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A PRÉ-REVOLUCÃO

BRASILEIRA

t;ELSO FURTADO

DO de
ULTURA

EDITÔRA FUNDO DE CUL'I'URA


RIO DE JANEIRO, BRASIL
Primeira, edição: agôsto de 1962 (8.000 exemplares)
Segunda, edição: dezembro de 1962 (10.000 exemplares)

Avoid a frontal attack on a long es-


tablished position; instead, seek to turn
it by flank movement, so that a more
penetrable side is exposed to the thrust
of truth. But, in any such indirect
approach, take care not to diverge from
the truth - for nothing is more fatal
to its real advancement than to lapse
into untruth.

B. H. LIDDELL HART. Strategy

Reservados todos os direitos de publicação,


em língua portuguêsa, total ou parcial, pela
EDITORA FUNDO DE CULTURA S. A.
Av. ERASMO BRAGA, 299-1.0 - RIO DE JANEIRO,
BRAS!l.
I.NTBODlJÇÃO

Para
Mário e .André
O s ESTUDOS reunidos no presente volume, dirigi-
dos todos à juventude universitária, foram escri-
tos com o objetivo de chamar a atenção para alguns
dos problemas de maior profundidade que devem ser
enfrentados na fase atual do desenvolvimento da eco-
nomia brasileira.
A tese central desenvolvida é a seguinte: a econo-
mia de nosso país alcançou um grau de diferenciação
- o que é distinto do nível convenciona( de desenvol-
vimento medido pela renda per capita - que permitiu
transferir para o país os principais centros de decisão
de sua vida econômica. Em outras palavras: o desen-
volvimento recente da economia brasileira não se fêz
apenas no sentido de elevação da renda real média do
habitante do país, mas também assumiu a forma de
uma diferenciação progressiva do sistema econômico, o
qual conquistou crescente individualização e autonomia.
O Brasil está repetindo, até certo ponto, a experiência
do Japão em decênios anteriores: a conquista da auto-
determinação no plano econômico ainda em fase ca-
racterizada por um nível de renda per capita típico de
país subdesenvolvido.
Como decorrência dessa modificação estrutura],, au-
mentou grandemente a eficácia de nossas decisões no
10 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA INTRODUÇÃO 11

plano da política econômica. Se no passado não podía- a realidade econômica um aparelho conceituai inade-
mos mais que perscrutar as tendências da economia quado. Como sempre ocorre, o esfôrço de teorização
internacional, como quem perscruta o tempo para de- realiza-se com apreciável atraso com respeito às trans-
fender-se de um vendaval. hoje estamos em condições formações da realidade social.
de tomar as decisões mais fundamentais concernentes É contra a tela de fundo dêsses desajustamentos
à atividade econômica do país. Mas não podemos tam- básicos que são aqui abordados alguns problemas, como
pouco fugir ao corolário: se antes os males causados a falsa dicotomia entre desenvolvimento e liberdade, .as
pela inexistência de urrw política econômica conse- reformas estruturais ou de base, a necessidade de apa-
qüente estavam limitados pela fôrça da corrente que vi- relhar o Estado para o exercício de suas novas fun-
nha de fora, hoje alcançam êles muito maior profun- ções como principal instrumento do desenvolvimento, e
didade. Destarte, o mais importante não é que podemos se apontam algumas direções ao esfôrço criador dos
autodirigir-nos, e sim que não nos resta outra saída economistas. Pretende-se, por essa forma, estender uma
senão fazê-lo. ponte entre a análise e a política econômicas, visando
Ora, essa autonomia de decisões ocorre no Brasil a injetar nesta última alguns elementos de racionali-
em uma fase do desenvolvimento da economia capi- dade, tanto com respeito aos instrumentos que utüiza
talista em que a eficácia dos automatistas convencio- como em função dos juízos de valor em que se apóia.
nais se reduziu substancialmente. E a essa redução
corresponde necessáriamente um aumento da ação cons- C.F.
ciente do poder público. 1'emos assim a convergência Recife, junho de 1962.
de dois fatôres cujos efeitos se muZtiplicam: devemos
tomar inúmeras decisões que antes se nos escapavam
porque éramos uma economia reflexa e devemos tomar
muitas outras decisões porque já não vivemos na época
da economia liberal e sim dos grandes monopólios e das
pressões sociais incontíveis.
Porque não nos preparamos para assumir as res-
ponsabilidades implícitas nesse aumento enorme do po-
der de decisão, vivemos uma época de angústia perma-
nente e grande incerteza oom respeito ao futuro. Co-
meçamos a aperceber-nos de que o leme do barco está
em nossas mãos. E como ainda não compreendemos
devidamente as regras de seu manejo, oscilamos entre
a perplexidade e a angústia, ante as conseqüências de
nossos próprios atos. Concorre, para agravar a situa-
ção, o fato de que utilizamos para captar e interpretar
1
REFLEXÕES SÔBBE A
PBÍf-BEVOLVÇÃO .BBASILEfflA

O PRESENTE E O FUTURO

f1 M MEUS contactos com a juventude universitá-


( _ ria, de todo o Brasil, tenho observado que cres-
centes ansiedades dominam os espíritos. Generalizou-
sc a consciência de que o país caminha para transfor-
mações de grande alcance; e de que, sob nossos pés,
como uma torrente profunda, trabalham fôrças inson-
dáveis. E todos, ou quase todos os jovens, desejam
compreender o que está o~orrendo e pretendem parti-
cipar conscientemente dessas transformações: querem
assumir uma posição ativa e contribuir para moldar um
porvir que lhes pertence por excelência. s~ bem que
muitas vêzes indecisa ou insegura, a juventude está
ccnfiante. E está exigindo de todos nós definição clara
de posições: identificação corajosa de objetivos e mé-
todos na luta pela conquista do futuro.
Prevalecendo-me da oportunidade, que tive recen-
temente, de visitar várias universidades brasileiras, vou
permitir-me fazer algumas reflexões em tôrno de ques-
tões que me foram formuladas por homens e mulheres
jovens que concluíram os seus cursos superiores. Apre-
sento estas reflexões como um depoimento pessoal,
franco, para que possamos continuar o diálogo, muitas
14 A PR'!J-REVOLUÇÃ.0 BRASILEIRA A PRl!:-REVOLUÇhO BRASILEIRA 15

vêzes interrompido quando apenas havíamos contacta- nham permitir, dada a sua tendência monopolística,
do o essencial. uma concentração ainda maior da riqueza em mãos de
A primeira dessas questões diz respeito ao desme- grupos privilegiados. AkB.vés de simples doações de
dido custo social do desenvolvimento que se vem reali- capital, os subsídios cambiais e creditícios transferiram
zando no Brasil. A análise econômica limita-se a expor para umas poucas mãos grandes riquezas sociais.
friamente a realidade. Sabemos que o desenvolvimen- No plano político-administrativo, as distorções ain-
to de que tanto nos orgulhamos, ocorrido nos últimos da são mais flagrantes. A ampiiB.ção e diversificação
decênios, em nada modificou as condicões de vida de das funções do Estado, caúsa e efeito do desenvolvi-
tr~s~g11art~. pàrfês-da p6p~láçã'.ô'âci'riafs:·· ···sua·· éàrâêtê-
0
mento, não tendo sido acompanhada das necessárias
rístíca principal tem sido ti.ma crescente concentracão reformas de base no próprio Estado, aumentou enor-
social e geográfica da renda. As grandes massas que memente o coeficiente de desperdício na ação adminis-
trabalham nos campos, e constituem a maioria da po- trativa pública. Por outro lado, a atuação crescente do
pulação brasileira, práticamente nenhum benefício au- Estado no campo dos Liwestimentos, conjugada àquela
feriram dêsse desenvolvimento. Mais ainda: essas mas- ineficiência, criou condições propícias à apropriação
sas viram reduzir-se o seu padrão de vida, quando con- ílicita de capital à custa do povo. Os grandes contratos
frontado com o de grupos sociais ocupados no comércio de obras públicas passaram a ser fonte corrente de
e em outros serviços. O operariado industrial, que re- acumulação rápida de fortunas dentro e fora do Go-
presenta uma espécie de classe média dentro da socie- vêrno.
dade brasileira, cresceu em têrmos absolutos e relati- É compreensível a ind'gnação da juventude diante
vos, sem contudo melhorar apreciàvelmente o seu pa- dêsse quadro: aí estão supostos representantes do povo
drão de vida. Também aqui houve piora relativa, pois, eleitos pelos empreiteiros de obras públicas, aí está a
com o grande crescimento do emprêgo urbano nos ser- aliança da máquina feudal com as verbas orçamentá-
viços, os operários presenciaram a ascensão de outros rias produzindo parlamentares, que somente poderão
grupos sociais, de rendas mais altas. sobreviver se forem instrumentos dóceis de seus finan-
E não somente no que respeita à concentração da ciadores.
renda o desenvolvimento vem apresentando aspectos so- Poder-se-ia objetar que antigamente era pior: as
ciais extremamente negativos. Com efeito, à causa do eleições eram formais e uma oligarquia decidia por
anacronismo da estrutura agrária, êsse desenvolvimen- conta própria o que se chamaria vontade do povo. Mas
to provocou, em muitas partes, um aumento relativo essa objeção já não vale para os jovens de hoje. Todos
da renda da terra, premiando grupos parasitários. Por sabem que, se as coisas são tão transparentes em nos-
outro lado, na ausência de uma polfüca consciente que sos dias, é porque está a nosso alcance poder mudá-las;
preservasse à ação do Esta.do o seu caráter social, im- que, se sabemos onde estão os vícios do sistema, somos
provisou-se, em nome do desenvolvimento, uma estru- coniventes se não tratamos de erradicá-los.
tura de subsídios que muitas vêzes premiou de prefe- E aí está a outra face - o lado positivo - do de-
rência os investimentos supérfluos, ou aquêles que vi- senvolvimento: êste trouxe para dentro do país os seus
A PRt-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A PR1:-REVOLUÇ.á0 BRASILEIRA 17
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centros de decisão, armou-o para autodirigir-se, im- a) o reconhecimento de que a ordem social que
pôs-lhe a consciência do próprio destino, fê-lo respon- aí está se baseia, em boa medida, na exploração do
sável pelo que êle mesmo t<,m de errado. homem pelo homem, fundando o bem-estar de uma
No fundo de nossa intranqüilidade presente en- classe, que abriga muitos parasitas e ociosos, na miséria
contraremos esta verdade simples: sabemos onde estão da grande maioria;
os erros de nosso desenvolvimento desordenado, sabe- b) o reconhecimento de que a realidade social é
mos que está a nosso alcance poder erradicá-los ou histórica; portanto, em permanente mutacão devendo
minorá-los, e temos consciência disso. Não é por outra a ordem presente ser superada, e -
'
razão que nos sentimos responsáveis e intranqüilos.
c) o reconhecimento de que é possível identificar
os fatôres estratégicos que atuam no processo social,
UMA FILOSOFIA DA AÇ_i[O o que abre a porta à política consciente de reconstru-
ção social.
Mas não se limitam os jovens de hoje a diagnosti- O último ponto conduz a uma atitude positiva e
car a realidade presente. A análise dos processos eco- otimista, com respeito à ação política, que bem corres-
nômico-sociais não tem outro objetivo senão produzir ponde aos anseios da juventude.
um guia para a ação. Em verdade, essa mesma análise Se vamos à eS&ência dessa filosofia, aí encontra-
aponta para a necessidade de ação. A consciência de mos, por um lado, o desejo de liberar o homem de
que somos responsáveis pelo muito do errado e do anti- tôdas as peias que o escravizam sociahnente, permitin-
-social que aí está, cria um estado de intranqüilidade do que êle se afirme na plenitude de suas potenciali-
que sómente pode ser superado pela ação. dades, e por outro descob1·imos uma atitude otimista
ll:ste é o segundo ponto no qual gostaria de me com respeito à autodeterminação consciente das comu-
deter: a necessidade de u~na filosofia que nos oriente ni.dade3 humanas. Trata-se, em última instância, de
na ação. Muita gente, aqui e fora do Brasil, me tem um estádio superior do humanismo· pois, colocando o
perguntado por que existe tanta penetração de marxis-
homem no centro de suas próprias preocupações, reco-
mo na atual juventude brasileira. A razão é simples:
nhece, contudo, que a plenitude do desenvolvimento do
o marxismo, em qualquer de suas variantes, permite
indivíduo sómente pode se!' alcançada mediante a orien-
traduzir o diagnóstico da realidade social em normas
tação racional das relações sociais.
de ação. Devemos abordar êS&e assunto com abso-
luta franqueza, se pretendemos manter um diálogo efi- Qualquer que seja o nome que se lhe atribua, é
caz com a juventude idealista e atuante desta época. impossível combater frontahnente essa doutrina, pois
Que vem a ser o marxismo de grande parte de nossa ela encerra os anseios profundos do homem moderno.
juventude? Creio que podemos enfeixá-lo em umas Suas raízes mais vígorosas vêm do humanismo renas-
poucas atitudes, independentemente de análise que as centista, que recolocou na pessoa humana o foco de
fundamente: seu próprio destino, e seu otimismo congênito emana da
18 A PR~-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A PRÊ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA
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Revolução Industrial. que deu ao homem o contrôle do sa ou americana com respeito aos destinos do mundo.
mundo exterior. Subordinar o futuro de nossa cultura às conveniências
Se pretendemos manter um diálogo fecundo com de ordem tática de um ou de outro dos grandes centros
a nova geração, devemos entender-nos sôbre o que real- de poder militar moderno, é dar a luta perdida de an-
mente é fundamental. R~legaremos para um segundo temão, pela carência total. de objetivos próprios finais.
plano aquilo que é simplesmente operacional e, por de- Devemos considerar como um dado da realidade obje-
finição, tem que estar subordinado aos fins colimados. tiva contemporânea o impasse entre os pólos do poder
Por exemplo: não seria possível atribuir mais que um político-militar. Ao considerar como um dado , estamos
caráter operacional à propriedade privada dos meios admitindo fora de nosso alcance modificar de forma
de produção, à emprêsa privada. Estamos todos de significativa a relação de fôrças. Qualquer que seja a
acôrdo em que a emprêsa privada é uma simples forma nossa posição, devemos reconhecer que a solução últi-
descentralizada de organizar a produção e que deve ma dêsse impasse não será antecipada, pois a guerra,
estar subordinada a critérks sociais. Sempre que exista meio único capaz de determinar essa antecipação, con-
ccnflito entre os objetivos sociais da produção e a for- tinuará a apresentar-se como atitude de desespêro, de
ma de organização desta em emprêsa privada, teriam perda total de fé no futuro do homem. A eficácia má-
que ser tomadas providências para preservar o interêsse xima de qualquer modificação em nossa posição, do
social. Por outro lado, à medida que se vai alcançando ponto de vista do grande impasse, sempre será reduzida.
maior abundância na oferta de bens, isto é, os .estágios O reconhecimento de nossa própria impotência,
superiores do desenvolvimento, menor importância vão num mundo dominado por um impasse supremo, im-
tendo as formas de organização da produção e maior põe-nos o dever de tomar consciência plena dos objeti-
o contrôle dos centros do poder político. Dêstes últimos vos de nossa ação política em função de nosso próprio
é que se ditam, em últin1a instância, as normas de dtstino de povo e cultura. Em outras palavras: a nossa
distribuição e de utilização da renda social, sob as for- impotência em face do impasse mundial tem, como
mas de consumo público ou privado. reverso, maior margem dt> liberdade no que respeita à
Cabe, portanto, perguntar: quais são os objetivos determinação dos próprios objetivos. E, como sói acon-
fundamentais em tôrno dos quais nos poderemos unir? tecer, essa margem maio,: de liberdade traz consigo
1l:sses objetivos devem ser admitidos como irredutíveis, uma consciência mais clara de responsabilidade.
ligados à nossa própria concepção da vida. Creio que É sôbre essa tela de fundo de autodeterminação e
é de absoluta importância que estabeleçamos com cla- consciência de responsabilidade que devemos projetar
reza êsses objetivos, pois do contrário confundiremos os objetivos irredutíveis da ação política. Creio que
meios com fins, ou transformaremos em nossos fins êsses objetivos poderiam ser fàcilmente traduzidos, to-
aquilo que para outros são apenas meios. Temos o di- mando como base a análise anterior, nas expressões:
reito de fazer esta reflexão, com respeito aos fins últi- humanismo e otimismo com respeito à evolução mate-
mos que colímamos, independentemente de tomada de rial da sociedade. Em linguagem mais corrente: liber-
posição com respeito ao problema da preeminência rus- dade e desenvolvimento econômico.
20 A Plt,2-RETOLUÇAO BRASILEIRA A PRE-REVOLUÇAO BRA~ILEIRA 21

Tenho usado a palavra humanismo porque a liber- OS FINS E OS MEIOS


dade pode ser entendida também em têrmos de indi-
vidualismo do século XIX, em que o individual muitas Alcançamos aqui o ponto central de nossas refle-
vêzes se contrapunha ao social. Mas não tenhamos dú- xões: definidos os objetivos autênticos, como concer-
Tida de que o que está no centro de tôdas as aspira- tar-nos para a ação? Como preverJ.r que a luta por
ções e ideais da juventude atual é um autêntico huma- objetivos intermediários ou. secu..l'ldários nos faça per-
nismo. O que indigna a juventude é o aspecto anti- der de vista os fins verdadeiros? É êste um problema
humano de nosso desenvolvimento. É o fato de que o extremamente complexo, pois a experiência histórica
contraste entre o desperdício e a miséria se torne mais dos últimos decênios criou a aparência de uma forçada
agudo dia a dia. Aí estão as populações rurais que opção, para os países subdesenvolvidos, entre liberdade
Tivem sôbre a terra mas não podem plantar para co- individual e rápido desenvolvimento material da cole-
mer e passam fome quase todos os dias do ano. Aí es- tividade. Essa falsa alternativa tem sido apresentada
tão cidades-capitais com dez por cento da população por contendores de ambos os lados da controvérsia, isto
registrados nos hospitais como tuberculosos. E sabemos é, em defesa da liberdade ou do bem-estar das massas.
que tudo isso pode ser remediado, a_ue já desapareceu Com efeito: é fato mais ou menos evidente que o
de grande parte do mundo. Portanto, o que está no rápido desenvolvimento material da União Soviética, até
centro das preocupaçóes dos jovens é o homem, o que há pouco país subdesenvolvido, se baseou, parcialmente,
os angustia é o seu aviltamento, é a consciência de em métodos anti-humanos. As apropriações dos exce-
que somos co-responsáveis por essa abjeção. dentes agrícolas, destinadas a financiar o desenvolvi-
O desenvolvimento econômico é, em sentido estri- mento industrial, foram feitas manu militari, median-
to, um meio. Contudo, constitui um fim em si mesmo, te coletivização compulsiva e repressão violenta de tôda
um elemento irredutível da forma de pensar da nova resistência. Para justificar êsse método drástico, criou-
geração, a confiança em que o alargamento das bases -se a ''teoria" de que o camponês é fundamentalmente
materiais da vida social e individual é condição essen- individualista e que a únka forma de superar êsse "in-
cial para a plenitude do desenvolvimento humano. Es- di.vidualismo" é impor a coletivização. É a teoria da
tamos na posição antitética da lenda do bom selva- salvação pela punição. Ora, sabemos todos que a pro-
gem. Não nos seduzem as miragens de "uma nova dutividade agrícola decorre principalmente do nível téc-
Idade Média". Não nos comovem as inquietações da- nico da agricultura; que nenhum "individualismo" cam-
queles que vêem no progresso técnico as sementes da ponês se pode contrapor à 0levação dêsse nível técnico,
destruicão do "homem essencial". É específico da nova e que a renda real do setor agrícola está determinada
geraçã; êsse otimismo com respeito ao desenvolvimen- pelos preços relativos do que produz e do que compra
to econômico, essa confiança em que a luta pelo domí- o camponês. A apropriação direta do _produto excedente
nio do mundo exterior não é senão o caminho da con- do setor camponês, realizada na União Soviética, de-
quista do homem por êle mesmo, o desafio final às correu de que era êsse o método administrativamente
suas potencialidades de ser superioi:. mais fácil. E por essa facilidade administrativa pagou-
22 A PR'l:-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A PRJ:!-REVOLUÇAO BRASILEIRA 23

se o enorme preço em vidas humanas conhecido. Mas cravo. É que os povos subdesenvolvidos estão dispostos
ainda mesmo que deixássemos de lado a dolorosa expe- a pagar um preço, mesmo muito alto, pelo desenvol-
riência agrária soviética, cabe reconhecer como evidên- vimento. E isto porque sabem, da dura experiência da
cia universal que o rápido desenvolvimento econômico miséria em que vivem, o preço altíssimo que pagam
dos países de economia coletivista tem sido acompanha- para continuar subdesenvolvidos. Quantos milhões de
do de formas de organização político-social em que se vidas são ceifadas, anualmente, num país como o Bra-
restringem, além dos limites do que consideramos tole- sil, pelo subdesenvolvimento? Quantos milhões de vi-
rável, tôdas as formas de liberdade individual. Essas das são consumidas, pela fome e pelo desgaste físico
restrições, se bem que aceitas voluntàriamente nas fa- provocado por formas primitivas de trabalho, antes de
ses de ardor revolucionário, dificilmente poderiam ser que alcancem a plena maturidade? Quantos milhões
toleradas como formas norn1ais de convivência humana. de sêres humanos por aí estão sem que tenham acesso
Deve-se, entretanto, r2conhecer que, do ponto de à alfabetização ou qualquer outra oportunidade de par-
vista das massas dos países subdesenvolvidos, 0 argu- ticipar nas manifestações médias e superiores da cul-
mento da experiência histórica dos países socialistas, tura? Poucos de nós temos consciência do caráter
com sua perda de liberdade individual tem sido de re- profundamente anti-hum~.no do subdesenvolvimento.
. '
duzrdo alcance. Isto porque essas massas, porquanto Quando compreendemos isso, fàcilmente explicamos por-
não tiveram qualquer acesso às formas superiores da que as massas estão dispostas a tudo fazer para supe-
vida pública, não podem compreender o verdadeiro al- rá-lo. Se o preço da liberdade de alguns tivesse que
cance do argumento. Ainua mais: a suposta alterna- ser a miséria de muitos, estejamos seguros de que es-
tiva - liberdade versus desenvolvimento rápido _ pode cassa seria a probabilidade de que permanecêssemos
resultar perigosa para a liberdade como aspiracão cole- livres.
tiva, pois caberia inferir que a liberdade a que tem Tivéssemos de aceitar como real essa alternativa e
acesso uma minoria é paga com o sacrifício do bem- estaríamos diante de um impasse fundamental, decor-
estar das grandes maioria,. Se chegássemos a admi- rente de uma contradição entre os objetivos últimos,
tir como tese válida que o desenvolvimento econômico isto é, as metas que or:entam o nosfO esfôrço de cons-
dos países socialistas foi a contranartida do cerceamen- trução social. A explicação colateral de que essa con-
Go das liberdades cívicas, deverí;mos também aceitar tradição pode ser superada mediante o sacrifício das
s!omo verdadeiro o corolário de que o preço da liber- gerações presentes em benefício das futuras é total-
dade que fruímos é o retardamento do desenvolvimento mente falaciosa, pois não se trata apenas do sacrifício
econômico geral. de pessoas mas também de valôres, e não podemos es-
Ainda menos eficaz, do ponto de vista das massas. tar seguros de que os valôres destruídos hoje possam
dos países subdesenvolvidos, é a versão mais direta do ser reconstruídos amanhã, a menos que aceitemos uma
argumento segundo o qual o desenvolvimento dos paí- teoria linear, de causação simples, segundo a qual a
ses socialistas está sendo obtido com enorme custo hu- cada grau de desenvolvimento material da sociedade
mano, inclusive mediante formas de trabalho semi-es- corresponde necessàriamente outro de desenvolvimento
A PR2-REVOLUÇAO BRASILEIBA A PR1::-REVOLUÇÃO BRASILJ:IRA 25

