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Parte 1

Conjuntos finitos, enumeráveis e


não-enumeráveis Georg Ferdinand Ludwig
Philipp Cantor
(1845-1818) Rússia.

Para saber mais sobre os núme-

A descoberta de que há diversos tipos de infinito deve-se a Georg ros cardinais, consulte:

Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, será necessário distin-


Halmos, Paul R., Teoria Ingénua
guir os conjuntos, quanto ao número de elementos, apenas em três ca- dos Conjuntos, Editora Polı́gono,
São Paulo, 1970.
tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeráveis e os conjuntos
não-enumeráveis.
A noção de conjunto enumerável, como veremos, está estritamente
ligada ao conjunto N dos números naturais. Por isso iniciamos o curso
com uma breve apresentação da teoria dos números naturais a partir dos
axiomas de Peano, que exibem os números naturais como números ordi-
nais, isto é, objetos que ocupam lugares determinados numa sequência
ordenada. Depois, empregaremos os números naturais para a contagem
Giuseppe Peano
dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como (1858-1932) Itália.
números cardinais.
Dedekind definiu o conjunto N dos números naturais a partir da teoria
dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos.
É apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem
e tudo o mais decorre daı́. Não interessa o que os números são, mas
apenas as suas propriedades.
Julius Wihelm
Richard Dedekind
(1831-1916) Braunschweig,
hoje Alemanha.

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2 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

1. Os números naturais

Toda a teoria dos números naturais pode ser deduzida dos três axi-
omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.
São dados, como objetos não-definidos, um conjunto, que se de-
signa pela letra N, cujos elementos são chamados números naturais, e
uma função s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o número natural s(n) é
chamado o sucessor de n.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
(I) s : N −→ N é injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), então m = n.
(II) N − s(N) consiste de um único elemento, ou seja, existe um
único número natural que não é sucessor de outro número natural. Este
número, chamado um, é representado pelo sı́mbolo 1.
Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um único m ∈ N
tal que s(m) = n.
Uma demonstração na qual o axi-
(III) (Princı́pio de Indução) Se X ⊂ N é tal que 1 ∈ X e, para todo oma (III) é empregado, chama-se
uma demonstração por indução.
n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, então X = N. Ver exemplo 1.1.

Exemplo 1.1 Demonstrar por indução que s(n) 6= n para todo n ∈ N.


Solução: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .
(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular
s(1) 6= 1.
(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.
Como s é injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto é, s(n) ∈ X.
Então, pelo princı́pio de indução, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n
para todo n ∈ N. 

Não menos importante do que de-


As definições por indução baseiam-se na possibilidade de se iterar monstrar proposições usando o
princı́pio de indução é saber de-
uma função f : X −→ X um número arbitrário, n, de vezes. finir objetos por indução.

Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma função.


A cada n ∈ N podemos associar, de modo único, uma função fn : X −→ X
tal que:

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Análise na Reta

Numa exposição sistemática da f1 = f e fs(n) = f ◦ fn .


teoria dos números naturais, a
existência do n−ésimo iterado fn Usando as iteradas da função s : N −→ N vamos definir por indução
de uma função f : X −→ X é
um teorema, chamado Teorema
a adição de números naturais.
da Definição por Indução.

Definição 1.1 Sejam m, n ∈ N. O número natural sn (m) é chamado a


A operação de adição de
soma de m e n e é designado por m + n. Isto é,
números naturais é uma função
que a cada par de números m + n = sn (m) .
naturais (m, n) ∈ N × N faz
corresponder o número natu- A operação que consiste em somar números naturais é denominada adição,
ral sn (m) designado m + n e
chamado a soma de m e n. e é designada pelo sı́mbolo +.
Isto é,
+:N×N −→ N Assim,
(m, n) 7−→ m + n = sn (m)
• m + 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).

• m + s(n) = ss(n) (m) = s(sn (m)) = s(m + n),


ou seja,
m + (n + 1) = (m + n) + 1 .

Proposição 1.1 A adição de números naturais possui as seguintes pro-


priedades:
(a) Associatividade: m + (n + p) = (m + n) + p .
(b) Comutatividade: m + n = n + m .
(c) Tricotomia: dados m, n ∈ N, exatamente uma das seguintes três alter-
nativas ocorre: ou m = n , ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe
q ∈ N tal que n = m + q.
(d) Lei de cancelamento: m + n = m + p =⇒ n = p .

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N números naturais arbitrários e seja
X = {p ∈ N | m + (n + p) = (m + n) + p} .
Então 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que
m + (n + s(p)) = m + s(n + p) = s(m + (n + p)) = s((m + n) + p)
= (m + n) + s(p) .

Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,


quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

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Os números naturais

(b) • Seja X = {m ∈ N | m + 1 = 1 + m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se


1 + s(m) = s(1 + m) = s(m + 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,
ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto é, m + 1 = 1 + m, qualquer que seja
m ∈ N.
• Seja Y = {m ∈ N | m + n = n + m}, onde n ∈ N.
Então, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que
n + s(m) = s(n + m) = s(m + n) = m + s(n)
= m + (n + 1) = m + (1 + n) = (m + 1) + n
= s(m) + n ,

ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, m + n = n + m quaisquer que


sejam m, n ∈ N.
(c) Seja m ∈ N e seja
X = {n ∈ N | n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .
(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m é o sucessor de
algum número n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que
1 + n0 = n0 + 1 = s(n0 ) = m .
(2) Seja n ∈ X. Então, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou
existe q ∈ N tal que m = n + q.
Vamos provar que s(n) ∈ X.
De fato,
• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m + 1 .
• se n = m + p =⇒ s(n) = s(m + p) = (m + p) + 1 = m + (p + 1) .
• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,
s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.
Logo,
m = n + q = n + (q0 + 1) = n + (1 + q0 ) = (n + 1) + q0 = s(n) + q0 .
Exercı́cio 1: Para provar que vale
Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que exatamente uma das três alterna-
tivas ao lado, verifique antes que
s(n) = m + r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `. n + p 6= n quaisquer que sejam
n, p ∈ N.
Logo, X = N, ou seja, dados m, n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe
p ∈ N tal que m = n + p, ou existe q ∈ N tal que n = m + q.

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Análise na Reta

(d) Sejam m, n, p ∈ N tais que m + n = m + p.


Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal
que n = p + q, ou existe ` ∈ N tal que p = n + `.
Então, se p 6= n, temos que:
• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que é
uma contradição (ver o exercı́cio 1 acima).
ou
• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que é também uma
contradição.
Logo, p = n. 

A relação de ordem no conjunto dos números naturais é definida em


termos da adição.

Definição 1.2 Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor do que n (ou


A notação m ≤ n significa que m
que n é maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir
é menor do que ou igual a n.
p ∈ N tal que n = m + p.

Proposição 1.2 A relação < possui as seguintes propriedades:


(a) Transitividade: se m < n e n < p, então m < p.
(b) Tricotomia: dados m, n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas
seguintes:
m = n, ou m < n, ou n < m.
(c) Monotonicidade: se m < n então m + p < n + p para todo p ∈ N.

Prova.
(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1
e p = n + q2 .
Logo,
p = n + q2 = (m + q1 ) + q2 = m + (q1 + q2 ).
Então, m < p.
(b) Sejam m, n ∈ N. Então, ocorre exatamente uma das seguintes alter-
nativas:

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Os números naturais

• ou m = n;
• ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou seja n < m;
• ou existe q ∈ N tal que n = m + q, ou seja m < n.
(c) Sejam m, n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m + q.
Logo,
n + p = (m + q) + p = m + (q + p) = m + (p + q) = (m + p) + q ,
ou seja, m + p < n + p. 

Definiremos, agora, a multiplicação de números naturais.

Definição 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a função definida por A operação de multiplicação é
a função que a cada par de
fm : N −→ N números naturais associa o seu
p 7−→ fm (p) = p + m . produto:
·:N×N −→ N
O produto de dois números naturais é definido por: (m, n) 7−→ m·n
Multiplicar dois números naturais
• m · 1 = m, significa calcular o produto entre
eles.
• m · (n + 1) = (fm )n (m) . O produto de m e n é designado
por m · n ou por m n.
Assim, multiplicar um número m por 1 não o altera, e multiplicar m
por um número maior que 1, ou seja, por um número da forma n + 1, é
iterar n−vezes a operação de somar m, começando com m.
Por exemplo:
m · 2 = fm (m) = m + m;

m · 3 = (fm )2 (m) = fm (fm (m)) = fm (m + m) = m + m + m.

Observação 1.1 Pela definição acima, temos que


m · (n + 1) = m · n + m , ∀ m, n ∈ N
De fato, se n = 1, então
m · n + m = m · 1 + m = m + m = (fm )1 (m) = m · (1 + 1) .
Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0 ) = n. Logo,
m · n + m = m · (n0 + 1) + m = (fm )n0 (m) + m
= fm ((fm )n0 )(m) = (fm )s(n0 ) (m)
= (fm )n (m) = m · (n + 1) .

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Análise na Reta

Proposição 1.3 A multiplicação de números naturais satisfaz as se-


guintes propriedades:
(a) Distributividade: m · (n + p) = m · n + m · p e (m + n) · p = m · p + n · p.
(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.
(c) Comutatividade: m · n = n · m.
(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.
(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n + p) = m · n + m · p} .
Já vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Então,
m · (n + (p + 1) = m · ((n + p) + 1) = m · (n + p) + m · 1
= (m · n + m · p) + m = m · n + (m · p + m)
= m · n + m · (p + 1) , ou seja, p + 1 ∈ X.

Logo, X = N. Isto é, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam


m, n, p ∈ N.
Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m + n) · p = m · p + n · p} . Então,
• 1 ∈ Y, pois (m + n) · 1 = m + n = m · 1 + n · 1.
• Se p ∈ Y, temos:
(m + n) · (p + 1) = (m + n) · p + (m + n) = m · p + n · p + m + n
= m · p + m + n · p + n = m · (p + 1) + n · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, (m + n) · p = m · p + n · p quaisquer


que sejam m, n, p ∈ N.
(b) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n · p) = (m · n) · p} . Então,
• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.
• Se p ∈ X, temos
m · (n · (p + 1)) = m · (n · p + n) = m · (n · p) + m · n
= (m · n) · p + m · n = (m · n) · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ X .
Logo, X = N, isto é, m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

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Os números naturais

(c) Seja X = {m ∈ N | m · 1 = 1 · m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que


(m + 1) · 1 = m · 1 + 1 · 1 = 1 · m + 1 · 1 = 1 · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ X.
Logo, X = N, isto é, m · 1 = 1 · m, ∀ m ∈ N.
Seja, agora, Y = {m ∈ N | m · n = n · m} , onde n ∈ N. Então, pelo que
acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.
Se m ∈ Y, temos
(m + 1) · n = m · n + 1 · n = n · m + 1 · n = n · m + n = n · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ Y.
Logo, Y = N, ou seja, m · n = n · m quaisquer que sejam m, n ∈ N.
(d) Sejam m, n ∈ N tais que m < n. Então, existe q ∈ N tal que n = m+q.
Logo,
n · p = (m + q) · p = m · p + q · p ,
ou seja, m · p < n · p.
(e) Sejam m, n, p ∈ N tais que m · p = n · p.
Então, m = n, pois, caso contrário, terı́amos que:
• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),
ou
• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . 

Definição 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o menor elemento de


X, ou o elemento mı́nimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.

Observação 1.2 • 1 é o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe


n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Então, n > 1.
• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, então 1 é o menor elemento de X.
Existe X ⊂ N sem menor ele-
• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, é único. De fato, se
mento?
p e q são menores elementos de X, então p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.

Definição 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o maior elemento de


X, ou o elemento máximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.

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Análise na Reta

Observação 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-


mento. Por exemplo, N não tem um maior elemento, pois se n ∈ N, então
n + 1 = s(n) ∈ N e n + 1 > n.
• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele é único.

Teorema 1.1 (Princı́pio da Boa Ordenação)


Todo subconjunto não-vazio A ⊂ N possui um elemento mı́nimo.

Prova.
Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N − A} .
Se 1 ∈ A, então 1 é o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, então 1 ∈ X.
Como A 6= ∅ e X ⊂ N − A, temos que X 6= N.
Logo, pelo princı́pio de indução, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,
1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.
Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.
Outra demonstração.
Suponha, por absurdo, que A não tem um menor elemento. Seja
X = {p ∈ N | p ≤ n , ∀ n ∈ A} .
Então:
(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀ n ∈ N.
(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀ n ∈ A.
Como A não tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para
todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p + qn .
Então, p < p + qn =⇒ p + 1 ≤ p + qn = n , ∀ n ∈ A =⇒ p + 1 ∈ X.
Pelo princı́pio de indução, temos que X = N, o que é um absurdo, pois,
como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,
n0 + 1 ≤ n0 . 

Teorema 1.2 (Segundo Princı́pio de Indução)


Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se
X contém todos os números naturais m tais que m < n, então n ∈ X.
Nestas condições, X = N.

10 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

Prova.
É obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrário, existiria algum número natural
n 6∈ X tal que n < 1.
Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n + 1 ∈ X.
De fato, se n + 1 6∈ X, existe p0 < n + 1 tal que p0 6∈ X.
Seja A = {q ∈ N | q < n + 1 e q 6∈ X}.
Então, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,
q0 < n + 1 e q0 6∈ X.
Se p < q0 , temos que p ∈ X, já que p < q0 < n + 1 e q0 é o menor
elemento não pertencente a X com esta propriedade.
Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipótese, que q0 ∈ X,
o que é uma contradição.
Assim, se n ∈ X, temos que n + 1 ∈ X.
Então, pelo Primeiro Princı́pio de Indução, X = N.
Outra demonstração.
Seja A = N − X. Se X 6= N, então A 6= ∅.
Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo
n ∈ A.
Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipótese, p ∈ X, o
que é uma contradição. Logo, X = N. 

Exemplo 1.2 Um número natural p é chamado primo quando p 6= 1 e


não pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.
O Teorema Fundamental da Aritmética diz que todo número natural maior
do que 1 se decompõe, de modo único, como um produto de fatores pri-
mos.
Podemos provar a existência desta decomposição utilizando o Segundo
Princı́pio de Indução.
De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo número natural m < n pode
ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.
Se n é primo, não há nada a provar.

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Análise na Reta

Se n não é primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.


Pela hipótese de indução, p e q são produtos de fatores primos. Logo,
n = pq é também um produto de fatores primos.
Pelo Segundo Princı́pio de Indução, obtemos que todo número natural,
n > 1, é produto de números primos. 

Teorema 1.3 (Definição por Indução)


Para ver uma prova do Teorema Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor
de Definição por Indução, con-
f(1) e seja dada também uma regra que nos permite obter f(n) a partir do
sulte Fundamentals of Abstract
Analysis de A.M. Gleason, p. 145. conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Então, existe uma, e
somente uma função f : N −→ X que toma esses valores.

Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma função f : N −→ N por


indução, pondo f(1) = a e f(n + 1) = a · f(n).
Então, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.
Logo, f(n) = an . Definimos, assim, por indução, a n−ésima potência do
número natural a. 

Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a função definida indutivamente por


f(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) · (n + 1).
Então, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.
Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! é o fatorial de n. 

Exemplo 1.5 Definir por indução a soma de uma n−úpla de números


A multiplicação de uma n−úpla
de números naturais pode ser de- naturais.
finida, também, por indução como
fazemos para a adição no exem- Solução: Seja X o conjunto das funções tomando valores em N e seja
plo ao lado.
f : N −→ X a função definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que
f(1)(a) = a, e f(n + 1) : Nn+1 −→ N tal que
f(n + 1)(a1 , . . . , an+1 ) = f(n)(a1 , . . . , an ) + an+1 .
Então, f(1)(a) = a, f(2)(a1 , a2 ) = f(1)(a1 )+a2 = a1 +a2 , f(3)(a1 , a2 , a3 ) =
f(2)(a1 , a2 ) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.
Assim, f(n)(a1 , . . . , an ) = f(n−1)(a1 , . . . , an−1 )+an = a1 +. . .+an−1 +an .


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Conjuntos finitos e infinitos

2. Conjuntos finitos e infinitos

Definição 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.


Um conjunto X chama-se finito quando é vazio ou quando existe uma
bijeção ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.
No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,
dizemos que X tem n elementos.

Observação 2.1 Intuitivamente, uma bijeção ϕ : In −→ X significa uma


contagem dos elementos de X.
Pondo ϕ(1) = x1 , ϕ(2) = x2 ,. . . ,ϕ(n) = xn , temos X = {x1 , x2 , . . . , xn } .

Observação 2.2
• Cada conjunto In é finito e possui n elementos.
• Se f : X −→ Y é uma bijeção, então X é finito se, e só se, Y é finito.

Para verificar que o número de elementos de um conjunto está bem


definido, devemos provar que se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e
ψ : Im −→ X, então n = m.
Considerando a função f = ψ−1 ◦ ϕ : In −→ Im , basta provar que se
existe uma bijeção f : In −→ Im , então m = n. Podemos supor, também,
que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In .

Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto não vazio. Se existe uma


bijeção f : In −→ A, então A = In .

Prova.
Provaremos o resultado por indução em n.
Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.
Logo A = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para n e consideremos uma bijeção
f : In+1 −→ A.
A restrição de f a In fornece uma bijeção f 0 : In −→ A − {f(n + 1)}. Se
A−{f(n+1)} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A−{f(n+1)} = In .

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Análise na Reta

Então, f(n + 1) = n + 1 e A = In+1 .


Se, porém, A − {f(n + 1)} 6⊂ In , então n + 1 ∈ A − {f(n + 1)}. Neste caso,
existe p ∈ In tal que f(p) = n + 1, e f(n + 1) = q ∈ In .
Definimos, então, uma nova bijeção g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se
x 6= p e x 6= n + 1, g(p) = q e g(n + 1) = n + 1.
Agora, a restrição de g a In nos dá uma bijeção g 0 : In −→ A − {n + 1}.
Como A − {n + 1} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A − {n + 1} =
In , ou seja A = In+1 . 

Corolário 2.1 Se existir uma bijeção f : Im −→ In então m = n. Con-


seqüentemente, se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X
então m = n.

Prova.
Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im .
Logo, m = n, pelo teorema anterior.
Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im é uma bijeção tal que Im ⊂ In .
Portanto, Im = In . 

Corolário 2.2 Não existe uma bijeção f : X −→ Y de um conjunto finito


X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Sendo X finito, existe uma bijeção ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.
Seja A = ϕ−1 (Y).
Então, A é uma parte própria de In e a restrição de ϕ a A fornece uma
bijeção f 0 : A −→ Y.
X −−−→ Y
f
x x

ϕ
 0
ϕ
In −−−→ A
g

A composta g = (ϕ 0 )−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria então uma bijeção de In


sobre sua parte própria A, o que é uma contradição pelo teorema anterior.
Logo, não existe a bijeção f : X −→ Y. 

14 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Teorema 2.2 Se X é um conjunto finito então todo subconjunto Y ⊂ X é


finito. Além disso, o número de elementos de Y é menor do que ou igual
a o número de elementos de X e é igual se, e somente se, Y = X.

Prova.
Designaremos por #(A) o número
Seja f : In −→ X uma bijeção e seja f 0 : A −→ Y a restrição de f a
de elementos de um conjunto A.
A = f−1 (Y) ⊂ In .
Se provarmos que A é finito, que #(A) é menor do que ou igual a n e é
igual a n se, e somente se, A = In , teremos que Y é finito, que #(Y) = #(A)
é menor do que ou igual a #(In ) = #(X), e é igual se, e somente se A = In ,
ou seja, se, e somente se, Y = X.
Basta, então, provar o teorema no caso em que X = In .
Se n = 1, então Y = ∅ ou Y = {1}.
Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e só se, Y = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para In e consideremos um sub-
conjunto Y ⊂ In+1 .
Se n + 1 6∈ Y, então Y ⊂ In . Logo, pela hipótese de indução, Y é um
conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n + 1.
Se, porém, n + 1 ∈ Y, temos que Y − {n + 1} ⊂ In . Logo, Y − {n + 1} é um
conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.
Se Y − {n + 1} 6= ∅, existe uma bijeção ψ : Ip −→ Y − {n + 1}.
Definimos, então, a bijeção ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ip
e ϕ(p + 1) = n + 1.
Segue-se que Y é finito e que #(Y) = p + 1 ≤ n + 1.
Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos então Y = In .
Se #(Y) = n, existe uma bijeção f : In −→ Y.
Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In . 

Corolário 2.3 Seja f : X −→ Y uma função injetiva. Se Y é finito, então


X também é finito, e o número de elementos de X não excede o de Y.

Prova.
Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) é uma bijeção.

Instituto de Matemática - UFF 15


Análise na Reta

Como f(X) ⊂ Y e Y é finito, temos que f(X) é finito e #(f(X)) ≤ #(Y).


Logo, o conjunto X é finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). 

Corolário 2.4 Seja g : X −→ Y uma função sobrejetiva. Se X é finito,


então Y é finito e o seu número de elementos não excede o de X.

Designamos por IA : A −→ A a Prova.


função identidade do conjunto A.
Como g : X −→ Y é sobrejetiva, existe uma função f : Y −→ X tal que
g ◦ f = IY , ou seja, g possui uma inversa à direita.
De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, então,
Exercı́cio 2: Prove que dada uma
função f : X −→ Y injetiva, existe f(y) = x.
uma função g : Y −→ X tal que
g ◦ f = IX , ou seja, f possui Além disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y 0 )
uma inversa à esquerda. Verifi-
que, também, que se g ◦ f = IX ,
então y = y 0 , ou seja, f é injetiva.
então g é sobrejetiva.
Então, pelo corolário anterior, Y é um conjunto finito e o seu número de
elementos não excede o de X. 

Definição 2.2 Um conjunto X é infinito quando não é finito. Ou seja,


X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, não existe uma bijeção ϕ : In −→ X.

Exemplo 2.1 O conjunto dos números naturais é infinito.


De fato, dada qualquer função ϕ : In −→ N, n > 1, tome
p = ϕ(1) + . . . + ϕ(n) .
Então, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In ), ou seja,
ϕ não é sobrejetiva.
Outra maneira de verificar que N é infinito é considerar o conjunto dos
números naturais pares
P = {2 n = n + n | n ∈ N}
e a bijeção ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2 n.
Como P é um subconjunto próprio de N, temos, pelo corolário 2.2, que N
é infinito. 

Observação 2.3 Como consequência dos fatos provados acima para


conjuntos finitos, segue que:
• se X é infinito e f : X −→ Y é injetiva, então Y é infinito.

16 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

• se Y é infinito e f : X −→ Y é sobrejetiva, então X é infinito. Segue da observação ao lado


que os conjuntos Z e Q, dos
• se X admite uma bijeção sobre uma de suas partes próprias, então X é números inteiros e dos números

infinito. racionais, respectivamente, são


infinitos, pois ambos contêm N.

Definição 2.3 Um conjunto X ⊂ N é limitado se existe p ∈ N tal que


n ≤ p para todo n ∈ X.

Teorema 2.3 Seja X ⊂ N não-vazio. As seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) X é finito;
(b) X é limitado;
(c) X possui um maior elemento.

Prova.
(a)=⇒(b) Seja X = {x1 , . . . , xn } e seja a = x1 + . . . + xn . Então a > xi
para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X é limitado.
(b)=⇒(c) Como X é limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.
Então, o conjunto
A = {p ∈ N | p ≥ n ∀ n ∈ X}
é não-vazio. Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p0 ∈ A que é o
menor elemento de A.
Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀ n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.
Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1 + q0 .
Assim, p0 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X. Então q0 ≥ n
∀ n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que é absurdo, pois q0 < p0 e p0 é o menor
elemento de A.
Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀ n ∈ X, ou seja, p0 é o maior elemento de X.
(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Então, p ∈ X e p ≥ n ∀ n ∈ X.
Logo, X ⊂ Ip e é, portanto, finito. 

Observação 2.4 Um conjunto X ⊂ N é ilimitado quando não é limitado, Note que: pelo teorema 2.3, an-
terior, X é infinito se, e somente
ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p. se, X é ilimitado.

Instituto de Matemática - UFF 17


Análise na Reta

Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-


mentos respectivamente. Então, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos.

Prova.
Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijeções.
Definamos a função f : Im+n −→ X ∪ Y pondo
f(x) = f1 (x) se 1 ≤ x ≤ m
f(m + x) = f2 (x) se 1 ≤ x ≤ n .

Como X ∩ Y = ∅, é fácil verificar que f é uma bijeção.


Logo, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos. 

Exercı́cio 3: Use o teorema 2.4 e


Corolário 2.5 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,
o Princı́pio de Indução para pro- com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente. Então X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e
var o corolário 2.5, ao lado.
possui n1 + . . . + nk elementos.

Corolário 2.6 Sejam Y1 , . . . , Yk conjuntos finitos (não necessariamente


disjuntos) com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente.
Então Y1 ∪ . . . ∪ Yk é finito e possui no máximo n1 + . . . + nk elementos.

Prova.
Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi } e seja ϕi : Yi −→ Xi
a função definida por ϕi (x) = (x, i).
Como ϕi é uma bijeção, temos que Xi é finito e possui ni elementos,
i = 1, . . . , k. Além disso, os conjuntos finitos X1 , . . . , Xk são disjuntos dois
a dois.
Logo, pelo corolário anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e possui n1 + . . . + nk
elementos.
Seja
f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk
a função definida por f(x, i) = x.
Como f é sobrejetiva, X1 ∪ . . . ∪ Xk finito e possui n1 + . . . + nk elementos,
temos que Y1 ∪. . .∪Yk é finito e possui no máximo n1 +. . .+nk elementos.


18 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Corolário 2.7 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos com n1 , . . . , nk elemen-


tos respectivamente. Então o produto cartesiano X1 × . . . × Xk é finito e
possui n1 · . . . · nk elementos.

Prova.
Basta provar o corolário para k = 2, pois o caso geral segue por indução
em k.
Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.
Se Y = {y1 , . . . , yn }, então X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn , onde Xi = X × {yi },
i = 1, . . . , n.
Como X1 , . . . , Xn são disjuntos dois a dois e todos possuem m elementos,
temos que X × Y é finito e possui m · n elementos. 

Corolário 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos res-


pectivamente. Então o conjunto F(X; Y) de todas as funções de X em Y é
finito e possui nm elementos.

Prova.
Seja ϕ : Im −→ X uma bijeção. Então, a função
H : F(X; Y) −→ F(Im ; Y)
f 7−→ f ◦ ϕ

é uma bijeção. De fato, a função


L : F(Im ; Y) −→ F(X; Y)
g 7−→ g ◦ ϕ−1

é a inversa da função H.
Logo, basta provar que F(Im ; Y) é um conjunto finito e que possui nm
elementos.
Seja a função
F : F(Im ; Y) −→ Y × . . . × Y (m fatores)
definida por
F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .
Como F é uma bijeção e Y × . . . × Y (m fatores) possui nm elementos pelo
corolário anterior, temos que F(Im ; Y) é finito e possui nm elementos. 

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Análise na Reta

3. Conjuntos enumeráveis

Definição 3.1 Um conjunto X é enumerável quando é finito ou quando


existe uma bijeção f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumerável e
pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeração de X:
X = {x1 , . . . , xn , . . .} .

Exemplo 3.1 O conjunto P dos números naturais pares e o conjunto


I = N − P dos números naturais ı́mpares são conjuntos infinitos enu-
meráveis.
De fato, as funções
ϕ1 : N −→ P ϕ2 : N −→ I
e
n 7−→ ϕ1 (n) = 2 n n 7−→ ϕ2 (n) = 2 n − 1

são bijeções. 

Exemplo 3.2 O conjunto Z dos números inteiros é infinito enumerável.


De fato, a função ϕ : Z −→ N definida por

2 n se n ≥ 1
ϕ(n) =
−2n + 1 se n ≤ 0

é uma bijeção. Logo, ϕ−1 : N −→ Z é uma enumeração de Z. 

Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contém um subconjunto infinito


enumerável.

Prova.
Basta provar que existe uma função f : N −→ X injetiva, pois, assim,
f : N −→ f(N) é uma bijeção, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-
nito enumerável de X.
Para cada subconjunto A não-vazio de X podemos escolher um elemento
xA ∈ A.
Vamos definir por indução uma função f : N −→ X.
Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) já foram definidos.
Seja An = X − {f(1), . . . , f(n)}.

20 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos enumeráveis

Como X não é finito, An não é vazio.


Defina, então f(n + 1) = xAn .
A função f : N −→ X é injetiva.
Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, então f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n − 1)} e
f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n − 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). 

Corolário 3.1 Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma


bijeção f : X −→ Y de X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Se uma tal bijeção existir, pelo corolário 2.2, X não é finito.
Reciprocamente, se X é infinito, X contém um subconjunto infinito enu-
merável A = {a1 , . . . , an , . . .}.
Seja Y = (X − A) ∪ {a2 , a4 , . . . , a2n , . . .}.
Então Y é uma parte própria de X, pois
X − Y = {a1 , a3 , . . . , a2n−1 , . . .}.
Além disso, a função f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e
f(an ) = a2n , n ∈ N, é uma bijeção de X sobre Y. 

Observação 3.1 Como consequência do teorema anterior, temos que:


Um conjunto é finito se, e somente se, não admite uma bijeção sobre uma
parte sua própria.
Obtém-se, assim, uma caracterização dos conjuntos finitos que independe
do conjunto N.

Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N é enumerável.

Prova.
Se X é finito, então X é enumerável, por definição.
Suponhamos que X é infinito.
Vamos definir por indução uma bijeção f : N −→ X.
Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram
definidos satisfazendo as seguintes condições:

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Análise na Reta

(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;


(b) Se Bn = X − {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn .
Como Bn 6= ∅, pois X é infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de
Bn . Então, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =
X − {f(1), . . . , f(n + 1)}.
Como f : N −→ X é crescente, f é injetiva.
Além disso, f é sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X − f(N), terı́amos
que
x ∈ X − f(N) ⊂ X − {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,
para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ N
seria infinito e limitado, o que é absurdo. 

Exemplo 3.3 O conjunto dos números primos é infinito (fato conhecido)


e enumerável. 

Corolário 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijeção


crescente ϕ : N −→ X.

Corolário 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.

Corolário 3.4 Se f : X −→ Y é uma função injetiva e Y é enumerável,


então X é enumerável.

Prova.
Como f(X) ⊂ Y é enumerável e f : X −→ f(X) é uma bijeção, temos
que X é enumerável. 

Corolário 3.5 Se f : X −→ Y é uma função sobrejetiva e X é enu-


merável, então Y é enumerável.

Prova.
Como f : X −→ Y é sobrejetiva, f possui uma inversa à direita, ou seja,
existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY . Então, g é injetiva. Logo, Y é
enumerável. 

Teorema 3.3 Se X e Y são conjuntos enumeráveis, então o produto


cartesiano X × Y é enumerável.

22 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Prova.
Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeráveis, existem funções f : X −→ N
e g : Y −→ N injetivas.
Seja f × g : X × Y −→ N × N definida por f × g(x, y) = (f(x), g(y)). Como
f e g são injetivas, f × g também é injetiva.
Basta, então, provar que N × N é enumerável. Para isso, definimos a
função h : N × N −→ N, pondo h(m, n) = 2m · 3n . Pela unicidade da
decomposição em fatores primos, f é injetiva e, portanto, N × N é enu-
merável. 

Corolário 3.6 O conjunto Q dos números racionais é enumerável.

Prova.

p Designamos Z? = Z − {0} .
Sabemos que Q = p ∈ Z e q ∈ Z? , e que Z × Z? é enumerável.
q
p
Como a função f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) = é sobrejetiva,
q
segue-se do corolário 3.5 que Q é enumerável. 

Corolário 3.7 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos enumeráveis. Então a



[
reunião X = Xn é enumerável. Ou seja, uma reunião enumerável de
n=1

conjuntos enumeráveis é enumerável.

Prova.
Tomemos, para cada m ∈ N, uma função fm : N −→ Xm sobrejetiva, e
definamos a função f : N × N −→ X pondo f(m, n) = fm (n). Como f é
sobrejetiva e N × N é enumerável, tem-se que X é enumerável. 

Observação 3.2 Uma reunião finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos


enumeráveis é enumerável.

Observação 3.3 Se X1 , . . . , Xk são conjuntos enumeráveis, seu pro-


duto cartesiano X1 × . . . × Xk é enumerável.
Y

Porém, nem sempre, o produto cartesiano X = Xn de uma seqüência
n=1

de conjuntos enumeráveis é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 23


Análise na Reta

4. Conjuntos não-enumeráveis

Veremos, agora, que existem conjuntos não-enumeráveis. Mais ge-


Ao lado, estamos designando ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um
card(X) o número cardinal do
conjunto cujo número cardinal é maior do que o de X.
conjunto X. Quando X é um con-
junto finito, card(X) é o número
• Não vamos definir o que é o número cardinal de um conjunto. Diremos,
de elementos de X, que anterior-
mente designamos #(X). apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijeção
f : X −→ Y.
• Assim, dois conjuntos finitos têm o mesmo número cardinal, se, e so-
mente se, têm o mesmo número de elementos. E se X é infinito enu-
merável, então card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,
Y é infinito enumerável.
• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir
uma função injetiva f : X −→ Y, mas não existir uma função sobrejetiva
g : X −→ Y.
• Como todo conjunto X infinito contém um subconjunto enumerável, tem-
se que card(N) ≤ card(X), ou seja, o número cardinal de um conjunto
infinito enumerável é o menor dos números cardinais dos conjuntos infini-
tos.
• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das
Para ver as demonstrações dos seguintes alternativas:
fatos citados ao lado e obter mais
card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .
informações sobre números car-
dinais de conjuntos, veja o livro: • Se existirem uma função injetiva f : A −→ B e uma função injetiva
Teoria Ingênua dos Conjuntos de
Paul Halmos. g : B −→ A, existirá também uma bijeção h : A −→ B.

Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)


Sejam X um conjunto arbitrário e Y um conjunto contendo pelo menos dois
elementos. Então, nenhuma função ϕ : X −→ F(X; Y) é sobrejetiva.

Prova.
Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma função e seja ϕx : X −→ Y o valor da função
ϕ no ponto x ∈ X.
Construiremos uma função f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.

24 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx (x), o que é possı́vel, pois
Y tem pelo menos dois elementos.
Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx (x) para todo x ∈ X.
Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ não é sobrejetiva. 

Observação 4.1 Sejam y1 , y2 ∈ Y tais que y1 6= y2 , e seja ψ : X −→


F(X; Y) a função definida por ψx (x) = y1 e ψx (z) = y2 se z 6= x.
Então ψ é injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).
Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-
junto cujo número cardinal é maior do que o de X

Corolário 4.1 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos infinitos enumeráveis.


Y

Então, o produto cartesiano Xi não é enumerável.
i=1

Prova.
Basta considerar o caso em que todos os Xn são iguais a N. De fato,
para cada n ∈ N, existe uma bijeção fn : N −→ Xn . Então, a função
Y∞ Y∞
F: Ni −→ Xi
i=1 i=1
(x1 , x2 , . . . , xn , . . .) 7−→ (f1 (x1 ), f2 (x2 ), . . . , fn (xn ), . . .) ,

é uma bijeção, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a função


Y∞
H: Ni −→ F(N; N)
i=1
hx : N −→ N
x = (x1 , . . . , xn , . . .) 7−→
i 7−→ xi

é uma bijeção e F(N; N) não é enumerável pelo teorema anterior, o con-


Y

junto Ni não é enumerável. 
i=1

• O argumento usado na demonstração do teorema acima, chama-se


método da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.
Os elementos de F(N; Y) são as seqüências de elementos de Y.
Para provar que nenhuma função ϕ : N −→ F(N; Y) é sobrejetiva, escre-

Instituto de Matemática - UFF 25


Análise na Reta

vemos ϕ(1) = s1 , ϕ(2) = s2 , . . . etc., onde s1 , s2 , . . . são seqüências de


elementos de Y, ou seja,
s1 = (y11 , y12 , y13 , . . .)
s2 = (y21 , y22 , y23 , . . .)
s3 = (y31 , y32 , y33 , . . .)
.. ..
. .

Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn , onde


ynn é o n−ésimo termo ynn da diagonal.
Então a seqüência s = (y1 , y2 , y3 , . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois
o n−ésimo termo yn da seqüência s é diferente do n−ésimo termo da
seqüência sn .
Assim, nenhuma lista enumerável pode esgotar todas as funções em
F(N; Y).

Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Então, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das
seqüências cujos termos são 0 ou 1 não é enumerável. 

• Seja P(A) o conjunto cujos elementos são todos os subconjuntos do


conjunto A.
Vamos mostrar que existe uma bijeção
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .
Para cada X ⊂ A, consideremos a função caracterı́stica de X:
ξX : A −→ {0, 1}

1, se x ∈ X
7 → ξX (x) =
x −
0, se x 6∈ X

A função
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})
X 7−→ ξX

é uma bijeção, cuja inversa associa a cada função f : A −→ {0, 1} o con-


junto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.

Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-
nhuma função ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) é sobrejetiva. Logo, nenhuma

26 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

função ψ : A −→ P(A) é sobrejetiva. Mas existe uma função injetiva


f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.
Então, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.
No caso particular em que A = N, temos que
card(N) < card(P(N))

ou seja, P(N) não é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 27


28 J. Delgado - K. Frensel
Parte 2

O conjunto dos números reais

Neste capı́tulo, adotaremos o método axiomático para apresentar os


números reais. Isto é, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o
conjunto R dos números reais como um corpo ordenado completo.
Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado
completo? Ou melhor: partindo dos números naturais, seria possı́vel, por
meio de extensões sucessivas do conceito de número, chegar à construção
dos números reais? A resposta é afirmativa e a passagem crucial é dos
racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos
números reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos são
coleções de números racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-
pleto cujos elementos são as classes de equivalência de seqüências de
Cauchy de números racionais.
Provada a existência, surge uma outra pergunta relevante: será que
existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?
A resposta é negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem
apenas pela natureza de seus elementos, mas não pela maneira como os
elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questão
da unicidade é a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,
existe um único isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma única bijeção
f : K −→ L tal que f(x + y) = f(x) + f(y) e f(x · y) = f(x) · f(y). Como, além
disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),
K e L são indistinguı́veis no que diz respeito as propriedades de corpos
ordenados completos (ver exercı́cios 55 e 56).

Instituto de Matemática - UFF 29


30 J. Delgado - K. Frensel
Corpos

1. Corpos

Um corpo é um conjunto K munido de duas operações:


Adição + : K × K −→ K Multiplicação · : K × K −→ K
(x, y) 7−→ x + y (x, y) 7−→ x · y ,

que satisfazem as seguintes condições, chamadas axiomas de corpo:

Axiomas de corpo para a adição:


(1) Associatividade: (x + y) + z = x + (y + z) , para todos x, y, z ∈ K.
(2) Comutatividade: x + y = y + x , para todos x, y ∈ K.
(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado
zero, tal que x + 0 = x, para todo x ∈ K.
(4) Simétrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e
chamado o simétrico de x, tal que x + (−x) = 0.
A soma x + (−y) será indicada
Observação 1.1 apenas por x − y e chamada
a diferença entre x e y. A
operação (x, y) 7−→ x−y chama-
•0+x=x e (−x) + x = 0 , para todo x ∈ K.
se subtração.

• x − y = z se, e só se, x = y + z. De fato,


x − y = z ⇐⇒ x + (−y) = z ⇐⇒ x + (−y) + y = z + y
⇐⇒ x + 0 = y + z ⇐⇒ x = y + z .

• O zero é único, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, então θ = 0. De


fato,
x + θ = x ⇐⇒ θ = x − x = 0 .
• Todo x ∈ K possui apenas um simétrico. De fato,
x + y = 0 =⇒ y = 0 + (−x) = −x .
• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .
• Lei de cancelamento: x + z = y + z =⇒ x = y. De fato,
x + z + (−z) = y + z + (−z) =⇒ x + 0 = y + 0 =⇒ x = y .

Axiomas de corpo para a multiplicação:


(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.
(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.

Instituto de Matemática - UFF 31


Análise na Reta

(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e cha-


mado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.
(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento
designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.

Observação 1.2
• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.
• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.
x
• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 = . A operação
y
x x
A multiplicação de x por y 7 → , x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisão e o número
(x, y) − é o
será designada, também, pela y y
justaposição xy.
quociente de x por y.
x
• Se y 6= 0, = z ⇐⇒ x = yz. De fato,
y
x
= z ⇐⇒ (xy−1 )y = zy ⇐⇒ x(y−1 y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .
y

• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, então x = y.


• Se xy = x para todo x ∈ K, então, tomando x = 1, temos y = 1. Isto
prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.
• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.
Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos
depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.
• se xy = 1, então, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,
xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1 (xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .
Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.

Por fim, as operações de adição e multiplicação num corpo K acham-


se relacionadas pelo axioma:
(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.

Observação 1.3
• (x + y) · z = x · z + y · z para todos x, y, z ∈ K.
• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,
x · 0 + x = x · 0 + x · 1 = x · (0 + 1) = x · 1 = x ,

32 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

logo, x · 0 = 0.
• se x · y = 0 então x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, então x−1 · (x · y) =
x−1 · 0. Logo, y = 0.
Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, então x · y 6= 0.
• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .
De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,
(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).
Logo,
(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .
Em particular, (−1) · (−1) = 1.

2. Exemplos de corpos

Exemplo 2.1 O conjunto Q dos números racionais, com as operações


p p0 pq 0 + p 0 q p p 0 p · p0
+ 0 = e · = , é um corpo.
q q qq 0 q q0 q · q0

p p0
De fato, lembrando que = 0 ⇐⇒ pq 0 = p 0 q, vamos provar primeiro
q q
que a soma e a multiplicação de números racionais estão bem definidas.
p p p0 p0
Sejam = 1 e 0 = 10 . Então
q q1 q q1

p p0 pq 0 + p 0 q p1 q10 + p10 q1 p1 p10


• + 0 = = = + , pois, como pq1 = p1 q e
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
p 0 q10 = p10 q 0 , segue-se que
(pq 0 + p 0 q)(q1 q10 ) = pq 0 q1 q10 + p 0 qq1 q10
= (pq1 )(q 0 q10 ) + (p 0 q10 )(qq1 )
= p1 qq 0 q10 + p10 q 0 qq1
= (p1 q10 + p10 q1 )(qq 0 ) .

p p0 pp 0 p1 p10 p1 p10
• · 0 = = = · , pois
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
(pp 0 )(q1 q10 ) = p1 qp10 q 0 = (p1 p10 )(qq 0 ) .

Instituto de Matemática - UFF 33


Análise na Reta

0
• O elemento neutro da adição é , para todo p 0 6= 0, pois
p0
p 0 pp 0 + 0q 0 pp 0 p
+ 0 = 0
= 0
= .
q p qp qp q

1 p0
• O elemento neutro da multiplicação é = 0 , p 0 ∈ Z? , pois
1 p
p 1 p·1 p
· = = .
q 1 q·1 q
p −p p
• seja ∈ Q. Então é o simétrico de , pois
q q q
p −p p · q + (−p) · q 0
+ = = = 0.
q q q·q q·q
p q p
Exercı́cio 1: Verificar as propri- • Seja ∈ Q, com p 6= 0. Então é inverso de , pois
edades comutativa, associativa e
q p q
a distributividade das operações p q p·q
· = = 1.
definidas no exemplo 2.1 sobre os q p q·p
números racionais.


Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operações de adição e


multiplicação definidas nas tabuadas abaixo é um corpo.
+ 0 1 · 0 1
0 0 1 0 0 0
1 1 0 1 0 1
Exercı́cio 2: Verificar a associ-
atividade e a distributividade das Pela definição, a adição e a multiplicação são comutativas; o elemento
operações definidas no exemplo neutro da adição é o 0; o elemento neutro da multiplicação é o 1; o
2.2 sobre Z2 .
simétrico do 0 é o 0 e do 1 é 1; o inverso do 1 é 1. 

Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} é um corpo com as


operações de adição e multiplicação definidas por
(x, y) + (x 0 , y 0 ) = (x + x 0 , y + y 0 )
(x, y) · (x 0 , y 0 ) = (xx 0 − yy 0 , xy 0 + x 0 y) ,

De fato, a comutatividade e a associatividade da adição seguem-se direto


do fato que Q é um corpo.
O elemento neutro da adição é (0, 0) e o simétrico de (x, y) é (−x, −y).
A comutatividade da multiplicação sai direto da definição e da comutativi-
dade da multiplicação de números racionais.

34 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

O elemento neutro da multiplicação é (1, 0), pois


(x, y) · (1, 0) = (x · 1 − y · 0, x · 0 + 1 · y) = (x, y) .
 
x −y
O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) é 2 2
, 2 2
, pois
x +y x +y Exercı́cio 3: Verificar a proprie-
dade associativa da multiplicação
x2 + y2 6= 0 e e propriedade distributiva das
    operações definidas no exemplo
x −y x2 y2 −xy xy 2.2 sobre Q(i).
(x, y) · , = + , + 2
x + y2 x2 + y2
2 x2 + y2 x2 + y2 x2 + y2 x + y2
 
x2 + y2 0
= 2 2
, 2 = (1, 0)
x +y x + y2

• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que


◦ iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;
◦ ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0 − 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;
◦ (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x + iy .
O corpo Q(i) chama-se o corpo dos números complexos racionais. 

p(t)
Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funções racionais r(t) = , onde
q(t)
p e q são polinômios com coeficientes racionais, sendo q(t) não identica-
mente nulo, com as operações de adição e multiplicação definidas abaixo
é um corpo.
p(t) p 0 (t) p(t) · q 0 (t) + p 0 (t) · q(t) p(t) p 0 (t) p(t) · p 0 (t)
+ 0 = · 0 = .
q(t) q (t) q(t) · q 0 (t) q(t) q (t) q(t) · q 0 (t)

Observação 2.1 Num corpo K tem-se:


x2 = y2 =⇒ x = ±y .
Com efeito,
x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0
=⇒ (x − y)(x + y) = 0
=⇒ x − y = 0 ou x + y = 0
=⇒ x = y ou x = −y
=⇒ x = ±y .

Instituto de Matemática - UFF 35


Análise na Reta

3. Corpos ordenados

Um corpo ordenado é um corpo K no qual existe um subconjunto


P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-
guintes propriedades:
(1) A soma e o produto de elementos positivos são elementos posi-
tivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x + y ∈ P e x · y ∈ P.
(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das três alternativas seguintes
ocorre:
ou x = 0 ; ou x ∈ P ; ou −x ∈ P .
• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos
K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,
onde P, −P e {0} são subconjuntos de K disjuntos dois a dois.
Os elementos de −P chamam-se negativos.
• Num corpo ordenado, se a 6= 0 então a2 ∈ P.
De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,
a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.
Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 é sempre positivo e,
portanto, −1 ∈ −P.
Logo, num corpo ordenado, −1 não é quadrado de elemento algum.


p
Exemplo 3.1 Q é um corpo ordenado no qual P = pq ∈ N .
q

p p0
• De fato, se , ∈ P, então pq, p 0 q 0 ∈ N e, portanto,
q q0

p p0 pq 0 + p 0 q
◦ + 0 = ∈ P, pois
q q qq 0
(pq 0 + p 0 q)(qq 0 ) = (pq)q 02 + (p 0 q 0 )q2 ∈ N .
p p0 pp 0
◦ · 0 = ∈ P, pois pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) ∈ N.
q q qq 0
p p 0
• Seja∈ Q. Então, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja, = = 0
q q q
p −p p
ou ∈ P ou = − ∈ P. 
q q q

36 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

Exemplo 3.2 Q(t) é um corpo ordenado no qual



p(t) Lembre que o coeficiente lı́der de
P= pq é um polinômio cujo coeficiente lider é positivo . um polinômio é o coeficiente do
q(t)
seu termo de maior grau.

De fato:
p(t) p 0 (t)
• Se , ∈ P, então os coeficientes an e bm dos termos de maior
q(t) q 0 (t)
grau de pq e p 0 q 0 , respectivamente, são positivos.
Logo,
◦ o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq 0 + p 0 q)qq 0 =
pqq 02 + p 0 q 0 q2 é positivo, pois cj = an q 0 2i + bm q2i ou cj = an q 0 2i ou
cj = bm q2i , onde qi e qi0 são os coeficientes dos termos de maior grau
de q e q 0 , respectivamente.
◦ o coeficiente do termo de maior grau de pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) é
an bm > 0.
p(t)
• Se ∈ Q(t), então ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente
q(t)
do termo de maior grau de pq é positivo ou o coeficiente do termo de
p(t) p(t) p(t)
maior grau de pq é negativo. Logo, ou = 0 ou ∈ P ou − ∈P
q(t) q(t) q(t)


Exemplo 3.3 O corpo Z2 não é ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo


ordenado 1 é positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos é um
elemento positivo. 

Exemplo 3.4 O corpo Q(i) não é ordenado, pois i2 = −1, e num corpo
ordenado −1 é negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de
zero é positivo. 

Definição 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x é menor do que


y, e escrevemos x < y, se y − x ∈ P, ou seja, y = x + z, z ∈ P. Podemos,
também, dizer que y é maior do que x e escrever y > x.

Observação 3.1
• Em particular, x > 0 se, e só se, x ∈ P e x < 0 se, e só se, −x ∈ P, ou
seja, x ∈ −P.

Instituto de Matemática - UFF 37


Análise na Reta

• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x + (−y) ∈ P.

Proposição 3.1 A relação de ordem x < y num corpo ordenado satis-


faz as seguintes propriedades:
(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;
(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes
alternativas:
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Monotonicidade da adição: Se x < y, então x + z < y + z para todo
z ∈ K.
(4) Monotonicidade da multiplicação: Se x < y, então xz < yz para
todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.

Prova.
(1) Se x < y e y < z, então y − x ∈ P e z − y ∈ P. Logo, (y − x) + (z − y) =
z − x ∈ P, ou seja, x < z.
(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
ou y − x = 0 , ou y − x ∈ P , ou y − x ∈ −P ,
ou seja,
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Se x < y então y − x ∈ P. Logo, (y + z) − (x + z) = y − x ∈ P, ou seja
x + z < y + z, para todo z ∈ K.
(4) Se x < y e z > 0, então y − x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y − x)z = yz − xz ∈ P,
ou seja xz < yz. Se, porém, x < y e z < 0, então y − x ∈ P e −z ∈ P,
donde (y − x)(−z) = xz − yz ∈ P, ou seja, xz > yz.
• Em particular, x < y é equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou
seja, −x > −y, já que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.
• Se x < x 0 e y < y 0 então x + y < x 0 + y 0 .
De fato, por (3), se x < x 0 , então x + y < x 0 + y, e se y < y 0 , então
x 0 + y < x 0 + y 0 . Logo, por (1), x + y < x 0 + y 0 .
• Se 0 < x < x 0 e 0 < y < y 0 , então xy < x 0 y 0 .
De fato, por (4), x · y < x 0 y e x 0 y < x 0 y 0 , e por (1), xy < x 0 y 0 .

38 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

• se x > 0 e y < 0, então xy < 0.


De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.

• Se x > 0 então x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.


x x
• Se x > 0 e y > 0, então > 0, pois = xy−1 e y−1 > 0.
y y
1 1
• Se x < y, x > 0 e y > 0, então < .
y x
1 1 y−x
De fato, como y − x > 0 e xy > 0, então x−1 − y−1 = − = > 0,
x y xy
ou seja, x−1 > y−1 . 

Definição 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x é menor ou igual a


y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os
elementos do conjunto P ∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se não-negativos.

• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e só se, x ≤ y e y ≤ x.


• Com exceção da tricotomia, que é substituı́da pelas propriedades:
Reflexiva: x ≤ x,
Anti-simétrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,
todas as outras propriedades acima demonstradas para a relação x < y
são válidas, também, para a relação x ≤ y.
• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o
subconjunto de K formado por estes elementos é infinito, e se identifica
de maneira natural ao conjunto N dos números naturais.
Indiquemos por 1 0 o elemento neutro da multiplicação de K e defina-
mos por indução a função f : N −→ K, pondo
f(1) = 1 0 e f(n + 1) = f(n) + 1 0 .
Por indução, podemos verificar que f(m + n) = f(m) + f(n) e que se
m < n então f(m) < f(n). De fato:
• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m + n) = f(m) + f(n)}.
Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, então
f(m + (n + 1)) = f((m + n) + 1) = f(m + n) + 1 0
= f(m) + f(n) + 1 0 = f(m) + f(n + 1) .

Instituto de Matemática - UFF 39


Análise na Reta

ou seja, n + 1 ∈ X. Logo, X = N.
• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Então:
◦ 1 ∈ Y, pois f(1) = 1 0 ∈ P ,
◦ se n ∈ Y, então n + 1 ∈ Y, pois f(n + 1) = f(n) + 1 0 ∈ P.
Logo, Y = N.
Temos, assim, que se m < n então f(m) < f(n), pois, como existe
Exercı́cio 4: Verifique que
f(mn) = f(m)f(n) , ∀ m, n ∈ N . p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,
f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.
Portanto, f : N −→ f(N) = N 0 ⊂ K é uma bijeção, onde N 0 é o
subconjunto de K formado pelos elementos 1 0 , 1 0 + 1 0 , 1 0 + 1 0 + 1 0 , . . . que
preserva a soma, o produto e a relação de ordem. Podemos, então, iden-
tificar N 0 com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em
vez de 1 0 .
Em particular, um corpo ordenado K é infinito e tem caracterı́stica
zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o número de
parcelas 1.
Considere o conjunto Z 0 = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n | n ∈ N}.
Então, Z 0 é um subgrupo abeliano de K com respeito à operação de
adição.
De fato, 0 ∈ Z 0 e se x ∈ Z 0 então −x ∈ Z 0 . Resta verificar que se
x, y ∈ Z 0 então x + y ∈ Z 0 .
• Se x, y ∈ N então x + y ∈ N ⊂ Z 0 .
• Se x, y ∈ −N então (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z 0 .
• Se x ∈ N e y ∈ −N então, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou
Exercı́cio 5: Verifique que se
m, n ∈ N 0 e m − n > 0 então
x + y = x − z = 0 ∈ Z 0 , ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou
m − n ∈ N0 . x + y = x − z < 0 e, portanto, x + y ∈ −N.

Exercı́cio 6: Verifique que xy ∈ • Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 então x + y = x ∈ Z 0 .


Z 0 quaisquer que sejam x, y ∈
Z0 . Podemos, assim, identificar Z 0 com o grupo Z dos números inteiros.

m
Seja, agora, Q 0 = m ∈ Z e n ∈ Z? . Então, Q 0 é um subcorpo

n
de K, pois:

40 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

◦ 0, 1 ∈ Q 0 ,
m m −m
◦ se ∈ Q 0 então − = ∈ Q 0.
n n n
m n
◦ se ∈ Q 0 ? então ∈ Q 0.
n m
m m0 m m0
◦ se , 0 ∈ Q 0 então + 0 ∈ Q 0 . De fato, como
n n n n
 
0 m m0 mnn 0 m 0 nn 0
nn + 0 = + = mn 0 + m 0 n ,
n n n n0

temos que
m m0 mn 0 + m 0 n
+ 0 = ∈ Q0 ,
n n nn 0
pois, como já vimos, mn 0 + m 0 n ∈ Z e nn 0 ∈ Z? .
• Q 0 é o menor subcorpo de K.
Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por
adições sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os
simétricos, deve conter Z e por divisões em Z, deve conter o conjunto das
m
frações , m ∈ Z e n ∈ Z? .
n
Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o
corpo Q dos números racionais.
Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo
natural, as inclusões
N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K.

Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contém todas as frações do tipo


p
, onde p e q são polinômios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,
q
Q ⊂ Q(t). 

Proposição 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)


Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 então
(1 + x)n ≥ 1 + nx

Prova.
Faremos a demonstração por indução em n.
Johann Bernoulli
(1667-1748) Suı́ça.

Instituto de Matemática - UFF 41


Análise na Reta

Para n = 1 a desigualdade é óbvia.


Se (1 + x)n ≥ 1 + nx, então
Exercı́cio 7: Mostre que se n ∈
N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, então (1 + x)n+1 = (1 + x)n (1 + x) ≥ (1 + nx)(1 + x)
a desigualdade de Bernoulli é es- = 1 + nx + x + nx2 = 1 + (n + 1)x + nx2
trita, isto é,
(1 + x)n > 1 + nx . ≥ 1 + (n + 1)x .

Observação 3.2 (Sobre a Boa Ordenação)


Existem conjuntos não-vazios de números inteiros que não possuem um
menor elemento.

Exemplo 3.6 O conjunto Z não possui um menor elemento.


De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0 , pois n0 − (n0 −
1) = 1 > 0. 

Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n | n ∈ Z} dos inteiros pares não possui


um menor elemento.
De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0 . 

Exemplo 3.8 Se X ⊂ N é um conjunto infinito de números naturais,


então −X = {−n | n ∈ X} é um conjunto não-vazio de números inteiros
que não possui um menor elemento.
Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.
Então, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que é absurdo, pois, como X é infinito,
X não é limitado superiormente. 

Mas, se um conjunto não-vazio X ⊂ Z é limitado inferiormente, então


X possui um menor elemento.
Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Então, x − a > 0 para todo
x ∈ X, ou seja x − a ∈ N para todo x ∈ X.
Seja A = {(x − a) | x ∈ X}.
Como A ⊂ N, temos, pelo Princı́pio da Boa Ordenação, que existe
n0 ∈ A tal que n0 ≤ x − a para todo x ∈ X.

42 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Então, x0 − a ≤ x − a para todo


x ∈ X.
Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.

4. Intervalos

Num corpo ordenado, existe a importante noção de intervalo.


• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos
limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:
◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K | a ≤ x ≤ b} ;
◦ Intervalo fechado à esquerda: [a, b) = {x ∈ K | a ≤ x < b} ;
◦ Intervalo fechado à direita: (a, b] = {x ∈ K | a < x ≤ b} ;
◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K | a < x < b} ;
• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados
de origem a como sendo os conjuntos:
◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;
◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;
◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a, +∞) = {x ∈ K | a ≤ x} ;
◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a, +∞) = {x ∈ K | a < x} ;
◦ (−∞, +∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.

Observação 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] é conveniente


admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do único
ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.

Observação 4.2 Todo intervalo não-degenerado é um conjunto infinito.


a+b
Com efeito, se a, b ∈ K e a < b então a < < b, pois
2
a+b b−a a+b b−a
−a= > 0, e b− = > 0.
2 2 2 2
a+b a + xn
Faça x1 = , e defina por indução, xn+1 = .
2 2

Instituto de Matemática - UFF 43


Análise na Reta

Então, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.


Como a função ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , é uma bijeção,
ϕ(N) é um conjunto infinito enumerável.

Fig. 1: Construção da sequência x1 , x2 , . . . , xn , . . ..

Definição 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou


módulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e
−x, se x < 0. Assim,


x , se x > 0


|x| = 0 , se x = 0



−x , se x < 0

Observação 4.3 Tem-se


|x| = max{x, −x} ,
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.

Proposição 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes


afirmações são equivalentes:
(1) −a ≤ x ≤ a ;
(2) x ≤ a e −x ≤ a ;
(3) |x| ≤ a.

Prova.
Temos que
−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x e x≤a
⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x
⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .

Corolário 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se


|x − a| ≤ b se, e só se, a − b ≤ x ≤ a + b .

44 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Prova.
De fato, |x − a| ≤ b se, e só se, −b ≤ x − a ≤ b, ou seja, a − b ≤ x ≤ a + b
(somando a). 

Observação 4.4 Todas as afirmações da proposição e do seu corolário


são verdadeiras com < em vez de ≤.
Em particular,
x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ a − ε < x < a + ε ⇐⇒ |x − a| < ε .
Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, é formado
pelos pontos x ∈ K cuja distância, |x − a|, de a é menor do que ε. Na figura ao lado, representa-
mos os elementos do conjunto em
questão, no caso, a, x ∈ (a −
ε, a + ε), por um ponto cheio. Os
pontos sem preenchimento repre-
Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.
sentam pontos que não perten-
cem ao conjunto em questão.

Proposição 4.2 Para elementos arbitrários de um corpo ordenado K,


valem as relações:
(1) |x + y| ≤ |x| + |y| ;
(2) |x · y| = |x| · |y| ;
(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x − y| ;
(4) |x − y| ≤ |x − z| + |z − y| .

Prova.
(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que
−(|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
Logo, |x + y| ≤ |x| + y|.

(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2 , pois se |x| = x, então |x|2 = x2 , e se


|x| = −x, também |x|2 = (−x)2 = x2 . Logo,
|xy|2 = (xy)2 = x2 y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .
Então, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.
(3) Por (1), |x| = |x − y + y| ≤ |x − y| + |y|, ou seja, |x − y| ≥ |x| − |y|.
De modo análogo, |y − x| ≥ |y| − |x|.
Como |y − x| = |x − y|, temos que −|x − y| ≤ |x| − |y|.

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Análise na Reta

Assim,
−|x − y| ≤ |x| − |y| ≤ |x − y| .
Logo, pela proposição 4.1,
| |x| − |y| | ≤ |x − y| .
A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definição de valor
absoluto.
(4) Por (1), |x − y| = |x − z + z − y| ≤ |x − z| + |z − y| . 

Definição 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.


• X é limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo
x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade é uma cota
superior de X.
• X é limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo
x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a, +∞). Cada a com esta propriedade é uma cota
inferior de X.
• X é limitado quando é limitado superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Exemplo 4.1 No corpo Q dos números racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferiormente, pois N ⊂ [1, +∞), mas não
é limitado superiormente.
p p
De fato, se ∈ Q, então |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 > , pois
q q
p |p|q + q − p
|p| + 1 − =
q q
e
(|p|q + q − p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq
≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .

Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das frações racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0, +∞) e
n < t para todo n ∈ N, já que o coeficiente do termo de maior grau de
t − n é 1 > 0 

46 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) N ⊂ K é ilimitado superiormente;
(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.
1
(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 < < a.
n

Prova.
(a)=⇒(b) Como N é ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,
b b
existe n ∈ N tal que n > . Logo, na > a · = b.
a a
(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Então
1
0< < a.
n
(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, então b < 1 e, portanto, b não é cota
superior de N.
1 1
Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 < < . Logo, b < n e não é,
n b
portanto, uma cota superior de N. 

Definição 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K é arquimediano se


N ⊂ K é ilimitado superiormente.

Exemplo 4.3 O corpo Q dos números racionais é arquimediano, mas o


corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, não é arquimediano.


5. Números reais

Definição 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto


limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X
quando b é a menor das cotas superiores de X em K.

Assim, b ∈ K é o supremo de X se, e só se, b satisfaz as duas


condições abaixo:

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Análise na Reta

S1: b ≥ x para todo x ∈ X.


S2: Se c ∈ K é tal que c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b.
A condição S2 é equivalente à condição:
S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.

Observação 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, é único.


De fato, se b e b 0 em K cumprem as condições S1 e S2, então, b ≤ b 0 e
b 0 ≤ b, ou seja, b 0 = b.
O supremo de um conjunto X será denotado por sup X.

Observação 5.2 O conjunto vazio ∅ não possui supremo em K, pois


todo elemento de K é uma cota superior do conjunto vazio e K não possui
um menor elemento.

Definição 5.2 Um elemento a ∈ K é o ı́nfimo de um subconjunto Y ⊂ K


limitado inferiormente quando a é a maior das cotas inferiores de Y.

Assim, a ∈ K é o ı́nfimo de Y se, e só se, a satisfaz as duas


condições abaixo:
I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.
I2: Se c ∈ K é tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, então c ≤ a.
A condição I2 é equivalente à condição:
I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.

Observação 5.3 O ı́nfimo de um conjunto X, quando existe, é único, e


será denotado por inf X

Observação 5.4 O conjunto ∅ não possui ı́nfimo em K, pois todo ele-


mento de K é uma cota inferior do conjunto vazio e K não possui um maior
elemento.

Exemplo 5.1
• Se X ⊂ K possui um elemento máximo b ∈ X, então b = sup X. De fato:
(1) b ≥ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b, pois a ∈ X.

48 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

• Se X ⊂ K possui um elemento mı́nimo a ∈ X, então a = inf X. De fato:


(1) a ≤ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, então c ≤ a, pois a ∈ X.
• Se b = sup X ∈ X, então sup X é o maior elemento de X, pois b ≥ x para
todo x ∈ X e b ∈ X.
• Se a = inf X ∈ X, então inf X é o menor elemento de X, pois a ≤ x para
todo x ∈ X e a ∈ X.
Em particular, se
◦ X é finito, então o sup X e o inf X existem e pertencem a X.
◦ X = [a, b], então sup X = b e inf X = a.
◦ X = (−∞, b], então sup X = b.
◦ X = [a, +∞), então inf X = a. 

Exemplo 5.2 Se X = (a, b), então inf X = a e sup X = b.


Com efeito, b é uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,
a+b a+b
existe x =∈ X, por exemplo, tal que c < . Se a < c < b, então
2 2
c+b c+b
∈Xec< . Assim, b = sup X.
2 2
De modo análogo, podemos provar que a = inf X.
Observe que, neste exemplo, sup X 6∈ X e inf X 6∈ X. 

1
Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das frações do tipo , n ∈ N.
2n
1
Então, sup Y = e inf Y = 0.
2
1 1 1 1
• Como ∈ Y e n < para todo n > 1, n ∈ N, temos que é o maior
2 2 2 2
elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.
1
• Sendo ≥ 0 para todo n ∈ N, 0 é cota inferior de Y.
2n
Seja b > 0 em Q. Como Q é um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal
1 1
que n0 > − 1. Logo, n0 + 1 > .
b b
Pela desigualdade de Bernoulli, temos que

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Análise na Reta

1
2n0 = (1 + 1)n0 ≥ 1 + n0 > ,
b
1
ou seja, b > . Assim, 0 = inf X. 
2n0

Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de números ra-


cionais não possuem ı́nfimo ou supremo em Q.

Lema 5.1 (Pitágoras)


Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2.

