de que se dizem « pacientes » prove'm
de um « aviso » expedido pela Chefatura de Policia e « pu-
blicado em todos os jornaes do dia 13 de maio», «aviso»
segundo o qual a Policia « resolveu não permitir meetings
operários ».
A petição do impetrante é datada de 13 do corrente mcz :
e entre o dia 13 de maio e o da assignatura da dita petição,
precisamente, os « pacientes », andaram a arengar livremente
em vários pontos da cidade, externando phrases e conceitos,
que só por muita condescendência se podem enquadrar na li-
berdade de reunião e de manifestação do pensamento, tal qual
a concebeu a Constituição da Republica.
De facto, no dia 27 de maio, houve um meeting operário
na praça 11 de Junho (documentos ns. 1, 2 e 3) e outro no
largo do Deposito ; naquelle fallou o « paciente » José Caiazzo
— 244

e neste Faschoaï Gravina, Valentim Joaquim de Britto e José


Madeira, também « pacientes ».
No dia 3 de junho (docs. ns. 4, 5 e 6) realizou-se um
outro meeting operário, no qual fallaram os « pacientes » José
Madeira, José Caiazzo e Pedro Matera.
No dia 11 finalmente (doc. n. 7), houve mais um meeting,
na praia de Botafogo. 110 qual discursou o « paciente » José
Caiazzo.
De modo que a asseveração do impetrante de que o Chefe
de Policia, a n de maio, « resolveu não permittir meetings
operários», está retumbantemente desmentida pelo verbo dos
« pacientes » José Caiazzo, Paschoal Gravina, Valentim Joa-
quim de Britto. José Madeira e Pedro Matera, só faltando o
« paciente » Bento Alonso, que, entretanto, figura numa ga-
leria da A Razão de 4 do corrente, encabeçando a noticia do
meeting do dia 3, realizado no largo de S. Clemente.
Nenhum melhor depoimento podia eu encontrar para
fazer a prova provada de que a prohibição absoluta a que se
refere o impetrante é uma pura fantasia.
A razão por que houve uma prohibição momentânea re-
salta dos próprios documentos juntos pelo impetrante, quasi
todos os quaes vão por mim assignalados e rubricados.
Os «pacientes» são extrangeiros anarchistas. Quasi
todos corridos dos paizes de origem aqui vivem a perturbar o
trabalho pacifico dos operários.
Em fabricas situadas na Ga\ ea. a acção dos « pacientes »
ultrapassou os limites da propaganda, estendendo-se a uma
compressão criminosa.
« As Fabricas Botafogo. Cruzeiro e AUiança », diz o do-
cumento n. 1 junto pelo impetrante « foram alvo dessa ten-
tativa, mostrando-se o pessoal refractario ao movimento, certo
já de que o facto não passa de uma exploração de anar-
chistas ».
No documento n. 2 também se lê:
«Esse comicio não se realizou... em vista do conflict»
que se desenrolou na Gávea.»
No documento n. 3 : « E' que, na verdade, a repetição
diária desses meetings já se tornava acintosa, havendo até
oradores que incitavam os operários ao desforco á mão ar-
mada, aconselhando-os a obrigar os companheiros de classe...»
— 245

No documento n. 4 : « . . . a Policia apurou, entre outras


cotisas, que o movimento foi instigado por agitadores anar*
chistas alheios ao serviço da fabrica ; que os paredistas tinham
o intuito de assaltar a Fabrica Corcovado para forrar a iOi-
tectoria da mesma a um accôrdo. . . »
Entretanto, o impetrante, firmado em asseveraçoes que
são desmentidas pelos próprios « pacientes ». como a da pro-
hibiçao permanente de meetings operários, e em documentos
que descobrem a sua gente como perigosa, pretende que os
anarchistas que pregam o « desforço á mão armada » e o as-
salto a fabricas (does. ns. 3 e 4. juntos pelo impetrante) e
proferem ameaças como as que se contém no documento nu-
mero 8. por mim junto, e para o qual chamo insistentemente
a attenção dessa \ eneranda Câmara. « realizem comícios ope-
rários em qualquer praça, theatro ou outro lugar conveniente ».
Confio, em nome da ordem publica, que essa Veneranda
Corte não deixará a Policia desamparada de uma providencia
que lhe parece legal : a de poder, por necessidades imperiosas
da segurança, do transito publico, da liberdade commer-
cial, etc.. designar logares para a realização de comícios.
Aliás, já exerci pacificamente essa attribuição. desviando
os comícios populares do largo de S. Francisco, attendendo
a uma solicitação de negociantes do dito largo, que se diziam
lesados na liberdade de commercio e mais ás imposições do
transito publico, que se tornava difficil e se embaraçava con-
tinuamente .
Assim entendendo, não me accusa a consciência de ha\ er
attentado contra a Constituição, porque não prohibi meetings,
apenas designei um local mais próprio, no qual a pratica da
liberdade de reunião não collidisse ou não perturbasse outras
liberdades.
(Segue-se o despacho á petição dos commerciantes do
largo de S. Francisco, inserto á pagina 293 deste livro.)
Seja-me permittido lembrar que. agora mesmo, uma
assembléa de juristas e autoridades de segurança, a Confe-
rência Judiciaria Policial, votou que a Policia pôde prohibir.
no interesse do transito publico ou da liberdade de commercio,
que se realizem meetings em uma determinada praça, podendo
mesmo estabelecer os logares em que elles poderão se réa-
lisai-. (Vide Diário Official, de 25 e 27 de maio de 1917),
— 246 —

Foi essa a providencia que tomei ultimamente contra os


«pacientes». Insistindo elles em realizar meetings na Ponte
das Taboas, Gávea, justamente o local onde se deram con-
flictos e onde elles costumam exercer pressão moral sobre ope-
rários Úmidos, que abandonam o trabalho, receiosos de serem
victimas de violências, prohibi que taes comícios alli se reali-
zassem, designando, porém, um outro local — o largo dos
Leões — para que as reuniões se dessem (does. ns. 9 e 10).
Os accôrdãos que o impetrante invoca não procedem.
O segundo délies define apenas o circulo do habeas-
corpus. O primeiro tem contra si :
i°. Ser único na espécie;
2o. Dos ministros que o subscreveram, só existe o Pre-
sidente do Tribunal, o que quer dizer que a opinião dos actuaes
ministros é desconhecida, e não constituindo jurisprudência um
só aecórdao, o de 27 de maio de 1903 pôde ser reformado;
3 0 . Theoricamente, como publicistas e membros de um
Congresso, pensam de modo diverso os ministros Viveiros de
Castro. João Mendes e André Cavalcante.
Ainda assim, porém, o citado aecórdao não pôde ser in-
vocado contra mim, porque não ha nenhuma ordem prohibindo
meetings, mas ordem localizando meetings.
Por outro lado, o que o aecórdao sustenta é que « a todos
os habitantes do território nacional é garantido « o direito
de se reunirem em ordem e desarmados...» (O Direito, vo-
lume 92, pag. 140).
Parece que uma tal decisão não protege indivíduos vio-
lentos como os « pacientes ».
Por isso, pois, que não prohibi meetings e por isso que
me tenho apenas limitado a localizal-os para proteger o tran-
sito publico, a liberdade mercantil e a propriedade alheia,
parece que não estou exercendo nenhum constrangimento il-
legal, mas sim garantindo a ordem publica dentro de um
circulo perfeitamente legal e prudente.
Aproveito mais este ensejo para apresentar a essa Ye-
neranda Câmara os meus protestos de consideração e respeito.
— O Chefe de Policia, Aurelino Leal.»
— 247 - -

JURISPRUDÊNCIA

RLvCURSO DE « HABËAS-CORPUS » N. 4-313

ACCORDAM

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas-


corpus, em que é recorrente João Gonçalves da Silva, recorrida a
Terceira Câmara da Corte de Appellação ; e são pacientes Paschoal
G ravina e outros. A hypothèse é a seguinte: O recorrente allegando
que o Chefe de Policia resolvera não permittir meetings operários,
requereu á referida Câmara uma ordem de habeas-corpus «para o
fim de poderem os pacientes realizar comícios operários em qualquer
praça, theatro ou outro logar conveniente desta cidade».
Prestando informações, em virtude do Accordam de fl. 15, o
Chefe de Policia declarou positivamente que não prohibai meetings
e sim apenas resolvera « localizal-os para proteger o transito publico,
a liberdade mercantil, a de trabalho e a propriedade alheia».
A' vista destas informações, a Terceira Câmara proferiu o Ac-
cordam de fl. 24, denegando a ordem soilckada.
Foi, então, interposto o presente recurso, e dos documentos que
o instruem resalta que a acção' da Policia consistiu no seguinte:
Io, prohibiu a realização de meetings operários, emquanto não
poude serenar a agitação que havia na cidade, e que punha am pe-
rigo a ordem publica;
2o, e depois determinou os locaes em que podiam se realizar
esses meetings.
O que tudo visto e devidamente examinado, e
considerando que o procedimento da Policia não violou absoluta-
mente a disposição do art. 72, § 8" da Constituição Federal, que
expressamente consagra o direito da mesma Policia de intervir no
exercício do direito de reunião, para manter a ordem publica, sendo,
portanto, de seu dever tomar todas as medidas que julgar necessárias
para conservar inalterável a tranqüilidade publica;
considerando que a liberdade individual, invocada pelo recorrente,
não consiste de forma alguma no direito de cada cidadão obedecer
exclusivamente ás determinações da sua vontade, aos caprichos da
sua phantasia — libertas quid libet faciendi, porquanto esta liberdade,
o que acertadamente observa Blackstone, seria a de um tigre e não a
de um homem ; ao contrario, todas as 'manifestações da liberdade
soffrem naturalmente as resitricções impostas pelo interesse collectivo,
pela inter-dependencia social. A celebre — Declaração dos Direitos
do Homem — não0 consagrou direitos diversos da liberdade, precei-
tuando no art. 4 : « La liberte consiste á faire tout ce qui ne nuit
á autrui : ainsi, l'exercise des droits naturels de chaque homme n'a
des bornes que celles qui assurent aux autres membres de la société
la jouissance des mêmes droits.— Ces bornes ne peuvent être déter-
minés que par la loi».— «Non si puó intendere diritto di liberta
degl'individui (doutrina o professor Ranelletti no capitulo — La Po-
lizia de Sicurezza — da obra magistral de Orlando — «Primo Trat-
tato completo di Diritto Administrativo Italiano», vol. 40, parte I),
se non in quel campo, cui la manifeatazione delia liberta delia quale
si tratta, si riferisce, nel senso che non si puó parlare di un diritto
di liberta, quando la sua attuazione cede 0 espone a pericollo l'ordine
giuridico, costituendo o preparando un delitto».
— 248 —

«En effet (ensina Esmein — Eléments de droit constitutionnel


français et comparé) quelques légitimes qui soient les droits indi-
viduels, ils n'ont pas une portée illimitée. Ils ont, au contraire, deux
limites nécessaires: — le respect au droit égal chez autrui, et le main-
tien de l'ordre public».— «La libertad omnipotente, diz Alcorta —
Las Garantias Constitucionales — solamente en Dios existe; — la li-
bertad en sus creaturas es la facultad limitada, porque en cl patri-
mônio de todas y de cada una, en la medida necesaria para complir
sus destinos individuales y sociales. Dada la existência del indivíduo
y de la sociedad, como condición de su propia naturaleza, la li-
bertad no puede ser la facultad sicológica que nos présenta en aptitud
de hacer y no hacer, de eligir nuestra situación con independência
absoluta; y puede idecirse con verdad que en este sentido anárquico
y disolvente no se ha mantenido en las evoluciones sucesivas de la
humanidad con caractères estables » ;
considerando que são tanto mais fréquentes as restricções que
soffre a liberdade individual, quanto mais elevado é o gráo de civi-
lização de um paiz — « Infatti, (doutrina Giovani Ugo, no magnífico
artigo que, sob o titulo — Liberta individuale —, publicou no vol. XIV
do Digesto Italiano), se alio sviluppo delia personalitá nova no si
vanno a poço togliendo quegli ostacoli che ne inceppavano Io svol-
gimento, é pur certo che il progresso de luogo a sempre nuove mol-
teplici relacioni, che naturalmente non possono sfugire all'azione
dello Stato e alie nuove determinazioni del diritto, che, essendo per
se stesso misura e contemperando i vari interessi, restringe e limita.
Inoltre, Ia civilitá affina e rende piú delioato il concetto dí liberta,
e tutelando maggiormente l'uomo in tutto l'essere suo e nelle varie
manifestazioni delia sua attivitá, é alíra cagione di intervento dei
legislature relativamente all'azione del singoli. Pel la quale cosa si
vede nei popoli piú civili e nei quali é piú rispettata e tutelata l'u-
mana personalitá, si colpisce un numero notevole di atti che, presso
altre getiti, mono avanzata, ognuno puó compiere senza ostaculo e
fren'o. Eppure nessuno vuol sostenere che presso le medesime la
liberta reale ed ef'fetiva e il libero svolgimento dell'umana, perso-
nalitá sia in esse maggiore che nei popoli civili in cui il diritto e
la legge contemporano saviamente i diritti di ognuno coi diritti di
tutti e stabilisco dei poeta, « osservata e rispettata, conserva la societá;
conculcata e vilepesa, trae la societá a rovina»;
considerando que, no cumprimento do dever, que .a Constituição
Federal lhe impõe, de manter a ordem publica, a Policia tem o
direito de :
a) localizar os meetings ou designando logares para a sua reali-
zação, ou indicando os em que elles não podem ter logar;
b) e prohibir que .elles se realizem, sempre que tenha fundados
motivos para recear que seja perturbada a ordem publica, ou quando
o objecto desses meetings fôr manifestamente criminoso;
considerando que, quanto ao exercício desse primeiro direito,
elle constitue doutrina mansa e pacifica, sendo geralmente reconhe-
cida a competência policial para designar o 'local das reuniões pu-
blicas, tendo em vista a necessidade de também garantir outras li-
berdades constitucionaes, como a de locomoção, a de trabalho, a de
commercio etc. Mesmo na propria Inglaterra, nunca houve quem se
lembrasse de sustentar que os meetings podem ser realizados nas
ruas de grande movimento ou em outro qualquer logar, de livre
escolha de seus promotores. Entre nós, o direito da Policia de regu-
lamentar a circulação, impedindo o estacionamento de pessoas em
determinados logares, já foi formalmente conhecido pelo Accordam
n. 2.979, deste Supremo Federal, de 17 de dezembro de 19T0;
— 249 —

considerando, quanto ao exercício do direito de prohibição prévia


dos meetings, que, se este direito ainda é contestado por alguns
ideólogos que, dciminados por preconceitos theoricos, não reconhecem
«a necessidade de integrar a liberdade na ordem», na phrase concisa
e muito expressiva do professor Lapradelle, não é menos certo que
o referido direito está consagrado na legislação dos povos cultos
e nas praxes parlamentares de paizes cujos governos vivem da con-
fiança legislativa ; e é defendido por mestres de indiscutida auto-
ridade. Em França, apesar do liberalismo da lei de 28 de 'março
cie 1907. que modificou a de 30 de junho de 1881, as reuniões não
podem ter logar sobre a via publica, nem se prolongar além da hora
marcada pana o fechamento dos edifícios públicos. Na Bélgica, é
doutrina corrente que a disposição do 'art. 19, da Constituição, se
não applica ás reuniões de Policia. Na Allemanha. a lei de 21 de
outubro de 1878 declara expressamente que as 'autoridades podem
prohibir as reuniões, sempre que se possa razoavelmente presumir
que elles tenham intuito sedicioso. Na Austria, todas as reuniões
que se realizam ao ar livre, dependem de autorização prévia; e,
mesmo depois de concedida a licença, a autoridade policial pôde
prohibir a realização do meeting, quando sobrevier um fundado mo-
tivo de recear pela manutenção da ordem publica. E os extrangeiros
não podem promover nem dirigir reuniões cujo objecto tenha re-
lação com os negócios públicos. A Constituição do Chile, no art. 10.
garante a todos os habitantes da Republica o direito de se reunirem,
sem permissão prévia e sem armas; mas as reuniões que tiverem
logar nas praças, ruas e outros logradouros públicos, serão sempre
regidas peins regulamentos policiaes. A Constituição Argentina teve
tanto receio dos excessos de demagogia e de intempestivo zelo dos
falsos defensores das liberdades populares, que no art. 2.2 considerou
crime de sedição — « La reunion de personas que se attribuya flos
dereohos del pueblo y peticione á nombre de este». E' exacto que
a Inglaterra se conserva fiel ao principio de ser completamente livre
o direito de reunião; mas importa não esquecer o admirável senso
juridico do povo inglez. e não perder de vista que o poder publico
naqueHe paiz está perfeitamente apparelhado para impedir qualquer
excesso no exercício desse direito. O r. act. de Jorge I conifere
competência aos juizes de paz, e aos « schcrif s » dos condados e
seus supplentes, para dissolverem as reuniões sediciosas e tumul-
tuadas, que estiverem perturbando a ordem publica, lendo para este
fim uma proclamação em neme do Rei. Si continuar a reunião ou
fôr obstada a leitura da proclamação, o meeting passa Jogo a ser
considerado criminoso, e as pessoas que continuarem reunidas fi-
carão sujeitas á pena de morte como réus de «fellony». Para tornar
effectiva a dissolução da reunião, e punição dos culpados, o magis-
trado pôde requisitar não sóment-e o auxilio da força publica, como
a de qualquer cidadão, que passar na occasião. sendo exceptuados os
velhos e os ecclesiastieos. E' intuitivo que não poderíamos applicar
inflexivelmente, sem attender a circumstancias do momento, as
praxes inglezas, em paizes latinos, de escassa cultura, sem educação
jurídica, e em que os cidadãos, em vez de prestar auxilio ás auto-
ridades na repressão dos delictos, estão sempre oromptos a protestar
contra as prisões, sem conhecer o seu motivo. Na Italia, desde 1863.
as praxes parlamentares vêm reconhecendo o direito absoluto do
governo de prohibir reuniões publicas, sempre que ellas possam ser
perigosas á segurança interna ou externa do Estado. Em abril do
referido anno, o ministro Peruzzi, para que não fossem perturbadas
as amistosas relações da Italia com a Russia, prohibiu que se reali-
zasse um meeting pro-Polonia; e a Câmara dos Deputados, conhe-
— 250