dos demais valôres. Uma teoria simplista dêste tipo nicas elaboradas para a consecução total ou parcial
seria, entretanto, inaceitável de qualquer ponto de dêsses objetivos. O marxismo-leninismo é uma dessas
vista. técnicas. 1':le postula a ine,itabilidade da revolução vio-
A universalidade com que se vem insistindo na lenta, liderada por um partido de profissionais da re-
referida alternativa decorre de que ela tem sido dedu- volucão devendo a nova ordem ser assegurada por um
zida de distintas formas por contendores antagônicos. reg~e ditatorial, o qual perdurará durante um período
Aquêles que se dizem defensores da liberdade dedu- de transição de duração indefinida. É necessário não
zem-na de que as modificações estruturais na ordem esquecer que essa técnica :toi forjada e aperfeiçoada na
social, necessárias a uma rápida aceleração do desen- luta pela destruição de uma estrutura político-social
volvimento dos países subcesenvolvidos, vieram sempre totalmente rígida, que era o tsarismo. A experiência
emparelhadas com a supressão das liberdades funda- histórica dos últimos decênios tem demonstrado que,
mentais do homem. Aquêles que argumentam do lado aplicada contra outras estruturas rígidas, - a China
oposto, deduzem a mesma alternativa do outro fato Nacionalista e da ocupação japonêsa, a Cuba de Ba-
histórico de que o único método eficaz para introduzir tista, são exemplos conspícuos, - essa técnica revolu-
as modificações sociais necessárias ao rápido desenvol- cionária, que exige disciplina espartana na base e a
vimento tem sido a revolução de tipo marxista-leninis- audácia de liderança de um Alexandre, pode ser de
ta, que por sua natureza exige a implantação de rígida elevada eficácia.
ditadura. Reconhece-se, assim, de ambos os lados que O mesmo, entretanto, não se pode dizer com res-
as transformações sociais são causa eficiente da acele- peito às sociedades abertas. O exemplo da Europa Oci-
ração do desenvolvimento material em países subde- dental parece ser conclusivo: grandes máquinas parti-
senvolvidos. De um lado, comprova-se que essas trans- dárias da orientação marxista-leninista ficaram trau-
formações, ali onde têm surgido, vêm de parelha com matizadas diante •de uma realidade político-social em
a supressão das liberdade:; fundamentais. De outro, permanente mutação. A e,:plicação dêsse fato histórico
postula-se que o método eficaz para lograr tais trans- não é difícil: o marxismo-leninismo identifica no Es-
formações engendra a rígida ditadura.
tado - que define como "fôrça especial de repressão"
A discussão em tôrno desta matéria, de tão grande
- a ditadura de uma classe, a burguesia. A unidade
importância, tem sido obscurecida por uma grande con-
da ação revolucionária está facilitada pela clara defi-
fusão de conceitos, inconsciente ou propositada. Mais
de que nunca é necessário que façamos clara distinção nição do objetivo. Mas, a partir do momento em que
entre aquêles objetivos últimos, dos quais não nos de- o Estado deixa de ser simples ditadura de classe, para
vemos afastar na luta pelo aperfeiçoamento das for- transformar-se num sistema compósito, representativo
mas de convivência social, - os quais foram incorpo- de várias classes, se bem que sob a égide de uma, aquela
rndos à filosofia social de Marx, mas constituem ele- técnica revolucionária perde eficácia. A necessidade
mentos de uma concepção <lo mundo mais ampla e em de discriminar entre o que o Estado faz de bom e de
gestação no Ocidente desde o Renascimento, - das téc- ruim, do ponto de vista de uma classe, exige uma ca-
26 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEffiA 27

pacidade de adaptação que não pode ter um partido Vou permitir-me fazer mais uma reflexão sôbre
revolucionário monolítico. métodos revolucionários: baseando-se o marxismo-leni-
Da experiência histórica dêste século cabe inferir nismo na substituição de uma ditadura de classe por
que, sómente pelo êxito de revoluções de tipo marxista- outra, constituiria um regresso, do ponto de vista po-
leninista, foram alcançadas as rápidas e profundas lítico, aplicá-lo a sociedades que hajam alcançado for-
transformações sociais, causa eficiente de um desenvol- mas de convivência social mais complexas, isto é, nas
vimento econômico capaz de estreitar a distância com modernas sociedades abertas. ~sse regresso se tradu-
respeito aos países que começaram a industrializar-se ziria em têrmos de sacrifício dos objetivos mesmos que
no século passado. Mas a experiência histórica tam- antes definimos como essenciais. Se é verdade que a
bém indica que tais revoluções sàmente tiveram êxito ampliação da base material trazida pelo desenvolvimen-
onde a estrutura social era rígida e anacrônica. Seria, to vem facilitar ao homem uma vida mais plena, não
entretanto, necessário postular que o único método efi- o é menos que a forma de organização político-social
caz para alcançar rápidas rnodificações sociais é o mar- constitui o marco dentro do qual se afirmam as mani-
xista-leninista, para dar consistência lógica à conclusão festações superiores da vida do homem. Se bem seja
de que a aceleração do desenvolvimento tem como con- provável que, no futuro, coexistam a total abundância
trapartida necessária um ,·egime ditatorial ou a exclu- dos recursos materiais e as formas de organização po-
são das liberdades individuais. Mas, mesmo que esti- lítico-social capazes de permitir a plena afirmação dos
véssemos dispostos a postular esta tese, não podería- autênticos valôres humanos, no estágio histórico em
mos desconhecer o outro fato histórico de que as téc- que nos encontramos assim não ocorre necessáriamen-
nicas marxistas-leninistas demonstraram ineficácia nas te. Ter logrado formas superiores de organização polí-
sociedades abertas. Assim, não podemos fugir de con- tico-social representa uma conquista pelo menos tão de-
cluir: a) que as ditaduras não foram criadas pela ace- finitiva quanto haver atingido altos níveis de desen-
leração do desenvolvimento, mas preexistiam a esta; volvimento material. Dêste ponto de vista, em uma
b) que a aceleração sómente se fêz em estruturas an- sociedade aberta, onde foram alcançadas formas de con-
teriormente rígidas (ditaduras); e) que as únicas téc- vivência social complexas, a revolução de tipo marxista-
nicas de rápida transformação das estruturas sociais, leninista representa óbvio retrocesso político. A expe-
utilizadas até o presente, têm eficácia limitada às so- riência histórica tem indicado que, quando assim ocorre,
ciedades rígidas (ditaduras). O problema fundamental - caso de alguns países da Europa Central, - o socia-
que se apresenta é, portanto, desenvolver técnicas que lismo, como forma de humanismo, se perverte. Não
permitam alcançar rápidas transformações sociais com sendo possível passar de uma sociedade aberta para
os padrões de convivência humana de uma sociedade uma ditadura sem criar um clima de frustração social,
aberta. Se não lograrmos êsse objetivo, a alternativa ocorre uma reversão de valôres em múltiplos planos.
não será o imobilismo, pois as pressões sociais abrirão Não permitindo o regime ditatorial que o homem ocupe
caminho, escapando a tôda possibilidade de previsão e o papel que lhe cabe na sociedade, torna-se necessário
contrôle. elevar ao primeiro plano uma série de mitos sociais
28 A PR8-REVOLUÇAO BRA.SILEIRA A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASil,EIBA 29

que se sobrepõem aos verdadeiros valôres humanos. As- dos supremos objetivos sociais tende a assumir a forma
sim, o desenvolvimento material pode seguir paralela- de aproximações sucessivas. Na medida em que :ive-
mente com a consolidação de uma ordem social basea- mos numa sociedade rígida, êsses objetivos tenderao a
da em princípios que são o reverso daquilo que estava ser alcançados por uma ruptura cataclísmica.
na essência dos ideais humanísticos revolucionários. Se desejamos atingir o âmago dos problemas que
temos de enfrentar, devemos formular claramente a
questão: que viabilidade tem a revolução brasileira de
DUALIDADE DA ESTRUTURA POLÍTICO-SOCIAL se efetivar pelos métodos marxistas-leninistas? Creio
BRASILEIRA
que existem duas possibilidades de que isso ocorra. A
primeira está ligada ao problema agrário. Não deve-
Consideremos agora de frente o problema brasi- mos esquecer que mais da metade da população brasi-
leiro. À luz da experiência histórica, não é difícil ex- leira deriva o seu meio de vida diretamente do setor
plicar por que a classe camponesa, no Brasil, é muito agrícola. Na medida em que êste se conserve com a
maís suscetível de ser trabalhada por técnicas revo- rio-idez atual , todo movimento reivindicatório que surja
lucionárias de tipo marxista-leninista do que a classe "
nos campos tenderá a assimilar ràpidamente técnicas
operária, se bem que, do ponto de vista da ortodoxia revolucionárias de tipo marxista-leninista. Temos as-
marxista, esta última deveria ser a vanguarda do mo- sim na corrente do processo revolucionário brasileiro,
vimento revolucionário. É que a nossa sociedade é aber- um' importante setor de vocação marxista-leninista que
ta para a classe operária, mas não para a camponesa. em determinadas condições poderá liderá-lo. A conse-
Com efeito: permite o nosso sistema político que a qüência prática seria o predomínio, na revolução bra-
classe operária se organize para levar adiante, dentro sileira, do setor de menor evolução político-social. Os
das regras do jôgo democrático, as suas reivindicacões. autênticos objetivos de nosso desenvolvimento, anterior-
l'
A situação dos camponeses, entretanto, é totalm~nte mente definidos em têrmos de humanismo, estariam
diversa. Não possuindo qualquer direito, não podem ter parcialmente frustrados de antemão.
reivindicações legais. Se se organizam, infere-se que O A segunda possibilidade de efetivação de uma re-
fazem com fins subversivos. A conclusão necessária volucão de tipo marxista-leninista está ligada a um re-
que temos a tirar é a de que a sociedade brasileira é troc;sso na estrutura política. Observamos que êsse
rígida em um grande segmento: aquêle formado pelo tipo de revolução é pouco viável em uma sociedade aber-
setor rural. E com respeito a êsse segmento é válida ta, a menos que seja imposta de fora para dentro, como
a tese de que as técnicas revolucionárias marxistas-leni- ocorreu em alguns países da Europa Central. Contudo,
nistas são eficazes. não se exclui a possibilidade de um retrocesso em nossa
Chegamos, assim, a uma conclusão de extraordL.'1.á- organização político-social. A imposição de uma dita-
ria importância para nós: a existência de uma duali- dura de direita, tornando rígida tôda a estrutura polí-
dade no processo revolucionário brasileiro. Na medida tica, criaria condições propícias a uma efetiva arregi-
em que vivemos numa sociedade aberta, a consecução mentação revolucionária de tipo marxista-leninista.
30
A PRE-REVOLUÇAO BRASILEIRA A PR:f::-REVOLUÇ.ãO BRAS!LEffiA 31

Ainda neste caso, entretanto o mais rov . . 1 •


setor agrário viesse a predo~:ünar e p ave e que o rar como um retrocesso os métodos revolucionários que
ção sociaL Sem as condições ob'. tm caso de ~·evolu- desembocariam necessàriamente em formas políticas
p Je ivas determmadas ditatoriais sob a égide de classes sociais, grupos ideoló-
~r um retrocesso político-social no país com d t .
çao, da capacidade de defesa do setor 'urban~
des,ruta de formas de convivência l't' ' q
e::~i_-
Ja
gicos ou rígidas estruturas partidárias. Para evitar a
preeminência de técnicas revolucionárias dêsse tipo, é
a única possibilidade de rev~lucão dPº/ ica sup~riores, necessário:
ninist~ _decorre da persistênci; da ees:~~t:raarx1sta-le- a) prevenir tôda forma de retrocesso em nossG
anacromca. agrária sistema político-social, e
b) criar condições para uma mudança rápida e
DIRETRIZES PARA A AÇÃO
efetiva da anacrônica estrutura agrária do país.

t Creio . que. Ja
· · avançamos suficientemente para nos Essas diretrizes de ordem geral deverão ser deta-
: reve: a m~erir alguns princípios que nos possam o-uiar lhadas em normas de ação específicas. Para evitar um
-
a açao polltica. Não teremos dificuldad e
- d
º -
e m nos por
retrocesso social não basta desejá-lo: é necessário criar
aehacor o com respeito ao objetivo fundamental que é condições objetivas de caráter preventivo. O retrocesso
o omem em su~ plenitude, libertado de tôdas as fo - na organização político-social não virá ao acaso, e sim
mas de_ exploraçao e sujeição. Somos, acima de tud:, como reflexo do pânico de certos grupos privilegiados
humamstas. í:sse objetivo somente poderá ser alcan em face da pressão social crescente. Não permitindo
çado se nos organizarmos socialmente para atingir ; as rígidas estruturas adaptações gradativas, a maré
m~nter u:n_: elevado ritmo de desenvolvimento econô- montante das pressões tenderá a criar situações pré-
mico, e se esse desenvolvimento fôr cond ..d cataclísmicas. Nessas situações é que os grupos domi-
dadeiro critério social. uzi o com ver- nantes são tomados de pânico e se lançam às soluções
Na re~lidad~ presente brasilei;a, para levar adian- de emergência ou golpes preventivos. Fôssem as modi-
te essa pohtica e mister introduzir com decisão . ficações progressivas ou gradativas, e o sistema polí-
tantes modificacõe rmpor- tico-social resistiria.
- , s em nossas estruturas básicas Co-
mo ' nao nos preparamos para essas modificacões . e as
A tarefa básica no momento presente consiste, por-
ans,edades coletivas se ao·udizam dia d' "t
mando d . º a ia, ransfor- tanto, em dar maior elasticidade às estruturas. Temos
o _esenvolv1mento em imperativo político - que caminhar com audácia para modificações constitu-
sarnas a viver um t- t· ' pas
Desta fo· ª au en ica fase pré-revolucionária. cionais que permitam realizar a reforma agrária e mo-
,ma, ~upam presentemente o primeiro lano dificar pela base a maquinaria administrativa estatal,
~s pr~ocupaçoes. políticas as técnicas de transf!ma- o sistema fiscal e a estrutura bancária. Temos que su-
çao social e os metodos revolucionários
bordinar a ação estatal a uma clara definição de obje-
Em face do grau de desenvolvime~to já a!can ado tivos de desenvolvimento econômico e social, cabendo
por nossa estrutura social e políti· ca, d evemos conside-
ç_
ao Parlamento estabelecer diretrizes, mas retirando-se
32

2
A PRÉ-REVOLUÇAO BR.ASILEIRI.

aos políticos locais o poder de discriminar verbas. Te-


mos que dar meios ao Govêrno para punir efetivamente
aquêles que malversem fundos públicos, para controlar
o consumo supérfluo, e para dignificar a função de ser-
~do_r ~o Esta~o. Devemos ter um estatuto legal que .POLÍTICA ECONÔMICA E
d1sc1plme a açao do capital estrangeiro, subordinando-o
aos objetivos do desenvolvimento econômico e da inde- BEFOBMAS DE BASE
pendência política. Deve o Govêmo dispor de meios
para conhecer a origem de todos os recursos aplicados O MóDULO MECANICISTA
nos órgãos que orientam a opinião pública. E acima de DA ECONOMIA CLASSICA
tudo devemos ter um plano de desenvolvimento econô-
mico e social à altura de nossas possibilidades e em con-
sonância com os anseios de nosso povo.
Que devemos fazer para transformar em normas de
ação êsses desejos e aspirações? Creio que a tarefa
mais imediata é organizar a opinião pública para que
A mscussÃo dos problemas de política econômica
está ganhando crescente importância entre nós.
Existe uma consciência generalizada de que a solução
dêsses problemas deve ser encaminhada em função de _
ela se manifeste orgânicamente. Cabe aos estudantes objetivos, que sejam do conhecimento e da aceitação
aos operários, aos empresários, aos intelectuais, quiçã da maioria da coletividade. Com efeito: grupos de po-
aos ~amponeses, através de suas organizações incipien- pulação cada vez mais numerosos se estão capacitando
~es,_ 1mciar o debate franco daquilo que esperam dos de que os processos econômicos são passíveis de regu-
orgaos políticos do país. Os problemas mais comple- lação consciente e de que o poder, que daí decorre, deve
xos deve1:1 ser objeto de estudos sistemáticos por grupos ser exercido a bem do interêsse coletivo, definido como
de espec1a1Istas, devendo as conclusões ser objeto de tal o bem-estar da maioria da população.
debate geral. O país está maduro para começar a re- Até que ponto os instrumentos de análise dei eco-
fletir sôbre seu próprio destino. Dos debates gerais e nomista podem ser utilizados para a adequada formu-
das manifestações da opinião pública deverão surgir as lação de uma política econômica? Essa pergunta pode
plataformas que servirão de base à renovação da re- ser feita tànto com relação aos fins dessa política, cujo
presentação popular. grau de racionalidade com respeito a juízos de valor
pode ser apreciado, como com respeito à eficácia dos
meios a adotar.
Do ponto de vista da filosofia liberal do laissez-
faire, o objetivo da política econômica consistia em
assegurar o "livre funcionamento das fôrças do merca-
do", vale dizer: consistia em assegurar o mínimo de
interferências nos automatismos espontâneos. Os as-
34 A PRE-REVOLUÇÃO BRASILEIRA POLíTICA ECONôMICA 35

suntos econômicos eram considerados matéria essencial- que indicava a necessidade de ação algo mais drástica
mente da competência das pessoas privadas, físicas ou do que aquela que prescrevia a medicina clássica. O
jurídicas. Com o desenvolvimento da economia capita- problema para os keynesianos resumia-se, contudo, na
lista no século XIX, no sentido da concentração do po- introdução de certas correções que restabelecessem o
der econômico, tornou-se mais e mais evidente que os funcionamento dos automatismos. Uma vez logrado o
simples mecanismos autocorretores não eram suficien- pleno emprêgo, tudo voltaria a ocorrer como previam
tes para evitar bruscas e profundas crises econômicas os clássicos, lembrou Keynes no seu último artigo.
de elevado custo social. A análise econômica, cujo prin- Na medida em que a forma de pensar dos econo-
cipal objetivo, até então, havia sido demonstrar que os mistas estêve prêsa pelos conceitos de equilíbrio geral,
mecanismos dos mercados asseguram uma ótima utili- de automatismos autocorretores, de volta ao equilíbrio,
zação de recursos e uma racional distribuição do pro- foi mais ou menos evidente sua inaptidão para captar
duto social, passou então a realizar um grande esfôrço os problemas do desenvolvimento. A política carecia,
visando à identificação das causas últimas dessa peri- em conseqüência, de todo o apoio de parte da análise
gosa enfermidade do sistema econômico capitalista, que econômica, quando se orientava para o campo do de-
se manifestava através da instabilidade cíclica. senvolvimento. Tinha de apoiar-se em pontos de vista
O grande esfôrço de teorização realizado em tôrno de homens práticos que conheciam algo de economia,
do problema do ciclo não chegou, entretanto, a modi- mas que eram suficientemente ignorantes para não ter
ficar os enfoques fundamentais da economia clássica, certas inibições. O economista profissional de boa for-
que são essencialmente estáticos e têm como fulcro a mação acadêmica desempenhava, na quase .totalidade
concepção mecanicista do equilíbrio geral. A idéia de das vêzes, um pobre papel quando chamado a opinar
que os mercados são um conjunto de fôrças auto-regu- sôbre política de desenvolvimento econômico.
ladoras, de que a tôda ação exercida nesses mercados Situação semelhante ocorre hoje em dia, entre nós,
corresponde uma reação igual e em sentido contrário, com a discussão do problema das chamadas reformas
de que tôda posição fora de equilíbrio desencadeia fôr- de base ou estruturais. Os economistas encontram-se,
ças tendentes a restabelecer o equilíbrio, enfim a idéia as mais das vêzes, incapacitados para captar a natureza
simples de que em economia tudo se reduz a oferta e do problema. E, como não estão habituados a formar
procura e de que as duas se condicionam mutuamente, juízo fora de seus esquemas mentais habituais, tendem
freando-se em movimento pendular, essas idéias conti- a negar a existência do problema ou a imaginar que
nuaram a permear a forma de pensar dos economistas êste resulta de um falso diagnóstico da realidade eco-
até os nossos dias. Keynes, ao comprovar a inexistên- nômica.
cia de automatismos que assegurassem o pleno emprê-
ALCANCE DA POLiTICA ECONôMICA
go dos fatôres disponíveis, pretendeu apenas demons-
QUANTITATIVA
trar que as economias capitalistas ''maduras" sofriam
de um certo grau de esclerose nos canais que comuni- O economista pensa, correntemente, em função de
cam o processo de poupança com o de investimento, o modelos: mOdelos de emprêsa típica, de setores de ati-
36 A PB:e-RZVOLUÇÃ.0 BRA.SILEIRA
POLíTICA ECONôIDCA 37