Prova.
p
Suponhamos, por absurdo, que existe ∈ Q tal que
q
 2
p
= 2,
q

ou seja p2 = 2q2 .
O fator 2 aparece um número par de vezes na decomposição de p2 e de
q2 em fatores primos.
Como p2 possui um número par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um
número ı́mpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradição. 

Exemplo 5.4 Sejam



X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y = x ∈ Q | y > 0 e y2 > 2 .

Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X é um subconjunto


limitado.
Sendo Y ⊂ [0, +∞), Y é limitado inferiormente.
Mostraremos que X não possui um supremo em Q e que Y não possui um
ı́nfimo em Q.
(1) O conjunto X não possui elemento máximo.

2 − b2
Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como > 0 e Q é arquimediano,
1 + 2b
1 2 − b2
existe n ∈ N tal que < .
n 1 + 2b
1
Faça r = . Então 0 < r < 1 e
n

50 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

(b + r)2 = b2 + 2rb + r2 < b2 + 2rb + r


2 − b2
= b2 + (2b + 1)r < b2 + (2b + 1)
2b + 1
= b2 + 2 − b2 = 2 .

Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que


b + r > b.Logo, X não possui maior elemento.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,
existe n ∈ N tal que
1 b2 − 2
0<r= < .
n 2b
Logo,
(b − r)2 = b2 − 2br + r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2
e
b2 − 2 b 1 b 1
b−r>b− = b − + = + > 0,
2b 2 b 2 b
ou seja, b − r ∈ Y e b − r < b. Assim, X não possui menor elemento.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, então x < y.
De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >
0 =⇒ y − x > 0, ou seja, y > x, pois y + x > 0.
• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que não existem sup X e inf Y em Q.
◦ Suponhamos, primeiro, que existe a = sup X, a ∈ Q. Então, a > 0
e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.
Se a2 > 2, então a ∈ Y. Como a não é o menor elemento de Y, existe
b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz
ser a = sup X.
Assim, se existir a = sup X, a2 = 2 e a ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema
de Pitágoras.
◦ Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Então, b > 0,
pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.
Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que é absurdo
por (2).

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Análise na Reta

Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, então b ∈ X. Como b não é o maior elemento de


X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que
contradiz ser b = inf Y.
Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema de Pitágoras. 

Observação 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo


ordenado K no qual todo subconjunto não-vazio limitado superiormente
possui supremo, existirá neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.
De fato, K, sendo ordenado, contém Q e, portanto, contém o conjunto
X, que é limitado superiormente. Então, existirá a = sup X em K, cujo
quadrado deverá ser igual a 2.

Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado não arquimediano.


Então, N ⊂ K é limitado superiormente, mas não possui supremo.
De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Então, n + 1 ≤ b para todo
n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 é uma cota superior
de N menor do que b. 

Definição 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo


subconjunto de K não-vazio e limitado superiormente possui supremo em
K.

Observação 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto


Y ⊂ K não-vazio limitado inferiormente possui ı́nfimo em K.
De fato, considere X = −Y = {−y | y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de
Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Então, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou
seja, −b é uma cota superior de X e, portanto, X é limitado superiormente.
Sendo K completo, existe a = sup X.
Vamos mostrar que −a = inf Y:
◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.
◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, então −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,
a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.

Observação 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado
completo é arquimediano.

52 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Exemplo 5.6
• Q não é completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q não-vazio
e limitado superiormente não possui supremo em Q.
• Q(t) não é completo, pois Q(t) não é arquimediano. 

Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Análise Matemática.

Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo


dos números reais.

Observação 5.8 Existe em R um número positivo a tal que a2 = 2, que



é representado pelo sı́mbolo 2, e é único.
De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, então
a2 − b2 = 0 =⇒ (a − b)(a + b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.
Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.
Além disto, a ∈ R − Q.

Definição 5.4 O conjunto I = R − Q é o conjunto dos números irracio-


nais.

Exemplo 5.7 2 ∈ I .

Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um único


número real b > 0 tal que bn = a. O número b chama-se raiz n−ésima

de a e é representado pelo sı́mbolo n a.
Consideremos os conjuntos:
X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a} e Y = {y ∈ R | y > 0 e yn > a}
O conjunto Y é limitado inferiormente pelo zero.
O conjunto X não é vazio, pois 0 ∈ X, e é limitado superiormente. De fato:
• se a ≤ 1, então 1 é cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que
zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].
• se a > 1, então an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se
zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).
Como R é completo, existe b = sup X. Vamos provar que bn = a.

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Análise na Reta

(1) X não possui elemento máximo.


Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,
x + d ∈ X e x + d > x.
Afirmação: Dado x > 0 existe, para cada n, um número real positivo An ,
que depende de x, tal que (x + d)n ≤ xn + An d seja qual for 0 < d < 1.
Vamos provar esta afirmação por indução em n.
Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que
(x + d)n+1 = (x + d)n (x + d) ≤ (xn + an d)(x + d)
= xn+1 + An dx + dxn + An d2
= xn+1 + (An x + xn + An d)d
< xn+1 + (An x + xn + An )d ,

já que 0 < d < 1. Tomando An+1 = An x + xn + An , temos que


(x + d)n+1 ≤ xn+1 + An+1 d.
Dado x ∈ X, isto é, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que

a − xn
0 < d < min 1, .
An

Então,
An (a − xn )
(x + d)n ≤ xn + An d < xn + = a,
An

ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X não possui elemento


máximo.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y − d)n > a,
ou seja, y − d ∈ Y e y − d < y.
d d
Seja 0 < d < y. Então, 0 < < 1, ou seja, −1 < − < 0.
y y

Pela desigualdade de Bernoulli, temos


 n  
n n d n d
(y − d) = y 1 − ≥y 1−n = yn − ndyn−1 .
y y

yn − a
Se tomarmos 0 < d < min y, n−1 , teremos que
ny
(yn − a)
(y − d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1 = yn − yn + a = a ,
nyn−1

54 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

ou seja, y − d > 0 e (y − d)n > a.


(3) Se x ∈ X e y ∈ Y então x < y.
De fato, como xn < a < yn , x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn
e, portanto,
yn − xn = (y − x)(yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 ) > 0 .
Como
yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 > 0, Exercı́cio 8: Prove que
yn − xn = (y − x) yn−1 + yn−2 x
`

temos que y − x > 0, ou seja, x < y. + . . . + yxn−2 + xn−1 ,


´

quaisquer que sejam x, y ∈ R e


Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = sup X, então n ∈ N.

bn = a.
Se bn < a, temos que b ∈ X, o que é absurdo, pois
b = sup X e, portanto, o elemento máximo de X, o que contradiz (1).
Se bn > a, então b ∈ Y, pois b > 0.
Exercı́cio 9: Mostrar que Y 6= ∅
Como, por (2), Y não possui um elemento mı́nimo, existe c ∈ Y tal que e bn = a, onde b = inf Y .

c < b.
Exercı́cio 10: Mostrar que existe
um único b > 0 em R tal que
Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c é uma cota superior de X
bn = a (ver observação 5.9).
menor do que b = sup X, o que é absurdo. Logo, bn = a. 

Observação 5.9 Dado n ∈ N, a função f : [0, +∞) −→ [0, +∞) definida


por f(x) = xn é sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo
a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e é injetiva, pois se 0 < x < y, então,
pela monotonicidade da multiplicação, 0 < xn < yn .
Logo, f é uma bijeção de [0, +∞) sobre si mesmo, e sua inversa

f−1 : [0, +∞) −→ [0, +∞) é dada por y −→ n y, a única raiz n−ésima
não-negativa de y.

Observação 5.10 (Generalização do Lema de Pitágoras)


Dado n ∈ N. Se um número natural m não possui uma raiz n−ésima
natural, também não possui uma raiz n−ésima racional.
 n
p
De fato, sejam p, q números naturais primos entre si tais que = m.
q
Então, pn = m qn .

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Análise na Reta

Como pn e qn são primos entre si e qn divide pn , temos que q = 1, ou


p
seja, ∈ N, o que é absurdo.
q
√ √ √
Então, dados m, n ∈ N, se n
m 6∈ N então n
m ∈ I = R − Q, ou seja, n
m
é um número irracional.

Exemplo 5.9
√ √
• 2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja, 2 6∈ N.
√ √
• 3 3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3 3 6∈ N.
√ √
• 3 6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3 6 ∈6 N. 

Mostraremos, agora, que os números irracionais se acham espa-


lhados por toda parte entre os números reais e que há mais números
irracionais do que racionais.

Definição 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo


intervalo aberto (a, b) contém algum ponto de X.

Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z é denso em R.


De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Então, existe n0 ∈ Z
tal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,
(a, b) ∩ Z ⊂ {n0 , . . . , n0 + (m0 − n0 )} ,
que é um conjunto finito.
Como já provamos que (a, b) é um conjunto infinito, temos que o conjunto
(a, b) ∩ (R − Z) é, também, infinito e, em particular, é não-vazio. 

Teorema 5.1 O conjunto Q dos números racionais e o conjunto R − Q


dos números irracionais são densos em R.

Prova.
Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.
Afirmativa 1: Existe um número racional em (a, b).
1
Como b − a > 0, existe p ∈ N tal que < b − a.
p

m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

56 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Como R é arquimediano, A é um conjunto não-vazio de números inteiros,


limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por
um número inteiro.
Então, pelo Princı́pio de Boa Ordenação (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal
que m0 ≤ m para todo m ∈ A.
m0 − 1
Logo, como m0 − 1 < m0 , temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p
m0 − 1
Temos, também, que a < < b, pois, caso contrário,
p
m0 − 1 m
≤a<b≤ 0,
p p
m0 m −1 1
o que acarretaria b − a ≤ − 0 = , uma contradição.
p p p
m0 − 1 m −1
Logo, a < < b, ou seja, 0 ∈ (a, b) ∩ Q.
p p

Afirmativa 2: Existe um número irracional em (a, b).


Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b
ou a < b < 0.

1 b−a 2
Seja p ∈ N tal que < √ , ou seja, < b − a.
p 2 p

2m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

Como R é arquimediano, A é não-vazio, limitado inferiormente por


bp
√ ∈ R. Então, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo
2

2 (m0 − 1)
m0 − 1 < m0 , m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p

2 (m0 − 1)
Além disso, > a, pois, caso contrário,
p
√ √
2 (m0 − 1) 2 m0
≤a<b≤ .
p p
√ √
2 2 (m0 − 1)
Então, b − a ≤ , o que é absurdo. Assim a < < b e
p p
m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).

Instituto de Matemática - UFF 57


Análise na Reta


2(m0 − 1)
Logo, ∈ (R − Q) ∩ (a, b).
p

• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal

1 b 2
que < √ , ou seja, < b.
p 2 p
√ √
2 2
Como a < 0 < < b, temos que ∈ (R − Q) ∩ (a, b). 
p p

Teorema 5.2 (Princı́pio dos Intervalos Encaixados)


Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma seqüência decrescente de intervalos
In = [an , bn ] limitados e fechados.
\
Então a interseção In não é vazia. Mais precisamente,
n∈N
\
In = [a, b] ,
n∈N

onde a = sup an e b = inf bn .

Prova.
Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn , pois In+1 = [an+1 , bn+1 ] ⊂
[an , bn ] = In . Segue-se, então, que
a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,
pois an ≤ bm quaisquer que sejam m, n ∈ N.
De fato, se m = n, an ≤ bn . Se n < m, an ≤ am ≤ bm , e se n > m,
an ≤ bn ≤ bm .
Sejam A = {an | n ∈ N} e B = {bn | n ∈ N}. Então A e B são subconjuntos
limitados de R, já que: a1 é uma cota inferior e bm é uma cota superior de
A, para todo m ∈ N; e b1 é uma cota superior e am é uma cota inferior de
B, para todo m ∈ N.
Sejam a = sup A e b = inf B.
Como, para todo m ∈ N, bm é uma cota superior de A e am é uma cota
inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am .
Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.
Então, [a, b] ⊂ In , pois an ≤ a ≤ b ≤ bn , para todo n ∈ N.

58 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

\
Portanto, [a, b] ⊂ In .
n∈N
\
Precisamos ainda provar que In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe
n∈N

x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.


Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x é cota superior de A e, portanto, x ≥ a,
o que é uma contradição.
De modo análogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo
n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y é uma cota inferior de B. Logo,
b ≥ y, o qual é absurdo.
\
Temos, então, que [a, b] = In . 
n∈N

Teorema 5.3 O conjunto R dos números reais não é enumerável.

Prova.
Precisamos, antes, provar a seguinte:
Afirmação: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um
número real x0 , existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal
que J ⊂ I e x0 6∈ J.
De fato:
• se x0 6∈ I, tome J = I.
• suponha que x0 ∈ I. Se
ha + b i
◦ x0 = a, tome J = ,b ;
2
a+b
h i
◦ x0 = b, tome J = a, ;
2
h a+x i
0
◦ a < x0 < b, tome J = a, .
2
• Seja X = {x1 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de R.
Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.
Seja I1 um intervalo limitado, fechado e não-degenerado tal que x1 6∈ I1 .
Supondo que é possı́vel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,
fechados e não-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos

Instituto de Matemática - UFF 59


Análise na Reta

obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e não-degenerado tal que In+1 ⊂


In e xn+1 6∈ In+1 .
Isto nos fornece uma seqüência decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de
intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para
todo n ∈ N.
Como xn 6∈ In , para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.
Logo x ∈ R − X, ou seja, R não é enumerável. 

Corolário 5.1 Todo intervalo não-degenerado de números reais é não-


enumerável.

Prova.
[
• Primeiro vamos provar que R = (n, n + 1], isto é, dado x ∈ R existe
n∈N

n ∈ N tal que n < x ≤ n + 1.


Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A é um subconjunto não-vazio de Z
limitado inferiormente, A possui um elemento mı́nimo n0 .
Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.
• Precisamos, também, verificar que a função f : (0, 1) −→ R definida por
f(x) = (b − a)x + a é uma bijeção sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:
◦ se 0 < x < 1, então a < (b − a)x + a < b .
◦ se f(x) = f(y), então (b − a)x + a = (b − a)y + a, donde (b − a)x =
(b − a)y, ou seja, x = y.
y−a
◦ se y ∈ (a, b), então x = ∈ (0, 1) e f(x) = y.
b−a

• Portanto, se provarmos que (0, 1) não é enumerável, então todo intervalo


não-degenerado é não-enumerável.
Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) é enumerável.
Então, o intervalo (n, n + 1] também seria enumerável, pois a função fn :
(0, 1] −→ (n, n + 1] definida por f(x) = x + n é uma bijeção para todo
n ∈ N.
[
Mas, assim, R = (n, n + 1] seria enumerável por ser uma reunião
n∈N

60 J. Delgado - K. Frensel
enumerável dos conjuntos enumeráveis (n, n + 1]. 

Corolário 5.2 O conjunto dos números irracionais não é enumerável.

Prova.
Como Q é enumerável e R = Q ∪ (R − Q), então R − Q não é enu-
merável, pois, caso contrário, R seria enumerável por ser reunião de dois
conjuntos enumeráveis. 

Instituto de Matemática - UFF 61


62 J. Delgado - K. Frensel
Parte 3

Sequências e séries de números


reais

A noção de limite tem um papel central no estudo da Análise Ma-


temática, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a
limites direta ou indiretamente.

Instituto de Matemática - UFF 63


64 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1. Seqüências

Definição 1.1 Uma seqüência de números reais é uma função definida


no conjunto N dos números naturais e tomando valores no conjunto R dos
números reais.
Se x : N −→ R é uma seqüência de números reais, o valor x(n) será
representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−ésimo termo
da seqüência x.
Escreveremos (x1 , x2 , . . . , xn , . . .) ou (xn )n∈N ou (xn ) para indicar a
seqüência x.

Observação 1.1
• Não se deve confundir a seqüência x com o conjunto de seus termos:
x(N) = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} ,
que pode ser finito, pois a seqüência x : N −→ R não é necessariamente
injetiva.

Definição 1.2 Quando a seqüência a : N −→ R for injetiva, ou seja,


xn 6= xm , se n 6= m, diremos que x é uma seqüência de termos dois a
dois distintos.

Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência (xn )n∈N é


• limitada superiormente quando existe um número real b tal que xn ≤ b
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.
• limitada inferiormente quando existe um número real a tal que a ≤ xn
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a, +∞) para todo n ∈ N.
• limitada quando é limitada superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.
• ilimitada quando não é limitada.

Observação 1.2
• Todo intervalo [a, b] está contido num intervalo centrado em 0 da forma
[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤
c, já que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.

Instituto de Matemática - UFF 65


Análise na Reta

• Assim, uma seqüência é limitada se, e só se, existe c ∈ R?+ tal que
|xn | ≤ c para todo n ∈ N.
• Então, (xn )n∈N é uma seqüência limitada se, e só se, (|xn |)n∈N é uma
seqüência limitada.

Definição 1.4 Uma subseqüência da seqüência x = (xn )n∈N é a restrição


da função x : N −→ R a um subconjunto infinito N 0 = {n1 < n2 <
. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se x 0 = (xn )n∈N 0 ou (xnk )k∈N ou
0
(xn1 , xn2 , . . . , xnk ) para indicar a subseqüência x = x|N 0 .

Observação 1.3 Lembremos que um subconjunto N 0 ⊂ N é infinito


se, e só se, é ilimitado, isto é, para todo m ∈ N existe n ∈ N 0 tal que
m < n. Neste caso, dizemos que N 0 contém números naturais arbitraria-
mente grandes.
Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N 0 , então
N − N 0 é finito e, portanto, N 0 é infinito. Dizemos, neste caso, que N 0
contém todos os números naturais suficientemente grandes.

Observação 1.4 Toda subseqüência de uma seqüência limitada é limi-


tada

Note que: Uma seqüência cres-


Definição 1.5
cente ou não-decrescente é limi-
• Uma seqüência (xn )n∈N é crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,
tada inferiormente pelo seu pri-
meiro termo. ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a
seqüência é não-decrescente.
Note que: Uma seqüência de-
crescente ou não-crescente é li- • Uma seqüência (xn )n∈N é decrescente quando xn > xn+1 para todo
mitada superiormente pelo seu n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a
primeiro termo.
seqüência é não-crescente.
• As seqüências crescentes, não-decrescentes, decrescentes e não-crescentes
são chamadas seqüências monótonas.

Observação 1.5 Uma seqüência monótona (xn )n∈N é limitada se, e só
se, possui uma subseqüência limitada.
Com efeito, vamos supor que x = (xn )n∈N é não-decrescente e (xn )n∈N 0
é uma subseqüência limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b

66 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

para todo n ∈ N 0 . Como N 0 é ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N 0 tal que


m > n.
Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.

Analisaremos agora alguns exemplos de seqüências.

Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é uma seqüência


constante. Então, ela é limitada não-decrescente e não-crescente. 

Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada inferiormente, ilimitada superiormente e monótona crescente. 

Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ı́mpar. Essa


seqüência é limitada e não é monótona. Observe que a seqüência se
1 + (−1)n
 nπ 
define, também, pelas fórmulas xn = ou xn = sen2 .
2 2 

1 1 1
 
Exemplo 1.4 Se xn = para todo n ∈ N, então x = 1, , . . . , , . . .
n 2 n
é uma seqüência limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para
todo n ∈ N.

n(1 + (−1)n+1 )
Exemplo 1.5 Seja x = (xn )n∈N , onde xn = para todo
2
n ∈ N. Então xn = 0 para n par e xn = n para n ı́mpar, ou seja, x =
(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela é ilimitada superiormente, limitada inferiormente e
não é monótona, mas seus termos de ı́ndice ı́mpar x2n−1 = 2n − 1 formam
uma subseqüência monótona crescente ilimitada superiormente e seus
termos de ı́ndice par x2n = 0 formam uma subseqüência constante. 

Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a seqüência xn = an , n ∈ N.


• se a = 0 ou a = 1, então xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo
n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn )n∈N é constante.

• Se 0 < a < 1, então an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,
(xn )n∈N é decrescente e limitada.
• Se −1 < a < 0, então a seqüência não é monótona, pois seus termos
são alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,
pois |an | = |a|n , com 0 < |a| < 1.

Instituto de Matemática - UFF 67


Análise na Reta

• Se a = −1, então a seqüência (an )n∈N é (−1, 1, −1, 1, . . .) e é, portanto,


limitada, mas não é monótona.
• Se a > 1, então a seqüência (an )n∈N é monótona crescente e ilimitada
superiormente.
De fato:
◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a·an > 1·an , ou seja, an+1 > an
para todo n ∈ N.
◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Então, pela desigualdade de Ber-
b−1
noulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n > .
h
Logo, an ≥ 1 + nh > b.
• se a < −1, a seqüência não é monótona, pois seus termos são al-
ternadamente positivos e negativos, e não é limitada superiormente nem
inferiormente.
De fato:
◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2 )n formam uma sub-
seqüência monótona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.

a2n
◦ Os termos de ordem ı́mpar x2n−1 = a2n−1 = formam uma
a
subseqüência decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n )n∈N
é uma seqüência crescente ilimitada superiormente. 

Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an =
1−a
para todo n ∈ N.
Então, (xn )n∈N é uma seqüência crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn
1
para todo n ∈ N; e é limitada, pois 1 < xn < para todo n ∈ N.
1−a
1
1 1 1 1 − n+1 1
Em particular, se a = , temos que 1+ +. . .+ n = 2 < =2
2 2 2 1 1
1− 1−
2 2
para todo n ∈ N. 

68 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
Exemplo 1.8 Seja an = 1 + + + . . . + , n ∈ N. A seqüência
1! 2! n!
(an )n∈N é crescente e é limitada, pois
1 1 1
an < 1 + 1 + + + . . . + n−1 < 1 + 2 = 3 ,
2 2·2 2
para todo n ∈ N. 

 1
n
Exemplo 1.9 Seja bn = 1 + , n ∈ N. A fórmula do binômio de
n
Newton (que pode ser provada por indução) nos dá
 1
n
bn = 1+
n
1 n(n − 1) 1 n(n − 1)(n − 2) 1
= 1+n· + · 2+ · 3
n 2! n 3! n
n(n − 1) . . . 2 · 1 1
+... + · n,
n! n

ou seja,

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 − .
n! n n n

j
Como 1 − > 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn é uma
n
soma de parcelas positivas. Além disso,cada parcela cresce com n, pois
j j
   
1− > 1− , 1 ≤ j ≤ n − 1, e, também, o número de parcelas
n+1 n
cresce com n.
Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn )n∈N é uma seqüência
crescente.
Observe ainda que (bn )n∈N é uma seqüência limitada, pois
Importante: Provaremos depois
1 1 1
0 < bn < 1 + 1 + + + ... + < 3, que as seqüências (an )n∈N e
2! 3! n! (bn )n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9
convergem para o número e.
para todo n ∈ N. 

Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,


a+b
1 sua média aritmética 2
é ob-
Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 = (xn + xn+1 ), para todo tida somando-se ao número a a
2 metade da distância b−a de a a
2
1 3 5 11
 
b−a
n ∈ N. A seqüência que se obtém é 0 , 1 , , , , , ... . b, ou subtraindo-se 2
de b.
2 4 8 16

Instituto de Matemática - UFF 69


Análise na Reta

Segue-se que os termos desta seqüência são:

x1 = 0 ,

x2 = 1 ,
1 1
x3 = 1 − = ,
2 2
1 1 1
x4 = 1− + =1− ,
2 4 4
1 1 1 1 1 1 1
 
x5 = 1− + − = + = 1+ ,
2 4 8 2 8 2 4
1 1 1 1 1 1
1 1

x6 = 1− + − + =1− − =1− + 2 ,
2 4 8 16 4 16 4 4
etc

Provaremos alguns fatos para obter a fórmula geral dos termos de ordem
par e de ordem ı́mpar.
1
Afirmação 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 · , para todo n ∈ N.
2n−1
De fato:
1
◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1 − 0 = 1 = (−1)2 · .
20
◦ Suponhamos que a afirmação seja válida para n. Então
1 1
xn+2 − xn+1 = (xn + xn+1 ) − xn+1 = (xn − xn+1 )
2 2
1 1 1
= − (xn+1 − xn ) = − (−1)n+1 · n−1
2 2 2
1 1
= (−1)n+2 · n = (−1)(n+1)+1 (n+1)−1 .
2 2
Note que:
• Se n é par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 · < 0.
2n−1
• Se n é ı́mpar, xn < xn+1 , e, portanto, xn < xn+2 < xn+1 , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 > 0.
2n−1

Fig. 1: Posicionamento dos pontos da seqüência (xn )n∈N .

70 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
 
Afirmação 2: x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 para todo n ∈ N.
2 4 4
De fato:
0+1 1 1
◦ Se n = 1, x3 = = = · 1.
2 2 2
◦ Suponhamos a afirmação verdadeira para n.
Então, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2 , temos que
1
x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 + (x2n+2 − x2n+1 )
2
1
 1 1
 1 (−1)2n+2
= 1 + + . . . + n−1 + ·
2 4 4 2 22n
1 1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + · n
2 4 4 2 4
1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + n .
2 4 4 4
1 1

Afirmação 3: x2n = 1 − + ... + para todo n ∈ N, n ≥ 2.
4 4n−1
De fato:
1
◦ Se n = 2, x4 = 1 − .
4
◦ Suponhamos que a igualdade seja válida para n.
Então, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n , temos que
1 1
x2n+2 = x2n − (x2n − x2n+1 ) = x2n + (x2n+1 − x2n )
2 2
1 1
 (−1)2n+1 1 1
 1
= 1− + . . . + n−1 + 2n−1
= 1 − + . . . + n−1
− n
4 4 2·2 4 4 4
1 1 1

= 1− + . . . + n−1 + n .
4 4 4
• Assim, como
1
1 1 1 1 − n+1 1 4
1 + + . . . + n−1 + n = 4 < = ,
4 4 4 1 1 3
1− 1−
4 4
para todo n ∈ N, temos que
1 4 4
0 ≤ x2n+1 < · = < 1,
2 3 6
para todo n ≥ 0, e
4 2
 
1 ≥ x2n >1+ 1− = , para todo n ≥ 1.
3 3

Instituto de Matemática - UFF 71


Análise na Reta

Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada, sendo (x2n+1 )n∈N uma subseqüência crescente e (x2n )n ∈ N uma
subseqüência decrescente. 

Exemplo 1.11 Seja xn = n
n para todo n ∈ N.
A seqüência (xn )n∈N é decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,
1 n 1 n
   
como 1 + < 3 para todo n ∈ N, 1 + < n para todo n ≥ 3.
n n
(n + 1)n
Logo, < n, ou seja, (n + 1)n < nn+1 .
nn

n+1

Assim, n + 1 < n n para todo n ≥ 3.
√ √ √
Como 1 = x1 < 2 = x2 < 3 3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 = 3 3 para todo n ∈ N,
concluı́mos também que (xn )n∈N é limitada. 

2. Limite de uma seqüência

Definição 2.1 Dizemos que o número real a é limite da seqüência (xn )n∈N
de números reais, e escrevemos
a = lim xn ,
n→∞

quando para cada número real ε > 0 é possı́vel obter um número natural
n0 tal que
|xn − a| < ε ,
para todo n > n0 .
Simbolicamente, temos que
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀ n > n0
n→∞

ou seja,
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a − ε, a + ε) , ∀ n > n0
n→∞

Assim, a = lim xn se, e só se, todo intervalo aberto de centro a


n→∞

contém todos os termos xn da seqüência, salvo, talvez, para um número


finito de ı́ndices n.

72 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Observação 2.1
• Quando lim xn = a, dizemos que a seqüência (xn )n∈N converge para a
n→∞

ou tende para a e escrevemos, também, xn −→ a.


• Uma seqüência que possui limite chama-se convergente. Caso contrário,
chama-se divergente, ou seja, uma seqüência (xn )n∈N é divergente se,
para nenhum número real a, é verdade que lim xn = a.
n→∞

• lim xn 6= a se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe
n→∞

n1 > n0 com |xn1 − a| ≥ ε0 .

Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)


Se a = lim xn e b = lim xn , então a = b.
n→∞ n→∞

Prova.
1
Suponhamos a 6= b e seja ε = |b − a| > 0. Temos que:
2
• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩
(b − ε, b + ε), terı́amos que:
|b − a| = |b − x + x − a| ≤ |b − x| + |x − a| < ε + ε = 2ε = |b − a| .
• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n > n0 .
Logo, xn 6∈ (b − ε, b + ε) para todo n > n0 . Então lim xn 6= b. 
n→∞

Teorema 2.2 Se n→∞


lim xn = a então toda subseqüência de (xn )n∈N con-
verge para a.

Prova.
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn )n∈N . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N
tal que |xn − a| < ε para todo n > n0 .
Como o conjunto N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é ilimitado, existe k0 ∈ N
tal que nk0 > n0 .
Logo, nk > nk0 > n0 e |xnk − a| < ε para todo k > k0 . 

Corolário 2.1 Se lim xn = a então, para todo k ∈ N, lim xn+k = a.


n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 73


Análise na Reta

Prova.
De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) é uma subseqüência de (xn )n∈N e,
portanto, converge para a.

Observação 2.2
• O limite de uma seqüência não se altera quando dela se omite um
número finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantém
Exercı́cio 12: Se (xn+k )n∈N
converge para a, para algum k ∈ quando se omite um número infinito de termos desde que reste ainda um
N, então xn −→ a.
número infinito de ı́ndices.
• Se (xn )n∈N possui duas subseqüências com limites distintos então (xn )n∈N
é divergente.
• Se (xn )n∈N converge e a subseqüência (xnk )k∈N converge para a, então
xn −→ a.

Teorema 2.3 Toda seqüência convergente é limitada.

Prova.
Seja a = lim xn e tome ε = 1. Então, existe n0 ∈ N tal que xn ∈
n→∞

(a − 1, a + 1) para todo n > n0 .


Sejam A = {a − 1, a + 1, x1 , . . . , xn0 }, M = max A e m = min A. Então
m ≤ xn ≤ M para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é limitada.

Observação 2.3 A recı́proca do teorema anterior não é verdadeira. Por


exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) é limitada, mas não é conver-
gente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn )n∈N possui
duas subseqüências que convergem para limites diferentes.

Observação 2.4 Se uma seqüência não é limitada, ela não é conver-


gente.

Teorema 2.4 Toda seqüência monótona limitada é convergente.

Prova.
Suponhamos que (xn )n∈N é não-decrescente, isto é, xn ≤ xn+1 para todo
n ∈ N.
Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn | n ∈ N}.

74 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Vamos mostrar que a = lim xn .


n→∞

Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε não é cota superior do conjunto dos


termos da seqüência. Logo, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn0 ≤ a. Como
xn ≥ xn0 , para todo n ≥ n0 , temos
a − ε < xn0 ≤ xn ≤ a < a + ε para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a.
n→∞

De modo análogo, podemos provar que se (xn )n∈N é não-crescente, então


lim xn = inf{xn | n ∈ N}.
n→∞

Corolário 2.2 Se uma seqüência monótona (xn )n∈N possui uma sub-
seqüência convergente, então (xn )n∈N é convergente.

Prova.
Pela observação 1.5, temos que a seqüência monótona (xn )n∈N é limi-
tada porque possui uma subseqüência convergente e, portanto limitada.
Então, pelo teorema anterior, (xn )n∈N é convergente.

Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto à convergência.

Exemplo 2.1 Toda seqüência constante, xn = a, n ∈ N, é convergente


e tem limite a.

Exemplo 2.2 A seqüência de termo geral xn = n, n ∈ N, não é conver-


gente porque não é limitada.

1 + (−1)n+1
Exemplo 2.3 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn = , n ∈ N,
2
é divergente porque possui duas subseqüências (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N que
convergem para limites diferentes.

1
Exemplo 2.4 A seqüência tem limite zero.
n n∈N

1
De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que < ε.
n0
1 1
Então, −ε < < < ε, para todo n > n0 . 
n n0

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Análise na Reta

Exemplo 2.5 A seqüência (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) não é


convergente porque possui uma subseqüência, (x2n−1 )n∈N , ilimitada.

Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a seqüência (an )n∈N . Então:


• Se a = 1 ou a = 0, a seqüência constante (an )n∈N converge e tem limite
1 e 0, respectivamente.
• Se a = −1, a seqüência (−1, 1, −1, 1, . . .) é divergente, pois possui duas
subseqüências, (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N , que convergem para limites dife-
rentes.
• Se a > 1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois é crescente e ilimitada
superiormente.
• Se a < −1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois não é limitada supe-
riormente nem inferiormente.
• Se 0 < a < 1, a seqüência (an )n∈N é decrescente e limitada, logo,
convergente. Além disso, lim an = 0.
n→∞

1 1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > para todo n ≥ n0 ,
a ε
  n 
1
pois a seqüência é crescente e ilimitada superiormente, já
a n∈N
1
que > 1. Logo, −ε < an < ε ∀ n ≥ n0 .
a
• Se −1 < a < 0, lim an = 0, pois lim |an | = lim |a|n = 0, já que
n→∞ n→∞ n→∞

0 < |a| < 1.

lim xn = 0 ⇐⇒ lim |xn | = 0.


Observação 2.5 n→∞
n→∞

Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a seqüência (xn )n∈N , onde


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

é convergente porque é crescente e limitada superiormente. Além disso,


1
lim xn = .
n→∞ 1−a

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an | < ε(1 − a) para todo n > n0 .
1 |an+1 |

Logo, xn − = < ε para todo n ≥ n0 .

1−a |1 − a|

76 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

1
O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, lim xn = , apesar
n→∞ 1−a
de (xn )n∈N não ser monótona para −1 < a < 0. 

1 1 1 1
 n
Exemplo 2.8 Sejam an = 1 + + + . . . + + . . . e bn = 1 + ,
1! 2! n! n
para todo n ∈ N.
Como as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes e limitadas, elas
são convergentes.
Mostraremos depois que lim an = lim bn = e, onde e é a base dos
n→∞ n→∞

logaritmos naturais.

Exemplo 2.9 Seja (xn )n∈N a seqüência dada por


xn + xn+1
x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 = , n ∈ N.
2
Já vimos que:
 n  
1
1 1 1
 1 1 −  2  1
4
 
x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 =  = 1 − ,
2 4 4 2  1  3 4n
1−
4

e
1 1
 1
 1

x2n = 1 − + . . . + n−1 = 2 − 1 + + . . . + n−1
4 4 4 4
1
 1 − 4n  4 1
  2 4 1
= 2− = 2 − 1 − = + · n.
1  n 3 4 3 3 4
1−
4

Então a subseqüência (x2n−1 )n∈N é crescente limitada superiormente e a


subseqüência (x2n )n∈N é decrescente limitada inferiormente.
2
Afirmação 1: lim x2n−1 = .
n→∞ 3
1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que < ε, para todo n > n0 ,
4n
1 1
pois lim = 0, já que 0 < < 1 .
n→∞ 4n 4
2 2
1
Logo, x2n+1 − = < ε para todo n > n0 .

3 n 3 4
2
Afirmação 2: lim x2n = .
n→∞ 3

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Análise na Reta

1 3
Dado ε > 0 , ∃ n0 ∈ N tal que n
< ε para todo n ≥ n0 .
4 4
2 4 1

Assim, x2n − = · n < ε para todo n ≥ n0 .

3 3 4
Afirmação 3: Se lim x2n+1 = lim x2n = a então lim xn = a.
n→∞ n→∞ n→∞

De fato, dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1 , n


par, e |xn − a| < ε se n > n2 , n ı́mpar.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então, |xn − a| < ε para todo n > n0 , pois n >
n0 ≥ n1 e n > n 0 ≥ n2 .
Pelas 3 afirmações acima, temos que a seqüência (xn )n∈N é convergente
2
e lim xn = . 
n→∞ 3

Exemplo 2.10 Como a seqüência ( n n)n∈N é decrescente a partir do

terceiro termo e é limitada inferiormente por 0, temos que ( n n)n∈N é con-

vergente. Mostraremos depois que lim n n = 1 .
n→∞

3. Propriedades aritméticas dos limites

Teorema 3.1 Se n→∞


lim xn = 0 e (yn )n∈N é uma seqüência limitada, então

lim (xn yn ) = 0.
n→∞

Prova.
Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn | < c para todo n ∈ N.
ε
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn | < para todo n > n0 . Logo,
c
ε
|xn yn | < c · = ε para todo n > n0 .
c
Isso mostra que lim (xn yn ) = 0. 
n→∞

sen(nx)
Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, n→∞
lim = 0, pois a seqüência
n
1
(sen(nx))n∈N é limitada já que | sen(nx)| ≤ 1, e a seqüência con-
n n∈N
verge para zero. 

78 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Observação 3.1 Se n→∞


lim yn = b e b 6= 0, então existe n0 ∈ N tal que

yn 6= 0 para todo n > n0 .


De fato, seja ε = |b| > 0. Então existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b − |b|, b + |b|)
para todo n > n0 , ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0 . Logo,
yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0 , se b > 0, ou yn < b + |b| =
b − b = 0 para todo n > n0 , se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0 , se
b 6= 0.

 
xn
No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a seqüência
yn n∈N

a partir de seu n0 −ésimo termo, onde n0 ∈ N é tal que yn 6= 0 se n ≥ n0 .

Teorema 3.2 Se n→∞


lim xn = a e lim yn = b, então:
n→∞

(1) lim (xn + yn ) = a + b ; lim (xn − yn ) = a − b ;


n→∞ n→∞

(2) lim (xn · yn ) = a · b ;


n→∞

xn a
(3) lim = , se b 6= 0.
yn b

Prova.
(1) Dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|xn − a| < para n > n1 ,
2
ε
|yn − b| < para n > n2 .
2
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,
|(xn + yn ) − (a + b)| = |(xn − a) + (yn − b)|
≤ |xn − a| + |yn − b|
ε ε
< + =ε
2 2
para todo n > n0 .
Se prova, de modo análogo, que (xn − yn ) −→ (a − b) .
(2) Como xn yn − ab = xn yn − xn b + xn b − ab = xn (yn − b) + (xn − a)b,
lim (xn − a) = lim (yn − b) = 0 e (xn )n∈N é limitada, por ser convergente,
n→∞ n→∞

temos que lim xn (yn − b) = lim (xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.
n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 79


Análise na Reta

Logo, pelo item (1),


lim (xn yn − ab) = lim xn (yn − b) + lim (xn − a)b = 0 .
n→∞ n→∞ n→∞

Assim, lim xn yn = ab .
n→∞

b2
(3) Pelo item (2), lim yn b = b2 . Então, dado ε = , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 2
b2 b2
yn b > b2 − = > 0 para todo n > n0 .
2 2
1 2
Segue-se que 0 < < para todo n > n0 .
yn b b2
 
1
Logo, a seqüência é limitada.
yn b n∈N

Assim,
 
xn a xn b − yn a
lim − = lim =0
n→∞ yn b n→∞ yn b

pelo teorema 3.1, pois lim (xn b − yn a) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e


n→∞
 
1
(2), e é limitada.
yn b n≥n0

a
Logo, lim xn yn = .
n→∞ b 

Observação 3.2 Resultados análogos aos itens (1) e (2) do teorema


anterior valem, também, para um número finito qualquer de seqüências.
Mas, o resultado não se aplica para somas, ou produtos, em que o número
de parcelas, ou fatores, é variável e cresce acima de qualquer limite.
1 1
Por exemplo, seja sn = + . . . + (n parcelas).
n n
Então, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, lim sn = 1.
n→∞

1 1
Assim, lim sn 6= lim + . . . + lim = 0 + . . . + 0 = 0.
n→∞ n→∞ n n→∞ n


Exemplo 3.2 Seja a seqüência (xn )n∈N , onde xn = n
a , a > 0.
√ √
n
• Se a = 1, n
a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim a = 1.
n→∞
√ √
Sejam b = n+1
aec= n
a, ou seja, bn+1 = cn = a .

80 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites


• Se a > 1, então n a é decrescente e limitada.

De fato, b = n+1 a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b < c, ou seja, n+1 a < n a, e n a > 1 para todo n ∈ N.

• Se 0 < a < 1, então n a é crescente e limitada.

De fato, b = n+1 a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b > c, ou seja, n+1 a > n a e n a < 1 para todo n ∈ N.

Como, para todo a > 0, a seqüência ( n a)n∈N é monótona e limitada,

temos, pelo teorema 2.4, que existe lim n a = `.
n→∞

n
Afirmação: lim a = ` > 0.
n→∞
√ √ √
Se a > 1, lim n
a = inf{ n a | n ∈ N} ≥ 1, pois ( n a)n∈N é decrescente e 1
n→∞

é uma cota inferior.


√ √ √
Se 0 < a < 1, lim n a = sup{ n a | n ∈ N} ≥ a, pois ( n a)n∈N é crescente
n→∞

e n a ≥ a para todo n ∈ N.

Afirmação: lim n a = 1.
n→∞

1 1 1
Consideremos a subseqüência (a n(n+1) )n∈N = (a n − n+1 )n∈N . Pelo teorema
2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:
1
1 1
− 1 an `
` = lim a n(n+1) = lim a n n+1 = lim 1 = = 1.
n→∞ n→∞ n→∞ a n+1 `



Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que n→∞
lim n n = 1.

Como ( n n)n∈N é uma seqüência decrescente a partir de seu terceiro

termo e n n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que
√ √
` = limn→∞ n n = inf{ n n | n ≥ 3} ≥ 1 .
1
Tomando a subseqüência ((2n) 2n )n∈N , obtemos que
h 1
i2 1
h 1 1
i
`2 = lim (2n) 2n = lim (2n) n = lim 2 n · n n
n→∞ n→∞ n→∞
1 1
= lim 2 · lim n = 1 · ` = ` .
n n
n→∞ n→∞

Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. 

Instituto de Matemática - UFF 81


Análise na Reta

Exemplo 3.4 Seja n→∞


lim yn = 0.
 
xn
• Se a seqüência é convergente ou, pelo menos, limitada, então
yn n∈N

lim xn = 0, pois
n→∞
 
x
lim xn = lim yn n = 0.
n→∞ n→∞ yn

Portanto, se lim yn = 0 e a seqüência (xn )n∈N diverge ou converge para


n→∞
 
xn
um limite diferente de zero, então a seqüência é divergente e
yn n∈N

ilimitada.
• Suponhamos agora que lim xn = lim yn = 0. Neste caso, a seqüência
n→∞ n→∞
 
xn
pode ser convergente ou não. Por exemplo:
yn n∈N

1 1 x
◦ se xn = e yn = , a 6= 0, então n = a −→ a.
n an yn
 
(−1)n 1 xn
◦ se xn = e yn = , então a seqüência é diver-
n n yn n∈N
xn
gente, pois = (−1)n .
yn
 
1 1 xn
◦ se xn = e yn = 2 , então a seqüência não converge,
n n yn n∈N
xn
pois = n. 
yn

Teorema 3.3 (Permanência do sinal)


Se lim xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0 .
n−→∞

Prova.
a a a
Dado ε = > 0, existe n0 ∈ N tal que a − < xn < a + para todo
2 2 2
a a
n ≥ n0 . Logo, xn > a − = > 0 para todo n ≥ n0 . 
2 2

Observação 3.3 De modo análogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal


que xn < 0 para todo n ≥ 0.

82 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Corolário 3.1 Sejam (xn )n∈N e (yn )n∈N seqüências convergentes. Se


xn ≤ yn para todo n ∈ N, então lim xn ≤ lim yn
n→∞ n→∞

Prova.
Suponhamos, por absurdo, que lim xn > lim yn .
n→∞ n→∞

Então, lim (xn − yn ) = lim xn − lim yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal


n→∞ n→∞ n→∞

que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0 . o que contradiz a


hipótese.

Observação 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, não se pode ga-


rantir que lim xn < lim yn .
n→∞ n→∞

1 1 1
Por exemplo, tome xn = 0 e yn = , ou xn = 2 e yn = .
n n n

Corolário 3.2 Se (xn )n→∞ uma seqüência convergente. Se xn ≥ a para


todo n ∈ N, então lim xn ≥ a .
n→∞

Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)


Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e lim xn = lim yn = a , então
n→∞ n→∞

lim zn = a.
n→∞

Prova.
Dado ε > 0, existem n1 , n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo
n ≥ n1 e a − ε < yn < a + ε para todo n ≥ n2 .
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo
n ≥ n0 .
Logo, lim zn = a. 
n→∞

1 1 1 1
 n
Exemplo 3.5 Sejam an = 1 + + + . . . + e bn = 1 + , n ∈ N.
1! 2! n! n
Já provamos antes que as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes
e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.
Então, lim bn ≤ lim an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para
n→∞ n→∞

todo n > p,

Instituto de Matemática - UFF 83


Análise na Reta

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 −
n! n n n
1 1 1 1 2
     
≥ 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 p−1
   
+ 1− ... 1 − .
p! n n

Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima


tende para ap .
Logo, lim bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim bn ≥ lim ap .
n→∞ n→∞ p→∞

Obtemos, então, que


1 n 1 1 1
   
Notação: no seguinte, escrevere- lim 1 + = lim 1 + + + . . . + = e.
n→∞ n n→∞ 1! 2! n!
mos as seqüências na forma (xn )
mais simples do que (xn )n∈N e 
os limites lim xn , também, na
n→∞
forma mais simples lim xn , desde
que não surjam ambigüidades.

4. Subseqüências

O número real a é o limite da seqüência x = (xn ) se, e só se, para


todo ε > 0 o conjunto
x−1 (a − ε, a + ε) = { n ∈ N | xn ∈ (a − ε, a + ε) }
tem complementar finito em N.
Para subseqüências, temos o seguinte resultado:

Teorema 4.1 Um número real a é o limite de uma subseqüência de


(xn ) se, e só se, para todo ε > 0, o conjunto dos ı́ndices n tais que xn ∈
(a − ε, a + ε) é infinito.

Prova.
(=⇒) Seja a = lim0 xn , onde N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Então,
n∈N

para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk ∈ (a − ε, a + ε) para todo k > k0 .
Como o conjunto {nk | k > k0 } é infinito, existem infinitos n ∈ N tais que
xn ∈ (a − ε, a + ε).
(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1 ∈ (a − 1, a + 1).

84 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Suponhamos, por indução, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de


1 1
 
modo que xni ∈ a − , a + , para i = 1, . . . , k.
i i
1

 1 1

Seja ε = > 0. Como o conjunto n ∈ N | xn ∈ a − ,a +
k+1 k+1 k+1
1 1
 
é infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1 > nk e xnk ∈ a − ,a + .
k+1 k+1
1
Então, N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é infinito e como |xnk − a| <
k
para todo k ∈ N , temos que lim xnk = a, ou seja, a é o limite de uma
k→∞

subseqüência de (xn )n∈N . 

Definição 4.1 Um número real a é valor de aderência da seqüência Terminologia: na literatura,


(xn ) quando a é o limite de uma subseqüência de (xn ). ponto de acumulação, valor de
acumulação, valor limite, ponto
limite e ponto aderente são
sinônimos de valor de aderência.
Observação 4.1 Como um subconjunto de N é infinito se, e só se, é
ilimitado, temos que as seguintes afirmações são equivalentes:
• a ∈ R é valor de aderência da seqüência (xn ) ;
• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e
xn ∈ (a − ε, a + ε) ;
• todo intervalo de centro a contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente
grandes.

Observação 4.2 Se lim xn = a, então a é o único valor de aderência


de (xn ). Mas a recı́proca não é verdadeira.
Por exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) só possui o zero como valor
de aderência, mas é divergente, já que é ilimitada.

Exemplo 4.1 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como


valores de aderência. 

Exemplo 4.2 Seja {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos números ra-


cionais de termos dois a dois distintos.
Como todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), a ∈ R e ε > 0, contém uma infi-
nidade de números racionais, pois Q é denso em R, temos que o conjunto
{n ∈ N | rn ∈ (a − ε, a + ε)}

Instituto de Matemática - UFF 85


Análise na Reta

é infinito e, portanto, a é valor de aderência de (rn ). Ou seja, todo número


real a é valor de aderência da seqüência (rn ). 

Exemplo 4.3 A seqüência (xn ), xn = n, não possui valor de aderência,


pois toda subseqüência de (xn ) é ilimitada.

• Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais, onde γ ≤ xn ≤ β


para todo n ∈ N.
Seja Xn = {xn , xn+1 , . . .}. Então,
[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .
Sendo an = inf Xn e bn = sup Xn , temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn ,
pois, como Xn+1 ⊂ Xn , temos
an = inf Xn ≤ xj e bn = sup Xn ≥ xj ,
para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n + 1.
Ou seja, an é cota inferior de Xn+1 e bn é cota superior de Xn+1 .
Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn .
Além disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer
que sejam n, m ∈ N, pois:
◦ se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,
◦ se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .
Logo,
γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .
Existem, portanto, os limites
a = lim an = sup an = sup inf Xn ,
n∈N n∈N

e
b = lim bn = inf bn = inf sup Xn .
n∈N n∈N

Dizemos que a é o limite inferior e b é limite superior da seqüência


Notação: em alguns livros de
Análise, pode ser encontrada
limitada (xn ), e escrevemos
a notação lim xn em vez de a = lim inf xn e b = lim sup xn .
lim sup xn e lim xn em vez de
lim inf xn . Temos, também, que sup an ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup an
n∈N n∈N

é uma cota inferior do conjunto {bm | m ∈ N}.

86 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Logo, sup an ≤ inf bn , ou seja,


n n

a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .

1 1
Exemplo 4.4 Seja a seqüência (xn ), onde x2n−1 = − e x2n = 1 + ,
n n
n ∈ N. Então,

1 1 1 1

◦ X2n−2 = 1+ ,− ,1 + ,− ,... ,
n−1 n n n+1

1 1 1 1

◦ X2n−1 = − ,1 + ,− ,1 + ,... ,
n n n+1 n+1

1 1 1 1

◦ X2n = 1 + , − ,1 + ,− ,... ,
n n+1 n+1 n+2
1 1
Assim, inf X2n−2 = inf X2n−1 = − e sup X2n−1 = sup X2n = .
n 1+n
Logo, a = lim inf xn = sup inf Xn = 0 e b = lim sup xn = inf sup Xn = 1.
n n

Como (x2n−1 ) e (x2n ) são subseqüências convergentes de (xn ), e


lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n , segue-se que 0 e 1 são seus únicos valo-
res de aderência. 

Teorema 4.2 Seja (xn ) uma seqüência limitada. Então, a = lim inf xn é
o menor valor de aderência de (xn ) e b = lim sup xn é o maior valor de
aderência de (xn ).

Prova.
Vamos provar primeiro que a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ).
Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = lim an , existe n1 > n0 tal que
an1 ∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1 = inf Xn1 e a + ε > an1 , existe n ≥ n1 tal
que a − ε < an1 ≤ xn < a + ε.
Provamos, então, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε). Logo, pelo teorema 4.1, a é valor de aderência de
(xn ).
Vamos, agora, provar que a é o menor valor de aderência de (xn ).
Seja c < a. Como a = lim an , existe n0 ∈ N, tal que c < an0 ≤ a. Ou seja,
c < an0 ≤ xn , para todo n ≥ n0 ,
pois an0 = inf{xn0 , xn0 +1 , . . .}.

Instituto de Matemática - UFF 87


Análise na Reta

Tomando ε = an0 − c, temos que c + ε = an0 . Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,


xn 6∈ (c − ε, c + ε) para todo n ≥ n0 .
Assim, c não é valor de aderência de (xn ).
A demonstração de que b = lim sup xn é o maior valor de aderência de
(xn ) se faz de modo análogo. 

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Como a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ), (xn ) possui uma sub-
seqüência que converge para a. 

Corolário 4.2 Uma seqüência limitada de números reais (xn ) é conver-


gente se, e só se, lim inf xn = lim sup xn , isto é, se, e só se, (xn ) possui
um único valor de aderência.

Prova.
(=⇒) Se (xn ) é convergente e lim xn = c, então c é o único valor de
aderência de (xn ).
Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .
(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn .
Como lim an = lim bn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
a − ε < an0 ≤ a ≤ bn0 < a + ε.
Mas, an0 ≤ xn ≤ bn0 para todo n ≥ n0 . Logo,
a − ε < an0 ≤ xn ≤ bn0 < a + ε ,
para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a . 

Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn , onde (xn ) é uma
seqüência limitada.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para
todo n > n0 . Além disto, a é o maior e b é o menor número com esta
propriedade.

88 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Prova.
Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais que
xn < a − ε. Estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N infinito.
Então, a subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≤ a − ε,
pois xn < a − ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c < a e a é o
menor valor de aderência de (xn ).
Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε para todo n > n2 .
De modo análogo, suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais
que xn > b + ε. Então estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N
infinito. A subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≥ b + ε,
já que xn > b + ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c ≥ b + ε > b
e b é o maior valor de aderência de (xn ). Logo, existe n2 ∈ N tal que
xn < b + ε para todo n > 1.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então a − ε < xn < b + ε para todo n > n0 .
1
• Seja a < a 0 e tome ε = (a 0 − a). Então, a + ε = a 0 − ε.
2
Sendo a um valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices
n tais que a − ε < xn < a + ε = a 0 − ε. Logo, nenhum número real a 0 > a
goza da propriedade acima.
1
• Seja b 0 < b e tome ε = b − b 0 . Então, b 0 + ε = b − ε.
2
Como b é valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices n
tais que b 0 + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum número real b 0 < b
goza da propriedade. 

Corolário 4.3 Se c < lim inf xn , então existe n1 ∈ N tal que c < xn para
todo n > n1 . Analogamente, se d > lim sup xn , então existe n2 ∈ N tal
que xn < d para todo n > n2 .

Prova.
Se c < a = lim inf xn , então c = a − ε, com ε = a − c > 0. Então,
pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε = c para todo n > n1 .
De modo análogo, podemos provar a afirmação com respeito ao
lim sup xn = b, tomando ε = d − b > 0. 

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Análise na Reta

Corolário 4.4 Dada uma seqüência limitada (xn ), sejam a e b números


reais com as seguintes propriedades:
◦ se c < a, então existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1 ;
◦ se b < d, então existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.
Nestas condições a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.

Os corolários acima apenas repetem, com outras palavras, as afir-


mações do teorema 4.3.
• Sem usar as noções de limites inferior e superior de uma seqüência
limitada vamos provar que:

Toda seqüência limitada de números reais possui uma sub-


Veja, também, o exercı́cio 15.
seqüência convergente.

Prova.
Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja
A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ı́ndices n} .
Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento
de A pode ser maior do que b.
Assim, A 6= ∅ e é limitado superiormente por b.
Portanto, existe c = sup A.
Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c é valor de aderência da
seqüência (xn ).
Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c − ε < t ≤ c. Logo, há uma infinidade de
ı́ndices n tais que c − ε < xn .
Por outro lado, como c + ε 6∈ A, existe apenas um número finito de ı́ndices
n tais que xn ≥ c + ε.
Assim, existe um número infinito de ı́ndices n tais que c − ε < xn < c + ε.

Observação 4.3 c = lim sup xn .


• Sejam Xn = {xn , xn+1 , . . .} e bn = sup Xn , n ∈ N . Por definição,
lim sup xn = inf bn .
Afirmação: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c é uma cota inferior do
conjunto {bn | n ∈ N}.

90 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn , então


t ≥ xm para todo m ≥ n.
Logo, A ⊂ (−∞, bn ), ou seja, c = sup A ≤ bn .
• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = inf bn , temos que
n∈N

c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.


Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1 .
Então, α ≥ bn para todo n ≥ n1 . Mas, α = inf bn , ou seja, α ≤ bn para
n∈N

todo n ∈ N.
Assim, α = bn = sup Xn para todo n ≥ n1 .
1
Tome ε = (α − c) . Então, para todo n ≥ n1 , existe m > n tal que
2
1
α − ε < xm , ou seja, xm > (α + c) > c .
2
1
Portanto, o conjunto dos ı́ndices n tais que (α + c) < xn é ilimitado,
2
logo, infinito.
1 1
Então (α + c) ∈ A e (α + c) > c = sup A , o que é uma contradição.
2 2
Logo, c = sup A = α = lim sup xn .

5. Seqüências de Cauchy

Definição 5.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) é de Cauchy quando


para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn | < ε quaisquer que
sejam m, n > n0 .

Teorema 5.1 Toda seqüência convergente é de Cauchy.

Prova.
ε
Seja a = lim xn . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| < e
2
ε
|xn − a| < , quaisquer que sejam m, n > n0 .
2
ε ε
Logo, |xm − xn | ≤ |xm − a| + |xn − a| < + = ε para todos m, n > n0 . 
2 2

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Análise na Reta

Antes de provarmos a recı́proca do teorema acima, vamos demons-


trar dois lemas importantes.

Lema 5.1 Toda seqüência de Cauchy é limitada.

Prova.
Seja ε = 1 > 0. Então, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | < 1, quaisquer
que sejam m, n ≥ n0 .
Em particular, |xm − xn0 | < 1, ou seja, xn0 − 1 < xn < xn0 + 1 para todo
n ≥ n0 .
Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto
{xn0 − 1, xn0 + 1, xn1 , . . . , xn0 −1 } .
Então, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn ) é limitada.

Lema 5.2 Se uma seqüência de Cauchy (xn ) possui uma subseqüência


convergindo para a ∈ R, então lim xn = a.

Prova.
ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | ≤ quaisquer que sejam
2
m, n > n0 .
Como a é limite de uma subseqüência de (xn ), existe, pelo teorema 4.1,
ε
n1 ∈ N, n1 > n0 , tal que |xn1 − a| < .
2
Logo,
ε ε
|xn − a| ≤ |xn − xn1 | + |xn1 − a| < + = ε,
2 2
para todo n > n0 .
Com isto, provamos que a = lim xn .

Teorema 5.2 Toda seqüência de Cauchy de números reais converge.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de Cauchy.
Pelo lema 5.1, (xn ) é limitada e, portanto, pelo corolário 4.1, (xn ) possui
uma subseqüência convergente. Então, pelo lema 5.2, (xn ) é conver-
gente.

92 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Observação 5.1 (Método das aproximações sucessivas)


Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a seqüência (xn ) satisfaz a seguinte
condição:
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | , para todo n ∈ N.

Então, |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 | , para todo n ∈ N .

De fato, se n = 1, a desigualdade é válida, e se |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 |,


então
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | ≤ λn |x2 − x1 | .
Assim, para m, p ∈ N arbitrários, temos:

|xn+p − xn | ≤ |xn+p − xn+p−1 | + . . . + |xn+1 − xn |

≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . . + λn−1 ) |x2 − x1 |

= λn−1 (λp−1 + λp−2 + . . . + λ + 1) |x2 − x1 |


1 − λp λn−1
= λn−1 |x2 − x1 | ≤ |x2 − x1 | .
1−λ 1−λ

λn−1
Como lim |x2 − x1 | = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 1 − λ

λn−1
0≤ |x2 − x1 | < ε para todo n > n0 .
1−λ

Logo, |xn+p − xn | < ε para todo p ∈ N e todo n > n0 , ou seja, |xm − xn | < ε
quaisquer que sejam m, n > n0 .
Então, (xn ) é de Cauchy e, portanto, converge.

Aplicação: Aproximações sucessivas da raiz quadrada


Seja a > 0 e seja a seqüência definida por x1 = c, onde c é um
 
1 a
número real positivo arbitrário, e xn+1 = xn + , para todo n ∈ N.
2 xn

Se provarmos que a seqüência é convergente e lim xn = b > 0,


então teremos que
 
1 a 1 a
 
b = lim xn+1 = lim xn + = b+ .
2 xn 2 b
a
Logo, b = , ou seja, b2 = a.
b

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Análise na Reta

Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:


r
1 a a
 
Lema 5.3 Para todo x > 0, tem-se x+ > .
2 x 2

Prova.
r √
1 a a a 2 a a2
 
x+ > ⇐⇒ x + > √ ⇐⇒ x2 + 2a + 2 > 2a, o que é
2 x 2 x 2 x
a2
verdadeiro, pois x2 ≥ 0 e ≥ 0.
x2
r
a a
• Pelo lema, temos que xn > , para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 > ,
2 2
a
ou seja, < 1 para todo n > 1 .
2 xn xn+1

1
Afirmação: |xn+2 − xn+1 | ≤ |xn+1 − xn | para todo n > 1.
2
De fato, como
   
1 a 1 a
xn+2 − xn+1 = xn+1 + − xn +
2 xn+1 2 xn
 
1 a 1 1
= (xn+1 − xn ) + −
2 2 xn+1 xn
 
1 a xn − xn+1
= (xn+1 − xn ) + ,
2 2 xn+1 xn

temos que

|xn+2 − xn+2 | 1 a 1
≤ ,
= −
|xn+1 − xn | 2 2 xn xn+1 2
a
pois 0 < < 1.
2 xn xn+1

• Pela observação 5.1, (xn ) é de Cauchy e, portanto, convergente, e


r
a
lim xn = b > 0, pois xn > , para todo n > 1.
2

6. Limites infinitos

Definição 6.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para mais infi-
nito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo número real A > 0
dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0 .

94 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

Exemplo 6.1 Se xn = n, então lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe


n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0 .

Exemplo 6.2 Seja a seqüência (an ), onde a > 1.


Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1 + h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal
A−1
que n0 > . Logo, pela desigualdade de Bernoulli,
h
an = (1 + h)n ≥ 1 + nh > 1 + n0 h > A ,
para todo n > n0 .
Logo, lim an = +∞ se a > 1. 

• Mais geralmente, uma seqüência não-decrescente (xn ) ou é conver-


gente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.
De fato, se (xn ) é não-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que xn0 > A. Logo, xn ≥ xn0 > A para todo n ≥ n0 .

Observação 6.1 Se lim xn = +∞, então (xn ) é ilimitada superiormente,


mas é limitada inferiormente.

Observação 6.2 Se lim xn = +∞, então toda subseqüência de (xn )


também tende para +∞.

lim np = +∞, pois (1p , 2p , . . . , np , . . .)


Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, n→∞
é uma subseqüência da seqüência (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .


Exemplo 6.4 A seqüência ( p n)n∈N , para todo p ∈ N, tende para +∞,

pois é crescente e ilimitada superiormente, já que ( p np )n∈N = (n)n∈N é

uma subseqüência ilimitada superiormente da seqüência ( p n)n∈N .

Exemplo 6.5 A seqüência (nn )n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para
todo n ∈ N e a seqüência (n) tende para +∞.

Definição 6.2 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para −∞, e es-
crevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que
xn < −A para todo n > n0 .

Observação 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn ) = −∞ .

Instituto de Matemática - UFF 95


Análise na Reta

Observação 6.4 Se lim xn = −∞ então (xn ) é ilimitada inferiormente,


mas é limitada superiormente.

Exemplo 6.6 A seqüência ((−1)n n)n∈N não tende para +∞ nem para
−∞, pois ela é ilimitada superiormente e inferiormente.

Exemplo 6.7 A seqüência (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) é ilimitada superiormente


e limitada inferiormente, mas não tende para +∞, pois possui uma sub-
seqüência (x2n−1 = 0) que não tende para +∞ por ser constante.

Teorema 6.1 (Operações aritméticas com limites infinitos)


(1) Se lim xn = +∞ e a seqüência (yn ) é limitada inferiormente, então
lim(xn + yn ) = +∞ .
(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, então
lim(xn yn ) = +∞ .
1
(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Então lim xn = 0 ⇐⇒ lim = +∞ .
xn

(4) Sejam (xn ) e (yn ) seqüências de números positivos. Então:


(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se lim yn = 0,
xn
então lim = +∞ .
yn
xn
(b) se (xn ) é limitada e lim yn = +∞, então lim = 0.
yn

Prova.
(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos
que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0 .
Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0 e, portanto
lim(xn + yn ) = +∞ .
A
(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn > para todo n > n0 . Logo,
c
A
xn yn > c = A para todo n > n0 . Portanto, lim xn yn = +∞ .
c
(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
1 1
0 < xn < para todo n > n0 . Logo, > A para todo n > n0 . Assim,
A xn
1
lim = +∞.
xn

96 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

1
Suponhamos, agora, que lim = +∞ .
xn
1 1
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que > para todo n > n0 .
xn ε

Então −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0 .


Logo, lim xn = 0.
c
(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn < .
A
xn c
Então, > = A para todo n > n0 .
yn c/A
xn
Logo, lim = +∞ .
yn

(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe
b
n0 ∈ N tal que yn > para todo n > n0 .
ε
xn b x
Então, 0 < < = ε para todo n > n0 e, portanto, lim n = 0 .
yn b/ε yn

Observação 6.5 ∞ − ∞ é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn ).
Pode ser que a seqüência (xn + yn ) seja convergente, tenda para +∞,
tenda para −∞ ou não tenha limite algum.

Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , então lim xn = +∞ ,


lim yn = −∞ e lim(xn + yn ) = a.

√ √
Exemplo 6.9 Se xn = n + 1 e yn = − n, então lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, mas
√ √ √ √
√ √ ( n + 1 − n)( n + 1 + n)
lim (xn + yn ) = lim ( n + 1 − n) = lim √ √
n→∞ n→∞ n→∞ n+1+ n
1
= lim √ √ = 0.
n→∞ n+1+ n

Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, então lim xn = +∞, lim yn = −∞


e lim(xn + yn ) = lim(n2 − n) = +∞ , pois n2 − n = n(n − 1) > n se n ≥ 2.
E, portanto, lim(n − n2 ) = −∞ .

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Análise na Reta

Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, então lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, mas a seqüência (xn + yn ) = ((−1)n ) não possui limite
algum.


Observação 6.6 é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e

 
xn
lim yn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da seqüência .
yn
Pode ser que essa seqüência convirja, que tenha limite +∞ ou que não
tenha limite algum.

Exemplo 6.12 Se xn = n + 1 e yn = n − 1, então lim xn = lim yn = +∞,


e
xn n+1 1 + 1/n
lim = lim = lim = 1.
yn n−1 1 − 1/n

Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, então lim xn = lim yn = +∞ e


xn
lim = lim n = +∞ .
yn

Exemplo 6.14 Se xn = (2 + (−1)n )n e yn = n , então, lim xn = +∞ ,


 
xn
lim yn = +∞ , mas a seqüência = (2 + (−1)n ) não possui limite.
yn

Exemplo 6.15 Se xn = a n , a > 0 e yn = n , então lim xn = +∞


xn
lim yn = +∞ e lim = lim a = a .
yn

an
Exemplo 6.16 Se a > 1 , então lim = +∞ , para todo p ∈ N .
np
Como a > 1, a = 1 + h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,
X n n−j j X n j
n   p+1  
n n
a = (1 + h) = 1 h ≥ h
j=0
j j=0
j
n(n − 1) 2 n(n − 1) . . . (n − p) p
= 1 + nh + h + ... + h .
2! p!

