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LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO – MIGUEL REALE – 9ª edição

revista 1981

Capítulo I
OBJETO E FINALIDADE DA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

NOÇÃO ELEMENTAR DE DIREITO


Como poderíamos começar a discorrer sobre o Direito sem
admitirmos, como pressuposto de nosso diálogo, uma noção
elementar e provisória da realidade de que vamos falar?
Como podemos começar um diálogo sobre alguma coisa se não temos
ainda que uma noção muito provisória ou introdutória do que é
essa coisa? Afinal de contas, para fazer sentido esse diálogo,
temos que ter uma noção básica, ainda que introdutória, para que
possa haver uma comunicação.
¹Um grande pensador contemporâneo, Martin Heidegger, afirma com
razão que toda pergunta já envolve, de certa forma, uma intuição
do perguntado. ²Não se pode, com efeito, estudar um assunto sem
ter dele uma noção preliminar, assim como o cientista, para
realizar uma pesquisa, avança uma hipótese, conjetura uma
solução provável, sujeitando-a a posterior verificação.
¹O autor cita um grande pensador contemporâneo (do próprio
Miguel Reale, século XX), Martin Heidegger, um dos grandes
ícones da Filosofia Existencialista, sobretudo, influenciado
pela Fenomenologia de Edmund Husserl que viveu aproximadamente
no mesmo período que Miguel Reale e que desenvolveu uma
Filosofia dedicada a revalorizar a concepção de Ontologia nas
palavras do próprio autor Martin Heidegger e que terminou por
influenciar diversos autores. Aqui, nas primeiras páginas de
Miguel Reale que Martin Heidegger é lembrado por afirmar ‘’que
toda pergunta já envolve de certa forma, uma intuição do
perguntado’’, ou seja, todo mundo que faz uma pergunta, ao fazer
a pergunta, já o faz intencionalmente na medida em que imagina
uma possibilidade de resposta para essa pergunta. Em outras
palavras, se eu Miguel Reale estou lhe perguntando ‘’qual é o
objeto ou qual é essa noção introdutória de Direito para que
possamos começar esse diálogo entre eu professor Miguel Reale e
demais alunos’’ é sinal de que eu já sei essa resposta antes
mesmo de fazer essa pergunta, ou seja, trata-se de uma pergunta
intencional ou porque não dizer tendenciosa. ²O autor faz uma
analogia ou paralelo para explicar que assim como não é possível
iniciar uma conversa sem ter noções mínimas e básicas para que
essa conversa possa se desenvolver, o mesmo ocorre no campo das
Ciências, não sendo possível alguém começar uma pesquisa ou um
trabalho de pesquisa científica sem que se tenha pelo menos uma
hipótese (uma suposição ainda que provisória) daquilo que se
deseja investigar.
¹No caso das ciências humanas, ²talvez o caminho mais
aconselhável seja aceitar, a título provisório, ou para
princípio de conversa, uma noção corrente consagrada pelo uso.
³Ora, aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é,
um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência
social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de
seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas
regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto.
¹O autor faz uma apresentação de Ciências Humanas. Sabemos que
Immanuel Kant, grande filósofo do século XVIII e influenciador
da obra de Miguel Reale que propôs essa distinção entre Ciências
Naturais e Ciências Humanas e muitos estudiosos de Filosofia das
Ciências até hoje consideram o Direito como parte das Ciências
Humanas. ²Ele aconselha que talvez o melhor, seja a princípio o
uso de uma noção corrente consagrada pelo uso, ou seja,
expressão que convencionou pelo uso. E qual seria essa noção
corrente consagrada pelo uso para que possamos começar essa
conversa sobre o que é o Direito? ³Aos olhos do homem comum e
não do jurista, não dos que dizem senhores da Ciência do
Direito. Veja que o autor busca esse diálogo para saber como o
‘’homem comum’’ ver o Direito. O homem comum ver o Direito como
sendo lei e ordem. Primeiramente, ele nos traz uma noção
introdutória de direito como sendo associado a ideia de lei e
ordem e a segunda coisa que ele nos informa é que o Direito tem
a finalidade de viabilizar a convivência em sociedade,
convivência essa, que só é possível, graças ao estabelecimento
dessas regras, isto é, se eu me comporto de acordo com essas
regras, eu me comporto direito (licitamente); se eu me comporto
em desconformidade com essas regras, eu me comporto de forma
torta (ilícita) e estando sujeito a sanções. 4Além das palavras
chave lei e ordem que foram mencionadas, temos a palavra
convivência. A palavra convivência é muito explorada na obra de
um filósofo do Direito contemporâneo de Miguel Reale, inclusive
colega de faculdade do Lago de São Francisco que é o professor
Gofredo da Silva Teles Júnior, autor de diversas obras e
prestigiado, tal como, Miguel Reale. Vale lembrar, que Miguel
Reale e Gofredo foram professores de um outro grande professor e
jurista chamado Tércio Sampaio Ferraz Júnior. O professor
Gofredo que tinha uma concepção própria do que venha ser o
Direito, sustentava que o Direito, antes de mais nada é a ‘’arte
da convivência’’, ou seja, voltado a viabilizar a convivência
dentro da sociedade. Quando o professor Miguel Reale e o
professor Gofredo estão a nos dizer isso para nós a respeito da
convivência, em outras palavras, eles estão afirmando que a
convivência não é algo inato ou natural ao homem, mas é algo que
precisa ser construído por meio da cultura e de regras para se
possível, viabilizar essa convivência. Parece que eles estão a
nos dizer, sobretudo, o professor Miguel Reale, que de forma
inata, o homem não conseguiria viver em sociedade, pois ele
naturalmente entraria em conflito com seus semelhantes.

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