vidade econômica, ou de economia como um todo. O volveram ao Estado, nas nações industrializadas, grande
diagnóstico de uma situação econômica objetiva é for- preeminência no comando dos sistemas econômicos.
mulado em função de afastamentos dêsses modelos. As- Não devemos, entretanto, esquecer que a política
sim, quando uma emprêsa enfrenta dificuldades, diag- de pleno emprêgo nos países altamente desenvolvidos
nostica-se um afastamento de um padrão dado de pro- fomenta, implicitamente, uma crônica escassez de mão-
dutividade, ou um desequilíbrio financeiro também re- de-obra. Ora, numa economia capitalista, a escassez
ferido a um modêlo aceito como viável, ou então iden- permanente de mão-de-obra pressiona no sentido da
tifica-se um colapso na demanda efetiva e transfere-se elevação dos salários reais, o que, por seu lado, esti-
a análise para o plano macro, ainda com referência a mula fortemente as inovações tecnológicas tendentes a
um modêlo teórico do conjunto do sistema econômico. poupar mão-de-obra. ll:sse avanço tecnológico acelerado
A política econômica formulada com base em mo- garante a manutenção da taxa de lucro. Ora, para evi-
delos tem sido qualificada de política quantitativa. ll:s- tar o colapso da demanda efetiva e o desemprêgo é
se tipo de política tem demonstrado relativa eficácia em indispensável que êsses lucros sejam absorvidos pela
países de economia altamente desenvolvida, particular- economia em um fluxo contínuo de novas inversões,
mente se o país não tem o seu sistema econômico sub- isto é, que a economia se mantenha crescendo. Em ou-
metido à pressão de considerações não econômicas, como tras palavras: a política de pleno emprêgo traz implí-
são as de natureza militar. Com efeito: êsse sistema cita outra de desenvolvimento.
funciona melhor na Suécia do que nos Estados Unidos, A moderna técnica de construção de modelos ma-
na Holanda do que na Inglaterra. cro, que originou a chamada política econômica quan-
Nas economias altamente desenvolvidas, o objetivo titativa, representou, sem lugar a dúvida, um grande
supremo da política econômica consiste em manter ple- avanço para os países de alto gtau de desenvolvimento.
namente ocupada a fôrça de trabalho. Como o desen- Os macro-modelos são autênticos instrumentos de ra-
volvimento dos países capitalistas se realizou através da cionalização dos processos políticos. Convém ter em
superação de repetidas fases de desemprêgo em massa, conta que o economista que utiliza êsses modelos como
o grande objetivo político que capta a imaginação po- instrumento de política não necessita romper totalmen-
pular nesses países tem sido a garantia de emprêgo a te com a maneira convencional de pensar em têrmos
tôda a população. A análise econômica moderna, ao de automatismos autocorretores. Está implícito em seu
orientar-se para a construção de modelos macro-econô- raciocínio que as medidas tomadas visando ao pleno
micos, veio exatamente facilitar a consecução dêsse obje- emprêgo são de tipo "corretor" e que desencadearão
tivo político. Demonstrando que o desemprêgo em mas- fôrças tendentes a restabelecer o "equilíbrio" a um ní-
sa decorre de uma insuficiência de demanda efetiva e vel mais alto. Mantém-se, assim, uma compatibilidade
formal com conceitos não definidos com prec1sao no
que essa insuficiência resulta de falta de vigor no setor
dos investimentos, a análise econômica abriu o cami- plano teórico, como é o de equilíbrio. Contudo, o não
nho para as atuais políticas de pleno emprêgo que de- rompimento frontal com o esquema clássico permite que
subsistam as inibições mentais do economista habituado
38 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA POLíTICA ECONôMICA 39

a pensar em têrrnos de oferta e procura corno de duas tada em vários países, ignora a maior parte dos obst~-
coisas independentes. culos estruturais que são específicos do subdesenvolvi-
Pode-se, portanto, afirmar que a política de desen- mento. A conclusão a que chegamos, portanto, é que,
volvimento em um país econôrnicarnente maduro, isto tendo sido a teoria econômica elaborada com base na
é, dotado de uma estrutura altamente diferenciada, é, observação das estruturas integradas, os países alta-
principalmente, de tipo quantitativo. E que, para for- mente desenvolvidos encontram-se presentemente e1;11
mulação dêsse tipo de política, a análise econômica ba- condições bem mais favoráveis de orientar o seu pr~-
seada na construção de modelos macro e a um elevado prio desenvolvimento do que os paí_:ies, subde_senvolv1-
nível de agregação constitui instrumento de inegável dos. o alcance prático desta conclusao e perfe1ta:11;ente
alcance prático. óbvio: significa que os países desenvolvidos adqmr:ram
Distinto é, entretanto, o problema da formulação uma vantagem adicional, o que parcialmente expl!ca ?
de uma política de desenvolvimento para uma econo- fato de que o atraso relativo dos paí~e~ s1:bdese:3-volv1-
mia subdesenvolvida típica. Em face de urna estrutura dos haja aumentado no último decemo, rnclus1ve no
pouco diferenciada, de um sistema com reduzido grau que respeita ao conjunto da América Latina. , .
Que se pode dizer, do ponto de vista da anal!se eco-
de integração, a técnica de política quantitativa apre-
nômica, com respeito às chamadas reformas de base?
senta limitado alcance prático. As mudanças qualita-
Trata-se evidentemente, de reivindicações ou recomen-
tivas têm, neste caso, grande significação. Seria ingê-
dacões ~ue traduzem urna tomada de consciência. de
nuo supor que estas mudanças de caráter qualitativo pr;blemas estruturais, portanto de natureza essencial-
ocorrem necessàriamente, como simples decorrências mente qualitativa. Para o economista ortodoxo, que
das mudanças quantitativas, uma vez alcançado certo pensa sempre em têrrnos de automatismos~ o~ proble-
ponto crítico. Por exemplo: a mudança da estrutura mas estruturais não são de natureza econorn1ca, por-
agrária como simples decorrência do avanço tecnológico tanto não merecem sua atenção. Mesmo excluindo essa
e da capitalização na agricultura é teoricamente possí- posição simplista, devemos reconhecer que ?s economis-
vel; entretanto, a própria absorção de técnica e capital tas não estão armados de instrumentos teoncos que os
pela agricultura pocte ser dificultada pela estrutura capacitem para diagnosticar com critério científico os
agrária, a qual não constitui um fenômeno superficial, problemas estruturais que estão na b~se das presentes
pois tem suas raízes no sistema de poder predominante tensões da economia brasileira. Necessitamos de um es-
na sociedade. fôrco teórico de muito maior amplitude, se pretende1;11os
A política de desenvolvimento que se requer em dai: à nossa política econômica uma eficácia comparavel
um país subdesenvolvido é, principalmente, de natureza à já alcançada pelos países de mais alto grau de desen-
qualitativa: exige um conhecimento da dinâmica das volvimento. Contudo, por maiores que seJam as ressa~-
estruturas que escapa à análise econômica convencio- vas que faça, não deve o economist0;_ o~itir-se na ana-
nal. A técnica corrente de projeções, base da política lise dos problemas de política econom1ca, sempre .que
de desenvolvimento a longo prazo, que vem sendo ado- não pretenda atribuir a suas conclusões urna valldez
40 A PR:t-REVOLUÇLO BRASILEIRA POLtTICA JICOM"ôMICA <!cl

científica que, evidentemente, não têm, transforman- pal no desajustamento existente entre as expectativas
do-se em um dogmático. criadas pelo próprio desenvolvimento no conjunto da
população e o limitado acesso permitido aos frutos dêsse .,t
DESAJUSTAMENTOS ESTRUTURAIS E desenvolvimento. Constitui um equívoco, generalizado
\

TENSÕES SOCIAIS entre os leigos, supor que as tensões são causadas pelo i
·.'
sacrifício que o desenvolvimento exige da população.
A situação presente de grandes tensões que obser- Desenvolvimento, por definição, significa aumento da
vamos no Brasil, que criou a consciência da necessidade disponibilidade de bens e serviços para fins de consumo
de reformas básicas inadiáveis, decorre em grande parte, e investimento. E não há aumento de investimento,
a nosso ver, da aceleração do desenvolvimento industrial numa economia de livre emprêsa, sem haver também
nos últimos quinze anos. Em período relativamente cur- aumento do consumo. Desta forma, desenvolvimento é
to, o setor industrial brasileiro transformou-se em prin- aumento do consumo, e aumento do consumo não pode ..'
cipal centro dinâmico da economia, absorvendo a par- ser identificado com forma alguma de sacrifício. Ocor-
cela principal dos investimentos e condicionando o re ' entretanto , que desenvolvimento também significa
comportamento do conjunto da economia nacional. criacão de expectativa de melhoria para o conjunto da
Através dos preços dos bens de capital que produz, o pop;lação: aumenta o emprêgo urbano ràpida~ente,
setor industrial passou a determinar a capacidade efe- intensifica-se a mobilidade social, cresce o efeito de
tiva de auto-investimento dos demais setores. A extre- demonstração, a simples manutenção do status social
ma rapidez dessas transformações provocou sérios desa- passa a exigir melhoria permanente das con~ições ma-
justamentos estruturais que se projetam de forma muito teriais dr. vida. Em síntese: o desenvolvimento proje-
ampliada no plano político. Houvesse sido mais lenta ta-se na ~onsciência do povo como um estado de expec~
a evolução industrial, e as estruturas econômicas ter- tativa permanente de melhoria material. Ora, as cir-
se-iam progressivamente acomodado. Neste caso, os cunstâncias históricas em que se vem realizando o de-
desajustamentos entre a representação política e a rea- senvolvimento brasileiro recente criou condições para
lidade econômica não alcançariam certo ponto crítico, que se processasse inusitada concentração da renda,
que é causa das presentes tensões. Seria, entretanto, tanto geográfica como setorial e social. O limitado
ingênuo pretender condenar o desenvolvimento indus- acesso aos frutos do desenvolvimento a que antes fize-
trial porque foi rápido. Trata-se, em realidade, de iden- mos referência é uma das conseqüências dêsse fato.
tificar as conseqüências da não adaptação dos demais Seria, entretanto, errôneo supor que todo o proble-
setores a êsse rápido crescimento. As reformas de base ma está aí, na limitação do acesso aos frutos do desen-
devem ser compreendidas como uma tentativa para volvimento. Como conseqüência indireta dêste, certos
eliminar os fatôres que vêm dificultando essa adap- grupos de população estão sendo submetidos a efetivo
tação. sacrifício. Conseqüência real mas não necessária, como
As grandes tensões sociais que caracterizam a vida fàcilmente se pode demonstrar. Todos, ou quase todos,
nacional na fase atual parecem ter sua causa princi- reconhecemos que o desenvolvimento do Brasil nos de-
42 A PRif:-REVOLUÇÃO BRASILEIRA POL1TICA ECON6MICA 43

cênios recentes foi, em grande parte, o resultado de mISsao. A consequencia prática, conhecemo-la todos:
ação estatal, ainda que descontinuada e às vêzes con- são os deficits do setor público e o seu financiamento
traditória. Em outras palavras: resultou menos dos au- com simples emissões de papel-moeda. A inflação com
tomatismos econômicos operando espontâneamente do que se vem financiando o aumento dos gastos públicos
que da tomada de consciência coletiva da necessidade tem duas conseqüências principais: a) opera como um
de concentrar esforços em pontos estratégicos para rom- imuôsto incidente de forma concentrada sôbre os grupos
per inflexibilidades estruturais, como sucedeu nos casos populacionais, que nenhum benefício prático _auferem do
da criação da grande siderurgia e da promoção da in- desenvolvimento, transformando o desenvolvimento eco-
dústria automobilística, para citar exemplos conspícuos. nômico em um sacrifício para grande parte da popu-
Por outro lado, as rápidas transformações ocorridas na lação do país; b) dificulta ao Estado reajustar os pre-
estrutura econômica do país, com o acelerado processo cas que êste mesmo cobra pelos serviços que presta, o
de industrialização, exigiram esfôrço mais que propor- que se traduz em aumento do deficit e em aprofunda-
cional a fim de reajustar a infra-estrutura de serviços mento do desequilíbrio.
básicos. Coube ao setor público dirigir e financiar tôda O fato de que o Parlamento não capacite a admi-
essa reconversão e ampliação da infra-estrutura econô- nistração para coletar os impostos de que necessita e
mica. Era, portanto, de esperar que o investimento pú- ao mesmo tempo amplie todos os dias os gastos do go-
blico crescesse substancialmente, bem como a partici- vêrno em função do desenvolvimento, traduz claramen-
pação do setor público no conjunto da economia. Em te a grande contradição que existe presentemente na
síntese: o Estado Brasileiro teve suas funções substan- vida política nacional. Existe a consciência clara de
cialmente ampliadas, nos últimos decênios, como prin- que o desenvolvimento deve ser postulado como objetivo
cipal instrumento do desenvolvimento econômico na- suoremo de tôda política econômica, e por isso se vo-
cional. Teria sido necessário não uma, mas várias re- ta~ as verbas e os planos de obras. Mas, como o Par-
formas visando a capacitar o poder público para o de- lamento representa apenas uma fração da opinião pú-
sempenho de suas novas e complexas funções. Mais blica nacional - aquela econômicamente mais bem ar-
importante dentre tôdas essas reformas teria de ser mada para vencer nas eleições, dentro do sistema ~lei-
aquela que proporcionasse ao Estado a capacidade fis- tora] vigente, - o investimento público é financiado
cal para arrecadar os recursos necessários à cobertura não com o esfôrço daqueles que se beneficiam dos fru-
financeira dos seus gastos ampliados. Nada de concre- tos do desenvolvimento, e sim com o sacrifício daqueles
to, entretanto, foi realizado nessa direção. Surgiu, as- oue não têm acesso a êsses frutos.
sim, essa óbvia contradição que vivemos nos dias de ho- - As tensões estruturais provocadas pelo rápido pro-
. je: exige a opinião pública do Estado o desempenho de cesso de industrialização são de várias ordens, mas em
importantes funções ligadas ao desenvolvimento eco- nenhuma parte são tão óbvias e significativas como no
nômico e social do país, mas, através de seus represen- setor agrário. Como conseqüência da industrialização,
tantes, no Parlamento, essa mesma opinião pública ne- acelerou-se o processo de urbanização, e já hoje temos,
ga os meios de que necessita o Estado para cumprir tal na região Centro-Sul do país, cêrca de metade da po-
44
A PRE-REVOLUÇÃ.0 BRASILEIRA POLÍTICA ECONôllICA 45

pulação vivendo em zonas urbanas e suburbanas. Isto TENSÕES ESTRUTURAIS E INFLAÇÃO


significa que o mercado para os prOdutos agrícolas está
crescendo com extraordinária rapidez. Considerando .
se tivéssemos de sint et izar em poucas palavras os
que a população urbana está aumentando duas vêzes - estruturaisd de nossadaeco-
p ontos essenciais das tensoes li-
mais rápidamente que o conjunto da população do país . t diríamos que estas ecorrem
nonna no presen e, t do setor agrário aos es-
e que a renda per capita dessa população também está mitada capac.id~de de respos a ifestam através do me-
crescendo, cabe concluir que a procura de produtos agrí-
tím:1los econormcos que s~o:::: anti-social como se fi-
colas fora das zonas rurais deve estar aumentando com camsmo dos preços, e da . t· ento realizado atra-
uma taxa anual de dez por cento, aproximadamente. A . d esfôrco de mves im
nanc1a o gran .e . • • . do onto de vista econô-
agricultura brasileira não estava preparada, entretanto, vés do setor publico. Assim, p - r ·eia se
para responder a êsse grande desafio. De uma maneira mico as reformas de base sôme:1te b'.ert~o ennic·~os.
geral sua estrutura não comportava sequer um rápido '
efetivamente alcançarem êstes dois o Jedervos
responder ao·
desenvolvimento. O tamanho das propriedades geral- do+ar o país de uma agricultura capaz - de
mente não tem correspondência com sua capacidade es;ímulo de uma procura crescente pela absorçao da
administrativa, e esta última não foi organizada para técnica e de capita:15 e não pel\elev::.~~t=~tofr:ç~~t:r o
responder a estímulos econômicos. Duas conseqüências remuneração relativa dos grup s P ite a fi-
• de um instrumento fiscal que o capac
práticas decorrem dêste fato. A primeira é que a oferta governo . estimentos crescentes com recursos re-
de produtos agrícolas tem sido crônicamente insuficien- nanciar seus mv . ente estão sendo
te nas zonas urbanas, com graves conseqüências para colhidos naqueles setores q1:e ef~trvaq:e é fruto do tra-
beneficiados pelo desenvolvrmen o,
os grupos de população de mais reduzido poder aquisi- balho de tôda a coletividade.
tivo; um mercado de permanente escassez de produtos
essenciais é também um mercado propício a tôdas as Não se internretem, ent ret anto, minhas palavras . de
o sendo um aplauso àqueles que colocam ac13:1a
formas de especulações, o que origina um mecanismo com b t , inflacão Transformar a inflaçao em
adicional de concentração de renda. A segunda conse- tudo o com a e \ôno~o é colocar em segundo plano
qüência prática da falta de resposta adequada do setor um problema au . desenvolvimento.
agrário ao grande estímulo do aumento da procura ur- nosso objetivo fundamental, que e o d . inflação em
t , 0 mam O problema a ·
bana tem sido o prêmio auferido por todos os grupos Aquêles que rans, r do com o desenvolvimento,
fim não estão preocupa s .t
parasitários ligados à economia agrícola. O aumento um .
dos preços relativos, ao invés de provocar crescimento e sim com os riscos que a es trutura social- e seuovocadas
sis ema

da oferta, traduz-se em crescímento da renda da terra


sob forma explícita ou implícita, o que por seu lado acar- pe a m .
Devemos e ~·=·
de privilégios podem correrl;:,~~:r ªp;:i;~:!i;~mente a
1 · flação -
. so tenha repercussoes
reta supervalorização dessas mesmas terras, criando di- pressão inflacionária sem que 1-; E ara tanto
t· sôbre a taxa de crescimento. P .
ficuldades à reorganização da economia agrária em ba- nega rvas _ , . ente em têrmos de "eli-
ses racionais. devemos pensar nao propna:_11 arece supor
. acão" do deficit do governo, o que p
mm.
46
A PRÊ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA

uma necessária contração de gastos E . .


no, cabe insistir sôbre a necessidad . d m prunerro pla-
3
quadamente financiados os a-ast e e q:'.1e seJam ade-
fundamental da inflaçã :=' os. do Governo. A causa
. . - o nao esta em um aume •
part1c1paçao do setor púb 1• n ,o da
essa participação não é m~~~º- ~o produto nac_ional, pois
países que gozam de t . : 1 ao que a de mmtos outros
no último decênio ~ abllldade e m~nteve-se constante O PBOBLEMA DO NORDESTE
crescente do seto; fiscJ:~!:u~~~~ :zma inadequação
blicos, com a a ravac- • . c1ar os gastos pú-
te da elimina;ão d. ao, ~os ultnnos dois anos, decorren-
FORMULAÇÃO
de arrecadacão de r~c~:sor cambial como instrumento
. • os para o Govêrno s
mos efetivamente enfrenta . e quere-
veremos fazê-lo median r o problema da inflação, de-
trativa em profundidad te m:1a refó1ma fiscal-adminis-
setor público através de e e 1:ªº ~umultuando a ação do
ou sobressaltando a um rn~flcaz_ plano de economias
Q UALQUER discussão do problema nordestino deve
iniciar-se com uma exposição objetiva e o quanto
possível desapaixonada da realidade econômico-social
.. econonua privada com . dessa vasta região onde vivem mais de vinte milhões
quentes medidas no setor bancário. rnconse- de brasileiros. Do ponto de vista econômico, o Nordeste
apresenta-se como uma das regiões de mais baixo nível
de vida do mundo. Três-quartas partes de sua popu-
lação participam apenas marginalmente da economia
monetária, não desfrutando das vantagens rudimenta-
res da divisão do trabalho. A expectativa de vida da
população que atravessa a elevada barreira da mortali-
dade infantil não alcança trinta anos. Grande parte
da atividade vital das mulheres consome-se na gesta-
ção de crianças que não chegarão a viver, e outra parte
não menor das energias de homens e mulheres, em
idade produtiva, esvai-se na sustentação de crianças e
adolescentes que não produzirão o suficiente para sal-
dar o seu débito para com a sociedade. Contudo, as ta-
xas de mortalidade constituem apenas o reflexo de uma
realidade econômica. No fundo da questão está uma
sociedade que não proporciona aos seus membros a
oportunidade de realizar-se pelo trabalho criador, que
48
A. PRt:-REVOLUÇAO Blt,.l.SILEIR.A
O PROBLEMA DO NORDESTE 49
não cria oportunidades de emprêgo adequado aos ho-
mens que ali nascem e vivem. Porque não utiliza a a estrutura social nem sempre permite que se desfrute
capacidade de trabalho de seus membros, essa socieda- da objetividade requerida para realizar em tempo_ opor-
de dispõe de um magro produto para atender às suas tuno aquêles diagnósticos. E que, mesmo realizados
necessidades, o que vem a ser a causa principal da mor- prematuramente os diagnósticos, as rela~ões de poder
te prematura de grande parte da população. dificultam o encaminhamento da soluçao de menor
O problema do Nordeste não é de hoje, se bem que custo social.· Estou convencido de que essa falta de obje-
alguns de seus aspectos se tenham agravado recente- tividade e essa inibição para abrir caminho às soluções
mente. De hoje é a consciência da gravidade do mesmo, mais racionais somente se configuram nas sociedades
consciência essa que em grande parte deriva do fato estagnadas. Em um sistema dinâmico atuam sempre
de estarmos em condições de equacioná-lo e de encami- grupos com suficiente lucidez e arma~~s _de ,poder pa~a
nhar a sua solução. Quando afirmamos que o proble- liderar aquêles movimentos que permitirao a economia
ma do Nordeste é grave, queremos apenas dizer que já alcançar estágios superiores de seu desenvolvimento.
não é possível esconder a miséria dos nordestinos dêles o problema econômico do Nordeste, na forma co1:10
mesmos, já não é possíve1 conservá-los narcotizados e se apresenta no momento presente,. pode ser equa:10-
isolados. Já nenhum povo aceita estoicamente a misé- nado em poucas palavras. O primeiro elemento desse
ria como uma fatalidade: isso é verdade no Congo como problema é o fato de que o Nordeste não const!tui um
no Nordeste. Todos sabemos, em graus distintos, que sistema econômico nacional: se bem sua economia apre-
somos em grande parte responsáveis pelos nossos pró- sente um elevado grau de individualização, o Nordeste
prios destinos. E quase sempre tomamos consciência é parte inte"rante
o
de um sistema econômico maior,'
que
dêsse fato não de maneira abstrata, mas comparando a é O Brasil. o segundo elemento do problema e que a
nossa situação com a daqueles que estão próximos a base de recursos físicos para a agropecuária do N~r-
nós. Daí que comecemos atribuindo as causas de nos- deste é sensivelmente inferior à do Centro-Sul do pais.
sos males a outrem: seja outro povo, seja outra classe. o terceiro elemento é que, dadas as dimensões conti-
Hoje em dia, porque estamos em condições de diagnos- nentais do Brasil, não se pode de nenhuma . maneira
ticar êsses processos sociais, já não existe lugar para a pensar em deslocar os fatôres de produção fixados no
perplexidade e a surprêsa. Nossa responsabilidade é, Nordeste - mão-de-obra e capital - para outras re-
portanto, muito maior. Sou daqueles que acreditam que giões. Estando o Nordeste integrado na economia brasi-
numa sociedade dinâmica os problemas sociais, mesmo leira e sendo o Brasil um país de dimensões contmen-
aquêles de maior profundidade, podem encontrar so- tais O desenvolvimento daquela região realiza-se em
lução se prematuramente diagnosticados. Porque não con~orrência com o do Centro-Sul, concorrência essa
solucionamos racionalmente nossos problemas, apenas que se limita aos mercados de prod1;-tos aca~ados e de
tentamos isolá-los ou esquecê-los, é que provocamos si- capitais, ficando pràticamente exclm~~ a mao-de-obra.
tuações irreversíveis que pressionam fatalmente no sen- Sendo mais pobre a base de recursos fisicos para a agro-
tido de rupturas cataclísmicas. Pode-se argumentar que pecuária, os rendimentos agrí~ol~s. são menor~s, dado
o mesmo nível técnico, o que significa que os alimentos
A PRt:-REVOLUÇAO BRASILEIRA O PROBLEMA DO NORDESTE 51