Daı́,
an 1 h 1 1 h2
 
≥ + + 1 − + ...
np np np−1 2 n np−2
1 1 p−1 n 1 p
       
p−1
+ 1− ... 1 − h + 1− ... 1 − hp .
(p − 1)! n n p! n n

98 J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas

Como
   2    
1 h 1 1 h 1 1 p−1
lim + p−1 + 1− + ... + 1− ... 1 − hp−1
n→∞ np n 2 n np−2 (p − 1)! n n
   
n 1 p p
+ 1− ... 1 − h = +∞ ,
p! n n

an
temos que lim = +∞ , qualquer que seja p ∈ N.
n→∞ np

Isto significa que as potências an , a > 1, crescem com n mais rapida-


mente do que qualquer potência de n de expoente fixo. 

an
Exemplo 6.17 Mas, n→∞
lim = 0, a > 0.
nn
a 1
De fato, seja n0 ∈ N tal que < .
n0 2
 n
an
 a n a 1
Então, 0 < n = ≤ < ; para todo n ≥ n0 .
n n n0 2n

an 1 an
Logo, 0 ≤ lim ≤ lim = 0 , ou seja, lim = 0.
nn 2n nn

n!
Exemplo 6.18 Para todo número real a > 0, tem-se lim = +∞ .
an
n0
De fato, seja n0 ∈ N tal que > 2. Logo, para todo n > n0 , temos que
a
n! n ! n +1 n + (n − n0 ) n !
n
= n00 0 ... 0 > 0n 2n−n0 ,
a a a a a0

n! n0 ! n n n!
ou seja, n
> n
2 . Como lim 2 = +∞, temos que lim = +∞ .
a (2a) 0 an

Isso significa que n! cresce mais rápido do que an , para a > 0 fixo.

7. Séries numéricas

• A partir de uma seqüência de números reais (an ) formamos uma nova


seqüência (sn ), cujos termos são as somas:
sn = a1 + . . . + an , n ∈ N,
X

que chamamos as reduzidas da série an .
n=1

Instituto de Matemática - UFF 99


Análise na Reta

A parcela an é chamada o n−ésimo termo ou termo geral da série.


Se existe o limite
s = lim sn = lim (a1 + . . . + an ) ,
n→∞ n→∞

dizemos que a série é convergente e que s é a soma da série. Escreve-


mos, então,
X

s= an = a 1 + a2 + . . . + an + . . . .
n=1

Notação: Usaremos também a Se a seqüência das reduzidas não converge, dizemos que a série
notação
P
an para designar a P

an é divergente ou que diverge.
X
série an .
n=1
Observação 7.1 Toda seqüência (xn ) pode ser considerada como a
seqüência das reduzidas de uma série.
De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,
assim, teremos:
s1 = x1 ,
s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,
.. ..
. .
sn = x1 + (x2 − x1 ) + . . . + (xn − xn−1 ) = xn .

X

Assim, a série x1 + (xn+1 − xn ) converge se, e só se, a seqüência (xn )
n=1

converge. E, neste caso, a soma da série é igual a lim xn .


P
Teorema 7.1 Se an é uma série convergente, então, lim an = 0.

Prova.
Seja s = lim sn , onde sn = a1 + . . . + an .
Então, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1 , temos que
lim an = lim(sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = 0.

Exemplo 7.1 A recı́proca do teorema acima é falsa.


X

1 1
De fato, basta considerar a série harmônica . Seu termo geral
n n
n=1

tende para zero, mas a série diverge.

100 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Com efeito, para todo n ≥ 1, temos


1
1 1 1 1 1 1  1 1

s2n = 1 + + + + + + + + ... + + ... +
2 3 4 5 6 7 8 2n−1 + 1 2n
1 2 4 2n−1 1
> 1 + + + + ... + n = 1 + n ,
2 4 8 2 2

Logo, a subseqüência (s2n ) tende a +∞. Como a seqüência (sn ) é cres-


cente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a série
X∞
harmônica diverge. 
n=1

X

1 1 1
• Como consequência, para 0 < r < 1, a série diverge, pois >
nr n r n
n=1
Lembre que: nr = er log n <
para todo n > 1. elog n = n .

X

Exemplo 7.2 A série geométrica an é
n=0

◦ divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an não


tende para zero.
◦ convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a seqüência das reduzi-
das é
1 − an+1
sn = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

1 X

1
que tende para . Isto é, an = , se |a| < 1.
1−a 1−a
n=0

Observação 7.2 Das propriedades aritméticas dos limites de seqüências,


resulta que:
P P P
• se an e bn são séries convergentes, então a série (an + bn ) é
P P P
convergente e (an + bn ) = an + bn .
P P P
• se an é convergente, então a série (ran ) é convergente e (ran ) =
P
r an , para todo r ∈ R.
P P P
• se as séries an e bn convergem, então a série cn cujo termo
X
n X
n−1
P P P
geral é cn = ai bn + an bj converge e cn = ( an ) ( bn ).
i=1 j=1

Instituto de Matemática - UFF 101


Análise na Reta

De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das


P P
séries an e bn .
Como sn −→ s e tn −→ t, temos que
P P X
n
( an ) ( bn ) = s · t = lim sn tn = lim ai bj .
n→∞ n→∞
i,j=1

X
n X
n
Afirmação: c` = ai bj , para todo n ∈ N.
`=1 i,j=1

X
1 X
1
◦ Se n = 1, c` = c1 = a1 b1 = ai bj .
`=1 i,j=1

◦ Suponhamos, por indução, que


X X X
n n
! n
!
c` = ai bj .
`=1 i=1 j=1

Então,

X X X X
n+1 n n
! n
!
c` = c` + cn+1 = ai bj + cn+1
`=1 `=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n+1 n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X
n
! n+1
! n+1
= ai bj + an+1 bj
i=1 j=1 j=1

X X
n+1
! n+1
!
= ai bj .
i=1 j=1

◦ Veremos depois que, em casos especiais,


P P P
( an ) ( bn ) = pn ,
X
n
onde pn = ai bn+1−i = a1 bn + a2 bn−1 + . . . + an b1 .
i=1

X

1
Exemplo 7.3 A série é convergente e sua soma é 1.
n(n + 1)
n=1

102 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

1 1 1
De fato, como = − , a reduzida de ordem n da série é
n(n + 1) n n+1
1
  1 1 1 1
 1
sn = 1 − + − + ... + − =1− .
2 2 3 n n+1 n+1
P 1
Logo, = lim sn = 1.
n(n + 1)

P
Exemplo 7.4 A série (−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + . . . é divergente, pois
seu termo geral não tende para zero. Suas reduzidas de ordem par são
iguais a zero e as de ordem ı́mpar são iguais a um.

X
∞ X

Observação 7.3 A série an converge se, e somente se, an
n=1 n=n0

converge, onde n0 ∈ N é fixo.


De fato, as reduzidas da primeira série são sn = a1 + . . . + an e as da
segunda série são tn = an0 + an0 +1 . . . + an0 +n−1 , ou seja, tn+1 = sn0 +n −
sn0 −1 . Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.

• Isto significa que a convergência de uma série se mantém quando dela


retiramos ou acrescentamos um número finito de termos.

P
Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A série an converge se, e
somente se, a seqüência das reduzidas é limitada, ou seja, se, e somente
se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . . + an < k para todo n ∈ N.

Prova.
Como an ≥ 0 para todo n, a seqüência (sn ) é monótona não-decrescente.
Logo, (sn ) converte se, e somente se, (sn ) é limitada.

Corolário 7.1 (Critério de comparação)


P P
Sejam an e bn séries de termos não-negativos. Se existem c > 0
e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0 , então a convergência de
P P P
bn implica a convergência de an , enquanto a divergência de an
P
acarreta a de bn .

Prova.
Sejam sn0 = an0 + . . . + an e tn0 = bn0 + . . . + bn para todo n ≥ n0 .

Instituto de Matemática - UFF 103


Análise na Reta

P
◦ Se a série bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k
para todo n ∈ N. Logo, a seqüência crescente (sn0 ) converge, pois sn0 < k
para todo n ≥ n0 .
X X

Assim, a série an converge, e, portanto, an é uma série conver-
n≥n0 n=1

gente.
P
◦ Se a série an diverge, a seqüência (sn ) de suas reduzidas,
tende a ∞. Como sn0 = sn − sn0 −1 , temos que a seqüência (sn0 ) tende a ∞.
P 1
Então a série bn diverge, pois tn ≥ tn0 ≥ sn0 , para todo n ≥ n0 , já que
c
bn ≥ an c para todo n ≥ n0 .

X

1
Exemplo 7.5 Se r > 1, a série é convergente.
nr
n=1

1
Como os termos da série são positivos, a seqüência (sn ) de suas re-
nr
duzidas é crescente.
Então, para provar que (sn ) converge, basta mostrar que (sn ) possui uma
subseqüência limitada.
Para m = 2n − 1,
1 1
 1 1 1 1

s2n −1 = 1 + r + r + r + r + r + r + . . .
2 3 4 5 6 7
 
1 1
+ n−1 r
+ ... + n r
(2 ) (2 − 1)
2 4 2n−1
< 1+ + + . . . +
2r 4r (2n−1 )r
X
n−1 
2 i

= ,
2r
i=0

1 1
pois = n−1 .
(2n − 1)r (2 + 2n−1 − 1)r

2 X 2 ∞  n
Como r > 1, temos r < 1. Logo, a série converge e é, portanto,
2 2r
n=0

limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subseqüência


(s2n −1 )n∈N é limitada.

104 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.3 (Critério de Cauchy para séries)


P
Uma série an é convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,
existe n0 ∈ N tal que
|an+1 + . . . + an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Prova.
P
Seja (sn ) a seqüência das reduzidas da série an .
Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p , basta aplicar à seqüência (sn ) o
critério de Cauchy para seqüências.

P
Definição 7.1 Uma série an chama-se absolutamente convergente
P
quando a série |an | é convergente.

Exemplo 7.6 Toda série convergente cujos termos não mudam de sinal
é absolutamente convergente.

P
Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a série geométrica an é absolutamente
convergente.

Mas nem toda série convergente é absolutamente convergente.

X

(−1)n+1
Exemplo 7.8 A série é convergente, mas não é absoluta-
n
n=1

mente convergente.
Já provamos que a série
X (−1)n+1 X
∞ ∞

1

n
= ,
n
n=1 n=1

P (−1)n+1
é divergente. Vamos mostrar agora que a série é convergente.
n
◦ Suas reduzidas de ordem par são:
1 1
  1 1
s2 = 1 − ; s4 = 1 − + − ;...;
2 2 3 4
1
  1 1  1 1

s2n = 1 − + − + ... + − ;...
2 3 4 2n − 1 2n

Instituto de Matemática - UFF 105


Análise na Reta

 
1 1
Como − > 0, para todo j > 1, temos que a subseqüência (s2n )
j−1 j
é crescente.
Além disso, (s2n ) é limitada superiormente.
Com efeito, existe c > 0 tal que
1 1 1
s2n = + + ... +
2×1 3×4 (2n − 1) × (2n)
1 1
< 1+ 2
+ ... + < c,
3 (2n − 1)2
P 1
para todo n ∈ N, pois a série é convergente e, portanto, limitada.
n2
Logo, existe lim s2n = s 0 .
◦ Suas reduzidas de ordem ı́mpar são:
1 1
s1 = 1 ; s3 = 1 − − ;...;
2
1 1 3 1 1

s2n−1 = 1 − − + ... + − ;...
2 3 2n − 2 2n − 1

Então a subseqüência (s2n−1 ) é decrescente.


Além disso, como, para todo n ∈ N,
1 1 1
s2n−1 = 1 − − − ... −
2×3 4×5 (2n − 2)(2n − 1)
1 1 1
> 1− 2
− 2 − ... −
2 4 (2n − 1)2
 
1 1 1
> 1− 1 + 2 + 2 + ... + .
2 3 (2n − 1)2
P 1
e a série é convergente, temos que a subseqüência (s2n−1 ) con-
n2
verge, pois (s2n−1 ) é limitada inferiormente.
Seja s 00 = lim s2n−1 .
1
Como s2n+1 − s2n = −→ 0, temos que s 0 = s 00 . Logo, a seqüência
2n + 1
X

(−1)n
(sn ) converge, e s = s 0 = s 00 = .
n
n=1

P P
Definição 7.2 Se a série an é convergente, mas a série |an | é
P
divergente, dizemos que an é condicionalmente convergente.

106 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.4 Toda série absolutamente convergente é convergente.

Prova.
P
Se a série |an | converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
|an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como
|an+1 + . . . + an+p | ≤ |an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
P
temos, pelo critério de Cauchy para séries, que a série an converge.

P
Corolário 7.2 Seja bn uma série convergente com bm ≥ 0 para todo
n ∈ N.
Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an | ≤ kbn para todo n > n0 , então a
P
série an é absolutamente convergente.

Prova.
Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que
ε
|bn+1 + . . . + bn+p | = bn+1 + . . . + bn+p < ,
k
quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.
Tome n2 = max{n1 , n0 }. Então,
|an+1 | + . . . + |an+p | ≤ k (bn+1 + . . . + bn+p ) < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Corolário 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an | ≤ kcn , onde 0 < c < 1
P
e k > 0, então a série an é absolutamente convergente.

Prova.
P
Basta aplicar o corolário anterior, já que a série geométrica cn con-
verge se 0 < c < 1.

Observação 7.4 Tomando k = 1 no corolário anterior, temos que


|an | ≤ cn se, e somente se, n |an | ≤ c.
p

Mas, se n |an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então sup{ n |an | | n ≥ n1 } ≤ c


p p

para todo n1 > n0 .

Logo, lim sup n |an | ≤ c < 1.


p

Instituto de Matemática - UFF 107


Análise na Reta

E reciprocamente, se lim sup n |an | < 1, então existe n0 ∈ N e 0 < d < 1


p

tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .


p

De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Então, pelo corolário 4.3,
existe n0 ∈ N tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .
p

Corolário 7.4 (Teste da raiz)


P
|an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então a série
p
n
Se existe c tal que an é
absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup n |an | < 1, então a série
p
P
an é absolutamente convergente.

P
|an | < 1, então a série
p
Corolário 7.5 Se lim n
an é absolutamente
convergente.

Observação 7.5 Se existe uma infinidade de ı́ndices n para os quais


P
|an | ≥ 1, então a série
p
n
an é divergente, pois seu termo geral não
tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n |an | > 1 ou
p

lim inf n |an | > 1.


p

P
|an | = 1 e lim an = 0, a série
p
Observação 7.6 Se lim n
an pode
convergir ou não.
P1 P 1
Por exemplo, para ambas as séries e
temos que lim an = 0 e
n n2
r  2
1 1 1
lim |an | = 1, pois lim √
p
n n
n
= 1 e, portanto, lim 2
= lim √n
= 1.
n n n
P1 P 1
No entanto, a série diverge e a série converge.
n n2

X

Exemplo 7.9 Consideremos a série nr an , onde a, r ∈ R. Temos
n=1
√ r √ r
lim n |nr an | = lim n |a| = |a| lim n n = |a|.
p n

n→∞ n→∞

Logo, a série converge se |a| < 1 e r ∈ R é arbitrário.


Como |nr an | ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da
série não tende para zero.
P r n
Logo, a série n a diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.

108 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

an
Se |a| > 1 e r < 0, temos que lim −r = +∞. Logo, neste caso, a série
n→∞ n
P r n
n a também diverge.
P 1
• Se a = 1 e r < −1. a série converge, pois −r > 1.
n−r
P 1
• se a = 1 e −1 ≤ r < 0, a série diverge, pois 0 < −r ≤ 1.
n−r
P (−1)n
• se a = −1 e r < −1, a série é absolutamente convergente, pois
n−r
P 1
converge.
n−r
P (−1)n
• Se a = −1 e −1 ≤ r < 0, a série é condicionalmente con-
n−r
vergente, como veremos depois, usando o critério de Leibniz (corolário
7.9).

Exemplo 7.10 Seja a série 1+2a+a2 +2a3 +a4 +. . .+2a2n−1 +a2n +. . .,


cujos termos de ordem par são b2n = 2a2n−1 e os de ordem ı́mpar são
b2n−1 = a2n−2 .
• Se |a| = 1, temos que lim |bn | 6= 0, pois, neste caso, |b2n | = 2 e |b2n−1 | =
1. Assim, a série diverge quando |a| = 1.
√ |a|
|b2n | = lim = |a| , e
p
2n 2n
• Como lim 2 2n
|a|
p

|a|
|b2n−1 | = lim |a|2n−2 = lim = |a| ,
2n−1
p 2n−1
p
lim
|a|
2n−1
p

temos que a série converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.
Portanto, a série converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.

Teorema 7.5 (Teste da razão)


P P
Sejam an uma série de termos não nulos e bn uma série conver-
|a | b
gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que n+1 ≤ n+1
|an | bn
P
para todo n > n0 , então an é absolutamente convergente.

Prova.
Seja n > n0 . Então,

Instituto de Matemática - UFF 109


Análise na Reta

|an0 +2 | b |an0 +3 | b |an | b


≤ n0 +2 , ≤ n0 +3 , . . . , ≤ n .
|an0 +1 | bn0 +1 |an0 +2 | bn0 +2 |an−1 | bn−1

Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos


|an | bn
≤ ,
|an0 +1 | bn0 +1

|a |
ou seja, |an | ≤ k bn , onde k = n0 +1 . Então, pelo corolário 7.2, a série
bn0 +1
P
an é absolutamente convergente.

|an+1 |
Corolário 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e ≤c
|an |
P
para todo n ≥ n0 , então a série an é absolutamente convergente.
|an+1 | P
Ou seja, se lim sup < 1, a série an converge absolutamente.
|an |

Prova.
P
Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a série geométrica cn
converge se 0 < c < 1.

|an+1 | P
Corolário 7.7 Se lim < 1 então a série an é absolutamente
|an |
convergente.
P
Exemplo 7.11 Seja a série nan . Como
|(n + 1)an+1 |
n + 1
lim = lim |a| = |a| ,
|na |n n
P
temos que a série an converge se |a| < 1.
Neste caso, o teste da raiz e da razão levam ao mesmo resultado, pois,
como já vimos, lim n n |a|n = |a| .
p

Exemplo 7.12 Considere a série


1 + 2a + a2 + 2a3 + a4 + . . . + 2a2n−1 + a2n + . . .
|an+1 | |a| |a |
Para n par, = , e, para n ı́mpar n+1 = 2|a|.
|an | 2 |an |

|an+1 |
Logo, lim sup = 2|a| e, pelo teste da razão, a série converge se
|an |
1
|a| < .
2

110 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

|bn | = |a|, onde bn é o termo geral da série.


p
n
Mas, como vimos antes, lim
Logo, pelo teste da raiz, a série converge se |a| < 1.

Veremos, depois, que o teste da raiz sempre é mais eficaz do que o


da razão, pois
|a |
|an | ≤ lim sup n+1
p
n
lim sup
|an |

|an+1 |
, então existe também lim n |an | e, mais ainda,
p
e, se existe lim
|an |
esses limites coincidem.

X

xn
Exemplo 7.13 Seja a série , onde x ∈ R.
n!
n=0

|x|n+1 n! |x| X

xn
Como · n = −→ 0, temos que a série é absoluta-
(n + 1)! |x| n+1 n!
n=0

mente convergente para todo x ∈ R.

|an+1 |
Observação 7.7 Quando lim = 1 nada se pode afirmar, ou seja,
|an |
P
a série an pode convergir ou divergir. Por exemplo,
P1 |an+1 | n+1
• a série harmônica diverge e lim = lim = 1;
n |an | n

P 1 |an+1 | n+1
 2
• a série converge e lim = lim = 1.
n2 |an | n

|an+1 | P
Observação 7.8 Quando ≥ 1 para todo n ≥ n0 , a série an
|an |
diverge, pois seu termo geral não tende para zero.
P
Mas, ao contrário do teste da raiz, não se pode concluir que a série an
|an+1 |
diverge apenas pelo fato de se ter ≥ 1 para “uma infinidade de
|an |
valores de n”.
P
Com efeito, se an é uma série convergente qualquer e an > 0 para todo
n ∈ N, a série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . . também é convergente,
0 0
pois s2n = 2sn e s2n−1 = 2sn − an e, portanto,
0 0
P
lim s2n = lim s2n−1 = 2s = 2 an ,

Instituto de Matemática - UFF 111


Análise na Reta

onde sn0 e sn são as reduzidas de ordem n das séries a1 + a1 + a2 + a2 +


P
. . . + an + an + . . . e an , respectivamente.
Mas, se bn é o termo geral da série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . .,
bn+1
temos que = 1 para todo n ı́mpar.
bn

Teorema 7.6 Seja (an ) uma seqüência limitada de números reais posi-
tivos. Então,
an+1 √ √ a
lim inf ≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup n+1 .
an an
an+1 √
Em particular, se existir lim , existirá, também, lim n an e os dois limi-
an
tes serão iguais.

Prova.
Vamos provar que
an+1 √
lim inf ≤ lim inf n an .
an

Suponhamos, por absurdo, que



a = lim inf an+1 an > lim inf n
an = b .
Então, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,
√ a
b = lim inf n an < c < lim inf n+1 = a .
an
an+1
Pelo corolário 4.3, existe p ∈ N tal que > c para todo n ≥ p. Assim,
an
ap+1 ap+2 a
>c, > c ,... , n > c ,
ap ap+1 an−1

para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,


a √ √
obtemos que n > cn−p , ou seja, n an > c k para todo n > p, onde
n

ap
ap
k= . Logo,
cp
√ √
√ √
inf { an+1 , . . . } ≥ inf
n n+1
n
an , n+1
c k, c k, . . .

pois,

√ √ √ √
n n+1 m
inf c k, c k, . . . ≤ c k < m am ,

√ √
n n+1
para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf c k, c k, . . . é uma cota

112 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

√ √
inferior do conjunto { n
an , n+1
an+1 , . . . } , para todo n > p.
Assim, temos que
√ √
n

n
an ≥ lim inf c k = lim c k = c ,
lim inf n


o que é absurdo, pois estamos supondo que lim inf n an < c.
A desigualdade
√ an+1
lim sup n
an ≤ lim sup
an

prova-se de modo análogo.

Exemplo 7.14 Consideremos a seqüência (xn ), onde


x2n−1 = an bn−1 e x2n = an bn , n ∈ N,
ou seja, x = (a, ab, a2 b, a2 b2 , a3 b2 , . . .), onde a, b ∈ R − {0} , a 6= b.
xn+1 x
Como = b, se n é ı́mpar, e n+1 = a, se n é par, temos que não
xn xn
x
existe lim n+1 , pois a =
6 b.
xn

Mas,
√ 1
• lim 2n−1
x2n−1 = lim(an bn−1 ) 2n−1
n n−1
= lim a 2n−1 b 2n−1
1 1 1 1
= lim a 2 + 2(2n−1) b 2 − 2(2n−1)
√  1
√  1

= a lim a 2(2n−1) b lim b− 2(2n−1)

= ab
√ √
2n
√ √
• lim 2n
x2n = lim an bn = lim a b = a b
√ √
Logo, lim n
xn = a b .

Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista
o limite da razão.

1 1 √
Exemplo 7.15 Seja xn = √
n
. Tome yn = . Então, xn = n yn .
n! n!

Como
yn+1 1 1
lim = lim n! = lim = 0,
yn (n + 1)! n+1

Instituto de Matemática - UFF 113


Análise na Reta


temos que lim n
yn também existe e
√ y
lim n yn = lim n+1 = 0 .
yn

Logo, lim xn = lim n
yn = 0.

n nn √
Exemplo 7.16 Seja xn = √
n
e considere yn = . Então, n yn = xn .
n! n!

Como
yn+1 (n + 1)n+1 n! (n + 1)(n + 1)n n! 1
 n
= · n = = 1+ −→ e ,
yn (n + 1)! n n!(n + 1)nn n

temos que existe lim n
yn e
√ yn+1
lim xn = lim n
yn = lim = e.
yn

Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)


P
Seja an uma série cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma
seqüência limitada. Seja (bn ) uma seqüência não-crescente de números
P
positivos com lim bn = 0. Então a série an bn é convergente.

Prova.
Vamos mostrar, primeiro, por indução, que, para todo n ≥ 2,
X
n
a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + . . . + an bn = si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn ,
i=2

ou seja,

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )(b2 − b3 )


+ (a1 + a2 + a3 )(b3 − b4 )
+ . . . + (a1 + . . . + an ) bn .

De fato
• Se n = 2, a1 b1 + a2 b2 = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )b2 .
• Suponhamos que a igualdade é verdadeira para n. Então,

114 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn + an+1 bn+1
X
n
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn + an+1 bn+1
i=2
Xn
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn (bn − bn+1 ) + sn bn+1 + an+1 bn+1
i=2
X
n+1
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn+1 bn+1 .
i=2

Como a seqüência (sn ) é limitada, existe k > 0 tal que |sn | ≤ k para todo
n ∈ N.
Temos também que a reduzida de ordem n da série de termos não-
X

negativos (bn−1 − bn ) é b1 − bn+1 , que converge para b1 .
n=2

X
∞ X

Logo, a série sn−1 (bn−1 −bn ) é convergente, pois a série (bn−1 −bn )
n=2 n=2
converge e
|sn−1 (bn−1 − bn )| ≤ k(bn−1 − bn ) , para todo n ≥ 2.
X

Então a série an bn é convergente, pois lim sn bn = 0, ou seja, a redu-
n=1

X
n
P
zida si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn de ordem n da série an bn converge.
i=2

Corolário 7.8 (Critério de Abel)


P
Se a série an é convergente e (bn ) é uma seqüência não-crescente e
P
limitada inferiormente, então a série an bn é convergente.

Prova.
Como a seqüência (bn ) é não-crescente e limitada inferiormente, existe
lim bn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.
Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) é uma seqüência não-crescente.
P
Então, pelo teorema de Dirichlet, a série an (bn − b) é convergente e,
P P
portanto, a série an bn também é convergente, já que a série b an
converge.

Instituto de Matemática - UFF 115


Análise na Reta

Corolário 7.9 (Critério de Leibniz)


P
Se a seqüência (bn ) é não-crescente e lim bn = 0, então a série (−1)n bn
é convergente.

Prova.
P
Pelo teorema de Dirichlet, a série (−1)n bn converge, pois as reduzidas
P
da série (−1)n são limitadas por 1.

P (−1)n
Exemplo 7.17 A série é convergente para todo r > 0, pois a
nr
1
seqüência é decrescente e tende para zero.
nr
P (−1)n
Logo, a série é condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,
nr
P 1
pois já provamos que a série não converge quando r ≤ 1.
nr

X

cos(nx) X sen(nx)
Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as séries e ,
n n
n=1

são convergentes.
1
Como a seqüência é decrescente e tende para zero, basta mostrar
n
que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +
P P
sen(2x) + . . . + sen(nx) das séries cos(nx) e sen(nx) são limitadas.
Temos que 1 + sn e tn são, respectivamente, a parte real e imaginária do
número complexo
1 − (eix )n+1
1 + eix + . . . + einx = .
1 − eix

Logo, como eix =


6 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que

1 − eix n+1
2
≤ , para todo n ∈ N.

1−e ix |1 − eix |


Ou seja, a seqüência 1 + eix + . . . + einx n∈N
é limitada e, portanto, as
seqüências de suas partes reais e imaginárias são, também, limitadas.

P
Observação 7.9 Dada uma série an , definimos

116 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas


an se an > 0
pn =
0 se an ≤ 0 .

O número pn é chamado parte positiva de an .


Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o número

0 se an ≥ 0
qn =
−a se a < 0 . n n

Então, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e


an = pn − qn ; |an | = pn + qn ; |an | = an + 2qn ; |an | = 2pn − an .
P
• Se an é absolutamente convergente então, para todo k ∈ N, temos:
X
∞ X
k X
k X
k
|an | ≥ |an | = pn + qn .
n=1 n=1 n=1 n=1
P P
Logo, as séries pn e qn são convergentes, pois suas reduzidas for-
X

mam seqüências não-decrescentes limitadas superiormente por |an |.
n=1
P P
E, reciprocamente, se as séries pn e qn são convergentes, então a
P
série an é absolutamente convergente.
P
• Mas, se a série an é condicionalmente convergente, então as séries
P P
pn e qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas séries con-
P
verge, a série an também converge.
P
Suponha, por exemplo, que a série qn converge.
P
Então, a série |an | converge, pois
X
k X
k X
k X
∞ X

|an | = an + 2 qn −→ an + 2 qn .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
P P
O caso em que a série pn converge, prova-se que a série |an | con-
verge de modo análogo usando a relação |an | = 2pn − an , para todo
n ∈ N.

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 7.19 Já sabemos que a série = 1− + − +
n 2 3 4
n=1

. . . é condicionalmente convergente. Então, a série das partes positivas

Instituto de Matemática - UFF 117


Análise na Reta

P 1 P 1
pn = 1 + 0 + + 0 + . . . e a série das partes negativas qn = 0 + +
3 2
1
0+ + . . . divergem.
4

8. Aritmética de séries

Vamos investigar, agora, se as propriedades aritméticas, tais como


associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as
séries.
P
• Associatividade: Dada uma série an convergente, ao inserirmos
parênteses entre seus termos, formamos uma nova série cuja seqüência
(tn ) das reduzidas é uma subseqüência da seqüência (sn ) das reduzidas
P
da série an .
Como (sn ) é uma seqüência convergente, (tn ) também o é, ou seja,
X

a nova série é convergente e sua soma é igual a s = an .
n=1

Por exemplo, a reduzida tn da série


(a1 + a2 ) + (a3 + a4 ) + (a5 + a6 ) + . . .
é igual a s2n .
• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma série conver-
gente, obtemos uma nova série, em relação à qual a série original pode
ser obtida por associação de seus termos. Assim, a seqüência das re-
duzidas (sn ) da série original é uma subseqüência das reduzidas (tn ) da
nova série. Então, (sn ) pode convergir sem que (tn ) convirja.
P
Por exemplo, dada a série an convergente, podemos dissociar
seus termos da forma an = an + 1 − 1. Então, a nova série
a 1 + 1 − 1 + a2 + 1 − 1 + a3 + 1 − 1 + . . .
diverge, pois seu termo geral não converge para zero.
P
Mas, quando a série an é absolutamente convergente e dissocia-
mos seus termos como somas finitas an = a1n + . . . + akn de parcelas com
o mesmo sinal, a nova série obtida converge e converge para a mesma
soma.

118 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escre-


vermos cada an como uma soma finita de números não-negativos, obte-
P
mos uma nova série bn , com bn ≥ 0, cuja seqüência das reduzidas
(tn ) é uma seqüência não-decrescente, que possui como subseqüência a
P
seqüência (sn ) das reduzidas da série an .
Como a subseqüência (sn ) é limitada superiormente, por ser conver-
gente, então (tn ) é, também, limitada superiormente. Logo, (tn ) converge
e converge para o mesmo limite da subseqüência (sn ). Ou seja, a nova
P P P
série bn converge e tem soma bn = an .
P
Seja, agora, uma série an absolutamente convergente.
Se pn e qn são, respectivamente, a parte positiva e a parte nega-
P P
tiva de an , temos que as séries pn e qn têm todos os termos não-
negativos, são convergentes, e
P P P
an = pn − qn .
Como toda dissociação dos an em somas finitas de parcelas com
P P
o mesmo sinal determina uma dissociação em pn e outra em qn ,
temos, pelo visto acima, que esta dissociação mantêm a convergência e
P P
o valor da soma das séries pn e qn .
P
Logo, a nova série é convergente e tem a mesma soma que an .

P P
Exemplo 8.1 Sejam an e
bn séries convergentes com somas s e
P
t, respectivamente. Já sabemos que a série (an + bn ) = (a1 + b1 ) +
(a2 + b2 ) + . . . converge para s + t.
Vamos provar que a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociação
P
dos termos da série (an + bn ) converge e sua soma é s + t.
Observamos, primeiro, que esta afirmação não decorre do provado acima,
P P
pois não estamos supondo que an e bn sejam absolutamente con-
vergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo sinal.
P P
Sejam sn e tn as reduzidas das séries an e bn respectivamente.
Então, a série a1 +b1 +a2 +b2 +a3 +b3 +. . . tem como reduzidas de ordem
par r2n = sn +tn e como reduzidas de ordem ı́mpar r2n−1 = sn−1 +tn−1 +an .
Como lim an = 0 , segue-se que lim r2n = lim r2n−1 = s + t . Logo, lim rn =
s + t , ou seja, a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . . converge e tem soma s + t.

Instituto de Matemática - UFF 119


Análise na Reta

P
• Comutatividade: Dada uma série an , mudar a ordem de seus termos
significa considerar uma bijeção ϕ : N −→ N para formar uma nova série
P
bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) , para todo n ∈ N.

P
Definição 8.1 Uma série an é comutativamente convergente quando,
P
para toda bijeção ϕ : N −→ N, a série bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) ,
P P
é convergente e an = bn .

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 8.2 A série = 1− + − + . . . é convergente,
n 2 3 4
n=1
Provaremos depois que a soma s
da série do exemplo 8.2 é igual a mas não é absolutamente convergente.
log 2 , usando a série de Taylor da
função logaritmo. X

(−1)n+1 1
Seja s = . Multiplicando os termos da série por , obtemos
n 2
n=1

s X

(−1)n+1 1 1 1 1 1
= = − + − + ...
2 2n 2 4 6 8 10
n=1

Então,
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ...,
2 2 4 6 8 10
pois, quando incluimos zeros entre os termos de uma série, não alteramos
a sua convergência e nem a sua soma.
P P
• De fato, se sn e tn são as reduzidas da série an e da série bn ,
obtida acrescentando zeros entre os termos an , temos que, dado n0 ∈ N,
existe m0 ∈ N, m0 ≥ n0 , tal que tm0 = sn0 .
Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0 , então |tn − s| < ε para todo
m ≥ m0 , pois para todo m ≥ m0 existe n ≥ n0 tal que t m = s n.
Então, somando termo a termo as séries
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ... ,
2 2 4 6 8 10
e
1 1 1 1 1 1 1 1 1
s=1− + − + − + − + − + ...,
2 3 4 5 6 7 8 9 10
obtemos a série
3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+0+ − + +0+ − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
Pela propriedade associativa, podemos retirar os termos zeros de uma

120 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

série sem alterar sua convergência nem a sua soma. Logo,


3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+ − + + − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
P
• Precisamos ainda provar que os termos da série (an + bn ), onde
P 1 1 1
an = 0 + + 0 − + 0 + + . . .
2 4 6
e
P 1 1 1 1 1
bn = 1 − + − + − + ...
2 3 4 5 6
P
são os termos da série bn , depois de eliminarmos os zeros, só que
numa ordem diferente!
(−1)n+1 (−1)n+1
◦ De fato, como a2n−1 = 0, a2n = e bn = , temos:
2n n
a2n−1 + b2n−1 = b2n−1
e
(−1)n+1 (−1)2n+1 (−1)n+1 + (−1)2n+1
a2n + b2n = + = .
2n 2n 2n
−2 (−1)n+1
Logo, a2n + b2n = = se n é par, e a2n + b2n = 0 se n é ı́mpar.
2n n
• Provamos, assim, que os termos da série
1 1 1 1 1 1 1 1
1+ − + + − + + − + ...
3 2 5 7 4 9 11 6
3s
cuja soma é , são os mesmos da série original, cuja soma é s, apenas
2
com uma mudança de ordem.
Assim, uma reordenação dos termos de uma série convergente pode al-
terar o valor da sua soma!

Teorema 8.1 Toda série absolutamente convergente é comutativamente


convergente.

Prova.
P
• Suponhamos, primeiro, que an é uma série convergente com an ≥ 0
para todo n.
Seja ϕ : N −→ N uma bijeção e tomemos bn = aϕ(n) .
P P P
Vamos provar que a série bn é convergente e que bn = an .

Instituto de Matemática - UFF 121


Análise na Reta

Sejam sn = a1 + . . . + an e tn = aϕ(1) + . . . + aϕ(n) as reduzidas de ordem


P P
n das séries an e bn , respectivamente.

Afirmação 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm .


De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Então
{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . , m} .
Logo,
X
n X
m
tn = aϕ(i) ≤ aj = sm .
n=1 i=1

Afirmação 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn .


X
m X
m
De fato, dado m ∈ N, temos que sm = ai = bϕ−1 (i) .
i=1 i=1

Seja n = max ϕ−1 (1), . . . , ϕ−1 (m) . Então,
 −1
ϕ (1), . . . , ϕ−1 (n) ⊂ {1, 2, . . . , n} .

Logo,
X
m X
n
sm = bϕ−1 (i) ≤ bj = tn .
i=1 j=1

P
Afirmação 3: lim sn = lim tn = s , ou seja, bn é convergente e
P P
bn = an .
De fato, como s = lim sm = sup sm e t = lim tn = sup tn , temos que
m∈N n∈N

sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.


Assim, pelas afirmações (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para
todo m ∈ N.
Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.
P
• No caso em que a série an é absolutamente convergente, temos que
P P P
an = pn − qn , onde pn e qn são a parte positiva e a parte negativa
de an , respectivamente.

Afirmação 4: Toda reordenação (bn ) dos termos an da série original dá


lugar a uma reordenação (un ) para os pn e uma reordenação (vn ) para
os qn , de tal modo que cada un é a parte positiva e cada vn é a parte
negativa de bn .

122 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

De fato, se bn = aϕ(n) , sendo ϕ : N −→ N uma bijeção, temos que:



un = pϕ(n) = aϕ(n) = bn , se aϕn = bn > 0
u = p = 0, se a = b ≤ 0 .
n ϕ(n) ϕn n

e

vn = 0 = qϕ(n) = −aϕ(n) = −bn , se aϕ(n) = bn < 0
v = 0 = q
n ϕ(n) = 0 , se aϕ(n) = bn ≥ 0 .

P P
• Pelo provado anteriormente, as séries un e vn convergem, sendo
P P P P
un = pn e vn = qn .
P P P P
Logo, a série bn é absolutamente convergente e bn = un − vn .
P P P P P P
Além disso, an = pn − qn = un − vn = bn .

P
Teorema 8.2 Seja an uma série condicionalmente convergente. Dado
P
qualquer número real c, existe uma reordenação (bn ) dos termos de an ,
P
de modo que bn = c.

Prova.
Sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an . Como a série
P
an é condicionalmente convergente, temos que lim an = 0, e, portanto,
P P
lim pn = lim qn = 0, mas pn = +∞ e qn = +∞.
P
Vamos reordenar os termos da série an da seguinte maneira:
Sejam
◦ n1 ∈ N o menor ı́ndice tal que p1 + . . . + pn1 > c .
◦ n2 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 < c .
◦ n3 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 > c .
◦ n4 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn2 + pn1 +1 + . . . + pn3 − qn2 +1 − . . . − qn4 < c .
P P
Esses ı́ndices existem, pois pn = +∞ e qn = +∞.
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série tal que
as reduzidas tn da nova série tendem para c.

Instituto de Matemática - UFF 123


Análise na Reta

De fato, para todo i ≥ 3 ı́mpar, temos


X
ni X
ni+1
X
ni X
ni−1
tni +ni+1 = pj − q` < c < pj − q` = tni−1 +ni ,
j=1 `=1 j=1 `=1

0 < tni−1 +ni − c < pni , e 0 < c − tni +ni+1 < qni+1 ,

X
ni X
ni−1
pois ni é o menor inteiro tal que pn − q` > c e ni+1 é o menor
j=1 `=1

X
ni X
ni +1

inteiro tal que pj − q` < c.


j=1 `=1

Sendo lim pni = lim qni+1 = 0 , temos que lim tni +ni+1 = lim tni−1 +ni = 0 .
Além disso, dado n ∈ N, existe i ı́mpar, tal que
◦ ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni−1 +ni ,
ou
◦ ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni+1 +ni+2 .
Logo, lim tn = c, ou seja, a nova série tem soma c.

P
Observação 8.1 Podemos reordenar uma série an condicionalmente
convergente de modo que a série reordenada tenha soma +∞ ou −∞.
De fato, sejam
◦ n1 ∈ N tal que p1 + . . . + pn1 > 1 + q1 ,
◦ n2 ∈ N tal que n2 > n1 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 > 2 + q2 ,
◦ n3 ∈ N tal que n3 > n2 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 − q2 + pn2 +1 + . . . + pn3 > 3 + q3 .
P
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série an ,
de modo que as reduzidas tn da nova série satisfazem:
tni +(i−1) > i + qi ≥ i e tni +i > i , para todo i ∈ N .

Além disso, se n ≥ ni + (i − 1) , existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou


n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j .
Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1 +j = tnj +j + pnj +1 + . . . + pnj+1 .

Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A

124 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

para todo n ≥ ni0 +(i0 −1) .

Portanto, as reduzidas da nova série tendem para +∞.


P
Para provar que existe uma reordenação dos termos da série an de
modo que a nova série tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argu-
mento acima.
P
Corolário 8.1 Uma série an é absolutamente convergente se, e so-
mente se, é comutativamente convergente.

X X
Teorema 8.3 Se an e bn são séries absolutamente convergen-
n≥0 n≥0

tes, então
P P P
( an ) ( bn ) = cn ,
onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 para todo n ≥ 0.

Prova.
Já sabemos que, para todo n ≥ 0,
X X X
n
! n
! n
ai bj = ai bj = x0 + x1 + . . . + xn ,
i=0 j=0 i,j=0

onde
X
n X
n−1
xn = ai bn + an bj
i=0 j=0

= a0 bn + a1 bn + . . . + an bn + an bn−1 + . . . + an b0 .
P P P
E, portanto, ( an ) ( bn ) = xn .
P
Pela dissociação dos termos xn , obtemos a série ai bj , cujos termos
são ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn+1 .
P
Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k + 1)2 da série |ai bj | é
X X X X X
k k
! k
! ! !
|ai | |bj | = |ai | |bj | ≤ |an | |bn | ,
i,j=0 i=0 j=0 n≥0 n≥0
P
ou seja, a subseqüência das reduzidas de ordem (k + 1)2 da série |ai bj |
é limitada.
P
Logo, a seqüência das reduzidas da série |ai bj | é convergente, por ser

Instituto de Matemática - UFF 125


não-decrescente e limitada, já que possui uma subseqüência limitada.
P
Assim, a série ai bj é absolutamente convergente.
P
Reordenando e depois associando os termos da série ai bj , obtemos a
P X
nova série cn , onde cn = a0 bn + . . . + an b0 = ai bj .
i+j=n
P
Como a série ai bj é absolutamente convergente, temos que
X X X X X
! !
an bn = xn = ai bj = cn .
n≥0 n≥0 n≥0 n≥0

126 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Parte 4

Topologia da reta

Nesta parte estudaremos as propriedades topológicas do conjunto


dos números reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e conti-
nuidade de funções reais de variável real.

1. Conjuntos abertos

Definição 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x é um ponto interior


de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.
Isto significa que todos os pontos suficientemente próximos de x ainda
pertencem ao conjunto X.

Observação 1.1 x é um ponto interior do conjunto X se, e só se, existe


ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ X.
De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x − a, b − x} > 0.
Então, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,
(x − ε, x + ε) ⊂ X.

Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.

Observação 1.2 x é um ponto interior de X se, e só se, existe ε > 0 tal
que |y − x| < ε =⇒ y ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 127


Análise na Reta

De fato,
|y − x| < ε ⇐⇒ −ε < y − x < ε ⇐⇒ x − ε < y < x + ε ⇐⇒ y ∈ (x − ε, x + ε).

Definição 1.2 O interior do conjunto X, representado por int X, é o con-


junto dos pontos x ∈ X que são interiores a X.

Observação 1.3
• int X ⊂ X.
• X ⊂ Y então int X ⊂ int Y.
• Se int X 6= ∅, X contém um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito
não-enumerável.
Logo, int X = ∅, se X é finito ou infinito enumerável.
Em particular int N = int Z = int Q = ∅.
• O conjunto R − Q dos números irracionais, apesar de ser infinito não-
enumerável, também possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contém
um número racional.

Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a, +∞), então


int X = X.
De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No
segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,
dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x + 1) ⊂ X.
Logo, X ⊂ int X, ou seja, X = int X.

Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c, +∞) e Z = (−∞, d]. Então,
int X = (c, d) , int Y = (c, +∞) , int Z = (−∞, d) .
De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ int X.
Além disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,
temos que c 6∈ int X.
Do mesmo modo, d 6∈ int X, pois para todo intervalo aberto (a, b) que
contém d, temos que (d, b) 6⊂ X. Então, int X ⊂ (c, d). Logo, int X = (c, d).
Analogamente, podemos provar os outros casos e, também, que
int(c, d] = int[c, d) = (c, d).

128 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Definição 1.3 Dizemos que um subconjunto A ⊂ R é um conjunto aberto


quando todos os seus pontos são interiores, isto é, quando int A = A.
Assim, A ⊂ R é aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um
intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.

Exemplo 1.3 O conjunto vazio é aberto, pois um conjunto X só deixa


de ser aberto se existir algum ponto de X que não está em seu interior.

Exemplo 1.4 A reta R é um conjunto aberto.

Exemplo 1.5 Um intervalo é um conjunto aberto se, e só se, é um in-


tervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a, +∞), (−∞, b)
são os únicos tipos de intervalos que são conjuntos abertos (ver exemplo
1.2).

Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto não-vazio é não-enumerável.


Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos
de R não são abertos.

Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos números irracio-


nais é aberto, pois todo intervalo aberto contém um número racional.

Teorema 1.1 A interseção de um número finito de conjuntos abertos é


um conjunto aberto.

Prova.
Sejam A1 , . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja
A = A1 ∩ . . . ∩ An .
Se x ∈ A, então x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai , bi ) tal que
x ∈ (ai , bi ) ⊂ Ai .
Sejam a = max{a1 , . . . , an } e b = min{b1 , . . . , bn }.
Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi , temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi .
Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai , bi ) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.

Instituto de Matemática - UFF 129


Análise na Reta

Teorema 1.2 Se (Aλ )λ ∈ L é uma famı́lia arbitrária de subconjuntos


abertos na reta R, então a reunião:
[
A= Aλ
λ∈L

é um conjunto aberto.

Prova.
S
Se x ∈ A = λ∈L Aλ , então existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 .

Como Aλ0 é aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que


x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0 .
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0 ⊂ A.

Observação 1.4 Se (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) 6= ∅, então


(a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) = (a, b),
onde a = max{a1 , a2 } e b = min{b1 , b2 }.
De fato, como existe x ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), temos
a1 < x < b1 e a2 < x < b2 .
Logo, a1 < b1 , a1 < b2 e a2 < b1 , a2 < b2 .
Então, a = max{a1 , a2 } < b = min{b1 , b2 }, ou seja, (a, b) é realmente um
intervalo.
Se y > a, então y > a1 e y > a2 , e se y < b, então y < b1 e y < b2 .
Logo, se y ∈ (a, b), então y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ).
E, reciprocamente, se y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), então y > a1 , y > a2 e
y < b1 , y < b2 . Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .

Observação 1.5 A interseção de uma infinidade de conjuntos abertos


pode não ser um conjunto aberto.
 1 1
Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto aberto An = − ,
n n
T
e seja A = n∈N An .

Então, A = {0} e, portanto, A não é aberto.


De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.
1
Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 < < |x|, ou
n0

130 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

 
1 1
seja, x 6∈ An0 = − , .
n0 n0

Logo, se x 6= 0, então x 6∈ A.

Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, então


∞ 
1 1
\ 
A= a− ,b + = [a, b] .
n n
n=1

1 1
De fato, se x ∈ [a, b], então a − ≤ a ≤ x ≤ b < b + para todo n ∈ N,
n n
∞ 
1 1
\ 
ou seja, x ∈ a− ,b + . Assim [a, b] ⊂ A.
n n
n=1

1 1
Se x > b, existe n0 ∈ N tal que < x − b, ou seja, x > b + . Então
n0 n0
  ∞ 
1 1 1 1
\ 
x 6∈ a − ,b + e, portanto, x 6∈ a− ,b + .
n0 n0 n n
n=1

1
De modo análogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que < a − x, ou seja,
n0
 
1 1 1
x < a − . Logo, x 6∈ a − , a + e, portanto, x 6∈ A.
n0 n0 n0
∞  ∞ 
1 1 1 1
\  \ 
Então, a − ,b + ⊂ [a, b]. Logo, a − ,b + = [a, b].
n n n n
n=1 n=1

Exemplo 1.9 Seja X = {x1 , . . . , xn } um conjunto finito de números reais,


com x1 < x2 < . . . < xn .
Então, R−X = (−∞, x1 )∪(x1 , x2 )∪. . .∪(xn−1 , xn )∪(xn , +∞) é um conjunto
aberto.
Ou seja, o complementar de um conjunto finito de números reais é um
conjunto aberto.

Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos números inteiros


é aberto, pois
[
R−Z= (n, n + 1)
n∈Z

é uma reunião de conjuntos abertos.

Instituto de Matemática - UFF 131


Análise na Reta

Observação 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R é união de intervalos


abertos.
De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Logo,
[ [
A= {x} ⊂ Ix ⊂ A ,
x∈A x∈A
[
ou seja, A = Ix .
a∈A

Lema 1.1 Seja (Iλ )λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos, todos con-
tendo o ponto p ∈ R.
[
Então, I = Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L

Prova.
Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ , bλ ). Então, aλ < bµ quaisquer que se-
jam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ .
Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.
Então, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.
Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer
que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto
{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.
[
Afirmação: (a, b) = Iλ .
λ∈L
[
Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que Iλ ⊂ (a, b).
λ∈L

Suponhamos que x ∈ (a, b).


Então, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0 , µ0 ∈ L
tais que aλ0 < x < bµ0 .
[
Se x < bλ0 , então x ∈ (aλ0 , bλ0 ) ⊂ Iλ . Se x ≥ bλ0 , então aµ0 < bλ0 ≤
λ∈L
[ [
x < bµ0 , ou seja, x ∈ (aµ0 , bµ0 ) ⊂ Iλ . Logo, (a, b) ⊂ Iλ . 
λ∈L λ∈L

132 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)


Todo subconjunto aberto não-vazio A ⊂ R se exprime, de modo único,
como uma reunião enumerável de intervalos abertos dois a dois disjuntos.

Prova.
Para cada x ∈ A, seja Ix a reunião de todos os intervalos abertos que
contêm x e estão contidos em A. Cada Ix , pelo lema anterior, é um inter-
valo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Se I é um intervalo aberto qualquer que contém x e está contido em A,
então, I ⊂ Ix . Isto é, Ix é o maior intervalo aberto que contém x e está
contido em A.
Afirmação 1: Se x, y ∈ A, então Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.
• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy , ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Então, pelo
lema anterior, I = Ix ∪ Iy é um intervalo aberto contido em A que contém
os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy . Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy , temos
que I = Ix = Iy .
[
Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A = Ix e Ix ∩ Iy = ∅
x∈L

se x, y ∈ L e x 6= y.
[
Afirmação 2: Se A = Jλ é uma união de intervalos abertos dois a
λ∈L

dois disjuntos, então L é enumerável.


• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩ Q.
Como Jλ ∩ Jλ 0 = ∅ se λ 6= λ 0 , temos que r(λ) 6= r(λ 0 ) se λ 6= λ 0 .
Ou seja, a função
r : L −→ Q
λ 7−→ r(λ)

é injetiva. Logo, L é enumerável, pois Q é enumerável.

Unicidade
[
Seja A = Jm , onde os Jm = (am , bm ) são intervalos abertos dois a
m∈N

dois disjuntos.

Instituto de Matemática - UFF 133


Análise na Reta

Afirmação 3: am e bm não pertencem a A.


De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap , bp ). Então,
pondo b = min{bm , bp }, terı́amos que (am , b) ⊂ Jm ∩ Jp o que é absurdo,
pois Im ∩ Ip = ∅.
De modo análogo, podemos provar que bm 6∈ A.

Afirmação 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) é um intervalo


aberto, então I ⊂ Jm . Ou seja, Im é a reunião de todos os intervalos
abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm , ou melhor, Im = Ix
é o maior intervalo aberto contido em A que contém x, onde x ∈ Jm .
• De fato, am < a < b < bm , pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b
(ver figura 3), terı́amos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que é
absurdo.

Fig. 2: a ≥ am .

Fig. 3: bm ≤ b.

Corolário 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B


são conjuntos abertos disjuntos, então um desses conjuntos é igual a I e
o outro é vazio.

Prova.
Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposições de A e B em intervalos aber-
tos disjuntos dariam origem a uma decomposição de I com pelo menos
dois intervalos, o que é absurdo, pela unicidade da decomposição, já que
I é um intervalo aberto.

2. Conjuntos fechados

Definição 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto


X ⊂ R quando a é limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A.

134 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

Observação 2.1
• Todo ponto a ∈ X é aderente a X.
Basta tomar a seqüência constante xn = a, n ∈ N.
• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.
1
Por exemplo, 0 é aderente ao conjunto X = (0, +∞), pois ∈ X, para todo
n
1
n∈Ne −→ 0.
n

Observação 2.2 Todo valor de aderência de uma seqüência (xn ) é um


ponto aderente ao conjunto X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}. Mas a recı́proca não
é verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn ) não é uma seqüência
constante, então a é o único valor de aderência da seqüência, mas todos
os pontos xn , por pertencerem a X, são pontos aderentes a X.

Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e só


se, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

Prova.
(=⇒) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X tal que xn −→ a.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo
n > n0 .
Assim, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
1 1
 
(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩ a − , a + . Então (xn ) é uma
n n
1
seqüência de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| < para todo
n
1
n ∈ N, e −→ 0.
n

Corolário 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e


só se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.

Prova.
Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0
tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I.

Instituto de Matemática - UFF 135


Análise na Reta

Corolário 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ R


um conjunto limitado superiormente. Então, a = inf X é aderente a X e
b = sup Y é aderente a Y.

Prova.
Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a + ε e b − ε < y ≤ b.
Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ e (b − ε, b + ε) ∩ Y = ∅.

Definição 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R é o conjunto X formado pelos


pontos aderentes a X.

Observação 2.3
• X ⊂ X.
• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .

Definição 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R é fechado quando


X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.

Assim, X ⊂ R é fechado se, e só se, para toda seqüência conver-


gente (xn ) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.

Observação 2.4 Se X ⊂ R é limitado, fechado e não-vazio, então sup X


e inf X pertencem a X.

Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) é o intervalo fechado


[a, b].
1 1
• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a + , b − ∈ (a, b), para n suficientemente
n n
1 1
grande, e a + −→ a, b − −→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).
n n
Por outro lado, se (xn ) é uma seqüência de pontos do intervalo (a, b) que
converge para c ∈ (a, b), então a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo
n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. 

Observação 2.5
• De modo análogo, podemos provar que

136 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

[a, b) = [a, b] ; (a, b] = [a, b] ;


[a, b] = [a, b] ; (a, +∞) = [a, +∞) ;
[a, +∞) = [a, +∞) ; (+∞, b) = (+∞, b] ;
(−∞, b] = (−∞, b] e (−∞, +∞) = (−∞, +∞) = R .

• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a, +∞) são conjuntos
fechados e R também o é.
• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} é um conjunto
fechado. Ou seja, todo conjunto unitário é fechado.

Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contém números


racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q não são conjuntos fecha-
dos.

Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu com-


plementar R − F é aberto.

Prova.
De fato, F é fechado

⇐⇒ todo ponto aderente a F pertence a F


⇐⇒ se a ∈ R − F então a não é aderente a F
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI∩F=∅
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI⊂R−F
⇐⇒ se a ∈ R − F então a pertence ao interior de R − F
⇐⇒ R − F é aberto.

Corolário 2.3 (a) R e o conjunto vazio são fechados.


(b) Se F1 , . . . , Fn são conjuntos fechados, então F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.
(c) Se (Fλ )λ∈L é uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados, então a
\
interseção F = Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L

Instituto de Matemática - UFF 137


Análise na Reta

Prova.
(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R são conjuntos abertos, temos que
R e ∅ são conjuntos fechados.
n
\
(b) Como R − (F1 ∪ . . . ∪ Fn ) = (R − Fi ) é um conjunto aberto, pois cada
i=1

R − Fi , i = 1, . . . , n, é aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.


\ [
(c) Como R − Fλ = (R − Fλ ) é um conjunto aberto, por ser a reunião
λ∈L λ∈L
\
dos conjuntos abertos da famı́lia (R − Fλ )λ∈L , temos que Fλ é um con-
λ∈L

junto fechado.

Observação 2.6 A reunião de uma famı́lia arbitrária de conjuntos fe-


chados pode não ser um conjunto fechado.
De fato, como todo conjunto X é a reunião de seus pontos, ou seja,
[
X = {x} , e os conjuntos {x} são fechados, basta considerar um con-
x∈X

junto X que não é fechado.

Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R é um conjunto fechado.


Isto é, X = X.

Prova.
Seja x ∈ R − X, ou seja, x não é aderente a X. Então, existe um intervalo
I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.

Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X é um conjunto aberto.

Logo, X é um conjunto fechado.

Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1 , . . . , xn } finito é fechado, pois


n
[
F = {xi } é a reunião finita dos conjuntos {xi }, i = 1, . . . , n, fechados,
i=1

ou porque R − F é aberto, como já vimos anteriormente.

[
Exemplo 2.4 Z é um conjunto fechado, pois R − Z = (n, n + 1) é um
n∈Z

138 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

conjunto aberto.

Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] não são conjuntos abertos nem


fechados.

Observação 2.7 Um conjunto X ⊂ R é aberto e fechado ao mesmo


tempo se, e só se, X = R ou X = ∅.
• De fato, já provamos que R e ∅ são conjuntos abertos e fechados ao
mesmo tempo.
Se X ⊂ R é aberto e fechado, então R − X é aberto e fechado. Logo,
R = X ∪ (R − X) é a reunião de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,
pelo corolário 1.1, X = ∅ ou X = R.

Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)


O conjunto de Cantor é um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reunião enumerável de intervalos abertos,
da seguinte maneira.

Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terço médio 13 , 23 . Depois, retira-




se os terços médios abertos 91 , 29 e 79 , 89 dos intervalos restantes 0, 13 e


   
2 
, 1 , sobrando, assim, os intervalos fechados 0, 19 , 29 , 31 , 32 , 79 e 79 , 1 .
       
3

Em seguida, retira-se o terço médio aberto de cada um desses quatro


intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de
Cantor é o conjunto K que consiste dos pontos não retirados.

Fig. 4: Construção do conjunto de Cantor.

Se indicarmos por I1 , I2 , . . . , In , . . . os intervalos abertos omitidos, temos


∞ ∞
!
[ [
K = [0, 1] − In = [0, 1] ∩ R − In .
n=1 n=1


[
Logo, K é um conjunto fechado, pois [0, 1] e R − In são conjuntos fe-
n=1

chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13 ,


2 1 2 7 8
, , , ,
3 9 9 9 9
etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa

Instituto de Matemática - UFF 139


Análise na Reta

da construção, são retirados apenas pontos interiores dos intervalos res-


tantes da etapa anterior.
Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto
infinito enumerável de K, mas, como veremos depois, K não é enumerável.
Vamos provar, agora, que K não contém nenhum intervalo aberto, ou seja,
int K = ∅.
De fato, na n−ésima etapa da construção de K, são retirados 2n−1 in-
1
tervalos abertos de comprimento 3n
, restando 2n intervalos fechados de
1
comprimento 3n
.

Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que


1
3n0
< `.
n0
2[
Se I ⊂ K, então I ⊂ Jk , onde Jk , k = 1, . . . , 2n0 , são os intervalos
k=1
1
fechados de comprimento 3n0
restantes da n0 −ésima etapa.

Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0 } (verifique!) tal que I ⊂ Jk0 , o que é absurdo,
1
pois 3n0
< `.

Definição 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos


que X é denso em Y quando todo ponto de Y é aderente a X, ou seja,
quando Y ⊂ X.

Observação 2.8 X ⊂ Y é denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y é limite de


uma seqüência de pontos de X.

Observação 2.9 X é denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q


são densos em R, pois, como já vimos, Q = R − Q = R.

Observação 2.10 Se J é um intervalo não-degenerado, então J ∩ Q e


J∩(R−Q) são densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma seqüência
(xn ) de pontos de J ∩ Q e uma seqüência (yn ) de pontos de J ∩ (R − Q)
que convergem para a (verifique!).

Observação 2.11

140 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se


(y − ε, y + ε) ∩ X 6= ∅.
• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, todo intervalo aberto que contém algum
ponto de Y contém, necessariamente, algum ponto de X.
Em particular, X ⊂ R é denso em R se, e só se, I ∩ X 6= ∅ para todo
intervalo aberto I.
Assim, dizer que X é denso em R a partir da definição acima, coincide
com a definição dada anteriormente.

Teorema 2.4 Todo conjunto X de números reais contém um subcon-


junto enumerável E denso em X.

Prova.
• Se X é finito, então X é denso em si mesmo, pois X = X.
• Suponhamos, agora, que X não é finito.
Dado n ∈ N, podemos exprimir R como união enumerável de intervalos
1
de comprimento :
n
[ h p p + 1
R= , .
n n
p∈Z

h p p + 1
Se X ∩ , 6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa interseção.
n n

Afirmação: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos é enumerável.



De fato, como o conjunto A = (p, n) ∈ Z × N | X ∩ np , p+1
 
n
6
= ∅ é enu-
merável e a função
ϕ : A −→ X
(p, n) 7−→ xpn

é injetiva, temos que E = ϕ(A) é enumerável.

Afirmação: E é denso em X.
Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja
x ∈ I ∩ X.

Instituto de Matemática - UFF 141


Análise na Reta

1
Sejam n0 ∈ N tal que < max{d(a, x), d(b, x) } e p0 ∈ Z tal que
n0
   
p0 p0 + 1 p0 p0 + 1
x∈ , . Então, , ⊂ I, pois, caso contrário, terı́amos
n0 n0 n0 n0
1 1
que > d(a, x) ou > d(b, x).
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 5: x ∈ n0
, n ∩ (a, b) .
0

 
p0 p0 + 1
Logo, como x ∈ , ∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0 n0 ∈ E, que
n0 n0
 
p p +1
também pertence a I, pois xp0 n0 ∈ 0, 0 ⊂ I.
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 6: xp0 n0 ∈ n0
, n ⊂ I = (a, b) .
0

Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contém um ponto de


X, também contém um ponto xpn ∈ E.
Logo, E é denso em X.

Observação 2.12 O conjunto enumerável E dos extremos dos interva-


los omitidos na construção do conjunto de Cantor K é denso em K.
1
Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤ . Assim, pelo menos um dos inter-
2
valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) está contido em [0, 1], pois, caso contrário, 2ε
seria maior que 1.
Suponhamos, então, que [x, x + ε) ⊂ [0, 1].
1
Seja n0 ∈ N tal que < ε. Como depois da n0 −ésima etapa da
3n0
construção de K restam apenas intervalos de comprimento menor que
1
, alguma parte do intervalo [x, x + ε) é retirada na n0 −ésima etapa, ou
3n0
foi retirada antes.
Além disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode
ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrário, x
seria retirado.

142 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Logo, y ∈ E ∩ [x, x + ε) ⊂ E ∩ (x − ε, x + ε).


Mostramos, assim, que (x − ε, x + ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.

3. Pontos de acumulação

Definição 3.1 Seja X ⊂ R. Um número a ∈ R é ponto de acumulação


do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e
raio ε > 0, contém algum ponto x ∈ X diferente de a.
O conjunto dos pontos de acumulação de X, também chamado o derivado
de X, será representado por X 0 .
Simbolicamente, temos que a ∈ X 0 se, e só se,
• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x − a| < ε
ou
• ∀ ε > 0 , (a − ε, a + ε) ∩ (X − {a}) 6= ∅ .

Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(1) a ∈ X 0 ;
(2) a = lim xn , onde (xn ) é uma seqüência de elementos de X, dois a dois
distintos;
(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos
de X.

Prova.
(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.
Suponhamos que foi possı́vel determinar pontos x1 , x2 , . . . , xn ∈ X tais que
1
0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| < , j = 2, . . . , n.
j

Existe, então, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde



1
ε = min , |xn − a| .
n+1

Instituto de Matemática - UFF 143


Análise na Reta

Com isso, construı́mos uma seqüência (xn ) de pontos de X dois a dois


1
distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| < ,
n
para todo n ∈ N.
(2) =⇒ (3) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X dois a dois distintos
que converge para a e seja I um intervalo aberto que contém a.
Então, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n ≥ n0 .
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ I. Assim I contém uma infinidade de pontos de X,
pois os termos xn da seqüência são dois a dois distintos.

(3) =⇒ (1) É trivial verificar esta implicação.

Corolário 3.1 Se X 0 6= ∅, então X é infinito.

Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um número infinito de ı́ndices n ∈ N e


lim xn = a, então X 0 = {a}, onde X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é o conjunto
formado pelos termos da seqüência (xn ).
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0 .
Então, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1 − a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal
que xn1 ∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrário, terı́amos xn = a para
todo n ≥ n0 . Logo, a ∈ X 0 .
|b − a|
Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < para
2
todo n ≥ n0 .
|b − a|
Logo, |xn − b| > para todo n ≥ n0 .
2
|b − a|
Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε = > 0, contém apenas
2
um número finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X 0 .
Assim, X 0 = {a}.

1 1
1 1
Em particular, X 0 = {0}, onde X = 1 , , . . . , , . . . , pois → 0 e 6= 0
2 n n n

1 1

para todo n ∈ N, e Y 0 = {a}, onde Y = a, a + 1, a, a + , . . . , a, a + , . . . ,
2 n
1
pois a seqüência cujos termos são yn = a para n ı́mpar e yn = a + ,
n

144 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.


• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, então X 0 = ∅, pois X = {a} é
um conjunto finito.

Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K é um ponto de


acumulação de K, ou seja, K ⊂ K 0 .
Suponhamos, primeiro, que x não pertence ao conjunto E das extremida-
des dos intervalos retirados. Como E é denso em X, dado ε > 0, existe
y ∈ E tal que y ∈ (x − ε, x + ε). Então, existe y ∈ K tal que 0 < |y − x| < ε.
Logo, x ∈ K 0 .
Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x é a extremidade direita do in-
tervalo (a, x) retirado na n0 −ésima etapa da construção do conjunto de
Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1 ]. Na etapa seguinte, será
omitido o terço médio do intervalo [x, b1 ], sobrando um intervalo [x, b2 ] ⊂
[x, b1 ]. Assim, nas outras etapas, sobrarão [x, b3 ] , [x, b4 ] , . . . , [x, bn ] , . . .,
com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e lim bn = x ,
1
pois |x − bn | = , para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K 0 .
3n0 +n−1
De modo análogo, podemos provar que se x ∈ E é a extremidade es-
querda de um intervalo retirado durante a construção do conjunto de Can-
tor, então x ∈ K 0 .
1 1
Observe, também, que 0, 1 ∈ K 0 , pois n
, 1 − n ∈ E ⊂ K, para todo
3 3
1 1
n ∈ N, e −→ 0 e 1 − n −→ 1.
3n 3
Assim, todo ponto de K é um ponto de acumulação de K.

Exemplo 3.3 Q 0 = (R − Q) 0 = R 0 = R, pois todo intervalo aberto de R


contém uma infinidade de números racionais e irracionais (por quê?).

Exemplo 3.4 (a, b) 0 = [a, b) 0 = (a, b] 0 = [a, b] 0 = [a, b] (verifique!).

Definição 3.2 Um ponto a ∈ X que não pertence a X 0 é um ponto iso-


lado de X.
Assim, a ∈ X é um ponto isolado de X se, e só se, existe ε > 0 tal que
(a − ε, a + ε) ∩ X = {a}.

Instituto de Matemática - UFF 145


Análise na Reta

Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z é um ponto isolado de Z, pois


(a − 1, a + 1) ∩ Z = {a}.

Observação 3.1 X não possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X 0 .


Em particular, Q e o conjunto de Cantor K não possuem pontos isolados,
pois Q ⊂ Q 0 = R e K ⊂ K 0 .

Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X 0 .


Ou seja, o fecho de um conjunto X é obtido acrescentando-se a X os seus
pontos de acumulação.

Prova.
Pela definição de ponto aderente e de ponto de acumulação, temos que
X ⊂ X e X 0 ⊂ X. Logo, X ∪ X 0 ⊂ X.

Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.


Então, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,
x ∈ (a − ε, a + ε) ∩ X.
Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X − {a} 6= ∅.

Assim, se a ∈ X, então a ∈ X ou a ∈ X 0 , isto é, X ⊂ X ∪ X 0 .

Observação 3.2 X e X 0 podem ter interseção não-vazia. Por exemplo,


se X = (0, 1), então X 0 = [0, 1].

Corolário 3.2 X é fechado se, e somente se, X 0 ⊂ X.

Prova.
X é fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X 0 ⇐⇒ X 0 ⊂ X.

Exemplo 3.6 Se K é o conjunto de Cantor, então K = K 0 , pois K é


fechado, ou seja, K 0 ⊂ K, e também K ⊂ K 0 , pelo exemplo 3.2.

Corolário 3.3 Um conjunto X ⊂ R é fechado sem pontos isolados se, e


somente se, X 0 = X.

146 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Corolário 3.4 Se todos os pontos do conjunto X são isolados, então X


é enumerável.

Prova.
Seja E ⊂ X um subconjunto enumerável denso em X, ou seja, X ⊂ E.

Seja x ∈ X. Então x ∈ E. Como x 6∈ X 0 , temos, também, que x 6∈ E 0 , pois


E ⊂ X.
Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X é enumerável.

Definição 3.3 Dizemos que a é ponto de acumulação à direita de X


quando (a, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Indicaremos X+0 o conjunto dos pontos de acumulação à direita de X.

Observação 3.3 a é ponto de acumulação à direita de X ⇐⇒ todo in-


tervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contém uma infinidade de pontos de
X ⇐⇒ a é ponto de acumulação de X ∩ [a, +∞) ⇐⇒ a é limite de uma
seqüência decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)
contém algum ponto de X.
Verifiquemos apenas que a é ponto de acumulação à direita de X se, e só
se, a é limite de uma seqüência decrescente de pontos de X.
• De fato, seja (xn ) uma seqüência decrescente de pontos de X que con-
verge para a e seja ε > 0.
Então, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0 , pois
a = inf{xn | n ∈ N}, já que (xn ) é decrescente e converge para a.
Além disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ X ∩ (a, a + ε), ou seja, X ∩ (a, a + ε) é infinito.
Suponhamos, agora, que a é ponto de acumulação à direita de X.
Seja x1 ∈ (a, a + 1) ∩ X. Suponhamos que seja possı́vel encontrar pontos
1
x1 , . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a + , j = 1, . . . , n.
j

1
Seja ε = min , xn − a > 0.
n+1
Então, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a + ε.

Instituto de Matemática - UFF 147


Análise na Reta

1
Logo, a < xn+1 < a + e xn+1 < a + xn − a = xn .
n+1

Isto completa a definição, por indução, da seqüência (xn ) decrescente de


1
pontos de X tal que a < xn < a + para todo n ∈ N.
n
Logo, lim xn = a.

Definição 3.4 Dizemos que a é ponto de acumulação à esquerda de X,


quando (a − ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.
Indicaremos por X−0 o conjunto dos pontos de acumulação à esquerda de
X.

Observação 3.4 a ∈ X−0 ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a − ε, a),


ε > 0, contém uma infinidade de pontos de X ⇐⇒ a é ponto de acumulação
do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a é limite de uma seqüência crescente de
pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contém algum ponto de X.

Exemplo 3.7 Se X = 1, 12 , . . . , n1 , . . . , então 0 é ponto de acumulação
à direita de X, mas não é ponto de acumulação à esquerda de X. 

Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) é ponto de acumulação à es-


querda e à direita de X, mas a é apenas ponto de acumulação à direita de
X e b é apenas ponto de acumulação à esquerda de X.

Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Já provamos que K = K 0 .


• O ponto 0 é apenas ponto de acumulação à direita e o ponto 1 é apenas
ponto de acumulação à esquerda de K.
• se a ∈ K é extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, então
a é apenas ponto de acumulação à esquerda de K.
De fato, se (a, x) é o intervalo aberto retirado na n0 −ésima etapa, vai
1
restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1 , a] de comprimento . E,
3n0
nas etapas seguintes, vão sobrar intervalos [b2 , a], [b3 , a], . . . , [bn , a], . . .,
1
tais que [bn+1 , a] ⊂ [bn , a] e a − bn = para todo n ∈ N.
3n0 +n+1
Assim, (bn ) é uma seqüência crescente de pontos de K tais que bn → a.
Logo, a ∈ K−0 .

148 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K+0 .


• Se a é extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, então a
é apenas ponto de acumulação à direita de K. A demonstração é análoga
à anterior.
• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, então a é ponto de acumulação à esquerda e
à direita de K.
De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que
(a − ε, a) ∩ X = ∅.
Então, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) é um dos intervalos abertos retirados.
Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que é absurdo.
Assim, a é ponto de acumulação à esquerda de K.
De modo análogo, podemos provar que a é ponto de acumulação à direita
de K.

Lema 3.1 Seja F ⊂ R não-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para


todo x ∈ R, existe Fx limitado, não-vazio, fechado e sem pontos isolados
tal que x 6∈ Fx ⊂ F.

Prova.
Como F 0 = F e F 6= ∅, temos que F 0 6= ∅. Logo, F = F 0 é infinito. Então,
existe y ∈ F tal que y 6= x.
Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).
Seja G = (a, b) ∩ F. Então, G é limitado e não-vazio, pois y ∈ G. Além
disso, G não possui pontos isolados.
De fato, se c é um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que
(c − ε, c + ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.
Então, para ε 0 = min{ε, b − c, c − a}, temos
(c − ε 0 , c + ε 0 ) ⊂ (a, b) ∩ (c − ε, c + ε)
e, portanto, (c − ε 0 , c + ε 0 ) ∩ F = {c}, o que é absurdo, pois F não possui
pontos isolados.
Se G é fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.
Suponhamos que G não é fechado.

Instituto de Matemática - UFF 149


Análise na Reta

Como G ⊂ [a, b] ∩ F, então ou a ∈ G 0 ou b ∈ G 0 .


Acrescentamos, então esse(s) ponto(s) a G para obter Fx .

Assim, x 6∈ Fx , Fx é fechado e não é vazio, pois Fx = G. Além disso, Fx não


possui pontos isolados.
De fato, já provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, então c não é ponto isolado
de G, e, portanto, não é ponto isolado de G.

Suponhamos que a ∈ G é ponto isolado de G. Então a ∈ G 0 , e, portanto,


a é ponto de acumulação de G, o que é absurdo.

De modo análogo, prova-se que b não é ponto isolado de G, caso b ∈ G.

Logo, Fx = G não possui pontos isolados.

Teorema 3.3 Se F é um conjunto não-vazio, fechado e sem pontos iso-


lados, então F é não-enumerável.

Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de F.
Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 não-vazio, limitado, fechado, e
sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.
Suponhamos que existem subconjuntos F1 , F2 , . . . , Fn , não-vazios, limita-
dos, fechados e sem pontos isolados tais que
Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F e xj 6∈ Fj , para todo j = 1, . . . , n.
Então, pelo lema, existe Fn+1 não-vazio, limitado, fechado e sem pontos
isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn .
Obtemos, assim, uma seqüência decrescente (Fn ) de conjuntos não-vazios,
fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo
n ∈ N.
Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn . A seqüência (yn ) é
limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 é limitado.
Logo, a seqüência (yn )n∈N possui uma subseqüência (ynk )k∈N conver-
gente.
Seja y = lim ynk .
k→∞

150 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Dado j ∈ N, temos que ynk ∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj , para todo


j ∈ N, pois Fj é fechado e ynk → y.
Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F
não é enumerável.

Corolário 3.5 Todo conjunto fechado não-vazio enumerável possui al-


gum ponto isolado.

Corolário 3.6 O conjunto de Cantor é não-enumerável.

4. Conjuntos compactos

Definição 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R é uma famı́lia


[
C = (Cλ )λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂ Cλ .
λ∈L

Uma subcobertura de C é uma subfamı́lia C 0 = (Cλ )λ∈L 0 , L 0 ⊂ L, tal que


[
X⊂ Cλ .
λ∈L 0

h1 3i
Exemplo 4.1 Seja X = , e seja C = {C1 , C2 , C3 } uma famı́lia de
3 4
subconjuntos de R, onde
 2 1  1 9 
C1 = 0, , C2 = ,1 e C3 = , .
3 3 2 10
Então, C é uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e
C 0 = {C1 , C2 } é uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).

Exemplo 4.2 C = (Cn )n∈Z , onde Cn = [n, n+1), n ∈ Z, é uma cobertura


de R que não possui uma subcobertura própria, pois os conjuntos Cn são
dois a dois disjuntos.


1 1

Exemplo 4.3 Seja X = 1, , . . . , , . . . . Então X é infinito e todos os
2 n
seus pontos são isolados, pois X = {0} e, portanto, X ∩ X 0 = ∅.
0

Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix ∩X = {x}.

Instituto de Matemática - UFF 151


Análise na Reta

[ [ [
Como X = {x} ⊂ Ix ⊂ X, temos que X = Ix , ou seja C = (Ix )x∈X é
x∈X x∈X x∈X

uma cobertura de X.
Mas C não possui uma subcobertura própria, pois se x ∈ X, então x 6∈ Iy ,
para todo y 6= x, y ∈ X, já que Iy ∩ X = {y}.

Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)


Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famı́lia (Iλ )λ∈L de
[
intervalos abertos tais que [a, b] ⊂ Iλ , existe um número finito deles
λ∈L

Iλ1 , . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]
por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.

Prova.
Seja
X = {x ∈ [a, b] [a, x] pode ser coberto por um número finito dos intervalos Iλ } .

Como X é limitado e não-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = sup X.

Afirmação: c ∈ X.
Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].
Então existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0 = (α, β).
Sendo α < sup X = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,
existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn .
Então, [a, c] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , pois [x, c] ⊂ (α, β) = Iλ0 . Logo, c ∈ X.

Afirmação: c = b.
Suponhamos que c < b. Então existe c 0 ∈ Iλ0 tal que c < c 0 < b.
Assim, [a, c 0 ] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , ou seja, c 0 ∈ X, o que é absurdo, pois
c 0 > c = sup X.
Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] está contido numa união finita dos
I λ .

Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)


Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma sub-
cobertura finita.

152 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Prova.
Seja C = (Aλ )λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ é aberto.
Seja x ∈ [a, b]. Então existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,
existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .
[
Logo, [a, b] ⊂ Ix . Pelo teorema anterior, existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b]
x∈[a,b]

tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ Ix2 ∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn .

Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)


Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Então toda cobertura
[
F⊂ Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura
λ∈L

finita.

Prova.
Sejam A = R − F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].
!
[
Logo, [a, b] ⊂ Aλ ∪ A. Como A é aberto, temos, pelo teorema
λ∈L

anterior, que existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn ∪ A .


Então, F ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn , pois F ∩ A = ∅.

Observação 4.1 As três formas do teorema de Borel-Lebesgue anteri-


ores são equivalentes.

Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n, n) )n∈N de R não possui


uma subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos abertos da
forma (−n, n) coincide com o maior deles e, portanto, não pode ser R.
Observe, neste caso, que R é fechado, mas não é limitado.

1 
Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta ,2
n n∈N

que não possui subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos
1 
da forma , 2 é o maior deles e, portanto, não pode conter (0, 1].
n
Neste exemplo, o intervalo (0, 1] é limitado, mas não é um conjunto fe-
chado.

Instituto de Matemática - UFF 153


Análise na Reta

Teorema 4.4 As seguintes afirmações a respeito de um conjunto K ⊂ R


são equivalentes.
(1) K é fechado e limitado.
(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura
finita.
(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulação per-
tencente a K.
(4) Toda seqüência de pontos de K possui uma subseqüência que con-
verge para um ponto de K.

Prova.
(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.
(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulação em K.
Vamos provar que X é finito.
Seja x ∈ K. Como x 6∈ X 0 , existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩ X = {x}
se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.
[
Como K ⊂ Ix , existem x1 , . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1 ∪. . .∪Ixn . Então,
x∈K

X ⊂ (Ix1 ∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1 , . . . , xn } .


Logo, X é finito.
(3) =⇒ (4) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de K.
Então X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é um conjunto finito ou infinito.
Se X é finito, então existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de
ı́ndices n ∈ N, ou seja, existe N 0 ⊂ N infinito tal que xn = a para todo
n ∈ N 0 . Logo, a subseqüência (xn )n∈N 0 é convergente.
Se X é infinito, existe a ∈ K que é ponto de acumulação de X. Então,
para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contém infinitos pontos
de X e, portanto, contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente grandes.
Logo, a é valor de aderência da seqüência (xn ) ou seja, a é limite de uma
subseqüência de (xn ).
(4) =⇒ (1) Suponhamos que K não é limitado superiormente. Então, para
todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.

154 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Seja (xn )n∈N 0 uma subseqüência de (xn ). Como N 0 ⊂ N é ilimitado, para


todo n ∈ N existe n 0 ∈ N 0 tal que n 0 > n.
Logo, xn 0 > n 0 > n. Então, a subseqüência (xn )n ∈ N 0 não é limitada
superiormente e, portanto, não é convergente.
Assim, a seqüência (xn )n∈N de pontos de K não possui uma subseqüência
convergente, o que é absurdo. Logo, K é limitado superiormente.
De modo análogo, podemos provar que K é limitado inferiormente. Então,
K é limitado.
Seja (xn ) uma seqüência convergente de pontos de K com lim xn = x.
Como (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um
ponto de K e lim xnk = x, temos que x ∈ K.
k→∞

Logo, K é fechado.

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais e seja
X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}.
Como X é limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Então, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X é fechado e limitado. Logo, pelo teorema


anterior, a seqüência (xn ) de pontos de X possui uma subseqüência con-
vergente.

Corolário 4.2 (Bolzano-Weierstrass)


Todo conjunto limitado e infinito de números reais possui um ponto de
acumulação.

Prova.
Seja X um conjunto limitado e infinito de números reais. Então, existem
a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Logo, X ⊂ [a, b]. Então, X é fechado, limitado, e X ⊂ X é infinito. Assim,


pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulação.

Instituto de Matemática - UFF 155


Análise na Reta

Definição 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R é compacto se toda


cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.

Observação 4.2 K é compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, por-
tanto todas) as afirmações do teorema 4.4.

Exemplo 4.6

1 1

• O conjunto Y = 0, 1, , . . . , , . . . é compacto, pois Y = X = X ∪ X 0 ,
2 n

1 1

onde X = 1, , . . . , , . . . .
2 n
• O conjunto de Cantor é compacto.
• Os intervalos do tipo [a, b] são compactos.
• R, Q e Z não são compactos porque não são limitados.

• Q ∩ [0, 1] não é compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]


não é fechado.

Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma seqüência


\
decrescente de compactos não-vazios. Então K = Kn é não-vazio e
n∈N

compacto.

Prova.
O conjunto K é fechado, pois é interseção de uma famı́lia de conjuntos
fechados, e é limitado, pois K ⊂ K1 e K1 é limitado (por ser compacto).
Logo, K é compacto.
Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn . Então, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em
particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.
Como K1 é compacto, a seqüência (xn ) de pontos de K1 possui uma sub-
seqüência convergente (xnk ). Seja x = lim xnk .
k→∞

Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0 ≥ j. Então, xnk ∈ Kj , para todo


k ≥ k0 , já que nk ≥ nk0 ≥ j.
Logo, xnk −→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj é fechado para todo j ∈ N.
Ou seja, x ∈ K.

156 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Aplicação do Teorema de Borel-Lebesgue

Definição 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e


[a, b) é o número b − a.

n
[ X
n
Proposição 4.1 Se [a, b] ⊂ (ai , bi ), então b − a < (bi − ai ).
i=1 i=1

Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai , bi ) ∩ [a, b] 6= ∅ para
todo i.
Sejam c1 < c2 < . . . < ck os números ai e bj ordenados de modo cres-
cente.
k−1
[
Então {a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn } ∩ (cj , cj+1 ) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj , cj+1 ) e
j=1

bk 6∈ (cj , cj+1 ) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k − 1.


Além disso, c1 < a e ck > b. Logo, b − a < ck − c1 , ou seja,
b − a < (ck − ck−1 ) + . . . + (c3 − c2 ) + (c2 − c1 ) = ck − c1 .
Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum
intervalo (ai , bi ).
• cj ∈ [a, b]
Neste caso, cj ∈ (ai , bi ) para algum i = 1, . . . , n. Como bi não está entre
cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).

Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .

• cj < a
Neste caso, cj não pode ser um dos bi , pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩
[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi não pode estar
entre cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi )

Fig. 8: Caso cj < a .

Instituto de Matemática - UFF 157


Análise na Reta

• cj > b
Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,
pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj , cj+1 ), temos que
ai ≤ cj e, portanto, (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).
Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,
bi = cp+q e p + q ∈ {1, . . . , k}. Então,
bi − ai = (cp+q − cp+q−1 ) + . . . + (cp+1 − cp ) .
X
n
Logo, (bi − ai ) é uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj , sendo que
i=1

cada parcela cj+1 − cj , j = 1, . . . , k − 1, aparece pelo menos uma vez, pois


cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum intervalo (ai , bi ).

Fig. 9: Posição relativa do intervalo (a, b) entre os (ai , bi ) .

X
k−1 X
n
Assim, b − a < (cj+1 − cj ) ≤ (bi − ai ) . 
j=1 i=1


[ X

Proposição 4.2 Se [a, b] ⊂ (an , bn ) então (b − a) < (bn − an ) .
n=1 n=1

Prova.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1 , . . . , nk ∈ N tais que
[a, b] ⊂ (an1 , bn1 ) ∪ . . . ∪ (ank , bnk ) .
Então, pela proposição anterior, b − a < (bn1 − an1 ) + . . . + (bnk − ank ) .
X

Portanto, b − a < (bn − an ) .
n=1

X

Proposição 4.3 Se (bn − an ) < b − a, então o conjunto
n=1

[
X = [a, b] − (an , bn )
n=1

é não-enumerável.

158 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Prova.
X

Seja c = (b − a) − (bn − an ) > 0, e suponha que X = {x1 , . . . , xn , . . .} é
n=1

enumerável.
c
Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raio n+2 . Logo,
2
∞ ∞
! !
[ [
[a, b] ⊂ (an , bn ) ∪ Jn . (?)
n=1 n=1

Mas,

X ∞
X ∞
X ∞
X ∞
1 cX 1
(bn − an ) + |Jn | = (bn − an ) + c = (b − a) − c +
2n+1 2 2n
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
c c
= (b − a) − c + = (b − a) − < b − a ,
2 2
o que contradiz (?), pela proposição anterior.

Aplicações
(A) Existe uma coleção de intervalos abertos cujos centros são todos
os números racionais do intervalo [a, b] que não é uma cobertura de [a, b].
• Seja X = {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos racionais contidos no
intervalo [a, b].
b−a
Para cada n ∈ N, seja (an , bn ) o intervalo aberto de centro rn e raio .
2n+2
X

b−a X ∞
Então, (bn − an ) = < b − a . Logo, [a, b] − (an , bn ) não
2
n=1 n=1

[
é vazio, pois não é enumerável, ou seja, [a, b] 6⊂ (an , bn ).
n=1

(B) Existe um conjunto fechado, não-enumerável, formado apenas


por números irracionais.
Com efeito, sejam (an , bn ), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.
Então
∞ ∞
!
[ [
X = [a, b] − (an , bn ) = [a, b] ∩ R− (an , bn )
n=1 n=1

é fechado, não enumerável e formado apenas por números irracionais.

Instituto de Matemática - UFF 159


Definição e propriedades do limite

Parte 5

Limites de funções

Voltaremos à noção de limite sob uma forma mais ampla, conside-


rando, agora, funções reais de variável real, f : X −→ R, com X ⊂ R, em
vez de sequências.

1. Definição e propriedades do limite

Definição 1.1 Seja f : X −→ R uma função definida num subconjunto


X ⊂ R e seja a ∈ X 0 um ponto de acumulação.
Dizemos que o número real L é o limite de f(x) quando x tende para a e
escrevemos
lim f(x) = L
x→a

quando para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) =⇒ |f(x) − L| < ε

Assim, simbolicamente escrevemos:


lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X e 0 < |x − a| < δ =⇒ |f(x) − L| < ε
x→a
⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f ( (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) ) ⊂ (L − ε, L + ε) .

Ou seja, lim f(x) = L quando é possı́vel tornar f(x) arbitrariamente


x→a

próximo de L, desde que se tome x ∈ X suficientemente próximo de a e


diferente de a.

Instituto de Matemática - UFF 161


Análise na Reta

lim f(x) = L quando a ∈ X 0 ,


Observação 1.1 Só tem sentido escrever x→a
pois se a 6∈ X 0 , todo número real L seria limite de f(x) quando x tende
para a.
De fato, como a 6∈ X 0 , existe δ0 > 0 tal que (X − {a}) ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) = ∅.
Então, para cada ε > 0 dado, existe δ = δ0 > 0, tal que
∅ = f ( (X − {a}) ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) ) ⊂ (L − ε, L + ε) ,
qualquer que seja L ∈ R.

Observação 1.2 O ponto a pode pertencer ou não ao domı́nio X. Mesmo


quando a ∈ X, o valor f(a) não interfere na determinação de lim f(x), pois
x→a

tal limite, quando existe, depende apenas dos valores f(x) para x próximo
e diferente de a.
É possı́vel ter-se lim f(x) 6= f(a).
x→a

1 , se x ∈ R − {0}
Por exemplo, se f : R → R é a função definida por f(x) =
0 , se x = 0 ,

então lim f(x) = 1 6= 0 = f(0).


x→0

Observação 1.3 Se x→a


lim f(x) = L então L é aderente ao conjunto f(X −

{a}), pois todo intervalo aberto de centro L contém pontos deste conjunto.

Tem-se, também, que L ∈ f(Vδ ), onde Vδ = (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) e


δ > 0.

Teorema 1.1 (Unicidade do limite)


Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 .
Se lim f(x) = L1 e lim f(x) = L2 , então L1 = L2 .
x→a x→a

Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
ε
• x ∈ X − {a} e 0 < |x − a| < δ1 =⇒ |f(x) − L1 | < ;
2
ε
• x ∈ X − {a} e 0 < |x − a| < δ2 =⇒ |f(x) − L2 | < .
2

162 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Como a ∈ X 0 , existe x0 ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).


Logo,
ε ε
|L1 − L2 | ≤ |L1 − f(x0 )| + |f(x0 ) − L2 | < + = ε.
2 2
Ou seja, |L1 − L2 | < ε para todo ε > 0. Logo, L1 = L2 , pois, se L1 6= L2 ,
|L1 − L2 | |L − L2 |
terı́amos que |L1 −L2 | < , para ε = 1 > 0, o que é absurdo.
2 2

Teorema 1.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R, a ∈ X 0 . Seja Y ⊂ X tal que


O teorema 1.2 é análogo à
a ∈ Y 0 e seja g = f|Y . afirmação de que toda sub-
seqüência de uma seqüência
Se lim f(x) = L, então lim g(x) = L . convergente é também conver-
x→a x→a
tente e tem o mesmo limite.

Prova.
Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε qualquer que seja
x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .
Então, |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Logo, lim g(x) = L.
x→a

Teorema 1.3 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Se I é um intervalo


O teorema 1.3 diz que a ex-
aberto que contém a, Y = I ∩ X, g = f|Y e lim g(x) = L, então lim f(x) = L. istência e o valor do limite de
x→a x→a
uma função f depende apenas
do comportamento de f numa
Prova. vizinhança de a.

Seja δ0 > 0 tal que (a − δ0 , a + δ0 ) ⊂ I. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal


que |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (I ∩ X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Tome δ 0 = min{δ, δ0 }. Então,
(I ∩ X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ) = (X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ) ,
pois (a − δ 0 , a + δ 0 ) ⊂ I.
Logo, |f(x) − L| = |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ).
Portanto, lim f(x) = L.
x→a

Teorema 1.4 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Se existe x→a


lim f(x),

então f é limitada numa vizinhança de a, ou seja, existem A > 0 e δ > 0


tais que |f(x)| < A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 163


Análise na Reta

Prova.
Seja L = limx→a f(x). Dado ε = 1 > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < 1
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Então, |f(x)| ≤ |f(x) − L| + |L| < 1 + |L| = A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a −
δ, a + δ).

Teorema 1.5 (Princı́pio do Sandwiche)


Sejam X ⊂ R, f, g, h : X −→ R e a ∈ X 0 . Se limx→a f(x) = limx→a h(x) = L
e f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo x ∈ X − {a}, então limx→a g(x) = L .

Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
ε
• |f(x) − L| < se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ1 .
2
ε
• |h(x) − L| < se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ2 .
2
Tome δ = min{δ1 , δ2 }. Então,
L − ε ≤ f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) ≤ L + ε ,
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo, lim g(x) = L. 
x→a

Teorema 1.6 Sejam X ⊂ R, f, g : X → R e a ∈ X 0 .


Se lim f(x) = L < lim g(x) = M, então existe δ > 0 tal que x ∈ X,
x→a x→a

0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < g(x).

Prova.
M−L L+M
Seja ε = > 0. Então, L + ε = = M − ε e existe δ > 0
2 2
tal que L − ε < f(x) < L + ε = M − ε e M − ε < g(x) < M + ε para todo
x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
M+L
Logo, f(x) < < g(x), ou seja, f(x) < g(x) para todo x ∈ (X − {a}) ∩
2
(a − δ, a + δ).

Corolário 1.1 Se x→a


lim f(x) = L > 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X,

0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) > 0.

164 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

Corolário 1.2 Se x→a


lim f(x) = L, lim g(x) = M e f(x) ≤ g(x) para todo
x→a

x ∈ X − {a}, então L ≤ M.

Teorema 1.7 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Então x→a


lim f(x) = L

se, e só se, lim f(xn ) = L para toda seqüência (xn ) ⊂ X − {a} tal que
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Prova.
Suponhamos que lim f(x) = L e que lim xn = a, com xn ∈ X − {a}
x→a n→∞

para todo n ∈ N. Então, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que |f(x) − L| < ε
para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.
Como lim xn = a e xn 6= a para todo n ∈ N, existe n0 ∈ N tal que
n→∞

0 < |xn − a| < δ para todo n > n0 .


Logo, |f(xn ) − L| < ε para todo n > n0 . Assim, lim f(xn ) = L.
n→∞

Suponhamos, agora, que lim f(x) 6= L. Então existe ε0 > 0 tal que para
x→a
1
todo n ∈ N podemos obter xn ∈ X tal que 0 < |xn −a| < e |f(xn )−L| ≥ ε0 .
n
Logo, lim xn = a, mas lim f(xn ) 6= L.
n→∞ n→∞

Corolário 1.3 Existe x→a


lim f(x)se, e só se, lim f(xn ) existe e independe
n→∞

da seqüência (xn ) ⊂ X − {a} com lim xn = a.


n→∞

lim f(xn ) para toda seqüência (xn ) ⊂ X − {a}


Corolário 1.4 Se existe n→∞
tal que lim xn = a, então existe lim f(x).
n→∞ x→a

Prova.
Basta provar que lim f(xn ) independe da seqüência (xn ) ⊂ X − {a} com
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Suponhamos, por aburdo, que existem duas seqüências (xn ) e (yn ) de


pontos de X − {a} tais que lim xn = lim yn = a, mas lim f(xn ) = L 6=
n→∞ n→∞ n→∞

M = lim f(yn ).
n→∞

Instituto de Matemática - UFF 165


Análise na Reta

Então, a seqüência (zn ) ⊂ X − {a}, dada por z2n = xn e z2n−1 = yn , é uma


seqüência de pontos de X − {a} que converge para a, mas que (f(zn )) não
converge, porque possui duas subseqüências (f(z2n )) e (f(z2n−1 )) que
convergem para limites diferentes.
Logo, o valor de lim f(xn ) independe da seqüência (xn ) com xn ∈ X − {a}
n→∞

e lim xn = a. Então, pelo corolário 1.3, existe lim f(x).


n→∞ x→a

Teorema 1.8 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 , f, g : X −→ R.


Se lim f(x) = L e lim g(x) = M, então:
x→a x→a

(1) lim (f(x) ± g(x)) = L ± M .


x→a

(2) lim (f(x) g(x)) = L M .


x→a

f(x) L
(3) lim = , se M 6= 0.
x→a g(x) M

(4) Se lim f(x) = 0 e existe A > 0 tal que |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a},
x→a

então lim f(x) g(x) = 0.


x→a

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} com lim xn = a.
n→∞

• Então, lim (f(xn ) ± g(xn )) = L ± M e lim (f(xn ) g(xn )) = L M, pois


n→∞ n→∞

lim f(xn ) = L e lim g(xn ) = M.


n→∞ n→∞

Logo, pelo teorema 1.7


lim (f(x) ± g(x)) = L ± M e lim (f(x) g(x)) = L M .
x→a x→a

• Se M 6= 0, temos, pelo teorema 1.6, que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Como lim xn = a e xn ∈ X − {a},
n→∞

existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ para todo n > n0 . Logo, g(xn ) 6= 0
f(xn ) L
para todo n > n0 e lim = .
n→∞ g(xn ) M

f(x)
Assim, pelo teorema 1.7, tem sentido para todo x suficientemente
g(x)
f(x) L
próximo e diferente de a e lim = .
x→a g(x) M

166 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

• Se lim f(x) = 0 e |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a}, então lim f(xn ) = 0


x→a n→∞

e (g(xn )) é uma seqüência limitada. Logo, lim (f(xn ) g(xn )) = 0. Assim,


n→∞

pelo teorema 1.7, lim (f(x) g(x)) = 0.


x→a

f(x) f(x)
Observação 1.4 Se x→a
lim g(x) = 0 e existe lim ou o quociente
x→a g(x) g(x)
é limitado numa vizinhança de a, então, pelo teorema acima,
 
f(x)
lim f(x) = lim g(x) = 0.
x→a x→a g(x)

Logo, se lim g(x) = 0 e lim f(x) 6= 0 ou não existe lim f(x), então o quo-
x→a x→a x→a

f(x)
ciente não é sequer limitado numa vizinhança de a.
g(x)

Teorema 1.9 (Critério de Cauchy para limites de funções)


Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Então existe lim f(x) se, e só se, para
x→a

todo ε > 0 dado, existe δ > 0, tal que |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam
x, y ∈ ( X − {a} ) ∩ (a − δ, a + δ) .

Prova.
ε
lim f(x) = L, então, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(x) − L| <
(=⇒) Se x→a
2
para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.
Logo,
ε ε
|f(x) − f(y)| ≤ |f(x) − L| + |f(y) − L| < + = ε,
2 2
quaisquer que sejam x, y ∈ X, 0 < |x − a| < δ e 0 < |y − a| < δ.

(⇐=) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} com n→∞


lim xn = a.

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x)−f(y)| < ε para x, y ∈ X, 0 < |x−a| <
δ e 0 < |y − a| < δ.
Como lim xn = a e xn ∈ X − {a}, existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ
n→∞

para todo n > n0 .


Logo, |f(xn ) − f(xm )| < ε para todos n, m > n0 . Ou seja, a seqüência
(f(xn )) é de Cauchy e, portanto, converge.
Então, pelo corolário 1.4, existe lim f(x).
x→a

Instituto de Matemática - UFF 167


Análise na Reta

• Sejam X ⊂ R, Y ⊂ R, a ∈ X 0 , b ∈ Y 0 , f : X −→ R e g : Y −→ R tais que


f(X) ⊂ Y, lim f(x) = b e lim g(y) = c.
x→a y→b

Então, para x próximo de a, f(x) está próximo de b, mas pode ocor-


rer que f(x) = b para x arbitrariamente próximo de a. Neste caso, b ∈ Y e
lim (g ◦ f)(x) pode existir ou não. Caso exista, deve ser igual a g(b), que
x→a

pode ser diferente de c.

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R a função identicamente nula e seja



1 , se x 6= 0
g : R −→ R a função definida por g(x) =
0 , se x = 0 .

Então, lim f(x) = 0, lim g(y) = 1 e lim (g ◦ f)(x) = 0, que é diferente de


x→0 y→0 x→0

1.

Exemplo 1.2 Sejam f : R −→ R e g : R −→ R as funções definidas da


seguinte maneira:
 
0 , se x ∈ Q 0 , se y 6= 0
f(x) = e g(x) =
x , se x ∈ R − Q , 1 , se y = 0 .

Então, lim f(x) = 0 e lim g(y) = 0, mas não existe lim g(f(x)), pois
x→0 y→0 x→0

1 , se x ∈ Q
g ◦ f(x) =
0 , se x ∈ R − Q . 

Teorema 1.10 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, com f(X) ⊂ Y,


a ∈ X 0 e b ∈ Y ∩ Y 0.
Se lim f(x) = b e lim g(y) = g(b), então, lim (g ◦ f)(x) = g(b).
x→a y→b x→a

Prova.
Dado ε > 0 existe η > 0 tal que |g(y) − g(b)| < ε para todo y ∈ Y,
|y − b| < η.
Sendo lim f(x) = b, existe δ > 0 tal que |f(x) − b| < η para todo x ∈ X,
x→a

0 < |x − a| < δ.
Logo, |g(f(x)) − g(b)| < ε para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.

168 J. Delgado - K. Frensel


Exemplos de limites

2. Exemplos de limites

Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a função identidade, ou seja, f(x) = x


para todo x ∈ R.
Então, lim f(x) = lim x = a para todo a ∈ R.
x→a x→a

Por indução, lim xn = an para todo n ∈ N, porque se lim xj = aj , temos,


x→a x→a

pelo teorema 1.8, que


  
lim xj+1 = lim xj lim x = aj a = aj+1
x→a x→a x→a

Logo, pelo teorema 1.8, temos que se


p(x) = an xn + an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0
é um polinômio, então, para a ∈ R,
lim p(x) = an lim xn + an−1 lim xn−1 + . . . + a1 lim x + a0
x→a x→a x→a x→a
n n−1
= an a + an−1 a + . . . + a1 a + a0 = p(a) .

p(x)
Assim, se f(x) = é o quociente de dois polinômios, ou seja, f é uma
q(x)
função racional, então lim f(x) = f(a), se q(a) 6= 0.
x→a

Se q(a) = 0, então a é uma raiz de q(x) e, portanto, x − a divide q(x).


Seja m ≥ 1 tal que q(x) = (x − a)m q1 (x), com q1 (a) 6= 0, e seja n ≥ 0 tal
que p(x) = (x − a)n p1 (x), com p1 (a) 6= 0.
p1 (x) p (a) p (x)
Se m = n, lim f(x) = lim = 1 , pois f(x) = 1 para todo
x→a x→a q1 (x) q1 (a) q1 (x)
x 6= a.
p1 (x)
Se m < n, lim f(x) = 0, pois f(x) = (x − a)n−m para todo x 6= a.
x→a q1 (x)

p1 (x)
Se m > n, então lim f(x) não existe, pois f(x) = , onde o
x→a (x − a)m−n q1 (x)
denominador tem limite zero e o numerador não (ver observação 1.4).

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a função definida por



0 , se x ∈ Q
f(x) =
1 , se x ∈ R − Q .

Instituto de Matemática - UFF 169


Análise na Reta

Então, não existe lim f(x) para todo a ∈ R.


x→a

De fato, existe uma seqüência (xn ) de números racionais, xn 6= a, tal que


xn −→ a e existe uma seqüência (yn ), yn 6= a, de números irracionais tal
que yn −→ a. Então, lim f(xn ) = 0 e lim f(yn ) = 1. Logo, pelo corolário
n→∞ n→∞

1.3, não existe lim f(x).


x→a

Mas, se g(x) = (x − a)f(x), temos que lim g(x) = 0, pois lim (x − a) = 0 e


x→a x→a

f é limitada.

Exemplo 2.3 Seja f : Q −→ R a função definida por



1/q , se p/q é uma fração irredutı́vel com q > 0
f(x) =
1 , se x = 0 .

Como Q 0 = R, tem sentido falar em lim f(x) para todo a ∈ R.


x→a

Vamos provar que lim f(x) = 0 para todo a ∈ R.


x→a

Afirmação: Seja a ∈ R fixo. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que 0 <

p
− a < δ =⇒ 0 < 1 < ε, ou seja, q > 1 .

q q ε

1
Seja F = {q ∈ N | q ≤ } . Então, F é um conjunto fiinito. Para cada q ∈ F
ε
m
fixo, as frações , m ∈ Z, decompõem a reta em intervalos juxtapostos
q
1
de comprimento , pois
q
[  m m+1 
R= , .
q q
m∈Z

mq mq0
Para cada q ∈ F, seja mq ∈ Z o maior inteiro tal que < a. Seja 0 a
q q
m
maior das frações q , com q ∈ F, a qual existe, pois F é finito.
q

De modo análogo, para cada q ∈ F, seja nq ∈ Z o menor inteiro tal que


nq n 00
> a. Como F é finito, existe nq 00 ∈ Z tal que q00 é a menor das frações
q q
nq
, com q ∈ F.
q

170 J. Delgado - K. Frensel


Exemplos de limites

mq 0
Assim, é a maior fração que tem denominador em F e é menor do que
q0
nq 00
a, e é a menor fração com denominador em F que é maior do que
q 00
a. Então, salvo possı́velmente a, nenhum número racional do intervalo
 
mq 0 nq 00
0
, 00 pode ter denominador em F.
q q

m 0 n 00
Seja δ = min a − q0 , q00 − a . Então,
q q

p p p
0 < − a < δ =⇒ a − δ < < a + δ , 6= a
q q q
mq 0 p n 00 p
=⇒ 0
< < q00 , 6= a
q q q q
1 1
=⇒ q 6∈ F =⇒ q > =⇒ 0 < < ε
  ε q
p
=⇒ f − 0 < ε .
q
 
p
Logo, provamos que dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f − 0 < ε para
q

p p
todo ∈ Q, 0 < − a < δ. Assim, lim f(x) = 0 para todo a ∈ R.
q q x→a

Observação 2.1 Seja g : R −→ R a função definida por




0 , se x ∈ R − Q



g(x) = 1 , se x = 0



 1 p
 , se é irredutı́vel com q > 0 .
q q

Então, lim g(x) = 0 para todo a ∈ R.


x→a

x
Exemplo 2.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x + , ou seja,
|x|

x + 1 , se x > 0
f(x) =
x − 1 , se x < 0 .

Então, não existe lim f(x), pois


x→0
1 1   1  1  1
lim f = lim +1 =1 e lim f − = − 1 = − 1 = −1 .
n→∞ n n→∞ n n→∞ n n n


Instituto de Matemática - UFF 171


Análise na Reta

1
Exemplo 2.5 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por f(x) = sen .
x
Então não existe lim f(x).
x→0

De fato, seja c ∈ [−1, 1] e b ∈ R tal que sen b = c.


1
 
Então, a seqüência tende para zero e
b + 2πn n∈N
1
 
lim f = lim sen(2πn + b) = sen b = c .
n→∞ 2πn + b n→∞

1
Mas, como a função f é limitada, temos que lim g(x) sen = 0 para toda
x→0 x
função g : R − {0} −→ R tal que lim g(x) = 0.
x→0

1
Em particular lim xn sen = 0 para todo n ∈ N.
x→0 x

3. Limites laterais

Definição 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ R


é o limite à direita de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = lim+ f(x) ,
x→a

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a < x < a + δ

Simbolicamente, temos:
lim f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , a < x < a + δ =⇒ |f(x) − L| < ε" .
x→a+

ou
lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L − ε, L + ε) ∀ x ∈ X ∩ (a, a + δ) .
x→a+

Definição 3.2 Sejam X ⊂ R, a ∈ X−0 e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ R


é o limite à esquerda de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = lim− f(x) ,
x→a

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a − δ < x < a.

Simbolicamente, temos:

172 J. Delgado - K. Frensel


Limites laterais

lim f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , a − δ < x < a =⇒ |f(x) − L| < ε" ,
x→a−

ou
lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L − ε, L + ε) ∀ x ∈ X ∩ (a − ε, a) .
x→a−

Teorema 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 , f : X −→ R, Y = X ∩ (a, +∞) e Um resultado análogo ao teorema


g = f|Y . Então, lim+ f(x) = L se, e só se, lim g(x) = L. 3.1 vale para o limite à esquerda.
x→a x→a

Prova.
(=⇒) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f(x) ∈ (L − ε, L + ε) para todo
x ∈ X ∩ (a, a + δ).
Como (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ), temos que |g(x) − L| < ε
para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

(⇐=) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ).

Observação 3.1 Pelo teorema acima, o limite à direita e o limite à es-


querda são o limite de uma restrição de f. Assim, os teoremas 1.1 a
1.10 valem também para os limites laterais, substituindo nos enunciados
(a − δ, a + δ) por (a, a + δ) no caso de limite à direita, e (a − δ, a + δ) por
(a − δ, a) no caso de limite à esquerda.

Exemplo 3.1 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y,


a ∈ X+0 , b ∈ Y 0 ∩ Y.
Se lim+ f(x) = b e lim g(y) = g(b) então lim+ g(f(x)) = g(b).
x→a y→b x→a

Teorema 3.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X+0 ∩ X−0 . Então existe


lim f(x) se, e só se, existem e são iguais os limites laterais lim+ f(x) e
x→a x→a

lim f(x). Neste caso,


x→a−

lim f(x) = lim+ f(x) = lim− f(x) .


x→a x→a x→a

Prova.
(=⇒) Suponhamos que L = x→a
lim f(x). Sejam Y = (a, +∞) ∩ X e g = f|Y .

Instituto de Matemática - UFF 173


Análise na Reta

Como a ∈ Y 0 , pois a ∈ X+0 , temos, pelo teorema 1.2, que lim g(x) = L.
x→a

Então, pelo teorema 3.1, existe lim+ f(x) e é igual a L.


x→a

De modo análogo, podemos provar que o lim− f(x) existe e é igual a L.


x→a

(⇐=) Suponhamos que L = lim− f(x) = lim+ f(x).


x→a x→a

Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que


• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ1 ) ,
e
• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a − δ2 , a).
Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, temos que |f(x) − L| < ε para todo x tal que
x ∈ (X ∩ (a, a + δ)) ∪ (X ∩ (a − δ, a)) = (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .
Logo, lim f(x) = L. 
x→a

x
Exemplo 3.2 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x + . Como
|x|
f(x) = x + 1 para x ∈ (0, +∞) e f(x) = x − 1 para x ∈ (−∞, 0), temos que
lim f(x) = 1, lim− f(x) = −1 e não existe lim f(x).
x→0+ x→0 x→0

1
Exemplo 3.3 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = .
x
Então, 0 ∈ (R − {0})+0 ∩ (R − {0})−0 , mas não existem os limites laterais à
direita e à esquerda no ponto 0.

1
Exemplo 3.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = e− x .
Então, lim+ f(x) = 0, mas não existe lim− f(x), pois f(x) não é limitada
x→0 x→0

para x negativo próximo de 0.

Definição 3.3 Seja f : X ⊂ R −→ R. Dizemos que f é


• crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) < f(y).
• não-decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).
• decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) > f(y).
• não-crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≥ f(y).

174 J. Delgado - K. Frensel


Limites laterais

• monótona quando f é de algum dos quatro tipos acima.

Teorema 3.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 , b ∈ X−0 e f : X −→ R, uma função


monótona limitada. Então, existem os limites laterais
L = lim+ f(x) e M = lim− f(x).
x→a x→b

Prova.
Suponhamos que f : X −→ R é não-decrescente.
Seja a ∈ X+0 e seja A = {f(x) | x ∈ X e x > a}.
Como a ∈ X+0 e f é limitada, temos que A é não-vazio e limitado inferior-
mente. Então, existe L = inf A.
Afirmação: L = lim+ f(x) .
x→a

Dado ε > 0, existe x ∈ X, x > a, tal que L ≤ f(x) < L + ε.


Seja δ = x − a > 0. Então, para x ∈ X, a < x < a + δ = x temos que
L − ε < L ≤ f(x) ≤ f(x) < L + ε. Logo, lim+ f(x) = L.
x→a

Sejam, agora, b ∈ X−0 e B = {f(x) | x ∈ X e x < b}. Então, existe M =


sup B, pois B 6= ∅ e é limitado superiormente.
Dado ε > 0, existe x ∈ X, x < b, tal que M − ε < f(x) ≤ M.
Tome δ = b − x > 0. Então, para x ∈ X, x = b − δ < x < b, temos que
M − ε < f(x) ≤ f(x) ≤ M < M + ε.
Logo, lim− f(x) = M.
x→b

Observação 3.2 Se a ∈ X, então não é preciso supor que f é limitada,


pois, se f é não decrescente, por exemplo, f(a) é uma cota inferior para
o conjunto {f(x) | x ∈ X e x > a} e é uma cota superior para o conjunto
{f(x) | x ∈ X e x < a}.

Observação 3.3 Uma sequência monótona limitada é convergente, mas


para uma função monótona limitada pode não existir lim f(x) quando
x→a
x
a ∈ X 0 . Isso acontece, por exemplo, com a função f(x) = x + , para
|x|
x ∈ (R − {0}) ∩ (−1, 1), porque o limite de uma seqüência é um limite
lateral à esquerda, pois quando n → +∞, tem-se n < +∞.

Instituto de Matemática - UFF 175


Análise na Reta

4. Limites no infinito, limites infinitos e expressões


indeterminadas

Definição 4.1 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado superiormente e f :


X −→ R. Dizemos que L é o limite de f(x) quando x → +∞, e escrevemos
lim f(x) = L ,
x→+∞

quando
∀ ε > 0 ∃ A > 0 ; x ∈ X , x > A =⇒ |f(x) − L| < ε .

Definição 4.2 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado inferiormente e f :


X −→ R. Dizemos que L é o limite de f(x) quando x → −∞, e escrevemos
lim f(x) = L ,
x→−∞
Os resultados do teorema 1.1 ao
teorema 1.9 são válidos para lim- quando
ites no infinito com as devidas
∀ ε > 0 ∃ A > 0 ; x ∈ X , x < −A =⇒ |f(x) − L| < ε .
adaptações.

Observação 4.1 O limite quando x tende a +∞ é, de certo modo, um


limite lateral à esquerda, e o limite quando x tende a −∞, um limite lateral
à direita.
Assim, o resultado do teorema 3.3 continua válido. Mais precisamente:
• Seja f : X −→ R uma função monótona limitada e X ⊂ R um conjunto
ilimitado superiormente.
◦ Se f é não-decrescente, então lim f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.
x→+∞

◦ Se f é não-crescente, então lim f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.


x→+∞

• Seja, agora, X ⊂ R ilimitado inferiormente.


◦ Se f é não-decrescente, então lim f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.
x→−∞

◦ Se f é não-crescente, então lim f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.


x→−∞

Observação 4.2 O limite de uma sequência f : N → R é um caso


particular de limite de uma função no infinito, pois lim f(x) = lim f(n).
x→+∞ n→∞

176 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

1 1
Exemplo 4.1 x→±∞
lim = 0, pois dado ε > 0 existe A = > 0 tal que
x ε
1 1 1 1
0 < < ε, para todo x > = A, e −ε < < 0, para todo x < −A = − .
x ε x ε

lim sen x, pois 2πn → +∞ e sen(2πn) → 0,


Exemplo 4.2 Não existe x→+∞
π π
   
enquanto 2πn + → +∞ e sen 2πn + → 1.
2 2
De modo análogo, podemos verificar que não existe lim sen x.
x→−∞

lim ex = 0, mas não existe lim ex .


Exemplo 4.3 x→−∞
x→+∞

Definição 4.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f(x)


tende para +∞ quando x tende para a e escrevemos
lim f(x) = +∞ ,
x→a

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) > A .

1 1
Exemplo 4.4 x→a
lim 2
= +∞, pois dado A > 0 existe δ = √ > 0
(x − a) A
tal que
1 1
0 < |x − a| < δ =⇒ 0 < (x − a)2 < =⇒ > A.
A (x − a)2

Definição 4.4 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f(x)


tende para −∞ quando x tende para a e escrevemos
lim f(x) = −∞ ,
x→a

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < −A .

−1
Exemplo 4.5 x→a
lim = −∞ .
(x − a)2

Outros casos possı́veis

Definição 4.5 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que:

Instituto de Matemática - UFF 177


Análise na Reta

• lim+ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a + δ =⇒ f(x) > A.


x→a

• lim+ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a + δ =⇒ f(x) < −A.


x→a

De modo análogo, podemos definir lim− f(x) = +∞ e lim− f(x) = −∞,


x→a x→a

quando a ∈ X−0 .

Definição 4.6 Sejam X ⊂ R ilimitado superiormente e f : X −→ R.


Dizemos que:
• lim f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) > A.
x→+∞

• lim f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) < −A.


x→+∞

Definição 4.7 Sejam X ⊂ R ilimitado inferiormente e f : X −→ R. Dize-


mos que:
• lim f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) > A.
x→−∞

• lim f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) < −A.


x→−∞

1 1
Exemplo 4.6 lim+ = +∞ ; lim = −∞ ; lim ex = +∞ ;
x→a x−a x→a− x−a x→+∞

lim xk = +∞ , k ∈ N.
x→+∞

• Modificações que devem sofrer os teoremas provados para limites finitos


de modo a continuarem válidos no caso de limites infinitos.
(1) Unicidade. Se lim f(x) = +∞, então f é positiva e ilimitada supe-
x→a

riormente numa vizinhança de a. Logo, não se pode ter lim f(x) = L, pois,
x→a

neste caso, f seria limitada numa vizinhança de a, nem lim f(x) = −∞,
x→a

pois f seria negativa numa vizinhança de a.


(2) Sejam Y ⊂ X com a ∈ Y 0 e g = f|Y .
Se lim f(x) = +∞ =⇒ lim g(x) = +∞.
x→a x→a

Sejam Y = (a − δ, a + δ) ∩ X, δ > 0, e g = f|Y .


Se lim g(x) = +∞ =⇒ lim f(x) = +∞.
x→a x→a

178 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

(3) Se lim f(x) = +∞ então f é ilimitada superiormente em qualquer


x→a

vizinhança de a.
(4) Se f(x) ≤ g(x) ∀ x ∈ X e lim f(x) = +∞, então lim g(x) = +∞.
x→a x→a

(5) Se lim f(x) = L e lim g(x) = +∞, então existe δ > 0 tal que
x→a x→a

x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < g(x).


(6) lim f(x) = +∞ ⇐⇒ lim f(xn ) = +∞ para toda seqüência (xn )
x→a n→+∞

de pontos de X − {a} com lim xn = a.


n→∞

(7) ◦ Se lim f(x) = +∞ e g(x) > c ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


x→a

então lim (f(x) + g(x)) = +∞.


x→a

◦ Se lim f(x) = +∞ e g(x) > c > 0 ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


x→a

então lim (f(x) g(x)) = +∞.


x→a

◦ Se f(x) > 0 ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), então lim f(x) = 0 ⇐⇒


x→a
1
lim = +∞.
x→a f(x)

◦ Sendo f(x) > c > 0 e g(x) > 0 para todo x ∈ (X−{a})∩(a−δ, a+δ),
f(x)
temos que se lim g(x) = 0 então lim = +∞.
x→a x→a g(x)

◦ Sendo |f(x)| ≤ c para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), temos que


f(x)
se lim g(x) = +∞, então lim = 0.
x→a x→a g(x)

(8) Não existe algo semelhante ao critério de Cauchy para limites


infinitos.
(9) ◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(y) = L, então lim g(f(x)) = L.
x→a y→±∞ x→a

◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(y) = +∞, então lim g(f(x)) = +∞.


x→a y→±∞ x→a

◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(x) = −∞, então lim g(f(x)) = −∞ .


x→a x→±∞ x→a

(10) Sejam a ∈ X+0 e f : X −→ R monótona.


◦ lim+ f(x) existe se, e só se, existe δ > 0 tal que f é limitada no
x→a

conjunto X ∩ (a, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 179


Análise na Reta

◦ Se f é ilimitada superiormente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0,


então lim+ f(x) = +∞.
x→a

De fato, dado A > 0, existe x ∈ X ∩ (a, a + 1) tal que f(x) > A.


Se f é não-crescente ou decrescente, temos que f(x) ≥ f(x) > A
para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ), onde δ = x − a > 0.
Observe que, neste caso, f não pode ser não-decrescente ou cres-
cente, pois, dado x > a, x ∈ X, existiria x ∈ (a, x) tal que f(x) > f(x).
◦ De modo análogo, podemos provar que se f é ilimitada inferior-
mente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0, então lim+ f(x) = −∞ e f tem
x→a

que ser crescente ou não-decrescente.

Observação 4.3 No entanto, se a ∈ X−0 , temos que:


• lim− f(x) existe se, e só se, existe δ > 0 tal que f é limitada no conjunto
x→a
Exercı́cio: Se f : X → R X ∩ (a − δ, a).
é monótona, então ou existe
lim f(x) ou
x→+∞
lim f(x) =
x→+∞
• Se f é ilimitada superiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, então
±∞. lim f(x) = +∞ e f é não-decrescente ou crescente.
De modo análogo, ou existe x→a−
lim f(x) ou lim f(x) =
x→−∞ x→−∞
±∞. • Se f é ilimitada inferiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, então
lim f(x) = −∞ e f é não-crescente ou decrescente.
x→a−

Agora, vamos falar um pouco sobre expressões indeterminadas do


0 ∞ 0
tipo , ∞ − ∞, 0 × ∞, , 0 , ∞0 , 1∞ .
0 ∞
0
• Indeterminação do tipo .
0
Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 , f, g : X −→ R tais que lim f(x) = lim g(x) = 0.
x→a x→a

f(x)
Se a ∈ Y 0 , onde Y = {x ∈ X | g(x) 6= 0}, então o quociente está
g(x)
f(x)
definido em Y e faz sentido indagar se existe lim . Mas nada se pode
x→a g(x)

afirmar sobre esse limite, pois, dependendo das funções f e g, ele pode
assumir qualquer valor ou não existir.
Por exemplo, se f(x) = cx e g(x) = x, temos

180 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

f(x)
lim f(x) = 0, lim g(x) = 0 e lim = c.
x→0 x→0 x→0 g(x)

1
Por outro lado, se f(x) = x sen , x 6= 0, e g(x) = x, então lim f(x) =
x x→0

f(x) 1
lim g(x) = 0, mas não existe lim = lim sen .
x→0 x→0 g(x) x→0 x

• Dizer que ∞ − ∞ é indeterminado, significa que, dependendo das esco-


lhas para f e g, tais que lim f(x) = lim g(x) = +∞, o limite lim (f(x)−g(x))
x→a x→a x→a

pode ser um valor real c arbitrário ou pode não existir.


1
Por exemplo, se f, g : R − {a} −→ R são dados por f(x) = c +
(x − a)2
1
e g(x) = , então lim f(x) = lim g(x) = +∞ e lim (f(x) − g(x)) = c.
(x − a)2 x→a x→a x→a

1 1 1
E se f(x) = sen + 2
e g(x) = , temos que
x−a (x − a) (x − a)2
lim f(x) = lim g(x) = +∞,
x→a x→a

mas não existe lim (f(x) − g(x)).


x→a

• Para a indeterminação do tipo 00 , dado qualquer c > 0, existem funções


f, g : X −→ R, com a ∈ X 0 , lim f(x) = lim g(x) = 0 e f(x) > 0 para todo
x→a x→a

x ∈ X, tais que lim f(x)g(x) = c.


x→a

Por exemplo, para as funções f, g : (0, +∞) −→ R dadas por f(x) = x


log c
e g(x) = , temos que
log x
lim f(x) = lim g(x) = 0 e lim f(x)g(x) = lim eg(x) log f(x) = lim elog c = c .
x→0 x→0 x→0 x→0 x→0

Podemos, também, escolher f e g de modo que o limite de f(x)g(x)


não existe. Basta tomar, por exemplo, as funções dadas por f(x) = x e
1
 
g(x) = log 1 + sen · (log x)−1 , x > 0, para termos

x
lim f(x) = lim g(x) = 0,
x→0 x→0

mas o limite
1
 
lim f(x)g(x) = lim eg(x) log f(x) = lim 1 + sen

x→0 x→0 x→0 x

não existe.

Instituto de Matemática - UFF 181


Análise na Reta

5. Valores de aderência de uma função, limsup


e liminf

Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Para cada δ > 0, indicaremos


por Vδ o conjunto
Vδ = {x ∈ X | 0 < |x − a| < δ} = (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .

Definição 5.1 Dizemos que f é limitada numa vizinhança de a quando


existe δ > 0 tal que f|Vδ é limitada, ou seja, existe K > 0 tal que |f(x)| ≤ K
para todo x ∈ Vδ .

Definição 5.2 Dizemos que c ∈ R é um valor de aderência de f no


ponto a quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X − {a} tal que
lim xn = a e lim f(xn ) = c.
n→+∞ n→+∞

Indicaremos por VA(f; a) o conjunto dos valores de aderência de f no


ponto a.

Observação 5.1 Pelo teorema 1.7, temos que se L = x→a


lim f(x), então L

é o único valor de aderência de f no ponto a.

Mostraremos, mais adiante, que se f é limitada numa vizinhança de


a e L é o único valor de aderência de f no ponto a, então lim f(x) = L.
x→a

Mas se f não é limitada numa vizinhança de a, pode ocorrer que não


exista lim f(x), mesmo quando f possui um único valor de aderência no
x→a

ponto a.


1 , se x ∈ Q
Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R a função f(x) = 1 .
 , se x ∈ R − Q
x
Então, 1 é o único valor de aderência de f no ponto 0, mas não existe
lim f(x), pois f não é limitada numa vizinhança de 0.
x→0

Teorema 5.1 Um número real c é valor de aderência de f no ponto a


se, e só se, c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.

182 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

Prova.
(=⇒) Seja c um valor de aderência de f no ponto a e seja (xn ) uma
seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e f(xn ) −→ c.
Como xn −→ a, dado δ > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ Vδ para todo
n > n0 . Logo, f(xn ) ∈ f(Vδ ) para todo n > n0 , ou seja, (f(xn ))n>n0 é uma
seqüência de pontos de Vδ que converge para c.

Então, c ∈ f(Vδ ) .

(⇐=) Suponhamos que c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.


Então, c ∈ f(V 1 ) para todo n ∈ N.
n

1
Assim, para todo n ∈ N, existe xn ∈ V 1 tal que |f(xn ) − c| < .
n n
1 1
Como xn ∈ X, 0 < |xn − a| < e |f(xn ) − c| < para todo n ∈ N,
n n
temos que (xn ) é uma seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e
f(xn ) −→ c. Logo, c é um valor de aderência de f no ponto a.

\
Corolário 5.1 VA(f; a) = f(Vδ ) .
δ>0

\
Corolário 5.2 VA(f; a) = f(V 1 ) .
n
n∈N

Prova.
\
Se c ∈ f(Vδ ), então c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0. Em particular, c ∈ f(V 1 )
n
δ>0
\
para todo n ∈ N. Logo, c ∈ f(V 1 ) .
n
n∈N
\
Suponhamos, agora, que c ∈ f(V 1 ).
n
n∈N

1
Dado δ > 0, existe n ∈ N, tal que < δ. Logo, V 1 ⊂ Vδ e, portanto,
n n

f(V 1 ) ⊂ f(Vδ ). Assim, f(V 1 ) ⊂ f(Vδ ) .


n n

Como c ∈ f(V 1 ) para todo n ∈ N, temos que c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.
n

Portanto,

Instituto de Matemática - UFF 183


Análise na Reta

\
c∈ f(Vδ ) = VA(f; a) ,
δ>0

ou seja, c é um valor de aderência de f no ponto a.

Corolário 5.3 O conjunto dos valores de aderência de f num ponto a ∈


X 0 é fechado. Se f é limitada numa vizinhança de a, então VA(f; a) é
compacto e não-vazio.

Prova.
Como VA(f; a) é uma interseção de conjuntos fechados, temos que VA(f; a)
é fechado.
Suponhamos que f é limitada numa vizinhança de a. Então existe n0 ∈ N
tal que f(V 1 ) é limitado. Logo, f(V 1 ) é fechado e limitado e, portanto,
n0 n0

compacto.

Seja Kn = f(V 1 ), n ∈ N. Como Kn ⊂ Kn0 para todo n ≥ n0 , temos


n

que (Kn )n≥n0 é uma seqüência decrescente de conjuntos compactos não-


\
vazios tal que VA(f; a) = Kn . Logo, pelo teorema 4.5 da parte 4,
n≥n0

temos que VA(f; a) é compacto e não-vazio.

Observação 5.2 Se f é ilimitada em qualquer vizinhança de a, isto é,


f(Vδ ) é ilimitado para todo δ > 0, então VA(f; a) pode não ser compacto.

1 1
Exemplo 5.2 Se f : R−{0} −→ R é a função definida por f(x) = sen ,
x x
então f é ilimitada em toda vizinhança de 0 e VA(f; 0) = R, que não é
compacto, pois é ilimitado.
1
De fato, 0 ∈ VA(f; 0), pois xn = −→ 0 e
2nπ
1
f(xn ) = sen(2πn) = 0 −→ 0.
2πn
Seja, agora, c > 0.
1 1
Afirmação: Dado n ∈ N, existe xn > 0 tal que xn < e sen = xn c .
n xn
1 1 c
Como c − sen(nπ) = c−0= >0 e
nπ nπ nπ

184 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

1 π c
π c − sen(2πn + (4k − 3) 2 ) = −1<0
2πn + (4k − 3) 2 2πn + (4k − 3) π2

para algum k ∈ N, temos, pelo teorema do valor intermediário para funções


contı́nuas, que provaremos na próxima parte, que existe
 
1 1
xn ∈ π,
2πn + (4k − 3) 2 nπ

1
tal que xn c − sen = 0.
xn
1
Logo, 0 < xn < e f(xn ) = c para todo n ∈ N. Assim, xn −→ 0 e
n
f(xn ) −→ c, ou seja, c ∈ VA(f; a).
Se d = −c < 0, basta tomar a seqüência yn = −xn , onde (xn ) é a
seqüência obtida acima, que teremos yn −→ 0, yn < 0, e
f(yn ) = −f(xn ) = −c = d −→ d .
Logo, d ∈ VA(f; a). Então, VA(f; a) = R. 

Observação 5.3 Também pode ocorrer que VA(f; a) seja vazio quando
f é ilimitada em toda vizinhança de a. Por exemplo, se f : R − {0} −→ R é
1
a função definida por f(x) = , então VA(f; a) = ∅.
x

Observação 5.4 Como VA(f; a) é compacto e não-vazio quando f é


limitada numa vizinhança de a, VA(f; a) possui um maior elemento e um
menor elemento.