cendo dessa prohibição em virtude de uma interpelíação do Deputado


Macchi, approvou. por 150 votos contra 58. o procedimento do governo.
Votações idênticas registram os annaes de 1876, 1879, 1887, e 1898;
sendo interessante notar que a esquerda parlamentar, que, na oppo-
sição, serr.pre sustenta a liberdade de reunião a todo o transe, recorre
também ás prohibições, quando está no governo, embora reconhecendo
theoricainente a illegalidade do acto e aopellando para um « bill
d'indennita ». Mesmo no terreno doutrinário, a prohibição prévia
tem encontrado os mais autorizados defensores. «La legge, doutrina
Brunialti — II Diritto Constitucionale e Ia Política — consente edun-
que giustamente ai potere executivo a Ia podestá di impedire, per
ragione di ordine publico, le reunioni in luoghi publici, quando da
esse si abbia ragionevole e fondate motivo, a tenere ne possano
derivare perturbazione gravi a la sicurezza ed alia tranquilitá gene-
rale. Compito precipuo d'ogni Governo é di garantir e alio stesso modo
Ia liberta e la pace publica; e como di quella il cittadino puó far uso
anche senza una legge che Ia regoli cosi il podere executivo ha fa-
co'ita di prendere tutti quei provvedimenti che stima necessnrii a
tutelar Ia publica tranquilitá».
— «Pratiquement, ensina Orban — Le Droit Constitutionnel de
la Belgique — il est impossible de dénier aux-autorités de police le
droit d'interdire préventivement une réunion s'annonçant comme dan-
gereuse pour l'ordre public»;
considerando que, ainda mesmo que em these «ão fosse reconhe-
cido o direito da Policia de prohibir meetings, na hypothèse dos autos
não poderia deixar de ser reconhecido esse direito, porquanto a
« liberdade de reunião » presuppõe fins licitos, procedimento dentro
da orbita legal — «y entiende, por Io tanto, que es un derecho ía
reunion dentro del orden social y con fines licitos». Gonzalez —
Manual de Ia Constitucion Argentina, 7a edição, pag. 207. Ora, os
meetings, que os pacientes pretendiam realizar, eram duplamente cri-
minosos;
considerando que esses meetings eram criminosos, porque eram
destinados a fazer a propaganda do aiuirchismo, que é a mais illo-
gica. a mais falsa e mais subversiva das doutrinas anti-sociaes.—
«Não se confundem, diz o Dr. Pedro Lessa, — Dissertações e pole-
micas»— os socialistas com anarchistas.— Estes querem que a hu-
manidade regresse ao estado natural, ideiado pelo empirismo revo-
lucionário de João Jacques Rousseau.— Não pretendem somente a
abolição da propriedade individual, tal como se acha constituída.—
Vão além, e .aspiram a um reviramento completo da vida humana,
em que se extinguem todas as magistraturas, todos os vínculos de
direito, todos os instrumentos de policia social, a uma existência, cm
summa, more-ferarum.— Para realizar a utopia anarchista, que é um
idyllio todo tecido de optimismo, de caridade, de affeições e de bene-
volência mutua, fora mister destruir a sociedade actual pela espo-
liação e pelo assassinio — A cruel phantasia anarchista apregoa como
a fôrma suprema da justiça o laniquilamento de uma organização que
se effeotuou necessariamente, fatalmente, graças ao império de forças
naturaes incoerciveis. Somente seria impossível para a realização dessa
velleidade anti-scientifica, que os homens fossem dotados de todas
as virtudes, cuja completa 'negação se nos depara exactamente na-
quelles que, sem o mais amortecido sentimento de piedade ou de
probidade, acariciam o «grande sonho negro de tudo purificar pela
chamma dos incêndios» — O anarchismo não é uma theoria discnlivel
em face das sciencias que estudam o homem e a sociedade.—
F/ apenas uma incitação ao crime»;
— 251 —
considerando que os meetings eram também criminosos, porque
pretendiam exercer pressão sobre os operários trabalhadores e ho-
nestos, violentando-os na sua liberdade, e compellindo-os a não tra-
balhar quando elles estavam dispostos a não adherir a uma greve,
cujos motivos não achavam justificáveis;
"considerando que é dever da Policia garantir a liberdade do
trabalho em todas as suas manifestações, não permittindo que alguém
seja coagido a trabalhar ; ou, ao contrario, que se procure obstar que
trabalhe quem estiver disposto a fazel-o.— O ideal socialista de sub-
stituir o contractu individual do trabalho pelo syndicalisme, tornando
o operário um autômato, que obedece cegamente ás ordens dos di-
rectores dos syndicato-s, é formalmente condemnado pelos mais au-
torizados mestres da propria escola radical.— Duguit, que ninguém
se lembraria de considerar reaccionario, assim doutrina: «Mais, si
la loi doit reconnaître et garantir la liberté de se syndiquer, elle doit
reconnaître et garantir aussi la liberté de ne pas se syndiquer.—
Le travailleur qui veut rester indépendant et n'obéir á ancun syn-
dicat doit voir sa liberté et son indépendance aussi émergiquement
protégées que celles des groupements profissionnels.— Le syndicat
est une liberté, il ne doit pas devenir une servitude. C'est le devoir
du législateur de l'éviter et de traiter également les travailleurs libres
et les travailleurs syndiqués»;
considerando, finalmente, que o reconhecimento do direito da
Policia de prohibir a realização de meetings, quando as circumstan-
cias especiaes do momento tornarem indispensável essa prohibição,
para que ella possa cumprir o seu dever de manter a ordem publica,
não pôde pôr em perigo a liberdade individual, que continua, protegida
pelo remédio -do habeas-corpus, competindo sempre ao poder judi-
ciário examinar, em cada caso concreto, a procedência dos motivos
allegados pela Policia para justificar o seu acto :
Accordam negar provimento ao recurso, para coníirmar, como
confirmam, o Accordam recorrido, que muito juridicamente negou a
ordem de habeas-corpus impetrada em favor de indivíduos que, em
vez de coagidos, eram na realidade coactores.
Supremo Tribunal .Federal, n de junho de 1917. — André Ca-
valcante, presideníte.— Viveiros de Castro, relator.—Sebastião de
Lacerda.— Pedro Lessa. — /. L. Coelho e Campos. — Leoni Ramos.
— João Mendes.— G. Natal.— Canuto Saraiva.— Pedro Mibielli.—
A. Pires e Albuquerque.
f

Dissolução de sociedade anarchista

Em 16 de agosto de 1917. — Exmo. Sr. Dr. Francisco


de Andrade e Silva. M. D. Primeiro Procurador da Repu-
blica.— Accuso recebido o officio n. 443. que me enviastes
em data de 14 de agosto de 1917, solicitando-me informações
que vos habilitem a defender os interesses da União Federal
na acção contra ella proposta pelo Centro Cosmopolita, nos
termos da contra-fé que juntastes.
keportando-me a esta. começo por desfazer um equivoco
do patrono do A., valendo-se. para defender o seu consti-
tuinte, de um voto da Conferência Judieiaria-Policial em
materia de interdictos possessorios.
Xa dita Conferência, é certo, encontrava o A. farto sub-
sidio para discutir o acto do Governo, praticado por inter-
médio do Chefe de Policia, funecionario de confiança do
Presidente da Republica (art. 9". § I o do decreto n. 6.440,
de 30 de março de 1907). Refiro-me ao voto dado á these IX
da Segunda Secção, Vigilância das Sociedades Operárias,
assim concebido :
« I. Tratando-se de syndicatos ou união de syndicates,
com personalidade juridica, como qualquer outra sociedade
legalmente constituída, podem livremente exercer sua acti-
vidade para consecução de seus fins, sem ingerência fiscafi-
zadora da Policia.
II. Essa ingerência fiscalizadora, sob a fôrma de obser-
vação especial, deve ter logar desde que taes syndicatos in-
corram em actos oppostos aos seus fins ou nocivos ao bem
publico, colhendo então, a Policia, os dados precisos, de sorte
...— 254 —

a habilitar o Governo a decretar a dissolução do syndicato


ou união de syndicates.

IV. Dada a dissolução do syndicato, por excesso de


poder, a seus membros cabe a acção judicial do art. 15 da
lei n. 221, de 20 de novembro de 1894. para pedir a nullidade
do acío e effeitos decorrentes.»
De facto, o que fez o Chefe de Policia, devidamente au-
torizado, foi levar a effeito a dissolução de uma sociedade
em cuja sede se pregava a desordem e se assentavam planos
de perturbações da tranquillidade publica, sendo para notar
que autoridades policiacs e representantes da força foram
alvejados a pedradas e a tiros do interior do edifício do
Centro Cosmopolita.
Só neste momento, e depois de alguns dias de tolerância,
foi que o Governo se resolveu a mandar dissolver o Centro,
fechando-o e impedindo-o de continuar a ser um foco de fer-
mentações anarchicas.
O circulo em que se move a acção do art. 13. da lei
n. 221, de 20 de novembro de 1894 é amplíssimo: ella pode
assentar em acto, medida ou decisão da autoridade adminis-
trativa, (§ 3° do art. 13 da citada lei).
Nesse dispositivo é que pôde, porventura, estar o remédio
judiciário que pretende o A., e a seu tempo, assim o enten-
dendo o meritissimo Juiz do feito, sabereis defender o acto
da autoridade publica, que outra cousa não visou senão o am-
paro e a protecção da ordem publica.
Não se trata, sob o ponto de vista da concretização ju-
rídica, de um esbulho de posse; mas da dissolução de um
centro em que se assentavam planos de desordens, e de dentro
de cujo edifício foram alvejados representantes da autoridade
e da força.
O que se deve discutir é a legitimidade do acto da auto-
ridade administrativa, e tal discussão, dentro da eurythmia
do nosso direito judiciário, só se pôde fazer por meio do
art. 13 da lei n. 221.
Pouco importa que a posse tenha sido affectada, no
desdobramento do acto da autoridade publica.
H a na vida jurídica innumeros casos em que a autori-
dade, para proteger certos interesses, attinge direitos vários,
— 255 —

sem cujo sacrifício aquelles interesses não poderiam ser sal-


vaguardados.
No caso vertente, a prova de que o interdicto não resolve
a situação do A. está em que o fechamento do Centro Cosmo-
polita visou a impedir a reunião dos elementos nocivos que
durante a ultima grève perturbaram a ordem e ameaçaram a
cidade de graves acontecimentos, e em mandado expedido
pelo honrado Juiz da 2 a Vara garante apenas « a posse mansa
e pacifica em que se achava do prédio e demais utensílios
nelle existentes», e não o impedido direito de reunião. Logo,
é preciso um remédio capaz de annullar o acto administrativo
que determinou a prohibição, e tal remédio, no direito brasi-
leiro, não pôde ser outro senão o prescripto no art. 13 da
lei n. 221 .
Deante, pois. da impropriedade da acção, não se me afi-
gura necessário entrar em outra ordem de considerações.
Na dilação probatória poderão ser ouvidos' sobre os
graves acontecimentos que determinaram a medida policial
os Drs. Francisco Eulalio do Nascimento e Silva Filho,
Ozorio de Almeida Junior, Armando Vidal Leite Ribeiro,
respectivamente I o , 20 e 3 0 delegados auxiliares, Dr. Aristó-
teles Solano Carneiro da Cunha, delegado do districto em
que o Centro Cosmopolita tem sua sédc e os majores Carlos
da Silva Reis e Gustavo Moncorvo Bandeira de Mello.
Aproveito o ensejo para apresentar a V. Ex. os pro-
testos de minha elevada consideração e perfeita estima.—•
O Chefe de Policia, Aurelino Leal ( J ) .

(1) A acção não teve seguimento. A Policia, ao demais, não tem


outra interferência no caso.
9Zr*#&*8fro$&4^ ^^^^^^-^T^

Il policia e o jogo

«Em 18 de setembro de 1917— Exmo. Sr. Desembar-


gador Presidente da Terceira Gamara da Corte de Appellação.
— Respondo com este aos officios de V. Ex. ns. 3.214-3.219.
de 15 do corrente, solicitantes de informações relativas ao
habcas-corpus preventivo requerido por Francisco Paulo Na-
zareth, Manoel Carmo, Manoel Yaz. Marco von Dolinger.
Augusto Wadisigton e Antonio Coelho de Oliveira.
Embora em autos separados, a hypothèse é a mesma :
dahij pedir eu a Y. Ex. se digne acceitar em um só officio
as presentes considerações, que se referem a todos os im-
petrantes .
Na petição de fis. ha a affirmaüva de que se acham
elles « ameaçados de constrangimento illegal por ordem mal
interpretada do Dr. Chefe de Policia desta Capital ».
A « coacçao » existe porque os pacientes « mantêm negó-
cios com os Srs. Lopes & Parâmes, e Parâmes. Senna & Comp..
negociantes com casas lotericas, ás ruas do Ouvidor, ns. 151
e 139, e da Quitanda, n. 79. em cujos estabelecimentos com-
merciaes têm necessidade de entrar, com o necessário sigillo
profissional, repetidas vezes, durante o dia, por força mesmo
da profissão que exercem ». o que não podem livremente
fazer porque a Policia posta guardas civis nas suas portas,
com ordens terminantes de ahi não permittir a entrada de
quem quer que seja.
Não é verdade o que allegam os impetrantes.
17
— 258 —

A indicação de que os impetrantes são « negociantes com


casas lotei-icas» é preciosa. Nesta cidade ninguém ignora que
casa que vende bilhetes de loteria é, quasi sem excepção, casa
que explora o jogo do bicho.
E se ha na Veneranda Corte, perante a qual presto esse
depoimento, alguém que o ignore, esbatam-se todas as duvidas
com esta informação peremptória, baseada em investigações
centenas de vezes feitas e outras tantas positivadas : a casa lo-
terica é um centro disfarçado do jogo do bicho e o respectivo
negociante um bicheiro, cevado na exploração impénitente e
insaciável do povo, do operário, do funecionario publico, dos
creados, dos escolares, seduzidos todos pelo fraccionamento
da sorte, de que é susceptível esse tormentoso invento de dis-
persão anti-economica e immoral.
Eis ahi qual a verdadeira natureza dos « estabelecimentos
commerciaes », em que os impetrantes « têm necessidade de
entrar com o necessário sigillo profissional, repetidas vezes
durante o d i a . . . »
Não vale a pena chamar a attenção para essa linguagem
mysteriosa, porque ao que os impetrantes audaciosamente as-
piram é tornar a justiça brasileira protectora da exploração
do jogo de bicho, pretendendo conseguir uma o-rdem de ha-
beas-corpus que seja a carta de lei do despudor com que, nesta
terra, elles e outros reduzem á miséria as classes populares,
sugando-lhes as economias no sorvedouro de uma indecentis-
sima industria.
E' inutil dizer que o esforço é v ã o . . .
Quanto á parte jurídica, propriamente, vou acompanhar
os Impetrantes através da sua propria petição para provar que
as instrucções emanadas da minha autoridade são perfeita-
mente legaes.
Como principio, devo estabelecer que os guardas civis pos-
tados á porta das casas em que os impetrantes coram populo
exploram o jogo de bicho, exercem uma rudimentarissima
funeção policial: a observação, a vigilância, para evitar que
se pratique a contravenção do dito jogo, não prohibindo a
entrada de ninguém nas respectivas casas.
Para justificar o pedido de habeas-corpus, os impetrantes
sustentam :
I0, que «os arts, 31 e 32 da lei 11. 2.321, de 30 de de-
— 259 —

zembro de 1910, cujos dispositivos são de lei annua, de lei


orçamentaria, não têm força legal em materia de direito sub-
stantivo; i ;
2U, que « o poder preventivo da Policia, por mais arbi-
trário que seja permittido, não pôde ir ao extremo de cercear
a liberdade da locomoção dos cidadãos brasileiros, em pontos
que, se são perniciosos á moral social, devem ser por uma
vez igualmente fechados, mas que, se não ha provas de que
o sejam, não devem ficar defesos, com providencias vexa-
tórias, ao publico;
3 o , que a materialização da força nas portas de en-
trada dos prédios em que precisam, como resultado de suas
dignas (!!!) profissões, de entrar os supplicantes é um ex-
cesso, que não encontra sustentaculo em nossas leis. . . » ;
4 o , que « a exhibição da força, não sendo ella justificada
por alteração da ordem publica, pela necessidade de prevenir
dclictos irremediáveis, e não simples contravenções, possíveis
mas não certas, é, sob todos os aspectos, um constrangimento
illegal » ;
5o, que, dahi. se justifica o habeas-corpus e que « em
toda a nossa brilhante jurisprudência um só julgado não ha
que declare não ser constrangimento illegal a presença da
força armada numa casa de commercio, ainda mesmo que a
Policia tenha elementos para a considerar casa de tavolagem ».
Quanto ao primeiro ponto, estão em pleno vigor os ar-
tigos 31 e 32 da lei n. 2.321, de 30 de dezembro de 1910.
E' certo que dessas disposições se tem dito que ellas foram
revogadas pela lei n. 3.213, de 31 de dezembro de 1916.
Outros, como os impetrantes, entendem que, sendo enxertadas
em uma lei annua, não têm força revogatoria de leis perma-
nentes .
A primeira affirmativa carece de qualquer fundamento.
Para não perder tempo com uma discussão inutil, basta in-
vocar o pronunciamento da Justiça.
Ha poucos dias ainda, o Juiz Cesario Alvim salientou a
vigência dos arts. 31 e 32 da lei 11. 2.321. E se, sob o ponto
de vista da orientação judiciaria, esse julgamento, por emergir
da primeira instância, carece da autoridade jurisprudencial,
aqui está a opinião unanime do Supremo Tribunal Federal,
em accórdão de 22 de maio deste anno, recusando conceder
— 260 —

um habeas-corpus a Francisco Epaminondas Nogueira. « re-


gularmente processado e condemnado por juizes competentes
e pela infracção prevista na lei n. 2.321, de 30 de dezembro
de 191o ».
Certamente, o mais alto Tribunal do paiz, servido por lu-
minares do direito, não commetteria o erro de reconhecer
que alguém fora regularmente condemnado por uma infracção
que não mais figurasse nas leis brasileiras.
O segundo argumento também é sem valor.
Modernamente, o orçamento, como na França, regista
disposições de leis permanentes que são pacificamente appli-
cadas, bem que. em theoria. se combata esse expediente.
« Desde muitos annos, diz Duguit. o Parlamento tomou
o habito de inserir na lei de finanças disposições completa-
mente estranhas á arrecadação dos impostos e das taxas pu-
blicas, introduzindo verificações na organização administra-
tiva ou judiciaria e até na legislação civil ou penal.» O notável
escriptor acha. aliás, constitucional a condueta do Parlamento
f rancez : « A parte do orçamento que recebe mais particular-
mente o nome de lei de finanças e que autoriza e regula
annualmente a arrecadação dos impostos é uma lèi no sentido
material ; votando-a. o Parlamento age verdadeiramente como
legislador; pôde. portanto, constitucionalmente. modificar ou
supprimir por meio delia instituições ou disposições estabele-
cidas por uma lei.» (Duguit. Traité de Droit Const., vol. 11.
pag. 387. ) (Aurelino Leal. Conunentarios á Constituição Fe-
derai (inédito), vol. I, pag. 553.) (Esmein.. Blém. de Droit
Const., éd. de 1903. pag. 793.)
Juristas pátrios, como Lafayette e Carlos de Carvalho,
sustentaram a intromissão possível de disposição de caracter
permane-iie em leis orçamentarias. (O Direito, vol. 96. pa-
ginas 353-357-)
E se tudo isso não bastasse, abi estaria, dirimindo a
questão, a palavra do Supremo Tribunal Federal, em accórdão.
entre outros, de 30 de novembro de 1912 : « A inserção, embora
irregular, de disposições de caracter permanente em leis or-
çamentarias não é motivo bastante para que sejam ellas de-
claradas inapplicaveis pelo poder judiciário, findo o anno
para o qual foram votadas ». (Kelley, M. de Juris. Fed., pa-
— 261 —