tendem a ser mais caros no Nordeste, à igualdade de cipitou os acontecimentos. Dessa política decorreram
outros fatôres, que no Centro-Sul. Sendo mais caros duas conseqüências: fortes subsídios aos investimentos
os alimentos no Nordeste, é necessário que, à igualdade industriais e indiscriminada proteção à produção ma-
de produtividade, os salários reais sejam mais baixos nufatureira. O Nordeste, região exportadora de pro-
no setor industrial para compensar aquela diferença e dutos primários e importadora de manufaturas, sofreu,
tornar competitiva a indústria nordestina. Ocorre, en- como conseqüência dessa política, grande perda atra-
tretanto, que êsse nível mais baixo de salários reais vés da piora de seus têrmos de intercâmbio. Expor-
significa um mercado mais estreito criado pelas pró- tando a câmbio controlado para o exterior e importando
prias indústrias, o que vem a somar-se ao mercado mais do Centro-Sul a preços crescentes, o Nordeste foi dre-
estreito da agricultura para os produtos industriais, nado de uma grande parte de seu magro produto. Se
decorrência dos mais baixos rendimentos agrícolas. Des- sua economia não entrou em total colapso desde o co-
tarte, o desenvolvimento do Nordeste apóia-se em me- mêço do decênio dos cinqüenta, foi porque o Govêrno
nores economias externas, o que reduz a rentabilidade Federal, tomando parcialmente consciência do proble-
dos empreendimentos individuais, limitando sua capaci- ma, expandiu enormemente os seus gastos na região.
dade de concorrência com os similares do Centro-Sul Todavia, constitui equívoco supor que o problema do
do país. Nordeste é simples decorrência da política cambial do
Em face do exposto, a economia do Nordeste tende pós-guerra. Sem desconhecer as graves conseqüências
a comportar-se, vis-à-vis da do Centro-Sul, de forma para o conjunto do país de que a industrialização se
similar ao setor artesanal de uma economia em proces- venha processando sem as diretrizes de uma, autêntica
so de industrialização em face das novas manufaturas. política de industrialização - conseqüências essas que
Não podendo concorrer, traumatiza-se ou desagrega-se. não se manifestam apenas na agravação dos desequi-
Emigram os capitais, e, não ocorrendo o mesmo à mão- líbrios regionais, pois também são visíveis na falta de
de-obra, desagrega-se o sistema econômico por partes, complementaridade dos investimentos, na capacidade
amontoando-se o sobrante de população nas cidades ou ociosa de inúmeras indústrias de baixa essencialidade,
estendendo-se o setor de subsistência na agricultura. no atraso relativo de indústrias de base e na ampliação
Processo idêntico ocorreu na índia, no século passado, do desequilíbrio externo - isso não nos deve levar a
ao impacto das manufaturas inglêsas, que ali pene- esquecer que o problema do Nordeste tem raízes bem
traram em avalancha. A melhoria do sistema de trans- mais profundas.
porte, reduzindo a única defesa que protegia as indús- Em sua essência, o problema do Nordeste é idênti-
trias nordestinas, bem assim como o rápido aumento co ao dos países subdesenvolvidos em face das nações
da produtividade no Centro-Sul decorrente da maior altamente industrializadas do mundo atual. Hoje já
integração da economia desta região do país, levariam sabemos que a coexistência de nações altamente desen-
fatalmente a economia do Nordeste a um colapso, inde- volvidas e subdesenvolvidas constitui um fator de per-
pendentemente da ação de outros fatôres. Ocorre, en- turbação para o crescimento destas últimas. A muta-
tretanto, que a política cambial do último decênio pre- bilidade dos padrões de consumo, a orientação da
52 A PR8-REVOLUÇÃO BRASILEIRA O PROBLEMA DO NORDESTE li3

tecnologia, a política de dumping no comércio interna- economia regional está em sua agropecuária. Mesmo
Í-
rf, cional como decorrência da capacidade ociosa temporá- em condicões muito mais favoráveis do que as que exis-
t ria em distintos setores industriais, finalmente um con- tem no N~rdeste, é sabido que dificilmente a agropecuá-
1 junto de fatôres impede o funcionamento do modêlo
p ria responde prontamente, por conta própria, a um es-
'
í clássico de desenvolvimento apoiado nos efeitos dinâ- tímulo vindo do setor industrial. O caso do Nordeste é
f micos do comércio internacional. Já hoje ninguém du- particularmente complexo, em razão da estrutura, a~-
vida de que sem uma autêntica política de desenvol- caica de sua agricultura. Grande parte das terras um1-
vimento os atuais países subdesenvolvidos continuarão das , mais próximas aos maiores mercados urbanos, está
' .
a dar voltas no círculo vicioso da pobreza. Conclusão monopolizada pela cultura da cana-de-açucar, org~m-
idêntica cabe com respeito ao Nordeste dentro do qua- zada em um sistema econômico semi-autônomo e social-
dro da economia brasileira. Excluída a hipótese de um mente ancilosado. Os baixos rendimentos agrícolas des-
despovoamento progressivo da região, não é possível sa cultura traduzem o grande desperdício de terras que
pensar em desenvolvimento para o Nordeste sem O su- deveriam ser intensamente aproveitadas para o abaste-
porte de uma ação concertada, e em grande escala, do cimento das populações urbanas. Mas não somente a
Govêrno Federal. Sem uma política orientada no sen- terra úmida, fator escasso, se desperdiça no Nordeste.
tido de criar na região um sistema econômico dinâ- Não menor é o desperdício de mão-de-obra, nas regiões
mico, caminharemos para a progressiva desarticulacão intermediárias onde prevalece o minifúndio. Por últi-
do que lá existe, com tensões sociais crescentes e ~m mo na região semi-árida desenvolveu-se uma economia
desgaste de energias coletivas cujo resultado último não ext~emamente instável, onde um baixo nível técnico se
é possível prever. traduz por um excedente estrutural de mão-ele-obra que
Vejamos agora em que deve consistir essa política nos momentos das sêcas periódicas é atirado às estradas
de desenvolvimento. Aceita a premissa de que é ne- num dos espetáculos mais trágicos que o mundo atual
cessário criar no Nordeste um sistema econômico di- conhece.
nâmico, com capacidade de autopropulsão, isto é, que Na logística do desenvolvimento nordestino o pro-
a região não será transformada em simples fonte de blema agrário ocupa a posição central. Se não fôr pos-
produtos primários para o Centro-Sul do país, temos sível dotar a região de uma agricultura moderna, tam-
que concluir pela necessidade de que sua estrutura eco- pouco será possível desenvolvê-la. A cultura da cana
nômica se diferencie, o que só será possível com a in- terá que tecnificar-se, elevar substancialmente seus ren-
dustrialização. Destarte, o primeiro objetivo deve ser dimentos, ou terá que desaparecer progressivamente d~
provocar na região um processo rápido de industriali- região. Uma agricultura moderna produtora de ali-
zação, o que exigirá bem orientada política de incenti- mentos terá que surgir em grande parte das terras da
vos capaz de contrabalançar a atração exercida pelo região úmida, atualmente subutilizadas. Agricultura mo-
Centro-Sul sôbre os novos capitais. O impulso indus- derna significa adequado nível de capitalização e sa-
trial, entretanto, é causa necessária mas não suficiente lários suficientemente altos para que o homem possa
para o desenvolvimento, pois o ponto mais fraco da capacitar-se para o manuseio das modernas técnicas.
54
A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA O PROBLEMA DO NORDESTE 55

E1:1 º':tras palavras, teremos que caminhar para a eli- das "sêcas do Ceará", e os primeiros grandes açudes
~açao da estrutura social de cunho semifeudal, que públicos tiveram sua construção iniciada no século pas-
ª'.nda prevalece na agricultura nordestina. Tudo isso sado. Pode-se afirmar que, nos três últimos quartos ~e
som~nte ser~ possível através de grandes planos de in- século, o Nordeste tem constituído uma preocupaçao
vestm::entos mfra-estruturais, de deslocamentos de po- constante para os homens de govêrno do Brasil e tam-
P:1:,açoes, de organização de novas comunidades, de di- bém que, tão antigo quanto essa preocupaçã?, t~m sido
VlS~o , e :eag~ul'.amento de propriedades agrícolas, de O descrédito que existe na região com respeito a capa-
assistencia tecmca e financeira em grande escala de cidade do Govêrno para enfrentar o problema.
ade~u~da política de preços, de atuação nos ponto; es- A criação da Inspetoria de Sêcas, em 1909, resu_ltou
trategicos da circulação dos produtos agrícolas, etc. ser um ato de grande alcance mas teve como causa rme-
. Provocar um processo rápido de industrializacão e diata O desejo de tranqüilizar a opinião pública, que
simultâneamente, reconstruir sôbre novas bases ; eco~ já então se impacientara com a sucessão de relatórios
nomia agropecuária significam, evidentemente, uma ta- e de promessas logo esquecidas. Coube a um hom:m
r'.:fa ~e grandes proporções, com importantes implica- da mais alta categoria intelectual e moral, o engenheiro
çoes fmanceiras. Tivesse o Nordeste que contar apenas de minas Arrojado Lisboa, elaborar o primeiro plano de
com os seus próprios recursos, e a tarefa seria eviden- ação da Inspetoria e dirigi-la durante os seus ~rimeiros
temente irrealizável em condições correntes. Felizmen- três anos de atividade. Combinando um coniunto de
te assim não ocorre, pois o Centro-Sul não necessitará obras de curto prazo com programa sistemático de levan-
realizar um esf?rço de grande magnitude para ajudar o tamento dos recursos naturais da região, Arrojado Lisboa
Nordeste a abrir-se o caminho definitivo do desenvolvi- lançou as bases de uma obra de e~raordinári~ alcanc:,
m~nto. A transferência de 1 por cento do produto lí- cujos frutos melhores seriam colhidos no governo Ep1-
~mdo do Centro-Sul representaria, per se, uma taxa de tácio Pessoa. As duas grandes épocas da Inspetoria de
investimento líquido, no Nordeste, de mais de 7 por cen- Sêcas nessa primeira fase - a de realização do impor-
to. Se se consegue obter outro tanto de fontes intºrnas tante' programa de estudos básicos e a de execução do
na r_egião,. haverá uma massa de recursos suficient: pa- grande conjunto de obras, - são também os dois perío-
ra fmanciar um ambicioso plano de desenvolvimento. dos da administração Arrojado Lisboa. Temos aí o ca-
Do yonto de_ vista do Brasil, o problema do Nordeste é so de um técnico que soube apreender em tôda sua
mais operacional do que de capacidade financeira. extensão O complexo problema nordestino. O trabalho
sistemático que empreendeu iguala-se, em padrão técni-
ESTRATÉGIA DO DESENVOLVIMENTO co aos melhores de sua época em qualquer país. Uma
a
se~unda fase não menos fecunda para Inspe'.oria de
Não é de hoje que se luta no Brasil por uma so- Sêcas abre-se após a Revolução de 1930, sob o impulso
lução c~~trutiva para o problema do Nordeste. Ainda vigoroso que lhe dá José Américo de Almeida, em sua
no Impeno foram criadas comissões técnicas para en- primeira passagem pelo Ministério de Viação. Nessa s:-
frentar as crises sociais decorrentes das então chama- gunda fase, os horizontes ainda são mais amplos, pms
56 A PR'é-REVOLUÇÃO BRASILEIRA O PROBLEMA DO NORDESTE 57

aos !rabalhos da e1;-genharia vêm somar-se os da agro- passo fundamental para a solução de múltip'.~s proble-
nomia. Coube a tecnico de grande valor o ao-rônomo
0 mas. Arrojado teve intuição das grandes d1flculdades
José Augusto Trindade, e ao seu continu~dor, Guima- que teriam de ser enfrentadas para l~var a~ian!e _um
rães Duque, desviar as atenções dos boqueirões e das grande plano de utilização agrícola da agua, frm_ u:t111:o
~e~rês1:_s para a utilização da água em programas de colimado. Imaginava êle, entretanto, que a ex1stencia
rrngaçao; _da miragem da erradicação das sêcas para de grandes quantidades d'água represada tornaria tão
a adaptaçao do homem ao meio, num quadro ecológico óbvia a necessidade de sua plena utilização, que os de-
no qual as longas estiagens se integram necessària- mais obstáculos seriam fàcilmente removidos. Era como
mente.
se a energia potencial da água represada atuasse como
Quando analisamos retrospectivamente êsse meio grupo de pressão incontível no plano. polí!ico-social.
século de esfôrço, do qual participaram homens sob to- Coube a José Augusto Trindade e a Gmmaraes Duque
dos os pontos de vista excepcionais, não podemos dei- confrontar-se com êsses obstáculos que se interpunham
xar de nos interrogar por que razões os resultados al- entre a acumulacão de água e sua utilização como fôr-
cançados foram tão pequenos. Porque não podemos ca transformado;a da agricultura. E o resultado dêsse
fugir à realidade que aí está: não obstante êsse esfôr- ~onfronto veio demonstrar que o grande engenheiro de
ço, o Nordeste não encontrou o caminho do seu desen- minas fôra demasiado otimista ao assimilar à simplici-
volvimento. Pelo contrário, com a população cresceram dade de um modêlo de mecânica a arcaica estrutura
a pobreza e a fragilidade social, transformando-se a político-social do Nordeste.
região na mais vasta zona de miséria do Hemisfério A irrigação não tem nenhuma tradição nas terr~s
Oci~ental. Essas reflexões têm grande sentido de opor- nordestinas. A economia dessa região não está orgam-
tun:dade, no momento presente, pois elas apontam ine- zada para a sêca, que é a exceção. Está tôda ela mon-
x~ravelmente para a conclusão de que a principal ra- tada como se a sêca não existisse. O simples prolonga-
zao do fracasso estêve em que faltou à acão técnica mento do verão, ou atraso do inverno, acarreta sérios
apoio no plano político; não sàmente no sentido de per- transtornos em razão da extrema fragilidade da econo-
mitir a continuidade do trabalho, como também no de mia regional. Levar adiante um plano de irrigação
encaminhar as soluções de base exigidas, através de re- significa preparar um nôvo tipo de agricultor, 5:1e cor-
formas institucionais, sem as quais o esfôrco e o entu- responde, na indústria, a um pequeno empresa~10 ~~u-
siasmo logo se transformariam em gastos, estéreis. blé de operário especializado. Mais ainda: s1gmf1ca
Ao iniciar o seu trabalho em 1909, Arrojado Lisboa desenvolver técnicas próprias, de acôrdo com os tipos de
percebeu que o esfôrço de mais imediata frutificacão, solos existentes, e organizar um apoio técnico e finan-
no Nordeste, seria no setor hidrológico. Foi o que e~tão ceiro ao agricultor, sem o qual não poderá subsistir 1;:ma
s;' chamou "solução hidráulica" para O problema das economia capitalizada como é a da irrigação. Esforço
secas. Retendo, em pontos estratégicos, parte substan- admirável nesse sentido foi feito pelo Serviço Agro-In-
cial das águas que correm torrencialmente na estação dustrial do DNOCS, graças principalmente a Guimarães
chuvosa pelo leito dos grandes rios secos, ter-se-ia dado , Duque. ll:sse esfôrço, entretanto, malogrou-se porque
58 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA O PROBLEMA DO NORDESTE 59

:_1ão for~1:1 criadas as condições institucionais para que desenvolvimento, isto é, de um ponto de vista positivo
ele frutificasse. É que havia um problema mais amplo, e dinâmico. Deve-se evitar dar excessiva ênfase a um
que permeava todos os outros: o da estrutura agrária aspecto negativo do complexo regional, como é o caso
da região. As terras das bacias dos açudes estão em das sêcas. A estação chuvosa, em grande parte do Nor-
mãos de grandes proprietários integrados em um siste- deste é irregular de forma mais ou menos constante.
ma de vida de base principalmente pastoril, adversos Quan'do essa irregularidade passa de certos limites -
a. tôd_a modificação fundamental nas formas de orga- digamos, quando ocorre uma quebra de 30 p,or cen~o
rnzaçao do trabalho que tenham projeções no plano
social. Não é de admirar, portanto, que os projetos de
na precipitação pluviométrica - temos ~a s~ca. '!'.ªº
raro quanto uma sêca de grandes proporçoes e um m-
irrigação com água dos grandes açudes não hajam pas- verno efetivamente regular. Em razão disso, o desen-
sado de tímidos ensaios, cujo resultado prático aliás, volvimento econômico do Nordeste deverá assumir a for-
se limitou a permitir o maior enriquecimento de uns ma de um duplo processo de elevação da produtividade
poucos grandes proprietários de terras. O resultado e de adaptação progressiva às condições ecológicas re-
último do grande esfôrço de Arrojado Lisboa trans- gionais. o desenvolvimento, em tese, constitui se:11p:e
formou-se, assim, em meia caricatura, sendo O Nordeste um processo multiforme, de progressiva diferencmçao
hoje, muito provàvelmente, a região do mundo em que e co~plementaridade entre as partes de um si~tema eco-
mais água foi acumulada pelo homem para evaporar-se, nômico. Daí que uma política de desenvolvimento _te-
ou para não ser utilizada econômicamente. Ao consi- nha que olhar simultâneamente em múltiplas direço_es,
derarmos êsse meio século de trabalho, nas duras con- sem contudo perder a unidade de propósito. Esse prm-
dições do Nordeste, concluímos, sem dificuldade, que os cípio é particularmente verdadei1;_0 no caso 'do_ N~rdes-
homens que estabeleceram as diretrizes técnicas fize- te, pois ali o desenvolvimento nao pode segmr 11:1h~s
ram o melhor que se podia haver feito em sua época. convencionais. Pari passu com o esfôrço de capitall-
~oram as condições políticas que levaram êsse esfôrço zacão deve realizar-se outro de adaptação ao meio, o
a frustração e à esterilidade. Cabe refletir detidamen- qu-e ;xige inclusive a criação de uma. tecnologia pró-
te sôbre essa experiência, se se pretende atuar com efi- pria. Estamos hoje totalmente convencidos de q1:e para
cácia na região. A grande estratégia da SUDENE fun- que O Nordeste alcance simplesmente o atual n:vel de
dada na análise da experiência passada, assent~ em renda do Centro-Sul do Brasil, isto é, para que tnpllque
três pontos. Dois dêles dizem respeito à necessidade de a renda per capita daquela região, será nec_ess_ário q_ue
abrir o horizonte contra o qual se avança, a fim de tenhamos um conhecimento dos solos tropicais mmto
comprome~er de imediato todos os elementos que, de mais completo do que o existente, hoje, dentro e fora
uma maneira ou outra, pesarão nas decisões finais. o do Brasil. Dispomos, no Nardeste, de três milhões. d_e
terceiro ponto diz respeito à necessidade de dar maior hectares de solos de tabuleiro, com adequada precipi-
profundidade às fôrças de apoio na retaguarda. tacão próximos às zonas mais populosas, cujo aprovei-
Em primeiro lugar, consideramos que é necessário ta~e~to ainda constitui uma incógnita. Entretanto,
abordar o problema do Nordeste como um problema de fôra possível utilizar essas terras, e duplicaríamos a
61
O PROBLEMA DO NORDESTE
60 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA

. ortanto fixar na região


área cultivada na região sem necessidade de apelar pa- senvolvimento ter:ª que ser' p pois êsses capitais se
ra as zonas semi-áridas. Devemos partir do princípio os capitais que la se formai:n, do emprêgo permanen-
de que no Nordeste existem abundantes· recursos ainda aplicam reprodutivamente, crrnn - do desenvol-
opulação. Limitar a promoçao .
não aproveitados e que êsse não aproveitamento resul- te para a P , b!icas seria deIXar de lado
ta, não sómente da falta de levantamentos sistemáticos, vimento ao setor de obrdas yu ico do processo de cresci-
êsse importante fator mam i só
mas também de que as tecnologias disponíveis, criadas , cão empresarial. :Êste fato, por s ,
para distintas condições mesológicas, nem sempre têm mento, que e a ª· _ d SUDENE como órgão de
. · .· a atuacao a
1arizana
eficácia naquela região. Observado do ângulo do desen- smgu • binado O plane-
. t egional · o haver com
volvimento, o problema do Nordeste é talvez mais gra- desenvolvl!nen r ° , . · _ estudo sistemático dos
ve nas regiões úmidas do que nas semi-áridas. A ênfase jamento das obras publicas, 0, . tecnológica e
• . o fomento a pesquisa
no problema das sêcas dificultou êsse exato diagnóstico. recursos na,urais, , . . to é O haver cambi-
Entretanto, é nas regiões úmidas que a mortalidade in- a formação de pessoal tecm.co, is om, a administracão
- direta do Governo c . ·.
fantil é mais elevada, que é mais curta a perspectiva nado a aça0 d . entivo à iniciativa pnvaaa.
de vida, que é mais miserável a dieta do trabalhador das múltiplas_ form~s ~-~::amente da eletrificação e
comum. Por outro lado, é nas regiões úmidas que os Coube-lhe cuidar, simu_' - en~ro-ia do sistema de
recursos da terra são flagrantemente subutilizados e é das indústrias que util!zarao a. - º ircular sómen-
d bens que irao e .
delas que emigram permanentemente capitais para as transoortes e os ·- clima de
' . · ossível criar na regiao 0 ,
regiões ricas do Sul do país. E também é nessas regiões te assim sena p, ' , 'ixacao . - dos capi·ta·is locais e a
que estão concentradas duas têrças-partes da popula- otimismo necessario a i . -· • desenvolvidas.
atracão de capitais de reg10es mais d . cha-
ção nordestina. Era, portanto, indispensável abordar - • . º 0 • a 0 terceiro ponto o que
em conjunto o problema nordestino: o desemprêgo nas consideremos, ª"ºr , ·dade de man-
t t, ia Trata-se da necess1
regiões urbanas, a subutilização da terra nas regiões mei gran_de es ra eg : a ão técnica e O comando
úmidas, a inadaptação ao meio nas zonas semi-áridas. ter estreitamente umdos ª ç SUDENE é um ór-
º·'ti o Quando afirmamos que a , .
E sómente do ângulo do desenvolvimento econômico se- pvll _c . , . ueremos dizer que ela e m-
ria possível encontrar denominadores comuns a todos gão estritamente tec3:-ic_o, q _ olítico-partidária. Mas
êsses problemas, atacando simultâneamente em tôdas dependente de tôda mJunçao,
_ . • plano de desenvo.v1m
?. ento sem política de
.
as frentes sem, contudo, dispersar esforços. nao ex1s,e . olítica pode alcançar ef1-
O segundo ponto dessa estratégia está l.ntimamen- desenvolvimento, e nennuma p .· cipais do poder polí-
, . apoio dos centros pun , -.
te ligado ao anterior: não seria possível solucionar o cacia sem 0 . . SUDENE é que nela a tecmca
problema do Nordeste limitando as nossas preocupa- tico. O que smg1:;Jar'.za a, dois planos distintos.
olítica estao isolaaas em
ções ao setor público. Não devemos esquecer que gran-
de parte dos investimentos é de responsabilidade do
setor privado. E a análise estatística tem demonstrado
~e\:u CEonts=~~~ ~~:::::~:~
de nove s , t
toridade do seu superintenden e, que
~:::~~ra~:e!~:e;~:~r::.
é também o
E
que o Nordeste é uma região exportadora de capitais A au _ , d I ada do Chefe do xe-
dirigente técnico do órgao, e e eg
privados. O principal objetivo de uma política de de-
63
O PROBLE:MA DO NORDESTE
62 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA

quistar-lhe a confia1:ça n?s _homens responsáveis pela


cutivo Federal. Por essa forma, tratou-se de evitar o
administração da coISa publica. t' .
dualismo que no passado foi fatal para a autoridade . n O Nordeste, como ecm-
técnica. Essa unidade do técnico e do político permitiu A experiência que vivemos • - o1ítico- ar-
t desligados das art1culaçoes P _P
à SUDENE comunicar-se diretamente com a opinião cos totalmen e . _ licão é que a açao do
pública. Não estando vinculada a qualquer ação par- tidárias, encerra uma 11çao. Essa , . ladamente. É
. . - tem sentido se se exerce rso
tidária, os seus objetivos podem sempre ser submetidos tecmco nao t' "dade para desenvolver-
t d esfôrco da co1e 1v1
ao teste da discussão aberta. Como o debate em tôrno como par e O , d'da Em outras palavras:
dos problemas do desenvolvimento não transborda dos se que ela deve ser compreen l . - tem necessária-
. . o em nossa geracao,
critérios de racionalidade e tem sempre um caráter edu- a ação do tec~c ' - ocial O técnico não se sente
cativo, a grande polêmica em tôrno da SUDENE con- mente uma drmensao s . homem se o seu esfôrço
. cidadão e como
tribuiu para formar uma consciência regional das difi- realizado como ,. á ·a social por outro la-
ma elevada ei1c c1 .
culdades a enfrentar e da necessidade de exigir serieda- não alcança :1 exi e do técnico que êle responda a
de e continuidade da ação governamental. Elevou-se, do, a comumdade g ponsabilidade que lhe cabe
assim, o nível de tôda a discussão poiítica na região. êsse chamado, assuma ares t - do país Havendo
· · de recons ruça0 ·
Haver vinculado o problema do desenvolvimento ao de- nesta fase dec:s1v~ • f t O técnico já não pode
bate político, eis a chave do apoio que recebeu a SU- tomado cons_cren~::. dest~a a~ão social dentro da qual
DENE da opinião pública. Houvéssemos conservado em ign_orar os fms u _rmos Pelo contrário, deve contribuir
círculos herméticos a análise dos problemas objetivos se msere o seu esforço. . t d indo-se em elementos
. · - 0 dêsses fms ' ra uz
para a def1mça de, 'ormaçao-
da região, isolando do povo aquilo a que se convencio- . alidade nesta forma, os homens "
nou chamar "problemas técnicos", e permitindo que a de rac1on -· ºb . decisivamente para que os
discussão aberta se limitasse ao entrechoque de pontos científica poderao con~ri u~ conômico e social não se-
de vista particulares de políticos locais, e teríamos ape- objetivos do desenvoJvrme1:t e A Juta pelo desenvolvi-
nas repetido o passado sem maiores possibilidades de jam transformados em m; os. l racionalidade na poli-
sobrevivência. Essa reflexão fizemo-la desde o comêço, mento é também uma lu adpe a mitologias ideológicas
tica pois. som. ente superan o as demagoO'OS e
pois sabíamos que sem um grande apoio da opinião
se ~ode evitar o domínio do povo por "
pública a SUDENE não se colocaria à altura da tarefa
enorme que tem diante de si. Sabíamos, das lições do aventureiros.
passado, que o desenvolvimento econômico do Nordeste
exigirá reformas institucionais que somente poderão ser
equacionadas e executadas por um órgão que goze de
extraordinária autoridade na região, e que essa autori-
dade não poderá ser conservada à base de slogans e
mitos. Era indispensável levar até o povo a discussão
objetiva dos problemas do desenvolvimento, desintoxi-
cá-lo das promessas fáceis de período eleitoral, recon-
4 DESENVOLVIMENTO SEM DESENVOLVIMENTO

período deve ser aprofundado se quisermos penetrar na


65

natureza das dificuldades que atualmente enfrentamos


e se quisermos antever aquelas outras dificuldades que
enfrentaremos no futuro imediato. Caracterizei essa fa-
se como de transição, porque o que nela é específico é
o esfôrço da economia para encontrar novos caminhos,
DESENVOLVIMENTO SEM POLÍ- para superar o módulo colonial, dentro do qual o país
TICA DE DESENVOLVIMENTO se havia historicamente expàndido. :tsses novos cami-
nhos teriam necessàriamente de convergir para a in-
dustrialização. Contudo, só lentamente essa verdade
elementar conseguiu afirmar-se como princípio básico
de política.

O s,TRÊs decênios que_vã~ de_l9~0 a 1960 muito pro-


vavelmente passarao a Historia do Brasil como
a etapa decisiva de desagregação da economia colonial
Observando, retrospectivamente, os últimos três de-
cênios, chega-se à conclusão de que o nosso desenvolvi-
mento resultou muito mais de uma imposição históri-
ca do que da tomada de consciência da realidade nacio-
e de luta pela conquista de novos caminhos de acesso nal pelos homens que dirigiram o país. Vemos, inicial-
ao de~envolvimento econômico. O velho sistema, ca- mente, nos anos trinta, o imenso esfôrço para salvar a
rac~erizad~ pe_lo crescimento extensivo, através da ocu- economia cafeeira, decorrência do postulado de base
paçao_ ~erntona~ e da incorporação de contingentes de- colonial segundo o qual o Brasil era o café. Durante
mograficos trazidos de fora, seja da Africa, seja da Eu- quase um decênio, o esfôrço feito neste país para pro-
ropa, esgotara-se. Se bem a crise do café e a da borra- duzir e pagar café que devia ser destruído foi tão gran-
c~a houvess_em pôsto em evidência, desde comecos do de quanto o esfôrço que se realizava para formar novos
secul?, os riscos _ex~raordinários que trazia con;igo O capitais. A transição, durante êsse período, fêz-se mer-
crescin::ento economico apoiado exclusivamente na ex- cê de uma ironia histórica: a ajuda ao setor cafeeiro,
po:taçao de produtos primários, pode-se afirmar que, criando forte pressão sôbre a balança de pagamentos,
~te 1-9~0, o Brasil contmuou dominado pelo complexo elevou a rentabilidade relativa das incipientes manufa-
ideologico colonial: o câmbio, a dívida externa, os defi- turas que trabalhavam para o mercado interno. Tive-
c~s orçamentários, os preços dos produtos de exporta- mos, assim, uma industrialização de tabela, conseqüên-
ç~o, c?nstitu~a~ o núcle~ central de tôdas as preocupa- cia indireta de uma política inspirada no propósito de
çoes liga~as a vida economico-financeira do país. preservar a velha economia de exportação em crise. Co-
A mrrag_em de um desenvolvimento impulsionado mo segunda fase dêsse período de transição tivemos o
P?r. exporta~oes crescentes sómente se desvanece no de- primeiro decênio de após-guerra, caracterizado pelas
rmo_ d_?s trmta. Te~ iníci~, então, o longo período de contradições da política cambial. Partimos, em 1946,
ransiçao que vem ate os dias atuais. O estudo dêsse com uma política cambial fundamentalmente antiin-
66 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA DESfili"VOLV!MENTO SEM DESEll.TVOLVIME..'r>l"TO

dustrialista. A ideologia, então prevalecente, assegura- totalmente novas. Contudo, muito pouco se fêz de prá-
va que a industrialização dos anos trinta e do período tico nesse setor em todo o primeiro decênio do após-
da guerra fôra artificial, sendo necessário corrigir êsse guerra.
artificialismo através de amplas importações, assegu- É necessário combinar êsses dois fatos que caracte-
rando-se câmbio barato para essas importações correto- rizaram o período que se encerra em 1954 - ausência de
ras. A conseqüência imediata dessa política, baseada política de investimentos de infra-estrutura _e clima de
em diagnóstico totalmente equivocado da realidade eco- especulação nos investimentos industriais privados com
nômica do país, foi a liquidação em menos de dois anos hipertrofia dos setores menos essenciais - para expli-
das reservas cambiais acumuladas durante a guerra. car a extraordinária conjugação de fôrças inflacionárias
Como conseqüência indireta tivemos a adoção, a partir aue acompanharam o desenvolvimento no último decê-
de 1948, de urna política cambial que veio favorecer ~io Manter um nível elevado de atividade econô-
de forma ilimitada o setor industrial sem, contudo, rni~a tornou-se tarefa extremamente difícil, em razão
obedecer a àiretrizes de urna autêntica política de in- dos desequilíbrios estruturais acumulados. Somente
dustrialização. A política cambial que praticamos entre urna política de cuidadosa orientação dos investime1:-
1948 e 1953, se favoreceu as indústrias, criou um clima tos poderia, com o tempo, ir corrigindo êsses de~e~m-
de investimentos especulativos industriais em benefício líbrios. Entretanto, em face das dificuldades praticas
dos setores rnanufatureiros de menor essencialidade. de adocão de urna política dessa natureza, as alterna-
Quanto menos essencial um produto industrial, mais di- tivas q~e se apresentavam ao país eram a adoção de
fícil era sua importação e, portanto, mais rentável sua medidas de inspiração monetarista, ao gôsto do Fundo
produção. Caminhamos, assim, para urna situação de Monetário Internacional, visando a reduzir· a pressão
sobreinvestimento em inúmeros setores industriais, par- inflacionária através de urna contração dos investimen-
ticularmente em indústrias de menor essencialidade, tos ou manter o nível dêstes, qualquer que fôsse o au-
enquanto os investimentos nos setores básicos se desen- m;nto da pressão inflacionária. O fato de que se haja
volviam de forma totalmente insuficiente. adotado a segunda alternativa constitui clara indica-
Essa falta de complementaridade dos investimentos ção de que as fôrças orientadas para o desenvolvimento
industriais no setor privado veio sornar-se à ausência econômico lograram finalmente a predominância na
de urna política de investimentos de infra-estrutura de política nacional.
parte do poder público. A velha infra-estrutura herda- Em síntese, pode-se afirmar que o desenvolvimento
da da economia colonial fôra submetida a urna pressão dos últimos três decênios foi simples decorrência da
crescente e alcançara um alto grau de desgaste duran- atuação de fôrças profundas da economia, sem que o
te a guerra. Essa infra-estrutura havia sido financiada acesso aos novos caminhos haja sido facilitado por uma
pelos interêsses estrangeiros ligados à economia de ex- autêntica política de desenvolvimento. Até 1953 pre-
portação do Brasil, sendo, portanto, parte integrante de valeceram de maneira geral, as fôrças ligadas às linhas
um sistema econômico que estava sendo superado. Era de pensau'iento com raízes na velha estrutura colonial.
necessário reexaminar o problema e sair para soluções As medidas adotadas para favorecer a industrialização,
68 A PRÉ-REVOLUÇif.O BRASILEIRA DESENVOLVIMENTO SEM DESENVOLVIMENTO 69

nesse período, resultaram de reações apoiadas em óbvios ca é política, antes de ser economia. E tôda política
fracassos da política tendente a preservar a velha estru- deve partir de uma clara percepção da realidade, das
tura. É a partir de 1953 que começam a estruturar-se fôrças profundas que já estão em movimento,~ que con-
as linhas de uma política de desenvolvimento. O BNDE, figurarão, em boa medida, o futuro. A po~tica de es-
que veio possibilitar a concentração de recursos reque- tabilização da Argentina, quaisquer que seJam os seus
rida por aquêles setores que haviam permanecido atra- defeitos teve a seu favor o fato de que visava a resta-
sados na fase anterior, e o Conselho de Desenvolvimento belecer ~ setor de exportação da economia daquele pais,
Econômico, que permitiu uma primeira apreciação de " razão pela qual logrou o apoio dos nume:°sos e pode-
conjunto dos problemas do país, são criações dessa nova rosos grupos de interêsses vinculados aquele setor.
fase. Prevalece ali o ponto de vista, em influentes círculos,
Apreciando em conjunto o período que se inicia de que, se se submete a economia a uma forte purga,
em 1953, comprova-se que está práticamente superada cuja duração aliás é uma incógnita, o setor de exporta-
aquela etapa intermediária, iniciada em 1930, e que se ção recuperará o seu vigor perdido, vigor que no passado
caracterizou pela busca de novos caminhos. A velha fêz da Argentina uma das nações mais ricas do mundo.
estrutura colonial está enterrada no passado. O desen- A situacão do Brasil é totalmente distinta. Nossa
volvimento econômico, hoje, é, básicamente, um pro- economia d; exportação está em crise desde começos _do
cesso de industrialização. ll:sse desenvolvimento tem século e os últimos trinta anos não foram outra coisa
raízes profundas e alcançou uma fase de semi-automa- senão a busca de uma alternativa á economia de ex-
tismo: quaisquer que sejam os obstáculos que se lhe portação. A ninguém de bom senso _ocorr~ria ~ensar
anteponham, tudo indica que êle seguirá adiante. ll:s- em revigorar a economia de exportaçao do Brasil me-
te fato traduz-se na consciência generalizada de que é diante uma política de desemprêgo urbano e de estan-
dever de qualquer govêrno dêste país fazer do desenvol- camento do processo de industrialização. Se, na ':rg~n-
vimento o seu magno objetivo. tina, onde O setor agropecuário exporta?or cons~itur ~
Pessoas que não compreenderam a profundidade maior fôrça econômico-financeira do pais, tem _sido di-
das transformações ocorridas, neste país, nos últimos fícil persistir nessa política, que dizer do Brasil, _onde
três decênios, discutem em têrmos abstratos possíveis tal política teria de ser levada a~ante ~em ~ apoio de
alternativas de política econômica a seguir entre nós. nenhum setor decisivo da economia nacional"
Discute-se, por exemplo, se conviria adotar a fórmula Ainda existem economistas que se írritam pelo fa-
do Fundo Monetário, recentemente seguida por Fron- to de que a realidade não se acomoda aos seus esque-
dizi, pela qual se paga em estagnação e desemprêgo o mas. porque não queremos, neste país, curar-nos da
prêço das reparações que o sistema econômico está exi- instabilidade administrando-nos a medicina já com~r?-
gindo para curar-se da tendência á inflação. Considero vada em laboratórios pelos técnicos do Fundo Monetano
esta uma falsa formulação, pois os problemas de políti- Internacional. O írrealismo dêsses economistas está
ca econômica não devem ser discutidos em função de em que não percebem, ou não quere1;11 perce~r, que os
modelos abstratos preestabelecidos. Política econômi- problemas de política econômica exigem mais do que
71
DESENVOLVIMENTO SEM DESENVOLVIMENTO
70 A PRl:-REVOLUÇAO BRASILEIRA

mais alto grau de independência


fórmulas para ser resolvidos. Na situação em que se que alcancemos um ., .
no plano das formulações teóricas. É ne~essano q~e
encontra presentemente o Brasil, é dever de qualquer
realizemos um esfôrço continua~o _no sentido de e::
govêrno realizar uma política de desenvolvimento. Di-
quecer e vivificar as teorias econorrucas que nos ?11;g
go que é dever pelo simples fato de que, caso não o e mesmo no de reformulá-las, tôda vez qu~ as_ hipoteses
faça, entrará em choque com as fôrças profundas que
convencionais não possuam o poder explicativo neces-
conformam o nosso processo histórico nesta fase. Ne- a realidade sôbre a qual devemos
nhum grupo isolado, que ascenda de uma forma ou sário para abarcar
outra ao poder, terá meios de deter êsse processo. Cho- atuar.
cando-se com êle, conseguiria apenas provocar tensões
sociais que muito provàvelmente acarretariam soluções
cataclísmicas com grande desgaste de energias para a
coletividade.
É dever do economista, particularmente daquele
que atua no plano da política econômica, encarar a
realidade desarmado de preconceitos doutrinários, diag-
nosticar essa realidade através do pensamento reflexivo
e não do raciocínio intencional. Nisso reside a diferen-
ça principal entre a contribuição do economista, para
a tomada de consciência da realidade, e a ação de um
político profissional leigo. Contudo, se o economista
parte de postulados doutrinários, sua atuação pode
ser sociahnente muito menos válida do que a do polí-
tico leigo dotado de boa intuição. A prova decisiva do
economista ocorre quando êle deve reconhecer que os
seus instrumentos de análise ou suas hipóteses expli-
cativas são insuficientes em face de uma dada reali-
dade. É comum que em tais casos o economista se
afaste da realidade, como mecanismo de defesa contra
a dolorosa sensação de insegurança que acarreta o ter
que abandonar as trilhas mentais convencionais. Mas
devemos reconhecer que é essa uma atitude profunda-
mente anti-social.
Para evitar êsse dilema entre atitudes anti-sociais,
conscientes ou inconscientes, de parte dos economistas
com responsabilidade na política econômica, é mister
5 SUBD.iSENVOLVThlENTO E FSTADO DEllOCRATICO 73

ação, enfim, de esfôrço para transformar ~ 1;ealidade


social - deve conjugar-se a ação de especialistas dos
diversos ramos das ciências sociais. Agindo de forma
desconexa são levados a adotar soluções parciais, a
subestima; aspectos fundamentais, a iludir-se com
SC!B.IJESENVOLVIMENTO E meias soluções, a desentender-se sôbre a questão bási-
ca das prioridades.
ESTA.DO .IJEMOCBÁT.ICO Havendo tomado consciência de nosso subdesenvol-
vimento e havendo definido como aspiração social ~á-
xima a melhoria das condições de vida do povo, - obJe-
tivo só alcançável através do desenvolvimento econô-
mico - fomos inapelàvelmente conduzidos a reformu-

V ISTA DE uma perspectiva ampla, nossa época ca-


racteriza-se por uma lúcida tomada de consciên-
cia do problema do subdesenvolvimento. Tendo com-
'

lar as funcões do Estado. Ao especialista em c1encia


política c;mpre prestar-nos, a êste respeito, valio~a
ajuda. Se admitimos que é objetivo precípuo da açao
•A •

preendido que razões de ordem histórica impediram que estatal promover padrões mais altos de bem-estar so-
nosso país se integrasse plenamente nas correntes do cial cabe-nos estabelecer em que condições e sob que
' o o

forma compatível com outros ideais de conv1venc1a so-


A

desenvolvimento econômico alimentadas pelo progresso


da técnica no último século; que a pobreza relativa da cial postulados poderá o Estado, em um ?aís subde-
gra:1de maioria da população brasileira não deve ser senvolvido, alcançar aquêle objetivo.
aceita como fato de ordem natural, pois resulta de Não seria difícil demonstrar que, para desempe-
condicionantes históricos; que o nosso atraso relativo nhar a função de promotor do desenvolvimento eco-
tenderia a aumentar dia a dia, caso nos retraíssemos nômico O Estado terá de adotar métodos diversos, con-
em uma postura de laissez-faire; finalmente, havendo forme ;e trate de país de economia desenvolvida ou
compreendido que a tomada de consciência dêsse pro. subdesenvolvida. O fato de que não se tenha esclare-
blema per se nos capacita para mudar o curso dos acon- cido devidamente êste ponto, à falta de melhor entro-
t:cimentos - é natural que tenhamos colocado a ques- samento entre economistas e especialistas em ciência
tao do subdesenvolvimento no centro de tôdas as nos- política, é responsável por grande part': da confusão
sas preocupações. reinante em tôrno de planejamento e metadas correla-
tos de política econômica.
_ Nesse processo de tomada de consciência da ques- Vamos admitir, para efeito de raciocínio, que os
tao fundamental que cabe à nossa geração enfrentar
ideais de convivência social sejam aproximadamente os
de diagnóstico e equacionamento de nossos vícios
mesmos em um país de economia desenvolvida e outro
~truturais, de definição de diretrizes, de elaboração de
de economia subdesenvolvida. Em ambos os casos, as-
instrumentos hábeis para transformar diretrizes em
pira-se a conciliar o máximo de bem-estar econômico
SUBDF.Smt-VOLVIMENTO E ESTADO DEMOCRATICO 75
74 A PRE-RZVOLUÇÃO BRASILEIRA

para a maioria e uma rápida melhoria nas condições teria como contrapartida uma contração na área de li-
de vida do povo com um sistema poiítico baseado no berdade individual ficou desacreditada na medida em
máximo de liberdade pessoal, inclusive no campo da que os países industrializados aperfeiçoaram os seus
organização da produção. Em síntese: o padrão de so- instrumentos de política de estabilização e de defesa de
ciedade democrática que se vem aperfeiçoando desde o um alto nível de emprêgo. A idéia tenebrosa de que o
século passado. preca da liberdade de uns era a ameaça de desemprêgo
No caso da economia desenvolvida, para que o re- ~ f~me para outros foi assim superada. E, ao ser su-
gime do laissez-faire não seja incompatível com aquêles perada, abriram-se perspectivas novas para o aperfei-
ideais de convivência social, é necessário que a ação coamento
. das instituicões
. políticas nas sociedades de-
estatal assuma formas de intervencão econômica bas- mocráticas.
tante amplas, se bem que de caráter. mais bem indireto. contudo, êsse mesmo problema se apresenta de
Sempre que o Estado consiga, através de métodos in- forma muito diversa em um país subdesenvolvido típico
diretos - medidas de ordem monetária, fiscal, cambial como o nosso. Para alcançar os ideais de bem-estar so-
e mesmo de certo contrôle dos salários e dos preços, - cial e melhoria das condições de vida do país, não nos
manter um nível relativamente alto de ocupação dos basta preservar a estabilidade do sistema econômico.
fatôres de produção, terá por essa forma também al- Não nos sendo possível pensar em estabilidade em têr-
cançado os objetivos básicos do desenvolvimento eco- mos de pleno emprêgo de fatôres - pelo simples fato
nômico. de que uma economia subdesenvolvida padece de um
Com efeito, o pleno emprêgo dos fatôres significa, desequilíbrio estrutural ao nível dos fatôre.s - so1;1os
por um lado, um nível alto de remuneração da mão-de- levados a pensar em estabilidade em têrmos de mvel
obra e de arrecadação de impostos - elementos bási- de preços. Ora, por uma série de razões que não cabe
cos para promover o bem-estar social imediato - e, por aqui detalhar, manter estável o nível de preços pode
outro lado, um nível também muito alto de investimen- significar, para um pafa. subdesenvolvido, desgaste de
tos, condição para a melhoria futura dêsse mesmo bem- fatôres, com prejuízo direto dos objetivos de bem-es-
estar social. Desta forma, o fundamental para uma tar social e desenvolvimento que se têm em mira. Por
outro lado em face da debilidade da classe empresarial
economia desenvolvida é manter o máximo de estabili-
dade, ao nível de ocupação plena da capacidade produ-
'
numa economia subdesenvolvida, é possível que a açao -
tiva. Para alcançar êsse objetivo, é necessário abando- suuletiva do Estado deva ser muito ampliada ou deva
nar os ideais do Zaissez-faire em importante segmento as;umir formas inaceitáveis em economias de elevado
da atividade social. Êsse abandono vem sendo feito grau de desenvolvimento. A ação estatal, visando à
não sem suscitar resistência. Contudo, a experiência farmação da classe empresarial, à reorientação dos ii:-
já demonstrou que os autênticos ideais da convivência vestimentos, a uma mais rápida acumulação de capi-
social nas sociedades democráticas são perfeitamente tais, redução dos riscos, etc. assume, aparentemente, a
compatíveis com aquela redução na faixa do Zaissez- forma de drástica redução na área do Zaissez-faire. Aquê-
faire. A falácia de que tôda redução do Zaissez-faire les que raciocinam por analogia, soem pensar que tão
76 A PRt:~REVOLUÇAO BRASILEIRA SUBDESENVOLVDLENTO E ESTADO D:m.l:OCRÁTICO 77