Definição 5.3 Chamamos limite superior de f no ponto a ao maior valor


de aderência L de f no ponto a, e escrevemos:
lim sup f(x) = L .
x−→a

Chamamos limite inferior de f no ponto a ao menor valor de aderência `


de f no ponto a, e escrevemos:
lim inf f(x) = ` .
x−→a

1
Exemplo 5.3 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por f(x) = sen .
x
Então, pelo visto no exemplo 2.5, VA(f; 0) = [−1, 1].
Logo, lim sup f(x) = +1 e lim inf f(x) = −1 .
x−→0 x−→0

Instituto de Matemática - UFF 185


Análise na Reta

Observação 5.5 Às vezes escrevemos lim sup f(x) = +∞ para indicar
x−→a

que f é ilimitada superiormente em toda vizinhança de a, e escrevemos


lim inf f(x) = −∞ para indicar que f é ilimitada inferiormente em toda
x−→a
1 1
vizinhança de a. Por exemplo, para f(x) = sen , x 6= 0, do exemplo
x x
5.2, terı́amos lim sup f(x) = +∞ e lim inf f(x) = −∞.
x−→0 x−→0

Também, quando lim f(x) = ±∞, terı́amos


x→a

lim sup f(x) = lim inf f(x) = +∞ .


x−→a x−→a

Consideraremos, agora, o valor de aderência de f quando x → +∞


ou x → −∞.
• Dizemos que c ∈ VA(f; +∞), ou seja, que c é um valor de aderência
de f em +∞, quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X tal que
xn → +∞ e f(xn ) → c.
• E dizemos que c ∈ VA(f; −∞), ou seja, que c é um valor de aderência
de f em −∞, quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X tal que
xn → −∞ e f(xn ) → c.
Seja Vδ = X ∩ (δ, +∞), δ > 0, e Wδ = X ∩ (−∞, δ), δ < 0. Então,
\ \
VA(f; +∞) = f(Vδ ) = f(V 1 )
n
δ>0 n∈N

e
\ \
VA(f; −∞) = f(Wδ ) = f(W− 1 ) .
n
δ<0 n∈N

A demonstração destes fatos faz-se de modo análogo ao caso finito.


• Dizemos que f é limitada numa vizinhanza de +∞ quando existe δ > 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x > δ =⇒ |f(x) ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈ Vδ = X ∩ (δ, +∞).
• E dizemos que f é limitada numa vizinhanza de −∞ quando existe δ < 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x < δ =⇒ |f(x) ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈ Wδ = X ∩ (−∞, δ).
Como no caso finito, podemos provar que VA(f; +∞) e VA(f; −∞)
são compactos não-vazios quando f é limitada numa vizinhança de +∞

186 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

e −∞, respectivamente. Então, nestes casos, temos, também, o maior


e o menor valor de aderência, que serão denotados por lim sup f(x) e
x−→±∞

lim inf f(x), respectivamente.


x−→±∞

Os fatos que serão provados a seguir para VA(f; a) se estendem aos


valores de aderência no infinito com as devidas adaptações.
• Seja f limitada numa vizinhança Vδ0 de a, ou seja, f(Vδ0 ) é um conjunto
limitado. Então f(Vδ ) é limitado para todo δ ∈ (0, δ0 ].
Sejam as funções
L : (0, δ0 ] −→ R ` : (0, δ0 ] −→ R
δ 7−→ Lδ = sup f(x) e δ 7−→ `δ = inf f(x)
x∈Vδ x∈Vδ

Como Vδ ⊂ Vδ0 para δ ∈ (0, δ0 ], temos que `δ0 ≤ `δ ≤ Lδ ≤ Lδ0 para


todo δ ∈ (0, δ0 ].
Se 0 < δ 0 < δ 00 ≤ δ0 , então Vδ 0 ⊂ Vδ 00 e, portanto, `δ 00 ≤ `δ 0 e
Lδ 0 ≤ Lδ 00 , ou seja, δ 7−→ `δ é uma função monótona não-crescente e
δ 7−→ Lδ é uma função monótona não-decrescente.
Logo, pelo teorema 3.3, existem os limites lim `δ e lim Lδ , e
δ→0 δ→0

lim `δ = sup{`δ | δ ∈ (0, δ0 ]} e lim Lδ = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]} .


δ→0 δ→0

Teorema 5.2 Se f é limitada numa vizinhança de a, então


lim sup f(x) = lim Lδ e lim inf f(x) = lim `δ .
x−→a δ→0 x−→a δ→0

Prova.
Sejam L = lim sup f(x) e L0 = lim Lδ . Como L é valor de aderência de
x−→a δ→0

f no ponto a, então L ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0. Logo, L ≤ Lδ para todo


δ ∈ (0, δ0 ], ou seja, L é uma cota inferior do conjunto {Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]}.
Assim, L ≤ L0 = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]}.
Vamos provar, agora, que L0 é valor de aderência de f no ponto a.
1 1
 
Como L 1 = sup{f(x) | x ∈ V 1 }, existe xn ∈ V 1 = X ∩ a − , a + tal
n n n n n
1
que L 1 − < f(xn ) ≤ L 1 .
n n n

Instituto de Matemática - UFF 187


Análise na Reta

Então xn → a, xn ∈ X − {a}, e f(xn ) → L0 , pois lim L 1 = lim Lδ = L0 .


n→∞ n δ→0

Logo, L0 é valor de aderência de f no ponto a e, portanto, L0 ≤ L.


Provamos, assim, que L = L0 .
A igualdade lim inf f(x) = lim `δ se demonstra de maneira análoga.
x−→a δ→0

Teorema 5.3 Se f é limitada numa vizinhança de a, então, para todo


ε > 0 dado, existe δ > 0 talque x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ ` − ε < f(x) <
L + ε, onde ` = lim inf f(x) e L = lim sup f(x).
x−→a x−→a

Prova.
Pelo teorema anterior, ` = lim `δ e L = lim Lδ . Então, dado ε > 0,
δ→0 δ→0

existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que ` − ε < `δ ≤ ` e L ≤ Lδ < L + ε.


Assim, tomando δ = min{δ1 , δ2 }, temos que
` − ε ≤ `δ ≤ f(x) ≤ Lδ < L + ε ,
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 5.6 Como no caso de seqüências, L é o menor número


que goza da propriedade acima, e ` é o maior número com a propriedade
acima.

Corolário 5.4 Seja f limitada numa vizinhança de a. Então existe x→a


lim f(x)

se, e só se, f possui um único valor de aderência no ponto a.

Prova.
(=⇒) Se x→a
lim f(x) = L então L é o único valor de aderência de f no ponto

a, pois se (xn ) é uma seqüência de pontos de X − {a} que converge para


a, temos, pelo teorema 1.7, que f(xn ) −→ L.

(⇐=) Se f possui um único valor de aderência no ponto a, então L = `.


Assim, pelo teorema anterior, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que
L − ε < f(x) < L + ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo,
L = lim f(x).
x→a

188 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

Parte 6

Funções contı́nuas

1. A noção de função contı́nua

Definição 1.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto


a ∈ X, quando para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ X, |x − a| < ε.

Simbolicamente, f : X −→ R é contı́nua no ponto a se, e sómente


se:
∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , |x − a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε

Observação 1.1 Em termos de intervalos, temos que f é contı́nua no


ponto a se, e só se:
• ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(I ∩ X) ⊂ J, onde I = (a − δ, a + δ) e J = (f(a) − ε, f(a) + ε) .
ou
• Para todo intervalo aberto J contendo f(a) existe um intervalo aberto I
contendo a tal que f(I ∩ X) ⊂ J.

Definição 1.2 Dizemos que uma função f : X −→ R é contı́nua quando


é contı́nua em todos os pontos de X.

Observação 1.2 Se a é um ponto isolado de X, então toda função


f : X −→ R é contı́nua no ponto a.
De fato, seja δ0 > 0 tal que (a − δ0 , a + δ0 ) ∩ X = {a}.

Instituto de Matemática - UFF 189


Análise na Reta

Então, dado ε > 0, existe δ = δ0 > 0, tal que |f(x) − f(a)| < ε para todo
x ∈ X ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) = {a}.
Em particular, se todos os pontos de X são isolados, então toda função
f : X −→ R é contı́nua.

Observação 1.3 Seja a ∈ X ∩ X 0 . Então f é contı́nua no ponto a se, e


só se, lim f(x) = f(a).
x→a

Então, se a ∈ X 0 , temos que lim f(x) = L se, e só se, a função


x→a

f(x), se x ∈ X − {a}
g : X ∪ {a} −→ R dada por g(x) =
L, se x = a

é contı́nua no ponto a.

Observação 1.4 Sejam Y ⊂ X e f : X −→ R. Se f é contı́nua num ponto


a ∈ Y, então f|Y é contı́nua no ponto a. Mas a recı́proca não é verdadeira.
Basta tomar f descontı́nua no ponto a e Y ⊂ X finito ou discreto com
a ∈ Y.

Exemplo 1.1 Toda função f : Z −→ R é contı́nua, pois todo ponto de Z


é isolado, ou seja, Z é um conjunto discreto.

1 1 1

Pela mesma razão, toda função f : 1, , , . . . , . . . −→ R é contı́nua.
2 3 n

1 1 1

Mas se Y = 0, 1, , , . . . , . . . , uma função f : Y −→ R é contı́nua se,
2 3 n
1
e só se, é contı́nua no ponto 0, ou seja, se, e só se, f(0) = lim f .
n→∞ n 

Os resultados enunciados abaixo decorrem dos fatos análogos já


demonstrados para limites na parte anterior e das observações 1.2 e 1.3
acima.

Teorema 1.1 Seja f : X −→ R contı́nua no ponto a ∈ X.


Se a ∈ Y ⊂ X e g = f|Y , então g é contı́nua no ponto a.
Em particular, toda restrição de uma função contı́nua é contı́nua.

Teorema 1.2 Sejam a ∈ X, f : X −→ R e g = f|Y , onde Y = I ∩ X e I é


um intervalo aberto que contém a.

190 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

Então f é contı́nua no ponto a se, e só se, g é contı́nua no ponto a.

Observação 1.5 Este resultado diz que a continuidade de uma função


f é uma propriedade local, ou seja, se f coincide com uma função contı́nua
no ponto a numa vizinhança do ponto a, então f também é contı́nua no
ponto a.

Teorema 1.3 Se f é contı́nua no ponto a ∈ X, então f é limitada numa


vizinhança de a, ou seja, existe δ > 0 tal que f(Uδ ) é limitado, onde
Uδ = X ∩ (a − δ, a + δ).

Teorema 1.4 Se f, g : X −→ R são contı́nuas no ponto a ∈ X, e f(a) <


g(a), então existe δ > 0 tal que f(c) < g(x) para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Corolário 1.1 Sejam K ∈ R e f : X −→ R uma função contı́nua no


ponto a ∈ X. Se f(a) < K, então existe δ > 0 tal que f(x) < K para todo
x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Prova.
Dado ε = K − f(a) > 0, existe δ > 0 tal que f(a) − ε < f(x) < f(a) + ε = K
para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 1.6 De modo análogo, podemos provar que:


• se f(a) > K, então existe δ > 0 tal que f(x) > K ∀ x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
• se f(a) 6= K, então existe δ > 0 tal que f(x) 6= K ∀ x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 1.7 Sejam f : X −→ R uma função contı́nua e K ∈ R.


Então, A = {x ∈ X | f(x) > K} é a interseção de X com um conjunto U
aberto em R.
De fato, seja a ∈ A, ou seja, f(a) > K. Então, pelo corolário acima, existe
δa > 0 tal que f(x) > K para todo x ∈ X ∩ Ia , onde Ia = (a − δa , a + δa ).
[
Seja U = Ia . Então, U é aberto e A = U ∩ X, pois U ∩ X ⊂ A e
a∈A

A ⊂ U ∩ X.
• Em particular, se X é aberto, então A é aberto.

Instituto de Matemática - UFF 191


Análise na Reta

Teorema 1.5 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, lim f(xn ) = f(a) para toda seqüência (xn ) de pontos de X que
n→∞
converge para a.

Corolário 1.2 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, lim f(xn ) existe e independe da seqüência (xn ) de pontos de X
x→∞

com lim xn = a.
n→∞

Corolário 1.3 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, existe lim f(xn ) para toda seqüência (xn ) de pontos de X com
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Teorema 1.6 Se f, g : X −→ R são contı́nuas no ponto a ∈ X, então


f
f ± g e f · g são contı́nuas em a. Se g(a) 6= 0, então : X0 −→ R é
g
contı́nua em a, onde X0 = {x ∈ X | g(x) 6= 0}.

Em particular, se f é contı́nua no ponto a ∈ X, então cf é contı́nua


1
em a, onde c ∈ R. E, se f(a) 6= 0, então é contı́nua em a.
f

Teorema 1.7 Se f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X e g : Y −→ R é


contı́nua no ponto b = f(a) e f(X) ⊂ Y, então g ◦ f : X −→ R é contı́nua
no ponto a.

Em particular, a composta de duas funções contı́nuas é contı́nua no


seu domı́nio de definição.

Observação 1.8 A restrição de uma função f : X −→ R a um subcon-


junto Y ⊂ X é um caso particular de função composta, pois f|Y = f ◦ i :
Y −→ R, onde i : Y −→ R é a inclusão, ou seja, i(y) = y para todo y ∈ Y.

Observação 1.9 Como a função identidade x 7−→ x é contı́nua, temos,


pelo teorema 1.6, que a função x 7−→ xn é contı́nua para todo n ∈ N.
Pelo mesmo teorema, temos que toda função polinomial p : R −→ R,
p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 , é contı́nua, e, portanto, toda função racional

192 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

p(x)
f(x) = , onde p e q são funções polinomiais, é contı́nua nos pontos
q(x)
onde o denominador q não se anula.

x + 1, se x ≥ 5
Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
16 − 2x, se x < 5

Então, f é contı́nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 5) ∪ (5, +∞),


pois f restrita ao conjunto aberto (−∞, 5) coincide com a função contı́nua
x 7−→ x + 1 e f restriga ao conjunto aberto (5, +∞) coincide com a função
contı́nua x 7−→ 16 − 2x.
Além disso, f também é contı́nua no ponto 5, pois
lim f(x) = lim− f(x) = 6 = f(5) .
x→5+ x→5

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R definida por




 x , se x 6= 0
f(x) = |x|

1 , se x = 0 .

Então f é contı́nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 0) ∪ (0, +∞),


mas não é contı́nua em x = 0, pois lim+ f(x) = 1 6= lim− f(x) = −1, ou
x→0 x→0

seja, não existe lim f(x).


x→0

Observação 1.10 O motivo que assegura a continuidade da função do


exemplo 1.2, mas permite a descontinuidade da função do exemplo 1.3, é
fornecido pelo teorema abaixo.

Teorema 1.8 Sejam f : X −→ R e X ⊂ F1 ∪F2 , onde F1 e F2 são conjuntos


fechados. Se f|X∩F1 e f|X∩F2 são contı́nuas então f é contı́nua.

Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Precisamos analisar três casos:
(1) a ∈ F1 ∩ F2
Como f|X∩F1 e f|X∩F2 são contı́nuas no ponto a, existem δ1 > 0 e δ2 > 0
tais que:

Instituto de Matemática - UFF 193


Análise na Reta

|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ1 , a + δ1 ) ,


e
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F2 ) ∩ (a − δ2 , a + δ2 ) .
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então,


∀ x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ), a + δ)


|f(x) − f(a)| < ε e



∀ x ∈ (X ∩ F ) ∩ (a − δ), a + δ) .
2

Mas, como X ⊂ F1 ∩ F2 , temos que


( (X ∩ F1 ) ∪ (X ∩ F2 ) ) ∩ (a − δ, a + δ) = ( X ∩ (F1 ∪ F2 ) ) ∩ (a − δ, a + δ)
= X ∩ (a − δ, a + δ)

Logo, |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) .


(2) a ∈ F1 e a 6∈ F2 .
Como f|X∩F1 é contı́nua no ponto a, existe δ1 > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ1 , a + δ1 ).
Além disso, como a 6∈ F2 e F2 é fechado, existe δ2 > 0 tal que (a − δ2 , a +
δ2 ) ∩ F2 = ∅.
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então, se x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) temos que
|f(x) − f(a)| < ε, pois
X ∩ (a − δ, a + δ) = ((X ∩ F1 ) ∩ (a − δ, a + δ)) ∪ ((X ∩ F2 ) ∩ (a − δ, a + δ))
= (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ, a + δ),

já que (X ∩ F2 ) ∩ (a − δ, a + δ) = ∅ .
(3) a ∈ F2 e a 6∈ F1 .
Este caso prova-se de modo análogo ao anterior.

Corolário 1.4 Sejam f : X −→ R e X = F1 ∪ F2 , onde F1 e F2 são conjun-


tos fechados. Se f|F1 e f|F2 são contı́nuas então f é contı́nua.

Observação 1.11 O teorema 1.8 e o corolário 1.4 são válidos também


quando se tem um número finito de conjuntos fechados. Mas, para uma
infinidade de conjuntos, o resultado é, em geral, falso.
Por exemplo, para uma função f : X −→ R que não é contı́nua num ponto

194 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

[
x0 ∈ X, temos X = {x}, com {x} fechado, e f|{x} contı́nua em x, para
x∈X

todo x ∈ X.

Observação 1.12 No exemplo 1.2, R = F ∪ G, onde F = (−∞, 5] e


G = [5, +∞) são fechados. Como f|F e f|G são contı́nuas, temos que f é
contı́nua.
Mas, no exemplo 1.3, R = A ∪ B, onde A = (−∞, 0) e B = [0, +∞), f|A
e f|B são contı́nuas e f não é contı́nua no ponto 0. Isso ocorre porque A
não é fechado.
[
Teorema 1.9 Sejam f : X −→ R e X ⊂ Aλ uma cobertura de X por
λ∈L

meio de abertos Aλ , λ ∈ L. Se f|Aλ ∩X é contı́nua para todo λ ∈ L, então f


é contı́nua.

Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Então existe λ0 ∈ L tal que a ∈ Aλ0 .
Como Aλ0 é aberto, existe δ1 > 0 tal que (a − δ1 , a + δ1 ) ⊂ Aλ0 .
Além disso, como f|X∩Aλ0 é contı́nua no ponto a, existe δ2 > 0 tal que
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩ Aλ0 ) ∩ (a − δ2 , a + δ2 ) .
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então,
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩ Aλ0 ) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a − δ, a + δ),
pois (a − δ, a + δ) ⊂ Aλ0 . Logo, f é contı́nua no ponto a.
[
Corolário 1.5 Sejam f : X −→ R e X = Aλ , onde cada Aλ é aberto.
λ∈L

Se f|Aλ é contı́nua para todo λ ∈ L, então f é contı́nua.

Exemplo 1.4 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por:



1, se x ∈ (0, +∞)
f(x) =
−1, se x ∈ (−∞, 0) .

Então f : R − {0} −→ R é contı́nua, pois R − {0} = (−∞, 0) ∪ (0, +∞), os


conjuntos A = (−∞, 0) e B = (0, +∞) são abertos e as funções f|A e f|B
são contı́nuas.

Instituto de Matemática - UFF 195


Análise na Reta

2. Descontinuidades

Definição 2.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é descontı́nua no


ponto a ∈ X quando f não é contı́nua no ponto a.

Ou seja, f é descontı́nua no ponto a se existe ε0 > 0 tal que para


todo δ > 0 existe xδ ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) tal que |f(xδ ) − f(a)| ≥ ε0 .

0, se x ∈ Q
Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a função f(x) =
1, se x ∈ R − Q .

Então f é descontı́nua em todos os pontos de R, pois não existe lim f(x)


x−→a

qualquer que seja a ∈ R.

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a função




0, se x ∈ R − Q


f(x) = 1, se x = 0



 1 , se x = p ∈ Q é uma fração irredutı́vel, com q > 0 .
q q

Pela observação 2.1 da parte 5, temos que lim g(x) = 0 para todo a ∈ R.
x→a

Logo, g é contı́nua nos números irracionais e descontı́nua nos racionais.

Ver o exercı́cio 18 do livro.


Mas não existe uma função f : R −→ R que seja contı́nua nos pontos
raiconais e descontı́nua nos pontos irracionais. 


0, se x = 0
Exemplo 2.3 Seja f : R −→ R definida por f(x) = x

x + , se x 6= 0 .
|x|

Então o ponto 0 é o único ponto de descontinuidade de f.

Exemplo 2.4 Sejam K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor e f : [0, 1] −→ R a


função definida por

0, se x ∈ K
f(x) =
1, se x 6∈ K .

Então o conjunto dos pontos de descontinuidade de f é K.

196 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

De fato, como A = [0, 1] − K é aberto e f|A ≡ 1 é constante, temos que f é


contı́nua em todos os pontos de A.
Mas, como int K = ∅, para cada x ∈ K, existe uma seqüência (xn ) de
pontos de A com lim xn = x.
n→∞

Então, lim f(xn ) = 1 6= 0 = f(x).


n→∞

Logo, f é descontı́nua em todos os pontos de K.

Definição 2.2 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade


de primeira espécie no ponto a ∈ X quando f é descontı́nua em a, mas
existe lim+ f(x) se a ∈ X+0 e existe lim− f(x) se a ∈ X−0 .
x→a x→a

Definição 2.3 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade de


segunda espécie no ponto a ∈ X se f é descontı́nua no ponto a quando

• a ∈ X+0 e lim+ f(x) não existe


x→a
ou
• a ∈ X−0 e lim− f(x) não existe.
x→a

Exemplo 2.5 Seja f : R −→ R a função




0, se x ∈ R − Q


f(x) = 1, se x = 0



 1 , se x = p ∈ Q é uma fração irredutı́vel, com q > 0 .
q q

Como lim f(x) = 0 para todo a ∈ R, todas as descontinuidades de f são


x→a

de primeira espécie.
Neste exemplo, os limites laterais nos pontos de descontinuidade existem
e são iguais, mas são diferentes do valor da função nesses pontos.

Exemplo 2.6 No exemplo 2.3, o zero é um ponto de descontinuidade


de primeira espécie, pois, os limites laterais existem nesse ponto, embora
sejam diferentes.

Exemplo 2.7 No exemplo 2.1, todos os números reais são desconti-


nuidades de segunda espécie, pois não existem os limites lim f(x) e
x−→a+

lim f(x) para todo a ∈ R.


x−→a−

Instituto de Matemática - UFF 197


Análise na Reta

Exemplo 2.8 No exemplo 2.4, todos os pontos do conjunto de Cantor


são descontinuidades de segunda espécie, pois ou não existe lim+ f(x)
x→a

ou não existe lim− f(x), para todo a ∈ K.


x→a

De fato:
• se a é a extremidade superior de um dos intervalos abertos retirados na
construção do conjunto de Cantor K, temos que a ∈ K+0 e a ∈ A+0 , pois
int K = ∅ (lembre que A = [0, 1] − K), então, existem sequências (xn ) e
(yn ) tais que xn ∈ K, xn > a, yn ∈ [0, 1] − K = A, yn > a, xn → a e
yn → a.
Logo, f(xn ) → 0 e f(yn ) → 1. Portanto, não existe lim+ f(x), apesar
x→a

de existir lim− f(x) = 1, pois a é a extremidade superior de um intervalo


x→a

aberto contido em A.
• se a = 0, não existe o limite lim+ f(x) pelo mesmo motivo exposto acima,
x→0

e lim− f(x) não faz sentido, pois 0 6∈ [0, 1]−0 é o domı́nio da função.
x→0

• se a é a extremidade inferior de um dos intervalos retirados na cons-


trução do conjunto K, temos que a ∈ K−0 e a ∈ A−0 , pois intK = ∅, então,
existem seqüências (xn ) de pontos de K e (yn ) de pontos de A tais que
xn < a, yn < a, xn → a e yn → a. Logo, lim f(xn ) = 0 e lim f(yn ) = 1.
n→∞ n→∞

Portanto, não existe lim− f(x), mas existe lim+ f(x) = 1, pois a é a extre-
x→a x→a

midade inferior de um intervalo aberto contido em A.


• se a = 1, o limite lim− f(x) não existe pelo mesmo motivo exposto acima,
x→1

e lim+ f(x) não faz sentido, pois 1 6∈ ([0, 1])+0 .


x→1

• se a não é extremidade de intervalo algum retirado na construção de K,


então a ∈ K−0 ∩ K+0 e a ∈ A−0 ∩ A+0 , pois int K = ∅.
Logo, não existem lim+ f(x) e lim− f(x).
x→a x→a

Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a função



sen 1 , se x 6= 0
x
f(x) =
a, se x = 0 .

198 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

Então, para qualquer a ∈ R, o zero é um ponto de descontinuidade de


segunda espécie, pois os limites laterais à esquerda e à direita em 0 não
existem.

Exemplo 2.10 Seja f : R −→ R a função




sen 1
, se x 6= 0
1
f(x) = 1 + ex

0, se x = 0 .

Então, 0 é o único ponto de descontinuidade de f e é de primeira espécie,


pois lim+ f(x) = 0 = f(0) e lim− f(x) = sen 1 6= f(0).
x→0 x→0

 1

 sen( x1) , se x 6= 0
Exemplo 2.11 Seja f : R −→ R a função f(x) = 1 + ex

0, se x = 0 .

Então, 0 é a única descontinuidade de f e é de segunda espécie, pois


 1 
lim f(x) = 0 = f(0), mas lim− f(x) não existe, já que f − −→ 0 e
x→0+ x→0 2πn
 
1
f − π −→ −1 .
2πn + 2

Exemplo 2.12 Seja f : R −→ R a função dada por



0, se x ∈ R− ∪ (R+ ∩ Q)
f(x) =
1, se x ∈ (R − Q).
+

Então lim− f(x) = f(0) = 0, mas não existe lim+ f(x). Logo, 0 é um ponto
x→0 x→0

de descontinuidade de segunda espécie, no qual um dos limites laterais


existe.

Teorema 2.1 Uma função monótona f : X −→ R não admite desconti-


nuidades de segunda espécie.

Prova.
Se a ∈ X é um ponto isolado, então f é contı́nua em a. Seja a ∈ X ∩ X 0 .
Se a ∈ X ∩ X+0 , então existe δ > 0 tal que a + δ ∈ X. Logo, f|X∩[a,a+δ] é
limitada e monótona e, portanto, existe lim+ f(x).
x→a

Instituto de Matemática - UFF 199


Análise na Reta

Se a ∈ X ∩ X−0 , então existe δ > 0 tal que a − δ ∈ X. Logo f|X∩[a−δ,a] é


limitada e monótona e, portanto, existe lim− f(x).
x→a

Logo, para todo a ∈ X ∩ X 0 , existem os limites laterais que façam sentido


nesse ponto.

Teorema 2.2 Seja f : X −→ R monótona. Se f(X) é denso em algum


intervalo I, então f é contı́nua.

Prova.
Se a é ponto isolado de X, então f é contı́nua em a.
Seja a ∈ X ∩ X 0 . Se a ∈ X ∩ X+0 , existe lim+ f(x) = f(a+ ) e se a ∈ X ∩ X−0 ,
x→a

existe lim− f(x) = f(a ), pelo teorema anterior.
x→a

Afirmação: f(a+ ) = f(a) se a ∈ X ∩ X+0 e f(a− ) = f(a) se a ∈ X ∩ X−0 .


Suponhamos que f é não-decrescente.
Nesse caso, f(a+ ) = inf{f(x) | x > a}. Como f(a) ≤ f(x) para todo x > a,
x ∈ X, temos que f(a) ≤ f(a+ ).
Vamos supor, por absurdo, que f(a) < f(a+ ).
Seja I um intervalo que contém f(X), ou seja, f(X) ⊂ I.
Como a ∈ X+0 , existe x > a tal que x ∈ X. Sendo f(x) ≥ f(a+ ), temos que
( f(a), f(a+ ) ) ⊂ I, pois ( f(a), f(a+ ) ) ⊂ ( f(a), f(x) ) e f(a), f(x) ∈ f(X).
Mas ( f(a), f(a+ ) ) ∩ f(X) = ∅, pois se x < a, f(x) ≤ f(a) e se x > a,
f(x) ≥ f(a+ ).

Então, se f(X) é denso em I, ou seja, f(X) ⊂ I e I ⊂ f(X), chegamos


1
a uma contradição, pois ( f(a) + f(a+ ) ) ∈ I e ( f(a), f(a+ ) ) é um inter-
2
1
valo aberto que contém ( f(a) + f(a+ ) ) tal que ( f(a), f(a+ ) ) ∩ f(X) = ∅.
2
Logo, f(a+ ) = f(a).
De modo análogo, podemos provar que f(a− ) = f(a) se a ∈ X−0 .
Logo, f é contı́nua em todos os pontos de X.

Corolário 2.1 Se f : X −→ R é monótona e f(X) é um intervalo, então f


é contı́nua.

200 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

Exemplo 2.13 Seja f : R −→ R a função dada por



x, se x ∈ Q
f(x) =
−x, se x ∈ R − Q .

Então f é contı́nua apenas no ponto 0, pois:


• se a ∈ Q − {0}, existe uma seqüência (xn ), xn ∈ R − Q, tal que xn −→ a
e f(xn ) = −xn −→ −a 6= a = f(a) ,
e
• se a ∈ R − Q, existe uma seqüência (xn ), xn ∈ Q, tal que xn → a e
f(xn ) = xn → a 6= −a = f(a).
Além disso, f é uma bijeção, ou seja, f é injetiva e f(R) = R. Em particular,
f(R) é um intervalo. Isto só é possı́vel porque f não é monótona.

• Seja f : X −→ R uma função cujas descontinuidades são todas de


primeira espécie. Seja σ : X −→ R a função definida por


max { |f(x) − f(x+ )| , |f(x) − f(x− )| } , se x ∈ X+0 ∩ X−0





|f(x) − f(x+ )|, se x ∈ X+0 e x 6∈ X−0
σ(x) =

|f(x) − f(x− )|, se x ∈ X−0 e x 6∈ X+0





0, se x é um ponto isolado de X ,

onde f(a+ ) = lim+ f(x) e f(a− ) = lim− f(x).


x→a x→a

O valor σ(x) é chamado o salto de f no ponto x.

Observação 2.1 Se a ≤ f(x) ≤ b para todo x ∈ X, então 0 ≤ σ(x) ≤


b − a. De fato:
• Se x0 ∈ X+0 , existe uma seqüência (xn ), xn > x0 , xn ∈ X, tal que
f(xn ) −→ f(x+
0 ).

Logo, |f(x0 ) − f(x+


0 )| ≤ b − a, pois |f(x0 ) − f(xn )| ≤ b − a para todo n ∈ N.

• Se x0 ∈ X−0 , existe uma seqüência (xn ), xn < x0 , xn ∈ X, tal que f(xn ) →


f(x−
0 ).

Logo, |f(x0 ) − f(x−


0 )| ≤ b − a, pois |f(x0 ) − f(xn )| ≤ b − a para todo n ∈ N.

Observação 2.2 σ(x) > 0 se, e só se, x é uma descontinuidade de f.

Instituto de Matemática - UFF 201


Análise na Reta

Teorema 2.3 Seja f : X −→ R uma função cujas descontinuidades são


todas de primeira espécie. Então o conjunto dos pontos de descontinui-
dade de f é enumerável.

Prova.


1

Para cada n ∈ N, seja Dn = x ∈ X σ(x) ≥ .

n
Então o conjunto dos pontos de descontinuidade de f é
[
D= Dn .
n∈N

Se provamos que, para todo n ∈ N, o conjunto Dn só possui pontos isola-


dos, então Dn é enumerável e, portanto, D será enumerável.

Afirmação: Para todo n ∈ N, Dn só possui pontos isolados.


1
Seja a ∈ Dn , ou seja, σ(a) ≥ . Então a ∈ X 0 , pois f é descontı́nua em a.
n
Suponhamos que a ∈ X+0 .
Pela definição de limite lateral à direita, existe δ > 0 tal que
1 1
f(a+ ) − < f(x) < f(a+ ) + ,
4n 4n
para todo x ∈ (a, a + δ) ∩ X.
1 1
Então, σ(x) < < para todo x ∈ (a, a+δ)∩X. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
2n n
Se a 6∈ X+0 , existe δ > 0 tal que (a, a+δ)∩X = ∅. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Assim, para todo a ∈ X 0 , existe δ > 0 tal que (a, a + δ) ∩ Dn = ∅.
De modo análogo, podemos provar que para todo a ∈ X 0 existe δ > 0 tal
que (a − δ, a) ∩ Dn = ∅.
Então, se a ∈ Dn , existe δ > 0 tal que (a − δ, a + δ) ∩ Dn = {a}, ou seja a
é um ponto isolado de Dn .

Corolário 2.2 Seja f : X −→ R uma função monótona. Então o conjunto


dos pontos de descontinuidade de f é enumerável.

Prova.
Pelo teorema 2.1, todas as descontinuidades de f são de primeira espécie.

202 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em intervalos

3. Funções contı́nuas em intervalos

Teorema 3.1 (Teorema do valor intermediário)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se f(a) < d < f(b) então existe c ∈ (a, b)
tal que f(c) = d.

Prova.
Primeira demonstração.
Como f é contı́nua no ponto a, dado ε = d − f(a) > 0, existe δ > 0,
δ < b − a, tal que f(x) < f(a) + ε = d para todo x ∈ [a, a + δ).
Então A = { x ∈ (a, b) | f(x) < d } 6= ∅, pois (a, a + δ) ⊂ A, e é aberto, pela
observação 1.7.
Como f também é contı́nua no ponto b, dado ε = f(b)−d > 0 existe δ > 0,
δ < b − a, tal que d = f(b) − ε < f(x) para todo x ∈ (b − δ, b]. Então o
conjunto B = {x ∈ (a, b) | f(x) > d} é não-vazio, pois (b − δ, b) ⊂ B, e é
aberto, pela observação 1.7.
Se não existir c ∈ (a, b) tal que f(c) = d, terı́amos (a, b) = A ∪ B, o que é
absurdo pela unicidade da decomposição de um aberto como reunião de
intervalos abertos dois a dois disjuntos, já que A 6= ∅, B 6= ∅ e (a, b) é
um intervalo aberto (ver corolário 1.1 da parte 4).

Segunda demonstração.
Seja A = {x ∈ [a, b] | f(x) < d}. Então, A é limitado e não-vazio, já que
f(a) < d. Seja c = sup A.

Afirmação: c 6∈ A.
Suponhamos, por absurdo, que c ∈ A, ou seja, que f(c) < d.
Como c ≤ b e f(b) > d, temos que a ≤ c < b. Sendo f contı́nua em c,
dado ε = d − f(c) > 0, existe δ > 0, δ < b − c, tal que f(x) < f(c) + ε = d
para todo x ∈ [c, c + δ) ⊂ [a, b), o que é absurdo, pois c é o supremo de
A e (c, c + δ) ⊂ A.
Além disso, como c é o limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A, temos
f(c) = lim f(xn ) ≤ d.
n→∞

Logo, f(c) = d, pois c 6∈ A, ou seja, f(c) ≥ d.

Instituto de Matemática - UFF 203


Análise na Reta

Observação 3.1 O teorema continua válido quando f(b) < d < f(a).

Corolário 3.1 Seja f : I −→ R uma função contı́nua num intervalo I


qualquer. Se a < b pertencem a I e f(a) < d < f(b) (ou f(b) < d < f(a)),
então existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.

Prova.
Basta restringir f ao intervalo [a, b] e aplicar o teorema anterior.

Corolário 3.2 Seja f : I −→ R uma função contı́nua num intervalo I.


Então f(I) é um intervalo.

Prova.
Sejam α = inf{f(x) | x ∈ I} e β = sup{f(x) | x ∈ I}.
Podemos ter α = −∞ se f é ilimitada inferiormente, e β = +∞ se f é
ilimitada superiormente.

Afirmação: f(I) é um intervalo, cujos extremos são α e β.


Seja α < y < β. Então, pelas definições de sup e inf, ou pela definição
de conjunto ilimitado, quando um dos extremos α ou β é infinito ou ambos
são infinitos, existem a, b ∈ I tais que f(a) < y < f(b). Pelo Teorema do
Valor Intermediário, existe x entre a e b tal que f(x) = y, ou seja, y ∈ f(I).


Observação 3.2 No corolário acima, podemos ter f(I) = [α, β], f(I) =
(α, β], f(I) = [α, β) ou f(I) = (α, β).

Exemplo 3.1 Seja f : (−1, 3) −→ R dada por f(x) = x3 . Então, f((−1, 3)) =
[0, 9).

Observação 3.3 Se I é um intervalo e f : I −→ R é uma função


contı́nua tal que f(I) ⊂ Z, então f é constante, pois todo intervalo con-
tido em Z é degenerado. Mais geralmente:
• Se f : X −→ R é contı́nua, f(X) ⊂ Y e int Y 6= ∅, então f é constante em
cada intervalo contido em X.

Observação 3.4 Seja p : R −→ R, p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 , an 6= 0

204 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em intervalos

um polinômio de grau n ı́mpar. Então, p possui uma raı́z real, ou seja,


existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Suponhamos que an > 0. Se a0 = 0, temos p(0) = 0. Caso contrário,
para todo x 6= 0, p(x) = an xn r(x), onde
an−1 1 a 1 a 1
r(x) = 1 + + . . . + 1 n−1 + 0 n .
an x an x an x

Como lim r(x) = 1, lim an xn = +∞ e lim an xn = −∞, temos que


x→±∞ x→∞ x→−∞

lim p(x) = +∞ e lim p(x) = −∞. Logo, p(R) = R, pois p(R) é um


x→+∞ x→−∞

intervalo ilimitado superior e inferiormente.


Ou seja, p é sobrejetiva. Então para todo d ∈ R existe c ∈ R tal que
p(c) = d. Em particular, existe c ∈ R tal que p(c) = 0.

Exemplo 3.2 Para cada n ∈ N, seja f : [0, +∞) −→ [0, +∞) a função
definida por f(x) = xn .
Como f é contı́nua, f(0) = 0 e lim xn = +∞, temos que
x→+∞

f([0, +∞)) = [0, +∞),


ou seja, f é sobrejetiva. Além disso, f é crescente e, portanto, injetiva.
Então f : [0, +∞) −→ [0, +∞) é uma bijeção contı́nua.

Assim, dado y ≥ 0 existe um único x ≥ 0, que denotamos por x = n y, tal
n
que x = y.

A inversa g da função f, g : [0, +∞) −→ [0, +∞), g(y) = n y, é também
contı́nua e crescente, pelo teorema que provaremos abaixo.

Teorema 3.2 Seja f : I −→ R uma função contı́nua, injetiva, definida


num intervalo I. Então f é monótona, sua imagem J = f(I) é um intervalo
e sua inversa f−1 : J −→ I é contı́nua.

Prova.
Para verificar que f é monótona, basta provar que f é monótona em todo
intervalo limitado e fechado [a, b] ⊂ I.
Como f é injetiva, temos f(a) 6= f(b).
Vamos supor que f(a) < f(b).

Afirmação: A função f é crescente.

Instituto de Matemática - UFF 205


Análise na Reta

Suponhamos, por absurdo, que existem x, y ∈ [a, b] tais que x < y e


f(x) > f(y). Há, então, duas possibilidades: f(a) < f(y) ou f(a) > f(y).
1o caso: f(a) < f(y) < f(x).
Pelo Teorema do Valor Intermediário, existe c ∈ (a, x) tal que f(c) = f(y),
o que é absurdo, pois c < y e f é injetiva.
2o caso: f(y) < f(a) < f(b).
Pelo Teorema do Valor Intermediário, existe c ∈ (y, b) tal que f(c) = f(a),
o que é absurdo, pois c > a e f é injetiva.
Logo, f é monótona e J = f(I) é um intervalo, pois f é contı́nua. Então,
f : I −→ J é uma bijeção contı́nua e monótona.
Além disso, f−1 : J −→ I é também monótona, pois se y < z, y, z ∈ J, então
f−1 (y) < f−1 (z) se f é crescente e f−1 (y) > f−1 (z) se f é decrescente, já
que y = f(f−1 (y)) < z = f(f−1 (z)).

Então, pelo corolário 2.1, f−1 : J −→ I é contı́nua, pois f−1 é monótona e


f−1 (J) = I é um intervalo.

Observação 3.5 Se f : I −→ R é contı́nua, injetiva e, portanto, monótona,


então o intervalo J = f(I) é do mesmo tipo (aberto, fechado, semi-aberto)
do intervalo I.
Mas, um dos intervalos I e J pode ser ilimitado e o outro limitado.
1
Por exemplo, para a função f : (0, 1] −→ R dada por f(x) = , temos
x
f((0, 1]) = [1, +∞).

Definição 3.1 Sejam X, Y ⊂ R. Uma bijeção contı́nua f : X −→ Y, cuja


inversa f−1 : Y −→ X também é contı́nua, chama-se um homeomorfı́smo
entre X e Y

• Pelo teorema anterior, se f : I −→ R é uma bijeção contı́nua definida


num intervalo I, então f(I) = J é um intervalo e f−1 : J −→ I é também
contı́nua, ou seja f : I −→ J é um homeomorfismo.
Mas, nem toda bijeção contı́nua f : X −→ Y tem inversa contı́nua.
Por exemplo, seja f : X = [0, 1)∪[2, 3] −→ Y = [1, 3] definida por f(x) = x+1
se x ∈ [0, 1) e f(x) = x se x ∈ [2, 3).

206 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em conjuntos compactos

Então, f é uma bijeção contı́nua e crescente, mas a função inversa


f−1 : [1, 3] −→ [0, 1) ∪ [2, 3] é descontı́nua no ponto 2. De fato, como
f−1 (y) = y se y ∈ [2, 3) e f−1 (y) = y − 1 se y ∈ [1, 2), então f−1 (2) = 2 e
lim f−1 (y) = 1 6= f−1 (2).
y−→2−

4. Funções contı́nuas em conjuntos compac-


tos

Teorema 4.1 Seja f : X −→ R uma função contı́nua. Se X é compacto


então f(X) é compacto.

Prova.
Primeira demonstração.
[
Seja (Aλ )λ ∈ L uma cobertura aberta de f(X), ou seja, f(X) ⊂ Aλ e
λ∈L

cada Aλ , λ ∈ L, é aberto.
Então, para todo x ∈ X, existe λx ∈ L tal que f(x) ∈ Aλx .
Como f é contı́nua, para cada x ∈ I, existe um intervalo aberto Ix centrado
em x tal que f(Ix ∩ X) ⊂ Aλx .
[
Logo, como X ⊂ Ix e X é compacto, existem x1 , . . . , xn ∈ X tais que
x∈X

X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Assim, f(X) ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn , o que prova a compacidade de f(X).

Segunda demonstração.
Seja (yn ) uma sequência de pontos de f(X).
Para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tal que f(xn ) = yn . Como X é compacto,
(xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um ponto x ∈
X.
Então, pela continuidade de f, temos que ynk = f(xnk ) −→ f(x), ou
seja, (yn ) possui uma subseqüência que converge para um ponto de f(X).
Logo, f(X) é compacto.

Instituto de Matemática - UFF 207


Análise na Reta

Corolário 4.1 (Weierstrass)


Toda função contı́nua f : X −→ R definda num compacto X é limitada e
atinge seus valores extremos, ou seja, existem x1 , x2 ∈ X tais que
f(x1 ) ≤ f(x) ≤ f(x2 ) ,
para todo x ∈ X.

Prova.
Pelo teorema acima, f(X) é compacto e, portanto, limitado e fechado.
Então, inf f(X) e sup f(X) existem e pertencem a f(X), ou seja, existem
x1 , x2 ∈ X tais que f(x1 ) = inf f(X) e f(x2 ) = sup f(X).

1
Exemplo 4.1 A função f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = é
1 − x2
contı́nua, mas não é limitada, pois f((−1, 1)) = [1, +∞). Isto é possı́vel,
porque o domı́nio (−1, 1) não é compacto, pois, apesar de ser limitado,
não é fechado.

Exemplo 4.2 A função f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = x é contı́nua


e limitada, mas não possui um ponto de máximo nem de mı́nimo em seu
domı́nio. Observe que, nesse exemplo, o domı́nio (−1, 1) não é compacto,
já que não é fechado.

1
Exemplo 4.3 A função f : [0, +∞) −→ R definida por f(x) =
1 + x2
é contı́nua e limitada, pois f([0, +∞)) = (0, 1]. A função f assume seu
máximo 1 no ponto zero, mas não existe x ∈ [0, +∞) tal que
f(x) = 0 = inf{f(x) | x ∈ [0, +∞)}.
Isto é possı́vel porque o domı́nio de f não é compacto, pois, apesar de ser
fechado, não é limitado.

Observação 4.1 Dados a ∈ R e um subconjunto fechado não-vazio


F ⊂ R, existe x0 ∈ F tal que |a − x0 | ≤ |a − x| para todo x ∈ F.
Seja n ∈ N tal que K = [a−n, a+n]∩F 6= ∅. Como K é limitado e fechado,
K é compacto.
Seja f : K −→ R a função definida por f(x) = |a − x|. Sendo f contı́nua e K
compacto, existe x0 ∈ K tal que f(x0 ) = |a − x0 | ≤ f(x) = |a − x| para todo
x ∈ K.

208 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

Se x 6= K e x ∈ F, temos que |a − x| > n > |a − x0 |. Logo, |a − x0 | ≤ |a − x|


para todo x ∈ F.

Observação 4.2 Se F não é fechado e a ∈ F − F, então


inf{|a − x| | x ∈ F} = 0.

De fato, como a ∈ F, existe uma seqüência (xn ) de pontos de F tal que


xn −→ a.
Logo, |a − xn | −→ 0 e, portanto inf{|a − x| | x ∈ F} = 0.
Mas, como a 6∈ F, não existe x0 ∈ F tal que |a − x0 | ≤ |a − x| para todo
x ∈ F, pois, neste caso, |a − x0 | = inf{|a − x| | x ∈ X} = 0, ou seja, a = x0 , o
que é absurdo, pois a 6∈ F e x0 ∈ F.

Teorema 4.2 Seja X ⊂ R compacto. Se f : X −→ R é contı́nua e


injetiva, então Y = f(X) é compacto e f−1 : Y −→ R é contı́nua.

Prova.
Seja b = f(a) ∈ f(X) = Y e seja yn −→ b, onde yn = f(xn ) ∈ f(X).

Afirmação: xn = f−1 (yn ) −→ f−1 (b) = a.


Como X é compacto e xn ∈ X para todo n ∈ N, a sequência (xn ) é
limitada. Então, basta mostrar que a é o único valor de aderência da
sequência (xn ).
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn ) que converge para a 0 ∈ R. Como
X é compacto, a 0 ∈ X. Logo, ynk = f(xnk ) −→ b e ynk = f(xnk ) −→ f(a 0 ),
pois f é contı́nua em a 0 . Então, b = f(a 0 ) = f(a) e, portanto, a 0 = a, pois
f é injetiva. 

5. Continuidade Uniforme

Definição 5.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é uniformemente


contı́nua quando, para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
|x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.

Observação 5.1 Toda função uniformemente contı́nua é contı́nua.


De fato, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que

Instituto de Matemática - UFF 209


Análise na Reta

x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.


Se a ∈ X, temos que |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X, |x − a| < δ. Observe
que o número real positivo δ não depende do ponto a ∈ X, apenas de ε.

Observação 5.2 Uma função f : X −→ R não é uniformemente contı́nua


se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0 existem xδ , yδ ∈ X tais
que |xδ − yδ | < δ e |f(xδ ) − f(yδ )| ≥ ε0 .

Observação 5.3 Nem toda função contı́nua é uniformemente contı́nua.


1
Por exemplo, seja f : (0, +∞) −→ R dada por f(x) = . Então, f é
x
contı́nua, mas não é uniformemente contı́nua em (0, +∞).
De fato, sejam ε > 0 e δ > 0 dados.
1 δ
Sejam aδ ∈ R tal que 0 < aδ < δ e 0 < aδ < e bδ = a + . Então,
3ε 2
δ
|bδ − aδ | = <δe
2

1 1 2 1
|f(bδ ) − f(aδ )| = δ
− = −
δa + 2
aδ 2aδ + δ aδ
δ δ 1
= > = > ε.
aδ (2aδ + δ) 3δaδ 3aδ

Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ax + b, a 6= 0.


ε
Dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
|a|
ε
x, y ∈ R, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| = |c| |x − y| < |c| = ε.
|c|

Logo, f é uniformemente contı́nua em R.

Definição 5.2 Dizemos que uma função f : X −→ R é lipschitziana


quando existe uma constante c > 0 tal que |f(x)−f(y)| ≤ c |x−y| quaisquer
que sejam x, y ∈ X. A menor de tais constantes c > 0 é chamada a
constante de Lipschitz de f.

Exemplo 5.2 A função f : R −→ R, f(x) = ax + b, a 6= 0 é lipschitziana


em toda a reta com constante de Lipschitz c = |a|.

210 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

Observação 5.4 Toda função f : X −→ R lipschitziana é uniforme-


ε
mente contı́nua, pois dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
c
ε
x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| ≤ c|x − y| < c · = ε.
c

Exemplo 5.3 Se X ⊂ R é limitado, a função f : X −→ R, f(x) = x2 , é


lipschitziana. De fato, seja A > 0 tal que |x| ≤ A para todo x ∈ X. Então,
|f(x) − f(y)| = |x2 − y2 | = |x − y| |x + y| ≤ 2A|x − y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ A.
Mas, se X = R, a função f(x) = x2 não é sequer uniformemente contı́nua.
1 δ
De fato, dados ε = 1 e δ > 0, sejam xδ > e yδ = xδ + . Então,
δ 2
2 Exercı́cio.
δ δ δ2

|xδ − yδ | = < δ e |f(xδ ) − f(yδ )| = xδ + − x2δ = xδ δ + > xδ δ > 1 . Mostrar que a função f : R −→ R
2 2 4
dada por f(x) = xn não é uni-
 formemente contı́nua para todo
n > 1.

Teorema 5.1 Seja f : X −→ R uniformemente contı́nua. Se (xn ) é uma


seqüência de Cauchy em X, então ( f(xn )) é uma seqüência de Cauchy.

Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Como (xn ) é de Cauchy, existe n0 ∈ N tal que |xm −xn | < δ para m, n > n0 .
Logo, |f(xn ) − f(xm )| < ε para m, n > n0 , ou seja, (f(xn )) é uma seqüência
de Cauchy.

Corolário 5.1 Se f : X −→ R é uniformemente contı́nua, então existe


lim f(x) para todo a ∈ X 0 .
x→a

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a. Então,
pelo teorema anterior, (f(xn )) é de Cauchy e, portanto, convergente. Logo,
pelo corolário 1.4 da parte 5, existe lim f(x).
x→a

Observação 5.5 Para provar o corolário acima podemos usar também


o Critério de Cauchy para funções(teorema 1.9, parte 5).

Instituto de Matemática - UFF 211


Análise na Reta

De fato, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


δ
x, y ∈ X, |x − y| < =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
2
Então, se x, y ∈ X,
δ δ
|x − a| < e |y − a| < =⇒ |x − y| ≤ |x − a| + |a − y| < δ
2 2
=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .

Logo, existe lim f(x) para todo a ∈ X 0 .


x→a

1 1
Exemplo 5.4 As funções f, g : (0, 1] −→ R, f(x) = sen e g(x) = ,
x x
não são uniformemente contı́nuas, pois não existem lim g(x) e lim f(x),
x→0 x→0
0
no ponto 0 ∈ (0, 1] .

Observação 5.6 Uma função f : X −→ R não é uniformemente contı́nua


se, e só se, existem ε0 > 0 e duas seqüências (xn ), (yn ) de pontos de X
tais que |xn − yn | −→ 0 e |f(xn ) − f(yn )| ≥ ε0 para todo n ∈ N.

Exemplo 5.5 A função f : R −→ R, f(x) = x3 , não é uniformemente


1
contı́nua em R. De fato, existem ε = 3 e duas seqüências xn = n + e
n
1
yn = n tais que |xn − yn | = −→ 0 e
n
 3
1 n 2 n 1
|f(xn ) − f(yn )| = n +
3
3 3

− n = n + 3 + 3 2 + 3 − n
n n n n
3 1
= 3n + + 3 ≥ 3 , para todo n ∈ N .
n n


Teorema 5.2 Seja X compacto. Então toda função contı́nua f : X −→ R


é uniformemente contı́nua.

Prova.
Primeira demonstração.
Dado ε > 0. Para cada x ∈ X existe δx > 0 tal que
ε
y ∈ X, |y − x| < 2δx =⇒ |f(y) − f(x)| <
2
[
Seja Ix = (x − δx , x + δx ). Então a cobertura aberta X ⊂ Ix admite uma
x∈X

212 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

subcobertura finita X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .


Seja δ = min{δx1 , . . . , δxn } > 0. Se x, y ∈ X e |x − y| < δ, tome j ∈ {1, . . . , n}
tal que x ∈ Ixj .

Então, |x − xj | < δxj e |y − xj | ≤ |y − x| + |x − xj | < δ + δxj ≤ 2δxj .


ε ε
Logo, |f(x) − f(xj )| < e |f(y) − f(xj )| < , donde |f(x) − f(y)| < ε.
2 2

Segunda demonstração.
Suponhamos que f não é uniformemente contı́nua.
Então existe ε0 > 0 tal que, para todo n ∈ N existem xn , yn ∈ X com
1
|xn − yn | < e |f(xn ) − f(yn )| ≥ ε0 .
n
Como X é compacto, a seqüência (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N
que converge para um ponto x ∈ X.
Então ynk −→ x, pois (xnk − ynk ) −→ 0.
Sendo f contı́nua, temos que lim f(xnk ) = lim f(ynk ) = f(x), o que
k→+∞ k→+∞

contradiz a desigualdade |f(xnk ) − f(ynk )| ≥ ε0 , para todo k ∈ N.


Logo, f é uniformemente contı́nua.


Exemplo 5.6 A função f : [0, 1] −→ R, f(x) = x, é contı́nua e, portanto
uniformemente contı́nua, pois [0, 1] é compacto.
√ √
| x − y| 1
Mas, f não é lipschitziana, pois o quociente = √ √ não é
|x − y| x+ y
1
limitado, já que lim+ √ √ = +∞.
x→0 x+ y

Por outro lado, a função g : [0, +∞) −→ R, g(x) = x, da qual f é uma
restrição, é uniformemente contı́nua, embora seu domı́nio [0, +∞) não
seja compacto.
De fato, g|[1,+∞) é lipschitziana, pois
|x − y| 1
|g(x) − g(y)| = √ √ ≤ |x − y|, para x, y ∈ [1, +∞) .
x+ y 2

Como g|[0,1] e g|[1,+∞) são uniformemente contı́nuas, temos que g|[0,+∞) é


uniformemente contı́nua, pois dado ε > 0 existem δ1 , δ2 > 0 tais que:

Instituto de Matemática - UFF 213


Análise na Reta

ε
• x, y ∈ [0, 1], |x − y| < δ1 =⇒ |g(x) − g(y)| < ˙;
2
ε
• x, y ∈ [1, +∞), |x − y| < δ2 =⇒ |g(x) − g(y)| < .
2
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0 e sejam x, y ∈ [0, +∞), |x − y| < δ.
Assim, se
ε
• x, y ∈ [0, 1] =⇒ |g(x) − g(y)| < < ε;
2
ε
• x, y ∈ [1, +∞) =⇒ |g(x) − g(y)| < < ε;
2
• x ∈ [0, 1] e y ∈ [1, +∞) =⇒ |x − 1| < δ e |y − 1| < δ
ε ε ε ε
=⇒ |g(x) − g(1)| < e |g(y) − g(1)| < =⇒ |g(x) − g(y)| < + ≤ ε .
2 2 2 2

Definição 5.3 Dizemos que uma função ϕ : Y −→ R é uma extensão


da função f : X −→ R, quando f é uma restrição de g, ou seja, X ⊂ Y e
ϕ(x) = f(x) para todo x ∈ X.
Quando ϕ é contı́nua, dizemos que f se estende continuamente à função
ϕ.

Teorema 5.3 Toda função uniformemente contı́nua f : X −→ R admite


uma extensão contı́nua ϕ : X −→ R. A função ϕ é a única extensão
contı́nua de f a X e é uniformemente contı́nua.

Prova.
Vamos definir ϕ no conjunto X = X ∪ X 0 .
Como f é uniformemente contı́nua, pelo Corolário 5.1, existe lim0 f(x) para
x→x
0 0
todo x ∈ X .
Definimos, então, ϕ da seguinte maneira:
ϕ(x 0 ) = lim0 f(x) se x ∈ X 0 e ϕ(x) = f(x) se x ∈ X.
x→x

Se x 0 ∈ X 0 ∩ X, então ϕ(x 0 ) = lim0 f(x) = f(x 0 ), pois f é contı́nua em x 0 .


x→x

Logo, ϕ está bem definida em X.

Observe que se x ∈ X, xn −→ x, xn ∈ X, então ϕ(x) = lim f(xn ).


n→+∞

Afirmação: ϕ : X −→ R é uniformemente contı́nua.

214 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

De fato, como f é uniformemente contı́nua em X, dado ε > 0 existe δ > 0


ε
tal que x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2

Sejam x, y ∈ X tais que |x − y| < δ.


Então existem seqüências (xn ) e (yn ) em X tais que xn −→ x e yn −→ y.
Como |xn − yn | −→ |x − y| e |x − y| < δ, existe n0 ∈ N tal que |xn − yn | < δ
ε
para todo n ≥ n0 . Então, |f(xn ) − f(yn )| <
para todo n ≥ n0 e, portanto,
2
ε
|ϕ(x) − ϕ(y)| = lim |f(xn ) − f(yn )| ≤ < ε .
n→+∞ 2

Unicidade: Seja ψ : X −→ R outra extensão contı́nua de f e seja x ∈ X.


Então existe uma seqüência (xn ) em X com lim xn = x.
n→+∞

Logo,
ψ(x) = lim ψ(xn ) = lim f(xn ) = lim ϕ(xn ) = ϕ(x) .
n→+∞ n→+∞ n→+∞

Corolário 5.2 Seja f : X −→ R uniformemente contı́nua. Se X é limi-


tado, então f(X) é limitado, ou seja, f é limitada.

Prova.
Seja ϕ : X −→ R a extensão contı́nua de f.

Como X é limitado, X é compacto. Logo, ϕ(X) é compacto e, portanto,


f(X) é limitado, pois f(X) ⊂ ϕ(X).

Instituto de Matemática - UFF 215


A derivada de uma função

Parte 7

Derivadas

1. A derivada de uma função

Definição 1.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f é


derivável no ponto a quando existe o limite
f(x) − f(a)
f 0 (a) = lim
x→a x−a

Neste caso, f 0 (a) chama-se a derivada de f no ponto a

f(x) − f(a)
Observação 1.1 Seja q : X − {a} −→ R definida por q(x) = .
x−a

Geometricamente, q(x) é a inclinação, ou coeficiente angular, da reta se-


cante ao gráfico de f que passa pelos pontos (a, f(a)) e (x, f(x)).

Definição 1.2 A reta r : y = f 0 (a)(x − a) + f(a) que passa pelo ponto


(a, f(a)) e tem inclinação f 0 (a) é chamada de reta tangente ao gráfico de
f no ponto a.

Observação 1.2 A inclinação da reta tangente é, portanto, o limite,


quando x −→ a, das inclinações das retas secantes que passam pelos
pontos (a, f(a)) e (x, f(x))

Observação 1.3 Seja h = x − a, ou x = a + h, h 6= 0. Então


f(a + h) − f(a)
f 0 (a) = lim
h→0 h

Instituto de Matemática - UFF 217


Análise na Reta

f(a + h) − f(a)
onde a função h 7−→ está definida no conjunto
h
Y = {h ∈ R − {0} | a + h ∈ X} ,
que tem o zero como ponto de acumulação.

Definição 1.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que f é


derivável à direita no ponto a quando existe o limite
f(x) − f(a) f(a + h) − f(a)
f 0 (a+ ) = lim+ = lim+ .
x→a x−a h→0 h

No caso afirmativo, f 0 (a+ ) é a derivada à direita de f no ponto a.


Seja a ∈ X∩X−0 . Dizemos que f é derivável à esquerda no ponto a quando
existe o limite
f(x) − f(a) f(a + h) − f(a)
f 0 (a− ) = lim− = lim− .
x→a x−a h→0 h

Neste caso, f 0 (a− ) é a derivada à esquerda de f no ponto a.

Observação 1.4 Se a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 , f 0 (a) existe se, e só se, existem
e são iguais as derivadas laterais f 0 (a+ ) e f 0 (a− ).

Observação 1.5 Dizer que uma função f : [c, d] −→ R é derivável no


ponto a significa que:
• f possui as duas derivadas laterais no ponto a e elas são iguais quando
a ∈ (c, d).
• f possui derivada lateral à direita no ponto a quando a = c.
• f possui derivada lateral à esquerda no ponto a quando a = d.

Observação 1.6 Pelas propriedades gerais do limite, temos que f é


derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 se, e só se,
f(xn ) − f(a)
lim = f 0 (a)
n→+∞ xn − a

para qualquer seqüência (xn ) de pontos de X − {a} com lim xn = a.


n→∞

Mais geralmente, f é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 se, e só se, dada


uma função g : Y −→ R, com b ∈ Y 0 , tal que lim g(y) = a e g(y) 6= a para
y→b

y 6= b, temos que
f(g(y)) − f(a)
f 0 (a) = lim .
y→b g(y) − a

218 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R constante, ou seja, existe c ∈ R tal que


f(x) = c para todo x ∈ R. Então f 0 (a) = 0 para todo a ∈ R.

Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) = cx + d e seja a ∈ R.


f(x) − f(a) c(x − a)
Então f 0 (a) = c, pois = = c para todo x 6= a.
x−a x−a

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R, f(x) = x2 e seja a ∈ R. Então,


f(a + h) − f(a) a2 + 2ah + h2 − a2
= = 2a + h −→ 2a
h h
quando h −→ 0. Assim, f 0 (a) = 2a para todo a ∈ R.

Exemplo 1.4 Seja f : R −→ R, f(x) = xn , n ∈ N e seja a ∈ R.


Então, pela fórmula do binômio de Newton, temos que
Xn  
n j n−j
n
f(a + h) − f(a) = (a + h) − a = n
ah − an
j=0
j
X
n−2  
!
n j n−j−1 n
 n−1
= ah h + n−1 a h.
j=0
j

Logo,
X
n−2  
!
f(a + h) − f(a) n
lim = lim aj hn−j−1 + nan−1
h→0 h h→0 j
j=0
n−1
= na , pois n − j − 1 ≥ 1 para 0 ≤ j ≤ n − 2 .

Então, f 0 (a) = nan−1 para todo a ∈ R.


Se p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 é um polinômio, então, usando as proprie-
dades conhecidas do limite, temos
p 0 (x) = nan xn−1 + . . . + 2a2 x + a1 ,
para todo x ∈ R.

Exemplo 1.5 Seja f : R −→ R a função definida por f(x) = |x|.


f(x) − f(0) |x|
Então, = . Logo,
x−0 x
|x| |x|
f 0 (0+ ) = lim+ = lim+ 1 = 1 e f 0 (0− ) = lim− = lim− (−1) = −1 .
x→0 x x→0 x→0 x x→0

Como f 0 (0+ ) 6= f 0 (0− ), f não é derivável no ponto 0, mas é derivável nos


demais pontos da reta, com f 0 (a) = 1 se a > 0 e f 0 (a) = −1 se a < 0.

Instituto de Matemática - UFF 219


Análise na Reta


Exemplo 1.6 Seja f : [0, +∞) −→ R definida por f(x) = x. Então,
para a ∈ [0, +∞), h 6= 0 e a + h ≥ 0, temos
√ √
a+h− a h 1
= √ √  = √ √ .
h h a+h+ a a+h+ a

1
Logo, f é derivável em todo ponto a > 0 e f 0 (a) = √ , mas f não é
2 a
derivável no ponto zero, pois o quociente
√ √ √
0+h− 0 h 1
= =√
h h h
1
é ilimitado numa vizinhança de zero e, portanto, não existe lim+ √ .
h→0 h

Exemplo 1.7 Seja f : R −→ R a função definida por


f(x) = inf { |x − n| | n ∈ Z } ,
ou seja, f(x) é a distância de x ao inteiro mais próximo. Temos que

x − n 1
h i
se x ∈ n, n +
f(x) = 2
n + 1 − x se x ∈ n + 1 , n + 1 .
h i
2
1 1
 
Então, f(n) = 0 e f n + , para todo n ∈ Z, e o gráfico de f é uma
=
2 2
1 1
 
serra cujos dentes tem pontas nos pontos n + , .
2 2

1
A função f é derivável em todo x ∈ R, x 6= n, x 6= n + , n ∈ Z, sendo
2

1 1
 
se x ∈ n, n +
f 0 (x) = 2
−1 se x ∈ n + 1 , n + 1 .
 
2
1
Mas f não é derivável nos pontos n e n + , n ∈ N, porque f 0 (n+ ) = 1 6=
2
 +
   
1 1 −

0 − 0 0
f (n ) = −1 e f n+ = −1 6= f n+ = 1 .
2 2

220 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Observação 1.7 A derivada, sendo um limite, satisfaz aos seguintes


resultados, provados para limite de uma função:
• Se f : X −→ R possui derivada no ponto a ∈ X ∩ X 0 , então, dado
Y ⊂ X com a ∈ Y ∩ Y 0 , a função g = f|Y também é derivável no ponto a e
g 0 (a) = f 0 (a).
• Se Y = I ∩ X, onde I é um intervalo aberto contendo o ponto a, e g = f|Y
é derivável no ponto a, então f é derivável no ponto a e f 0 (a) = g 0 (a).
Este resultado mostra o caráter local da derivada.

Definição 1.4 Dizemos que uma função f : X −→ R é derivável no


conjunto X quando f é derivável em todos os pontos a ∈ X ∩ X 0 .

Observação 1.8 Seja f : X −→ R derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 . Seja r


a função dada por
r(h) = f(a + h) − f(a) − f 0 (a) h
definida no conjunto Da = {h ∈ R | a + h ∈ X}.
Então, para todo h ∈ Da − {0}, temos

r(h)
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + r(h) , com lim = 0. (1)
h→0 h

r(h)
Sendo lim = 0, dizemos que o resto r(h) tende para zero mais rapi-
h→0 h

damente que h, ou que r(h) é um infinitésimo (=função com limite zero)


de ordem superior a 1, relativamente a h.
Reciprocamente, se existe L ∈ R tal que
r(h)
f(a + h) = f(a) + L h + r(h) , com lim = 0, (2)
h→0 h

então f é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 e f 0 (a) = L, pois


 
f(a + h) − f(a) r(h)
lim = lim L + = L.
h→0 h h→0 h

• A condição (1) pode ser escrita sob a forma

f(a + h) = f(a) + (f 0 (a) + ρ(h)) h , com lim ρ(h) = 0 , (3)


h→0

r(h) f(a + h) − f(a)


onde ρ(0) = 0 e ρ(h) = = − f 0 (a) para todo h 6= 0 tal
h h
que a + h ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 221


Análise na Reta

Assim, a continuidade da função ρ no ponto 0 equivale à existência da


derivada f 0 (a) de f no ponto a.