gina 229). Implicitamente, está ahi reconhecida a validade


de taes disposições.
Quanto ao segundo ponto.
Eu me gabo de ter feito, na minha administração, taboa
rasa do poder arbitrário da Policia, que deve ser substituído,
quando preciso, pela discreção ou poder discrecionario. que é,
afinal, um poder legal, comprehendido no direito escripto,
mas applicavel segundo um critério exacto de opportunidades.
Não posso, portanto, acceitar a increpação que me fazem
os impetrantes de estar, arbitrariamente, cerceando « a liber-
dade de locomoção dos cidadãos brasileiros ».
Quando muito, eu me prestaria, se fosse preciso, a tomar
a responsabilidade de perturbar a liberdade de locomoção de
quem quer que de tal direito usasse para. sabidamente, ir com-
metter um crime ou contravenção, e isto porque não mais se
trataria, no caso, do uso constitucional do referido direito,
mas do abuso delle. com intuito criminoso, e. portanto, inad-
missivel.
Xa Conferência J udiciaria-Policial o ministro Viveiros
de Castro, entre outras conclusões da sua these sobre Liber-
dades indwiduaes, formulou as seguintes, que obtiveram o
voto unanime dos conf erencistas :
« Não constitue restricção illegal do direito de livre lo-
comoção a vigilância que a Policia julgar conveniente exercer
sobre certas pessoas consideradas suspeitas ; ao contrario, essa
vigilância é, em certos casos, condição indispensável para que
a mesma Policia possa exercer a sua funeção preventiva.
Sendo um dos deveres da Policia garantir o livre tran-
sito na via publica, é indiscutível a sua competência para re-
gulamentar a circulação, impedindo mesmo o estacionamento
de pessoa em determinados logares.» (Vide o Diário Offi-
cial, de 25 e 27 de maio deste anno.) Já ponderei, entretanto,
a essa Veneranda Corte que o direito de locomoção está in-
demne. O que se está praticando, á minha ordem, é a vigi-
lância policial, precisa, sem contestação, para que as ordens
contra o jogo dos bichos — perniciosíssimo e dissolvente —
não. sejam burladas.
Mesmo que assim não fosse (e aqui eu respondo ao ter-
ceiro ponto em que se firmam os impetrantes na petição de
liabeas-corpus). mesmo que assim não fosse, «a materiali-
— 262 —

zação da força nas portas de entrada dos prédios » não « con-


stituiria um excesso».
Insistentemente, os impetrantes salientaram que é ás
fartas das casas que os policiaes permanecem. E' a mesma
cousa dizer que elles permanecem na r u a . . . campo de acção,
por excellencia, da Policia. Mas ainda que permanecessem no
interior da casa, que haveria de mais na medida?
Certo, vivemos num paiz onde « a casa é o asylo in-
violável do indivíduo» (Const. Fed., art. 72, § 11) ; mas essa
inviolabilidade, como, aliás, a de qualquer outra garantia de
direito, tem limites que a propria lei magna autoriza. Entre
outros, está previsto o de ser possível a entrada á noite e
de dia na casa privada na hypothèse de se commetter ahi
algum crime (art. 197, ns. 5 e 199, § 3 0 , do Cod. Penal) .
Ora, quem negaria a um policial, postado á entrada de
uma casa de jogo, o direito de nella penetrar, para prender,
nos termos do art. 199. § 3". do Código Penal, quem estivesse
commettendo as infracçoes previstas no art. 31 da lei n. 2.321,
de 30 de dezembro de 1910, no Dec. regulamentar n. 8.599,
de 8 de março de 191I, incorporado ao nosso direito objective
pela lei n. 2.919, de 31 de dezembro de 1914?
Demais disto, não se deve perder de vista a natureza
dos « locaes ».
Sendo casas de jogo, « os respectivos recintos são ex-
postos ao publico», e, conseguintemente, sujeitos á «vigi-
lância ostensiva da Policia».
E' ainda o direito brasileiro que fala : « Todo o logar,
diz o art. 4 da lei n. 628. de 28 de outubro de 1899, to'do
o logar em que é permittido o accesso de qualquer pessoa,
mediante pagamento de entrada ou sem elle, para o fim de
jogo, é considerado logar freqüentado pelo publico, para o
effeito da lei penal».
Ora, quem diz logar publico, diz logar sujeito eminente-
mente á acção da Policia. Na minha these sobre o « Poder de
Policia», julgada pela Conferência « Judiciaria-Policial ».
lembrei, a respeito, estas palavras de Otto Mayer: « O próprio
interior da casa, com tudo que nelle se encontra, incide na
vigilância da Policia, desde que é accessivel a pessoas es-
tranhas que ahi passam a circular». (Droit Publ. de 1'Bmp.
All, vol. II, pag. 20.)
— 263 —

No direito italiano, segundo Ranelletti, é caso expresso


de vigilância especial da Policia e exercida « su coloro che
sono sospetti di tenere lotterie clandestine o altri giuocchi di
azzardo e d'invito ». (La Polizia di Sicurezza, no Trat. de
Dir. Adm., de Orlando, vol. IV, I a parte, pag. 316.)
« Se, tambern affirma Saccone, se o jogo de azar escapa
a qualquer vigilância da autoridade, quando se o pratica nas
casas particulares, deve, ao contrario, merecer a « attenção da
Policia, quando oceorre em logares freqüentados pelo pu-
blico ». (Le legge di publica sicurezza, pag. 284. )
Quanto ao quarto argumento dos impetrantes, não é elle
mais feliz. A exhibição da força não pode. nas condições
expostas nesta informação, ser tomada como « um constran-
gimento illegal ». Ella exerce o papel da vigilância, em apoio
de uma lei «flagrantemente burlada pelos «negociantes» a
que se referem os impetrantes », mercadores de cousas prohi-
bidas. O que os guardas fazem é vigiar, prevenir, evitar.
Vigiar o jogo, prevenir, evitar que se jogue, com ordem, que,
aliás, não precisava ser dada, de prenderem quem fôr encon-
trado em flagrante contravenção da lei.
Finalmente, os impetrantes sustentaram que « em toda a
nossa brilhante jurisprudência um só julgado não ha que de-
clare não ser constrangimento illegal a presença de força ar-
mada numa casa de commercio, ainda mesmo que a Policia
tenha elementos para a considerar casa de tavolagem».
Eu poderia oppôr que a autoridade não teria necessidade
de tal jurisprudência para orientar-se na sua conducta. Isto
porque os tribunaes de justiça de um paiz civilizado não po-
deriam desconhecer á Policia o direito de vigilância sobre
casas por ella reputadas de tavolagem. O simples silencio
da jurisprudência seria indicativo, tão só, da falta de um
caso concreto a que a justiça applicasse os princípios legaes.
A verdade, entretanto, é que a jurisprudência existe.
A propria Corte de Appellação, em accórdão de 1 de
setembro de 1908, sustentou exactamente que « o caso do
Chefe de Policia, mantendo na casa commercial do paciente
agentes de sua autoridade, afim de prevenir a pratica do de-
nominado jogo do bicho, não constitue constrangimento illegal
ou ameaça de prisão ». Essa acção preventiva da Policia, exer-
citada em logar publico, pois como tal é considerada a casa
— 264 —

commercial do paciente, por eomprehensão, pelo art. 203 do


Código Penal e art. 4 0 da lei n. 628. de 1899, desde que a
autoridade tem sciencia certa da pratica do jogo., contravenção
punirei, não affecta a liberdade pessoal, a liberdade phy-
sica. . .» (Revista do Direito, vol. 9. pags. 545-47. )
O s interessados recorreram a o Supremo Tribunal, e este,
por accórdão « unanime », de 23 de setembro de 1908, « negou
provimento a o recurso, visto ter a decisão recorrida se baseado
no principio firmado pela jurisprudência do Tribunal, de que
o remédio do habeas-corpus beneficia a liberdade physica do
indivíduo, e, no caso vertente. « nenhuma » offensa delia se
verifica, desde que a ordem de prisão, consignada nas in-
strucções dadas pela Policia a seus agentes, visando somente
os q u e forem encontrados em flagrante pratica do « jogo do
bicho », que constitue uma contravenção policial, é incapaz
de attingir o paciente, desde que elle se limite a actos licitos
de seu commercio no respectivo estabelecimento mercantil ».
(Revista do Direito, vol. TO. pags. 8 8 - 8 9 . )
Obediente ao Poder Judiciário, do qual cada vez mais me
approximo para illuminar-me a condueta legal no exercicio
do meu cargo, instrui os meus auxiliares, de modo a se con-
terem dentro das linhas dos dous accórdãos citados.
De tudo quanto fica exposto se conclue que os impe-
trantes não estão soffrendo constrangimento illegal. Apenas
a Policia « evita ». por meio da vigilância tenaz e moraliza-
dora. a pratica do « j o g o dos b i c h o s » .
Reitero a V. E x . os protestos de minha elevada consi-
deração e perfeita e s t i m a . — O Chefe de Policia. Aurelino
Leai.»
JURISPRUDÊNCIA
Vistos, etc.— Accórdão na Terceira Gamara da Corte de Ap-
pellação negar afinal as ordens podidas a fis. em face das infor-
mações prestadas pelo Sr. Dr. Chefe de Policia e que obedecem á
jurisprudência contida nos Accórdãos da Segunda Câmara da Corte
de Appellação.
Rev. de Dir., vol. 90, pag. 545, e do Supremo Tribunal Federal
de 23 de setembro de 1908. Rev. de Dir., vol. 10. pag. 88, em que
foi estabelecido que, sendo o jogo do bicho uma contravenção punivel,
não constitue constrangimento illegal o facto da Policia ^manter
agentes para prevenir a pratica do dito jogo.
Custas na fôrma da lei.
Rio de janeiro 19 de setembro de igij .— Celso Guimarães.—
Pedro Fmncellino Guimarães. — Blriro Carrilho.— Edmundo de Al-
meida Rego.
^Õ^ÕC^Õ^ÕÕ^ÕÕ^ÕÕ^O o^õõ^õõ^õ^õõ^õõ^õõ^

Protecção á vida humana

Km 23 de dezembro de 1917 — Exmo. Sr. Desembar-


gador Celso Aprigio Guimarães, M. D. Presidente da Ter-
ceira Câmara da Corte de Appellação.
Respondo ao officio de V. Ex. n. 3.400. de 19 do cor-
rente, mandando-me informar, nos termos do accordão da
mesma data. sobre o constrangimento de que se diz victima
Miss Mary, por impedil-a a Policia de « trabalhar no Pa-
vilhão Sete de Setembro, sito á rua Mariz e Barro?».
E' o próprio impetrante quem limita a extensão da pro-
hibição da Policia, que. segundo elle, impediu apenas que
Miss Mary repetisse uma prova denominada « A enterrada
viva ».
Pouco importa que esse trabalho já tivesse sido ex-
ecutado com permissão da autoridade de segurança. Essa Ve-
neranda Corte, por accordão unanime n, 1.476. de 7 de julho
de T916. decidiu que o «decreto n. 2.558. de 1897. no ar-
tigo 10. e o decreto n. 6.562. de 1907. no art. 25. permittem
á Policia suspender, por motivo de ordem publica. « as re-
presentações autorizadas ». e o Egrégio Supremo Tribunal
Federal sustentou também, por voto unanime, a legitima dou-
trina consubstanciada no voto do tribunal do Districto.
Não vem ao- caso dissertai" sobre o largo conceito da
« ordem publica » no domínio da política ; mas. qualquer que
elle seja, segundo as theorias dos escriptores. ninguém negará
que a « segurança das pessoas » se contém no circulo por
ella comprehendido.
— 266

Ora, o que a Policia fez, relativamente a Miss Mary, foi


protegel-a de um perigo e evitar a pratica de um crime de
que ella era co-ré, crime de que a autoridade superior não
foi informada senão quando prohibiu a sua representação.
Quanto ao perigo, é a propria empreza quem se gaba de
proclamar que Miss Mary está a elle exposta. (Seja dito
de passagem que os documentos juntos pelo impetrante á sua
petição parecem ter sido escolhidos a dedo para provar a le-
galidade da acção da Policia.)
No documento n. 3 está escripto : « Esta perigosa mulher
offerece 1 :ooo$ a quem descobrir qualquer communicação
com o exterior por onde possa respirar». E mais adiante:
« Ficará enterrada durante a segunda parte do programma
completamente isolada da vida ».
No documento n. 4, Miss Mary é citada como « um phe-
riomeno que a natureza dotou com a faculdade de resistir
«debaixo da terra», por longo tempo». Mais ainda: «Miss
Mary, no intervallo do espectaculo, será encerrada em uma
tumba e em seguida enterrada em uma cova que pode ser
examinada por todos, « depois de coberta de terra até a su-
perfície », nella se conservará até o final do espectaculo ! ».
E', pois. a propria empreza que fala do perigo dessa
prova, alardeando que Miss Mary permanece enterrada du-
rante uma longa parte do espectaculo. E para afastar a idéa
de « true », offerece ella a quantia de 1 :ooo$ a quem des-
cobrir « qualquer communicação com o mundo exterior, poi
onde possa respirar».
Acha o impetrante que se trata de « um acto licito, cujas
conseqüências a ella (Miss Mary) tão somente podem inte-
ressar ».
Licito não é, porque é illegal; e as respectivas conse-
qüências não lhe interessam, apenas, mas á sociedade também,
na harmonia geral da sua vida jurídica e moral.
No próprio regulamento théâtral (dec. n. 6.562. de 16
de junho de 1907). está escripto no n. 11 do art. 15: «A au-
toridade que presidir ao espectaculo poderá ordenar as pro-
videncias que julgar necessárias, não só para fazer cumprir
este regulamento e mais disposições vigentes, « como para
evitar qualquer desastre » ou diminuir os perigos dos tra-
balhos ».
— 267 —

Dir-se-ha que tal norma só se applica ás praças desti-


nadas a corridas de touros, mas não é verdade. A regra se
contém no capitulo de disposições geraes e o § 3 0 do art. 17
desse mesmo capitulo é terminante, quando dispõe, de refe-
rencia ás companhias eqüestres, de acrobacia e de prestidi-
gitação (como no caso vertente), que « á autoridade cumprirá
estabelecer as condições exigiveis na pratica das sortes de
acrobacia em que haja perigo manifesto e immediato para a
vida humana ».
Pouco importa a palavra « acrobacia » isolada de qual-
quer outra. O art. 17, citado, se refere a todas as companhias
do gênero daquella a que Miss Mary pertence; e não se pode
attribuir ao legislador o absurdo de proteger a vida humana
em uma espécie de prova perigosa e não proteger em uma
outra.
A disposição regulamentar vale em qualquer hypothèse
em que a vida humana corra perigo. Demais, não era preciso
que houvesse uma disposição regulamentar para que a Policia
pudesse prohibir exhibição de tal ordem.
Alcançada pelo circulo conceituai da ordem publica a
segurança geral da vida humana, incumbe á autoridade pro-
tegcl-a contra quaesquer perigos ; d'ahi a competência explicita
da Policia para garantil-a nos termos da lei ou regulamento,
ou implícita por força de sua propria funeção de defender a
mesma ordem publica.
Em casos taes, affirma Raneletti, um « texto de lei não
é necessário, porque a faculdade da autoridade de intervir e
adoptar taes providencias (de repressão e prevenção) deriva
da propria razão da existência da funeção da Policia no Es-
tado». (Em Orlando, Trai. di Dir. Amm., vol. IV, p. I, pa-
gina 436.)
Si todos esses motivos não bastassem para legitimar a
acção da Policia, o próprio impetrante, com a farta e elo-
qüentíssima documentação que juntou á petição de habeas-
corpus, offereceria um outro da mais alta valia; é que a
prova a que se submette Miss Mary é precedida de uma pra-
tica criminosa.
Veja a Veneranda Corte parte do texto do documento
n. 6 : « Pela primeira e ultima vez, nesta cidade, Miss Mary
será hypnotizada e sepultada viva».
— 268 —

O documento n. 7 repete, em lettras pretas, essas mesmas


palavras do documento anterior, e o documento n. 8 alardêa :
« Miss Alary será hypnotizada á vista do publico e sepultada
viva ».
Ora, o art. 156 do Código Penal não admitte duvidas a
respeito : « Exercer a medicina, em qualquer dos seus ramos,
a arte dentaria ou a pharmacia ; praticar a homoeopathia. a
dosimetria — hypnotismo ou magnetismo animal sem estar
habilitado segundo as leis e regulamentos» constitue crime.
Xote-5e que. no tocante ao hypnotismo. não é o seu uso
como processo therapeutico que a lei pune. é a sua pratica,
qualquer que ella seja.
Portanto, a Policia prohibiu praticas hypnoticas prede-
cessoras de uma prova selvagem a que se presta Miss Mary,
isto é: prohibiu. nos termos do regulamento, uma deshtimani-
dade que a propria paciente alardêa ser perigosa e impediu a
violação coram populo de um dispositivo do Código Penal.
Aproveito a opportunidade de mais uma vez apresentar
a essa Yeneranda Corte o meu profundo respeito e subida
consideração.— O Chefe de Policia. Aurelino de Araújo
Le ai.»

