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Toda proposição é levantada – justificada e dada como válida, inválida

ou indeterminada durante o curso de uma atividade discursiva (i.e. qualquer


atividade que envolve meios argumentativos). Essa premissa não pode ser
negada, visto que sua justificativa seria dada pelo discurso. Se for afirmado
que “algumas proposições não são/precisam/podem ser justificadas durante
uma argumentação”, não se cairia em contradição; porém, você não poderia
demonstrar quais são essas proposições e, para levantá-las, estaria o fazendo
durante uma argumentação.

Essa premissa é um completo non-sense. Hoppe tenta justificá-la


através de uma redução ao absurdo – provando que seu oposto é falso para
que ela seja verdadeira. Mas essa tentativa de falsear o seu oposto é
claramente inválida. Em primeiro lugar, a contradição performativa só acontece
quando se nega essa premissa por completo, universalmente – isto é, quando
diz-se que nenhuma proposição pode ser justificada por argumentação. Nós
podemos facilmente aceitar essa premissa como válida, ao mesmo tempo que
aplicamos uma exceção a ela. Nesse caso, não haveria contradição, pois é
aceito que é possível que se justifique premissas em argumentação ao mesmo
tempo que esta não seja a única forma de se justificar. Isso já é suficiente para
provar falsa a premissa de que toda justificação é necessariamente feita em
uma argumentação (já que o único artifício usado para prová-la é a mera
contradição performativa), mas teremos de ir além: iremos não só presumir que
tal coisa é possível, mas também a demonstraremos dessa forma, já que a
própria premissa apresenta uma “resposta” (sic) a esse argumento. Mais uma
redução ao absurdo que falha miseravelmente.

Em primeiro lugar temos que frisar que o próprio Hoppe não define o
que é “justificar” nos livros dele, mas ele somente complementa o significado
da palavra. Diz ele: “Justifying means justifying without having to rely on
coercion”[8], o que é, claramente, uma definição circular, “justificar significa
justificar” (tsk, tsk). Outros hoppeanos que se atentaram a responder tal
objeção não fizeram nada além de definir justificação como uma atividade
necessariamente intersubjetiva, e outros ainda chegaram a definir justificação
como a mesma coisa que argumentação. Precisamos, então, aderir a uma
definição cotidiana e usual de justificação (poder-se-ia objetar a isso, afirmando
que não estamos usando a mesma definição que Hoppe e criando um
espantalho, mas isso é solenemente patético, uma vez que o próprio não
definiu justificação em seus livros. E mesmo se ele o tivesse, bastaria que
inventássemos uma nova palavra que ilustra o ponto que mostrarei a seguir). A
definição de justificar aqui é dada como “Provar algo verdadeiro ou
falso/demonstrar o valor-verdade de uma proposição”; uma outra coisa: Hoppe
também não define proposição, que, pela Escola Analítica, é definida como
“afirmação que possui valor-verdade”. Imperativos, indagações e outras coisas
não podem ser proposições, como afirma John Langshaw Austin em sua teoria
dos actos de discurso, pois não possuem valor-verdade.

Agora, retornemos ao ponto central: a argumentação é, de fato,


necessária para que proposições sejam provadas verdadeiras ou falsas? A
priori, sabemos que isso é falso, pois para que demonstremos a validade de
algo não é necessário que haja troca de proposições com outro indivíduo, uma
vez que, sendo definida como “a adequação do juízo à coisa”, a verdade pode
ser encontrada facilmente em um teste de verificação individual ou subjetivo
(como sendo oposto de intersubjetivo), onde toma-se um juízo (sintético) e se
elabora uma pesquisa empírica (ou intuitiva, no sentido espácio-temporal, caso
seja a priori) com base nele para saber se há, de fato, uma adequação desse
juízo à realidade. Quando o juízo é analítico, isso se torna mais fácil ainda,
visto que basta observar apenas se os conceitos das palavras de fato
coincidem. Veja só, para que se prove que “todo solteiro é um não-casado”,
não é preciso que eu troque essa informação com outra pessoa; basta que seja
feita uma análise linguística dos conceitos de “solteiro” e “casado” para concluir
que não é possível que as duas sejam verdadeiras concomitantemente ao
mesmo sujeito.

Formalizando, □ (∀x)[(Cx ⇒ ¬Sx)⇒(Sx ⊕ Cx)]; é um simples uso do


Princípio da Não-contradição. Lê-se “é necessário que para todo x, se x é
casado, então x não é solteiro, então ou x é solteiro ou x é casado”. Mesmo
proposições matemáticas, que, em Kant, são sintéticas e a priori, independem
de verificação intersubjetiva para estarem corretas (e inclusive, gostaria de
frisar que o próprio Hoppe rejeita o relativismo discursivo do Habermas em
“Equally silly, some critics have charged me for supposedly claiming, falsely,
that the truth of a proposition depends on someone making this proposition. But
nowhere did I claim any such thing” – Hoppe, Hans-Hermann, “On the Ethics of
Argumentation”, PFS 2016), basta que adicionemos sucessivamente no tempo
uma unidade a outra para que obtenhamos o resultado da soma de um a outro
como duas unidades. Agora que mostramos a priori como essa proposição é
claramente falsa, entraremos agora em um contexto empírico. Podemos
demonstrar empiricamente que essa proposição é falsa consultando o livro
Principia Mathematica, do Bertrand Russell (Agradecimentos, em especial, ao
Igor Angélico, pelo exemplo), página 378:

Justificação de 1 + 1 = 2 segundo Bertrand Russell, mostrando


empiricamente que a proposição de que toda justificação é argumentativa é
falsa.

Lembremo-nos, agora, da ética kantiana, que foi justificada em seus


livros “Crítica da Razão Prática”, “Fundamentação da Metafísica dos
Costumes” e “A Metafísica dos Costumes”, sem a necessidade de qualquer
atividade intersubjetiva envolvendo o autor, Kant, e qualquer outro sujeito.
Geralmente objetam dizendo que o livro é o instrumento no qual Kant usa para
argumentar, e que passa a ser uma argumentação a partir do momento que ele
mostra para alguém; no livro, porém, a proposição já está justificada, ele já
chegou a uma conclusão antes de apresentar o livro a outra pessoa. A
premissa primeira da ética argumentativa é patética, e nada mais. Obtemos,
então, que a defesa racional de argumentos independe de qualquer troca que
seja feita com esses argumentos, e sequer que esses argumentos só podem
ser provados verdadeiros enquanto há comunicação intersubjetiva. Sendo
assim, é possível que justifiquemos algo fora de uma argumentação e,
portanto, a pressuposição da autopropriedade é meramente contingente e,
dessa forma, é possível que provemos éticas sem ter de presumi-la.

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