Observação 1.9 As condições (1), (2) e (3) também são válidas para
as derivadas laterais, supondo h > 0 para a derivada à direita e h < 0
para a derivada à esquerda.

Exemplo 1.8 Seja f(x) = x2 . Então, dados a ∈ R e h 6= 0, temos


r(h) = (a + h)2 − a2 − 2ah = h2 .

Exemplo 1.9 Sabemos do Cálculo que a função f : R −→ R dada por


f(x) = sen x é derivável na reta e f 0 (a) = cos a para todo a ∈ R. Então,
r(h)
sen(a + h) = sen a + h cos a + r(h) , com lim = 0.
h→0 h

Usando a fórmula da trigonometria


sen(a + h) = sen a cos h + sen h cos a ,
obtemos que
r(h) = sen a cos h + sen h cos a − sen a − h cos a
= sen a(cos h − 1) + cos a(sen h − h) .

r(h)
Isto confirma que lim = 0, pois
h→0 h
cos h − 1
lim = cos 0 (0) = − sen(0) = 0 ,
h→0 h
e
sen h − h sen h − sen 0
lim = lim − 1 = cos 0 − 1 = 0 .
h→0 h h→0 h−0


Definição 1.5 Seja f : X −→ R uma função derivável no ponto a. A


diferencial de f no ponto a é a transformação linear df(a) : R −→ R
definida por df(a)h = f 0 (a) h.
Se f é derivável em todo X, definimos a diferencial de f como sendo a
função df : X −→ L(R; R), a 7−→ df(a), onde L(R; R) é o espaço vetorial
dos operadores lineares de R em R.

Teorema 1.1 Sejam a ∈ X ∩ X 0 e f : X −→ R. Se f é derivável no ponto


a, então f é contı́nua no ponto a.

222 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Prova.
f(x) − f(a)
Como o limite lim existe e lim (x − a) = 0, temos que
x→a x−a x→a
 
f(x) − f(a)
lim ( f(x) − f(a) ) = lim (x − a)
x→a x→a x−a
f(x) − f(a)
= lim · lim (x − a) = 0 ,
x→a x−a x→a

ou seja, lim f(x) = f(a). Logo, f é contı́nua no ponto a.


x→a

Observação 1.10
• Se a ∈ X ∩ X+0 e f : X −→ R é derivável à direita no ponto a, então f é
contı́nua à direita no ponto a, ou seja, lim+ f(x) = f(a) .
x→a

• E se a ∈ X∩X−0 e f é derivável à esquerda no ponto a, então f é contı́nua


à esquerda no ponto a, ou seja, lim− f(x) = f(a) .
x→a

Estes resultados demonstram-se de modo análogo quando f é derivável


no ponto a.
• Então, f é contı́nua no ponto a, se f possui derivada à direita e à es-
querda no ponto a, mesmo sendo diferentes.

1 se x ≥ 0
Exemplo 1.10 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
−1 se x < 0 .

Então f é contı́nua à direita no ponto zero e f 0 (0+ ) = 0, mas f não é


contı́nua à esquerda no ponto 0 nem existe a derivada à esquerda de f no
ponto 0. Portanto, f não é contı́nua no ponto 0.

Exemplo 1.11 Os exemplos 1.5, 1.6 e 1.7, mostram que uma função
pode ser contı́nua em toda a reta e não ser derivável em alguns pontos.
Na realidade, a maioria das funções contı́nuas em R não possuem de-
rivada em ponto algum (ver E. Lima, Espaços Métricos, exemplo 33 do
capı́tulo 7).

Teorema 1.2 Sejam f, g : X −→ R funções deriváveis no ponto


f
a ∈ X ∩ X 0 . Então, f ± g, f · g e (quando g(a) 6= 0) são deriváveis
g
no ponto a e valem as seguintes fórmulas:

Instituto de Matemática - UFF 223


Análise na Reta

(f ± g)(a) = f 0 (a) ± g 0 (a)

(f · g) 0 (a) = f 0 (a) g(a) + f(a) g 0 (a)


 0
f f 0 (a) g(a) − f(a) g 0 (a)
(a) = 2
g ( g(a) )

Prova.
Vamos demonstrar a fórmula de derivação do quociente, deixando as ou-
tras como exercı́cio.
Sendo g(x) 6= 0 para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), para algum δ > 0,
f
a função está definida nesta vizinhança de a.
g

Como, para x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


f(x) f(a)

g(x) g(a) f(x) g(a) − f(a) g(x) 1
= ·
x−a x−a g(x) · g(a)
   
f(x) − f(a) g(x) − g(a) 1
= g(a) − f(a) ,
x−a x−a g(x)g(a)

temos que
f(x) f(a)
−  
g(x) g(a) f(x) − f(a) g(x) − g(a) 1
lim = g(a) lim − f(a) lim · lim
x→a x−a x→a x−a x→a x−a x→a g(x)g(a)
1
= ( g(a) f 0 (a) − f(a) g 0 (a) ) · .
( g(a) )2

pois g é contı́nua no ponto a, já que g é derivável no ponto a.

Corolário 1.1
• Se c ∈ R então (c · f) 0 (a) = c · f 0 (a) .
 1 0 f 0 (a)
• Se f(a) 6= 0 então (a) = − 2
.
f f(a)

Teorema 1.3 (Regra da cadeia)


Sejam f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y, a ∈ X ∩ X 0 , b = f(a) ∈ Y ∩ Y 0 .
Se f é derivável no ponto a e g é derivável no ponto b = f(a), então
g ◦ f : X −→ R é derivável no ponto a e tem-se a regra da cadeia:

( g ◦ f ) 0 (a) = g 0 (b) · f 0 (a)

224 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Prova.
Sejam ρ e σ funções definidas numa vizinhança de 0, tais que
f(a + h) = f(a) + ( f 0 (a) + ρ(h) ) h , onde lim ρ(h) = 0 ,
h→0
g(b + k) = g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) ) k , onde lim σ(k) = 0 .
k→0

Tomando k = f(a + h) − f(a) = ( f 0 (a) + ρ(h) ) h, temos que


f(a + h) = f(a) + k = b + k
e
(g ◦ f)(a + h) = g(f(a + h)) = g(b + k) = g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) )k
= g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) ) ( f 0 (a) + ρ(h) ) h
= g ◦ f(a) + ( g 0 (b) f 0 (a) + θ(h) ) h ,

onde θ(h) = σ( f(a + h) − f(a) ) ( f 0 (a) + ρ(h) ) + g 0 (b) ρ(h) .


Como f é contı́nua no ponto a, σ e ρ são contı́nuas no ponto 0, com
σ(0) = ρ(0) = 0, temos que
lim θ(h) = 0 ,
h→0

pois lim σ(f(a + h) − f(a)) = σ(0) = 0 e lim ρ(h) = ρ(0) = 0 .


h→0 h→0

Logo, g ◦ f é derivável no ponto a e (g ◦ f) 0 (a) = g 0 (b) f 0 (a) .

Corolário 1.2 (Derivada da inversa de uma função)


Seja f : X −→ Y uma função que possui inversa g = f−1 : Y −→ X. Se f é
derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 e g é contı́nua no ponto b = f(a), então g é
derivável no ponto b se, e só se, f 0 (a) 6= 0. Neste caso,
1
g 0 (b) =
f 0 (a)

Prova.
Como g é contı́nua no ponto b = f(a) e é injetiva, temos que
lim g(y) = g(b) = a ,
y→b

e g(y) 6= a quando y ∈ Y − {b}.


Além disso, b ∈ Y ∩ Y 0 , pois f é contı́nua no ponto a, é injetiva em X e
a ∈ X ∩ X 0.
Logo, se f 0 (a) 6= 0, então

Instituto de Matemática - UFF 225


Análise na Reta

g(y) − g(b) g(y) − g(b)


lim = lim
y→b y−b y→bf(g(y)) − f(a)
 −1
f(g(y)) − f(a) 1
= lim = 0 ,
y→b g(y) − a f (a)

1
ou seja, g é derivável no ponto b e g 0 (b) = .
f 0 (a)

Reciprocamente, se g é derivável no ponto b, então, pela regra da cadeia,


g ◦ f = idX é derivável no ponto a e g 0 (b) f 0 (a) = 1, ou seja, f 0 (a) 6= 0 e
1
g 0 (b) = .
f 0 (a)

Exemplo 1.12 A função f : R −→ R, dada por f(x) = x3 , é uma bijeção



contı́nua com inversa contı́nua g : R −→ R com g(y) = 3 y.

Como f 0 (a) = 3a2 6= 0 para todo a 6= 0 e f(0) = 0, temos que g é derivável


1 1 1
em todo ponto b ∈ R − {0} e g 0 (b) = = = √ .
f 0 (g(b)) 3(g(b))2 3
3 b2

Definição 1.6 Dizemos que uma função f : X −→ R possui um máximo


local no ponto a ∈ X, quando existe δ > 0 tal que f(x) ≤ f(a) para todo
x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
E quando existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩
(X − {a}), dizemos que f possui um máximo local estrito no ponto a ∈ X.
Há definições análogas para os conceitos de mı́nimo local e mı́nimo local
estrito de uma função.

Exemplo 1.13 A função f : R −→ R, dada por f(x) = x2 , possui um


mı́nimo local estrito no ponto 0, pois f(x) = x2 > f(0) = 0 para todo
x ∈ R − {0}.

Exemplo 1.14 A função g : R −→ R, g(x) = sen x , possui máximos


π π
 
locais estritos nos pontos (4k + 1) , pois g (4k + 1) = 1 > g(x)
2 2
 π π

π

para todo x ∈ 4k − , 4k + 3 − (4k + 1) , e possui mı́nimos locais
2 2 2
π π
 
estritos nos pontos (4k−1) , pois g (4k − 1) = −1 < g(x) , para todo
2 2
 3π π

π

x ∈ 4k − , 4k + − (4k − 1) .
2 2 2 

226 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Exemplo 1.15 Uma função constante possui máximo local e mı́nimo


local não-estritos em cada ponto do seu domı́nio.


1 se x ≥ 0
Exemplo 1.16 A função h : R −→ R, dada por h(x) =
−1 se x < 0 ,
possui um máximo local não-estrito no ponto 0.

1
 
Exemplo 1.17 A função ϕ : R −→ R, ϕ(x) = x 2
1 + sen se x 6= 0
x
e ϕ(0) = 0, é contı́nua em toda a reta e possui um mı́nimo local não
estrito no ponto 0, pois ϕ(x) ≥ 0 = ϕ(0) para todo x ∈ R e, em toda
1
vizinhança de 0, há pontos x tais que ϕ(x) = 0, já que π −→ 0 e
(4k − 1)
2
 
1  = 0 para todo k ∈ Z.
ϕ π 
(4k − 1)
2

Observação 1.11 Se f : X −→ R é não-decrescente e derivável no


f(x) − f(a)
ponto a ∈ X∩X 0 , então f 0 (a) ≥ 0, pois ≥ 0 para todo x ∈ X−{a}.
x−a

• Analogamente, se f : X −→ R é não-crescente e derivável no ponto


a ∈ X ∩ X 0 , então f 0 (a) ≤ 0.
• Se f : X −→ R é crescente (decrescente) e derivável no ponto a ∈ X∩X 0 ,
não temos necessariamente f 0 (a) > 0 (< 0).

Por exemplo, a função f(x) = x3 é crescente e f 0 (0) = 0.


• Se a ∈ X ∩ X 0 ∩ X−0 e existe δ > 0 tal que f(y) ≤ f(a) ≤ f(x) para
a − δ < y < a < x < a + δ, então f 0 (a) ≥ 0, mas não implica que f seja
não-decrescente (ver exemplo 1.18).

Teorema 1.4 Seja f : X −→ R uma função derivável à direita no ponto


a ∈ X ∩ X+0 . Se f 0 (a+ ) > 0, então existe δ > 0 tal que f(a) < f(x) para todo
x ∈ X ∩ (a, a + δ).

Prova.
f(x) − f(a) f(x) − f(a)
Como lim + = f 0 (a+ ) > 0, existe δ > 0 tal que >0
x−→a x−a x−a
para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ), ou seja, f(x) > f(a) ∀ x ∈ X ∩ (a, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 227


Análise na Reta

Observação 1.12 Valem também os seguintes resultados, que podem


ser provados de modo análogo ao teorema anterior:
• Se a ∈ X ∩ X+0 e f 0 (a+ ) < 0, então existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo X ∩ (a, a + δ).
• Se a ∈ X ∩ X−0 e f 0 (a+ ) > 0, então existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a − δ, a).
• Se a ∈ X ∩ X−0 e f 0 (a− ) < 0, então existe δ > 0 tal que f(x) > f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a − δ, a).

Corolário 1.3 Seja a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Se f : X −→ R possui no ponto


a derivada f 0 (a) > 0 (f 0 (a) < 0), então existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
a − δ < x < a < y < a + δ =⇒ f(x) < f(a) < f(y) (f(y) < f(a) < f(x)).

Corolário 1.4 Seja a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Se f : X −→ R é derivável no ponto


a e possui um máximo ou um mı́nimo local nesse ponto, então f 0 (a) = 0.

Prova.
Se f 0 (a) > 0 ou f 0 (a) < 0, temos, pelo corolário anterior, que a não é
ponto de máximo nem de mı́nimo local.

Observação 1.13 O teorema 1.4 não diz que existe um intervalo à di-
reita de a no qual f é crescente quando f 0 (a+ ) > 0, nem o corolário 1.3
diz que f é crescente numa vizinhança de a quando f 0 (a) > 0.

Exemplo 1.18
• Antes de dar o exemplo de uma função que ilustre a observação acima,
faremos o estudo de algumas funções.
1
• A função f : R −→ R, f(x) = x sen se x 6= 0 e f(0) = 0, é contı́nua
x
1 1 1
em toda a reta e possui derivada f 0 (x) = sen − cos em todo x 6= 0,
x x x
f(x) − f(0)
mas não é derivável no ponto zero, pois não existe o limite de =
x−0
1
sen quando x −→ 0.
x
1
• A função g : R −→ R, g(x) = x2 sen se x 6= 0 e g(0) = 0, é contı́nua
x

228 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

1 1
em toda a reta e possui derivada g 0 (x) = 2x sen − cos em todo ponto
x x
g(x) − g(0) 1
6 0. Além disso, como lim
x= = lim x sen = 0, temos que g é
x→0 x−0 x→0 x
derivável no ponto 0 e g 0 (0) = 0.
Assim, g : R −→ R possui derivadas em todos os pontos da reta, mas
g 0 : R −→ R não é contı́nua no ponto zero, pois não existe lim g 0 (x) =
x→0
1 1
 
lim 2x sen − cos .
x→0 x x
1 x
• Seja a função ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = x2 sen + se x = 6 0e
x 2
1
ϕ(0) = 0. Como ϕ é contı́nua e derivável em toda a reta, e ϕ 0 (0) = > 0,
2
temos, pelo corolário 1.3, que existe δ > 0 tal que 0 < x < δ =⇒ ϕ(x) > 0
e −δ < x < 0 =⇒ ϕ(x) < 0.
Mas, ϕ não é crescente em vizinhança alguma do ponto 0, pois, como
1 1 1
ϕ 0 (x) = 2x sen − cos + , para x 6= 0,
x x 2
1 1
dado δ > 0 existe n0 ∈ N tal que < δ. Então, ∈ (0, δ) e
2n0 π 2n0 π
   
0 1 1 0 1 1
ϕ < 0, − ∈ (−δ, 0), e ϕ − < 0, π ∈ (0, δ) e
2n0 π 2n0 π 2n0 π 4n0 π + 2
   
1 1 1
ϕ0 π > 0, − π ∈ (−δ, 0) e ϕ 0 − π > 0.
4n0 π + 2 4n0 π + 2 4n0 π + 2

Ou seja, dado δ > 0, existem pontos xδ , xδ ∈ (0, δ) e yδ , yδ ∈ (−δ, 0) tais


que ϕ 0 (xδ ) > 0, ϕ 0 (xδ ) < 0 , ϕ 0 (yδ ) > 0 e ϕ 0 (yδ ) < 0.
Logo, ϕ não pode ser monótona em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pelas observações feitas antes do teorema 1.4. Isto só
foi possı́vel, porque ϕ 0 não é contı́nua no ponto zero (por quê?).
Além disso, ϕ não pode ser injetiva em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pois, caso contrário, ϕ seria monótona, por ser contı́nua e
injetiva num intervalo (ver teorema 3.2 da parte 6).

Observação 1.14
• A recı́proca do corolário 1.4 não é verdadeira.
Por exemplo, a função f : R −→ R, f(x) = x3 , apesar de ter derivada zero

Instituto de Matemática - UFF 229


Análise na Reta

no ponto 0, tal ponto não é de máximo nem de mı́nimo local, pois f é uma
função crescente em toda a reta.
• No corolário 1.4, não basta que f possua derivadas laterais no ponto de
máximo ou de mı́nimo para podermos concluir que as derivadas laterais
são nulas nesse ponto. Por exemplo, a função g : R −→ R, g(x) = |x|,
possui um mı́nimo no ponto 0, mas as derivadas laterais neste ponto
g 0 (0+ ) = 1 e g 0 (0− ) = −1 não são nulas.
• E, também, a condição de a ∈ X+0 ∩X−0 é necessária para que o corolário
1.4 seja válido. Por exemplo, a função h : [0, +∞) −→ R, h(x) = x2 + x
possui um mı́nimo local no ponto 0, mas h 0 (0) = 1 6= 0.

2. Funções deriváveis num intervalo

Seja X ⊂ R um conjunto compacto tal que todo x ∈ X é ponto de


acumulação à esquerda e à direita de X, com exceção de a = inf X e
b = sup X, e, além disso, X 6= {a, b}. Então, X = [a, b].
De fato, o aberto R − X é reunião de intervalos abertos dois a dois
disjuntos, sendo (−∞, a) e (b, +∞) dois deles. Se (c, d), c < d fosse outro
intervalo componente de R−X, então c e d pertenceriam a X. Como c não
é ponto de acumulação à direita de X, terı́amos c = a ou c = b, e, como
d não é ponto de acumulação à esquerda de X, terı́amos d = a ou d = b.
Sendo c < d e a < b, terı́amos (c, d) = (a, b) e, portanto, X = {a, b}, o
que é absurdo.

Definição 2.1 Quando a função f : I −→ R possui derivada em todos os


pontos do intervalo I, podemos considerar a função derivada f 0 : I −→ R
dada por x 7−→ f 0 (x).
E quando f 0 : I −→ R é uma função contı́nua, dizemos que f é uma função
continuamente derivável, ou uma função de classe C1 .

Observação 2.1 Mas nem sempre a função derivada é uma função



 x2 sen 1 se x 6= 0
contı́nua. Por exemplo, a função f : R −→ R, f(x) = x
 0 se x = 0 ,

230 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

1 1
é derivável em todos os pontos da reta, com f 0 (x) = 2x sen − cos se
x x
x 6= 0 e f 0 (0) = 0.
Mas f 0 : R −→ R não é contı́nua no ponto zero e, portanto, f não é de
classe C1 em toda a reta.

Observação 2.2 Seja f : I −→ R uma função de classe C1 no intervalo


I e sejam a < b em I, tais que f 0 (a) < d < f 0 (c).
Então, pelo teorema do valor intermediário (TVI) para funções contı́nuas
aplicado à derivada f 0 , existe c ∈ (a, b) ⊂ I tal que f 0 (c) = d.
Mas o teorema abaixo, devido a Darboux, nos diz que se f é derivável em
[a, b], então f 0 satisfaz o TVI, mesmo sendo descontı́nua.

Teorema 2.1 (Valor intermediário para a derivada)


Se f : [a, b] −→ R é derivável no intervalo [a, b] e f 0 (a) < d < f 0 (b), então Jean Gaston Darboux
(1842-1917) França.
existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d.

Prova.
Suponhamos, primeiro, que d = 0, ou seja, f 0 (a) < 0 < f 0 (b). Como
f 0 (a) < 0, existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a, a + δ), e como
f 0 (b) > 0, existe δ 0 > 0 tal que f(y) < f(b) para todo y ∈ (b − δ 0 , b).
Além disso, como f é contı́nua no compacto [a, b], temos, pelo teorema
de Weierstrass, que f possui um ponto de mı́nimo e um ponto de máximo
no intervalo [a, b].
Logo, o ponto de mı́nimo c pertence ao intervalo (a, b), pois, pelo visto
acima, a e b não são pontos de mı́nimo.
Assim, pelo corolário 1.4, f 0 (c) = 0, pois c ∈ (a, b) é ponto de acumulação
à direita e à esquerda do conjunto [a, b].
No caso geral, basta considerar a função g(x) = f(x) − dx, x ∈ [a, b].
Então, g 0 (x) = f 0 (x) − d e f 0 (a) < d < f 0 (b) se, e só se, g 0 (a) < 0 < g 0 (b).
Logo, se f 0 (a) < d < f 0 (b), existe c ∈ (a, b) tal que g 0 (c) = 0, ou seja,
f 0 (c) = d.

Corolário 2.1 Se f : I −→ R é derivável no intervalo I, então f 0 não tem


descontinuidade de primeira espécie em I.

Instituto de Matemática - UFF 231


Análise na Reta

Prova.
Seja c ∈ I um ponto de acumulação à direita de I, isto é, c não é a
extremidade superior de I.

Afirmação: Se existe lim+ f 0 (x) = L, então L = f 0 (c).


x→c

Suponhamos, por absurdo, que f 0 (c) < L.


Seja d ∈ R tal que f 0 (c) < d < L.
Para ε = L − d > 0, existe δ > 0 tal que f 0 (x) > L − ε = d para todo
x ∈ (c, c + δ).
δ δ
   
0 0
Em particular, f (c) < d < f c + , mas não existe x ∈ c, c + tal
2 2
que f(x) = d, o que contradiz o teorema 2.1.
De modo análogo, podemos provar que L não pode ser menor que f 0 (c).
Logo, L = f 0 (c).
• Se c é um ponto de acumulação à esquerda, podemos mostrar, também,
que se existe lim− f 0 (x) = M então M = f 0 (c).
x→c

Logo, f não possui descontinuidade de primeira espécie, pois se os li-


mites laterais existem num ponto a, f é necessariamente contı́nua neste
ponto.

Exemplo 2.1 A função f : R −→ R, f(x) = |x|, não é um contra-exemplo


para o corolário acima, pois, apesar de f 0 : R − {0} −→ R, ser dada por
f 0 (x) = −1 se x < 0 e f 0 (x) = 1 se x > 0, 0 não é uma descontinuidade de
primeira espécie de f 0 , já que f 0 (0) não existe.
Mas, o corolário 2.1 nos diz que não existe uma função g : R −→ R
derivável em toda a reta tal que g 0 = f 0 em R − {0}, pois, nesse caso, g 0
teria uma descontinuidade de primeira espécie no ponto 0.


0 se x ∈ Q
Exemplo 2.2 A função ϕ : R −→ R, dada por ϕ(x) =
1 se x ∈ R − Q ,
não é a derivada de uma função ξ : R −→ R, pois, embora suas descon-
tinuidades sejam todas de segunda espécie, ela não satisfaz ao teorema
do valor intermediário para funções deriváveis.

232 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Teorema 2.2 (Rolle)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se f(a) =
f(b), então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.

Prova.
Se f é constante em [a, b], então f 0 (c) = 0 para todo c ∈ (a, b).
Suponhamos, então, que f não é constante em [a, b]. Como f é contı́nua
no compacto [a, b], o máximo e o mı́nimo de f são atingidos em pontos do
intervalo [a, b]. Então, existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = M ou f(c) = m, pois
se o máximo M e o mı́nimo m fossem ambos atingidos nas extremidades,
terı́amos M = m, pois f(a) = f(b), e f seria, portanto, constante.
Logo, pelo corolário 1.4, f 0 (c) = 0, pois c é um ponto de acumulação à
direita e à esquerda do intervalo [a, b] e f é derivável no ponto c.

Exemplo 2.3 Seja f : [0, 1] −→ R definida por f(x) = x se x ∈ [0, 1) e


f(1) = 0. Então f(0) = f(1) = 0 e f é derivável em (0, 1), mas f 0 (x) = 1 6= 0
para todo x ∈ (0, 1). Isto ocorre porque f não é contı́nua em [0, 1].

Exemplo 2.4 Seja g : [−1, 1] −→ R dada por g(x) = |x|. Então g é


contı́nua em [−1, 1] e g(−1) = g(1) = 1, mas não existe c ∈ (−1, 1) tal que
g 0 (c) = 0. Isto ocorre porque g não é derivável no intervalo aberto (−1, 1),
já que não é derivável no ponto 0.

1
Exemplo 2.5 Seja h : [−1, 1] −→ R definida por h(x) = (1−x2 ) sen
1 − x2
se x 6= ±1 e h(±1) = 0. Então, h é contı́nua em [−1, 1] e derivável apenas
no intervalo aberto (−1, 1). Neste exemplo, podemos aplicar o teorema de
Rolle para garantir que existe c ∈ (−1, 1) tal que f 0 (c) = 0. Na realidade,
1 2x 1
f 0 (0) = 0, pois f 0 (x) = −2x sen 2
+ 2
cos para x 6= ±1.
1−x 1−x 1 − x2

Exemplo 2.6 Apesar do teorema de Rolle não se aplicar à função ϕ :


1
[−1, 1] −→ R definida por ϕ(x) = sen se x 6= ±1 e ϕ(±1) = 0, por ϕ
1 − x2
não ser contı́nua no intervalo fechado [−1, 1], existem infinitos pontos em
(−1, 1) nos quais a derivada de ϕ se anula.

Instituto de Matemática - UFF 233


Análise na Reta

Teorema 2.3 (valor médio de Lagrange)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Então existe
c ∈ (a, b) tal que
f(b) − f(a)
f 0 (c) = .
b−a

• Um enunciado equivalente ao teorema acima é o seguinte:


Seja f : [a, a + h] −→ R contı́nua no intervalo [a, a + h] e derivável
em (a, a + h). Então existe t ∈ (0, 1) tal que
f(a + h) = f(a) + f 0 (a + th)h .
Prova.
 
f(b) − f(a)
Seja g : [a, b] −→ R definida por g(x) = (x − a) + f(a).
b−a

Como g é contı́nua e derivável em [a, b], g(a) = f(a) e g(b) = f(b), temos
que a função ϕ : [a, b] −→ R, ϕ(x) = f(x) − g(x) satisfaz as hipóteses
do teorema de Rolle, pois ϕ é contı́nua em [a, b], derivável em (a, b) e
ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Logo, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ 0 (c) = 0. Mas, como ϕ 0 (x) = f 0 (x) − g 0 (x)
f(b) − f(a)
e g 0 (x) = para todo x ∈ (a, b), temos que
b−a
f(b) − f(a)
f 0 (c) = g 0 (c) = .
b−a


Observação 2.3 Geometricamente, o teorema de valor médio de


Lagrange nos diz que existe um ponto c ∈ (a, b) tal que a reta tangente
ao gráfico de f no ponto (c, f(c)) é paralela à reta secante ao gráfico que
liga os pontos (a, f(a)) e (b, f(b)).

Corolário 2.2 Se uma função contı́nua f : [a, b] −→ R possui derivada


nula em todos os pontos x ∈ (a, b), então f é constante.

Prova.
Seja x ∈ (a, b). Então existe cx ∈ (a, b) tal que
f(x) − f(a)
0 = f 0 (cx ) = .
x−a

Logo, f(x) = f(a) para todo x ∈ (a, b).

234 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Então, f(a) = lim f(x) = f(b), pois f é contı́nua em [a, b].


x→b

Assim, f(x) = f(a) para todo x ∈ [a, b], ou seja, f é constante em [a, b].

Corolário 2.3 Se f, g : [a, b] −→ R são contı́nuas em [a, b], deriváveis


em (a, b) e f 0 (x) = g 0 (x) para todo x ∈ (a, b), então existe c ∈ R tal que
g(x) = f(x) + c para todo x ∈ [a, b].

Prova.
Como a função g − f : [a, b] −→ R é contı́nua em [a, b], derivável em
(a, b) e (g − f) 0 (x) = g 0 (x) − f 0 (x) = 0 para todo x ∈ (a, b), temos, pelo
corolário anterior, que g − f é constante em [a, b], ou seja, existe c ∈ R tal
que g(x) − f(x) = c para todo x ∈ [a, b].

x
Observação 2.4 A função f : R − {0} −→ R, definida por f(x) = , não
|x|
é constante, apesar de f 0 (x) = 0 para todo x ∈ R − {0}. Isto ocorre porque
o domı́nio de f não é um intervalo.

Corolário 2.4 Seja f : I −→ R derivável no intervalo aberto I. Se existe


k ∈ R tal que |f 0 (x)| ≤ k para todo I ∈ I, então
|f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ I.

Prova.
Sejam x, y ∈ I, x < y. Como f é contı́nua em [x, y] e derivável em (x, y),
existe z ∈ (x, y) tal que
f(x) − f(y) = f 0 (z)(x − y) .
Logo, |f(x) − f(y)| = |f 0 (z)| |x − y| ≤ k|x − y| .
O mesmo vale se y < x.

Observação 2.5 Podemos concluir que se f possui derivada limitada


num intervalo aberto I, então f é lipschitziana e, portanto, uniformemente
contı́nua em I. Em particular, se I = (a, b), então existem lim− f(x) e
x→b

lim f(x).
x→a+

1
Por exemplo, a função f : (0, +∞) −→ R, definida por f(x) = sen , não
x

Instituto de Matemática - UFF 235


Análise na Reta

tem limite à direita no ponto 0 e tem derivada ilimitada em qualquer inter-


1 1
valo do tipo (0, δ], pois f 0 (x) = − cos para x 6= 0.
x2 x

Observação 2.6 Se f é uma função contı́nua em [a, b], derivável em


(a, b) e |f 0 (x)| ≤ k para todo x ∈ (a, b), então |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y|
quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b].
De fato, sejam (xn ) e (yn ) seqüências de pontos do intervalo (a, b) tais
que xn −→ a e yn −→ b.
Como |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| para todos os pontos x, y ∈ (a, b), temos que
|f(xn ) − f(yn )| ≤ k|xn − yn |
para todo n ∈ N.
Logo,
|f(a) − f(b)| = lim |f(xn ) − f(yn )| ≤ k lim |xn − yn | = k|a − b| .
n→+∞ n→+∞

E, se x ∈ (a, b), então,

• |f(a) − f(x)| = lim |f(xn ) − f(x)| ≤ k lim |xn − x| = k|a − x| ,


n→+∞ n→+∞

• |f(x) − f(b)| = lim |f(x) − f(yn )| ≤ k lim |x − yn | = k|x − b| .


n→+∞ n→+∞

Logo, |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| para todos x, y ∈ [a, b].

Corolário 2.5 Seja f contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se existe


lim f 0 (x) = L, então existe f 0 (a+ ) e L = f 0 (a+ ).
x→a+

Prova.
f(xn ) − f(a)
Basta provar que lim = L , para toda seqüência (xn ) de pon-
n→+∞ xn − a
tos de (a, b) com lim xn = a.
n→+∞

Pelo teorema do valor médio, para todo n ∈ N, existe yn ∈ (a, xn ) tal que
f(xn ) − f(a)
f 0 (yn ) = .
xn − a

Como yn −→ a e lim f 0 (yn ) = lim+ f 0 (x) = L, temos que


n→+∞ x→a

f(xn ) − f(a)
lim = L.
n→+∞ xn − a

Logo, f é derivável à direita no ponto a e f 0 (a+ ) = L.

236 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Observação 2.7 De modo análogo, podemos provar que se f é contı́nua


em [a, b], derivável em (a, b) e existe lim− f 0 (x) = L, então existe f 0 (b− ) e
x→b
0 −
L = f (b ).

Corolário 2.6 Seja f : (a, b) −→ R derivável, exceto, possivelmente,


num ponto c ∈ (a, b), onde f é contı́nua. Se existe lim f 0 (x) = L, então f é
x→c
0
derivável no ponto c e f (c) = L.

Prova.
Seja δ > 0 tal que [c − δ, c + δ] ⊂ (a, b).
Como a função f é contı́nua em [c − δ, c], derivável em (c − δ, c) e existe
lim− f 0 (x) = L, então f é derivável à esquerda no ponto c e f 0 (c− ) = L.
x→c

E, também, como f é contı́nua em [c, c + δ], derivável em (c, c + δ) e existe


lim f(x) = L, então f é derivável à direita no ponto c e f 0 (c+ ) = L.
x→c+

Logo, f é derivável no ponto c e f 0 (c) = L.

Corolário 2.7 Seja f : I −→ R derivável no intervalo I. Então, f 0 (x) ≥ 0


para todo x ∈ I se, e só se, f é não-decrescente em I.
E se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I, então f é crescente. Neste caso, f possui
uma inversa, definida no intervalo J = f(I), que é derivável no intervalo J
1
com (f−1 ) 0 (y) = , para todo y ∈ J.
f 0 (f−1 (y))

Prova.
(=⇒) Sejam x, y ∈ I, x < y. Pelo teorema do valor médio, existe
f(y) − f(x)
z ∈ (x, y) tal que = f 0 (z). Como f 0 (z) ≥ 0 e y − x > 0, te-
y−x
mos que f(y) ≥ f(x).

(⇐=) Se f é não-decrescente e derivável em a ∈ I, então f 0(a) ≥ 0, pois


f(a + h) − f(a)
≥ 0 , para todo h 6= 0 tal que a + h ∈ I.
h
• Se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I, temos que se a < b, a, b ∈ I, então existe,
Note que: a recı́proca deste re-
pelo teorema do valor médio, c ∈ (a, b) tal que f(b) − f(a) = f 0 (c)(b − a). sultado não é verdadeira, pois
Logo, f(b) > f(a), já que f 0 (c)(b − a) > 0. f(x) = x3 é crescente e derivável
em toda a reta, mas f 0 (0) = 0.

Instituto de Matemática - UFF 237


Análise na Reta

Como f é contı́nua e injetiva no intervalo I, então, pelo teorema 3.2 da


parte 6, J = f(I) é um intervalo e f−1 : J −→ I é contı́nua.
Além disso, como f 0 (x) 6= 0 para todo x ∈ I, temos, pelo corolário 1.2, que
1
f−1 é derivável em J e (f−1 ) 0 (y) = para todo y ∈ J.
f 0 (f−1 (y))

Observação 2.8 Vale um resultado análogo para funções não-crescentes


e decrescentes com ≤ e <, respectivamente.

Exemplo 2.7 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ex . Sabemos do


Cálculo que f é derivável em toda a reta e f 0 (x) = ex para todo x ∈ R.
Dado x > 0, existe, pelo teorema do valor médio, c ∈ (0, x) tal que f(x) =
f(0) + f 0 (c)x = 1 + ec x. Como c > 0 temos que ec > 1. Logo, ex > 1 + x
para todo x > 0.
xn
Aplicação: x→+∞
lim = 0 para todo n ∈ N.
ex
x x x
Com efeito, como e n+1 > 1 + > para todo x > 0 e n ∈ N,
n+1 n+1
xn+1
temos que ex > .
(n + 1)n+1

ex x xn A
Então, n
> , ou seja, 0 < x
< para todo x > 0, onde A = (n+1)n+1 .
x A e x
xn
Logo, lim = 0.
x→+∞ ex

p(x)
Mais geralmente: x→+∞
lim = 0 para todo polinômio p(x) = an xn +
ex
an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0 .
an−1 a
De fato, como p(x) = an xn q(x), onde q(x) = 1 + + . . . + 0 n , temos
an x an x
p(x)
que lim = an e, portanto,
n→+∞ xn
p(x) p(x) xn p(x) xn
lim = lim · = lim · lim = an · 0 = 0 .
x→+∞ ex x→+∞ xn ex x→+∞ xn x→+∞ ex

1
Exemplo 2.8 Seja f : R −→ R definida por f(x) = e− x2 se x 6= 0 e
1
f(0) = 0. Como lim e− x2 = 0, f é contı́nua em R. Além disso, f é derivável
x→0

238 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

2 − 12
em R − {0}, com f 0 (x) = e x para x 6= 0.
x3
3
1 2y 2
Pondo y = 2 , temos, pelo exemplo acima, que lim |f 0 (x)| = lim =
x x→0 y→+∞ ey
3
y y2 y2 y y2
0, já que y < y < y , para todo y > 1, e lim y = lim y = 0.
e e e y→+∞ e y→+∞ e

Logo, pelo corolário 2.6, f é derivável no ponto 0 e f 0 (0) = 0.


e− x1 se x 6= 0
Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a função f(x) = .
0 se x = 0
1 1
Como lim+ e− x = 0 = f(0) e lim− e− x = +∞, f não é contı́nua no ponto
x→0 x→0

zero, mas é contı́nua à direita nesse ponto.


1 y2
Sendo f 0 (x) = 1 −x
x2
e para todo x 6= 0 e lim+ f 0 (x) = lim = 0, onde
x→0 y→+∞ ey

1
y= , temos, pelo corolário 2.5, que f é derivável à direita no ponto 0 e
x
f 0 (0+ ) = 0.
1
Observe que lim− f 0 (x) = lim− 1 = +∞.
x→0 x→0 x2 e x

Observação 2.9 Há duas situações nas quais vale o teorema do valor
médio sem supor que a função f : [a, b] −→ R seja contı́nua nos pontos a
e b:
Primeira: Suponhamos que existem lim+ f(x) = L e lim− f(x) = M. Então,
x→a x→b

a função g : [a, b] −→ R definida por g(x) = f(x) se x ∈ (a, b), g(a) = L e


g(b) = M é contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Logo, pelo teorema
do valor médio, existe c ∈ (a, b) tal que
g(b) − g(a) = g 0 (c)(b − a) ,
ou seja, existe c ∈ (a, b) tal que (M − L) = f 0 (x)(b − a).
Temos f(b) − f(a) = f 0 (c)(b − a) se, e só se, M − L = f(b) − f(a).
Segunda: Se f : [a, b] −→ R é limitada em [a, b], derivável em (a, b)
e pelo menos um dos limites nas extremidades, digamos lim+ f(x), não
x→a

f(b) − f(a)
existe, então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = .
b−a

Instituto de Matemática - UFF 239


Análise na Reta

De fato, como não existe lim+ f(x), temos, pela observação feita após o
x→a

corolário 2.4, que f 0 não é limitada em (a, b).

Afirmação: f 0 é ilimitada inferior e superiormente.


De fato, suponhamos, por absurdo, que f 0 (x) ≥ A para todo x ∈ (a, b).
Então, a função g(x) = f(x) − Ax seria não-decrescente em (a, b), pois
g 0 (x) ≥ 0 em (a, b), e limitada. Existiria, portanto, lim+ g(x), o que é
x→a

absurdo, pois isto implicaria na existência de lim+ f(x).


x→a

De modo análogo, podemos provar que f 0 não é limitada superiormente


em (a, b).
f(b) − f(a)
Seja d = . Então existem pontos x1 , x2 ∈ (a, b) tais que f 0 (x1 ) <
b−a
d < f 0 (x2 ). Logo, pelo teorema do valor intermediário para a derivada,
f(b) − f(a)
existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d = .
b−a

Definição 2.2 Dizemos que uma função f : I −→ R é uniformemente


derivável no intervalo I quando f é derivável em I e para cada ε > 0 dado,
existe δ > 0 tal que

f(x + h) − f(x)
0 < |h| < δ =⇒ 0

− f (x) < ε ,
h

seja qual for x ∈ I, x + h ∈ I.


• Uma condição equivalente seria:

∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; 0 < |h| < δ =⇒


| (f(x + h) − f(x) − f 0 (x)h | < ε |h| ∀ x, x + h ∈ I

Teorema 2.4 Uma função f : [a, b] −→ R é uniformemente derivável se,


e só se, f é de classe C1 .

Prova.
(=⇒) Suponhamos que f é de classe C1 em [a, b], ou seja, f é derivável
em [a, b] e f 0 é contı́nua em [a, b]. Então, f 0 é uniformemente contı́nua em
[a, b], já que [a, b] é compacto.
∀ ε > 0 , ∃ δ > 0 tal que x, y ∈ [a, b], |x − y| < δ =⇒ |f 0 (x) − f 0 (y)| < ε .

240 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Sejam x, x + h ∈ [a, b] com 0 < |h| < δ. Então, pelo teorema do valor
médio, existe y entre x e x + h tal que f(x + h) − f(x) = f 0 (y) h. Logo,
|f(x + h) − f(x) − f 0 (x)h| = |f 0 (y) − f 0 (x)| |h| < ε|h|,
pois |(x + h) − x| = |h| < δ e, portanto, |y − x| < δ.
Assim, f é uniformemente derivável em [a, b].
(⇐=) Suponhamos, agora, que f é uniformemente derivável em [a, b].
Provaremos que a derivada f 0 é contı́nua em todos os pontos do intervalo
compacto [a, b].
Seja x0 ∈ (a, b) e tome δ = min{b − x0 , x0 − a} > 0.
δ
Dado ε > 0, existe 0 < δ 0 < tal que se x ∈ [a, b], x + h ∈ [a, b] e
2
0 < |h| < δ 0 , então

f(x + h) − f(x) 0
ε
− f (x) < .
h 3

Sejam h > 0 fixo tal que h < δ 0 .



f(x + h) − f(x) 0
ε
Então, − f (x) < para todo x ∈ [a, x0 + h], pois
h 3
(x0 + h) + h < x0 + δ ≤ x0 + (b − x0 ) = b.
• Mostraremos que f 0 é contı́nua em x0 .
Seja x tal que |x − x0 | < h. Então, x ∈ (x0 − h, x0 + h) ⊂ (a, b) , pois,
x0 − h > x0 − (x0 − a) = a e x0 + h < x0 + b − x0 = b , e

f(x + h) − f(x)
|f (x) − f (x0 )| ≤ f (x) −
0 0
0

h

f(x + h) − f(x) f(x0 + h) − f(x0 )
+ −
h h

f(x + h) − f(x0 )
+ 0

− f 0 (x0 )
h

ε f(x + h) − f(x) f(x0 + h) − f(x0 ) ε
< + − + .
3 h h 3

f(x + h) − f(x)
Como a função g : [a, x0 + h] −→ R definida por g(x) = é
h
contı́nua em x0 , existe 0 < δ 00 < h tal que
ε
|x − x0 | < δ 00 =⇒ |g(x) − g(x0 )| < .
3

Instituto de Matemática - UFF 241


Análise na Reta

ε ε ε
Então, |f 0 (x) − f 0 (x0 )| < + + = ε para todo x ∈ (x0 − δ 00 , x0 + δ 00 ).
3 3 3
• Mostraremos, agora, que f 0 é contı́nua no ponto a.
b−a
Dado ε > 0, existe 0 < δ < tal que
2

f(x + h) − f(x)
x, x + h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ 0

− f (x) < ε3.
h

Seja h > 0 fixo tal que h < δ. Então,



f(x + h) − f(x) 0

− f (x) < ε3 ,
h
h a + bi a+b a+b b−a
para todo x ∈ a, , pois a < +h< + = b.
2 2 2 2
h a + bi f(x + h) − f(x)
Como a função g : a, −→ R definida por g(x) = é
2 h
00
contı́nua no ponto a, existe 0 < δ < h tal que
ε
a ≤ x < a + δ 00 =⇒ |g(x) − g(a)| < .
3
Logo,
|f 0 (x) − f 0 (a)| ≤ |f 0 (x) − g(x)| + |g(x) − g(a)| + |g(a) − f 0 (a)|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo x ∈ [a, a + δ 00 ).
Assim, f 0 é contı́nua no ponto a.
• Finalmente, mostraremos que f 0 é contı́nua no ponto b.
b−a
Seja 0 < δ < tal que
2

f(x + h) − f(x) ε
x, x + h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒
0
− f (x) < .
h 3

Seja h < 0 fixo tal que h > −δ. Então,



f(x + h) − f(x) 0
ε
− f (x) < ,
h 3
ha + b i a+b a+b b−a
para todo x ∈ , b , pois b > +h> − = a.
2 2 2 2
ha + b i f(x + h) − f(x)
Como a função g : , b −→ R , g(x) = , é contı́nua
2 h
no ponto b, existe 0 < δ < |h| tal que
00

242 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

ε a+b
h i
|g(x) − g(b)| < para todo x ∈ (b − δ 00 , b] ⊂ ,b .
3 2
Logo,
|f 0 (x) − f 0 (b)| ≤ |f 0 (x) − g(x)| + |g(x) − g(b)| + |g(b) − f 0 (b)| Para uma demonstração mais
ε ε ε
< + + = ε, sintética, veja Curso de Análise,
3 3 3 Vol. I de Elon Lima

para todo x ∈ (b − δ 00 , b] . Assim, f 0 é contı́nua no ponto b.

3. Fórmula de Taylor

Seja n ∈ N. A n−ésima derivada, ou derivada de ordem n, da


função f no ponto a é indicada por f(n) (a) e é definida por indução da
seguinte maneira:
f 00 (a) = f(2) (a) = [f 0 ] 0 (a) ,
f 000 (a) = f(3) (a) = [f 00 ] 0 (a) ,
··· ···
(n) (n−1) 0
f (a) = [f ] (a) .

• É conveniente considerar f como a sua própria derivada de ordem zero


e escrever f(0) (a) = f(a), para simplificar as fórmulas.

• A derivada de ordem n, f(n) (a), de f no ponto a só faz sentido quando


f(n−1) (x) existe para todo x num conjunto ao qual a pertence e do qual é
ponto de acumulação. Em todos os casos que estudaremos, tal conjunto
será um intervalo contendo a.

Definição 3.1 Dizemos que f : I −→ R é n−vezes derivável no intervalo


I quando existe f(n) (x) para todo x ∈ I. Quando x é uma das extremidades
de I, f(n) (x) é uma derivada lateral.

Definição 3.2 Dizemos que f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto


a ∈ I, quando existe um intervalo aberto J contendo a tal que f é
(n − 1)−vezes derivável em I ∩ J e, além disso, existe f(n) (a).

Definição 3.3 Dizemos que f : I −→ R é de classe Cn , e escrevemos


f ∈ Cn , ou f ∈ Cn (I; R), quando f é n−vezes derivável em I e a derivada
de ordem n, x 7−→ f(n) (x), é contı́nua em I.

Instituto de Matemática - UFF 243


Análise na Reta

Observação 3.1 Em particular, dizer que f ∈ C0 significa que f é contı́-


nua em I.

Exemplo 3.1 Para cada n = 0, 1, 2, . . ., seja ϕn : R −→ R a função


definida por ϕn (x) = |x|n x .

Então, ϕn (x) = xn+1 , se x ≥ 0 e ϕn (x) = −xn+1 se x ≤ 0.

Afirmação: ϕn0 (x) = (n + 1)ϕn−1 (x) para todo x ∈ R e n ∈ N.


De fato,
• Se x > 0, ϕn0 (x) = (n + 1)xn = (n + 1)xn−1 |x| = (n + 1)ϕn−1 (x) .

• Se x < 0, ϕn0 (x) = −(n + 1)xn (n + 1)xn−1 |x| = (n + 1)ϕn−1 (x) .

• ϕn0 (0+ ) = ϕn0 (0− ) = 0 , pois lim± ϕn0 (x) = lim± (n + 1)xn−1 |x| = 0 .
x→0 x→0

Logo ϕn0 (0) = 0 = (n + 1)ϕn−1 (0) .

Afirmação: ϕ(n)
n (x) = (n + 1)! ϕ0 (x) para todo x ∈ R.

• Se n = 1, ϕ10 (x) = 2ϕ0 (x) = 2! ϕ0 (x) , ∀ x ∈ R.


(n)
• Suponhamos, por indução, que ϕn (x) = (n+1)! ϕ0 (x), para todo x ∈ R.
0
Então, como ϕn+1 (x) = (n + 2) ϕn (x), temos que
(n+1) 0 (n)
ϕn+1 (x) = [ϕn+1 ](n) (x) = (n + 2) ϕn (x)
= (n + 2) (n + 1)! ϕ0 (x)
= (n + 2)! ϕ0 (x) ,

para todo x ∈ R.
Como ϕ0 (x) = |x|, x ∈ R, é contı́nua, mas não é derivável no ponto zero,
temos que ϕ ∈ Cn , mas não é (n + 1)−vezes derivável no ponto zero.
Então, ϕ 6∈ Cn+1 .

Exemplo 3.2
• Sejam as funções fn , hn : R −→ R definidas por:
 
x2n sen 1 , se x 6= 0 x2n cos 1 , se x 6= 0
fn (x) = x e hn (x) = x
 
0 se x = 0 0 se x = 0 .

(n) (n)
Então fn e hn são n−vezes deriváveis em R, mas fn e hn não são
contı́nuas no ponto zero. Logo, fn 6∈ Cn e hn 6∈ Cn .

244 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Em particular, fn e hn não são (n + 1)−vezes deriváveis.


• Sejam as funções gn , ϕn : R −→ R definidas por:
 
x2n+1 sen 1 se x 6= 0 x2n+1 cos 1 se x 6= 0
gn (x) = x e ϕn (x) = x
 
0 se x = 0 , 0 se x = 0 .

Então, gn ∈ Cn e ϕn ∈ Cn , mas não são (n + 1)−vezes deriváveis no


ponto zero.
Vamos provar as afirmações feitas acima por indução sobre n.
Caso n = 1: Como
1 1
f10 (x) = 2x sen − cos se x 6= 0 e f10 (0) = 0 ,
x x
1 1
h10 (x) = 2x cos + sen se x 6= 0 e h10 (0) = 0 ,
x x

temos que f1 e h1 são deriváveis em R, mas f10 e h10 não são contı́nuas no
ponto zero.
• Como
1 2
g10 (x) = 3x2 sen − x cos , x 6= 0 e g10 (0) = 0,
x x
1 1 1 1
g100 (x) = 6x sen − 4 cos + sen , x 6= 0,
x x x x
1 1
ϕ10 (x) = 3x2 cos + x sen , x 6= 0 , e ϕ10 (0) = 0,
x x
1 1 1 1
ϕ100 (x) = 6x cos + 4 sen − cos , x 6= 0 ,
x x x x

temos que g1 e ϕ1 são de classe C1 , mas não são 2−vezes deriváveis no


g10 (x) − g10 (0) ϕ 0 (x) − ϕ10 (0)
ponto zero, pois não existem lim e lim 1 .
x→0 x−0 x→0 x−0

Caso geral: Suponhamos que as afirmações feitas sejam válidas para fn ,


hn , gn e ϕn .
Sendo
0 1 1 0
fn+1 (x) = (2n + 2)x2n+1 sen − x2n cos , x 6= 0, e fn+1 (0) = 0 ,
x x
temos que
0
fn+1 (x) = (2n + 2)gn (x) − hn (x) para todo x ∈ R .
Como as funções gn e hn são n−vezes deriváveis na reta, mas a derivada
de ordem n de hn não é contı́nua na origem e a derivada da função gn é

Instituto de Matemática - UFF 245


Análise na Reta

contı́nua em R, temos que fn+1 é (n + 1)−vezes derivável em R, mas sua


derivada de ordem n + 1 não é contı́nua no ponto 0.
De modo análogo, temos que:
0 1 1 0
hn+1 (x) = (2n + 2)x2n+1 cos + x2n sen , x 6= 0 , e hn+1 (0) = 0
x x
ou seja,
0
hn+1 (x) = (2n + 2)ϕn (x) + fn (x) para todo x ∈ R .
Logo, hn+1 é (n + 1)−vezes derivável em R, pois ϕn e fn são n−vezes
(n+1) (n)
deriváveis em R, mas hn+1 não é contı́nua no ponto zero, já que fn não
(n)
é contı́nua no ponto zero e ϕn é contı́nua em toda a reta.
• Sendo
0 1 1 0
gn+1 (x) = (2n + 3)x2n+2 sen − x2n+1 cos , x 6= 0 , e gn+1 (0) = 0 ,
x x
temos que
0
gn+1 (x) = (2n + 3)fn+1 (x) − ϕn (x) para todo x ∈ R .
Como ϕn ∈ Cn e fn+1 ∈ Cn , pois fn+1 é (n + 1)−vezes derivável em
R, temos que gn+1 ∈ Cn+1 , mas gn+1 não é (n + 2)−vezes derivável no
ponto zero, pois ϕn não é (n + 1)−vezes derivável no ponto zero e fn+1 é
(n + 1)−vezes derivável em R.
De modo análogo, temos que
0 1 1 0
ϕn+1 (x) = (2n + 3)x2n+2 cos + x2n+1 sen , x 6= 0 , e ϕn+1 (0) = 0 ,
x x
ou seja,
0
ϕn+1 (x) = (2n + 3)hn+1 (x) + gn (x) .

Logo, ϕn+1 ∈ Cn+1 , pois hn+1 , gn ∈ Cn , mas não é (n+2)−vezes derivável


no ponto zero, pois gn não é (n + 1)−vezes derivável no ponto 0 e hn+1 é
(n + 1)−vezes derivável em R.

Definição 3.4 Dizemos que f : I −→ R é de classe C∞ em I quando


f ∈ Cn para todo n = 0, 1, 2, . . . ,ou seja, pode-se derivar f tantas vezes
quantas se deseje, em todos os pontos do intervalo I.

Exemplo 3.3
• Todo polinômio é uma função C∞ em R.

246 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

• Uma função racional, quociente de dois polinômios, é de classe C∞ em


todo intervalo onde é definida.
• As funções trigonométricas, a função logaritmica e a função exponencial
são de classe C∞ em cada intervalo onde são definidas.

 1
e− x2 se x 6= 0
Exemplo 3.4 A função f : R −→ R, f(x) = é de
0 se x = 0
classe C∞ .
É claro que existem as derivadas de todas as ordens num ponto x 6= 0.

Vamos provar que existe f(n) (0) para todo n ∈ N.


1 1
Afirmação: Para cada n ∈ N, fn (x) = pn e− x2 , x 6= 0, onde pn (x) é
x
um polinômio.
2 − 12 1
• Para n = 1, f 0 (x) = 1
e− x2 , x 6= 0, onde p1 (y) = 2y3 .

e x = p1 x
x3
1 1
• Suponha que f(n) (x) = pn e− x2 , x 6= 0, onde
x
pn (y) = ak yk + . . . + a1 y + a0
é um polinômio, ou seja,
a a
 1
f(n) (x) = kk + . . . + 1 + a0 e− x2 , x 6= 0.
x x
Então, para x 6= 0,
 ka a
 2 ak
 a1

k 2 −1/x2
f(n+1) (x) = − k+1 − . . . − 21 e−1/x + 3 + . . . + + a 0 e
x x x xk x
1
2
= pn+1 e−1/x ,
x

onde pn+1 (y) = −kak yk+1 − . . . − a1 y2 + 2ak yk+3 + . . . + 2a1 y4 + 2a0 y3 , é


um polinômio de grau k + 3.

Afirmação: f(n) (0) existe e é igual a zero para todo n ∈ N.


1
• Fazendo y = , temos que
x
f(x) − f(0) 1/x y
lim± = lim± 1/x2 = lim y2 .
x→0 x−0 x→0 e x→±∞ e

Logo, f 0 (0) existe e é igual a zero, pois f 0 (0+ ) = f 0 (0− ) = 0.

Instituto de Matemática - UFF 247


Análise na Reta

• Suponhamos que f(n) (0) existe e é igual a zero.


1
2
Como f(n) (x) = p e−1/x , x 6= 0 , para algum polinômio p, fazendo
x
1
y = , obtemos que
x
f(n) (x) − f(n) (0) 1 1 yp(y)
  2
lim± = lim± p e−1/x = lim 2 = 0.
x→0 x−0 x→0 x x y→±∞ ey

Logo, f(n+1) (0+ ) = f(n+1) (0− ) = 0. Então, f(n+1) (0) existe e é igual a zero.

• Quando f é derivável num ponto a,


r(h)
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + r(h) , onde lim = 0,
h→0 h

ou seja, o resto r(h) é um infinitésimo de ordem maior do que 1 em relação


à h.
Mostraremos que quando f é n−vezes derivável no ponto a, existe
um polinômio p de grau ≤ n, polinômio de Taylor de f no ponto a, tal que
r(h)
f(a + h) = p(h) + r(h) , onde lim = 0,
h→0 hn

ou seja, o resto r(h) é um infinitésimo de ordem superior a n em relação


a h.
Isto é, uma função n−vezes derivável num ponto pode ser aproxi-
mada por um polinômio de grau ≤ n na vizinhança daquele ponto.
No caso n = 1, a existência de um polinômio p(h) = f(a) + Lh de
r(h)
grau ≤ 1 tal que lim = 0, onde r(h) = f(a+h)−p(h), é uma condição
h→0 h

necessária e suficiente para que f seja derivável no ponto a.


Mas, quando n > 1, a existência de um polinômio p(h) de grau
r(h)
≤ n tal que lim = 0, onde r(h) = f(a + h) − p(h), decorre de f ser
h→0 hn
n−vezes derivável no ponto a, mas não é suficiente para garantir que f
seja n−vezes derivável no ponto a.

Exemplo 3.5 Seja f : R −→ R definida por



1 + x + (x − a)2 + (x − a)3 sen 1
, se x 6= a
f(x) = x−a
1 + a , se x = a .

248 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Então,
1
f(a + h) = 1 + a + h + h2 + h3 sen , h 6= 0 ,
h
ou seja,
f(a + h) = p(h) + r(h) ,

onde p(h) = 1 + a + h + h2 é um polinômio de grau 2 e o resto


1 r(h)
r(h) = h3 sen cumpre a condição lim 2 = 0.
h h→0 h

Temos que f é derivável em toda a reta com


1 1
• f 0 (x) = 1 + 2(x − a) + 3(x − a)2 sen − (x − a) cos , para x 6= a
x−a x−a
e
1
f(x) − f(a) (x − a) + (x − a)2 + (x − a)3 sen
• f 0 (a) = lim = lim x−a
x→a x−a x→a x−a
1
= lim 1 + (x − a) + (x − a)2 sen = 1,
x→a x−a

mas f não é duas vezes derivável no ponto a, pois não existe


f 0 (x) − f 0 (a) 1 1
h i
lim = lim 2 + 3(x − a) sen − cos .
x→0 x−a x→a x−a x−a


Observação 3.2 Um polinômio de grau ≤ n


p(x) = b0 + b1 x + . . . + bn xn
fica determinado quando se conhecem o seu valor e o de suas derivadas
até a ordem n no ponto 0, ou seja, o conhecimento de p(0), p 0 (0),. . .,p(n) (0)
determina os valores de b0 , b1 , . . . , bn .
De fato, p(0) = b0 , p 0 (0) = b1 , p 00 (0) = 2 ! b2 ,. . .,p(n) (0) = n ! bn , ou seja,
p(j)
bj = , j = 0, 1, . . . , n.
j!

Definição 3.5 Se f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto a ∈ I, o


polinômio de grau ≤ n

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


p(h) = f(a) + f 0 (a)h + h + ... + h
2! n!

é o polinômio de Taylor de ordem n de f no ponto a.

Instituto de Matemática - UFF 249


Análise na Reta

Observação 3.3 O polinômio de Taylor de ordem n de f no ponto a


é o único polinômio p de grau ≤ n cujas derivadas p(0), p 0 (0),. . .,p(n) (0)
no ponto 0 coincidem com as derivadas correspondentes de f no ponto
p(j) (0) f(j) (a)
a, pois, nesse caso o coeficiente de ordem j de p é = ,
j! j!
j = 0, 1, . . . , n.

Lema 3.1 Seja r : I −→ R uma função n−vezes derivável, n ≥ 1, no


ponto 0 ∈ I. Então,
r(x)
r(0) = r 0 (0) = . . . = r(n) (0) = 0 ⇐⇒ lim = 0.
x→0 xn

Prova.
(=⇒) Mostraremos, por indução sobre n, que se r é n−vezes derivável,
r(x)
n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e r(0) = r 0 (0) = . . . = r(n) (0) = 0, então lim = 0.
x→0 xn

Caso n = 1: Se r(0) = r 0 (0) = 0, então


r(x) r(x) − r(0)
lim = lim = r 0 (0) = 0 .
x→0 x x→0 x−0

Caso geral: Suponhamos o resultado válido para n − 1, n ≥ 2.


Seja r : I −→ R n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I com r(0) = r 0 (0) =
. . . = r(n) (0) = 0.
r 0 (x)
Então, a hipótese de indução, aplicada a r 0 , nos dá que lim = 0.
x→0 xn−1

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que



r 0 (x)
x ∈ I , 0 < |x| < δ =⇒ n−1 < ε .
x

Como r é pelo menos uma vez derivável numa vizinhança do ponto zero,
pois n ≥ 2, existe 0 < δ 0 < δ, tal que r é derivável em I ∩ (−δ 0 , δ 0 ).
Então, pelo teorema do valor médio, para cada 0 < |x| < δ 0 , x ∈ I, existe
cx ∈ I, 0 < |cx | < |x|, tal que
r(x) = r(x) − r(0) = r 0 (cx )x .
Logo,

r(x) r 0 (cx ) r 0 (cx ) n−1
cx
xn = xn−1 = cn−1 · < ε.

x

x

250 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Provamos, assim, que dado ε > 0 existe δ 0 > 0 tal que



r(x)
x ∈ I, 0 < |x| < δ =⇒ n < ε .
0
x

r(x)
Logo, lim = 0.
x→0 xn

(⇐=) Mostraremos, agora, por indução, que se r : I −→ R é n−vezes


r(x)
derivável, n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e lim = 0, então r(0) = r 0 (0) =
x→0 xn

r 00 (0) = . . . = r(n) (0) = 0 .


r(x)
Caso n = 1: Se lim = 0, então
x→0 x

r(x) r(x)
r(0) = lim r(x) = lim x = lim lim x = 0 ,
x→0 x→0 x x→0 x x→0

r(x) − r(0) r(x)


e r 0 (0) = lim = lim = 0.
x→0 x−0 x→0 x

Caso geral: Suponhamos o resultado válido para n − 1, n ≥ 2, e conside-


remos uma função r : I −→ R n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I tal que
r(x)
lim = 0.
x→0 xn

r(n) (0) n
Seja ϕ : I −→ R definida por ϕ(x) = r(x) − x .
n!
Então, ϕ é n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I e
 
ϕ(x) r(x) r(n) (0)
lim n−1 = lim n
x− x = 0.
x→0 x x→0 x n!

Pela hipótese de indução, temos que


ϕ(0) = ϕ 0 (0) = . . . = ϕ(n−1) (0) = 0 .
Então, r(0) = 0 e como
r(n) (0)
ϕ(k) (x) = r(k) (x) − n (n − 1) . . . (n − (k − 1)) xn−k ,
n!

para todo x ∈ I e k = 1, 2, . . . , n, temos r(j) (0) = 0, para todo


r(n) (0) n !
j = 1, . . . , n − 1, e ϕ(n) (0) = r(n) (0) − = 0.
n!
ϕ(x)
Logo, pela parte do lema já demonstrada, temos que lim = 0, já que
x→0 xn
ϕ(0) = ϕ 0 (0) = . . . = ϕ(n−1) (0) = ϕ(n) (0) = 0 .

Instituto de Matemática - UFF 251


Análise na Reta

r(x)
Então, como lim = 0, temos que
x→0 xn
 
r(n) (0) r(n) (0) xn r(x) ϕ(x) r(x) ϕ(x)
= lim = lim − n = lim − lim n = 0 ,
n! x→0 n ! xn x→0 xn x x→0 x n x→0 x

ou seja, r(n) (0) = 0, o que completa a demonstração.

• Sejam f : I −→ R uma função definida no intervalo I, a ∈ I e p : R −→ R


um polinômio. Se fizermos
f(a + h) = p(h) + r(h) ,
obtemos uma função r : J −→ R definida no intervalo J = −a + I = {h ∈
R | a + h ∈ I} que contém o ponto 0.
Como p ∈ C∞ , temos que f é n−vezes derivável no ponto a se, e só
se, r é n−vezes derivável no ponto 0.
Suponhamos que f é n−vezes derivável no ponto a. Segue-se do
r(h)
lema anterior, que lim = 0 se, e só se, r(j) (0) = 0 , 0 ≤ j ≤ n, ou seja,
h→0 hn

r(h)
lim = 0 se, e só se, f(j) (a) = p(j) (0), para todo j = 0, 1, . . . , n.
h→0 hn

r(h)
Se, além disso, impusermos que grau(p) ≤ n, temos que lim =
h→0 hn

0 se, e só se, p é o polinômio de Taylor de ordem n para f no ponto a.


Com estas observações, provamos o seguinte:

Teorema 3.1 (Fórmula de Taylor infinitesimal)


Seja f : I −→ R uma função n−vezes derivável no ponto a ∈ I.
Então, para todo h tal que a + h ∈ I, tem-se

f(n) (a) n
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + . . . + h + r(h)
n!

r(h)
onde lim = 0.
h→0 hn

X
n
f(j) (a)
Além disso, p(h) = hj é o único polinômio de grau ≤ n tal que
j!
j=0

r(h)
f(a + h) = p(h) + r(h) , com lim =0
h→0 hn

252 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

• Este teorema nos diz que o polinômio de Taylor de ordem n para f


no ponto a aproxima f, numa vizinhança do ponto a, a menos de um
infinitésimo de ordem superior a n.