JURISPRUDÊNCIA
Vistos, etc.— Accórdão na Terceira Câmara da Corte de Ap-
pellação negar a ordem impetrada em vista das informaçÕe= minis-
tradas a fis. pelo Dr. Chefe de Policia, que justifica cabalmente a
medida ordenada, não causando assim constrangimento illegal á pa-
ciente, como allega o impetrante.
Custas na fôrma da lei.
Rio de Janeiro. 22 de dezembro de 1917.— Celso Guimarães, pre-
sidente com voto. — Eíviro Carrilho.— Pedro FranceUino Guimarães.
Os cônsules estrangeiros e o seu direito á assistência das
autoridades locaes

« B.vmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal,


Dr. Pedro Augusto Carneiro Lessa.
« E m io de julho de 1918 — Tendo sido distribuído a
V. Ex. o recurso, cx-officio, interposto pelo meritissimo Juiz
Federal da i!> Vara, da sentença com que o mesmo concedeu
habeas-corpus ao tripulante João Gonçalves Jardim, do vapor
Paro, de propriedade do governo portuguez, relevar-me-ha
V. Ex. dirigir-lhe o presente officio.
E' possível que eu vá ao encontro dos desejos da Vene-
randa Corte Judiciaria de que é V. Ex. grande ornamento',
si acaso se julgar carecedora de informações officiaes para
orientar o julgamento do recurso.
Ainda mesmo, porém, que o Supremo Tribunal não pre-
cise de quaesquer informes, não poderia eu deixar de invocar
a benevola permissão de V. Ex. e dos venerandos ministros
para o recebimento deste officio que. de um lado, reflecte o
meu respeito habitual pelo Poder Judiciário, respeito que tem
sido uma das minhas principaes preoecupações funecionaes,
e. do outro, vale pela defesa da minha condueta como auto-
ridade superior da Policia do Districto Federal, cruelmente
julgada — e não sem grande surpresa minha — pelo honrado
Juiz a quo.
Da sentença do meritissimo Juiz da I a Vara se vê que
« pelas leis brasileiras, á excepção do flagrante delicto, a
270 —

prisão, antes da culpa formada, só pode ter logar nos crimes


inafiançáveis, por mandado escripto do juiz competente para
a formação da culpa ou á sua requisição ».
E como resultasse uma contradicção entre um officio
meu e outro da directoria da Casa de D etenção, sentenciou
o nobre magistrado que « o D r. Chefe de Policia, não po­
dendo invocar um ou outro fundamento para a prisão que or­
denou e ainda mantém do paciente, abusiva e falsamente nega
semelhante prisão, procurando, assim, sem duvida, embaraçar,
demorar ou difficultar a expedição da ordem de habeas­corpus
impetrada em favor delle ».
V. Ex. me permittirá que eu inverta essas duas accusações
para defender­me de ambas.
Não houve, nem podia haver, dados os meus hábitos de
tratar a magistratura, falsidade voluntária na informação.
Dos autos se deduzia que a prisão não fora originariamente
ordenada por mim, mas feita á requisição do consul portuguez,
o que é différente.
Portanto, tratando­se de uma prisão pedida por uma
autoridade estrangeira, o que a contradicção entre os dois
officios — data venia — aconselhava, era um novo pedido de
informações, maxime tratando­se de um funccionario como
■ eu, obscuro e humilde, sem duvida, mas nunca apanhado na
falta de, caprichosamente, desobedecer ou « embaraçar, de­
morar ou dif ficultar » a acção da justiça.
" Não o entendeu assim o honrado Juiz a quo.
Na simples descripção que do caso vou fazer, verá
V. Ex. que dos autos se evidencia tratar­se de um lapso de
burocracia, de uma falsidade apparente, si quizerem, mas
nunca de uma falsidade voluntária.
E aquella, certamente, teria sido corrigida, si a pro­
verbial gentileza do digno Juiz Federal da I a Vara, tão pró­
diga sempre para commigo, não soffresse um subito deliquio.
Eis o facto:
O Sr. consul geral de Portugal, a i de junho proximo
passado, me dirigiu um officio, solicitando a captura e apre­
sentação do tripulante do vapor portuguez Faro, João
Gonçalves Jardim.
Só no dia 20 a requisição pôde ser attendida.
— 271 —

Nesse dia a mesma autoridade solicitou que Gonçalves


Jardim fosse conservado sob custodia.
A 22, ainda de junho, recebi um novo officio do consul
portuguez, pedindo a apresentação de Jardim, que devia em-
barcar no Faro.
A' margem desse officio, a lapis azul, fiz á secretaria a
seguinte pergunta : — « Providenciou-se ? »
O respectivo funecionario leu essa nota sem a interro-
gativa, tomando-a, portanto, como uma declaração de que já
se havia providenciado; e devido a esse lapso, informou que
Jardim, que já suppunha apresentado ao consulado portuguez,
não mais se achava detido.
Tal informação foi remettida ao Sr. Juiz Federal da
a
I Vara a quem fora requerido habeas-corpus em favor
de Jardim.
E' claro, pois, que, procedendo a informação official de
um lapso havia ella de collidir, como collidiu, com a do di-
rector da Casa de Detenção.
De tão simples narrativa se deduz que não havia nenhum
moth o para oceultar-se a prisão de João Gonçalves Jardim :
I o ) pela seriedade, mercê de Deus comprovada, com
que acato a justiça de meu paiz;
2 o ) porque a policia não tinha nenhum interesse na
prisão que fora feita á requisição do consul portuguez;
3°) porque, dado o deslise da minha parte de querer
occultar uma prisão, não me exporia ao flagrante desmentido
da directoria da Casa de Detenção, que tinha o paciente á
minha disposição.
Liquidada esta parte, peço a V. Ex que admitta a justi-
ficação da minha condueta funccional ao attender a requi-
sição que me fez o Sr. consul portuguez.
Certamente, quando o honrado Juiz Federal da I a Vara
lançou na sentença recorrida o asserto terminante e cate-
górico de « que pelas leis brasileiras, á cxcepção do flagrante
delicto, a prisão antes da culpa formada só pode ter logar nos
crimes inafiançáveis, por mandado escripto do juiz compe-
tente para a formação da culpa ou á sua requisição ». es-
queceu-se de que sem esse mandado escripto do juiz ou sem
requisição delle, pode o Ministro da Fazenda ordenar a prisão
dos responsáveis por dinheiros públicos, facto regulado « pelas
— 272 —

leis brasileiras» julgadas perfeitamente legitimas, entre


outros, por accórdãos do Supremo Tribunal, ns. 2.075. de
7 de dezembro de 1912. e 2.847. de 6 de abril de 19 ro: es-
queceu-se de que, entre nós. nos casos de extradição, a prisão
independe de mandado judicial, porque, sendo « negocio
que pertence á politica internacional, dahi vem que é sempre
tratada de governo a governo ». de tal sorte que. « no pre-
paro, discussão e consentimento da extradição se observam,
na maior parte dos Estados, as formulas do processo admi-
nistrativo » (Lafayette, Princípios de Direito Internacional.
vol. I, pag. 236) ; esqueceu-se ainda de que. « pelas leis brasi-
leiras », milhares de pessoas alistadas nos exércitos de terra
c mar soffrem prisões de ordem disciplinar, ás quaes é per-
feitamente estranha a autoridade judiciaria.
Em todos esses casos, esta intervém para cohibir abusos
quando taes abusos se verificarem e a sua acção fór reclamada.
Antes, não.
Finalmente, o honrado Juiz a quo se esqueceu de que
um caso existe ainda em que « as leis brasileiras » permittem
a prisão fora dos casos da sua formal assertiva : é justamente
a prisão requisitada pelos cônsules estrangeiros de tripulantes
ou desertores de navios de seus' paizes.
Entre as attribuições do consul, como ensina Clovis
Bevilacqua. está a de « dirigir-se ás autoridades do paiz para
que façam prender os marinheiros que desertarem dos « navios
de guerra ou mercantes ». (Direito Publico Internacional,
vol. II. pag. 475. )
«As autoridades locaes. diz ainda Clovis. auxiliarão
também os cônsules na captura dos desertores » ; no caso da
Panther ficou resolvido que « ás autoridades territoriaes com-
pete, incontestavelmente. praticar as diligencias de policia
necessárias para a descoberta e captura e entrega dos deser-
tores», (üb. cit., vol. cit.. pags. 482 e segs.)
O mesmo se lê em Lafayette: «Incumbe-lhe. oulrosim.
(ao consul) requisitar á autoridade local a prisão dos ma-
rinheiros que desertarem e fazel-os restituir ao navio a que
pertencem». {Princípios de Direito Internacional, vol. I. pa-
gina 453-)
informações de egual natureza se lêem cm internado-
— 273 —

nalistas estrangeiros, de que pôde servir de exemplo Bonfils.


(Droit Intern. Public, pag. 508.)
ü caso, aliás, é regulado por antiga disposição de direito
brasileiro, qual o art. 16 do regulamento que baixou com o
decreto n. 855, de 8 de novembro de 1851, assim redigido:
« Os agentes consulares estrangeiros serão au-
xiliados, requisitando-o, pelas competentes autori-
dades territoriaes, não só quando tiverem necessidade
da intervenção e apoio délias para o exercício de
suas funeções a bordo dos ditos navios, mas também
quando pretenderem a prisão e entrega dos mari-
nheiros e soldados que délies desertarem, ou dos de
guerra, ficando os mesmos agentes consulares obri-
gados pelas dfspezas que taes indivíduos fizerem nas
prisões. »

O assumpto é, pois, regulado ha quasi 67 annos no Brasil,


por disposição inilludivel, e os cônsules brasileiros, nos paizes
estrangeiros, têm a mesma attribuição :
« Desertando algum ou alguns marinheiros de bordo de
qualquer embarcação mercante brasileira, os cônsules darão
parte ás autoridades locaes, requerendo-lhes a sua assistência
e auxilio para se descobrirem e apprehenderem os mesmos
desertores, que deverão' ser remettidos para bordo da em-
barcação a que pertencerem. O mesmo praticarão com os
marinheiros ou outras quaesquer pessoas que desertarem dos
vasos da marinha nacional.
« Si o desertor fôr estrangeiro, procurarão obrigal-o ao
cumprimento do seu dever, ou por intermédio do consul da
sua nação, ou, segundo as circumstancias, pelo das autoridades
locaes ». (Arts. 434 e 435 da Nova Consolidação das leis,
decretos, decisões, referentes ao Corpo Consular Brasileiro,
approvada pelo decreto n. 10.3%. de 6 de agosto de 1913.)
São, portanto, funeções normaes dos cônsules brasileiros
nos paizes estrangeiros e dos representantes consulares destes
no Brasil. Entre nós. como já deixei visto, o caso é taxativa-
mente regulado pelo art. 16 do decreto n. 85, de 8 de no-
vembro de 1851, em pleno vigor, porque se refere justamente
ás « isenções e attribuições dos agentes consulares estran-
geiros no Império». . . e não foi até hoje revogado.
13
— 274 —

« Hoje vigora, diz o Código das Relações Exteriores do


Brasil, o decreto n. 855, de 8 de novembro de 1851 ».
(Parte II, pag. 5, nota I.)
Aliás, não era indispensável haver direito escripto sobre
o assumpto, primeiro porque varias funcçÕes consulares,
quando não são « expressamente reconhecidas pela legislação
pátria aos cônsules estrangeiros, têm assento nos costumes
internacionaes » ; segundo, porque não se comprehenderia que
o Brasil, que attribue aos seus cônsules a referida funeção.
como se vê dos arts. 434 e 435 da Xova Consolidação acima
citada, não praticasse a reciprocidade com os paizes estran-
geiros.
Convém insistir, porém, em que o caso do consul es-
trangeiro valer-se da autoridade local para deter tripulantes
da marinha mercante ou marinheiros do seu paiz não assenta,
no Brasil, em simples costume ou em reciprocidade : É DI-
REITO ESCRIPTO.
Quanto ao nosso paiz, ainda poderia ser invocado o ar-
tigo 546 do Código Commercial, segundo o qual :

« Os officiaes e quaesquer outros individuos da


tripulação que, depois de matriculados, abandonarem
a viagem antes de começada, ou se ausentarem antes
de acabada, « podem ser compellidos com prisão »
ao cumprimento do contractu, a repor o que se lhes
houver pago adeantado e a servirem um mez sem
soldada.»

E não é ao Poder Judiciário que os cônsules recorrem :


é á autoridade policial « para se descobrirem e apprehenderem
os mesmos desertores». (Orlando, -Código Commercial, vo-
lume II, pag. 594, nota 744.)
Aliás esta pratica conta mais de sessenta annos e já era
preconisada pelo aviso do Ministério da Justiça de 29 de
outubro de 1856, que reconhecia, « sem excepção, nos côn-
sules estrangeiros, autoridade para requisitarem a prisão dos
desertores, assim como o dever das autoridades policiaes de
lhes prestarem o auxilio necessário». (Código das Relações
Exteriores do Brasil, parte II, pag. 20, nota 2.)
— 275 —

O Código Commercial Portuguez também obriga ao


cumprimento da locação do serviço marítimo :
« Os marinheiros e as mais pessoas da tripu-
lação SÃO OBRIGADOS a servir no navio, ainda que
tenha expirado o termo do seu ajuste, por todo o
tempo que fôr preciso para elle regressar ao porto
donde s a i u . . . » {Cod. Com. Port., art. 517. )
A obrigação, ahi. é physicamente compulsória.
O artigo citado do Código Commercial Portuguez, em-
bora não alluda á prisão, tem, implicitamente, o mesmo al-
cance do art. 546 do nosso código, e a sahcção que nelle se
contém « é derogatoria. affirma Silva Costa, do principio que
nas obrigações, que consistem em fazer, o devedor não pode
ser physicamente obrigado a fazer o que prometteu : nemo
cogi potest ad factum, só dando logar á indemnização de
perdas e damnos a falta do cumprimento da obrigação esti-
pulada .
Esta derogação, acerescenta o jurista pátrio, justifica-se
por duas considerações, a saber : « I a , porque uma acção pessoal
contra o tripulante por perdas e damnos, neste caso, seria
quasi sempre illusoria. deante da insolvabilidade do devedor ;
2a, porque, importa, no mais subido ponto, em bem da marinha
mercante e de seu livre e completo desenvolvimento, assegurar
a fidelidade dos ajustes, a obediência aos superiores hicrar-
chicos, a exactidão e o zelo no serviço de bordo». (Silva
Costa. Direito Commercial Marítimo, vol. I, pag. 272.)
Admitta-se, porém, que a despeito da legitimidade de
toda essa argumentação jurídica, ella cáe deante do bilhete
de desembarque junto aos autos.
A objecção não procederia, porque o dito bilhete não
vale como um desligamento definitivo da tripulação, desli-
gamento que, aliás, como vou mostrar, nem o capitão nem o
consul podiam autorizar.
De facto, o consul portuguez. em officio que me dirigiu
a 6 do corrente, informa o seguinte: « Aquelle tripulante
obteve, com effeito, do capitão do Faro um bilhete de des-
embarque ; mas ao comparecerem ambos perante mim para
se fazer a competente 'alteração no rói da equipagem, exigida
pelo regulamento consular (art. 131). fiz ver a um e a outro
— 276 —

que não podia assumir a responsabilidade de autorizar esse


desembarque, em face do próprio contractu de matricula do
referido tripulante, que « expressamente dispõe não poder
elle ser desembarcado sinão em portos portuguezes ou bri-
tannicos ».
Não se trata, pois. de um desligamento definitivo. De-
pendente do VISTO do consul, este não o deu deante da obri-
gação contractual que não permittia o desembarque em porto
brasileiro e por um outro motivo da mais alta gravidade a
que alludirei dentro em pouco.
Que tal era a situação do paciente, elle mesmo o confessa
na petição de habeas-corpus, asseverando que « no mesmo
dia em que se levantou do leito e que pretendeu dirigir-se ao
Consulado de Portugal, afim de se apresentar e ir ao vapor
Faro, com o intuito de reclamar a sua matricula, cuja car-
teira tinha sido devolvida ao commandante, afim de receber
a sua assignatura. . . foi preso ».
A carteira foi devolvida porque o consul não acquiesceu
no desligamento. Ora, si tal desligamento dependia do VISTO
da autoridade consular, que tinha, ella propria, de fazer a
alteração no rói da equipagem. e a mesma autoridade, em
face da terminante obrigação contractual, se achou incompe-
tente para dar a autorização, é claro que o paciente continuai a
e continua tripulante do Faro, e, pois, sujeito ao contractu,
nos termos do art. 517 do Código Commercial Portuguez, e.
consequentemente, á prisão.
« Cumpre não esquecer que o contractu foi feito com o
governo portuguez, a quem pertence o Faro.»
Quando, porém, tudo isso fosse resultado da minha
myopia mental ou inopia jurídica, um facto se passa que, a
meu ver, está reclamando a maior attenção do saber pro-
fundo de V. Ex. e do seu próprio patriotismo, bem como do
saber e patriotismo dos venerandos ministros do Supremo
Tribunal : o paciente está em edade militar e só embarcou no
Faro, que é vapor de propriedade do governo portuguez,
« com autorização do Ministro da Guerra ».
São estas as palavras do consul portuguez no seu officio
de 5 de julho (e ellas envolvem o motivo de excepcional gra-
vidade a que me referi acima) :
« Também do seu passaporte, não menos expressamente
— 277 —

se verifica ter o dito João< Gonçalves Jardim 31 annos, estando


assim sujeito a obrigações militares e tendo obtido autorização
do Ministério da Guerra para fazer parte da tripulação do
Faro. nos termos restrictos do respectivo contractu, e não para
se ausentar para qualquer paiz estrangeiro.
« Em taes circumstancias, a autorização de seu desem-
barque não podia ser por mim confirmada, pois importava
em violação dos seus compromissos como tripulante e na des-
obediência ás autoridades militares. »
Attente Y. Ex. para a gravidade dessa situação.
A referencia do consul se apoia no passaporte junto aos
autos, onde se lê a expressa declaração de que o paciente :
i°. foi admittido como tripulante de um navio de propriedade
do governo portuguez. fazendo parte, portanto, da reserva
naval do paiz ; 20, só teve ordem para desembarcar em portos
portuguezes ou britannicos; 3 0 , só embarcou com autorização
do Ministro da Guerra.
Ora, si o paciente — cujo desligamento não se deu aqui
nem se podia dar — continua tripulante do Faro, como tal
podia ser preso á requisição do consul. E' a letra expressa
do art. 16 do regulamento que baixou com o decreto n. 855.
de 8 de novembro de 1851. e a lição dos juristas invocados.
Si elle não é tripulante, é cidadão portuguez. que só em-
barcou com autorização do Ministro da Guerra, tendo obri-
gações militares que pode de um momento para outro ser
cbamado a cumprir no seu paiz.
Portanto, o habeas-corpus concedido pelo honrado Juiz
a quo colloca as autoridades brasileiras na penosa situação de
facilitar a deserção de um indivíduo que teve « licença es-
pecial e condicional » para sahir de seu paiz, salientando-se
a circumstancia de que esse indivíduo pertence a uma nação
que não é somente amiga do Brasil, é também sua alliada na
guerra em que estamos empenhados.. .
No officio do consul portuguez está a assertiva compro-
batoria do animo de desertor do paciente, facto que a policia
também affirma, porque o mesmo « desappareceu do local
que antes indicou como sendo a sua residência ».
Eu invoco para esse caso, que se me afigura gravíssimo
no terreno da cortezia internacional, do nosso direito es-
— 278 —

cripto desde 1851 e dos nossos deveres de alliado de Portugal,


os doutíssimos supplementos do glorioso jurisconsulte a quem
me dirijo e dos venerandos e sábios juizes do Supremo Tri-
bunal .
Saúde e fraternidade.»