g_rande redução na área do laissez-faire seria incompa- podem ser distintas. Cumpre que se realize um esfôrço
t1ve1 com o tipo de sociedade democrática preconizado. em comum - especialistas em ciência política, em ad-
Em uma economia altamente desenvolvida talvez assim ministração e em economia - para que o problema das
~o_rresse. Ao concorrer o Estado com o empresário in- funções do Estado em um país de economia subdesen-
~vrdual cria.ria situações insustentáveis para êste. o volvida seja compreendido à luz dos autênticos ideais
SIS.tema de concorrência seria progressivamente substi- da sociedade democrática. A confusão que existe nesse
tmdo por_ uma estrutura monopolística, com provável campo da ciência política tem sido responsável pela
rep;rcussao negativa para a eficiência na utilização dos lentidão com que avança entre nós a idéia de planeja-
fatores. - mento econômico. Estamos todos de acôrdo em que o
. . O caso da economia subdesenvolvida, entretanto, é desenvolvimento econômico é condição necessária da
distinto; . A ª?ão estatal não vem coibir a atuação do realização dos nossos ideais de bem-estar social; tam-
em~resarro privado; vem criar condições para que êste bém estamos de acôrdo em que cabe ao Estado uma
s~rJa ou se consolide. Tal objetivo, contudo, não pode- grande responsabilidade na promoção do desenvolvi-
ra ser alcançado se a ação do Estado se realizar de mento; mas resistimos, muitos entre nós, a aceitar a
forma improvisada e assistemática. Para que o Estado idéia de que a ação estatal, na amplitude exigida por
possa entrar no momento devido e sair na ocasião opor- uma política de desenvolvimento, não se pode realizar
tuna, deve. a~mar-se _de uma visão de conjunto do pro- sem um adequado planejamento. E essas resistências
cesso economrco. E e a isso que chamamos de planeja- resultam, em grande medida, da falta de um debate
1:1ento. Destarte, para alcançar os autênticos obje- aberto, no campo da ciência política, em tômo das fun-
tivos da sociedade democrática, em um país subdesen- ções do Estado nas economias subdesenvolvidas. :issse
volvido, o planejamento pode ser indispensável. A de- atraso relativo na evolução das idéias políticas vem se-
fesa do laissez-faire e a luta contra a ação planejada riamente entravando o aperfeiçoamento do instrumen-
do Estado, em tais condições, resulta de uma confusão tal de que dispõe o Estado, entre nós, para realizar
entre os ideais da convivência social e a forma que os suas funções no campo do desenvolvimento econômico.
mesmos assumem correntemente em estruturas sociais Abordei detidamente êsse problema do atraso rela-
altamente integradas. Não deixa de ser sintomático de tivo em nossas idéias políticas, porque aí está a raiz
nosso subdesenvolvimento o fato de que muitos de nos- dessa outra questão que nos interessa diretamente: a
sos eco1:o_:11istas de maior prestígio aceitem os métodos do anacronismo de nosso aparelho de administração
de restr1çao ao laissez-faire das economias desenvolvidas pública. Se não chegarmos a um acôrdo sôbre as au-
mas se revoltem contra o tipo de restricão necessária tênticas funções do Estado, não poderemos saber como
em economias subdesenvolvidas. • estruturar e equipar êsse mesmo Estado. Nada tem
. • Destarte, se bem sejam os mesmos os ideais da con- sido mais danoso para êste país, nesta fase, do que a
v1venci~ em sociedades democráticas, de economias de- contradição flagrante entre as múltiplas funções que,
~envolv1das ou ~u~desenvolvidas, as funções do Estado, de forma improvisada e sob pressão dos acontecimentos,
instrumento prmc1pal da consecução daqueles ideais, atribuímos ao Estado, no campo da política de desen-
78 A PR1:-REVOLUÇÃ0 BRASILEIRA SUBDESENVOLVIM:ENTO E ESTADO DEMOCRATICO 79

volvimento econômico, e a resistência que se oferece a nistrativa não permite sequer distinguir gastos de
qualquer idéia de modificar a velha estrutura adminis- custeio de formação de capital.
trativa, criada à imagem do "Estado-gendarme" do Não menos importante do que êsses problemas es-
século XIX. truturais é o do sistema de pessoal. Alheios às novas
Nenhuma tarefa é mais urgente, neste país, do funções do Estado, continuamos a pensar em têrmos de
que a de aparelhar o Estado para a luta pelo desenvol- cargos públicos que podem ser exercidos por qualquer
vimento. De organização quase exclusivamente desti- pessoa e de qualquer forma. A grande massa de mves-
nada a prestar serviços, o Estado está evoluindo para timentos públicos é realizada sob a supervisão de ho-
um dispositivo de ação com a responsabilidade de trans- mens recrutados em absoluta ignorância das condições
formar a estrutura econômica. Essa evolução, bem ou que prevalecem no mercado de trabalho. A baixa efi-
mal, se vem fazendo. Aí estão o Conselho de Desenvol- ciência do investimento decorrente dêsse fato deve custar
vimento Econômico, o GEIA, o GEICON e tantos ou- ao Estado muitas vêzes mais do que êle suposta-
tros órgãos criados simplesmente por decreto, num lou- mente economiza pagando salários ínfimos aos seus
vável esfôrço de contornar a inflexibilidade do sistema técnicos.
administrativo. Realizou-se neste país, no decênio compreendido en-
tre 1936 e 1946, um grande esfôrço objetivando dotar
A situação presente, entretanto, já exige uma re- o Estado de mais racional e eficiente maquinaria admi-
consideração a fundo da matéria. O Estado não está nistrativa. 11:sse esfôrço foi parciahnente frustrado, à
devidamente aparelhado para exercer nenhuma das falta de um maior entrosamento dos técnicos de admi-
funções básicas de uma política de desenvolvimento nistracão com outros especialistas em ciências sociais.
econômico. As políticas monetária, fiscal, de exporta- Algo de semelhante ocorre no presente decênio aos eco-
ção e importação, cambial, de fomento industrial, de nomistas. Estão êles empenhados em formular políti-
assistência técnica à agricultura, dependem tôdas, en- cas de desenvolvimento econômico, sem se aperceberem
tre nós, de medidas mais ou menos improvisadas e do fato de que essas novas políticas exigem uma redefi-
quase sempre tomadas de forma desconexa. O apare- nição das funções do Estado e uma total reestrutura-
lho administrativo não permite o mínimo de integra- . ção administrativa dêste.
ção para que essas distintas políticas visem objetivos Um maior entrosamento entre especialistas em ciên-
de conjunto. cias políticas e administrativas e economistas consti-
Por outro lado, o crescente orçamento de inves- tui, portanto, no momento presente, condição indispen-
timentos que executa o Govêrno Federa] está sob a sável ao êxito da política de desenvolvimento e recons-
responsabilidade de órgãos cuja estrutura administra- trução do país.
tiva é simples remanescente das organizações de pres-
tação de serviços. A eficiência na aplicação dos, recur-
sos de capital, o valor social do investimento de ne-
nhuma maneira podem ser aferidos se a estrutura' admi-
6 DA OBJETIVIDADJ: DO ECONOMISTA.

economistas da geração que nos precedeu está exata-


81

mente nisto: não acreditamos em ciência econômica


pura, isto é, independente de um conjunto de princí-
pios de convivência social preestabelecidos, de julga-
mentos de valor. Alguns dêsses princípios podem ten-
der à universalidade, como a norma de que o bem-estar
DA OBJETIVfflADE DO social deve prevalecer sôbre o interêsse individual. Con-
ECONOMISTA tudo, no estágio em que nos encontramos de grandes
disparidades de graus de desenvolvimento econômico e
integração social - para não falar dos antagonismos
que prevalecem com respeito aos ideais da convivência
/J RESPONSABILIDADE dos homens de pensamento social - seria totalmente errôneo postular para o eco-
_/,1- cresce nas fases de rápidas transformações so- nomista uma equívoca idéia de objetividade, empres-
ciais. Torna-se possível, então, uma lúcida tomada de tada às ciências físicas.
consciência dos grandes problemas sociais, abrindo-se Para o economista, objetividade consiste exatamen-
para os trabalhadores do pensamento a oportunidade te em compreender que o fenômeno econômico não
única de cooperar conscientemente no aperfeiçoamento pode ser captado fora de seu contexto e que para si-
da cultura e de contribuir para o desenvolvimento do tuá-lo nesse contexto são necessários juízos de valor
homem como ser social. Essa responsabilidade não po- que pressupõem a aceitação de princípios. Sempre que
derá, entretanto, ser cumprida se as universidades, on- seja possível chegar a um acôrdo sôbre êsses princí-
de se congregam os homens de pensamento, não estive- pios, não será difícil estabelecer critérios de racionali-
rem adequadamente aparelhadas e nuperiormente orien- dade, elaborando-se uma ciência econômica suficiente-
tadas. Sem o esfôrço sistemático e disciplinado dos pes- mente eficaz para indicar a interdependência de fenô-
quisadores, sem a dedicação de analistas meticulosos e menos passados e presentes e inferir tendências com
conscientes das exigências metodológicas, a interpreta- respeito ao comportamento futuro de variáveis econô-
ção dos processos sociais passa a depender demasiada- micas relevantes. Nos países altamente desenvolvidos,
mente dos pensadores individuais e da posição de cada e que, portanto, alcançaram um elevado grau de inte-
um na estrutura social. gração social, um relativo acôrdo sôbre alguns princí-
Ao economista, mais do que a outros estudiosos da pios básicos pode fàcilmente ser alcançado. O mesmo,
sociedade, cabe exigir rigorosa definição de princípios. entretanto, não ocorre num país heterogêneo e em rá-
A objetividade na ciência econômica é tanto maior quan- pida transformação como o Brasil.
to mais explícitos estejam os princípios básicos de con-
Contudo, já constitui grande progresso havermos
vivência social que hajam sido postulados e aceitos pelo
compreendido as limitações de nossa objetividade. Já
economista. A diferença fundamental entre nós e os
não procuraremos lá fora, pré-fabricadas, soluções para
82 A PR:2-REVOLUÇÃO BRASILEIRA DA OBJETIVIDADE DO ECONOMISTA &3

nossos problemas, sob a alegação de que alhures exis- da mão-de-obra, ou seja, a utilização plena da capaci-
tem economistas mais capazes do que aqui. A menos dade produtiva. Ora, isso vem a ser, em última instân-
que se demonstre que os juízos de valor dêsses bons cia, postular o ritmo de crescimento máximo compatí-
economistas correspondem aos princípios de convivên- vel com os princípios de convivência social aceitos
cia social que postulamos, suas recomendações muito naquele país. Evitar que a pressão inflacionária passe
provàvelmente serão menos objetivas para nós do que de certo ponto crítico, nos Estados Unidos, significa
as de nossos economistas, não obstante as limitações manter a taxa de crescimento ao seu nível mais alto.
dêstes com respeito ao domínio de alguns instrumentos Por outro lado, evitar qualquer colapso da procura efe-
de trabalho. tiva significa defender um elevado nível de investi-
O conflito que alguns economistas brasileiros têm mento. Assim, bastaria que os Estados Unidos conse-
tido com os competentes teóricos do Fundo Monetário guissem manter uma razoável estabilidade em sua eco-
Internacional ilustra claramente êsse problema da obje- nomia para que a taxa histórica de seu crescimento
tividade. Os economistas do Fundo Monetário aceitam, r.umentasse e possivelmente dobrasse. Podemos, por-
como postulado, que nada é mais important~ para um tanto, afirmar que os economistas do Fundo Monetário
sistema econômico que um grau mínimo de estabili- são plenamente objetivos quando pensam em têrmos
dade. Como todo postulado, êsse resulta de observações de economia altamente desenvolvida. Objetivos em fun-
empíricas, observações essas feitas em países de estru- ção dos princípios básicos que regem a vida norte-ame-
turas relativamente homogêneas. Nessas estruturas, o ricana, quais sejam lograr o máximo bem-estar social
crescimento econômico ocorre com um grau moderado dentro do regime de livre iniciativa econômica.
de ínflação. Ultrapassado êsse grau, os critérios de ra- Transplantadas para um país como o nosso, as de-
cionalidade começam a falhar, reduzindo-se o cresci- duções do Fundo Monetário resultam ser muito menos
mento ou aumentando o seu custo social. Em tais con- objetivas. Não sendo possível pensar em têrmos de
dições, a terapêutica para corrigir a inflação consiste, pleno emprêgo da mão-de-obra, a estabilidade passa a
via de regra, numa redução do gasto público ou do in- ser um problema estritamente de nível de preços. Ora,
vestimento privado. tidas em conta as flutuações da procura externa e a
Ao tentar universalizar essas regras, os economistas precária orientação dos investimentos, manter estável
do Fundo Monetário cometem um êrro de sérias conse- o nível de preços, sem outras medidas, pode custar de-
qüências para os países subdesenvolvidos, êrro êsse tanto semprêgo permanente de parte da capacidade produ-
mais grave quanto decorre da aplicação de critérios tiva. Dessa forma, a estabilidade poderia ter um custo
supostamente científicos. social mais alto do que a própria ínflação. Transfor-
O centro da questão está em que postular a esta- mar a estabilidade de meio em fim é colocar como prin-
bilidade é coisa distinta conforme se trate de estrutu- cípio básico de convivência social a imutabilidade na
ras desenvolvidas ou subdesenvolvidas. Postular a esta- distribuição da renda. Como isso não foi tornado expli-
bilidade nos Estados Unidos é postular o pleno emprêgo cito pelos economistas do Fundo Monetário, temos de
A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA. DA OBJETIVIDADE DO ECONOMISTA 85

concluir pela falta de objetividade dos mesmos ao abor- mão-de-obra criam-se as condições para que a taxa de
dar nossos problemas, ou seja, pela falta de racionali- investimento atinja seu optimum e para que as ante-
dade com respeito aos juízos de valor básicos. cipações dos empresários alcancem o máximo de obje-
Essa prova da objetividade deveria ser aplicada, tividade. Em tais condições, interferir no processo de
como regra, àqueles problemas fundamentais em tôrno crescimento através de um aumento artificial da taxa
dos quais se divide a opinião dos responsáveis pela po- de poupança poderá ter como conseqüência uma modi-
lítica econômica do país. Seria essa uma contribuíção ficação nas condições da procura e uma baixa de efi-
valiosa para provocar a tomada de consciência dos pro- ciência na aplicação dos novos investimentos. Sendo
blemas de nosso desenvolvimento social. Tomemos co- assim, somente um influxo de capitais externos poderia
elevar a taxa de investimento, sem baixa na eficiência.
mo exemplo a questão palpitante da dicotomia entre
média dêsse investimento.
defensores do capital estrangeiro e nacionalistas ardo-
rosos. Aplicar êsse modêlo a uma economia subdesenvol-
vida constitui, entretanto, grande falta de objetividade.
O diálogo entre êsses dois grupos tornou-se impra- Tivesse um país como o Brasil de depender de um fluxo
ticável, pelo fato de que os juízos de valor implícitos continuado de capitais externos para desenvolver-se, e
são distintos e nem sempre claramente estabelecidos. suas atuais perspectivas seriam muito pouco alvissa-
Partindo de postulados diversos, cada interlocutor trata reiras. Isso porque a entrada de capitais externos signi-
de demonstrar o irrealismo da posição contrária. Veja- fica a criação de um fluxo permanente de renda de
mos o caso dos defensores do capital estrangeiro. Pos- dentro para fora do país. Se os capitais externos con-
tulam êles que, em um país subdesenvolvido, o fator tribuem para aumentar as exportações ou substituem
de produção por excelência escasso é o capital: elevar importações, êsse fluxo pode não criar problemas de
a taxa de investimento com recursos próprios é extre- balanço de pagamentos. Na nossa etapa atual de de-
mamente difícil, em face do baixo nível de renda per senvolvimento, entretanto, o investidor estrangeiro tí-
capita. É o círculo infernal da pobreza. Para quebrá-lo pico contribui, em grande parte, para criar novos há-
é mister recorrer à ajuda externa. Ora, êsse raciocínio bitos de consumo e para estimular a procura do corum-
resulta, em grande parte, da transposição para as eco- midor de alta e média rendas. Contribui, assim, a re-
nomias subdesenvolvidas de observações feitas em sis- duzir a poupança espontânea, ao mesmo tempo que
temas homogêneos e altamente integrados. O princí- cria um fluxo de renda para o exterior de conseqüên-
pio aí subjacente é o de que o ritmo de crescimento é cias sérias para o balanço de pagamentos.
mna função conhecida do nível de emprêgo, pois é o Pode-se admitir, em função da experiência histó-
nível de emprêgo que determina, por um lado, a taxa rica, que a capacidade de pagamento externo dêste país
de investimento e, por outro, a eficiência na aplicação continuará a crescer menos do que a procura global.
dos investimentos. Em outras palavras, numa econo- Em outras palavras, que o valor real das exportações
mia desenvolvida, ao alcançar-se o pleno emprêgo da crescerá menos que o produto real. É essa uma obser-
DA OBJETIVIDADE DO ECONOMISTA 87
86 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA

vação válida para pràticamente todos os países. Mas daí deduzir que êste país possa desenvolver-se sem con-
não está tudo aí. Se, por um lado, a moeda de curso tribuição - em alguns casos, ampla contribuição - do
mternacional tende a ser um bem cada vez mais es- capital estrangeiro. O Brasil não é senão uma parcela
easso entre nós, por outro sua procura tende a ser cada de uma economia mundial em crescimento. E nessa
vez mais intensa, pelo simples fato de que o avanço economia mundial o desenvolvimento da técnica reali-
tecnológico é mais rápido fora do Brasil que dentro de za-se, de preferência, em alguns países, que são ciosos
nossas fronteiras. Êsse problema não existia na época dêsse importante patrimônio que detêm. Mesmo que
em que as divisas nos serviam apenas ou principalmen- tomássemos plena consciência dêsse problema e reali-
te para comprar bens de consumo. Mas entramos numa zássemos, a partir de hoje, um grande esfôrço para
fase em que nossas importações passam a ser bàsica- independentizar-nos no plano tecnológico, teríamos ain-
mente constituídas de equipamentos, e equipamentos da que passar muitos decênios como simples caudatários
portadores dos últimos avanços da tecnologia. Já não da pesquisa científica e suas aplicações técnicas nos
importaremos trilhos, vagões ferroviários ou caminhões. grandes centros mundiais. Ora, queiramos ou não, gran-
E sim aquêles equipamentos que representam a van- de parte da tecnologia moderna ou é pràticamente ina-
guarda do progresso tecnológico. Destarte, a contribui- cessível ou custa elevado preço. Por outro lado, essa
ção do capital estrangeiro deve ser confrontada com seu tecnologia, em muitos casos, só é eficiente se continua
custo em têrmos de redução da capacidade para impor- a beneficiar-se do trabalho diuturno dos grandes cen-
tar equipamentos durante tempo indefinido no futuro. tros de pesquisa que as elaboraram. Ou exigem, desde
Êsse problema não existe para um país altamente de- o início, pessoal técníco experimentado, de pifícil re-
senvolvido, pelo simples fato de que seu crescimento crutamento. Como desenvolver êste país de enormes
depende muito menos da importação de equipamentos dimensões sem utilizar, a fundo, os recursos da técnica
e tecnologia. moderna? E como ter acesso a êsses recursos sem pa-
Consideremos agora o problema do lado daqueles gar o preço que êles custam?
que são intransigentemente contra o capital estrangei- Confrontando os resultados de nossa análise che-
ro. Postula-se, dêste lado, que a vantagem trazida ao gamos à conclusão de que, para que possamos auferir
país pelo influxo de capital estrangeiro é totalmente os autênticos benefícios do capital estrangeiro - aquê-
fictícia, pois êsse capital aqui chegando liga-se à pou- les derivados do influxo da tecnologia em permanente
pança interna, contribuindo para desnacionalizá-lo. Os renovação, - necessitamos de uma política disciplina-
empréstimos levantados no país pelos grupos estran- dora da entrada dêsses capitais. Permitir o seu influxo
geiros, uma vez resgatados, transformam-se em capital desordenado será seguramente privar o país, no futuro,
estrangeiro, contribuindo para avolumar a saída de re- das reais vantagens da cooperação dêsses capitais, em
cursos do país e para agravar a pressão sôbre o balanço setores de tecnologia menos acessível. Por outro lado,
de pagamentos. Ora, mesmo que se reconheça uma criar condições de hostilidade generalizada aos capitais
grande dose de verdade nessas afirmações, não se pode estrangeiros, significará aumentar o preço que sempre
88 A PRk-REVOLUÇ,.1..0 BRASILEIRA DA OBJETIVIDADJ: DO ECONOMISTA 89

teremos de pagar pela contribuição indispensável da dessa ordem na estrutura dos investimentos dificilmen-
técnica alienígena, e, assim, dificultar o desenvolvimen- te poderia realizar-se espontâneamente.
to do país. O problema básico dos países subdesenvolvidos é
Consideremos agora outro aspecto do problema. Em aumentar a eficiência de seus investimentos. :tl:sse pro-
uma economia desenvolvida, conforme observamos, a blema pràticamente não existia nas etapas em que o
taxa de crescimento que se alcança, em situação de desenvolvimento se fazia sob a pressão de uma procura
pleno emprêgo da mão-de-obra, pode ser considerada externa em expansão. O elemento dinâmico atuava,
como ótima. Não seria fácil superá-la, sem comprome- então, de fora para dentro, sendo que a orientação dos
ter o funcionamento normal do sistema, a menos que investimentos refletia, por um lado, uma procura ex-
se beneficie o país de um influxo de capital estran- terna em expansão e, por outro, a ação de uma procura
geiro. Ora, nada mais longe da realidade de um país interna que se diversificava com seu próprio cresci-
subdesenvolvido do que essa afirmação. O que respon- mento. Os investimentos de infra-estrutura podiam ser
de pela baixa taxa de crescimento de um país subde- atendidos por grupos privados, interessados no finan-
senvolvido é menos o volume do investimento do que ciamento de um comércio exterior em franco cresci-
a inadequada orientação dêste. É por esta razão que mento.
os adeptos do lai.ssez-faire nos parecem tão fora da rea- A situação presente é totalmente distinta. Nenhum
lidade em um país como o nosso, particularmente nas fator dinâmico atua de fora para dentro. Os investi-
regiões mais pobres. Nestas últimas o Zai.ssez-faire signi- mentos de infra-estrutura não podem ser orientados
fica, simplesmente, a perpetuação da miséria. Os re- em função de linhas definidas de exportação. Não sà-
cursos disponíveis para investimento são colocados em mente financiar os investimentos infra-estruturais se
residências de luxo, em clubes suntuosos, ou são ex- torna tarefa complexa, mas também orientá-los. O Go-
portados. Tais investimentos não criam emprêgo per- vêrno, a quem cabe reunir os recursos para financiar
manente para a população e, portanto, em nada contri- fases investimentos, ainda não se aparelhou, entretan-
buem para mudar a estrutura econômica. Em um ano to, para orientá-los adequadamente. Resulta, daí, forte
bom, de boas colheitas e grandes exportações, o inves- baixa na eficiência de tais investimentos. E dessa ine-
timento pode dobrar sem que nada de fundamental ficiência dos serviços básicos resultam deseconomias ex-
ocorra. Para romper êsse círculo vicioso, é mister mo- ternas para o conjunto do setor privado.
dificar fundamentalmente a orientação dos investimen- Considero que o passo mais importante a dar no
tos, o que exige ação decidida do poder público. Em aperfeiçoamento de nossa política econômica consiste
uma primeira fase, trata-se de concentrar os investi- em disciplinar com muito mais rigor o investimento
mentos no setor infra-estrutural, para os quais difi- público. Essa disciplina pressupõe cuidadosa análise
cilmente se pode contar com a iniciativa privada; em das tendências e potencialidade da economia nacional.
fase subseqüente, criam-se os estímulos para que o in- A ação supletiva do Estado deveria estar presente em
vestimento privado possa reorientar-se. Modificação todos os setores, se essa discipiina tivesse que ser efeti-
90 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA DA OBJETIVIDADE DO ECON01:!ISTA 91