Exemplo 3.6 Seja p : R −→ R um polinômio de grau ≤ n. Dados


a, h ∈ R, a fórmula de Taylor infinitesimal nos diz que
p(n) (a) n
p(a + h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h + r(h) ,
n!
r(h)
onde lim = 0.
h→0 hn

Como r é um polinômio de grau ≤ n e r(j) (0) = 0, 0 ≤ j ≤ n, temos que


r = 0, ou seja,
p(n) (a) n
p(a + h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h ,
n!
quaisquer que sejam a, h ∈ R.
Poderı́amos, também, chegar ao mesmo resultado observando que q(h) =
p(a + h) é um polinômio de grau ≤ n tal que r(h) = p(a + h) − q(h) = 0
r(h)
satisfaz, trivialmente, a condição lim = 0. Então, pela unicidade do
h→0 hn
polinômio de Taylor, temos que
p(n) (a) n
p(a + h) = q(h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h .
n!


4. Aplicações da fórmula de Taylor

4.1 Máximos e mı́nimos locais

Seja f : I −→ R uma função n−vezes derivável no ponto a perten-


cente ao interior do intervalo I. Dizemos que a é um ponto crı́tico de f
quando f 0 (a) = 0.

Suponhamos que f 0 (a) = f 00 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 , mas


f(n) (a) 6= 0. Então:

(1) Se n é par, então a é ponto de máximo local quando f(n) (a) < 0, é um

Instituto de Matemática - UFF 253


Análise na Reta

ponto de mı́nimo local quando f(n) (a) > 0.


(2) Se n é ı́mpar, o ponto a não é de máximo nem de mı́nimo local.
De fato, pela fórmula de Taylor infinitesimal, temos que
 (n) 
f (a)
f(a + h) = f(a) + + ρ(h) hn ,
n!

r(h)
onde ρ(0) = 0 e ρ(h) = se h 6= 0, a + h ∈ I.
hn

Como lim ρ(h) = 0 e f(n) (a) 6= 0, temos que, para h suficientemente


h→0

f(n) f(n) (a)


peqeno, o sinal de + ρ(h) é o mesmo de .
n! n!

Então, se n é par e f(n) (a) > 0, temos que f(a + h) > f(a) para todo
h 6= 0 pertencente a uma vizinhança do poto zero, pois hn 6= 0 para todo
h 6= 0. Ou seja, a é um ponto de mı́nimo local estrito.

E, se n é par e f(n) (a) < 0, temos que f(a + h) < f(a) para todo
h 6= 0 suficientemente pequeno, já que hn > 0 para todo h 6= 0. Ou seja,
a é um ponto de máximo local estrito.

Agora, se n é ı́mpar e f(n) (a) > 0, como existe δ > 0 tal que (a −
f(n) (a)
δ, a + δ) ⊂ I e + ρ(h) > 0 para todo h ∈ (−δ, δ) − {0}, temos que
n!
 
f(n) (a)
f(a + h) − f(a) = + ρ(h) hn < 0 , se −δ < h < 0 ,
n!

e
 
f(n) (a)
f(a + h) − f(a) = + ρ(h) hn > 0 , se 0 < h < δ .
n!

Ou seja, a não é ponto de máximo nem de mı́nimo local de f.

De modo análogo, podemos provar que se n é ı́mpar e f(n) (a) < 0,


então a não é ponto de máximo nem de mı́nimo local de f.
• Em particular, temos que se f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto
a ∈ int I, f 0 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 e f(n) (a) 6= 0, então existe δ > 0 tal
que f(a + h) 6= f(a) para todo h ∈ (−δ, δ) , h 6= 0.
Como conseqüência, temos que se (xn ) é uma seqüência de pontos
de X − {a} tal que lim xn = a e f(xn ) = f(a) para todo n ∈ N, então
n→+∞

254 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

todas as derivadas de f que existam no ponto a são nulas.

Exemplo 4.1 A função f : R −→ R, f(x) = xn , tem um ponto de mı́nimo


no ponto zero se n é par, pois f 0 (0) = . . . = f(n−1) (0) = 0 e f(n) (0) = n ! , e
é crescente se n é ı́mpar, pois f 0 (x) = nxn−1 > 0 para todo x 6= 0.

0
4.2 Indeterminação do tipo .
0

Sejam f, g : I −→ R funções n−vezes deriváveis no ponto a ∈ I. Su-


ponhamos que f(a) = f 0 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 e g(a) = g 0 (a) = . . . =
g(n−1) (a) = 0, mas f(n) (a) 6= 0 ou g(n) (a) 6= 0. Além disso, suponhamos
que g(x) 6= 0 para todo x 6= a suficientemente próximo de a. Então,
f(x) f(n) (a)
lim = (n) , se g(n) (a) 6= 0 ,
x→a g(x) g (a)
e

f(x)
lim = +∞ , se g(n) (a) = 0 ,
x→a g(x)

Para provar este resultado, basta observar, fazendo h = (x − a), que


!
f(n) (a)
+ ρ(h) hn
f(x) f(a + h) n!
= = !
g(x) g(a + h) g(n) (a)
+ σ(h) hn
n!
f(n) (a) + n ! ρ(h)
= , onde lim ρ(h) = lim σ(h) = 0 .
g(n) (a) + n ! σ(h) h→0 h→0

• Vejamos agora outra fórmula de Taylor, que nos dá uma estimativa da
diferença f(a + h) − f(a) para um valor fixo de h, isto é, sem supor h −→
0. A fórmula de Taylor que iremos obter nos dá uma generalização do
Teorema do Valor médio para funções n−vezes deriváveis.

Teorema 4.1 (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange)


Seja f : [a, b] −→ R uma função de classe Cn−1 , n−vezes derivável no
intervalo aberto (a, b). Então existe c ∈ (a, b) tal que

f(n−1) (a) f(n) (c)


f(b) = f(a) + f 0 (a) (b − a) + . . . + (b − a)n−1 + (b − a)n
(n − 1) ! n!

Instituto de Matemática - UFF 255


Análise na Reta

Pondo b = a + h, isto equivale a dizer que existe θ ∈ (0, 1) tal que

f(n−1) (a) n−1 f(n) (a + θ h) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + . . . + h + h
n! n!

Prova.
Seja ϕ : [a, b] −→ R definida por
f(n−1) (x) k
ϕ(x) = f(b) − f(x) − f 0 (x) (b − x) − . . . − (b − x)n−1 − (b − x)n ,
(n − 1) ! n!

onde a constante k é escolhida de modo que ϕ(a) = 0.


Então, ϕ é contı́nua em [a, b], derivável em (a, b), ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Além disso, temos que
Xn 
f(j) (x) f(j−1) (x)

0 0 j−1 j−2
ϕ (x) = −f (x) + − (b − x) + (b − x)
(j − 1) ! (j − 2) !
j=2

k
+ (b − x)n−1
(n − 1) !
X
n−1 (j+1)
f (x) X
n−2 (j+1)
f (x) (b − x)n−1
j
= −f (x) − 0
(b − x) + (b − x)j + k
j! j! (n − 1) !
j=1 j=0

k − f(n) (x)
= (b − x)n−1 .
(n − 1) !

Pelo teorema de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ 0 (c) = 0, ou seja, k =


f(n) (c) .
Então, como ϕ(a) = 0, temos que
f(n−1) (a) f(n) (c)
f(b) = f(a) + f 0 (a)(b − a) + . . . + (b − a)n−1 + (b − a)n .
(n − 1) ! n!

4.3 Funções convexas

Dizemos que uma função f : I −→ R, definida num intervalo I, é


convexa, quando para a < x < b arbitrários em I, o ponto (x, f(x)) do
gráfico de f está situado abaixo da secante que liga os pontos (a, f(a)) e
(b, f(b)).
Como a equação da reta secante é

256 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

f(b) − f(a) f(b) − f(a)


y= (x − a) + f(a) , ou y= (x − b) + f(b) ,
b−a b−a

dizer que, para a < x < b o ponto (x, f(x)) do gráfico de f está abaixo da
secante, significa que
f(b) − f(a)
f(x) ≤ (x − a) + f(a) ,
b−a
e
f(b) − f(a)
f(x) ≤ (x − b) + f(b) ,
b−a
ou seja,
f(x) − f(a) f(b) − f(a) f(b) − f(x)
≤ ≤
x−a b−a b−x
Na realidade, basta que uma dessas desigualdades ocorra para que
a função seja convexa.

Teorema 4.2 Seja f : I −→ R uma função duas vezes derivável no


intervalo aberto I. Então, f é convexa se, e só se, f 00 (x) ≥ 0 para todo
x ∈ I.

Prova.
(⇐=) Suponhamos que f 00 (x) ≥ 0 para todo x ∈ I.
Sejam a, a + h ∈ I, h 6= 0. Então, pelo teorema anterior, existe c ∈ I entre
f 00 (c) 2
a e a + h tal que f(a + h) = f(a) + f 0 (a)h + h .
2!
Como f 00 (a) ≥ 0, temos que
f(a + h) − f(a)
≥ f 0 (a) se h > 0,
h
e
f(a + h) − f(a)
≤ f 0 (a) se h < 0.
h
Logo, se a < x < b, a, b, x ∈ I, temos que
f(a) − f(x) f(b) − f(x)
≤ f 0 (x) ≤ ,
a−x b−x
f(x) − f(a) f(b) − f(x)
isto é, ≤ .
x−a b−x

Somando (f(x) − f(a))(x − a) a ambos os membros da desigualdade,


(f(x) − f(a))(b − x) ≤ (f(b) − f(x))(x − a) ,

Instituto de Matemática - UFF 257


Análise na Reta

obtemos que
(f(x) − f(a))(b − a) ≤ (f(b) − f(a))(x − a) ,
ou seja,
f(x) − f(a) f(b) − f(a)
≤ ,
x−a b−a

Logo, f é convexa no intervalo I.

(=⇒) Suponhamos que f é convexa em I. Então, dados a < x < b em I,


temos que
f(x) − f(a) f(b) − f(a) f(x) − f(b)
≤ ≤ .
x−a b−a x−b
Fazendo x −→ a na primeira desigualdade e x −→ b na segunda, obte-
mos que:
f(b) − f(a)
f 0 (a) ≤ ≤ f 0 (b) ,
b−a

ou seja, f 0 (a) ≤ f 0 (b).


Como f 0 é não-decrescente e derivável em I, temos que f 00 (x) ≥ 0 para
todo x ∈ I.

Observação 4.1 Tomando a desigualdade estrita < em vez de ≤ 0 na


definição de função convexa, obtemos o conceito de função estritamente
convexa.

Usando a mesma demonstração que fizemos acima, podemos pro-


var que se f : I −→ R é duas vezes derivável no intervalo aberto I e
f 00 (x) > 0 para todo x ∈ I, então f é estritamente convexa.
Mas a recı́proca nem sempre é verdadeira.

Exemplo 4.2 A função f : R −→ R, f(x) = x4 , é estritamente convexa,


pois se a < x < b, então
x 4 − a4 (x2 − a2 )(x2 + a2 )
= = (x + a)(x2 + a2 )
x−a x−a
b4 − a4
< (b + a)(b2 + a2 ) = ,
b−a

mas f 00 (x) = 12x2 não é positiva em todo x, pois f 00 (0) = 0.

258 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

4.4 Série de Taylor — funções analı́ticas

Seja f : I −→ R uma função de classe C∞ no intervalo I. Então,


dados a ∈ int I e a + h ∈ I, podemos escrever, para todo n ∈ N,
f(n+1) (a) n−1
f(a + h) = f(a) + f 0 (a)h + . . . + h + rn (h) ,
(n − 1)!

f(n) (a + θn h) n
onde rn (h) = h , com 0 < θn < 1.
n!
A série
X

f(n) (a)
hn
n!
n=0

chama-se série de Taylor da função f em torno do ponto a.

Observação 4.2 Toda função C∞ definida num intervalo I possui uma


série de Taylor em torno de cada ponto a ∈ int I. Mas tal série pode con-
vergir ou divergir e, mesmo quando converge, sua soma pode ser diferente
de f(a + h).

Definição 4.1 Dizemos que uma função f : I −→ R de classe C∞ no


intervalo aberto I é analı́tica quando, para cada a ∈ I existe εa > 0 tal
X∞
f(n) (a) n
que a série de Taylor h converge para f(a + h) para todo
n!
n=0

h ∈ (−εa , εa ).

X

f(n) (a)
Observação 4.3 A série de Taylor hn converge para f(a+h)
n!
n=0

se, e só se, lim rn (h) = 0.


n→+∞

Exemplo 4.3 Todo polinômio p : R −→ R é uma função analı́tica, pois,


se p tem grau ≤ n, então
p(n) (a) n X p(j) (a) j

p(a + h) = p(a) + p 0 (a) h + . . . + h = h ,
n! j!
j=0

para todo a, h ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 259


Análise na Reta

Observação 4.4 Costuma-se usar a unicidade do polinômio de Taylor


para se obter as derivadas de ordem superior de uma função f.

Exemplo 4.4 Seja a função racional f : R −→ R definida por f(x) =


1
. Então, f ∈ C∞ e, como
1 + x2
1 − yn
= 1 + y + y2 + . . . + yn−1 ,
1−y

ou seja,
1 yn
= 1 + y + . . . + yn−1 + ,
1−y 1−y

para todo y 6= 1, temos, fazendo 1 + x2 = 1 − (−x2 ), que


1 2 4 6 n−1 2n−2 (−1)n x2n
f(x) = f(x + 0) = = 1 − x + x − x + . . . + (−1) x + ,
1 + x2 1 + x2
para todo x ∈ R e n ∈ N.

(−1)n x2n
Sejam p(x) = 1 − x2 + x4 − x6 + . . . + (−1)n−1 x2n−2 e r(x) = .
1 + x2
r(x) (−1)n x
Como p é um polinômio de grau ≤ 2n − 1 e lim 2n−1 = lim = 0,
x→0 x x→0 1 + x2

temos que p é o polinômio de Taylor de ordem 2n − 1 de f no ponto zero.


Logo, f(2n−1) (0) = 0 e f(2n−2) (0) = (−1)n−1 (2n − 2) ! para todo n ∈ N.

(−1)n x2n
Além disso, como r2n−1 (x) = r2n (x) = , temos que lim rn (x) = 0
1 + x2 n→0

se, e só se, lim rn (x) = 0 se, e só se, lim r2n−1 (x) = lim r2n (x) = 0.
n→+∞ n→+∞ n→+∞

Logo, lim rn (x) = 0 se, e só se, |x| < 1.


n→+∞

X

Então a série de Taylor de f em torno de zero, (−1)n x2n , converge
n=0

para f(x) se |x| < 1 e diverge se |x| ≥ 1, pois, neste caso, o termo geral
(−1)n x2n não tende a zero quando n −→ ∞.
Apesar disto, como veremos depois, f é analı́tica em toda a reta. O que
acontece é que a série de Taylor de f em torno de um ponto a 6= 0 é
diferente da série acima.

e−1/x2 se x 6= 0
Exemplo 4.5 Seja f : R −→ R a função f(x) =
0 se x = 0 .

260 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

Já vimos, no exemplo —, que f é de classe C∞ e que f(n) (0) = 0 para todo
n ∈ N.
X

f(n) (0)
Logo, a série de Taylor xn de f em torno do ponto 0 é identi-
n!
n=0

camente nula e, portanto, converge para zero, para todo x ∈ R. Como


f(x) 6= 0 para todo x 6= 0, temos que a série de Taylor de f em torno do
ponto 0 não converge para f(x) para todo x 6= 0. Em particular, f não
é analı́tica em intervalo algum que contém o zero. Mas, como veremos
depois, f é analı́tica em (0, ∞) e em (−∞, 0).

Exemplo 4.6 Seja f : R −→ R dada por f(x) = sen x.


Como f(2n+1) (x) = (−1)n cos x e f(2n) (x) = (−1)n sen x, para todo x ∈ R
e n ∈ N, temos que a fórmula de Taylor de f com resto de Lagrange em
torno do zero é
x3 x5 (−1)n x2n+1
sen x = x − + + ... + + r2n+2 (x) ,
3! 5! (2n + 1) !

sen(n) (c) n
onde rn (x) = x e |c| < |x|.
n!
|x|n
Logo, |rn (x)| ≤ para x ∈ R e n ∈ N.
n!
|x|n
Então, como lim = 0, temos que lim rn (x) = 0 para todo x ∈ R.
n→+∞ n ! n→+∞

Ou seja, a série de Taylor da função seno em torno do ponto 0 converge


para sen x, para todo x ∈ R.
De modo análogo, podemos provar que a série de Taylor
h2 h3 h4
sen a + h cos a − sen a − cos a + sen a + . . .
2! 3! 4!
da função seno em torno de um ponto a ∈ R também converge para
sen (n)(c) n
sen(a + h) para todo h ∈ R, pois o resto rn (h) = h , onde
n!
c está entre a e a + h, da fórmula de Taylor com resto de Lagrange da
função seno em torno do ponto a, também converge para zero quando
n → +∞ para todo h ∈ R.
Assim, a função seno é analı́tica em toda a reta e sua série de Taylor em
torno de qualquer ponto a converge para sen(a + h) para todo h ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 261


Análise na Reta

De modo análogo, podemos provar que o mesmo vale para a função cos-
seno.

Exemplo 4.7 Seja f : R −→ R a função exponencial f(x) = ex . Como


f(n) (x) = ex para todo x ∈ R e n ∈ N, temos que a fórmula de Taylor com
resto de Lagrange de f em torno de um ponto a ∈ R é dada por
h2 hn
ea+h = ea + ea h + ea + . . . + ea + rn+1 (h) ,
2! n!
ecn hn+1
onde rn+1 (h) = , pra lgum cn entre a e a + h.
n!
hn+1
Como ecn < ea+|h| e lim = 0, temos que lim rn+1 (h) = 0.
n→+∞ (n + 1)! n→+∞

X

ea hn
Logo, a série de Taylor da função exponencial em torno do ponto
n!
n=0
a+h
a converge para e para todo h ∈ R.
Assim, a função exponencial é analı́tica em toda a reta e
X

ea
x
e = (x − a)n
n!
n=0

para todo x ∈ R e a ∈ R.

262 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Parte 8

Integral de Riemann

1. Integral superior e integral inferior

Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada no intervalo compacto [a, b].


Então, existem m, M ∈ R tais que m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], ou
seja, f(x) ∈ [m, M] para todo x ∈ [a, b].
O menor intervalo [m, M] que contém f([a, b]) é dado por
m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} = inf f e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]} = sup f .

Definição 1.1 Uma partição do intervalo [a, b] é um subconjunto finito


P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que a = t0 < t1 < . . . < tn = b.
Os intervalos [ti−1 , ti ], i = 1, . . . , n, são os intervalos da partição P.

• Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma


partição de [a, b]. Para cada i = 1, . . . , n, tome
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]} e Mi = sup{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]} .

Definição 1.2 Os números reais


X
n X
n
s(f; P) = mi (ti − ti−1 ) e S(f; P) = Mi (ti − ti−1 )
i=1 i=1

são chamados, respectivamente, a soma inferior e a soma superior da


função f relativa à partição P.

• Se m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]}, temos

Instituto de Matemática - UFF 263


Análise na Reta

m(b − a) ≤ s(f; P) ≤ S(f; P) ≤ M(b − a) ,


para toda partição P do intervalo [a, b].

Observação 1.1 Se f é positiva no intervalo [a, b], s(f; P) e S(f; P) são,


respectivamente, a área de um polı́gono inscrito e a área de um polı́gono
circunscrito e, portanto, valores aproximados, por falta, e por excesso, da
área compreendida entre o gráfico de f e o eixo das abscissas.

Definição 1.3 Sejam P e Q partições do intervalo [a, b].


Quando P ⊂ Q, dizemos que a partição Q é mais fina do que a partição
P, ou que a partição Q é um refinamento da partição P.

Seja Q = {t0 , t1 , . . . , ti−1 , r, ti , . . . , tn } um refinamento da partição


P = {t0 , t1 , . . . , ti−1 , ti , . . . , tn }, obtido acrescentando apenas um ponto

264 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

r ∈ (ti−1 , ti ) à partição P.
Sejam
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]}
m 0 = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , r]}
m 00 = inf{f(x) | x ∈ [r, ti ]} .

Então, mi ≤ m 0 e mi ≤ m 00 .
Assim,
s(f; Q) − s(f; P) = m 00 (ti − r) + m 0 (r − ti+1 ) − mi (ti − ti−1 )
= m 0 (ti − r) + m 00 (r − ti−1 ) − mi (ti − r) − mi (r − ti−1 )
= (m 0 − mi )(ti − r) + (m 00 − mi )(r − ti−1 ) ≥ 0 ,

ou seja, s(f; Q) ≥ s(f; P).


Podemos, então, provar por indução que s(f; Q) ≥ s(f; P) para toda
partição Q mais fina do que P.
De modo análogo, podemos mostrar que se Q é um refinamento de
P, isto é, P ⊂ Q, então S(f; Q) ≤ S(f; P).

Teorema 1.1 Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e P, Q partições


de [a, b]. Se P ⊂ Q, então
s(f, P) ≤ s(f; Q) e S(f; P) ≥ S(f; Q) .

Corolário 1.1 Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada.


Então s(f; P) ≤ S(f; Q) quaisquer que sejam P e Q partições de [a, b].

Prova.
Como P ∪ Q refina P e Q, temos
s(f; P) ≤ s(f; P ∪ Q) ≤ S(f; P ∪ Q) ≤ S(f; Q) .

Definição 1.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Chamamos integral inferior


de f no intervalo [a, b] o número real
Zb
f(x) dx = sup s(f; P)
a P

e integral superior de f no intervalo [a, b] o número real

Instituto de Matemática - UFF 265


Análise na Reta

Zb
f(x) dx = inf S(f; P)
a P

Zb Zb
Ou seja, f(x) dx e f(x) dx são caracterizados pelas proprieda-
a a

des abaixo:
Zb
(1) f(x) dx ≥ s(f; P) para qualquer partição P de [a, b]
a

(2) Dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que


Zb
s(f; P) > f(x) dx − ε .
a

Zb
(1’) f(x) dx ≤ S(f; P) para qualquer partição P de [a, b]
a

(2’) Dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que


Zb
S(f; P) < f(x) dx + ε .
a

Então, se m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], temos que


Zb Zb
m(b − a) ≤ f(x) dx ≤ f(x) dx ≤ M(b − a) ,
a a

pois
m(b − a) ≤ s(f; P) ≤ S(f; Q) ≤ M(b − a) ,
quaisquer que sejam as partições P e Q de [a, b].
Em particular, se |f(x)| ≤ K, ou seja, −K ≤ f(x) ≤ K, para todo
x ∈ [a, b], então
Z Z
b b
f(x) dx ≤ K(b − a) e f(x) dx ≤ K(b − a) .


a a


1 se x ∈ Q
Exemplo 1.1 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) =
0 se x ∈ R − Q .

Dada uma partição P de [a, b], temos mi = 0 e Mi = 1, para todo


i = 1, . . . , n, pois todo intervalo [ti−1 , ti ] de P contém números racionais e
irracionais.

266 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Logo, s(f; P) = 0 e S(f; P) = (b − a), para toda partição P de [a, b].


Zb Zb
Portanto, f(x) dx = 0 e f(x) dx = b − a.
a a

Exemplo 1.2 Seja f : [a, b] −→ R a função constante f(x) = c para todo


x ∈ [a, b]. Então mi = Mi = c em todo intervalo [ti−1 , ti ] de uma partição
P de [a, b]. Logo, s(f; P) = S(f; P) = c(b − a) para toda partição P de
[a, b]. Daı́,
Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx = c(b − a) .
a a

Teorema 1.2 Sejam a < c < b e f : [a, b] −→ R limitada. Então,


Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

e
Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

Lema 1.1 Seja a < c < b. Então,


Zb
f(x) dx = sup { s(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P }
a
Zb
f(x) dx = inf { S(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P }
a

Prova.
Dada uma partição P de [a, b], seja P 0 = P ∪ {c}. Então, s(f; P) ≤ s(f; P 0 ) .
Zb
Como f(x) dx ≥ s(f; P) para toda partição P de [a, b], temos que
a
Zb
f(x) dx ≥ s(f; Q) ,
a

para toda partição Q de [a, b] que contém c. Então,


Zb
sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q } ≤ f(x) dx .
a

Por outro lado, dada uma partição P de [a, b], temos que

Instituto de Matemática - UFF 267


Análise na Reta

s(f; P) ≤ s(f; P 0 ) ≤ sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q } ,


onde P 0 = P ∪ {c}. Logo,
Zb
f(x) dx ≤ sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q }.
a

Zb
Assim, f(x) dx = sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q} .
a

De modo análogo, podemos provar a outra igualdade.

Observação 1.2 Usando o mesmo tipo de argumento feito na demons-


tração do lema acima, podemos mostrar que, para calcular as integrais
superior e inferior de uma função, basta considerar as partições de [a, b]
que refinam uma partição P0 dada. Ou seja,
Zb Zb
f(x) dx = sup s(f; P) e f(x) dx = inf S(f; P) .
a P⊃P0 a P⊃P0

Lema 1.2 Sejam A e B conjuntos não-vazios limitados de números re-


ais. Então,
sup(A + B) = sup A + sup B e inf(A + B) = inf A + inf B ,
onde A + B = { x + y | x ∈ A e y ∈ B }.

Prova.
Como x ≤ sup A para todo x ∈ A e y ≤ sup B para todo y ∈ B, te-
mos x + y ≤ supA + sup B. Logo, sup A + sup B é uma cota superior do
conjunto A + B.
ε
Além disso, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que x ≥ sup A − e
2
ε
y > sup B − .
2
Então, x + y > (sup A + sup B) − ε. Logo, sup A + sup B é a menor cota
superior de A + B, ou seja,
sup(A + B) = sup A + sup B .
De modo análogo, podemos provar que inf(A + B) = inf A + inf B. 

Corolário 1.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R funções limitadas. Então,


sup(f + g) ≤ sup f + sup g e inf(f + g) ≥ inf f + inf g.

268 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Prova.
Sejam A = { f(x) | x ∈ [a, b] } , B = { g(y) | y ∈ [a, b] } e C = { f(x) +
g(x) | x ∈ [a, b] }. Como C ⊂ A + B, temos, pelo lema anterior, que
• sup(f + g) = sup C ≤ sup(A + B) = sup A + sup B = sup f + sup g ,
e
• inf(f + g) = inf C ≥ inf(A + B) = inf A + inf B = inf f + inf g. 

Exemplo 1.3 Sejam f, g : [−1, 1] −→ R dadas por f(x) = x e g(x) = −x.


Então, sup f = 1 = sup g e sup(f + g) = 0, pois f(x) + g(x) = 0 para todo
x ∈ [−1, 1]. Logo, neste exemplo, sup(f + g) < sup f + sup g. 

Prova. (do Teorema 1.2)


Sejam
A = {s(f|[a,c] ; P) | P é partição de [a, c] }
B = {s(f|[c,b] ; P) | P é partição de [c, b] } .

Então, A + B = {s(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P } .


Logo, pelos lemas 1.1 e 1.2, temos que
Zb Zc Zb
f(x) dx = sup(A + B) = sup A + sup B = f(x) dx + f(x) dx .
a a c

De modo análogo, temos que


Zb Zc Zb
0 0 0 0
f(x) dx = inf(A + B ) = inf A + inf B = f(x) dx + f(x) dx ,
a a c

onde
A 0 = {S(f|[a,c] ; P) | P é partição de [a, c] }

e B 0 = {S(f|[c,b] ; P) | P é partição de [c, b] } . 

Observação 1.3 Sejam a < c < b e seja f : [a, b] −→ R a função dada



α , a≤x<c
por f(x) =
β , c ≤ x ≤ b.

Então,
Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a a

Instituto de Matemática - UFF 269


Análise na Reta

De fato, como f|[c,b] ≡ β, temos, pelo teorema anterior e pelo exemplo —,


que
Zb Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + β(b − c) ,
a a c a

e
Zb Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + β(b − c) .
a a c a

Suponhamos, para fixar as idéias, que α ≤ β. Então, α ≤ f(x) ≤ β para


todo x ∈ [a, b].
Zc
Logo, para todo ε > 0 tal que a < c − ε < c, temos que f(x) dx ≤ βε
c−ε
e, portanto,
Zc Z c−ε Zc
α(c − a) ≤ f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c−ε
≤ α(c − ε − a) + βε
= α(c − a) + (β − α)ε ,

Assim, fazendo ε tender a zero, temos que


Zc
f(x) dx = α(c − a)
a

Zb
e, portanto, f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a

Além, disso, como s(f|[a, c] ; P) = α(c − a) para toda partição P de [a, c],
Zc
pois α ≤ β, temos que f(x) dx = α(c − a) e, portanto,
a
Zb
f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a

Observação 1.4 Observe, pela demonstração feita acima, que o valor


da função f|[a,c] no ponto c não influência nos valores das integrais, ou

α , se x ∈ [a, c)
seja, se g(x) = , então, para todo M ∈ R , temos
M , se x = c
Zc Zc Zc Zc
f(x) dx = g(x) dx e f(x) dx = g(x) dx .
a a a a

270 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

De modo análogo, podemos povar que


Zc Zc Zc Zc
f(x) dx = h(x) dx e f(x) dx = h(x) dx
a a a a

α , se x ∈ (a, c]
onde h(x) = e M ∈ R é um número qualquer.
M , se x = a ,

Zc Zc
Logo, f(x) dx = α(c − a) e f(x) dx = α(c − a) quaisquer que sejam os
a a

valores de f nos pontos a e c, onde f|(a,c) ≡ α.

Definição 1.5 Dada uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b], uma


função f : [a, b] −→ R constante, igual a ci , em cada intervalo aberto
(ti−1 , ti ), i = 1, . . . , n, chama-se uma função escada.

Repetindo o argumento feito acima um número finito de vezes, temos


que
Zb Zb X
n
f(x) dx = f(x) dx = ci (ti − ti−1 ) ,
a a i=1

quaisquer que sejam os valores que f assume nos pontos t0 , t1 , . . . , tn


da partição P.

Lema 1.3 Seja A um conjunto limitado não-vazio de números reais.


Dado c ∈ R, seja cA = {cx | x ∈ A}. Então,
• sup cA = c sup A e inf cA = c inf A se c > 0,
• sup cA = c inf A e inf cA = c sup A se c < 0.

Prova.
Seja c > 0. Como x ≤ sup A para todo x ∈ A, temos que cx ≤ c sup A
para todo cx ∈ cA. Logo, c sup A é uma cota superior de cA.
ε
Além disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > sup A − . Logo,
c
cx > c sup A − ε. Então sup A é a menor cota superior de cA, ou seja,
c sup A = sup cA.
Seja, agora, c < 0. Como x ≤ sup A para todo x ∈ A, temos cx ≥ c sup A
para todo cx ∈ cA. Logo, c sup A é uma cota inferior de cA.

Instituto de Matemática - UFF 271


Análise na Reta

ε ε
Além disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > sup A + , pois < 0.
c c
Logo, cx < c sup A + ε. Portanto, c sup A é a maior cota inferior de cA, ou
seja, inf cA = c sup A.
De modo análogo, podemos provar que
inf cA = c inf A se c > 0 e sup cA = c inf A se c < 0. 

Teorema 1.3 Sejam f, g : [a, b] −→ R limitadas. Então:


Zb Zb Zb Zb
(1) f(x) dx + g(x) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx
a a a a
Zb Zb
≤ f(x) dx + g(x) dx .
a a

Zb Zb Zb Zb
(2) Quando c > 0, c f(x) dx = c f(x) dx e c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a a

Zb Zb Zb Zb
Quando c < 0, c f(x) dx = c f(x) dx e c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a a

Zb Zb Zb Zb
Em particular, − f(x) dx = − f(x) dx e − f(x) dx = − f(x) dx .
a a a a

(3) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx e f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a a a

Prova.
Zb Zb
(1) Já sabemos que (f(x) + g(x)) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx .
a a

Zb Zb Zb
Vamos provar que f(x) dx + g(x) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx .
a a a

Sejam P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b] e mi (f), mi (g), mi (f + g)


os ı́nfimos das funções f, g e f + g no intervalo [ti−1 , ti ], i = 1, . . . , n.
Como, pelo corolário 1.2, mi (f + g) ≥ mi (f) + mi (g), temos que
s(f + g; P) ≥ s(f; P) + s(g; P)
para toda partição P de [a, b].

272 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Logo,
Zb
(f(x) + g(x)) dx ≥ s(f; P) + s(g; P) ,
a

para toda partição P de [a, b].


Então, dadas partições P e Q arbitrárias de [a, b], temos que
Zb
s(f; P) + s(g; Q) ≤ s(f; P ∪ Q) + s(g; P ∪ Q) ≤ (f(x) + g(x)) dx
a

Assim, pelo lema 1.2,


Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = sup{s(f; P) + s(g; Q) | P , Q partições de [a, b] }
a a
Zb
≤ (f(x) + g(x)) dx .
a

A última desigualdade de (1) mostra-se de modo análogo.


(2) Pelo lema 1.3, mi (c f) = c mi (f) e Mi (c f) = c Mi (f) se c > 0 , e
mi (c f) = c Mi (f) e Mi (c f) = c mi (f) se c < 0 .
Então, pelo lema 1.3, novamente, temos
Zb
• c f(x) dx = sup s(c f; P) = sup c s(f; P)
P P
a
Zb
= c sup s(f; P) = c f(x) dx , se c > 0 ,
P a

Zb
• c f(x) dx = inf S(c f; P) = inf c S(f; P)
P P
a
Zb
= c inf S(f; P) = c f(x) dx , se c > 0 ,
P a
Zb
• c f(x) dx = sup s(c f; P) = sup c S(f; P)
a P P
Zb
= c inf S(f; P) = c f(x) dx , se c < 0 ,
P a

Zb
• c f(x) dx = inf S(c f; P) = inf c s(f; P)
P P
a Zb
= c sup s(f; P) = c f(x) dx , se c < 0 ,
P a

(3) Como f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], temos que

Instituto de Matemática - UFF 273


Análise na Reta

mi (f) ≤ mi (g) e Mi (f) ≤ Mi (g)


para todo intervalo [ti−1 , ti ] de uma partição P de [a, b].
Logo,
s(f; P) ≤ s(g; P) e S(f; P) ≤ S(g; P)
para toda partição P de [a, b].
Assim,
Zb Zb Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx e f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a a a

Corolário 1.3 Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb
f(x) dx ≥ 0 e f(x) dx ≥ 0 .
a a

2. Funções integráveis

Definição 2.1 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável quando


Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx
a a

Zb Zb
Este valor comum, indicado por f(x) dx ou f , é chamado a integral
a a
de f.

Exemplo 2.1 Toda função constante, f(x) = c é integrável e


Zb
f(x) dx = c(b − a) .
a

Exemplo 2.2 Toda função escada f : [a, b] −→ R é integrável e


Zb X
n
f(x) dx = ci (ti − ti−1 ),
a i=1

onde f|(ti−1 ,ti ) ≡ ci , i = 1, . . . , n, a = t0 < t1 < . . . < tn = b.

274 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis


0 , x ∈ [a, b] ∩ (R − Q)
Exemplo 2.3 A função f : [a, b] −→ R, f(x) =
1 , x ∈ [a, b] ∩ Q
Zb Zb
não é integrável, pois f(x) dx = 0 6= 1 = f(x) dx .
a a

Observação 2.1 Suponhamos que f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b] e seja


A = { (x, y) ∈ R2 | a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x) }
a região do plano limitada pelo gráfico de f, pelo segmento [a, b] e pelas
Zb
retas verticais x = a e x = b. Como em f(x) dx usamos áreas de
a

polı́gonos contidos em A como aproximação por falta da área de A e em


Zb
f(x) dx tomamos polı́gonos que contêm A, isto é, aproximações por
a
Zb
excesso, podemos dizer que f(x) dx é a área interna do conjunto A e
a
Zb
f(x) dx é a área externa de A.
a

Dizer, então, que f é integrável, significa que a área interna e a área ex-
Zb
terna de A são iguais, ou seja, que A possui uma área igual a f(x) dx.
a

Observação 2.2 Sejam f : [a, b] −→ R limitada,


σ = { s(f; P) | P partição de [a, b] } e Σ = { S(f; P) | P partição de [a, b] } .
Como s ≤ S para todo s(f; P) ∈ σ e para todo S = S(f; P) ∈ Σ, temos que
sup σ ≤ inf Σ, ou seja,
Zb Zb
f(x) dx ≤ f(x) dx .
a a

Dizer, então, que f é integrável, significa afirmar que sup σ = inf Σ.

Lema 2.1 Sejam σ, Σ conjuntos limitados não-vazios de números reais


tais que s ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ.
Então, sup σ = inf Σ se, e só se, para todo ε > 0 existem s ∈ σ e S ∈ Σ tais
que S − s < ε.

Instituto de Matemática - UFF 275


Análise na Reta

Prova.
Já sabemos que sup σ ≤ inf Σ.
(⇐=) Suponhamos que sup σ < inf Σ e tomemos ε = inf Σ − sup σ > 0.
Como s ≤ sup σ ≤ inf Σ ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ, temos
que S − s ≥ inf Σ − sup σ = ε para todo S ∈ Σ e todo s ∈ σ, o que contradiz
a hipótese.
(=⇒) Suponhamos que sup σ = inf Σ. Seja ε > 0. Então existem s ∈ σ e
ε ε
S ∈ Σ tais que s > sup σ − e S < inf Σ + .
2 2
ε ε
 
Logo, S − s < inf Σ + − sup σ − = ε. 
2 2

Definição 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Sua oscilação no conjunto


X é definida por
ω(f; X) = sup f(X) − inf f(X) .

Lema 2.2 Seja Y ⊂ R limitado não-vazio. Se m = inf Y e M = sup Y,


então
M − m = sup{ |x − y| | x, y ∈ Y }.

Prova.
Seja A = { |x − y| | x, y ∈ Y }. Dados x, y ∈ Y, podemos supor que x ≥ y.
Então,
|x − y| = x − y ≤ M − m ,
ou seja, M − m é uma cota superior de A.
ε ε
Além disso, dado ε > 0, existem x, y ∈ Y tais que x > M − e y < m+ .
2 2
Logo,
ε ε
|x − y| ≥ x − y > M − − m − = M − m − ε,
2 2
ou seja, M − m é a menor cota superior de A. Então, M − m = sup A.

Corolário 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, para todo X ⊂ [a, b]


não-vazio tem-se
ω(f; X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ Y } .

Observação 2.3 Dadas f : [a, b] −→ R limitada e uma partição P de


[a, b], indicaremos por ωi = Mi − mi a oscilação de f no intervalo [ti−1 , ti ].

276 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

Teorema 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. As seguintes afirmações


são equivalentes:
(1) f é integrável.
(2) Para todo ε > 0 existem partições P e Q de [a, b] tais que
S(f; Q) − s(f; P) < ε .
(3) Para todo ε > 0 existe uma partição P de [a, b] tal que
S(f; P) − s(f; P) < ε .
(4) Para todo ε > 0 existe uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que
X
n
ωi (ti − ti−1 ) < ε.
i=1

Prova.
Pelo lema 2.1, temos que (1)⇐⇒(2). E (3)⇐⇒(4), pois, pelo corolário
2.1,
X
n
S(f; P) − s(f; P) = ωi (ti − ti−1 ).
i=1

É óbvio que (3)=⇒(2), e (2)=⇒(3), pois se S(f; Q) − s(f; P) < ε, então


S(f; P ∪ Q) − s(f; P ∪ Q) < ε, já que
s(f; P) ≤ s(f; P ∪ Q) ≤ S(f; P ∪ Q) ≤ S(f; Q) . 

Observação 2.4 Sejam f, g : [a, b] −→ R funções limitadas que dife-


rem apenas num subconjunto finito de [a, b]. Então, f é integrável se, e só
Zb Zb
se, g é integrável. E, neste caso, tem-se f(x) dx = g(x) dx .
a a

De fato, seja X = { x ∈ [a, b] | f(x) 6= g(x) }. Então P = X ∪ {a, b} é uma


partição de [a, b] tal que f − g é constante igual a zero no interior de cada
intervalo dessa partição.
Zb
Logo, f − g é integrável e (f − g) dx = 0, pois f − g é uma função escada.
a

Como f = g + f − g, segue-se do Teorema abaixo, que f é integrável se, e


só se, g é integrável com
Zb Zb Z Zb
f(x) dx = g(x) dx + (f(x) − g(x)) dx = g(x) dx .
a a a a

Instituto de Matemática - UFF 277


Análise na Reta

Teorema 2.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R integráveis. Então:


(1) Para a < c < b, f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis e
Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis, então f é integrável e


vale a igualdade acima.
(2) Para cada c ∈ R, cf é integrável e
Zb Zb
(cf(x)) dx = c f(x) dx .
a a

(3) f + g é integrável e
Zb Zb Zb
(f(x) + g(x)) dx = f(x) dx + g(x) dx .
a a a

(4) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a
Zb
Em particular, se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], então f(x) dx ≥ 0.
a

(5) |f(x)| é integrável e


Zb Zb
f(x) dx ≤ |f(x)| dx .


a a

Segue-se de (4) e (5) que se |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b], então
Zb

f(x) dx ≤ k(b − a) .

a

(6) O produto f · g é integrável.

Prova.
(1) Sejam
Zc Zb Zc Zb
α= f(x) dx, β = f(x) dx, A = f(x) dx, e B = f(x) dx.
a c a c

Zb Zb
Como f(x) dx = α + β, f(x) dx = A + B, α ≤ A e β ≤ B, temos que f
a a

é integrável, ou seja, α + β = A + B, se, e só se, α = A e β = B, ou seja,


se, e só se, f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis.

278 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

E, neste caso,
Zb Zb Zc Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx .
a a a c a c

(2) Seja c > 0. Então, pelo teorema 1.3,


Zb Zb Zb
cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx
a a a
Zb Zb Zb
e cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a
Zb Zb
Logo, cf é integrável e cf(x) dx = c f(x) dx .
a a

De modo análogo, se c < 0, temos que


Zb Zb Zb
cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx
a a a
Zb Zb Zb
e cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a

Zb Zb
Logo, cf é integrável e cf(x) dx = c f(x) dx .
a a

O caso c = 0 é trivial.
(3) Pelo teorema 1.3, temos que
Zb Zb Zb Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = f(x) dx + g(x) dx ≤ ( f(x) + g(x) ) dx
a a a a a
Zb Zb Zb
≤ ( f(x) + g(x) ) dx ≤ f(x) dx + g(x) dx
a a a
Zb Zb
= f(x) dx + g(x) dx .
a a

Logo,
Zb Zb Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = ( f(x) + g(x) ) dx = ( f(x) + g(x) ) dx ,
a a a a

Zb Zb Zb
ou seja, f + g é integrável e ( f(x) + g(x) ) dx = f(x) dx + g(x) dx.
a a a

(4) Pelo teorema 1.3, temos

Instituto de Matemática - UFF 279


Análise na Reta

Zb Zb Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx ≤ g(x) dx = g(x) dx ,
a a a a

Zb Zb
ou seja, f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a

(5) Provaremos, primeiro, que |f| é integrável.


Para x, y ∈ [a, b], temos |f(x)| − |f(y)| ≤ |f(x) − f(y)|.
Logo, para todo X ⊂ [a, b],
ω(|f|, X) = sup{ | |f(x)| − |f(y)| | | x, y ∈ X }
≤ sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ X }
= ω(f, X) .

Então, dada uma partição P de [a, b], ωi (|f|) ≤ ωi (f) , ∀ i = 1, . . . , n.


Como f é integrável, dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que
X
n
ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε. Então,
i=1

X
n X
n
ωi (|f|)(ti − ti−1 ) ≤ ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε .
i=1 i=1

Segue-se, então, do teorema 2.1, que |f| é integrável.


Além disso, como −|f(x)| ≤ f(x) ≤ |f(x)| para todo x ∈ [a, b], temos, por
(2) e (4), que
Zb Zb Zb Zb
− |f(x)| dx = −|f(x)| dx ≤ f(x) dx ≤ |f(x)| dx ,
a a a a

ou seja,
Zb Zb
f(x) dx ≤ |f(x) dx .


a a

(6) Como f e g são limitadas no intervalo [a, b], existe K > 0 tal que
|f(x)| ≤ K e |g(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Para x, y ∈ [ti−1 , ti ] quais-
quer, temos

|f(x)g(x) − f(y)g(y)| ≤ |f(x)| |g(x) − g(y)| + |g(y)| |f(x) − f(y)|


≤ K ( |g(x) − g(y)| + |f(x) − f(y)| )
≤ K ( ωi (f) + ωi (g) ) ,

280 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

e, portanto,
ωi (f + g) ≤ K ( ωi (f) + ωi (g) ) ,
onde ωi (f+g), ωi (f), ωi (g) são as oscilações dessas funções no intervalo
[ti−1 , ti ].
Logo, como f e g são integráveis, dado ε > 0, existem partições P e Q de
[a, b], tais que
ε ε
S(f; P) − s(f; P) < e S(g; Q) − s(g; Q) < .
2K 2k
Então, sendo P 0 = P ∪ Q, temos que
ε ε
S(f; P 0 ) − s(f; P 0 ) < e S(g; P 0 ) − s(g; P 0 ) < .
2K 2K
Daı́, para a partição P 0 = {t0 , t1 , . . . , tn },
X
n X
n X
n
ωi (f + g)(ti − ti−1 ) ≤ K ωi (f)(ti − ti−1 ) + K ωi (g)(ti − ti−1 )
i=1 i=1 i=1

= K ( S(f; P 0 ) − s(f; P 0 ) ) + K ( S(g; P 0 ) − s(g; P 0 ) )


ε ε
< K +K = ε.
2K 2K

Provamos, assim, que dado ε > 0, existe uma partição P 0 de [a, b] tal que
X
n
ωi (f + g)(ti − ti−1 ) < ε .
i=1

Logo, pelo teorema 2.1, f + g é integrável.

Zb Zc Zb
Observação 2.5 A igualdade f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx só
a a c
tem sentido quando a < c < b.
Para torná-la verdadeira quaisquer que sejam a, b, c ∈ R, precisamos
fazer as seguintes convenções:
Za
• f(x) dx = 0
a
Zb Za
e • f(x) dx = − f(x) dx .
a b

Com essas convenções, vale, para toda função f integrável, a igualdade:


Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx , ∀ a, b, c ∈ Dom(f) ⊂ R
a a c

Instituto de Matemática - UFF 281


Análise na Reta

Há seis possibilidades:

a ≤ b ≤ c; a ≤ c ≤ b; b ≤ c ≤ a;

b ≤ a ≤ c; c ≤ a ≤ b; c ≤ b ≤ a.

Por exemplo, se a ≤ b ≤ c, então


Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx.
a a b

Logo,
Zb Zc Zc Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx − f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx .
a a b a c

De modo análogo, podemos verificar a igualdade nos outros casos.

Teorema 2.3 Toda função contı́nua f : [a, b] −→ R é integrável.

Prova.
Como [a, b] é compacto, f é limitada e uniformemente contı́nua no in-
tervalo [a, b]. Então, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [a, b], |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
b−a
b−a
Seja n ∈ N tal que < δ e considere a partição P = {t0 , t1 , . . . , tn },
n
i(b − a)
onde ti = a + , i = 0, . . . , n.
n
b−a
Para x, y ∈ [ti−1 , ti ], temos |x − y| ≤ |ti − ti−1 | = < δ.
n
ε
Logo, |f(x) − f(y)| < , para x, y ∈ [ti−1 , ti ].
b−a
Assim,
ε
ωi (f) = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ [ti−1 , ti ] } ≤ , i = 1, . . . , n,
b−a
X
n
e, portanto, ωi (f)(ti − ti−1 ) ≤ ε.
i=1

Logo, pelo teorema 2.1, f é integrável.

Teorema 2.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para todo c ∈ [a, b),
f|[a,c] é integrável, então f é integrável.

282 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

Prova.
Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
ε
Dado ε > 0, tome c ∈ (a, b) tal que b − c < .
4K
Como f|[a,c] é integrável, existe uma partição {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, c] tal que
X
n
ε
ωi (f)(ti − ti−1 ) < .
2
i=1

Pondo tn+1 = b, obtemos uma partição {t0 , t1 , . . . , tn , tn+1 } de [a, b] tal que
X
n+1
ε
ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε, pois ωn+1 (f)(tn+1 − tn ) < , já que
2
i=1
ε
ωn+1 (f) ≤ 2K e tn+1 − tn = b − c < .
4K
Logo, pelo teorema 2.1, f é integrável no intervalo [a, b]. 

Observação 2.6 De modo análogo, temos que se f : [a, b] −→ R é


limitada e f|[c,b] é integrável para todo c ∈ (a, b], então f é integrável.

Corolário 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para a < c < d < b
quaisquer, f|[c,d] é integrável, então f é integrável.

Prova.
Seja p ∈ (a, b) fixo. Como f|[q,p] é integrável para todo q ∈ (a, p] e f|[p,r] é
integrável para todo r ∈ [p, b), temos, pela observação 2.6 e pelo teorema
2.4, que f|[a,p] e f|[p,b] são integráveis.

Logo, pelo item (1) do teorema 2.2, f é integrável em [a, b].

Corolário 2.3 Seja f : [a, b] −→ R limitada com um número finito de


descontinuidades. Então, f é integrável.

Prova.
Seja {t0 , t1 , . . . , tn } = X ∪ {a, b}, onde t0 = a, tn = b e X é o conjunto
dos pontos de [a, b] onde f é descontı́nua.
Então, pelo corolário acima, f|[ti−1 ,ti ] é integrável para cada i = 1, . . . , n,
pois f é contı́nua e, portanto, integrável em todo intervalo [c, d], com
ti−1 < c < d < ti . Logo, pelo teorema 2.2, f é integrável em [a, b].

Instituto de Matemática - UFF 283


Análise na Reta


sen 1 , se x 6= 0
Exemplo 2.4 A função f : [−1, 1] −→ R , f(x) = x
0 , se x = 0 ,
é integrável, pois f é limitada e descontı́nua apenas no ponto 0. 

Observação 2.7 A observação 2.4 não contém o corolário 2.3, pois


uma função pode ser descontı́nua num número finito de pontos sem coin-
cidir com uma função contı́nua fora desses pontos.

Exemplo 2.5 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q ou


 
p 1 p
x=0ef = se é uma fração irredutı́vel com q > 0 e p 6= 0.
q q q

Já provamos, anteriormente, que f é descontı́nua em todos os pontos do


conjunto [a, b] ∩ Q − {0}. Além disso, f é limitada, pois f(x) ∈ [0, 1] para
todo x ∈ [a, b].
Zb
Mostraremos, agora, que f é integrável e f(x) dx = 0.
a

ε
De fato, dado ε > 0, o conjunto F = x ∈ [a, b] | f(x) ≥ é finito,
2(b − a)
pois F é o conjunto das frações irredutı́veis pertencentes a [a, b] cujos
2(b − a)
denominadores são > 0 e ≤ .
ε
Tomemos, então, uma partição P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
ε
tos dos intervalos de P que contêm algum ponto de F seja < .
2
ε
Observe que se F ∩ [ti−1 , ti ] = ∅, então 0 ≤ f(x) < para todo
2(b − a)
ε
x ∈ [ti−1 , ti ] e, portanto, Mi (f) ≤ .
2(b − a)

X
n
Então, podemos decompor a soma superior S(f; P) = Mi (ti − ti−1 )
i=1

relativa à partição P em duas parcelas:


X
n X X
S(f; P) = Mi (ti − ti−1 ) = Mi0 (ti0 − ti−1
0
)+ Mi00 (ti00 − ti−1
00
)
i=1

0
onde [ti−1 , ti0 ] são os intervalos de P que contêm algum ponto de F e
00
[ti−1 , ti00 ] são os intervalos de P disjuntos de F.

284 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

X X ε
Como, Mi0 (ti0 − ti−1
0
)≤ (ti0 − ti−1
0
) < , pois Mi0 ≤ 1 e
2
X ε ε
Mi00 (ti00 − ti−1
00
)≤ · (b − a) ≤ ,
2(b − a) 2

temos que 0 ≤ S(f; P) < ε.


Logo, 0 é a maior cota inferior do conjunto {S(f; Q) | Q partição de [a, b]},
Zb
ou seja, f(x) dx = 0.
a

Além disso,
Zb Zb
0≤ f(x) dx ≤ f(x) dx = 0 .
a a

Zb
Logo, f é integrável e f(x) dx = 0. 
a

3. O teorema fundamental do Cálculo

Seja f : [a, b] −→ R integrável. Como, para todo x ∈ [a, b], f|[a,x] é


integrável, podemos definir a função F : [a, b] −→ R pondo
Zx
F(x) = f(t) dt
a

Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b]. Então,
Zy
|F(y) − F(x)| = f(t) dt ≤ K|y − x| .

x

Logo, F é lipschitziana e, portanto, uniformemente contı́nua no inter-


valo [a, b].

Exemplo 3.1 Seja f : [0, 2] −→ R definida por f(t) = 0 se 0 ≤ t < 1 e


f(t) = 1 se 1 ≤ t ≤ 2. Então, f é integrável e F : [0, 2] −→ R é a função
Z x



 f(t) dt = 0 , se x ∈ [0, 1]

 0
F(x) =

 Zx Zx Zx



 f(t) dt = f(t) dt = 1 dt = x − 1 , se x ∈ [1, 2] .
0 1 1

Instituto de Matemática - UFF 285


Análise na Reta

Logo, F é contı́nua em [0, 2] e derivável em [0, 2]− {1}, onde x = 1 é o único


ponto de descontinuidade de f. 

Zx
Note que: o processo de passar
de f para F melhora, ou amacia,
Definição 3.1 A função F(x) = f(t) dt chama-se uma integral indefi-
a
as qualidades da função f.
nida de f.

Teorema 3.1 Seja f : [a, b] −→ R integrável. Se f é contı́nua no ponto


Zx
c ∈ [a, b], então a função F : [a, b] −→ R , definida por F(x) = f(t) dt, é
a

derivável no ponto c com F 0 (c) = f(c).

Prova.
Sendo f contı́nua no ponto c, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
t ∈ [a, b], |t − c| < δ =⇒ |f(t) − f(c)| < ε.
Então, se 0 < h < δ e c + h ∈ [a, b], temos
Z c+h
F(c + h) − F(c) 1
− f(c) = f(t) dt − h f(c)
h h c
Z c+h
1
= (f(t) − f(c)) dt
h c
Z c+h
1 1
≤ |f(t) − f(c)| dt ≤ ε h = ε ,
h c h

pois |f(t) − f(c)| < ε para todo t ∈ [c, c + h] ⊂ [a, b].


Logo, F é derivável à direita no ponto c e F 0 (c+ ) = f(c).
Analogamente, podemos provar que se −δ < h < 0 e c + h ∈ [a, b], então

F(c + h) − F(c)
− f(c) ≤ ε.
h

Logo, F é derivável à esquerda no ponto c e F 0 (c− ) = f(c).


Assim, F é derivável no ponto c e F 0 (c) = f(c). 

286 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

Corolário 3.1 Dada f : [a, b] −→ R contı́nua, existe F : [a, b] −→ R


derivável tal que F 0 = f.

Prova.
Zx
Basta tomar F(x) = f(t) dt.
a

Definição 3.2 Dizemos que uma função F : [a, b] −→ R é uma primitiva


da função f : [a, b] −→ R quando F é derivável e F 0 = f.

Observação 3.1 Toda função contı́nua num intervlao compacto possui


primitiva.
Mas nem toda função integrável possui primitiva, pois se f = F 0 , para
alguma função F derivável, então f não pode ter descontinuidades de pri-
meira espécie.

Exemplo 3.2 A função integrável f do exemplo 3.1 não possui primitiva


em intervalo algum que contém o ponto 1 no seu interior, pois o ponto 1 é
uma descontinuidade de primeira espécie de f. 

1
Exemplo 3.3 A função f : [−1, 1] −→ R, definida por f(x) = 2x sen −
x
1 1
cos se x 6= 0 e f(0) = 0, possui a primitiva F(x) = x2 sen se x 6= 0 e
x x
F(0) = 0 e uma descontinuidade de segunda espécie no ponto 0. 

Observação 3.2 Se f : [a, b] −→ R possui uma primitiva F, então F + c


é também uma primitiva de f para todo c ∈ R.
E, reciprocamente, se G é uma primitiva de f, então G = f + c para algum
c ∈ R, pois F 0 = G 0 = f em [a, b], ou seja, (F − G) 0 = 0 em [a, b].

Observação 3.3 Se F : [a, b] −→ R é de classe C1 , então


Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a) .
a
Zx
0
De fato, como F é contı́nua, a função ϕ(x) = F 0 (t) dt e a função F são
a
0
ambas primitivas de F em [a, b]. Logo, ϕ(x)−F(x) = c para todo x ∈ [a, b],
para algum c ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 287


Análise na Reta

Como ϕ(a) = 0, temos que −F(a) = c, ou seja, ϕ(x) = F(x) − F(a) para
todo x ∈ [a, b]. Em particular, para x = b,
Zb
ϕ(b) = F 0 (t) dt = F(b) − F(a) .
a

• Mostraremos que não é preciso supor F 0 contı́nua.

Teorema 3.2 (Teorema Fundamental do Cálculo)


Se uma função integrável f : [a, b] −→ R tem uma primitiva F : [a, b] −→ R,
então
Zb
f(x) dx = F(b) − F(a)
a

Isto é, se uma função F : [a, b] −→ R possui derivada integrável, então


Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a)
a

Prova.
Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Pelo teorema do valor
médio, para todo i = 1, . . . , n, existe ξi ∈ (ti−1 , ti ) tal que
F(ti ) − F(ti−1 ) = F 0 (ξi )(ti − ti−1 ).
Então,
X
n X
n
F(b) − F(a) = [ F(ti ) − F(ti−1 ) ] = F 0 (ξi )(ti − ti−1 ) .
i=1 i=1

Sendo
mi = inf { F 0 (x) | x ∈ [ti−1 , ti ] } e Mi = sup { F 0 (x) | x ∈ [ti−1 , ti ] } ,
temos que mi ≤ F 0 (ξi ) ≤ Mi para todo i = 1, . . . , n e, portanto,
s(F 0 ; P) ≤ F(b) − F(a) ≤ S(F 0 ; P)
Logo,
Zb Zb
0
F (t) dt ≤ F(b) − F(a) ≤ F 0 (t) dt ,
a a

ou seja,
Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a). 
a

288 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

Observação 3.4 Este teorema nos diz que as únicas primitivas de uma
função integrável f : [a, b] −→ R, caso existam, são da forma
Zx
f(t) dt + Const ,
a
Zb
e reduz a avaliação de f(t) dt à obtenção de uma primitiva.
a

Exemplo 3.4 Determinemos, agora, o desenvolvimento de Taylor da


função log em torno do ponto 1, ou de log(1 + x) em torno do ponto 0,
usando o teorema fundamental do Cálculo.
Sendo
1 − tn
1 + t = 1 − (−t) e = 1 + t + . . . + tn−1 ,
1−t
temos que
1 (−1)n tn
= 1 − t + t2 − . . . + (−1)n−1 tn−1 + , ∀ t 6= −1 .
1+t 1+t

1 ti+1
Como log(1 + t) é uma primitiva de e é uma primitiva de ti ,
1+t i+1
1
sendo e ti , i ∈ N , integráveis, por serem contı́nuas, temos que:
1+t
Zx
1
log(1 + t) = dt
0 1+t
Zx  
2 n−1 n−1 (−1)n tn
= 1 − t + t − . . . + (−1) t + dt
0 1+t
Zx
x2 x3 xn tn
= x− + + . . . + (−1)n−1 + (−1)n dt ,
2 3 n 0 1+t

para todo x > −1.


Zx
n tn
Fazendo rn (x) = (−1) dt , observamos que se:
0 1+t
Zx
xn+1
• 0 ≤ x =⇒ |rn (x) ≤ tn dt = , pois 1 + x ≥ 1 ;
0 n+1
Z0 Z0 Z0
|t|n (−t)n (−1)n tn
• −1 < x ≤ 0 =⇒ |rn (x)| ≤ = dt = dt
x 1+x x 1+x x 1+x

(−1)n+1 xn+1 |x|n+1


= = ,
(1 + x)(n + 1) (1 + x)(n + 1)

Instituto de Matemática - UFF 289


Análise na Reta

rn (x)
pois 0 < 1 + x ≤ 1 + t para t ∈ [x, 0]. Logo lim = 0.
x→0 xn

x2 x3 xn
Então, pn (x) = x − + − . . . + (−1)n−1 é o polinômio de Taylor
2 3 n
de ordem n para a função log(1 + x) em torno do ponto zero, ou, fazendo
a mudança de variável u = 1 + x, o polinômio p̃n (u) = pn (u − 1), é o
polinômio de Taylor de ordem n para a função log u em torno do ponto
1.
Além disso, como lim rn (x) = 0 para todo x ∈ (−1, 1], o desenvolvimento
n→∞

de Taylor
x2 x3 xn
log(1 + x) = x − + − . . . + (−1)n−1 + . . .
2 3 n
vale para todo x ∈ (−1, 1].
Em particular, para x = 1, obtemos que:

1 1 (−1)n−1 X

(−1)n−1
log 2 = log(1 + 1) = 1 − + − . . . + +... = .
2 3 n n
n=1

4. Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Teorema 4.1 (Mudança de variável)


Seka, f : [a, b] −→ R uma função contı́nua, g : [c, d] −→ R uma função
derivável, com g 0 integrável e g([c, d]) ⊂ [a, b]. Então,
Z g(d) Zd
Fórmula de mudança de variável. f(x) dx = f(g(t)) g 0 (t) dt
g(c) c

Prova.
Como f é contı́nua, f possui uma primitiva F : [a, b] −→ R. Então, pelo
teorema fundamental do Cálculo, temos:
Z g(d)
f(x) dx = F(g(d)) − F(g(c)) .
g(c)

Por outro lado, usando a regra da cadeia, temos


(F ◦ g) 0 (t) = F 0 (g(t)) g 0 (t) = f(g(t)) g 0 (t) , ∀ t ∈ [c, d] .

290 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Assim, F ◦ g : [c, d] −→ R é uma primitiva da função integrável


t 7−→ f(g(t)) g 0 (t) ,
pois f ◦ g é contı́nua e g 0 é integrável.
Logo, pelo teorema fundamental do Cálculo, temos
Zd
f(g(t)) g 0 (t) dt = F ◦ g(d) − F ◦ g(c) .
c

Observação 4.1 No teorema acima, não exigimos que para todo


t ∈ [c, d], o ponto g(t) pertença ao intervalo cujos extremos são g(c) e
g(d), o que ocorreria se a função g fosse monótona, por exemplo. Em
compensação, supomos f contı́nua.
Na realidade, a demonstração usa apenas o fato de f ser integrável e
possuir primitiva e que f ◦ g e g 0 são integráveis.
No exercı́cio 11, é dada uma outra versão do teorema 4.1, onde supomos
f apenas integrável, mas g monótona:

Seja f : [a, b] −→ R integrável e g : [c, d] −→ R monótona, com


g 0 integrável tal que g([c, d]) ⊂ [a, b]. Então,
Z g(d) Zd
f(x) dx = f(g(t)) g 0 (t) dt
g(c) c

Zb Zb
Observação 4.2 A notação f(x) dx, em vez de f, encontra uma
a a
boa justificativa no teorema anterior, pois se tomarmos x = g(t), teremos
dx = g 0 (t) dt, x = g(c) e x = g(d) quando t assume os valores c e d,
respectivamente.
Essas substituições nos dão, então, a fórmula de mudança de variável.

Teorema 4.2 (Integração por partes)


Se f, g : [a, b] −→ R possuem derivadas integráveis, então
Zb Zb
b
f(t) g (t) dt = (f · g) a − f 0 (t) g(t) dt
0
a a

b
onde f · g a = f(b)g(b) − f(a)g(a).

Instituto de Matemática - UFF 291


Análise na Reta

Prova.
Como (f · g) 0 (t) = f 0 (t) g(t) + f(t) g 0 (t) para todo t ∈ [a, b], temos que
f ◦ g é uma primitiva de f 0 g + f g 0 . Além disso, como f 0 g e g 0 f, e, portanto,
f 0 g + fg 0 , são integráveis, temos, pelo teorema fundamental do Cálculo,
que
Zb
( f 0 (t) g(t) + f(t) g 0 (t) ) dt = (f · g)(b) − (f · g)(a) .
a

Logo,
Zb Zb
0
b
f (t) g(t) dt + f(t) g 0 (t) dt = (f · g) a . 
a a

Teorema 4.3 (Fórmulas do valor médio para integrais)


São dadas as funções f, p : [a, b] −→ R, com f contı́nua. Então:
Zb
A. Existe c ∈ (a, b) tal que f(x) dx = f(c)(b − a) .
a

B. Se p é integrável e não muda de sinal, existe c ∈ [a, b] tal que


Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx.
a a

C. Se p é positiva, decrescente, com derivada integrável, existe c ∈ [a, b]


Zb Zc
tal que f(x) p(x) dx = p(a) f(x) dx.
a a

Prova.
A. Como f é contı́nua, f possui uma primitiva F. Então, pelo teorema
do valor médio, existe c ∈ (a, b) tal que
Zb
f(x) dx = F(b) − F(a) = F 0 (c)(b − a) = f(c)(b − a) .
a

B. Sendo m = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] }, temos


m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b] e existem x0 , y0 ∈ [a, b] tais que
f(x0 ) = m e f(y0 ) = M.
Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b]. Então,
m p(x) ≤ p(x) f(x) ≤ M p(x) , ∀ x ∈ [a, b] .
Logo,

292 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Zb Zb Zb
m p(x) dx ≤ p(x) f(x) dx ≤ M p(x) dx .
a a a
Zb Zb Zb
Se p(x) dx = 0, temos p(x) f(x) dx = 0, e se p(x) dx > 0, temos
a a a
Zb
f(x) p(x) dx
a
m≤ Zb ≤ M.
p(x) dx
a

Em qualquer caso, existe d ∈ [m, M] tal que


Zb Zb
d p(x) dx = f(x) p(x) dx .
a a

E, como f é contı́nua, existe c entre x0 e y0 tal que f(c) = d, ou seja,


Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx .
a a
Zx
C. Seja F : [a, b] −→ R dada por F(x) = f(t) dt .
a

Então, F 0 = f e F(a) = 0.
Integrando por partes, obtemos
Zb Zb Zb
f(x) p(x) dx = F (x) p(x) dx = F(b) p(b) − F(x) p 0 (x) dx .
0
a a a

Como p 0 (x) ≤ 0 para todo x ∈ [a, b] e p 0 é integrável, temos, pelo item B,


que existe ξ ∈ [a, b] tal que
Zb Zb
0
F(x) p (x) dx = F(ξ) p 0 (x) dx .
a a

Logo,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = F(b) p(b) − F(ξ) p 0 (x) dx
a a

= F(b) p(b) − F(ξ) p(b) + F(ξ) p(a)


 
p(a) − p(b) p(b)
= F(ξ) + F(b) p(a)
p(a) p(a)

= ( α F(ξ) + β F(b) ) p(a) ,

Instituto de Matemática - UFF 293


Análise na Reta

p(a) − p(b) p(b)


onde α = ≥ 0, β = ≥ 0 e α + β = 1.
p(a) p(a)

Como α F(ξ) + β F(b) pertence ao intervalo cujos extremos são F(ξ) e


F(b) , temos, pela continuidade de F, que existe c ∈ [ξ, b] ⊂ [a, b] tal que
α F(ξ) + β F(b) = F(c) .
Provamos, então, que existe c ∈ [a, b] tal que
Zb Zc
f(x) p(x) dx = p(a) F(c) = p(a) f(x) dx.
a a

Observação 4.3 No item B, podemos sempre obter c ∈ (a, b).