JURISPRUDÊNCIA
ACCÓRDÃO N. 4-579

Vistos c relatados estes autos de recurso de habeas-corpus, do


Districto Federai, em que é paciente João Gonçalves Jardim, veri-
fica-se que a espécie é a seguinte : requereu-se ao juiz seccional da
I a Vara desta cidade uma ordem de habeas-corpus em favor do
paciente que se achava preso na Casa de Detenção, desde 21 de junho do
corrente anno (a petição tem a data de 26 do mesmo mez) ; não
haver justa causa para a prisão; ter sido effectuada a prisão a
pedido do commandante do vapor portuguez Faro, não sendo ver-
dade que o paciente teriha deixado de obedecer á intimação do consul
de Portugal, que ordenou o comparecimento do paciente dentro de
três dias no consulado, sob pena de ser considerado desertor; pois,
por motivo de grave moléstia, como prova o attestado junto aos
autos, foi que não compareceu. Quando se 'levantou do leito e diri-
giu-se ao consulado portuguez, foi preso. Accrescenta o impetrante
que o paciente já estava dispensado do seu logar na tripulação do
mencionado vapor portuguez, pelo que não p^dia ser preso á requisição
do consul portuguez.
Pedidas informações ao Chefe de Policia, este remetteu as de
fl. 9, dizendo não se achar preso o paciente. Com o officio de 1*1. 11
apresentou o director da Casa de Detenção o paciente ao juiz a quo,
informando que o dito paciente estava preso á requisição do consul
de Portugal.
Pelo juiz a quo foi concedida a ordem impetfada, por ser per-
mittida a prisão unicamente em flagrante delicto, ou por mandado
escripte de juiz competente para a formação da culpa, em se tra-
tando de réos a quem não está formada a culpa.
Isto posto, considerando que, conforme ficou bem averiguada,
a prisão do paciente foi requisitada pelo consul de Portugal. A .dis-
pensa do paciente, que servia como cozinheiro do referido vapor Fr.ro,
pertencente ao governo portuguez, dispensa constante do bilhete de
fl. 5, não se tornou effectiva, em virtude da opposição do consul de
Portugal, não só porque o contract o do paciente impedia o desem-
barque do mesmo em portos de qualquer outro paiz que mão Portugal
ou a Inglaterra, como sobretudo porque pelo passaporte de fl. 6 está
provado que o paciente veio com licença do Ministério da Guerra,
por estar obrigado ao serviço militar;
considerando que, segundo dispõe o art. 16 de decreto n. 855. de
8 de novembro de 1851, a Policia brasileira deve realizar as prisões
requisitadas pelos cônsules estrangeiros, materia sobre a qual já
providenciou a circular de 22 de julho de 1868 do Ministério das
Relações Exteriores. Ainda em nota de 6 de janeiro de 1906, a pro-
pósito do celebre caso do navio de guerra allemão Panther, dizia
o Barão do Rio Branco ao ministro da Allemanha : «...tanto mais
— 279

quanto o mesmo commandante declara que contava com a lioa vontade


das autoridades territoriaes, ás quaes compete, incontestavelmente,
praticar as diligencias de Policia necessárias para a descoberta, captura
e entrega dos desertores'»;
considerando que, como bem explicou o consul geral de Portugal
no 'officio de fis. , o paciente, intimado a embarcar de novo, por
rïao ter sido confirmada a sua dispensa, se recusou a fazel-o e desap-
pareceu do logar onde antes residia;
considerando finalmente que pelo officio de fis. tão bem ex-
plicou o Chefe de Policia a divergência entre as suas informações e
as do director da Casa de Detenção:
O .Supremo Tribunal Federal dá provimento e reforma a decisão
recorrida, para declarar de nenhum effeito a ordem de Iiabcas-corpiis
concedida. Custas ex lege.
iSupremo Tribunal Federal, IO de julho de 1918. — André Caval-
cante, vice-presidente.— Pedro Lessa, relator.— João Mendes.— Pedro
Mibielli. — Leoni Ramos.— Pires e Albuquerque. — /. /,. Coelho e
Campos.—-Viveiros de Castro.— G. Natal.—'Sebastião de Lacerda.
— Edmundo Lins.
Il expulsão dos estrangeiros oo direito brasileiro

O direito brasileiro, sob o ponto de vista histórico, neste


particular, se revela através de duas épocas perfeitamente
distinctas : a imperial e a republicana. Na primeira não havia
leis geraes nem regulamentos geraes sobre o assumpto. Na se-
gunda existem disposições escriptas que resolvem as questões
relativas ao direito de expulsão.
Em primeiro logar. tivemos a lei n. 1.641. de 7 de ja-
neiro de 1907, executada com as instrucçoes approvadas pelo
decreto n. 6.486. de 23 de maio do mesmo anno. Em seguida,
o Congresso Nacional votou o decreto legislativo n. 2.641. de
8 de janeiro de 1913. que revogou os arts. 3 0 e 40, paragrapho
único, e 8o daquella lei.
O acto legislativo de 1907 firmou o direito de expulsão
em bem da segurança nacional ou tranquillidade publica (ar-
tigo 1"), ou em casos criminaes ou coníravencionaes determi-
nados (art. 2"). No art. 3" ficou estabelecido o limite do
direito de expulsão :
« Não pôde ser expulso o estrangeiro que residir no ter-
ritório da Republica por dous annos continuos. ou por menos
tempo, quando :
a) casado com brasileira;
b) viuvo, com filho brasileiro.»
No dominio da lei de 1907, o Supremo Tribunal Federal
teve oceasião de applical-a mansamente. Vinte e três dias.
- apenaSj depois da sua publicação, assim aconteceu. Num ac-
— 282 —

cordão unanime ('30 de janeiro), o primeiro tribunal do paiz


sustentou que : « o direito de expulsar o estrangeiro é um
attributo essencial da soberania ; é um direito preexistente
á admissão do estrangeiro no solo nacional » ; « com o asse-
gurar ao estrangeiro residente no paiz a inviolabilidade dos
direitos de liberdade e segurança individual, teve apenas em
vista declarar que ao estrangeiro seriam dadas, durante a sua
residência no Brasil, as mesmas garantias do nacional, o que,
evidentemente, não significa privar a Naçáo da faculdade de
cxpellil-o do seu seio. desde que elle se torne prejudicial á
ordem e tranquillidade publica » ; « o estrangeiro não tem
direito de residência no paiz; este direito é privativo do na-
cional ».
Em outro accórdão notável, de 28 de julho de 1908, do
qual foi relator o Sr. Amaro Cavalcanti, o direito de ex-
pulsão foi reconhecido : « Estado algum jamais se considerou
como tendo renunciado ao direito de expulsar ou deportar o
estrangeiro por motivos graves, e entre estes, sempre assim
reconhecido, o interesse da segurança e tranquillidade pu-
blica». Quanto á residência, a interpretação variou. Já não
se fundou o Supremo Tribunal em ser o direito de expulsão
preexistente á admissão do estrangeiro no solo nacional, mas
no facto de não ter a Constituição definido o que constituía
a residência do estrangeiro (e nem convinha fazel-o, aceres-
centa o accórdão). Portanto, « ao legislador ordinário com-
petia adoptar leis a esse respeito. . . e o decreto cie 7 de
janeiro de 1907. . . veio precisamente satisfazer a uma ne-
cessidade legal, estabelecendo a residência e outras condições,
dadas as quaes, pôde o estrangeiro gosar, como os nacionaes,
do direito de não poder ser expulso do paiz pelo Poder Ex-
ecutivo . . . »
Votado, porém, o decreto legislativo n. 2.641, de 8 de
janeiro de 1913, a situação mudou. O Supremo Tribunal ha
entendido que, uma vez provada a residência do estrangeiro,
nos termos do direito civil, elle não pode ser expulso.
O argumento decisivo reside no art. y2 da Constituição
Federal : « A Constituição assegura a brasileiros e a estran-
geiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos con-
cernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade,
nos termos seguintes...» Basta. pois. que o estrangeiro prove
— 283 —

a sua residência — e é isto cotisa facilima de ser provada—•


c o Governo está privado do direito de expulsal-o, ainda que
clic seja nocivo á segurança nacional e á tranquillidade pu-
blica.
Não se me afigura que essa interpretação do dispositivo
constitucional seja procedente. Tenho vários motivos para
assim pensar:
i.° Não se concebe que um paiz, ao se organizar politi-
camente, e ao se dar as leis por que se teria de reger, abrisse
mão de direitos basilares da sua defesa e da sua segurança,
a menos que o fizesse expressamente.
2.° Entre esses direitos está o de expulsão de estran-
geiros perigosos, quando necessário á ordem interna. Espécie
de direito natural dos Estados, elle não precisa existir es-
cripto nas leis para poder ser praticado. E' uma arma de de-
fesa rudimentar, como o braço é arma do homem. . . E' claro
que um Estado, no delimitar a sua competência, se pôde privar
do direito de expulsão; preciso, porém, é que as suas leis o
privem desse direito. Sem prohibição expressa, portanto, elle
existe por força das proprias necessidades da ordem e coexis-
tência nacionaes.
3.0 No Brasil, esse modo de entender se justifica, além
do mais, pelas suas tradições jurídicas. No Império, a Con-
stituição não fallava em expulsão, não havia lei geral sobre o
assumpto, e, no emtanto, o Governo monarchico praticou á
vontade essa medida de protecção e segurança. Na Republica,
nem só a Constituição não prohibe a expulsão, como ha di-
reito ordinário regulando-a. Mais ainda: as primeiras decisões
judiciaes na Republica também occorreram na ausência da lei
geral. O Accórdão do Supremo Tribunal Federal de 6 de
julho de 1892 invocou a portaria de 6 de novembro de 1822,
annexa ao aviso n. 2, de 14 de julho de 1828, portaria I a ,
de 3 de janeiro de 1824 e de 3 de setembro de 1825, aviso
n. 659, de 4 de novembro de 1833, e n. 52, de 4 de fevereiro
de 1834, regulamento n. 120 de 31 de janeiro de 1842, art. 98;
decreto n. 1.531, de 10 de janeiro de 1855, art. 70, do Código
Penal, arts. 400 e 403, decreto n. 528, do Governo Provisório
de 28 de junho de 1890, arts. 1, 2 e 3 . Como se vê, nenhum
desses actos emanou do Poder Legislativo; e o próprio Có-
digo Penal, que logrou força de lei, só admittiu a expulsão
— 284 — '

por via judiciaria. O regulamento n. 120 emergio da lei de


3 de dezembro de 1841, que não tratava da espécie, e não é
aqui o logar melhor para rememorar a sua historia reaccio-
naria. Segundo esse regulamento, o estrangeiro, sem titulo
de residência, e após penas de caracter administrativo, podia
«ser expulso úo Império, se assim se julgasse conveniente»,
o decreto n. 1.531, de 10 de janeiro de 1855, modificou as
disposições do regulamento anterior, tornando muito mais be-
nigna a situação do estrangeiro', que, entretanto, no caso de
ser « suspeito », poderia ser « reexportado » por ordem da po-
licia. O decreto 11. 528. de 28 de junho de 1890, prohibia o
desembarque de indesejáveis. A lei n. 2.615, de 4 de agosto
de 1875, é certo, se referio a casos especiaes de expulsão,
mas lei de caracter geral de expulsão de estrangeiros, ema-
nada do órgão especifico para decretal-a — o Poder Legis-
letivo—não existia: no emtanto. o Governo na Monarchia e
nos primeiros dias da Republica praticou mansa e pacifica-
mente o direito de expulsão, com o apoio do Judiciário.
4." A propria jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-
deral é susceptível de um novo exame. O accórdao de 6 de
julho de 1892 sustentou o principio de que «nenhuma nação
pôde ser compellida a receber estrangeiros em seu território,
e só os recebe quando julga que a sua admissão nenhum in-
conveniente lhe pôde causar». Num outro accórdao. de 31 de
junho de 1893, ° Supremo Tribunal insistiu: « A faculdade
de deportar o estrangeiro, cuja permanência no paiz é pre-
judicial ou inconveniente, decorre immediatamente do direito
de soberania nacional : e esse direito, pela indole do systema
politico e natureza do acto, somente pôde ser exercido, como
foi na espécie sujeita, pelo Governo, como delegação da
Nação ». Ha neste accórdao um ponto interessante, pondo
em relevo a desnecessidade de lei especial para que se justi-
fique o direito de expulsão : « Nem seria de mister que. para
usar dessa faculdade inhérente ao poder publico, encarregado
de velar na guarda, segurança e defesa do Estado, dependesse
o Governo de uma lei especial, que definisse os casos em
que pudesse ser applicada a medida de que se trata.. . Se a
acçao do Governo, quando provocada por circumstancias ex-
traordinárias de conveniência do serviço publico, deve ser
prompta e immediata para que possa ser efficaz, também não
— 285 —

pôde ser tolhida somente pela falta de uma lei especial, que
entre nós não existe. Casos como o de que se trata não são
regidos pelo direito commun)...»
Depois, em 1894, o Supremo Tribunal mudou de orien-
tação, sustentando em vários accórdãos que a expulsão admi-
nistrativa não se podia verificar á falta de uma lei ordinária
que regulasse o assumpto. Mas era o tempo da revolta de
1893... Veio. depois, a lei de 1907, em cujo domínio o
Supremo Tribunal proferiu o accórdão de 30 de janeiro de
1907 e também o de 28 de julho de 1908. respectivamente
relatados pelos Srs. Epitacio Pessoa e Amaro Cavalcanti, até
que, votada a lei 11. 2.641. de 8 de janeiro de 1913, foi ella
considerada inconstitucional pela suppressão do limite de re-
sidência a que alludia a lei de 1907.
Quatro phases se distinguem, pois. na jurisprudência do
Suprema Tribunal em materia de expulsão de estrangeiros:
I a . a da plenitude do poder de expulsão administrativa,
por exigência da ordem publica. (Accórdãos de 6 de julho de
1892 e 23 de junho de 1893.) Ainda em 1898 a nossa mais
alta corte judiciaria, interrompendo, talvez, a orientação de
1894, assim decidia: « . . . o direito de expulsar a qualquer es-
trangeiro, cuja permanência no paiz não seja conveniente, re-
sulta immediatamente da soberania da Nação » ; ao Poder
Executivo. . . compete o exercicio desse direito, por ser o
encarregado de zelar pela segurança e defesa da sociedade »
(Accórdão de 3 de agosto de 1898) ;
2a, a da exigência da lei ordinária permittindo a expulsão
(Accs., vários de 15 de setembro de 1894) : «. . .em razão de
não haver lei do actual ou antigo regimen que outorgue ao
Executivo a faculdade de deportação de estrangeiros como
medida administrativa...» ;
3 a , a do regimen da lei de 1907, em que a expulsão admi-
nistrativa era permittida aos estrangeiros residentes no paiz
por menos de dous annos contínuos ou por menos tempo,
quando casado com mulher brasileira, ou sendo viuvo com
filho brasileiro (Accs. de 30 de janeiro de 1907 e 29 de
julho de 1908) ;
4 a , a do regimen do decreto n. 2.64T, de 8 de janeiro
de 1913. em que a revogação do prazo de residência deter-
minou a sua inapplicação por inconstitucionalidade.
— 286 —

Eis ahi : a principio julgou­se dispensável unia lei ordi­


nária; em seguida, exigia­se essa lei; votada ella, o Judiciário
applicou­a. Alterado o seu contexto, no sentido de prémunir
ainda mais a ordem publica, contra elementos estrangeiros
perigosos, o Judiciário julgou inconstitucional o segundo de­
creto .
De tudo quanto fica dito se me afigura que a ultima
phase da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sus­
ceptível de um exame definitivo. A meu ver, em nenhum
accórdão alli proferido se firmou doutrina mais verdadeira
do que no relatado pelo Sr. Epitacio Pessoa : « . . . o direito
de expulsar o estrangeiro é um direito preexistente á admissão
do estrangeiro no solo nacional.. .» ; « . . . a Constituição...
tc\ c apenas em vista declarar que ao estrangeiro seriam dadas,
durante a sua residência no\ Brasil, as mesmas garantias do
nacional, o que evidentemente não significa privar a Nação
da faculdade de expellil­o do seu seio...»
O argumento da palavra — residentes — empregada no
art. 12 da Constituição não me parece decisivo.
Para serem lógicos, os que sustentam que os estrangeiro­,
residentes no Brasil não podem ser expulsos por gosarem das
mesmas garantias que os nacionaes, deviam também consi­
derar inconstitucional a lei de 1907.
De facto, esta prescrevia no art. 3 0 : «Não pôde ser ex­
pulso o estrangeiro que residir no território da Republica por
dous annos contínuos ou por menos tempo...» Ora. se a
propria lei reconheceu o facto material da residência, in verbis
■—o estrangeiro que residir—é claro que está ameaçando de
expulsão o estrangeiro residente no paiz por menos de dous
annos. Portanto, si este não é sujeito á expulsão quando re­
sidente por mais de dous annos, também o não devia ser
quando residente por menos de dous annos, porque em ambos
os casos residente era elle.
Dahi, a conclusão de que as garantias constitucionaes
existem, sem contestação, em favor dos estrangeiros aqui re­
sidentes, mas emquanto residirem, como accentuou o Accorda,)
de 1907. Certamente, o estrangeiro que vier residir no Brasil
tem direito de mercar, adquirir immoveis, vendel­os. contrahir
obrigações, não ser preso senão em flagrante ou em conse­
qüência de pronuncia ou preventivamente, não ser processado
— 287 —

ou julgado senão pela justiça commum; mas tudo isto em-


quanto não fôr perigoso á ordem publica, porque, neste caso,
o direito de expulsão, que a propria jurisprudência do Su-
premo Tribunal julgou, invariavelmente, um attribute da so-
berania, pode ser praticado contra elle, por ser preexistente
aos direitos creados pela residência.
Por outras palavras : o estrangeiro que vai residir em
um paiz — salvo legislação interna em contrario— sabe que
a sua incorporação á massa dos nacionaes é susceptível de
romper-se por via de expulsão, se elle se mostrar nocivo á
segurança nacional. Não ha, pois, nenhuma surpresa na des-
ag-gregação do estrangeiro do bloco dos nacionaes de um paiz,
porque a sua residência é um direito contingente, amparado
por todas as garantias emquanto existe, mas susceptível de
desapparecer pela rebeldia do seu titular á ordem interna,
pela sua nocividade á paz commum. Em resumo: a resi-
dência do estrangeiro é um direito precário. Dir-se-ha que,
posto nestes termos, o direito de expulsão é susceptível de
tornar-se uma machina arbitraria ás mãos tio Governo.
O temor, porém, é vão. Em primeiro lugar, o Congresso Na-
cional pôde, se quizer, regular os casos de expulsão mais
ou melhor do que já o fez em 1907 e em 1913.
Entretanto o próprio estado actual não leva a perigos
exagerados. De um lado, um ministro de Estado não expul-
sará um estrangeiro sem motivo plausível. O estrangeiro
expulso tem o direito de defender-se. A autoridade do seu
paiz pôde intervir em seu favor. Do outro lado, ha o re-
curso do habeas-corpus e a possível responsabilidade da au-
toridade que se conduzir fora do fim da lei, que é afastar da
communhão brasileira os máos elementos. O Acc. de 21 de
junho de 1893 alludiu a essa responsabilidade, o mesmo fa-
zendo o de 10 de janeiro de 1907.
Demais disto, o momento é o mais propicio paira nossa
Veneranda Corte examinar na sua sabedoria e com a alta
independência que caracteriza a sua acção, se a actual juris-
prudência comporta uma modificação em bem da ordem pu-
blica .
E' preciso não nos illudirmos: os nossos hábitos, o nosso
excessivo espirito de tolerância, a nossa bondade natural e.
talvez mesmo, o nosso descaso por certas cousas gravíssimas
— 288 —

estão reduzindo o Brasil a uma espécie de cano de exgolto


dos detritos de outros paizes. Estrangeiros honestos, va-
lidos, trabalhadores, que nos dèm a sua actividade em troca
de vantagens econômicas auferidas em nosso paiz, esses que-
remos nós e devemos bemdizel-os ; mas, espíritos irrequietos,
indisciplinados, expulsos dos seus paizes pela sua inadapla-
bilidade á ordem commum, anarchistas, vagabundos, desor-
deiros, caftens e ladrões, a esses devemos expulsar das terras
brasileiras.
E. desgraçadamente — preciso accentuar que quem fala
agora é o Chefe de Policia do Districto Federal — o Brasil
(o Rio de Janeiro e S. Paulo principalmente) está se en-
chendo dessa montureira. a que é preciso dar combate de-
cisivo e prompto.
Precisamente neste instante, em que a guerra convulsiona
grande parte do mundo, e leva desordens a todo elle, por meio
de expedientes c processos occult os que se percebem, mas não
se descoòrem materialmente, precisamente neste instante, re-
pito, é indispensável armar a autoridade de meios enérgicos
de acção contra o rebutalho c a gangrena de paizes estran-
geiros, não permittindo que elles vivam entre nós pregando
idéas subversivas, annullando a disciplina, injuriando o poder
publico e aconselhando o uso da dynamite, já empregada ha
poucos dias em vários pontos da cidade.
Do grande saber, das energias patrióticas, da indepen-
dência impeccavel dos nossos mais altos juizes é licito es'perar
um novo exame do nosso direito no tocante á expulsão dos
estrangeiros perigosos. Em 29 de setembro de 1917.— Ati-
rei in o Leal.