vamente cumprida. A iniciativa privada, exercendo as bilizadas. Os ideais da convivência social, particular-
suas expectativas num campo assim iluminado pelos mente em uma sociedade com elevada diferenciação de
programas a mais longo prazo dos investimentos infra- classes, não podem ser subordinados estreitamente aos
estruturais, poderia aumentar amplamente sua efi- critérios do desenvolvimento econômico. O objetivo úl-
ciência. timo de tOdos aquêles que trabalhamos nas ciências
Necessitamos realizar um grande esfôrço para re- sociais é criar condições para o aperfeiçoamento do
ver aquilo que ensinamos nas universidades sôbre a homem, harmônicamente desenvolvido. Não se pode
teoria dos investimentos. Em nenhum setor da teoria desconhecer que, em um país subdesenvolvido, os as-
econômica o preconceito do laissez-faire nos tem sido pectos econômicos do desenvolvimento social assumem
tão prejudicial como neste. Aceitamos, de bom grado, grande urgência. Não é possível educar o homem sem
que o Estado se encarregue de um têrço ou mais dos antes lhe matar a fome. Contudo, relegar a segundo
investimentos, mas não nos preocupa o fato de que o plano outros aspectos do problema social seria compro~
Estado não dispõe de critérios objetivos para orientar meter o desenvolvimento subseqüente da cultura que
êsses investimentos. deverá moldar o homem do futuro.
Tornamos, assim, à questão inicial da objetividade
na ciência econômica. Como formular uma teoria obje-
tiva dos investimentos, públicos ou privados, se não
aceitamos de antemão alguns princípios relacionados
com a ação do Estado na orientação do desenvolvimen-
to social? Êsses princípios estão implícitos na política
fiscal, monetária e cambial, ou são alterados quando
criamos organismos de crédito para financiar, a longo
prazo, certos tipos de investimento. O que nos tem fal-
tado é, tão-somente, uma discussão aberta dêsses prin-
cípios, discussão que faça emergir uma autêntica dou-
trina do desenvolvimento nacional, capaz de aglutinar
o esfôrço construtivo dos homens de pensamento. Dis-
puséssemos dessas diretrizes e bem mais fácil seria en-
caminhar os homens de ação para uma tomada de cons-
ciência mais lúcida dos problemas que enfrentam tu-
multuadamente neste país em rápida transformação.
Esta matéria, evidentemente, transcende da competên-
cia exclusiva dos economistas. A ciência política, a so-
ciologia e outras disciplinas deverão ser igualmente mo-
7
A FORJ.L:\ÇÃO DO ECONOMISTA 93

No ponto de convergência dêsse mare magnum de


problemas, traduzidos todos em linguagem de urgência,
referidos a uma realidade em rápida mutação que não
pode ser fixada senão quando já deixou de ser para
transformar-se em estatísticas, no centro de tudo isso
está o economista. Estará êle preparado para respon-
A FORMA.CÃO no ECONOMISTA
~
der a êsse desafio?
EM.PAÍS SlJBDESENVOLvmo O jovem aplicado e inteligente que criteriosamente
fêz o seu curso de Economia, entre nós, terá conseguido
um razoável conhecimento das múltiplas dependências
dessa mansão senhorial que é a teoria dos preços. Es-
tará em condições de traçar caprichosas famílias de
curvas de indiferença e de discutir sôbre a teoria do
/ ; ) ONVERGEM sôbre os economistas, de todos os la- comportamento de consumidor e do equilíbrio da firma
L dos, os chamados mais urgentes. O desenvolvi- a níveis distintos de complexidade. Terá dado muitas
mento econômico, qualificado como o problema do sé- voltas em tôrno das teorias monetárias e muito esfôrço
culo, é matéria de sua especialidade. As desigualda- terá feito para descobrir as linhas de parentesco entre
des entre níveis de vida de grupos populacionais, e as essas teorias e o corpo central das teorias econômicas.
disparidades entre ritmos de crescimento de sistemas eco- Conhecerá muitas doutrinas sôbre o ciclo econômico,
nômicos, também são matérias da competência do eco- se bem que no íntimo esteja convencido dê que elas
nomista. Os grandes desequilíbrios causadores de ten- tôdas dizem mais ou menos a mesma coisa, ou não di-
sões político-sociais, sejam aquêles decorrentes de desa- zem nada. Haverá construído alguns esquemas abstra-
justamentos entre a poupança e a inversão, entre a .tos para determinar o ponto de equilíbrio das balanças
oferta de bens de consumo e o desejo dos consumidores de pagamentos. Terá avançado algo pelos caminhos im-
de exercer o seu poder de compra, entre a capacidade previstos do modêlo keynes.iano e talvez saiba combi-
de pagar no exterior e a propensão para importar, en- nar com elegância o multiplicador e o acelerador. Fi-
tre o que a coletividade solicita do Govêrno e a cana- nalmente, haverá lido, assistemàticamente, muita coisa
cidade de pagamento dêsse Govêrno, entre o desejo· de sôbre "desenvolvimento econômico", se bem que não
desenvolver-se econômicamente e a ansiedade de gastar tenha encontrado conexão clara dessas leituras com as
de imediato o disponível, sejam aquêles de caráter mais boas teorias aprendidas nos compêndios.
social como os causados pelo contraste entre os desper- Ao enfrentar-se com o mundo real, êsse economis-
dícios visíveis e as necessidades gritantes não satisfei- ta sente-se, para surprêsa sua, extremamente frustra-
tas, enfim, os desequilíbrios que estão na raiz dos gran- do. Indo trabalhar numa emprêsa privada, logo perce-
des problemas de nossa época são de natureza econô- berá que a análise marginal está destituída de qual-
mica ou têm uma importante dimensão econômica. quer alcance prático. Em pouco tempo terá percebido
94 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA A FORMAÇÃO DO ECONOMISTA 95

que é muito mais importante compreender as limita- tive. Observar o mundo real é, para o economista, de
ções de natureza administrativa e as controvérsias de alguma forma, saber esquematizá-lo ou simplificá-lo.
tipo fiscal que emaranham a vida de uma emprêsa do Em outras palavras, é saber reduzir o comportamento
que conhecer os mais sutis caprichos da posição de dos fenômenos reais à interação de um número de va-
equilíbrio de uma firma teórica. Para fazer um bom riáveis suficientemente pequeno para que possamos in-
estudo de mercado necessita-se muito mais saber tra- tegrá-las em um esquema conceitua!. Quanto maior a
balhar com a imaginação à base de dados e informa- simplificação, menor o número de variáveis, e quanto
ções indiretas do que de refinadas técnicas de anáiise. menor o número de variáveis, mais fácil será integrá-
A desorientação será bem maior ainda, entretanto, las em um esquema. Desta forma, tôda teoria de ele-
se o economista fôr convocado para trabalhar no setor vado rigor, em Economia, corresponde a uma realidade
público. Neste caso perceberá, em pouco tempo, que se extremamente abstrata, ou grandemente simplificada.
tudo que aprendeu não é totalmente inútil, quase tudo Em matéria de comércio internacional, por exemplo, a
que é reahnente útil êle deixou de aprender. Surge en- teoria mais rigorosa é aquela que se refere a um mun-
tão o problema da pós-graduação. A situação será re- do formado por dois países e a um intercâmbio em que
mediável se o economista houver recebido uma base entram apenas dois produtos, etc.
adequada, que o capacite para complementar, median- Ora, a grande dificuldade que enfrenta o estudan-
te esfôrço próprio, a sua formação. Está aqui a chave te de Economía, em um país subdesenvolvido, é que as
de nosso problema. teorias que lhe são ensinadas são exatamente aquelas
Para que possa retificar e complementar a sua que se baseiam em observações feitas mediante extre-
formação e desenvolver-se com base na própria expe- ma simplificação de um mundo real que, demais, do
riência, o economísta deve ter uma idéia clara do que ponto de vista estrutural, é fundamentahnente distinto
é a Economia como ciência. Deve saber que tôda ciên- daquele em que êle vive. Essas simplificações do mun-
cia trabalha com esquemas conceituais, mas elabora e do real são muitas vêzes ditadas pela mera conveniên-
testa êsses esquemas com base na observação do mun- cia do uso de certas técnicas de análise. Não devemos
do objetivo. Desta forma, o fundamental na formação esquecer que quem analisa a realidade adota uma téc-
do economísta é que nêle se haja desenvolvido a apti- nica de anáiise, técnica essa que preexiste à escolha do
dão para observar de forma sistemática o mundo obje- objeto analisado. E, uma vez adotada determinada téc-
tivo. Não devemos esquecer que a observação discipii- nica, ou método, é comum, em Economia, que a pró-
nada da reaiidade objetiva é muito mais difícil em Eco- pria técnica, emprestada de outra ciência, passe a con-
nomia que na maioria das outras ciências, dadas a dicionar a marcha do esfôrço de teorização. É de to-
grande complexidade e a permanente mutação dessa dos conhecida a influência esmagadora que o cálculo
realidade mesma. Como é impraticável captá-ia em infinitesimal exerceu sôbre os economistas marginalis-
tôda a sua complexidade, torna-se indispensável desta- tas, cujos modelos de firma-padrão, de consumídor tí-
car ou abstrair aquilo que a realídade econômica tem pico, de equilíbrio parcial, etc. chegaram a afastar-se
de mais permanente, ou que nela é mais representa- distâncias quilométricas da realidade, a fim de que o
96 A PRt:-REVOLUÇA.O BRA.SILEIBA. A FORMAÇ.8.0 DO ECONOMISTA 97

trabalho de teorização pudesse avançar dentro dos ca- car indíscriminadamente a realidade de um país qual-
minhos abertos pela análise diferencial e integral. quer.
Mas não somente o predomínio de certas técnicas As teorias econômicas falecem, assim, de uma du-
sofisticadas de análise tem contribuído para alienar o pla debilidade. A primeira deriva de que as hipóteses
nosso economista do mundo real. A maneira mesma explicativas são formuladas com respeito ao comporta-
como se apresentam as teorias econômicas nas Facul- mento de modelos demasiadamente simplificados, o que
dades vem contribuindo para a alienação do estudante. em grande parte se deve à aplicação de técnicas de aná-
A forma verdadeira de ensinar uma ciência consiste em lise elaboradas para outro tipo de trabalho científico.
apresentar os seus quadros conceituais como sistemas Essa primeira falha é de natureza universal e vem sen-
de hipóteses, cuja eficácia explicativa deve ser testada do superada através de um grande esfôrço feito no sen-
com respeito a uma determinada realidade. 11:sse teste, tido de melhorar a base de observação empírica, atra-
entretanto, raramente é feito no ensino de Economia, vés da acumulação de informações estatísticas e outras,
entre nós. Quando muito, procura-se demonstrar a con- e também no sentido do desenvolvimento autônomo de
sistência lógica interna do sistema de hipóteses, par- técnicas de análise, inclusive no campo matemático.
tindo de um conjunto de definições; mas raramente A segunda debilidade, específica da Economia en-
se aborda o problema de sua eficácia explicativa com sinada em nosso país, tem sua raiz em que as teorias
respeito a uma determinada realidade empírica. Em correntes, em sua generalidade, foram formuladas para
outras palavras, raramente se passa do campo da dou- explicar o comportamento de estruturas distintas da
trina para o da teoria científica. nossa. As diferenças entre as estruturas des~nvolvidas
Não se creia, entretanto, que seria tarefa fácil dar e subdesenvolvidas parecem ser suficientemente gran-
êsse passo decisivo do campo das doutrinas (cujo teste des para retirar parte substancial da eficácia explica-
se realiza no terreno da lógica) para o das autênticas tiva de muitas das teorias econômicas de maior acei-
teorias científicas (cujo teste reside em sua eficácia tação. Ora, como ainda não existe um corpo de teorias,
explicativa) em um país subdesenvolvido. A doutrina ou de variantes teóricas, elaboradas diretamente para
refere-se a um protótipo ideal, criado em nosso espí- explicar o comportamento de uma economia subdesen-
rito, ao passo que uma teoria científica diz respeito a volvida, semi-industrializada, com insuficiência crônica
um dado mundo real. O que tem ocorrido em Econo- de capacidade para importar, com excedente estrutural
mia é que uma teoria, formulada para explicar deter- de mão-de-obra em tôdas as direções, como é a nossa,
minada realidade com limites no tempo e no espaço, não é de admirar que o estudante de Economia saia de
é correntemente transformada em doutrina de validez sua escola e comece a enfrentar o mundo real com mais
universal. Assim, uma teoria formulada para explicar dúvidas e perplexidades do que outra coisa.
o comportamento da balança de pagamentos de um Em face da escassez de teorias econômicas de apli~
país como os Estados Unidos, quando universalizada, cação viável nas estruturas subdesenvolvidas, considero
transforma-se em mera doutrina, que pode servir para que, na formação do economista, deve-se dar prioridade
justificar determinadas políticas, mas não para expli- ao domínio das técnicas que capacitam para observar
8
98 A PRt-REVOLUÇÃO BRASILEIRA

de forma sistemática a realidade econômica. Saber


observar metodicamente o mundo real, isto é, saber re-
tirar da realidade, com os meios disponíveis, os elemen-
tos necessários à representação da mesma em têrmos
econômicos é mais importante do que um refinado co-
nhecimento dos mais sutis modelos escolásticos. Em
segundo lugar, em razão do caráter histórico dos fenô- B.ENOVACÃO DO PENSAMENTO
~

menos econômicos, devemos ter sempre em conta que a ECONÔMICO


validez de uma teoria é muito mais limitada, em Eco-
nomia, do que em outras disciplinas científicas. Em
ciência, poder explicar significa estar armado para pre-
ver. Em Economia, explica-se dez para poder prever
um, e o que se logra prever é sempre o mais geral, isto J'1 xrsTE, no momento presente, óbvia necessidade
é, aquilo que é comum a uma multiplicidade de fenô- ( _ de reconsideração crítica do conjunto de ensina-
menos e, portanto, tem um caráter histórico limitado. mentos teóricos que professamos e aprendemos em nos-
Em outras palavras: aquilo que é mais específico de sas escolas de Economia. Do ponto de vista do desen-
uma determinada realidade, é o que mais dificilmente volvimento nacional, seria de grande conveniência que
pode ser previsto. Na medida em que o econômico se se iniciasse um movimento tendente a estimular o traba-
esvazia de seu conteúdo histórico e mais se aproxima lho teórico, de natureza crítica ou criadora. 1!:sse es-
de um protótipo abstrato, mais pode ser previsto. Se- fôrço pode ser iniciado através de cursos de pós-gra-
ria, entretanto, ingênuo atribuir excessiva importância duação. A medida que apresente os seus primeiros fru-
a essa previsão que se refere a uma realidade esvaziada tos, repercutirá necessàriamente em reorientação e re-
de seus ingredientes mais específicos. novação dos cursos universitários regulares. Um traba-
O economista que possua uma base metodológica lho dêste tipo convém que seja iniciado modestamen-
sólida, e clara compreensão do método científico em te, por pequenos grupos de jovens com autêntica apti-
geral, tende a ser, quase necessàriamente, entre nós, dão para a pesquisa científica. Desde Jogo, devemos
heterodoxo. Em pouco tempo êle aprenderá que os ca- aceitar como fato comprovado que entre nós ainda não
minhos trilhados lhe são de pouca valia. Logo perce- existe atividade econômica de natureza científica. Com
berá que a imaginação é um instrumento de trabalho efeito, se compulsarmos as revistas internacionais es-
poderoso e que deve ser cultivada. Perderá em pouco pecializadas, veremos que o Brasil contribui, se bem que
tempo a reverência diante do que está estabelecido e modestamente, para o desenvolvimento da ciência nos
compendiado. Na medida em que venha a pensar por campos da Matemática, da Física teórica, da Biologia,
conta própria, com independência, reconquistará a auto- e em alguns outros. No campo da Economia, entretan-
confiança, perderá a perplexidade. to, nós não existimos. Isto é tanto mais impressionante
quanto a realidade econômica brasileira é das mais es-


100 A PRis-REVOLUÇAO BRASILEIRA RENOVAÇ.~O DO PENSAMENTO EOONô~ICO 101

timulantes, oferecendo uma massa enorme de fatos que é que se introduzam os múltiplos elementos de uma rea-
estão a exigir observação metódica e explicação cien- lidade concreta no quadro estreito de um modêlo e se
tífica. conservem as hipóteses explicativas iniciais, cobrindo
Não se trata, como muitos observadores apressa- com roupagem científica um amontoado de ilogismos.
dos concluem, visando a desacreditar qualquer esfôrço Outra forma de fazer falsa ciência, que também en-
nesse sentido, de fazer uma ciência econômica nova. cobre entre nós a ausência de autêntico trabalho cien-
Trata-se de contribuir para o normal desenvolvimento tífico, consiste em introduzir novos refinamentos em
da ciência, através de um confronto sistemático das modelos cuja eficácia explicativa já apresenta reduzido
teorias convencionais com uma realidade que indubità- alcance, em razão de seu elevado grau de abstração.
velmente possui muito de específico, qual seja a pro- 11:sses refinamentos são operações que quase sempre en-
porcionada por nossa vida econômica. Porque não pos- volvem um trabalho mental de segunda ordem, pois
suímos um ambiente científico no setor dos estudos de não exigem qualquer capacidade criadora. Resultam,
Economia, somos todos víumas de doutrinas mais ou via de regra, da introdução na economia de técnicas de
menos fechadas e exclusivistas. A doutrina é uma teo- análise desenvolvidas em outros campos científicos. Ca-
ria, ou um conjunto de hipóteses, que, tendo sido uti- so conspícuo dessa alienação científica foi a introdu-
lizada com êxito em certo contexto histórico, - o que ção do cálculo infinitesimal na análise do comportamen-
lhe adjudica validez de primeira aproximação em si- to do consumidor.
tuações similares, - passa a ser utilizada como fór- Nada seria tão profícuo para elevar o nível de
mula de maneira indiscriminada. Em Economia, a ten- nossa política econômica como a criação, entre nós, de
dência para a doutrina é particularmente perigosa, pelo um ambiente científico no setor econômico. Sàmente
simples fato de que as teorias econômicas são sempre assim superaremos o dogmatismo sin1plório dos econo-
formuladas a um elevado nível de abstração, isto é, com mistas que escrevem crônicas de jornal em tom ora-
base em uma grande simplificação da realidade. Quan- cular. Estaremos, então, em melhores condições para
<io apreciamos com sentido crítico qualquer teoria eco- submeter os fatos do nosso desenvolvimento econômico
nômica, logo comprovamos que a mesma foi concebida à observação e à análise ordenadas; para conhecer me-
em função de um modêlo altamente simplificado. Sem- lhor as relações entre desenvolvimento, as modificações
pre que introduzimos novos elementos nesse modêlo, de estrutura e as tensões inflacionárias que têm preva-
somos forçados a abandonar muitas das hipóteses inte- lecido neste país nos últimos três decênios. De resto,
grantes da teoria, a fim de dar maior generalidade à estaremos mais bem preparados para defender-nos con-
mesma, o que redunda em perda de rigor nas explica- tra o dogmatismo de origem externa. Um político bem
ções. Muitas vêzes, ao tentar generalizar uma teoria dotado de intuição, com capacidade para captar a nossa
reduzimos de tal forma sua eficácia explicativa que ela realidade, sabe que seria extremamente perigoso e tal-
se transforma em simples truísmo, perdendo todo va- vez inviável adotar entre nós uma política de estabili-
lor como guia para a política econômica. O comum, zação do tipo da que o Fundo Monetário Internacional
entretanto, num ambiente carente de crítica científica, vem preconizando e que apresentou bons exemplos na
102 A PRÉ-REVOLUÇAO BRASILEIRA RENOVAÇÃO DO PENSAMENTO ECONôMICO 103