Nota—O presente estudo foi publicado no Jornal do Commercio


de 25 de janeiro de 1915, precisamente quando o Supremo Tribunal
Federal tinha de julgar um habeas-corpus requerido em favor de
indivíduos expulsos por portaria do Ministério da Justiça á requisição
do governo de S. Paulo. O accordão ainda não publicado negou o
habeas-corpus.
^iM^i^g^^gzr^^^^^i^--^

Soke o inquérito policial

(Circular n. r.I.167. reproduzindo o despacho lançado


num inquérito procedido no 10o districto policial.)
« Num inquérito procedido no 10o districto policial lancei
o seguinte despacho pelo qual vos deveis orientar em casos
idênticos :
O inquérito não é um acto contradictorio. A Policia
íal-o por força da sua propria funcção. para apurar crimes,
délies informando o Poder Judiciário. Quando elle é reque-
.rido por particular, comprehende-se a assistência deste ou
de seu advogado. Existindo réo preso, também é justo que
se lhe permitia a defesa. Instaurado, porém, o inquérito por
ordem directa da autoridade, é a esta que incumbe orientar o
facto ou factos cuja apuração se tem por fim.
Nem outra cousa se deduz da lei n. 2.033. de 20 de
setembro de 1871 e decreto n. 4.824, de 28 de novembro do
mesmo anno. Do art. 38, deste, se deduz uma participação
pessoal inilludivel da autoridade policial, de modo a excluir
qualquer caracter contradictorio no inquérito. Diz o artigo:
« Os chefes, delegados, e sub-delcgados de Policia, logo que
por qualquer meio lhes chegue a noticia de se ter praticado
algum crime comfnum. procederão em seùs efístrictos ás dili-
gencias necessárias para a verificação da existência do mesmo
crime, descobrimento das suas circumstancias e dos delin-
qüentes». O n. 2 do art. 42 também torna indubilavei a aceno
pi — ai da autoridade policial na feitura dos inquéritos, quando
estatue que ella se dirigirá « com toda a promptidão ao
logar do delicto, e ahi. além do exame d» facto criminoso
19
— ,290 —

e de Iodas as circumstancias, e descripçao du localidade em


que se deu, tratará com cuidado de investigar e colligir os
indícios existentes e appréhender os instrumentos e quaesquer
objectos encontrados, lavrando-se de tudo auto assignado pela
autoridade, peritos e duas testemunhas».
O n. 4 do mesmo artigo não é menos positivo : « Feito o
corpo de delicto ou sem elle, quando não possa ter logar, inda-
gará quaes as testemunhas do crime c as fará vir á sua pre-
sença, inquirindo-as sob juramento...»
Finalmente, concluído o inquérito, é ainda a autoridade
policial quem. remettendo-o ao Juiz, «indicará as testemunhas
mais idôneas que porventura ainda não tenham sido inqui-
ridas » (art. cit. n. 6 ) .
De tudo se conclue que o inquérito policial (segundo a
propria definição do regulamento n. 4.824, de 22 de no-
vembro de 1871) é o conjuncto de «todas as diligencias ne-
cessárias para o descobrimento de factos criminosos, de suas
circumstancias e dos seus autores e cúmplices»; que as auto-
ridades policiaes é que « procederão em. seus districtos a essas
diligencias » (art. 38 ) ; que uma dessas diligencias consiste
«na inquirição de testemunhas que houverem presenciado o
facto criminoso ou tenham razão de sabel-o » (art. 39, n. 3) ;
que é a autoridade policial « que indagará quaes as teste-
munhas do crime e as fará vir á sua presença» (n. 4 ' d o
mesmo artigo).
Ora, isto exclue peremptoriameníe a possibilidade de
serem apresentadas testemunhas por parte interessada em
inquérito instaurado cx-officio, como se requereu a fl. 26.
e foi deferido pelo Sr. delegado do 10o districto.
Esta indagação incumbe á autoridade: é ella. diz a lei,
«quem indagará quaes as testemunhas do crime». O facto
de não ser o inquérito um processo contradictorio leva mesmo
á conclusão de que o advogado -só intervém neste quando,
cumprindo mandato de terceiro, o requer á autoridade, ou
quando ha réos presos ou afiançados. O regulamento nu-
mero 4.824 é expresso, permittindo aos indiciados contestarem
os depoimentos das testemunhas. E' este o texto do n. 7.
do art. 42: «Todas as diligencias relativas ao inquérito serão
feitas no prazo improrogavel de cinco dias, com a assistência
do indiciado delinqüente se estiver preso; podendo impugnar
— â9í -f,

os depoimentos das testemunhas. Poderá lambem impugnal-os


nos crimes afiançados, se requerer a sua admissão aos termos
do inquérito ».
Deve-se attender aqui á lettra da lei: nos crimes afian-
çados e não nos crimes af ian caveis. E' a idéa da defesa de
quem foi preso e prestou fiança. Os indiciados em taes casos
poderão ser admittidos ao inquérito, se o requererem.
Não havendo. pois, réo preso ou afiançado depois de
preso, nem sendo o inquérito feito a requerimento de parle
(caso em que só funeciona o procurador do requerente) não
se permitte a presença de advogado nas investigações poli-
cia es.
Aliás, o caso já foi resolvido pelo Supremo Tribunal Fe-
deral, em accórdao unanime, a 8 de agosto de 1903. A dispo-
sição do decreto n. 4.824. de 22 de novembro de 1871. foi
ali: considerada em vigor para o effeito de só assistir ao
inquérito o réo preso (vide Dir.. vol. 94. pag. 303).
No caso do presente inquérito, é certo, trata-se da repre-
sentação da parte offendida, e cita-se. a propósito, um des-
pacho do Juiz da 3 a Vara Criminal, que legitima tal inter-
venção. Esse despacho, porém, não constitue jurisprudência.
E um accórdao correspondente, da Terceira Câmara da
Corte de Appellação. de 12 de setembro de 1907, se refere
á intervenção da parte offendida « em todos os termos da
acção intentada, for queixa». (Vide «Revista do Direito»,
volume VI, pag. 187). Ora. inquérito não é acção».
Rio de Janeiro. 12. de junho de 1916.— O Chefe de
Policia. — Aurelino Leal.
^^^^^3^^^-^MMM

Liberdade de reunião

(Despacho proferido sobre a reclamação dos commer-


çantes estabelecidos no largo de S. Francisco de Paula, os
quaes se julgam prejudicados com os comícios que alli se
realizam).
« Procede a reclamação dos supplicantes :
O § 8° do art. 72 da Constituição Federal dá, sem duvida,
a todos os cidadãos o direito de « associarem-se e reunirem-se
livremente e sem armas ; não podendo intervir a Policia, senão
para manter a ordem publica ».
Por muito amplo que pareça esse dispositivo—e elle não
precisaria estar inscripto em nossa Constituição para que a
liberdade de reunião existisse, constituindo, como constitue,
um direito immanente ao indivíduo e inseparável dos re-
gimens políticos — encerra o mesmo restricçÕes {inconfun-
díveis.
O próprio advérbio — livremente — que figura na dispo-
sição constitucional como sendo a base em que assenta a
franqueza política, contém, por paradoxal que o pareça, uma
restricção evidente.
Quando a lei diz que o indivíduo pôde fazer uma cousa
« livremente», nem por isso apaga, em relação a elle, a linha
que delimita o circulo da liberdade de outrem ou o circulo da
liberdade geral. Fazer, pois. « livremente » uma cousa no do-
mínio jurídico e legal, « é pratical-a com toda aquella liber-
dade que não attinja ou attente contra a liberdade de outrem
ou contra a liberdade do publico ».
29 i —

A liberdade de reunião não gosa de nenhuma supremacia


entre as outras liberdades. Ella é precisamente igual, nas
relações jurídicas, á liberdade de pensai*, á liberdade de crença,
á liberdade de locomoção, á liberdade de commercio. a todas
as liberdades, emfim.
Todas as franquezas desta ordem se inscrevem na Con-
stituição Federal sob o titulo de « Declaração de direitos »,
ou seja Declaração de liberdades, definindo-se na mesma ca-
tegoria.
Dessa igualdade a todas immanente, resulta a sua inter-
dependência geral, único meio de existirem e beneficiarem os
cidadãos. Uma liberdade sem limites é tão incomprcbensivel
como uma sociedade sem leis. A propria lei que instituísse
uma liberdade illimitada seria subvertida pela defesa commum
das omras. ou cabiria por uma espécie de acção reflexa das
liberdades em perigo pela falta de contraste em relação á
primeira.
F/, pois. principio geral de direito politico, de que só
podem duvidar os que não possuem senso jurídico, que uma
liberdade depende da outra e todas dependem entre si.
Assim, pois. o próprio advérbio — livremente, — do § 8o
do art. 72 comporta uma larga restricção. Elle quer dizer
que « a todos é licito associarem-se e reunirem-se » sem li-
cença da autoridade. Os convocadores de meetings não pre-
cisam pedir permissão para se «associarem e reunirem».
Elles o podem fazer «livremente». Mas essa liberdade vai
da deliberação da reunião até o ponto em que ella collide com
outra liberdade ou com outra situação que interessa ao pu-
blico. Nasce dabi a questão dos « locaes » para os meetings.
Os supplicantes reclamam que a repetição dos comícios
no largo de S. Francisco de Paula lhes perturba a liberdade
mercantil, afugentando, pelo pânico, a fréguezia.
Assim, tem-se a liberdade de reunião perturbando a li-
berdade de commercio. lesando-a flagrantemente, como se o
exercido daquella fosse incontestável. Dahi. a necessidade
de uma composição, que só pôde ser feita pela autoridade,
para que uma liberdade não prejudique a outra.
Se. pois, no Fargo de S. Francisco, os meetings attentam
contra o commercio pacifico, a autoridade correndo em au-
xílio de uma liberdade lesada (a liberdade de commercio)
— 295 —

designa um local, para que aquelles se realizem, garantindo a


outra liberdade (a de reunião) no seu exercício constitu-
cional. Assim, ambas se praticam.
Aliás, 6. geral essa designação de locaes, no tocante aos
meetings. De referencia a igual dispositivo da Constituição
americana, diz Hall:
« Nem nos seus termos, nem no seu espirito, esta dispo-
. siçao impede o Governo de prohibir reuniões tumultuosas, ou
em tempos e logares impróprios. » {Hall. Constitutional Law,
pag. 84.)
Na França, onde « as reuniões publicas são livres » e
« podem ter lugar independentemente de autorização ante-
rior, nem por is^o deixam de « ser sujeitas a uma certa re-
gulamentação, que constitue garantia tanto para os cidadãos
como para o Governo. As reuniões não podem ter logar na via
publiea. nem se prolongar além da hora fixada para o fecha-
mento dos edificios públicos...,» (Duguit. Traié de Droit
Public, vol. II. pag. 75.)
Racioppi e Brunelli também re^altam que a liberdade de
reunião não se deve « exercitar em contraste com o interesse
de terceiros na livre c iranquilla circulação pelas ruas c
praças...» (Racioppi e Brunelli, Comento alio Statuto, vo-
lume. IT, pags. 207 e 208).
Sobre todos, e com a grande autoridade que lhe empresta
o titulo de constitucionalista da Inglaterra, a pátria da liber-
dade, vai depor Dicey: « Se A. desejar fazer uma conferência,
pronunciar um discurso, ou dar um espectaculo, deve pro-
curar uma sala. ou um logar para tal fim. Elle não deve
usurpar os direitos da propriedade privada, isto é. commettcr
tini crime contra a propriedade (a trespass), nem embaraçar
as necessidades do publico, isto é, crear um incommoda (a nui-
sance). (Dicey. Jntrod. á l'étude de Droit Const., éd. franc, de
Battit et Gcsc, pag. 410.)
Bastariam essas palavras para aquilatar da precisão do
notável escríptor, a respeito do assumpto. mas Dicey con-
tinua tão explicitamente a dar o seu voto. que muito me vale
prestigiar com elle o presente despacho:
«Affirma-se do mesmo modo que se podem empregar,
para um meeting, as praças, as ruas. os caminhos que todo
indivíduo pôde legalmente usar. Isto é uma affirmação falsa.
— 296 —

Uma multidão enchendo um logradouro publico constituirá


provavelmente um incommodo ( « a nuisance») no sentido
iegal, não menos que no sentido popular do termo ; ella é
um obstáculo ao direito que possuem os cidadãos de servir-se
da parte do caminho que lhes é reservada pela lei. A pretensão
da parte de pessoas que têm vontade de reunir-se em numero e
pelo tempo que lhes aprouver « em detrimento » de outras,
tendo direitos iguaes, (attenda-se bem a isto) é, por sua propria
natureza, «inconciliável com o direito de livre transito», e
não ha. que eu conheça, «nenhum direito em seu favor».
(Op. cit., pag. 411 . )
No tocante ás ruas e praças, além do transito normal
dos cidadãos, que fica prejudicado pela demora da perma-
nência de uma multidão no local, ha ainda a ponderar a le-
gislação relativa á viação urbana, que é, ás vezes, attingida
de uma verdadeira suspensão.
Por todos esses motivos, resolvo prohibir meetings no
largo de S. "Francisco de Paula, salvaguardando a liberdade
do commercio. nos termos da presente reclamação de nego5
ciantes alli estabelecidos, e também para desafogar o tran-
sito e a viação urbana alli habitualmente prejudicados.
O Sr. Delegado*do Districto faça as intimaçÕes precisas,
podendo adiantar aos promotores de qualquer reunião mar-
cada para aquelle local, que a mesma será .permittida. até ul-
terior deliberação, na praça do Theatro Municipal, tomadas
todas as providencias para que não soffra a circulação da
Avenida Rio Branco.» Em TT de janeiro de 1917.— O Chefe
de Policia. Aurelino Leal.
TERCEIRA PARTE

ENTREVISTAS
Ideas da administração policiai

Podemos hoje fornecer aos nossos leitores algumas informações


acerca da nova administração da Policia, a cargo do Sr. Dr. Aurelino
de Anaujo Leal.
Apczar de ter sido de grande movimento o dia de sabbado, em
sua repartição, pois além do expediente commum o Chefe de Policia
teve de attender co-m urgência a vários assumptos importantes, laes
como a «parede» dos «chauffeurs» e a questão dos cineinato-
graphos, foi-nos dado o prazer de entreter longa palestra com S. Ex.
a propósito das suas ideas e do seu programma.
Poucos dias antes de sua nomeação, o Dr. Aurelino Leal rea-
lisara nesta cidade uma série de conferências sobre o nosso direito
constitucional. Esse trabalho valeu-lhe francos elogios dos enten-
didos e veio pôr cm evidencia o seu nome, aliás já bem conhecido e
devidamente apreciado nas rodas politicas e no mundo jornalis:ico.
Natural da Bahia, cm cuja Faculdade de Direito se formou com
menos de 18 annos, o Dr. Aurelino Leal iniciou a sua carreira como
Promotor Publico da comarca de Amarg-osa, onde serviu de 1895 a
1898. Foi dernittido por ter escripto um artigo contra o Governo
do Conselheiro Lui/ Vianna, no jornal A Lide, de que era redactor.
Em 1900 foi eleito Deputado estadual, renunciando o mandato
em lc/02, por ter sido nomeado Director da Penitenciaria do Estado.
Desse cargo sahio como Secretario do Estado da Policia e Segurança
Publica, no Governo do Sr. Dr. José Marccllino, sendo, em 1S95,
nomeado Secretario Geral do Estado, ainda no mesmo Governo.
Como Chefe de Policia fundou a Beneficência Policial, que tera
hoje um grande fundo de reserva c muito se empenhou pela assis-
tência á infância. Deixou esse cargo para ser candidato a Deputado
Federai pelo Io districto da Bahia. Dando-se ia scisão do partido
situacionista, o Dr. Aurelino ficou com a opposição chefiada pelo
Dr. Severino Vieira. Por isso, embora tivesse concorrido sosinho
—- 300 —

ao pleito, teve a sua eleiçã annulhda — o que constituiu um verda-


deiro caso virgem nos annaes do nosso parlamento.
Em 1912 novamente veio pleitear uma cadeira na Câmara, não
logrando ser reconhecido. Dcsgostoso com a política do seu Estado,
0 Dr. Aurelino transferiu a sua residência para o Rio de Janeiro,
onde abriu banca de advogado e trabalhou em vários jornaes.
Na Bahia, já S. Ex. praticara o jornalismo não só na Lide a
que nos referimos atrás, como também 110 Regenerados, de Nazareth,
e no Diário da Bahia até o seu emp;astellamen'ío cm 1912. Entre nós,
chefiou durante curto período a redacção do Diário de Noticias, col-
laborou na Gazeta e fundou o «Brasil Econo'mico e Financeiro».
A sua obra politico-litteraria é esta: Prisão-Prcventiva, 1895;
Germens do Crime, 1896; O Regimen Penitenciário na Bahia, 18
A Religião entre os oondemnados da Bahia, 1898; Pela Família Bra-
sileira (sobre a precedência do casamento civil), 1899; A Reforma
Municipal (estudo sobre o projecto n. jjô, apresentado na Câmara
dos Deputados), 1902; Relatório da Penitenciaria do Estado, 1902;
Estudos de Sociologia e Psychologia criminal, 1902; Os perigos da
Excommunhão Política, 1902; Responsabilidade Funccional dos Se-
cretários de Estado c «Impeachment» dos funecionarios civis pe-
rante a Constituição da Bahia, 1905; No Plenário da opinião, 1907:
A reforma do ensino do Direito no Brasil, 1908; Individualidade
histórica de Jesu^. T913; Synthèse da acção social dos «ovos iniciados
no direito, nas questões do presente, 1913 ; A Câmara Syndical de
Corretores, 1914; Technica Constituer -;:.;1 Brasileira, 1914; além de
innumeros discursos já publicados. O Sr. Aurelino Deal está revend >
as provas de dous trabalhos seu;, que breve sahirão a lume: Com-
mentaries á Constituição Brasileira e Historia Constitucional do Bi
(curso realizado no Instituto Histórico Brasileiro).
Na Bahia foi orador do Instituí o dos Adv igados, cargo para que
também foi eleito no Instituto daqui.
Eis, em rápidos traços, quem é o novo Chefe de Policia.
Como se vê, não é nenhum neophyto. Possue uma situação
c deve ter levado para o cargo com que foi honrado pela confiança
d i Chefe da Nação um programma. Homem de idéas assentadas e
já com um regular tirocinio de vida publica, tendo versado c m
freqüência os assumptos com que vae de novo lidar, pareceu-nos
interessante ouvil-o na exposição de seu plano de administração
Da palestra que S. Ex. concedeu ao nosso representante, vamos
dar cm seguida um tra'nsumpto fiel.
— Acredita V. Ex. que, embora o Congresso, ou antes o Senado.
havendo cortado, no Orçamento do Interior, a autorização para o
reforma da Policia dentro das verbas orçamentarias, essa reforma
poderá ser feita mediante a autorização genérica contida n > Orça-
mento da Fazenda para remodelação de todos os serviços e á vista
da faculdade constitucional do Executivo de expedir regulamentos?
— 301 —­

— Penso que sim. E' sabido que o Poder Executivo tem a a l í n ­


buição privativa de regular as leis. Nem só é isto um conhecido
principio théorie o. como est; grado em nossa Constituição ( a r ­
tigo ­jS. n. [) : «Compete privativamente ao Presidente da Republica:
nar. promulgar e fazer publicar as leis e res fuções do Con­
: expedir decretos, instrucções e regulamentos para a sua fiel
execução­». Basta 1er esse dispositivo para ver quanto é ampla a
attribuição do Executivo. A noção mais commum que se tem de um
regulamento é ser elle a explicação ida 'lei. A phrase do texto consti­
tucional « para a sua fiel execução » — quer dizer principalmente isto.
não significa somente isto. Imagine o senh r uma lei de autori­
zação ao Poder Executivo, mesmo ifóra do orçamento (meio de que
tanto se tem, abusado entre nós) para estabelecer um determinado
serviço. Traçado pelo Legislativo o circulo em que se tem de mover
o Executivo, fica livre a este. dentro do dito circulo, regulamentar
como lhe aprouver >> serviço para executar jidmcn'c a lei. Neste
caso, é grande o arbitrio d Executivo, e tudo quanto constar do
regulamento, uma vez que não attente c mtra a Co e as
outras iei^. é como se : lanado d ■
. próprio Legislativo.
N o s paizes cultos o poder regulamentar do Executivo tem Lido
um extraordinário desenvolvimento.
Segundo D uguit, « ao lado da legislação propriamente dita se
formou outra que se pôde chamar regulamentar e que, para os
particulares, os administradores e os juizes, tem a mesma força
obrigatória que. as leis formaes. N a França ha vários regulamentos
de Policia expedidos pelo Presidente da Republica, mesmo sem apoio
em lei anterior. Como exemplo, pôde ser citado o regulamento de
10 de setembro de iQOi sobre construcção c circulação de automóveis.
Para concretizar melhor o caso, repento­me á lei n. 1.631, de 3
de janeiro de 1907. que autorizou a reforma do serviço policial.
O seu texto fixou cs órgãos da P iicia e definiu­lhes o estatuto func­
cional (nomeação, substituição, licença, regimen disciplinar, e t c ) .
Com o decreto n. IS.440, de 30 de março de '1907, Poder Executivo
expediu o respectivo regularraent . Ora, esse regulamento pode ser
modificado cm qualquer sentido, uma vez que o Governo se conserve
dentro da 'ei n. 1.631, isto é, uma vez que se utilize dos mesmos órgãos
neila creados. Esses órgãos, porém, muito constitucional e legal­
mente, podem ser, por via regulamentar, investidos de outras attri­
buições. Numa palavra: respeitada a lei n. 1.831. que 6 a base,
que é o fundamento da Policia entre nós. r a s que nã 1 contém
nenhum plano administrativo, pode esse plano ser dado num sentido
ou noutro, conforme a orientação do Presidente da Republica.
Sendo assim, a rejeição do dispositivo do orçamento do Interi r
senado, facto, aliás, para que não encontro explic çí . não causa
á administração publica nenhum embaraço digno de nota. Priva­a.
entretanto, de crear os juizes correccionaes c a penalidade pecuniária.
— 302 —

o (pic, aliás, seria ou não utilizado pelo Governo, porque, se me não


falha a memória, taes medidas se reduziam a meras autorizações.
—'Que organização melhor a dar á Policia: tornal-a mais autô-
noma da União como .a Prefeitura, mais l i g a d a ' a o Ministério do
Interior, mais independente, como ia Saúde Publica, ou conservar o
systema mixio actual, com a Brigada Policial fora da acção dirccta
do chefe e uma secretaria de acção restricta sobre as outras depen-
dências da Policia?
— K' uma questão i.nportante esta. A meu ver, três situações
podem ser dadas : fazer da Policia um ministério, que seria o Mi-
nistério da Policia e Segurança Publica; incorporar as funeções úo
Qiefe de Policia nas do Ministro do Interior e Justiça, ou crear
uma Prefeitura de Policia. Qualquer dessas soluções seria meihor
que a pratica actual. Quanto ao ministério, ha o exemplo dos Es-
tados; cm S. Paulo, o superintendente de Policia é Secretario de
Estado, como outr'ora na Bahia. O facto de limitar-se a Policia á
Capital da Republica pouco importaria. O art. 40 da Constituição
falia em «ministérios em que se dividir a administração federal».
Ora, a Policia da cidade é da administração 'federal, c tanto basta
para poder constituir u;;i ministério. Aliás, si essa situação pudesse
servir de entrave á reforma a que me refiro, íacilimo seria re-
medial-a, entregando ao departamento de Policia os assumptos per-
tinentes á expulsão de estrangeiros, trafico das brancas, estado de
sitio, etc.
A segunda solução teria o inconveniente de sobrecarregar desme-
suradamente o Ministro d o Interior e Justiça.
A terceira seria apenas atacSvel por quebrar ,a harmonia da
techniea da organização administrativa. A Prefeitura, em nosso
direito federai, é uma concepção especifica, que se caracteriza na
municipalidade. Assim é aqui, assim é no Acre. Uma prefeitura de
Policia alteraria essa orientação.
Quem conhece de perto o serviço policial do Rio de Janeiro
e as suas grandes responsabilidades, quem tem noticia da sua com-
plexidade e do seu formidável expediente, sempre em escala ascen-
dente, não pode deixar de concluir pela sua absoluta autonomia.
Sendo assim, a Brigada Policial devia, como a Guarda Civil, ser
superintendida pelo Chefe de Policia, o que, aliás, 'se ciaria muito
logicamente, se o serviço passasse a constituir um ministério.
— Que pensa da organização da Policia como uma direciona
do ministério, distribuídos os demais apparelhos como ramos do
mesmo serviço policial, com inteira uniformidade de direcção?
— Nesse caso, confonme j á ponderei, o ministro seria virtual-
mente o Chefe de Policia com todas as desvantagens de uma sobre-
carga quiçá insupportavel.
— Xáo parece absurdo que se destinem ao serviço do policia-
mento os três mil e poucos homens da Brigada Policial e não tenha
— 3'03 —

o chefe acção directe Sobre essa corporação, tornando-a effectiva-


mente util ao serviço de segurança e vigilância?
— «Não parece absurdo», é realmente absurdo. Uma vez que
a Brigada Policial se destina precipuamente ao policiamento, a sua
superintendência devia caber ao Ohefe de Policia. Devo, entretanto,
accresccntar que sinto pouquíssimo ou não sinto nada comi essa
falta de interferência minha, tal é a liberdade que para a utilização
üa força da Brigada me tem sido dada pelo eminente Sr. Ministro
da Justiça e pelo distinetissimo Sr. general Olympic Agobar. Por
seu turno, o pessoal da Brigada, a começar pelo seu assistente, tem
sido gentilissimo para commígo. Pessoalmente, pois, nada tenho a
dizer. Critico, apenas, o ponto de vista administrativo.
— E' possível esse serviço, só com os >mil homens da Guarda
Civil?
— O effective de mil homens par,a a Guarda Civil é diminuto,
diminutíssimo, para a cidade. Precisaríamos de um contingente maior
nem só para enriquecer o policiamento, que é exiguo, como para
diminuir o tempo de oito horas a fio, exigido de cada guarda em
plena rua e em quasi completa immobilidade.
— Que organização pretende dar ao serviço de investigações e
cai umas? Sorri-lhe a organização do ramo preventivo nas bases de
Buenos Aires e S. Paulo c segundo os planos do inspector de agentes
major Andrade?
— O serviço de investigações e capturas 'merece a maior attenção,
como bem o demonstrou nos seus interessantes pareceres o relator
do Orçamento 4o Interior ma Câmara, que é um competente nesses
assumptos: e as organizações de Buenos Aires e S. Paulo, nas
quaes o major Arthur de Andrade colheu os planos a que se refere,
são dignas de adaptação ao meio carioca. O serviço de Policia,
pôde dizer-se, obedece a esta formula: preicução e investigação.
E todos os órgãos policiaes se combinam para realizal-a. A tarefa
maior, porém, é a da Policia de investigações. Qualquer que seja
a Policia preventiva, ou a Policia de ordem, não é possível realizar
o ideal de evitar crimes. Não são raros em Londres, Paris e Berlim
os roubos á mão armada em plena rua e cm pleno sol. De modo que
o apparelho policial de investigação c que intervém para descobrir
os crimes commettidos, servindo-se de uima technica hoje muito
copiosa e complexa, que é o espantalho dos malfeitores. Aliás, uma
boa Polícia de investigações não tem só essa missão de desvendar
o mal feito. Ella é também eminentemente preventiva. O guarda
de rua, que previne ou impede a desordem, faz uma Policia 'desco-
berta que todo o mundo vê; o agente de investigações age na
sombra, conhece os malfeitores da cidade, segue-lhes a pista, sur-
prehende-os no preparo ou na pratica de crimes. Mais ainda: não
se comprehcnde um serviço de investigações sem uma divisão de
trabalho, em correspondência precisa, com as actividades e tendências
— 30'Í —

do meio policiado. Póde-se tel-o montado de tal forma que o Chefe


de Policia fica diariamente cm condições de saber o que occorrcu
na cidade nas ultimas 24 horas. Finalmente; uma abundantíssima
parte da população pude vir a ser oonhecida da Policia, por meio
de promptuarios. Como vê, não se pôde pensar em boa Policia sem
assentar-lhe os fundamentos no serviço de investigações.
— Tendo o Orçamento transferido para a Policia Civil o serviço
de caixas de aviso com a respectiva verba de custeio, pretende utili-
zar-se desse apparelho?
— Já tenho instaílado no meu gabinete um telephone directo para
a Brigada Policial. O serviço de caixas de aviso, embora hoje me
seja subordinado, não pôde ser transferido dalli por motivos de
ordem financeira. Com aquelle apparelho posso utilizar-me dos ser-
viços de soecorros da Brigada tão promptamente quanto se a instal-
lação fosse feita na Policia Central.
— Que meios acha melhores para tornar effectiva a punição das
reincidências de vadiagem c conseqüente internação de vagabundos
da Colônia?
— E' preciso, antes de tudo, que se tenha como muito provável,
senão certa, a condição de incorrigibilidade do reincidente. Escla-
recido esse ponto, o apparelho de repressão deve funecionar rapida-
mente e com rigor; a pena deve ser muito longa, sujeito o con-
demnado ás efficiencies do trabalho.
— Em que estado encontrou Dous Rios? Acha a colônia bem
localizada e pensa que ella pôde prestar-se realmente aos seus fins?
— Encontrei a colônia de Dous Rios em máo estado. Aliás
aquelle estabelecimento foi sempre, a meu ver, como exemplar peni-
tenciário, mal orientado. Não é tanto a sua localização que o pre-
judica; na propria Ilha Grande, 'a despeito do terreno, que é extra-
ordinariamente pontilhado de pedras, sobra muito espaço para varias
culturas. O que se deu em Dous Rios foi um erro de orientação
originaria. Julgou-se de utilidade fundar-se uima Colônia Gorrec-
ci ri il, e assim se fez, aproveitando-se o inimovel, que foi mais fácil
adquirir. As construcções eram impróprias c jamais se procurou
obedecer a um plano sys'tematico. Quem visita a colônia sente logo
essa impressão. Por outro lado, nunca houve rigor na seleeção do
pessoal. Dirigir uma casa de reclusos é tardia arduissima e de grande
complexidade. Com uma bo>a administração e disciplina, aproveitan-
do-se, co 110 é meu p-ensa:mento, o trabalho dos colonos, cila pôde
prestar bons serviços e alliviar o Thesouro.
— Não lhe parece absurdo que os condemnadós cumpram pena
na Detenção?
— Absurdíssimo. Nunca se elevem misturar condemnadós e não
corklemnados ; ou. o que é o me^mo, nunca se devem internar con-
demnadós em casas que não são penitenciárias.
— A Corrccção, coui um pouco de boa vontade, não poderia ter
— 305 —

a sua lotação augmentada; e como se deve entender o problema,


penitenciário «o Brasil?
— Quanto á primeira parte, não sei. Não conheço a Casa de
Correcção, cuj.a superintendência não me compete. Quanto á segunda
parte de sua pergunta, pouco adianta o meu voto. O eminente Sr. Mi-
nistro do Interior e Justiça é quem lida com esse delicado problema
e sobram-lhe competência e actividade para bem reflectir nelie. O que
lhe não sobra, como a todos nós do Governo, 'nesta hora de apertos,
é dinheiro para resolvel-o. Não, pois, como chefe de serviço, mas
como particular e antigo estudioso dessas questões penitenciárias,
penso que não seria anal aconselhada a colonização penal. O que eu
verifiquei na Bahia, quando Director da Penitenciaria,, é facto
commum aos demais Estados da União. Alli, a porcentagem de
gente de campo era de quasi 70 %, sobre a gente da cidade. Con-
viria, pois, aproveitar esses braços habituados á lavoura e á criação
nessas actividades que lhes são mais conhecidas, fundando-se peni-
tenciárias agrico'ias. Seriam mais alguns milhares de trabalhadores
ao serviço de uma terra tão escassa délies. Para os outros conde-
mnados, fundar-se-hia um segundo lypo de estabelecimentos : peni-
tenciárias industriaes. O que é preciso é systematizar o trabalho, que
é o rehabiliíador, por exccllcncia, seja no campo, seja na cidade.
A vida interior de uma penitenciaria deve ser uma cópia tão appro-
ximiada quanto possivel do meio social, sem' as suas tentações. Isso
me parece claro porque o condemnado sáe da sociedade para, cum-
prida a pena, a cila voltar. E', pois, preciso que elle aprenda a viver
na collectividade, e esse. creio que é, fundamentalmente, o fim da
segregação. A pena é um remédio que viza, além da punição, a
readaptação do indivíduo na communhão com cuja disciplina elle
rompeu. Se lhe derem um meio todo différente da sociedade a que
elle ha de voltar, como se poderá esperar a readaptação?
Esta é uma face do problema. Ha outra, também importan-
tíssima: a das penitenciárias para menores. Estes não devem viver
em commum com os adultos. Numa palavra: o problema peniten-
ciário é complexissimo, e eu lhe não poderia dizer em algumas
palavras o que daria só para uma larga «interview».
— Não conviria deixar o problema da assistência á infância mo-
ralmente abandonada aos cuidados dos juizes?
— Penso que não. Os :nosso juizes são 'muito sobrecarregados de
serviço e não podem cuidar de trabalho tão complexo. O que é
preciso é entregar os estabelecimentos de assistência á infância mo-
ralmente abandonada á gente competente.
— Como entende 'a Escola de Menores Abandonados e a sua
secção feminina ?
—'A Escola de Menores Abandonados tem grandes defeitos.
A secção feminina não escapa a essa condição. Ha alli raparigas
completamente pervertidas e de indole má que é preciso afastar do
20
306

estabelecimento. Duas que se estão tornando celebres através dos


jornaes, são de péssimos costumes.
— Está a Escola Quinze de Novembro habilitada a preencher
o seu destino?
— Aindd não. Com a direcção que possue, porém, e com as re-
formas que o estabelecimento reclama, é licito esperar alguma coisa
do seu futuro.
— Serão úteis modificações processuaes?
— Se bem que o assumpto não me diga respeito, entendo que a
nossa organização judiciaria, em geral, reclama varias modificações.
— Que pensa da abolição do inquérito policial?
— Sem ser enthusiasta ardoroso do inquérito policial, não votaria
pela sua suppressão sem certa cautela. A meu vêr o Ministério Pu-
blico não deve ficar na dependência da Policia para propor acções
penaes. Quando fui promotor publico na Bahia, mais de uma vez
iniciei processos, apresentando a denuncia, documentada apenas com
o corpo de delicto; assim, instaurava, desde logo, sem depender de
inquérito, a formação da culpa. O que é preciso é que a acção da
Policia não embarace a da justiça e não a demore. Convém, porém,
não esquecer que a Policia judiciaria é um auxiliar de primeira
ordem da justiça, e que, neste caracter, pôde fornecer ao juiz for-
mador da culpa, antes e durante a instrucção do processo, os me-
lhores elementos de investigação criminal.
— A pena pecuniária será será de vantagem na punição das con-
travenções e delictos leves?
— Penso que sim. Além de ferir a bolsa, o que para a grande
maioria dos homens representa sempre um grande sacrifício, a pena
pecuniária é expedita e alliviará o serviço da Policia. Degois chama-a
de «pena excellente». Não sei se o Governo pensa em instituil-a.
— Não ha attntos entre a Municipalidade e a Policia no tocante
á regulamentação do serviço doméstico, de vehiculos e de theatios
e diversões?
— A competência da Prefeitura e da Policia tem uma linha
limitrophe que. ás vezes, não é fácil distinguir. A regulamentação
do serviço doméstico, dos vehiculos, theatros e diversões está neste
caso. Por isso o Prefeito e o Chefe de Policia precisam de viver
em harmonia, o que, aliás, não é nada difficil entre dous homens
bem orientados e que tenham uma noção exacta do serviço publico.
>—Não seria possivel dizer como pensa sobre o jogo?
— Ha na sociedade uns tantos factos que é impossível evitar.
O jogo é um délies. Entre nós (para tomarmos o exemplo dentro
de casa) todas as campanhas extremadas contra o jogo só têm pro-
duzido um resultado: o escandab. Entretanto, o jogo continua e,
não raro, cora a cumplicidade de certos funecionanos subalternos
da Policia. Alguns destes tenho demittido, depois de colher provas
evidentes de sua improbidade, e denuttirei todos quantos sejam
— 307 —

convencidos de taes velhacadas. Assim me queiram ajudar, provavel-


mente, as proprias victimas de algum ou alguns que ainda existam
e que estão, a não sabendas minhas, prejudicando a baa fama da
Policia e dos seus servidores honestos, (que ella os tem certamente).
Dahi, uma injuncção : não tentar o impossível, isto é, não perseguir
o jogo em geral, mas dar combate ao que é centro de desordens,
incentivo de crimes, factor de desmoralização : o jogo dos ébrios,
dos vadios e vagabundos, das prostitutas e dos menores. Sei que é
vulnerável essa orientação, e que no próprio terreno jurídico a sua
base não é de grande solidez. Quem quizer, porém, collocar-se no
puro domínio dos factos, verá que é inútil uma medida radical.
A conseqüência talvez fosse peor: o jogo sairia dos clubs elegantes
para o interior dos lares... Imagine o senhor...
— 'Como encara a prostituição?
— A prostituição é outro mal sem cura. Não sou partidário da
regulamentação, simplesmente porque a penso impraticável. Em 1886
a Inglaterra aboliu toda a policia de costumes e toda a regula-
mentação. Nos Estados Unidos ha apenas um serviço de vigilância.
Em outros paizes, como na Dinamarca, o abolicionismo se manifesta
francamente. Entretanto, a regulamentação tem seus partidários e
ha paizes que a praticam com maior ou menor severidade (a França,
o Mexico, a Hungria, a Bélgica, e t c ) . Posso repetir, a propósito,
o conceito de Alzac : « Se um sulco profundo separa os abolicionistas
e os regulamentaristas, ha um ponto sobre o qual os adversários
estão mais ou menos de accôrdo: é que as manifestações exteriores
da prostituição., quando affectam a ordem publica e prejudicam a
sociedade, devem ser reprimidas por meio de saneções penaes sérias
e efficazes». Providencias que cohibam abusos, que evitem escân-
dalos, que moralizem as ruas, tenho recommendado aos senhores
delegados.
— A defesa contra o trafico das brancas pôde ser feita sem ac-
côrdo com as nações visinhas interessadas na mesma repressão?
— O accôrdo internacional, por isso mesmo que estabelece um
concurso de forças para fim idêntico, é de primeira importância na
repressão do trafico das brancas. Penso que esse accôrdo não deve
ser limitado ás nações vizinhas, mas a todos os paizes civilizados.
O captiveiro das brancas é peor, por 'mais hediondo, que o captiveiio
dos negros.
— Uma fusão mais perfeita dos serviços de Policia civil e mi-
litar não augmentaria os recursos materiaes e moraes para a vigi-
lância e repressão?
— Está claro que sim...
— A organização do serviço medico-legal corresponde ás neces-
sidades da justiça?
— O gabinete medico-legal está bem installado ; entretanto, o seu
pessoal é deficiente.
— 308 —

— O serviço de transporte está bem attendido?