Argentina e no Chile. Entretanto, não estamos em con- gida contra os chamados excessos do industrhlismo dos
dições de formular uma alternativa que corresponda anos de guerra e que do irrealismo dessa política resul-
às autênticas neces~idades do nosso desenvolvimento. taram o rápido esgotamento de nossas reservas cam-
Outro ponto a exigir cuidadosa análise diz respeito biais e o subseqüente sistema de contrôle de câmbios.
à necessidade de que tenhamos uma política de desen- Sabemos que o contrôle de importação e cambial, na
volvimento em consonância com as características con- ausência de uma autêntica política de desenvolvimento,
tinentais do nosso país. Devemos reconhecer que o de- fomentou investimentos especulativos em indústrias de
senvolvimento não poderá continuar a processar-se à caráter suntuário ou de baixa essencialidade, enquanto
custa de desigualdades crescentes entre as condições permaneciam atrasados os investimentos na infra-estru-
de vida de grandes grupos da população brasileira. ll:sse tura econômica e nas indústrias de base.
problema deve ser objeto de debate em escala nacional Devemos reconhecer que as fôrças profundas que
e de estudo sistemático por parte dos institutos de pes- operam no sistema econômico foram mais fortes do que
quisas nos diversos campos das ciências sociais. Os eco- as resistências ideológicas daqueles que não compreen-
nomistas têm aqui uma importante contribuição a dar, diam o Brasil senão em têrmos do passado. Mas tam-
mas não poderão, de maneira nenhuma, esgotar a ma- bém devemos reconhecer que um desenvolvimento feito
téria. Teremos que trabalhar em conjunto com outros sem a orientação de uma autêntica política de desen-
especialistas das ciências sociais, em particular os estu- volvimento teria necessàriamente que desembocar nos
diosos da ciência política e da administração. profundos desequilíbrios, tanto funcionais como regio-
Cabe reconhecer, antes do mais, que a agravação nais, que atualmente nos acabrunham e cuja correção
das desigualdades regionais que presenciamos nos últi- consumirá grande parte das energias do pàís nos anos
mos três decênios, isto é, exatamente na época em futuros.
que o país encontrou o caminho da industrialização, Cabe, portanto, considerar a agravação dos equilí-
foi conseqüência não do desenvolvimento, mas da au- brios regionais como uma conseqüência de falta de po-
sência de uma política que orientasse êsse desenvolvi- lítica nacional de desenvolvimento. Em outras palavras,
mento. ll: necessário reconhecer que o desenvolvimento a questão do Nordeste não pode ser separada do pro-
dos últimos três decênios - etapa em que superamos blema do desenvolvimento nacional. Por outro lado,
a velha estrutura colonial de economia exportadora de não é possível pensar em política de desenvolvimento
produtos primários - ocorreu a despeito da persistên- nacional sem ter em conta as dimensões continentais
cia entre os homens que dirigem o país de ideologias do país e as disparidades de níveis de produtividade e
conflitantes com êsse desenvolvimento, ou pelo menos de renda que já existem entre importantes grupos de-
com a forma que o mesmo assumia. Sabemos todos que mográficos. Se continuarmos a atuar de forma impro-
a industrialização dos anos trinta foi uma conseqüên- visada, solucionando de cada vez aquêles problemas que
cia indireta de medidas extremadas para proteger a eco- assumem o caráter de crises, estejamos certos de que
nomia de exportação, em particular o café. Sabemos por muito tempo teremos ainda de caminhar no sen-
que a política cambial do imediato pós-guerra foi diri- tido de agravação das tensões atuais.
A PR:t-REVOLUÇÃO BRA$lLEI1,.JA
RENOVAÇÃO DO PENSAMENTO ECONOMICO 10•
104

de investimento do govêrno que se mantenham alheios


Mas não será suficiente que abordemos o problema
à pressão de grupos eleitoreiros ou econômicos. Se não
em escala nacional e que tenhamos uma política ade-
estamos em condições de superar o feudalismo político
quada de investimentos públicos, de estímulos à inicia-
é que ainda não amadurecemos suficientemente para
tiva privada, de assistência técnica aos setores mais
a grande tarefa de arrancar o Nordeste da estagnação
atrasados como a agricultura, etc. Uma política de de-
sem o sacrifício de grandes comoções sociais.
senvolvimento nacional é causa necessária mas não su-
ficiente para bem encaminhar o problema dos desequi- Os dois temas referidos, como simples sugestão pa-
líbrios regionais, em particular o do Nordeste. Não de- ra a reflexão, são suficientes para indicar a importân-
vemos desconhecer que, se o nosso atraso econômico é cia que poderá ter uma discussão sôbre problemas eco-
grande, maior ainda é o de nossa estrutura social. Fiz nômicos que se prolongue em uma efetiva atividade
referência ao atraso relativo da forma de pensar dos de caráter científico. Sómente assim poderão os econo-
homens que dirigiam o país, nos últimos decênios, com mistas contribuir para que se forme uma consciência
respeito às transformações econômicas que se estavam mais objetiva da realidade nacional e para que novos
processando. ll:sse fenômeno apresenta-se amplificado elementos de racionalidade sejam introduzidos no de-
no Nordeste. Se bem já exista em alguns líderes da bate dos problemas de política econômica entre nós.
região, hoje em dia, uma clara consciência de que per- Acredito que pensar com clareza constitui um dever de
demos tôda uma geração e de que o tempo caminha tôdos aquêles que têm em suas mãos uma parcela de
velozmente contra nós, no sentido de que, se as solu- responsabilidade pública. Mas, nem sempre é possível
ções se nos escapam das mãos, poderão impor-se com pensar com clareza, à falta dos indispensáveis elementos
fôrça cataclísmica e sentido anti-social, ainda assim o de juízo. Cabe ao trabalho científico proporcionar êsses
que predomina é o espírito localista e o enfoque pater- elementos e assim contribuir para que se forme uma
nalista dos problemas. clara inteligência dos problemas.
Já se começa a compreender que é grande a respon-
sabílídade que cabe ao Govêrno Federal no encaminha-
mento e na solução do problema do Nordeste. Mas ain-
da se está longe de perceber que a primeira condição
para que o Govêrno assuma essa responsabilidade é atri-
buir-lhe autoridade técnica. As diretrizes da política de
desenvolvimento devem ser amplamente debatidas. Mas
os detalhes do planejamento devem ser preservados de
influências localistas ou de pressões de grupos de in-
terêsses. Considero que nada é tão importante, se de-
sejamos manter sob contrôle a situação do Nordeste,
quanto restabelecer a dignidade da função pública, exi-
gindo dos homens responsáveis pela execução de planos
9
A ECONOMIA BRASILEIRA NA METADE DO SEC. XX 107

formação de uma economia colonial num sistema in-


dustrial diferenciado. Temos em mãos uma latitude
de decisão sôbre o nosso destino insuspeitada mesmo
da maioria de nossos contemporâneos, que ainda vive
A ECONOMIA BBASILEfflA o ritmo de nossa história passada. Abriremos uma no-
NA METADE no SÉCCTLO XX va fase de transformações qualitativas em nossa for-
mação de nação continental, ou caminharemos para
uma cristalização da estrutura já estabelecida?

O DESAFIO O MóDULO DA ECONOMIA COLONIAL

O desenvolvimento econômico do Brasil, até fins

A s TRANSFORMAÇÕES estruturais da economia bra-


sileira, ocorridas no último quarto de século e in-
tensificadas no decênio mais recente, abrem perspecti-
vas que apontam para um dos grandes desafios lança-
da terceira década dêste século, processou-se, bàsica-
mente, por indução de fatôres externos. Na medida em
que lograva integrar-se em uma linha em expansão do
comércio internacional, a economia do Brasil crescia.
dos ao homem no século XX: a pequena nação patriar- Exportando açúcar, borracha, cacau ou café, recebía-
cal que, nos albores do século, apenas emergia de um mos o influxo das fôrças dinâmicas do merrado mun-
rudimentar sistema social escravista, poderá vir a ser dial em expansão, o que nos permitia crescer em ex-
uma das primeiras nações pela magnitude de sua po- tensão, ocupando novas terras, elevando a produtivi-
pulação, a diversidade de seu ecúmeno, a riqueza das dade da mão-de-obra já existente no país, incorporando
formas de adaptação do homem ao meio físico, a com- novos contingentes de população. ll:sse desenvolvimen-
plexidade e harmonia das relações étnicas, a fecundi- to extensivo, por indução de fôrças externas, foi a ca-
dade de uma cultura que traduz a interação com um racterística constante da economia brasileira, desde a
meio cujas ricas solicitações são um chamado à afirma- época colonial até fins do terceiro decênio dêste século.
ção de tôdas as fôrças criadoras do homem. Os nossos historiadores identificaram nesse desenvolvi-
Mas não se trata de fatalidade histórica, e sim de mento o seu caráter "cíclico": a cada período de pros-
desafio: de uma oportunidade que poderá ou não rea- peridade seguia-se outro de depressão. ll:sses "ciclos",
lizar-se, poderá ou não incorporar-se a nosso destino entretanto, não guardavam qualquer semelhança in-
de povo. Neste momento, cabe-nos contribuir para que trínseca com a forma cíclica de crescer da economia de
se ilumine intensamente a consciência de que vivemos livre-emprêsa. O seu centro dinâmico estava fora do
momentos determinantes de nosso processo de forma- país: tanto a prosperidade como a depressão se apre-
ção nacional. Concluímos uma fase decisiva: a trans- sentavam como decorrência de fôrças naturais impers:
108 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A ECONOMIA BRASILEmA NA METADE DO s:e:c. XX 10~

erutáveis e inevitáveis. Ao contrário da crise típica, que CONQUISTA DOS CENTROS DE DECISÃO
traz em seu bôjo as fôrças geradoras de uma nova pros-
peridade, as depressões ''cíclicas" da economia brasilei- É no segundo quartel do presente século que ocorre
ra constituíam estados de total prostração, esvaziando- a descontinuidade do módulo histórico de nosso desen-
se o organismo econômico de todo elemento dinâmico. volvimento. Essa descontinuidade marca, no Brasil, o
Os períodos de grande prosperidade que conheceram as encerramento da economia de tipo colonial. Coube ao
regiões nordestina, mineira, maranhense, amazonense café papel básico nessa transmutação decisiva. Com
foram seguidas por estados de total letargia, com atro- efeito, foi o mercado interno, criado por meio século de
fia progressiva do sistema econômico, reversão a estru- expansão da economia cafeeira, que permitiu se trans-
turas de subsistência, esgotamento de tôdas as fôr- figurasse a depressão subseqüente à grande crise de
ças que respondem pelo crescimento. 1929 em uma das etapas de mais fecundas transforma-
Assim, enquanto os países que caminharam para ções da história econômica do Brasil. A economia do
formas de diferenciação progressiva de seu sistema eco- café, assentando em ampla base salarial, dotou o país
nômico conseguiam uma persistente elevação de seus de um núcleo de mercado interno sôbre o qual se apoia-
níveis de produtividade - atingindo, em cada etapa de ria o desenvolvimento industrial. :tl:sse desenvolvimen-
prosperidade, níveis mais altos - no Brasil as etapas to vinha-se fazendo esporàdicamente, desde fins do
de prosperidade não significavam, necessàriamente, um século passado, e tivera um impulso significativo du-
progresso real, no que respeita aos níveis de produti- rante a primeira conflagração mundial. Mas foi so-
vidade alcançados anteriormente. Como êsses "ciclos"
mente nos anos trinta que a economia brâsi!eira con-
tinham o centro de irradiação em regiões diferentes,
seguiu desvencilhar-se de suas amarras externas e con-
pois se baseavam na exploração de produtos distintos,
ter a ação depressiva vinda de fora, apoiando-se no seu
uma nova etapa de prosperidade podia surgir enquanto
se prolongava a letargia em regiões econômicas deca- próprio mercado interno. Foi preciso, portanto, que
decorresse todo um século desde a independência polí-
dentes. Desta forma, a sucessão de etapas de crescimen-
to, em vez de engendrar uma diferenciação progressiva tica para que o Brasil desse, sozinho, os primeiros pas-
da economia nacional com elevação da produtividade, sos na trilha do desenvolvimento econômico. Tratava-
traduzia-se em um movimento horizontal de ocupação se, entretanto, de modificação qualitativa fundamental.
extensiva do território nacional. Ao término da fase de Já agora a economia estava dotada de um elemento
desenvolvimento tipicamente colonial da economia bra- dinâmico próprio: os investimentos industriais apoia-
sileira, no primeiro quartel dêste século, havíamos eco- dos sôbre o próprio mercado interno. O crescimen-
nômicamente ocupado grande parte do território na- to passava, bruscamente, a projetar-se em duas di-
cional, mas também nos havíamos transformado na mensões. Cada nôvo impulso para a frente signifi-
mais vasta área de subdesenvolvimento econômico, de caria maior diversificação estrutural, mais altos ní-
povoamento recente, no mundo ocidental. veis de produtividade, maior massa de recursos para
110 A PRt-REVOLUÇÃO BRASILEIRA.. A ECONOMIA BRASILEffiA NA METADE DO SEC. XX 111

~ovos investimentos, expansão mais rápida do mercado Se o pequeno grupo de companhias que controla a
mterno, possibilidade de superar-se permanentemente. produção mundial do estanho, ou do cobre, decide fe-
A mudança do centro dinâmico do setor externo char uma mina num país determinado, isso não signi-
para o industrial não significou apenas dar profundi- fica que a medida seja tomada "contra" êsse país.
dade ao processo de crescimento. Teve duas outras con- Significa tão-somente que os interêsses da economia
seqüênci~s de importância primordial. Em primeiro mundial do estanho ou do cobre não coincidem neces-
lugar, cr10u, dentro do próprio país, mercado alterna- sàriamente com os interêsses do país em foco. Na me-
tivo para produtos de exportação de diversas regiões dida em que a interferência dêsse país seja proporcional
do território nacional, reduzindo a instabilidade a que à sua participação no comércio do produto, a conciliação
estas estavam sujeitas, quando totalmente dependentes dos interêsses nacionais e internacionais faz-se possível.
do mercado internacional. Que teria sido da Amazônia Ê quando as decisões lhe são impostas que se configura
sem o desenvolvimento industrial do país, que permi- a economia de tipo colonial.
tiu absorver a totalidade de sua produção de borracha No caso da economia do café, o Brasil desfrutou
excluída do mercado internacional? o mesmo se pod~ sempre de situação privilegiada, controlando grande
dizer do açúcar do Nordeste e de numerosos ,outros parte da oferta mundial. Essa vantagem, contudo, foi
produtos de quase tôdas as regiões do país. Desta for- em parte anulada pela grande irregularidade das co-
ma, o impulso industrial dos últimos três decênios não lheitas e, principalmente, pela incapacidade que sem-
apenas trouxe para dentro do país o centro dinâmico pre demonstramos de disciplinar a expansão das plan-
do seu crescimento, mas também vinculou as distintas tações. Assim, somente com grande sacrifício financei-
regiões a êsse centro dinâmico. Ao superar a fase de ro conseguiu o Brasil, ocasionalmente, interferir com
economia colonial, o Brasil também evoluía de uma êxito na economia mundial do café, ao passo que @s
constelação de ilhas econômicas ligadas diretamente grupos internacionais ligados à comercialização do pro-
aos mercados externos para um sistema nacional pro- duto se encontraram sempre em posição favorável para
gressivamente integrado. manipular o mercado. Desta forma, a política cambial
A outro conseqüência, não menos importante para e financeira do país foi, em grande parte, condicionada
pela ação dos grupos internacionais que interferem no
o destino da nacionalidade, foi a transferência, para O
mercado do café.
próprio território nacional, do centro principal de deci-
sões relacionadas com a vida econômica do país. Ê pe- O desenvolvimento industrial firmado no mercado
culiar de uma economia colonial que as decisões bási- interno tornou possível um grau crescente de autono-
mia no plano das decisões que comandam a vida eco-
cas de sua vida econômica sejam tomadas sem consulta
nômica nacional. Essa autonomia poderia haver sido
direta aos interêsses mais gerais da comunidade. São
cortada, caso os setores básicos da atividade econômica
decisões condicionadas pela estratégia dos centros con- houvessem sido subordinados, desde o início, aos grupos
troladores do comércio e das finanças internacionais. concorrentes que dominam o mercado internacional. En-
112 A PRi:-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A ECONOMIA BRASILEffiA NA METADE DO SÉC. XX 113

tretanto, acertadas e oportunas decisões dotaram o pais comprimida pelas condições de depressão dos anos trin-
de autonomia em setores que, por sua posição estraté- ta e pelas dificuldades trazidas pela guerra - deter-
gica, condicionam o processo do desenvolvimento eco- minou um rápido processo de modificação da composi-
nômico nacional, tais como a siderurgia e a indús- ção das importações. Os bens de consumo, que iam
tria petrolífera. A conjugação dêstes dois fatôres sendo fabricados no país, tinham que ser eliminados
- deslocamento do setor dinâmico das exportações de da pauta das importações para abrir espaço a outras
produtos primários para os investimentos industriais, de mais difícil substituição. Mas isso não foi suficiente.
e a autonomia de alguns setores básicos da produção A procura de produtos semi-elaborados - principal-
industrial - criou condições para que os centros de mente laminados de aço e metais não-ferrosos - e de
decisões de maior transcendência no plano econômico combustíveis crescia fortemente, deixando escassa mar-
fôssem conquistados e postos a serviço de uma política gem para a importação de equipamentos. O conflito
de desenvolvimento nacional.
entre o desejo de efetivar a política de desenvolvimento
e a limitação da capacidade para importar traduziu-se
em crescente pressão inflacionária. O grande problema
EMERGf!:NCIA DO SISTEMA INDUSTRIAL
DIFERENCIADO
nacional passou a ser o rateio da exígua disponibilida-
de de meios de pagamento no exterior.
O poder decidir não significa, entretanto, tudo. A Ao se iniciarem os anos cinqüenta, êsse conflito
capacidade de decisão é causa necessária, mas não efi- entre o desejo nacional de intensificar a política de de-
ciente, de uma política efetiva de desenvolvimento eco- senvolvimento e a limitação da capacidade para impor-
nômico. Uma das limitações que essa capacidade de tar alcançara o seu ponto crítico. A demanda de im-
decisão teve de enfrentar, por muito tempo, derivou da portações estava submetida à pressão de três fôrças
dependência da formação de capital com respeito às convergentes: os metais industriais, os combustíveis lí-
importações. Vimos que o centro dinâmico da economia quidos e os equipamentos. A substituição de importa-
se deslocou das exportações para os investimentos in- ções, em qualquer dêsses setores, tinha de ser lenta e
dustriais ligados ao mercado interno. Contudo, os in- difícil, pois o período de maturação é, quase sempre,
vestimentos industriais, para efetivar-se, necessitam longo e a tecnologia a assimilar, complexa. O único
transformar-se, em boa parte, em equipamentos. Equi- setor que havia sido abordado de frente era o da me-
pamentos que, naqueles primeiros anos, via de regra, talurgia do ferro. Urgia, entretanto, intensificar o es-
deviam ser adquiridos fora do país. A autonomia de fôrço no próprio setor siderúrgico, entrar nos não-fer-
decisão estava, assim, limitada por essa autêntica bar- rosos, particularmente no alumínio, e abordar, em
reira, que era a capacidade de transformar os investi- grande escala, os setores petrolífero e de produção de
mentos em equipamentos. equipamentos. Quando se observa êsse problema em
A pressão sôbre a barreira constituída pela capa- seu conjunto, compreende-se a importância, para o fu-
cidade para importar - capacidade essa ainda mais turo do país, do que foi realizado no último decênio.
114 A PRÉ-REVOLUÇÃO BRASILEIRA A ECONOMIA BRASILEIRA NA METADE DO Sf:C. XX 115

Já se vislumbra, claramente, a vitória na luta para in- O FUTURO COMO OPÇÃO


dependentizar a formação de capital das importações.
A grande metalurgia está definitivamente assentada As profundas modificações econômicas ocorridas
no país; a produção nacional de combustíveis líquidos em nosso país têm uma significação particular para
progride com firmeza; a produção de equipamentos já esta geração. Elas nos armaram de um poder sôbre o
constitui o núcleo mais importante e dinâmico da in- nosso destino que implica um desafio e uma respon-
dústria nacional. sabilidade. Já não somos uma matéria amorfa que se
Ao iniciar-se o decênio dos sessenta, já se podia modifica ao sabor dos altos e baixos dos mercados mun-
afirmar que o impulso de crescimento da economia na- diais. A nossa economia já não é comandada de fora
cional se firmava em nosso próprio mercado interno e para dentro, obrigando-nos a seguir, perplexos e impo-
que o seu centro de decisões tinha suas raízes na vida tentes, os ziguezagues de um destino de povo depen-
nacional, como também que estávamos capacitados pa- dente. Temos em nossas mãos os instrumentos de au-
ra efetivar uma política de desenvolvimento. A auto- todeterminação que até há pouco eram apanágio de
nomia que se vem alcançando nos três setores básicos uns quantos povos privilegiados. E temo-los com uma
referidos - metais industriais, combustíveis líquidos e consciência de sua efetividade, que até há bem pouco
equipamentos - reduz, dia a dia, a importância estra- tempo nem mesmo êsses povos possuíam.
tégica da capacidade para importar. Na medida em que Essa tomada de consciência, de que o nosso destino
isso ocorra, aumentará a flexibilidade de todo o siste- de povo está na dependência de nossas decisões, coloca
ma econômico, encerrando-se a etapa das pressões in- esta geração em uma posição singular. E,stamos em
flacionárias incontíveis. Já não existirá a dicotomia face de um desafio, cuja grandeza só é percebida por
entre crescimento com inflação ou estagnação, pois os aquêles que têm intuição das potencialidades dêste
dois vetores do processo de formação de capital - a imenso país. Senhores de nosso próprio destino, pode-
poupança e o investimento - poderão ser disciplina- remos optar entre consolidar as vitórias alcançadas, fe-
dos mediante decisões internas que não se traduzam, chando-nos dentro da fronteira tradicional que nos le-
necessáriamente, em redução do ritmo de crescimento gou a economia colonial, e empreender a conquista dês-
econômico. se imenso legado territorial que hoje constitui o maior
Em síntese, o Brasil, ao iniciar-se a sétima década deserto econômico habitável da Terra.
do século, encontra-se no umbral de sua transmutação As decisões de construir Brasília, de rasgar o ter-
em nação industrial. Trinta anos de profundas trans- ritório nacional, de sul a norte e leste a oeste, de gran-
formações fizeram de uma simples constelação de eco- des estradas e de abordar de frente o problema dos
nomias periféricas do mercado mundial, com a dinâ- desequilíbrios regionais, assim como o grande movimen-
mica típica de um sistema colonial, uma economia in- to de opinião visando a romper a anacrônica estrutura
dustrial cujo processo de crescimento se traduz em agrária, indicam claramente a direção em que estão
diferenciação crescente, a níveis mais altos de produti- apontando as fôrças mais progressistas do país. Se
vidade, de uma estrutura cada vez mais complexa. persistirmos nessa direção, teremos iniciado uma época
116 A PRÊ-REVOLUÇAO BRASILEIRA

de pioneirismo que poderá fazer do Brasil uma das


áreas de maior dinamismo demográfico e ímpeto econô-
mico do mundo, na segunda metade do século. Tere-
mos escolhido o caminho difícil que sempre coube às
gerações de pioneiros. íNDICE GERAL
É necessário reconhecer, entretanto, que um movi-
mento dessa envergadura e transcendência só se poderá
INTRODUÇÃO ............ · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 9
efetivar se a liderança fôr assumida pelo próprio Go-
vêrno Nacional. É como um programa de govêrno que 1. REFLEXÕES SõBRE A PRÉ-REVOLUÇÃO BRA-
SILEIRA ....... · · ·· · · · ·· · · · ·· ·· ·· · · ··· ....... . 13
devemos conceber êsse movimento em grande escala,
2. POLÍTICA ECONõMICA E REFORMAS DE BASE 33
em busca da conquista final do Brasil, a realizar-se nos
próximos decênios. 3. O PROBLEMA DO NORDESTE ....... · · · · · · · · · 47
4. DESENVOLVIMENTO SEM POLÍTICA DE DE-
SENVOLVIMENTO ............ · · · · · · · · ·· · · · 64
5. SUBDESENVOLVIMENTO E ESTADO DEMO-
CRÁTICO ................................... . 72

6. DA OBJETIVIDADE DO ECONOMISTA · · · · · · · · 80
7. A FORMAÇÃO DO ECONOMISTA EM PAÍS SUB-
DESENVOLVIDO ............ · ·· ·· ·· · · · ··· · · ·· · 92
8. RENOVACÃO DO PENSAMENTO ECONõMICO .. 99
9. A ECONOMIA BRASILEIRA NA METADE DO
SÉCULO XX .......................... . 106
Vol. III - Moeda, Crédito, Renda Nacional e Emprêgo
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