— Está regularmente attendido.
— Quanto custa por anno o serviço de transporte dos presos da
Detenção para as delegacias e juizos?
— O transporte de presos, no perímetro urbano para a Casa de
Detenção, as delegacias, as pretorias, os tribunaes do jury, etc.. é
actualmente feito em vehiculos daquelle estabelecimento. Entre as
verbas destinadas á Casa de D etenção ha uma de 30:000$ para tal
serviço, incluídas nesta somma as despezas com forragem, ferragens,
arreiamentos, curativos, remonta de animaes e compra de vehiculos,
nos termos da propria rubrica orçamentaria.
— Qual a'média desses transportes?
— A média diária é de 80 presos, inclusive o transporte dos que
são apresentados aos juizes e tribunaes. O custo do transporte de
presos pelas vias férreas não pôde ser prefixado, variando conforme
o numero de prisões effectuadas nos districtos suburbanos.
— O transporte dos loucos e enfermos quanto custa e por quem
é feito?
— O transporte ­dos loucos, bem como o de enfermos e cadáveres,
foi contractado por sete annos, em 1914. no Ministério da Justiça,
á razão de 16:000$ mensaes, havendo consignação orçamentaria desta
importância.
— Em que estado se acha o material a isso destinado?
— O material, a julgar por alguns vehiculos que tenho visto,
não está em más condições.
— Os « sem trabalho », agglomerados no Rio, não constituem uma
ameaça á ordem publica e que providencias tem tomado a Policia
para afastar essa gente desoecupada da metrópole?
— Com certeza que constituem e a Policia tem ordem do Exm ;■.
Sr. Presidente da Republica para dar passagens aos indigentes e
faltos de trabalho.
— Como considera as sociedades de resistência?
— As sociedades de resistência, uma vez que a Policia as tenha
sob os olhos, e mãos elementos não lhes adulteré.n os intuitos, não
pertencem ao numero dos nossos maiores perigos.
— Qual foi a acção da autoridade no conflicto dos estivadores?
— A acção da autoridade foi a mais imparcial, como o pro­
clamou o próprio Jornal do Commercio, em concerto coin) os outros
jornaes da cidade. Imparcial e enérgica. Os estivadores estão con­
vencidos, sem distineção de grupos, que agirei contra uns ou contra
outros, apenas seja necessário. Respeito­me bastante para incorrer
no ridiculo de taes preferencias.
— Pôde a Policia tolerar attentados á liberdade de trabalho?
— De modo algum.
— Como ultima pergunta, podia dizer V. Ex. como entende a
Policia c quer pratical­a?
309 —

— A sua pergunta final posso dizer que está respondida com o


que disse até aqui. Entretanto, aproveito-a paja assentar umas
tantas idéas. Não sou, como a muitos se tem afigurado, um partidário
exaltado da Policia de carreira. Ella tem, evidentemente, lados fra-
quissimos, E' indiscutível? porém, a necessidade de amparar a car-
reira do policial, encorajando-o, animando-lhe o amor á profissão,
premiando-lhe o zelo, estimulando-lhe o preparo e garantindo-lhe
o accesso, tudo isso, porém, sem que o funccionario conte mais com
a inamovibilidade absoluta que lhe assegure a lei do que com os seus
créditos, a sua boa fama e as excellencias da sua conducta pro-
fissional.
Gosando da bondosa conjfiança do eminente cidadão que preside
aos destinos da inação, quero priúicar a Policia como ella deve ser
praticada, dentro da lei, dentro da tolerância, dentro da necessidade
publica.
Estou ganhando a fama de ser avesso á interferência da po-
lítica na Policia. Quem, em sã consciência, me poderá censurar por
isso? Se ha trm conceito indubitavel neste particular, é que se deve
fazer numa sociedade culta uma política de Policia, mas nunca uma
policia política, isto é, devem-se utilizar todos os meios próprios,
todas as boas praticas, cm bem da ordem, da tranquillidade e da
segurança publica, sem prejudical-os com interesses partidários subal-
ternos. Não se pôde comprehender uma boa Policia sem que cila
sej.a distineta e independente dos partidos. Na Bahia, quando fui
Secretario de Estado, Chefe da Segurança Publica, eu era político
arregimentado e dos mais extremados. Se os meus patrícios pu-
dessem ser chamados a depor, elles diriam quantos interesses de
ordem sectária contrariei, e como conquistei a fama de não ser um
bom correligionário, no sentido de não condescender e não abrir
excepçÕes odiosas e prej-udiciaes á ordem. Em mim, isto é uma
questão de principio, de noção technica do serviço que a gentileza
do honrado Sr. Dr. Wenceslau Braz une confiou. Quem quizer errar
na administração policial não tem nada a fazer senão adoptar uma
orientação partidária. O insuecesso será fatal. Além do mais, bem
Se comprehende que, num cargo como o meu, da mais immediata
confiança do Chefe de Estado, eu não podia traçar-me normas de
administração que não estivessem de accôrdo com o sentir pessoal
de S. Ex. Tenho mesmo o habito de nada praticar de importante sem
communicação antecipada a S. Ex. e ao Exmo. Sr. Ministro da
Justiça.
A minha orien'taçao, entretanto, não me impede de, sem o minimo
prejuízo do serviço, attender, mesmo preferencialmente, aos amigos
que apoiam o Governo. E disto tenho dado varias provas.
Tenho uma ultima ponderação a fazer. O apparelho policial
carioca é deficiente. 'E' lamentável que em tempos de maior abun-
dância não se tenha procurado resolver esse problema, que reclama
— 310 —

'muito dinheiro. Só para a Policia das ruas seria preciso o triplo


do pessoal. A nossa cidade reclama um numero maior de delegacias.
Os próprios vencimentos não são convidativos. Dahi, a impossibili-
dade de uma selecção rigorosa no pessoal.
Quando penso nas aperturas da nossa situação financeira, fico
sem coragem de annunciar programmas. Antes de mais nada, eu
preciso de dinheiro: onde buscal-o?
O pouquissimo que estou fazendo é resultado de grande esforço,
porque exijo de todos o maior trabalho possível e não tenho sido
nada condescendente com o pessoal da Policia.
Mas o milagre de um serviço irreprehensivel com os recursos de
que disponho, não sou thaumaturgo capaz de realizal-o.
(Entrevista publicada no Jornal do Commercio de 20 de janeiro
de 1915.)
O Jogo
— A actual campanha contra o «jogo do bicho» é resultante
dos trabalhos da Conferência Judiciaria-Policial. que procurarei ap-
plicar gradualmente no resto da minha administração. Os pontos
relativos á limitação constitucional das liberdades individuaes já
estão concretizados em dous accórdãos unanimes da Corte de Appel-
laçào e do Supremo Tribunal Federal, sendo que o deste é uma
brilhante pagina de direito constitucional escripta pelo ministro Vi-
veiros de Castro. Outras resoluções da Conferência estão sendo exami-
nadas com intuitos práticos. Eu ainda espero, por exemplo, tornar uma
realidade tudo quanto naquella memorável assembléa ficou assentado
sobre investigações e capturas. Como sabe, a Conferência Judiciaria-
Policial funccionou durante cerca de três mezes, tendo terminado os
seus trabalhos ha pouco mais de um. üm tão curto espaço é impossível
fazer tudo. Uma das questões inscriptas no programma do victorioso
Congresso de juizes e autoridades foi justamente a do jogo, sobre a
qual, no meu discurso inaugural, eu disse estas palavras:
« Não olvidei, no programma da actual Conferência, a tormentosa
questão do jogo, a mais difficil. talvez, daqueílas com que a Policia
lida. Jules Lefebvre, relatando este assumpto na Société Générale
des Prisons, ao alludir á licença ou á interdicção abso.uta do jogo,
disse, talvez com razão, « que uma solução radical, num ou noutro
sentido, seria perigosa e não poderia ser definitiva.»
Accentuando a universalidade do jogo, para diminuir as iras dos
que censuravam a Policia por não extinguil-o, citei estas palavras de
Emile Garçon, relativamente a Paris : « Quem ignora que em Paris
se joga em um numero infinito de estabelecimentos públicos? Nos
cafés dourados e resplandescentes de luz dos boulevards freqüentados
por pessoas de fortuna, nas c-sas de cerveja do Bairro Latino, onde
se encontram os estudantes; nas tavernas mais modestas das ruas
estreitas e dos bairros populosos, onde vivem os operários; nas
— 312 —

sórdidas pocilgas onde se refugia'm as maratonas, os rufiões e os


apaches — por toda a parte se joga ás escancaras». «Em Londres
mesmo, ha quatro annos apenas, se reconheceu o augmento consi-
derável dos «gambling places». A Policia era despistada pelos
jogadores, que se estabeleciam em casas privadas e se mudavam
constantemente, em geral todas as noites, para se não deixarem
apanhar em flagrante.
Entre nós, queiram ou não queiram, o quadro é muito menos
im^ioral. Entretanto, uma particularidade existe no Brasil: é o «jogo
do bicho». E' utoa modalidade terrível do jogo de azar. Elle leva
ao furto, ao roubo, ,ao desfalque, ao suicídio, á vadiagem, que sei
eu mais? De mães de fami'lia, assustadas, tenho recebido cartas
reveladoras de que as proprias creanças são attrahidas a esse vicio
tentador. Estudado o assumpto na Conferência Judiciaria-Policial,
apenas esta encerrou os seus trabalhos foi organizado um serviço
especial, que não fez outra cousa senão observar o meio onde se
desenrola esse flagello, e, reunidas innumeras observações, ordenei
que se iniciasse a campanha com a maior energia.
Na Conferência Judiciaria votaram-se a respeito do « jogo do
bicho» as seguintes conclusões:
« O « jogo do bicho » é uma operação na qual se faz depender
da sorte a obtenção de um prêmio e.n dinheiro, sendo o sorteio feito
pela Loteria Federal. Como tal, é uma loteria, e não sendo esta
loteria autorizada por 'lei, constitue o jogo prohibido punido pelo
art. 31, § 4o, da lei n. 2.321, de 1910.»
«A repressão do jogo coir/prehende medidas preventivas e admi-
nistrativas, além das de caracter judiciário.»
« Todo o indivíduo que fôr encontrado na pratica de qualquer
operação referente á loteria não autorizada se considera em estado
de flagrante delicto e, como tal, deve ser preso e processado.»
« A presença do indivíduo que intervém, na loteria somente com
o intuito de obter o prêmio não é necessária para que se concretize a
contravenção.»
« A Policia deve appréhender, no caso do art. 3Ó9 do Código
Penal, todos os apparelhos e instrumentos de jogo, utensílios, moveis
e decoração da sala de jogo; no caso do art. 31 da lei n. 2.321,
de 30 de dezembro de 1910, os bilhetes, registros e apparelhos de
sorteio, como todos os bens e valores sobre que versar a loteria ou
rifa não autorizada, lavrando-se de taes apprehensões o respectivo
auto, para o fim de serem valores e objectos remettidos ao juiz
competente.»
« A Policia pôde c deve ordenar a busca e apprehensão dos do-
cumentos que constituem o corpo de delicto da contravenção de
jogo; no caso de opposição, a Policia pôde e deve mandar arrombar
as portas, os moveis e outras cousas onde fundadamente tenha razões
para suppôr que foram oceultados os instrumentos da contravenção,
observadas as disposições legaes.»
— 313 —

Na sessão em que esses votos foram expressos estiveram pre-


sentes os ministros do 'Supremo Tribunal João Mendes e Viveiros
de Castro, os desembargadores Saraiva Junior e Caetano Monte-
negro e outros magistrados, promotores como os Drs. Alfredo
Russell, André de Faria Pereira, Álvaro Berford, Oliveira Figueiredo
e Ala-.iro Campos. Na sessão plena em que esses votos foram defi-
nitivamente consagrados estiveram presentes os ministros Viveiros
de Castro e André Cavalcanti, desembargadores Caetano Montenegro,
Elviro Carrilho, Celso Guimarães, Edmundo Rego, Saraiva Junior
e Souza Pitanga; o procurador geral do districto Dr. Moraes Sar-
mento, juiz de direito Alfredo Russell, pretores Carlos A'ffo'nso,
Duque Estrada, Álvaro Berford, Abelardo Bueno de Carvalho e
Edgard Costa, e os promotores Pio Duarte e Mafra de Eaet.
Como vê, com o concurso da magistratura foram resolvidas
questões importantes. Uma délias reconhece «que um dos meios de
combater o «jogo do bicho» é a repressão judiciaria». E' o que
os meus auxiliares, com o talentoso e distinetissimo Dr. Armando
Vidal á frente, estão fazendo. Combate pela lei, dentro da lei e
por meio da justiça. Uma outra questão—'a de poder e dever a
Policia arrombar as portas e moveis de casas de «bicheiros», nas
buscas e apprehensões legaes que effectuai' — também recebeu o voto
de magistrados, eminentes uns e estudiosos e dignos todos. Foi esse
apoio, esse prestigio moral, esse reconhecimento prévio, embora de
caracter abstracto, mas susceptive! de tornar-se concreto, que eu
busquei, realizando a Conferência Judiciaria.
Como sabe, a Policia é sempre suspeitada. Ha miais tempo,
quando dirigi uma circular relativa a buscas e apprehensões em
materia de jogo .a grita foi enorme. A Conferência Judiciaria poz
em relevo, co,m o accôrdo de amestrados juristas, que a razão estava
comnosco.
— As ordens que deu são terminantes?
— São peremptórias. Nem só muitos «bicheiros» têm sido pro-
cessados em flagrante, como outros o estão sendo por portaria, urna
vez que são publicamente conhecidos como banqueiros. O Dr. Ar-
mando Vidal e outros delegados districtaes estão processando vários
figurões dessa espécie, que fizeram fortuna á custa do povo ingênuo.
E' o único meio de submet-termos á acção da lei os verdadeiros
exploradores do «jogo do bicho», porque estes não o vendem, não
se entregam a actos materiaes do jogo e, pois, não podem ser presos
em flagrante.
Como está vendo, o êxito da campanha depende muito do poder
judiciário, especialmente do judiciário local. Os pretores prestarão
bom serviço, si arbitrarem fianças elevadas, evitando que os contra-
ventores, cujas petições a autoridade policial já despachou, a elles
se dirijam, obtendo arbitramento inferior. Condemnando os joga-
dores, sem exigências dispensáveis, também auxiliarão á Policia.
Os promotores, appellando de decisões, requerendo reforços de
— -'4 —

fianças, buscas, s -c. n isc îto poderão con-


correr para o ex.u c P i te de Appellaçáo,
que tanto tem presuju i ad.^ , saberá, dentro da
lei, manter a acção da Po.
— Ha pouco affirmou-nos -!_- Policia era suspeitada: quiz
referir-se á corrupção dos funccionarios?
— Não. Referi-me ás eternas prevenções contra a Policia, pre-
venções que os senhores jornalistas impenitentemente mantêm, contra
todos os argumentos e todas as provas em contrario. Uma vez,
porém, que alludiu á corrupção, eu preciso dizer-lhe que não reputo
nenhum dos meus delegados capaz de uma tal infâmia. Reputo-os
todos homens de bem, absolutamente na altura de repellir o suborno
'a corrupção com que os pretendessem seduzir. Tenho chamado repe-
tidas vezes a attenção de todos para essa injuria atroz com que certos
jornaes os a'lvejam, e sinto que a honra e a consciência de cada um
darão desmentido publico em prol da superioridade da sua conducta.
Demais, isto é veso antigo. Também dizem de certos jornaes
que elles atacam a Policia, neste particular, por serem subsidiados
fartamente pelos « bicheiros », e eu creio piamente que essa mur-
muração é uma infâmia... Si a imprensa, porém, não escapa de uma
asseveração dessa ordem, para que encampa ella accusações não
provadas contra homens de bem? Os meas delegados me têm dito
que manter uma campanha tenaz contra o «jogo do bicho» é hoje,
para elles, uma questão de honra. São 30 homens de pudor que me
falam esta linguagem e que sabem como estou disposto a não tran-
sigir com a tibieza e o desíallecimento. Por isso, eu espero que, sem
impaciencias, chegaremos á situação desejada.
— Sobre o habeas-corpus requerido por pessoas que desejam
entrar em casas de «jogo do bicho», que é que nos pôde adeantar?
— Não acredito que consigam essa medida. A jurisprudência
hoje invocada nos «A pedido» do Jornal do Commercio foi visce-
ralmente reformada pelo Supremo Tribunal Federal. Basta reparar
em que o accórdão citado é de 1902. Dahi em diante, vários outros
foram proferidos em sentido diametralmente oppos'.o, entre elles o
de 26 de setembro de 1908, segundo o qual « não ha constrangimento
illegal na medida tomada pela Policia do Districto Federal mandando
postar seus agentes em casas de negocio para impedir a pratica do
«jogo do bicho». Note que neste accórdão o Supremo Tribunal Fe-
deral diz que a decisão da Corte de Appellação (que no mesmo
sentido já se havia manifestado) se inspira «no principio firmado
pela sua jurisprudência».
Por ultimo, também a Prefeitura poderá auxiliar ei fie.
campanha, neg:ndo e cassando licenças a indivíduos que fing
piorar negócios lícitos, quando o intuito principal é bancar o « b
(Entrevista publicada pela A Noite, de 14 de setembro de .

18)
PAGS.
Explicação preliminar Ill

PRIMEIRA PARTE
Contribuição para a Conferência Judiciaria-Policj
Discursos :
discurso proferido no acto 3e inauguração da Conferência Judic>
licial, em 3 de maio de 1917
Discurso proferido no acto de encerramento da Conferência
Policial, em 9 de agosto de 1917

Theses :

Constituição da Policia: descentralização e centralizac'


reira: garantias Escola de i olicia
Poder de Policia. Poder regulamentar do Chefe de r
explicitas e implícitas do nosso direito . . .
Papel da imprensa no domínio da Policia. Difficu'
á repressão. Necessidade de um appello ao
\ prostituição. Localisação
.
TE
3ncia

As cartonu.....
Internação de loucos.
Localisação de meetings
Dissolução de sociedade anarchista
A policia e o jogo
Protecção á vida humana'. . . . . ' .
Os consoles estrangeiros e o seu direito ã assis'ten 1 dis a u t o r i d a d e s ' ^ ^
A expulsão dos estrangeiros no direito brasileiro
Sobre o inquérito policial
Liberdade de reunião . . . . . . ''

TERCEIRA PARTE
Entrevistas
as de administração policial
vo . . . . • !
* * •

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