Zb Zb
0
De fato, como f(x) p(x) dx = f(c ) p(x) dx = 0 para um certo c 0 ∈
a a
Zb
[a, b], temos que, se p(x) dx = 0, então
a
Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx , ∀ c ∈ (a, b) .
a a

Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b].


Zb Zb
Assim, p(x) dx > 0 se p(x) dx 6= 0.
a a
Zb
Sejam L = p(x) dx > 0 e M 0 > 0 tal que 0 ≤ p(x) ≤ M 0 , ∀ x ∈ [a, b] .
a

b−a L

Seja 0 < δ < min , . Então,
2 4M 0
Z a+δ Zb
0 L L
0≤ p(x) dx ≤ M δ < e 0≤ p(x) dx ≤ M 0 δ < .
a 4 b−δ 4

Logo,
Zb Z a+δ Z b−δ Zb
L = p(x) dx = p(x) dx + p(x) dx + p(x) dx
a a a+δ b−δ
Z b−δ
L
< + p(x) dx .
2 a+δ

Então,
Z b−δ
L
p(x) dx > .
a+δ 2

294 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Sejam
m = f(x0 ) = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = f(y0 ) = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] } ,
onde x0 , y0 ∈ [a, b].
Seja
Zb
f(x) p(x) dx
a
d= Zb .
p(x) dx
a

Então, como foi provado no item B, m ≤ d ≤ M.


• Se m < d < M, existe, pela continuidade de f, um número c entre x0 e
y0 , e, portanto, c ∈ (a, b), tal que f(c) = d.
• Suponhamos que d = m e f(x) 6= m para todo x ∈ (a, b), ou seja,
f(x) > m para todo x ∈ (a, b).
Então,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = m p(x) dx ,
a a

ou seja,
Zb
(f(x) − m) p(x) dx = 0 .
a

Mas, como f é contı́nua em [a, b] e f(x) > m para x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) ≥ K + m para todo x ∈ [a + δ, b − δ].
Logo,
Z b−δ Z b−δ
KL
(f(x) − m) p(x) dx ≥ K p(x) dx > > 0.
a+δ a+δ 2

Assim, sendo (f(x) − m)p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b],


Zb Z a+δ
0 = (f(x) − m)p(x) dx = (f(x) − m)p(x) dx
a a
Z b−δ Zb
+ (f(x) − m)p(x) dx + (f(x) − m)p(x) dx > 0 ,
a+δ b−δ

o que é um absurdo.
• Suponhamos, agora, que d = M e f(x) 6= M para todo x ∈ (a, b), ou
seja, f(x) < M para todo x ∈ (a, b).

Instituto de Matemática - UFF 295


Análise na Reta

Logo,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = M p(x) dx ,
a a

e, portanto,
Zb
(M − f(x))p(x) dx = 0 .
a

Como f é contı́nua em [a, b] e f(x) < M para todo x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) < M − K para todo x ∈ [a + δ, b − δ].
Z b−δ
KL
Assim, (M − f(x))p(x) dx ≥ > 0 e, portanto,
a+δ 2
Zb Z a+δ
0 = (M − f(x))p(x) dx = (M − f(x))p(x) dx
a a
Z b−δ Zb
+ (M − f(x))p(x) dx + (M − f(x))p(x) dx > 0 ,
a+δ b−δ

o que é um absurdo.
• Deduziremos, agora, a Fórmula de Taylor com resto integral, usando
integração por partes.

Lema 4.1 Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função que possui derivada de


ordem n + 1, n ≥ 1, integrável em [0, 1]. Então,
Z1
ϕ 00 (0)
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + ... + + ϕ (t) dt .
2! n! 0 n!

Prova.
Provaremos este lema por indução sobre n.
• Caso n = 1: Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função que possui derivada de
ordem 2 integrável em [0, 1].
Z1
0
Como ϕ é contı́nua, temos que ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ 0 (t) dt .
0

Fazendo f(t) = 1 − t e g(t) = ϕ 0 (t), obtemos, integrando por partes, que


Z1 Z1 Z1
0
0
ϕ (t) dt = (−f (t)g(t)) dt = f g 1 + f(t) g 0 (t) dt
0
0 0 0
Z1
= ϕ 0 (0) + (1 − t)ϕ 00 (t) dt ,
0

296 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

ou seja,
Z1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + 0
(1 − t)ϕ 00 (t) dt
0

• Caso geral: Suponhamos o resultado válido para funções que possuem


derivada de ordem n + 1, n ≥ 1, integrável em [0, 1].

Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função (n + 2)−vezes derivável, com ϕ(n+2)


integrável em [0, 1].

(1 − t)n+1 (1 − t)n
Sejam f(t) = e g(t) = ϕ(n+1) (t) . Então, f 0 (t) = − e
(n + 1) ! n!
g 0 (t) = ϕ(n+2) (t) , para todo t ∈ [0, 1].
Como f 0 e g 0 são integráveis, temos
Z1 Z1 Z1
(1 − t)n (n+1) 0
ϕ (t) dt = − f (t) g(t) dt = f g 1 + f(t) g 0 (t) dt
0
0 n ! 0 0
Z1
ϕ(n+1) (0) (1 − t)n+1 (n+2)
= + ϕ (t) dt .
(n + 1) ! 0 (n + 1) !

Além disso, sendo ϕ (n + 1)−vezes derivável, com ϕ(n+1) integrável, ob-


temos, pela hipótese de indução, que
Z1
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + . . . + + ϕ (t) dt .
n! 0 n!

Logo,
Z1
0 ϕ(n) (0) ϕ(n+1) (0) (1 − t)n+1 (n+2)
ϕ(1) = ϕ(0)+ϕ (0)+. . .+ + + ϕ (t) dt .
n! (n + 1) ! 0 (n + 1) !


Teorema 4.4 (Fórmula de Taylor com resto integral)


Se f : [a, a + h] −→ R possui derivada de ordem n + 1 integrável, então

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + h + ... + h
2! n!
 Z1  Fórmula de Taylor com resto inte-
(1 − t)n (n+1) gral.
+ f (a + th) dt hn+1
0 n!

Prova.
Seja ϕ : [0, 1] −→ R definida por ϕ(t) = f(a + th), t ∈ [0, 1].

Instituto de Matemática - UFF 297


Análise na Reta

Então, ϕ(j) (t) = f(j) (a + th)hj para todo 1 ≤ j ≤ n + 1. Logo, ϕ possui


derivada de ordem n + 1 integrável (por quê?) e ϕ(j) (0) = f(j) (a)hj para
todo 1 ≤ j ≤ n + 1.
Assim, pelo lema anterior,
Z1
ϕ 00 (0)
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + ... + + ϕ (t) dt ,
2! n! 0 n!

ou seja,

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + h + ... + h
2! n!
 Z1 
(1 − t)n (n+1)
+ f (a + th) dt hn+1 ,
0 n!

como querı́amos.

Observação 4.4 Ao usarmos a notação [a, a + h], estamos admitindo


h ≥ 0. Mas a mesma fórmula vale para h < 0, pois a definição de ϕ não
leva isto em conta.

Observação 4.5 Fazendo b = a+h e realizando a mudança de variável


x = a + th, t ∈ [0, 1], obtemos que:

f(n) (a)
f(b) = f(a) + f 0 (a)(b − a) + . . . + (b − a)n
n!
Zb
(b − x)n (n+1)
+ f (x) dx ,
a n!

já que
Zb Z1
(b − x)n (n+1) (b − a − th)n (n+1)
f (x) dx = f (a + th) h dt
a n! 0 n!
Z1
(h − th)n (n+1)
= f (a + th) h dt
0 n!
Z1
(1 − t)n (n+1)
= f (a + th) hn+1 dt .
0 n!

298 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

5. A integral como limite de somas

Definição 5.1 Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição do intervalo [a, b].


Chamamos norma de P ao número

|P| = max | ti − ti−1 | i = 1, . . . , n .

Mostraremos que
Zb
f(x) dx = lim S(f; P),
a |P|→0

onde f : [a, b] −→ R é uma função limitada.

Teorema 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, para todo ε > 0,


existe δ > 0 tal que
Zb Zb
f(x) dx ≤ S(f; P) < f(x) dx + ε ,
a a

qualquer que seja a partição P com norma menor do que δ .

Prova.
Suponhamos, primeiro, que f(x) > 0, para todo x ∈ [a, b].
Seja M = sup { f(x) | x ∈ [a, b] } > 0.
Dado ε > 0, existe uma partição P0 = { t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que
Zb Zb
ε
f(x) dx ≤ S(f; P0 ) < f(x) dx + .
a a 2
ε
Tome 0 < δ < e seja P uma partição arbitrária de [a, b] com |P| < δ.
2Mn
Indiquemos por [rα−1 , rα ] os intervalos de P contidos em algum intervalo
[ti−1 , t1 ] de P0 , e escrevemos α ⊂ i para indicar que [rα−1 , rα ] ⊂ [ti−1 , t1 ] .
Chamemos [rβ−1 , rβ ] os intervalos restantes. Como cada um destes in-
tervalos contém pelo menos um ponto ti em seu interior, há, no máximo,
n − 1 intervalos do tipo [rβ−1 , rβ ].
X
Se α ⊂ i, então Mα ≤ Mi e (rα − rα−1 ) ≤ ti − ti−1 , onde
α⊂i

Mα = sup f(x) e Mi = sup f(x) .


x∈[rα−1 ,rα ] x∈[ti−1 ,ti ]

Portanto,

Instituto de Matemática - UFF 299


Análise na Reta

X
Mα (rα − rα−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ) .
α⊂i

Além disso, Mβ (rβ − rβ−1 ) ≤ Mδ , pois Mα , Mβ e Mi são números


positivos.
Assim,
X X
S(f; P) = Mα (rα − rα−1 ) + Mβ (rβ − rβ−1 )
α β
X
n
≤ Mi (ti − ti−1 ) + Mδ(n − 1)
i=1
Zb
ε
< S(f; P0 ) + < f(x) dx + ε .
2 a

No caso geral, como f é limitada, existe c ∈ R tal que f(x) + c > 0 para
todo x ∈ [a, b].
Tomando g(x) = f(x) + c, temos que g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b],
Mi (g) = Mi (f) + c , S(g; P) = S(f; P) + c(b − a) ,
e, portanto,
Zb Zb
g(x) dx = f(x) dx + c(b − a) .
a a

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


Zb
|P| < δ =⇒ S(g; P) < g(x) dx + ε ,
a

ou seja,
Zb
S(f; P) + c(b − a) < f(x) + c(b − a) + ε .
a

Então,
Zb Zb
f(x) dx ≤ S(f; P) < f(x) dx + ε . 
a a

Zb
Corolário 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, f(x) dx = lim s(f, P),
a |P|−→0

ou seja: dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


Zb Zb
|P| < δ =⇒ f(x) dx − ε < s(f; P) ≤ f(x) dx .
a a

300 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

Prova.
Pelo teorema anterior, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |P| < δ, então
Zb Zb
− f(x) dx ≤ S(−f; P) < − f(x) dx + ε .
a a

Logo,
Zb Zb
f(x) dx − ε < s(f; P) ≤ f(x) dx ,
a a

Zb Zb
pois S(−f; P) = −s(f; P) e − f(x) dx = − f(x) dx . 
a a

• Vamos, agora, caracterizar as funções integráveis exprimindo suas inte-


grais em termos de limites de somas.

Definição 5.2 Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Pontilhar


a partição P é escolher um ponto ξi ∈ [ti−1 , ti ] para todo i = 1, . . . , n.
Se f : [a, b] −→ R é limitada e P ? é uma partição pontilhada de [a, b],
chamamos
X
n
Σ(f; P) = f(ξ)(ti − ti−1 )
i=1

de soma de Riemann de f relativa à partição pontilhada P ? de [a, b].

Observação 5.1 Seja qual for a maneira de pontilhar a partição P,


temos s(f; P) ≤ Σ(f; P ? ) ≤ S(f; P) , já que ξi ∈ [ti−1 , ti ] e, portanto,
mi ≤ f(ξi ) ≤ Mi para todo i = 1, . . . , n.

Definição 5.3 Dada f : [a, b] −→ R limitada, dizemos que I ∈ R é o


limite de Σ(f; P ? ) quando |P| tende a zero e escrevemos

I = lim Σ(f; P ? )
|P|→0

quando, para tdo ε > 0, existe δ > 0, tal que |Σ(f; P ? ) − I| < ε, seja qual
for a partição pontilhada P ? de [a, b], com |P| < δ.

Teorema 5.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, existe o limite


Zb
?
I = lim Σ(f; P ) se, e só se, f é integrável. Neste caso, I = f(x) dx .
|P|→0 a

Instituto de Matemática - UFF 301


Análise na Reta

Prova.
(⇐=) Seja f integrável. Pelo teorema 5.1 e pelo corolário 5.1, temos:
Zb
f(x) dx = lim S(f; P) = lim s(f; P) .
a |P|→0 |P|→0

Mas, como s(f; P) ≤ Σ(f; P ? ) ≤ S(f; P) para toda partição pontilhada P ?


Zb
?
de [a, b], temos que o limite lim Σ(f; P ) existe e é igual a f(x) dx.
|P|→0 a

(=⇒) Suponhamos que existe o limite I = lim Σ(f; P ? ).


|P|→0

Dado ε > 0, existe uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } tal que


ε
|Σ(f; P ? ) − I| < ,
4
seja qual for a maneira de pontilhar P.
Vamos pontilhar P de duas maneiras:
• Em cada intervalo [ti−1 , ti ], existe ξi tal que
ε
f(ξi ) < mi + .
4n(ti − ti−1 )

Isto nos dá uma partição pontilhada P ? tal que


X
n X
n
ε ε
?
Σ(f; P ) = f(ξi )(ti − ti−1 ) < mi (ti − ti−1 ) + = s(f; P) + .
4 4
i=1 i=1

• Em cada intervalo [ti−1 , ti ], existe ηi tal que


ε
f(ηi ) > Mi − .
4n(ti − ti−1 )

Isto nos dá uma partição pontilhada P # tal que


X
n X
n
ε ε
#
Σ(f; P ) = f(ηi )(ti − ti−1 ) > Mi (ti − ti−1 ) − = S(f; P) − .
4 4
i=1 i=1

Logo,
ε ε
Σ(f; P ? ) − < s(f; P) ≤ S(f; P) < Σ(f; P # ) + .
4 4
ε ε
 
Mas, como Σ(f; P ? ) e Σ(f; P # ) pertencem ao intervalo I − ,I + ,
4 4
temos que
ε ε
I− < s(f; P) ≤ S(f; P) < I + ,
2 2
e, portanto, S(f; P) − s(f; P) < ε .

302 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

Então, f é integrável e, pela parte já provada do teorema,


Zb
f(x) dx = lim Σ(f; P ? ) . 
a |P|→0

Exemplo 5.1 Seja f : [a, b] −→ R uma função integrável. Então, dada


uma seqüência (Pn? ) de partições pontilhadas com lim |Pn? | = 0, temos
n→∞
que
Zb
f(x) dx = lim Σ(f; Pn? ) .
a n→∞

1
Consideremos, por exemplo, a função f : [1, 2] −→ R dada por f(x) = .
x
Então, f é integrável, pois f é de classe C∞ , e, como veremos depois,
Z2
dx
= log 2.
1 x

n+1 n+2 n+n

Para cada n ∈ N, seja Pn = 1, , ,..., a partição que
n n n
subdivide o intervalo [1, 2] em n intervalos, cada um com comprimento
1
hn + i − 1 n + ii
. Pontilhemos Pn tomando em cada intervalo , o ponto
n n n
n+i
ξi = , i = 1, . . . , n.
n
n + i n 1
Como f(ξi ) = f = , temos que f(ξi )(ti − ti−1 ) = e,
n n+i n+i
portanto,
1 1 1
Σ(f; Pn? ) = + + ... +
n+1 n+2 2n

é a soma de Riemann da partição pontilhada Pn? .


Logo,
Z2
dx 1 1 1
 
log 2 = = lim Σ(f; Pn? ) = lim = lim + + ... + .
1 x n→∞ n→∞ n→∞ n + 1 n+2 2n


Exemplo 5.2 Valor médio de uma função num intervalo


Seja f : [a, b] −→ R uma função integrável. Dividindo o intervalo [a, b]
em n partes iguais, obtemos a partição Pn = {a, a + h, . . . , a + nh}, onde
b−a
h= .
n

Instituto de Matemática - UFF 303


Análise na Reta

A média aritmética dos n números f(a + h), f(a + 2h), . . .,f(a + nh) = f(b)
1X
n
é indicada pela notação M(f; n) = f(a + ih). E definimos o valor
n
i=1

médio de f no intervalo [a, b] como sendo o limite

M(f; [a, b]) = lim M(f; n)


n→∞

Escolhendo o ponto a + ih em cada intervalo [a + (i − 1)h, a + ih],


i = 1, . . . , n, obtemos uma partição pontilhada Pn? tal que
X
n
b−a X
n
Σ(f; Pn? ) = f(a + ih)h = f(a + ih) = (b − a) M(f; n) ,
n
i=1 i=1

ou seja,
1
M(f; n) = Σ(f; Pn? ) .
b−a
Logo,
Zb
1 1
M(f; [a, b]) = lim Σ(f; Pn? ) = f(x) dx .
n→∞ b − a b−a a

Em particular, se f está definida no intervalo [a, a + 1], seu valor médio


Z a+1
nesse intervalo é f(x) dx . 
a

6. Caracterização das funções integráveis

Indiquemos com |I| = b − a o comprimento de um intervalo I cujos


extremos são a e b.

Definição 6.1 Seja X ⊂ R. Dizemos que X tem conteúdo nulo e escre-


vemos c(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe uma coleção finita de
abertos I1 , . . . , Ik tal que

X
k
X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ Ik e |Ij | < ε
j=1

Observação 6.1 Na definição acima, não foi exigido que os intervalos


abertos Ii , . . . , Ik sejam disjuntos.

304 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Mas, o conjunto aberto I1 ∪. . .∪Ik pode ser expresso, de modo único, como
uma reunião finita de intervalos abertos disjuntos J1 , . . . , Jr , com r ≤ k.
De fato, como I1 ∪ . . . ∪ Ik é um conjunto aberto, existe uma única coleção
(Jn ) enumerável de intervalos abertos disjuntos tais que

[
I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn .
n=1


[
Como, para todo j = 1, . . . , k, Ij = Ij ∩ Jn e Ij ∩ Jn é vazio ou é um
n=1

intervalo aberto, temos que existe um único nj tal que Ij ∩ Jnj 6= ∅, pois,
caso contrário, o intervalo aberto Ij se escreveria como reunião de dois
conjuntos abertos disjuntos e não-vazios.
Logo, Ij ⊂ Jnj , e, portanto,
I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn1 ∪ . . . ∪ Jnk .
Assim, a coleção (Jnk ) é finita e tem no máximo k elementos, pois podem
existir j 6= `, j, ` = 1, . . . , k, tais que Jnj = Jn` .

Então, existe r ≤ k tal que


I 1 ∪ . . . ∪ I k = J1 ∪ . . . ∪ Jr ,
onde J1 , . . . , Jr são intervalos abertos disjuntos.

Lema 6.1 Sejam I1 , . . . , Ik e J1 , . . . , Jr intervalos abertos, tais que os in-


tervalos Ji são dois a dois disjuntos
Se I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr , então
|J1 | + . . . + |Jr | ≤ |I1 | + . . . + |Ik | ,
ocorrendo a igualdade somente quando os intervalos Ij são também dois
a dois disjuntos. Nesse caso, k = r e os intervalos I1 , . . . , Ik coincidem
com os intervalos J1 , . . . , Jk a menos da enumeração.

Prova.
Seja ξX : R −→ R a função caracterı́stica de um conjunto X ⊂ R, ou

1 se x ∈ X
seja ξX (x) =
0 se x ∈
6 X.

Instituto de Matemática - UFF 305


Análise na Reta

X
k
Afirmação 1: Se Y = X1 ∪ . . . ∪ Xk , então ξY ≤ ξX , ocorrendo a
j
j=1

igualdade se, e só se, os conjuntos Xj são dois a dois disjuntos.


De fato, se x ∈ Y, existe j ∈ {1, . . . , k} tal que x ∈ Xj .

X
k
Logo, ξY (x) = 1 = ξXj (x) ≤ ξX (x), pois ξX (y) ≥ 0 para todo y ∈ R.
i i
i=1

Se x 6∈ Y, então x 6∈ Xj para todo j = 1, . . . , k. Assim, ξY (x) = ξX (x) = 0


j

para todo j = 1, . . . , k, ou seja,


X
k
ξY (x) = ξX (x) = 0 .
j
j=1

Suponhamos, agora, que os conjuntos X1 , . . . , Xk são dois a dois disjun-


tos. Então, para todo x ∈ Y, existe um único j = 1, . . . , k tal que x ∈ Xj .
X
k
Logo, ξY (x) = 1 = ξXj (x) = ξX (x), já que ξX (x) = 0 para todo i 6= j.
i i
i=1

X
n
Suponhamos que ξY = ξX . j
Então, os conjuntos Xj são disjuntos,
j=1

pois se existisse x ∈ Xj ∩ Xi , j 6= i, terı́amos que


X
k
2 = ξXj (x) + ξXi (x) ≤ ξX (x) = ξY (x) = 1 ,
`
`=1

o que é absurdo.
• No caso em que X é um intervalo contido no intervalo [a, b], temos que
ξX : [a, b] −→ R é uma função escada e, portanto,
Zb
ξX(x) dx = |X|
a

• Logo, se [a, b] é um intervalo tal que Y = I1 ∪. . .∪Ik = J1 ∪. . .∪Jr ⊂ [a, b],


onde I1 , . . . , Ik e J1 , . . . , Jr são intervalos abertos, sendo os intervalos Ji
dois a dois disjuntos, então
X
r X
k
ξY = ξJ i
≤ ξI J
,
i=1 i=1

306 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

e, portanto,
X
r r Zb
X Z X
r Zb X
k k Zb
X X
k
|Ji | = ξJ i
= ξJ i
≤ ξI j
= ξI j
= |Ij | .
i=1 i=1 a a i=1 a j=1 j=1 a j=1

Suponhamos, agora, que existem i 6= j , i, j ∈ {1, . . . , k}, tais que Ii ∩Ij 6= ∅.


Então, existe um intervalo aberto I0 = (c, d) ⊂ Ii ∩ Ij .

X
k X
k
Logo, ξY (x) < ξI (x) para todo x ∈ I0, ou seja,
`
ξI (x) − ξY (x) ≥ 1
`
`=1 `=1

para todo x ∈ I0 .
Assim,
X
k X̀ Zb X
k X
r
!
|I` | − |Js | = ξI (x) −
`
ξJ (x)
s
dx
`=1 s=1 a `=1 s=1
Zb X
k
! Zc X
k
!
= ξI (x) − ξY (x)
`
dx = ξI (x) − ξY (x)
`
dx
a `=1 a `=1
Zd X
k
! Zb X
k
!
+ ξI (x) − ξY (x)
`
dx + ξI (x) − ξY (x)
`
dx
c `=1 d `=1
Zd
≥ 1 dx = d − c = |I0 | > 0 .
c

Provamos, então, que se os intervalos abertos I1 , . . . , Ik não são disjuntos,


X
k X
r
então |I` | > |Js | . 
`=1 s=1

Corolário 6.1 Seja X ⊂ [a, b] um conjunto de conteúdo nulo. Então,


dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que a soma dos compri-
mentos dos intervalos de P que contêm algum ponto de X é < ε.

Prova.
Dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik
X
k
e |Ij | < ε. Pela observação 6.1 e pelo lema 6.1, existem intervalos
j=1

abertos J1 , . . . , Jr , r ≤ k, disjuntos tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr


Xr
e |Ji | < ε.
i=1

Instituto de Matemática - UFF 307


Análise na Reta

As extremidades dos Ji contidas em [a, b], juntamente com os pontos a e


b, formam uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b].
Seja i = 1, . . . , n, tal que X ∩ [ti−1 , ti ] 6= ∅. Então, existe x ∈ X ∩ [ti−1 , ti ]
e, portanto, existe ` = 1, . . . , r tal que x ∈ J` .
Suponhamos que 0 < ε ≤ b − a. Assim, uma das extremidades de J` está
contida em [a, b], pois, caso contrário, terı́amos |J` | > b − a ≥ ε, já que
J` ∩ [a, b] 6= ∅.
Logo, se:
• ti−1 = a =⇒ [a, t1 ) ⊂ J` e t1 é a extremidade superior de J` .

ou
• ti−1 6= a e ti 6= b =⇒ (ti−1 , ti ) = J` .

• ti = b =⇒ (tn−1 , b] ⊂ J` e tn−1 é a extremidade inferior de J` .

ou
Em qualquer caso, temos que ti − ti−1 ≤ |J` |. Então,
X X
r
|ti − ti−1 | ≤ |Js | < ε . 
X∩[ti−1 ,ti ]6=∅ s=1

Observação 6.2 Os conjuntos de conteúdo nulo gozam das seguintes


propriedades:
1. Se c(X) = 0, então X é limitado.
De fato, como X está contido numa união finita de intervalos limitados,
temos que X é limitado.
2. Se c(X) = 0 e Y ⊂ X, então c(Y) = 0.
3. Se c(X1 ) = c(X2 ) = . . . = c(Xn ) = 0, então c(X1 ∪ . . . ∪ Xn ) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem, para cada k = 1, . . . , n, intervalos abertos
Ik1 , . . . , Ikjk tais que

308 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

X
jk
ε
Xk ⊂ Ik1 ∪ ... ∪ Ikjk e |Iki | < .
n
i=1

Logo,
jk
n [
[ X
n X
jk
ε
X1 ∪ . . . ∪ Xn ⊂ Iki e |Iki | < n × = ε.
n
k=1 i=1 k=1 i=1

4. Se para cada ε > 0 existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik e um subcon-


junto finito F ⊂ X tais que
X − F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1 | + . . . + |Ik | < ε ,
então c(X) = 0 .
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik e F ⊂ X finito tais
que
ε
X − F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1 | + . . . + |Ik | < .
2
ε ε
 
Sejam F = {x1 , . . . , xr } e Ik+i = xi − , x i + , i = 1, . . . , r. Então,
4r 4r
r
[ X
r
2εr ε
F⊂ Ik+i e |Ik+i | = = .
4r 2
i=1 i=1

X
k+r
ε ε
Logo, X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ∪ Ik+1 ∪ . . . ∪ Ik+r e |Ij | < + = ε.
2 2
j=1

5. c(X) = 0 ⇐⇒ dado ε > 0, existem intervalos fechados J1 , . . . , Jk tais


X
k
que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e |Ji | < ε.
i=1

De fato, se c(X) = 0, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik tais


X
k
que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik e |Ii | < ε. Seja Ji = Ii , ou seja, Ji = [ai , bi ]
i=1

se Ii = (ai , bi ). Então, |Ji | = |Ii |, i = 1, . . . , k. Logo, X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e


X
k X
k
|Ji | = |Ii | < ε .
i=1 i=1

Reciprocamente, dado ε > 0, existem intervalos fechados Ji = [ai , bi ],


X
k
i = 1, . . . , k , tais que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e |Ji | < ε.
i=1

Instituto de Matemática - UFF 309


Análise na Reta

Sejam F = {a1 , b1 , a2 , b2 , . . . , an , bn } e Ii = (ai , bi ), i = 1, . . . , n.

X
k
Então, X − F ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik e |Ii | < ε . Logo, pela propriedade 4,
i=1

c(X) = 0.
• Em particular, vale a recı́proca do corolário 6.1: Se X ⊂ [a, b] e, para
cada ε > 0 existe uma partição P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
tos dos intervalos de P que contêm pontos de X é < ε, então c(X) = 0.

Exemplo 6.1 Seja X = Q ∩ [a, b], com a < b. Então, X é enumerável,


mas não tem conteúdo nulo.
De fato, se c(X) = 0, então, dado 0 < ε < b − a, existiria uma partição P
de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de P contendo
pontos de P seria < ε. Mas, como Q ∩ [ti−1 , ti ] 6= ∅ para todo i, terı́amos
X
que (ti − ti−1 ) = b − a, o que é um absurdo. Logo, X não tem
[ti−1 ,ti ]∩X6=∅

conteúdo nulo. 

Exemplo 6.2 Todo intervalo não-degenerado não tem conteúdo nulo.


De fato, os intervalos do tipo (a, +∞), [a, +∞), (−∞, b) e (−∞, b] não
têm conteúdo nulo, pois são ilimitados.
E os intervalos do tipo (a, b) e [a, b] não tem conteúdo nulo, pois (a, b)∩Q
não têm conteúdo nulo e (a, b) ∩ Q ⊂ (a, b) ⊂ [a, b]. 

Exemplo 6.3 Se X tem conteúdo nulo, então X tem interior vazio.


De fato, se x0 ∈ int X, existiria um intervalo aberto I tal que x0 ∈ I ⊂ X.
Logo, como c(X) = 0, I teria conteúdo nulo, o que é um absurdo. 

Exemplo 6.4 Seja K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor. Então K não é enu-


merável e tem conteúdo nulo.
De fato, depois da n−ésima etapa da construção do conjunto de Cantor,
foram omitidos intervalos abertos cuja soma dos comprimentos é
1 X 2 i
n−1    2 n
1 2 22 2n−1
+ 2 + 3 + ... + n = =1− .
3 3 3 3 3 3 3
i=0

310 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Então, K está contido numa união finita de 2n intervalo fechados, cada um


1
de comprimento n . Como a soma dos comprimentos desses intervalos
3
 2 n  2 n
fechados é , dado ε > 0, basta tomar n ∈ N tal que < ε.
3 3
Portanto, c(X) = 0. 

• Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e X ⊂ [a, b]. A oscilação de f


no conjunto X é
ω(f; X) = sup f(X) − inf f(X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, ∈ X } .
Logo, se X ⊂ Y, então ω(f; X) ≤ ω(f; Y) .
Definiremos, agora, a oscilação de f num ponto x ∈ [a, b]:
Para cada δ > 0, escrevemos
ωx (δ) = ω(f; (x − δ, x + δ) ∩ [a, b]) .
• se a < x < b, existe δ0 > 0 tal que (x − δ0 , x + δ0 ) ⊂ [a, b]. Logo,
ωx (δ0 ) = ω(f; (x − δ0 , x + δ0 )) .
• Se x = a e 0 < δ0 ≤ b − a, então ωx (δ0 ) = ω(f; [a, a + δ0 )) .
• Se x = b e 0 < δ0 ≤ b − a, então ωx (δ0 ) = ω(f; (b − δ0 , b]) .
Então a função ω : (0, δ0 ) −→ R é monótona não-decrescente e é
limitada, pois f é limitada.
Existe, portanto, o limite
ω(f; x) = lim+ ωx (δ) = inf { ω(δ) | δ ∈ (0, δ0 ) }
δ→0

que chamamos a oscilação de f no ponto x .

Observação 6.3 Seja Vδ (x) = (x − δ, x + δ) ∩ ( [a, b] − {x} ).


Então, se 0 < δ < δ0 , temos que Vδ (x) = (x − δ, x + δ) − {x} quando
a < x < b, Vδ (a) = (a, a + δ) e Vδ (b) = (b − δ, b) .
Como já provamos, as funções
`x : (0, δ0 ) −→ R
δ 7−→ `xδ = infδ∈(0,δ0 ) f(Vδ )

Instituto de Matemática - UFF 311


Análise na Reta

Lx : (0, δ0 ) −→ R
δ 7−→ Lxδ = supδ∈(0,δ0 ) f(Vδ ) ,

são monótonas não-crescente e não-decrescente, respectivamente,


L(x) = lim Lxδ é o limite superior de f no ponto x e `(x) = lim `xδ é o
δ→0 δ→0

limite inferior de f no ponto x.


Observe que, ao calcularmos os limites `(x) e L(x), não levamos em conta
o valor de f no ponto x. Por isso, não se tem, em geral, ω(f; x) igual a
L(x) − `(x).
Mas, como ω(δ) = max { Lxδ , f(x) } − min { `xδ , f(x) }, temos que

Lxδ + f(x) + |Lxδ − f(x)| `x + f(x) − |`xδ − f(x)|


ω(f; x) = lim+ ωxδ = lim+ − lim+ δ
δ→0 δ→0 2 δ→0 2
L(x) + f(x) + |L(x) − f(x)| `(x) + f(x) − |`(x) − f(x)|
= −
2 2

= max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } .

Além disso, temos que f é contı́nua em x se, e só se, lim f(t) = f(x), ou
t→x

seja, se, e só se, L(x) = `(x) = f(x). Logo,


f é contı́nua em x se, e só se, ω(f; x) = 0 .
De fato, se f é contı́nua em x, então ω(f; x) = 0, pois
max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = 0 ,
já que L(x) = `(x) = f(x).
Suponhamos, então, que ω(f; x) = 0.
• Se f(x) ≤ `(x) ≤ L(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − f(x) ,
ou seja, L(x) = f(x), e, portanto, f(x) = `(x) = L(x).
• Se `(x) ≤ L(x) ≤ f(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = f(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = f(x), e, portanto, `(x) = L(x) = f(x) .
• Se `(x) ≤ f(x) ≤ L(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = L(x), e, portanto, `(x) = f(x) = L(x) .

312 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Em qualquer caso, temos que L(x) = `(x) = f(x). Logo, f é contı́nua em x


se ω(f; x) = 0.

Daremos, agora, uma outra demonstração deste resultado, sem usar


as noções de limite superior e inferioir de uma função num ponto x.

Teorema 6.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, f é contı́nua no ponto


x0 ∈ [a, b] se, e só se, ω(f; x0 ) = 0 .

Prova.
(=⇒) Suponhamos f contı́nua no ponto x0 ∈ [a, b]. Dado ε > 0, existe
δ > 0 tal que
ε ε
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ f(x0 ) − < f(x) < f(x0 ) + .
2 2
Então, |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b] ∩ (x0 − δ, x0 + δ)
e, portanto, 0 ≤ ωδ ≤ ε.
Logo, ω(f; x0 ) = lim+ ωδ = 0.
δ→0

(⇐=) Suponhamos, agora, que ω(f; x0 ) = lim+ ωδ = 0 .


δ→0

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que 0 ≤ ωδ < ε, ou seja, |f(x) − f(y)| < ε
quaisquer que sejam x, y ∈ (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b].
Em particular,
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε.
Logo, f é contı́nua no ponto x0 . 

• O próximo teorema diz que a oscilação x 7−→ ω(f; x) é uma função se-
micontı́nua superiormente no intervalo [a, b], e os corolários estabelecem
propriedades gerais das funções semicontı́nuas superiormente.

Teorema 6.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Dado x0 ∈ [a, b], para todo
ε > 0, existe δ > 0, tal que
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0 ) + ε .

Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que ωx0 (δ) < ω(f; x0 ) + ε, pois
lim ωx0 (δ) = ω(f; x0 ).
δ→0

Instituto de Matemática - UFF 313


Análise na Reta

Como
ωx0 (δ) = ω(f; (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b]),
temos que para todo x ∈ X = (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b] , existe δx > 0 tal
que (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b] ⊂ X .
Logo,
ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b]) ≤ ω(f; X) = ωx0 (δ) < ω(f; x0 ) + ε.
Mas, como
ω(f; x) ≤ ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b]),
já que
ω(f; x) = lim ωxδ 0 = inf { ωx (δ 0 ) | δ 0 > 0 },
0 δ →0

onde ωx (δ 0 ) = ω(f; (x−δ 0 , x+δ 0 )∩[a, b]), temos que ω(f; x) < ω(f; x0 )+ε.


Corolário 6.2 Se ω(f; x0 ) < α então existe δ > 0 tal que


x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < α .

Prova.
Pelo teorema acima, dado ε = α − ω(f; x0 ) > 0, existe δ > 0 tal que
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0 ) + ε = α . 

Corolário 6.3 Para todo α > 0, o conjunto


Eα = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ α }
é compacto.

Prova.
Seja
Aα = [a, b] − Eα = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) < α } .
Pelo corolário anterior, para todo x ∈ Aα , existe δx > 0, tal que (x − δx , x +
δx ) ∩ [a, b] ⊂ Aα .
Logo,
[
Aα = [a, b] ∩ (x − δx , x + δx ) = [a, b] ∩ Uα ,
x∈Aα
[
onde Uα = (x − δx , x + δx ) é aberto.
x∈Aα

314 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Então, Eα = [a, b] ∩ (R − Uα ) é fechado e limitado, pois [a, b] e R − Uα são


fechados e [a, b] é limitado. Portanto, Eα é compacto. 

Corolário 6.4 Seja (xn ) uma seqüência de pontos de [a, b] que con-
verge para x. Se o lim ω(f; xn ) = L existe, então L ≤ ω(f; x), ou seja
n→∞

lim ω(f; xn ) ≤ ω(f; lim xn ) .


n→∞ n→∞

Prova.
L − ω(f; x)
Suponhamos, por absurdo, que ω(f; x) < L e seja ε = > 0,
2
isto é, ω(f; x) + ε = L − ε. Pelo teorema 6.2, existe δ > 0 tal que
y ∈ [a, b] ∩ (x − δ, x + δ) =⇒ ω(f; y) < ω(f; x) + ε = L − ε .
Mas, como xn −→ x, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ [a, b] ∩ (x − δ, x + δ) para
todo n ≥ n0 .
Logo, ω(f; xn ) < L − ε para todo n ≥ n0 , o que é um absurdo, pois
lim ω(f; xn ) = L. 
n→∞

x
Exemplo 6.5 Seja a função f : R −→ R dada por f(x) = , x 6= 0, e
|x|
f(0) = 0. Então, ω(f; x) = 0 para todo x 6= 0, pois f é contı́nua nesses
pontos, e ω(f; 0) = 2, pois ω0δ = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ (−δ, δ) } = 2,
para todo δ > 0. 

Exemplo 6.6 Seja g : R −→ R definida por g(x) = 0 se x ∈ (R − Q) ∪ {0}


 
p 1 p
eg = se é irredutı́vel e q > 0.
q q q

Como lim g(x) = 0 para todo x0 ∈ R, temos que L(x0 ) = `(x0 ) = 0,


x→x0

onde L(x0 ) e `(x0 ) é o limite superior e o limite inferior de g no ponto x0 ,


respectivamente.
Então, ω(g; x0 ) = 0 para todo x0 ∈ (R − Q) ∪ {0} e ω(g; x0 ) = g(x0 ) para
todo x0 ∈ Q − {0}, já que, pela observação 6.3,
ω(g; x0 ) = max { L(x0 ), g(x0 ) } − min { `(x0 ), g(x0 ) } . 

Exemplo 6.7 Seja h : R −→ R dada por h(x) = 0 para x ∈ Q e h(x) = 1


para x ∈ R − Q. Então, ω(h; x) = 1 para todo x ∈ R, pois

Instituto de Matemática - UFF 315


Análise na Reta

ωx (δ) = sup { |h(y) − h(z)| | y, z ∈ (x − δ, x + δ) } = 1


para todo δ > 0. 

Teorema 6.3 Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada. Se ω(f; x) <


ε para todo x ∈ [a, b], então existe uma partição P de [a, b] tal que
ωi = Mi − mi < ε em todos os intervalos [ti−1 , ti ] da partição.

Prova.
Como ω(f; x) = lim+ ωx (δ) = inf {ωx (δ) | δ > 0 } < ε, para todo x ∈ [a, b],
δ→0

existe δx > 0 tal que ωx (δx ) = ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b] } < ε.


δ δ
  [
Seja Ix = x − x , x + x , x ∈ [a, b]. Como [a, b] ⊂ Ix é uma cober-
2 2
x∈[a,b]

tura aberta do compacto [a, b], existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b], pelo teorema
de Borel-Lebesgue, tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Os pontos a, b, juntamente com as extremidades dos intervalos Ixj que
pertencem a [a, b], deterrminam uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b].

Afirmação: ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) < ε, i = 1, . . . , n.


• i = 1: Como [a, t1 ] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a
extremidade inferior de Ixj é < a e sua extremidade superior é ≥ t1 e,
portanto, [a, t1 ) ⊂ Ixj . Assim, [a, t1 ] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ), e
ω1 = ω(f; [a, t1 ]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

• i 6= 1, n: Como [ti−1 , ti ] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n} tal que a


extremidade inferior de Ixj é < ti−1 e sua extremidade superior é ≥ ti , ou
seja, (ti−1 , ti ) ⊂ Ixj . Assim, [ti−1 , ti ] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ) e
ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

• i = n: Como [tn−1 , b] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a


extremidade superior de Ixj é > b e sua extremidade inferior é ≤ tn−1 , ou
seja, (tn−1 , b] ⊂ Ixj . Assim, [tn−1 , b] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ) e

ωn = ω(f; [tn−1 , b]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

Teorema 6.4 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável se, e só


se, para todo δ > 0, o conjunto Eδ = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ δ } tem conteúdo
nulo.

316 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Prova.
(=⇒) Sejam f integrável e δ > 0. Dado ε > 0, existe uma partição
X
n
P = {t0 , . . . , tn } de [a, b] tal que ωi (ti − ti−1 ) < εδ.
i=1

Se (ti−1 , ti ) ∩ Eδ 6= ∅, existe x ∈ (ti−1 , ti ) ∩ Eδ e δx > 0 tal que


(x − δx , x + δx ) ⊂ (ti−1 , ti ).
Logo,
ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) ≥ ω(f; (x − δx , x + δx )) ≥ ω(f; x) ≥ δ .
Seja I = { i ∈ {1, . . . , n} | Eδ ∩ (ti−1 , ti ) 6= ∅ }.
Então,
X X
δ (ti − ti−1 ) ≤ ωi (ti − ti−1 ) < δ.
i∈I i∈I

Isto é,
X
(ti − ti−1 ) <  ,
i∈I

ou seja, a soma dos comprimentos dos intervalos de P que contêm algum


ponto de Eδ em seu interior é < ε.
[ X
Portanto, Eδ − ( Eδ ∩ P ) ⊂ (ti−1 , ti ) e (ti − ti−1 ) < ε .
i∈I i∈I

Assim, como Eδ ∩ P é finito, temos que c(Eδ ) = 0.

(⇐=) Suponhamos que c(Eδ ) = 0 para todo δ > 0.


ε
Dado ε > 0, tomemos δ0 = .
2(b − a)

Como Eδ0 ⊂ [a, b] e c(Eδ0 ) = 0, temos, pelo corolário 6.1, que existe uma
partição P0 de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de
ε
P0 que contêm algum ponto de Eδ0 é < , onde M = sup f e
2(M − m)
m = inf f. Observe que M − m > 0 se f não é constante.
Nos outros intervalos, onde [tk−1 , tk ] ∩ Eδ0 = ∅, temos que ω(f; x) < δ0
para todo x ∈ [tk−1 , tk ]. Logo, pelo teorema anterior, podemos subdividir
cada um dos intervalos [tk−1 , tk ] que não intersectam Eδ0 de modo a se
obter uma partição P que é um refinamento de P0 , com ωi < δ0 nos
intervalos que não contêm pontos de Eδ0 .

Instituto de Matemática - UFF 317


Análise na Reta

Relativamente a P, podemos escrever


X X X
ωi (ti − ti−1 ) = ωi0 (ti0 − ti−1
0
)+ ωi00 (ti00 − ti−1
00
),

onde o primeiro somatório refere-se aos intervalos de P que contêm um


ponto de Eδ0 .
Então,
X ε
ωi0 ≤ M − m e (ti0 − ti−1
0
)< .
2(M − m)
X ε
Logo, ωi0 (ti0 − ti−1
0
)< .
2
O segundo somatório corresponde aos intervalos de P que não contêm
pontos de Eδ0 . Logo, ωi00 < δ0 e, portanto,
X ε
ωi00 (ti00 − ti−1
00
) < δ0 (b − a) = .
2
X
Assim, ωi (ti − ti−1 ) < ε e f é integrável. 

• Vamos introduzir agora a noção de conjunto de medida nula para obter-


mos a forma definitiva de caracterizar as funções integráveis.

Definição 6.2 Dizemos que um conjunto X ⊂ R tem medida nula (à


Lebesgue) e escrevemos m(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe
uma coleção enumerável de intervalos abertos I1 , I2 , . . . , In , . . . tais que
X

X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e |In | < ε.
n=1

• Em particular, se X tem conteúdo nulo, então X tem medida nula.


• Valem as seguintes propriedades:
1. Se m(X) = 0 e Y ⊂ X então m(Y) = 0. Em particular m(∅) = 0.
2. Se X é compacto e m(X) = 0, então c(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existe uma coleção enumerável de intervalos
X

abertos I1 , . . . , In , . . . tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e |In | < ε.
n=1

Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem k1 , . . . , kn ∈ N tais que


X ⊂ Ik1 ∪ . . . ∪ Ikn .

318 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

X
n X

Logo, |Iki | ≤ |Ij | < ε e, portanto, c(X) = 0.
i=1 j=1

3. Se Y = X1 ∪ X2 ∪ . . . ∪ Xn ∪ . . ., onde m(X1 ) = m(X2 ) = . . . =


m(Xn ) = . . . = 0, então, m(Y) = 0. Ou seja, uma reunião enumerável de
conjuntos de medida nula tem medida nula.
De fato, para cada n ∈ N, existe uma coleção (In,j )j∈N de intervalos
[ X ε
abertos tal que Xn ⊂ In,j e |In,j | < n .
2
j∈N j∈N
[
Logo, Y ⊂ In,j , onde
n,j∈N

XX X

ε
|In,j | < = ε.
2n
n j n=1

Assim, m(Y) = 0.
• Em particular, como um conjunto formado por um único ponto tem me-
dida nula, todo conjunto enumerável tem medida nula.
Assim, m(Q) = 0 e, portanto m(Q ∩ [a, b]) = 0, mas, como já vimos,
Q ∩ [a, b] não tem conteúdo nulo.
4. Se, para cada ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , In , . . . e
[ X
um subconjunto enumerável E ⊂ X tais que X − E ⊂ In e |In | < ε,
n∈N n∈N

então m(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , In , . . . e E ⊂ X
[ X ε
enumerável tais que X − E ⊂ In e |In | < .
2
n∈N n∈N

Mas, como E tem medida nula (por ser enumerável), existem inter-
[ X ε
valos abertos J1 , . . . , Jn , . . . tais que E ⊂ Jn e |Jn | < .
2
n∈N n∈N
[ [ X X
Logo, X ⊂ In ∪ Jk e |In | + |Jk | < ε e, portanto, X tem
n∈N k∈N n∈N k∈N

medida nula.
5. m(x) = 0 ⇐⇒ para todo ε > 0, existe uma coleção enumerável de
[ X
intervalos fechados F1 , F2 , . . . , Fn , . . . tal que X ⊂ Fn e |Fn | < ε.
n∈N n∈N

Instituto de Matemática - UFF 319


Análise na Reta

De fato, se m(X) = 0, dado ε > 0, existe uma coleção (In )n∈N de


intervalos abertos tal que
[ X
X⊂ In e |In | < ε .
n∈N n∈N

Então, Fn = In é um intervalo fechado tal que |Fn | = |In | e In ⊂ Fn


para todo n ∈ N.
[ X
Logo, X ⊂ Fn e |Fn | < ε .
n∈N n∈N

Reciprocamente, dado ε > 0, existe uma coleção (Fn )n∈N de interva-


[ X
los fechados tal que X ⊂ Fn e |Fn | < ε.
n∈N n∈N

Então, int(Fn ) = In é um intervalo aberto e |In | = |Fn | para todo


n ∈ N, e o conjunto E das extremidades dos intervalos Fn é enumerável.
[ X
Logo, X − E ⊂ In e |In | < ε e, portanto, pela propriedade 4,
n∈N n∈N

X tem medida nula.

Teorema 6.5 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável se, e só


se, o conjunto D dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.

Prova.
Para cada δ > 0, seja Eδ = {x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ δ}.
[ [
Então, D = Eδ = E1/n , já que f é contı́nua num ponto x ∈ [a, b] se,
δ>0 n∈N

e só se, ω(f; x) = 0.

(⇐=) Se m(D) = 0 então m(Eδ ) = 0 para todo δ > 0. Como Eδ é


compacto, pelo corolário 6.3, temos que c(Eδ ) = 0 para todo δ > 0. Logo,
pelo teorema 6.4, f é integrável.

(=⇒) Se f é integrável, então, pelo teorema 6.4, para todo n ∈ N,


c(E1/n ) = 0 e, portanto, m(E1/n ) = 0.
[
Logo, D tem medida nula, pois D = E1/n é uma reunião enumerável
n∈N

de conjuntos de medida nula. 

320 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Corolário 6.5 Se f, g : [a, b] −→ R são integráveis, então o produto f · g


1
é integrável. Se, além disso, f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e é limitada,
f
1
então é integrável.
f

Prova.
Se f e g são limitadas, existem K > 0 e M > 0 tais que |f(x)| ≤ K e
|g(x)| ≤ M para todo x ∈ [a, b] e, portanto, |f(x) · g(x)| ≤ KM para todo
x ∈ [a, b], ou seja, f · g é limitada.
Além disso, como D(f · g) ⊂ D(f) ∪ D(g), temos que m(D(f · g)) = 0, pois
m(D(f)) = m(D(g)) = 0.
Logo, f · g é integrável.
1 1
Se f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e é limitada, temos que é integrável,
f f
já que D(1/f) = D(f) e m(D(f)) = 0. 

Corolário 6.6 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se o conjunto dos seus


pontos de descontinuidade é enumerável, então f é integrável.

Corolário 6.7 Seja f : [a, b] → R limitada. Se existem os limites laterais


de f em todos os pontos de [a, b], ou seja, se f só possui decontinuidades
de primeira espécie, então f é integrável.

Prova.
Se todas as descontinuidades de f são de primeira espécie, então D é
enumerável e, portanto, tem medida nula. 

Corolário 6.8 Se f : [a, b] −→ R é monótona, então f é integrável.

Prova.
Se f é monótona em [a, b], então f é limitada e todas as suas descon-
tinuidades são de primeira espécie. Logo, pelo corolário anterior, f é in-
tegrável. 

Instituto de Matemática - UFF 321


Análise na Reta

7. Logarı́tmos e exponenciais

Vamos definir primeiro a função Logarı́tmo e a partir dela a função


Exponencial como sendo sua inversa, pois , desta maneira, as proprieda-
des de ambas funções são provadas de forma mais simples.
O contrário também pode ser feito, mas torna as coisas mais difı́ceis
(ver exercı́cios 2 e 60 da parte 2 e exercı́cios 11 e 12 da parte 5).

Definição 7.1 Seja R+ o conjunto dos números reais positvos. Defini-


mos a função real log : R+ −→ R pondo, para cada x > 0,
Zx
1
log x = dt
1 t

O número log x é chamado o logarı́tmo natural de x ou o logarı́tmo de x.

Zx
1 x−1
Observação 7.1 log x = dt ≥ > 0 para todo x > 1, já que,
1 t x
1 1
≥ para todo t ∈ [1, x].
t x

Z1
1
Observação 7.2 log 1 = dt = 0 e
1 t
Zx Z1
1 1
log x = dt = − dt ≤ −(1 − x) = x − 1 < 0 ,
1 t x t

1
para todo 0 < x < 1, pois ≥ 1 para todo t ∈ [x, 1].
t

1
Observação 7.3 Como (log) 0 (x) = > 0 para todo x > 0, a função
x
log : R+ −→ R é monótona crescente.
1
Além disso, log ∈ C∞ , já que a função x 7−→ é de classe C∞ .
x

Observação 7.4 Quando x > 1, log x é a área da faixa de hipérbole



1

Hx1 = (t, y) 1 ≤ t ≤ x e0≤y≤
t

E quando 0 < x < 1, logx é a área da faixa H1x com o sinal trocado.

322 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

1
Fig. 1: Area Hx
1 delimitada pelo gráfico de x
no intervalo [1, x] .

Teorema 7.1 Sejam x, y ∈ R+ . Então, log xy = log x + log y.

Prova.
Temos
Z xy Zx Z xy
1 dt dt
log xy = dt = +
1 t 1 t x t
Zy Zy
x ds
= log x + ds = log x +
1 xs 1 s

= log x + log y ,
Z xy
dt
onde, na integral , realizamos a mudança de variável t = xs. 
x t

Corolário 7.1 Seja x > 0. Então, log(xr ) = r log x para todo r ∈ Q.

Prova.
Seja n ∈ N. Então, podemos provar, por indução, usando o teorema
acima, que log(xn ) = n log x , já que log x = log(x1 ) = 1 log x e, se
log(xn ) = n log x , então
log(xn+1 ) = log(xn · x) = log(xn ) + log x = n log x + log x = (n + 1) log x .

Como xn · x−n = x0 = 1, temos


0 = log 1 = log(xn · x−n ) = log(xn ) + log(x−n ) ,
e, portanto, log(x−n ) = − log(xn ) = −n log x.
Provamos, assim, que log(xr ) = r log x para todo r ∈ Z.

Instituto de Matemática - UFF 323


Análise na Reta

p
No caso geral, r = , p ∈ Z e q ∈ Z? . Como por definição, (xp/q )q = xp ,
q
temos que
p log x = log(xp ) = log((xp/q )q ) = q log(xp/q ) .
p
Assim, log(xp/q ) = log x . 
q

Corolário 7.2 A função log : R+ −→ R é um homeomorfismo de R+


sobre R .

Prova.
Já sabemos que a função log é contı́nua e crescente, donde injetiva.
Como, pelo corolário 3.2 da parte 6, log(R+ ) é um intervalo, para provar
que log(R+ ) = R, basta mostrar que
lim log x = +∞ e lim log x = −∞ .
x→∞ x→0+

Sendo lim log(2n ) = lim n log 2 = +∞ e a função log crescente, temos


n→∞ n→∞

que limx→∞ log x = +∞, já que dado A > 0 existe B = 2n0 > 0, onde
A
n0 > , tal que
log 2
x > B =⇒ log x > log(2n0 ) = n0 log 2 > A .
Temos, também, que lim+ log x = −∞, pois, dado A > 0, existe
x→0
A
δ = 2−n0 > 0, onde n0 > , tal que
log 2
0 < x < δ =⇒ log x < log(2−n0 ) = −n0 log 2 < −A .
Além disso, como log : R+ −→ R é uma bijeção contı́nua definida no
intervalo R+ = (0, ∞), temos, pelo teorema 3.2 da parte 6, que sua função
inversa log−1 : R −→ R+ é contı́nua em R. 

Observação 7.5 O teorema acima, juntamente com o teorema 7.1, nos


dá que log : R+ −→ R é um isomorfismo contı́nuo do grupo multiplica-
tivo R+ sobre o grupo aditivo R e que seu isomorfismo inverso também é
contı́nuo.

Exemplo 7.1 Os únicos homomorfı́smos contı́nuos f : R+ −→ R são os


da forma f(x) = c log x, onde c ∈ R (exercı́cio 33 do livro). 

324 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

Observação 7.6 Sendo log R+ −→ R uma bijeção, existe um único


número real, indicado pelo sı́mbolo e, cujo logarı́tmo é 1, ou seja, log e = 1.
O número e é chamado de base dos logarı́tmos naturais.
Mostraremos, depois, que
 1
n
e = lim 1+
n→∞ n

Definição 7.2 A função exponencial exp : R −→ R+ é, por definição, a


inversa da função logarı́tmo, ou seja,
exp(x) = y ⇐⇒ log y = x .
Em particular, exp(log y) = y e log(exp x) = x .

Teorema 7.2 A função exponencial é uma bijeção crescente de R sobre


R+ . Ela é infinitamente diferenciável, com (exp) 0 (x) = exp(x). Além disso,
exp(x + y) = exp(x) · exp(y) , ∀x, y ∈ R e exp(r) = er , ∀ r ∈ Q .

Prova.
A função exp : R → R+ é uma bijeção contı́nua crescente de R sobre
R+ , pois ela é a inversa de uma bijeção contı́nua crescente de R+ sobre
R.
Além disso, pela regra de derivação da função inversa, temos que exp é
1
derivável, já que a função exp é contı́nua e (log) 0 (y) = 6= 0 para todo
y
y > 0, e
1 1
(exp) 0 (x) = 0 = = exp(x) , ∀ x ∈ R .
log (exp x) 1
exp(x)

Logo, exp é uma função de classe C∞ .


Sejam x, y ∈ R e x 0 = exp(x), y 0 = exp(y). Então,
log(x 0 ) = x e log(y 0 ) = y.
Assim
exp(x + y) = exp(log(x 0 ) + log(y 0 )) = exp(log(x 0 y 0 )) = x 0 y 0 = exp(x) · exp(y) .
Seja, agora, r ∈ Q. Então, pelo corolário 7.2,
exp(rx) = exp(r log(x 0 )) = exp(log((x 0 )r )) = (x 0 )r = (exp(x))r .
Em particular, se x = 1, temos que exp(r) = exp(r · 1) = (exp(1))r = er .

Instituto de Matemática - UFF 325


Análise na Reta

Observação 7.7
• lim exp x = +∞ .
x→∞

De fato, dado A > 0, existe D = max{log A, 1} > 0, tal que


x > D =⇒ exp x > exp D ≥ exp log A = A.
• lim exp x = 0
x→−∞

1

De fato, dado ε > 0, existe D = max log , 1 > 0, tal que
ε
1
 
x < −D =⇒ 0 < exp x < exp(−D) ≤ exp − log = exp log ε = ε .
ε

Observação 7.8 A igualdade exp r = er , quando r ∈ Q, juntamente


com a relação exp(x + y) = exp x · exp y, nos indicam que exp x se com-
porta como uma potência de base e e expoente x.
Portanto, vamos escrever
exp x = ex .
Com a nova notação, temos
1
ex+y = ex · ey , e0 = 1 , e−x = ,
ex
x < y ⇐⇒ ex < ey , log(ex ) = x e elog x = x .

Observação 7.9 Como y = ex e y = log x são funções inversas uma


da outra, os seus gráficos são simétricos relativamente à diagonal y = x .

Fig. 2: Simetria entre os gráficos de y = ex e y = log x em relação à diagonal y = x .

Pelos gráficos, podemos observar que a função ex tende mais rapida-

326 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

mente para +∞, quando x −→ +∞, do que a função x 7−→ x, e que a


função log x tende mais lentamente para +∞, quando x −→ +∞, do que
a função x 7−→ x.
p(x)
De fato, já provamos, na parte 7, exemplo 2.7, que lim = 0 para
x→+∞ ex
todo polinômio p(x). E provaremos, agora, o seguinte resultado com res-
peito ao crescimento logarı́tmico.

log x
Teorema 7.3 x→+∞
lim = 0.
x

Prova.
Pelo teorema do valor médio, para todo x > 1, existe cx ∈ (1, x) tal que
x−1
log x = log x − log 1 = log 0 (cx ) (x − 1) = .
cx
1 1
Logo, log x < x para todo x > 1 e, portanto, 0 < log(x 2 ) < x 2 para todo
x > 1.
1 1
Assim, como log(x 2 ) = 2
log x , temos, elevando ao quadrado a última
(log x)2 log x 4
desigualdade, que 0 < < x , ou seja, 0 < < para todo
4 x log x
x > 1.
log x 4
Logo, lim = 0, pois lim = 0. 
x→+∞ x x→+∞ log x

Corolário 7.3 lim+ (x log x) = 0 .


x→0

Prova.
1
Fazendo x = , temos
y

log(1/y) − log y
lim+ x log x = lim = lim = 0. 
x→0 y→+∞ y y→+∞ y

Observação 7.10 Se c, k ∈ R, a função f(x) = c ekx tem como deri-


vada f 0 (x) = k c ekx = k f(x) para todo x ∈ R, ou seja, a derivada de f é
proporcional a si própria.
Mostraremos, agora, que tal propriedade é exclusiva das funções do tipo
acima.

Instituto de Matemática - UFF 327


Análise na Reta

Teorema 7.4 Seja f : R −→ R uma função derivável tal que


f 0 (x) = k f(x) para todo x ∈ R. Se f(x0 ) = c , para um certo x0 ∈ R,
então f(x) = c ek(x−x0 ) para todo x ∈ R.

Prova.
Seja ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = f(x) e−k(x−x0 ) .
Então
ϕ 0 (x) = f 0 (x)e−k(x−x0 ) − kf(x)e−k(x−x0 ) = kf(x)e−k(x−x0 ) − kf(x)e−k(x−x0 ) = 0
para todo x ∈ R.
Logo, como ϕ(x) é constante e ϕ(x0 ) = c, temos que ϕ(x) = c para todo
x ∈ R , ou seja, f(x) = cek(x−x0 ) para todo x ∈ R. 

Definição 7.3 Sejam a > 0 e x ∈ R. Definimos a potência ax por


ax = ex log a

ou seja, ax é o único número real cujo logarı́tmo é x log a.

Propriedades da função f : R −→ R definida por f(x) = ax :


p √
(1) Se x = ∈ Q então f(x) = q ap .
q
p √
q √
De fato, f(x) = e q log a = elog ap
= q
ap .
(2) ax+y = ax · ay .

De fato, ax+y = e(x+y) log a = ex log a ey log a = ax · ay .


(3) a0 = 1 .
De fato a0 = e0 log a = e0 = 1 .
1
(4) a−x = .
ax
1
De fato, 1 = a0 = ax−x = ax · a−x , ou seja, a−x = .
ax
(5) (ax )y = axy .

De fato, (ax )y = (ex log a )y = exy log a = axy , já que


log(ex log a )y = y log ex log a = yx log a e log(exy log a ) = xy log a .
(6) A função f : x 7−→ ax é derivável com f 0 (x) = (log a) ax .

328 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

De fato, como f(x) = exp(x log a), temos que


f 0 (x) = log a exp 0 (x log a) = log a exp(x log a) = (log a) ax .
(7) A função f : x 7−→ ax é de classe C∞ .
(8) A função f : x 7−→ ax é crescente se a > 1, decrescente se
0 < a < 1 e constante se a = 1.
De fato, sendo f 0 (x) = (log a)ax > 0, temos f 0 (x) > 0 se a > 1,
f 0 (x) < 0 se 0 < a < 1 e f 0 (0) = 0 se a = 1, para todo x ∈ R.
(9) lim ax = +∞ e lim ax = 0 quando a > 1.
x→+∞ x→−∞

De fato, lim ax = lim ex log a = +∞, pois lim x log a = +∞ e


x→+∞ x→+∞ x→+∞

lim ax = lim ex log a = 0 , já que lim x log a = −∞.


x→−∞ x→−∞ x→−∞

• De modo análogo, podemos provar que lim ax = 0 e lim ax = +∞


x→+∞ x→−∞

quando 0 < a < 1.


(10) Para todo a > 0, a 6= 1, a função f : x 7−→ ax é uma bijeção
contı́nua de R sobre R+ .

Definição 7.4 A função inversa da função f : R −→ R+ , f(x) = ax ,


a 6= 1, indica-se com loga : R+ −→ R e o seu valor num ponto x > 0
chama-se o logarı́tmo de x na base a.

Assim, loga x = y ⇐⇒ ay = x.

Observação 7.11 Quando a = e, loga x = log x coincide com o


logarı́tmo natural.

Observação 7.12 Para todo x > 0, temos que


elog x = x = aloga x = eloga x · log a , se a 6= 1 ,
e, portanto, log x = loga x · log a, ou seja,
log x
loga x =
log a

Desta relação entre o logarı́tmo de base a e o logarı́tmo natural, resultam


propriedades para loga x análogas às de log x.
Por exemplo,

Instituto de Matemática - UFF 329


Análise na Reta

(1) loga (xy) = loga x + loga y .


(2) loga (1) = 0 .
(3) A função loga é de classe C∞ e
1
(loga ) 0 (x) = .
x log a

Observação 7.13 Mostraremos, agora, que


lim (1 + x)1/x = e
x→0

1
De fato, como log 0 (x) = , a derivada da função log no ponto 1 é igual a
x
1, ou seja,
log(1 + x) − log 1 log(1 + x)
lim = lim = 1.
x→0 x x→0 x

Então,
lim log(1 + x)1/x = 1 ,
x→0

e, portanto,
lim (1 + x)1/x = lim exp(log(1 + x)1/x ) = e .
x→0 x→0

1
Fazendo y = , temos
x
 y
1
lim 1+ =e
y→+∞ y

e, em particular, se n ∈ N, temos
1 n
 
lim 1 + =e
n→+∞ n

330 J. Delgado - K. Frensel


Convergência simples e convergência uniforme

1. Convergência simples e convergência uni-


forme

Definição 1.1 Seja X ⊂ R. Uma seqüência de funções (fn )n∈N é uma


correspondência que associa a cada número natural n ∈ N uma função
fn : X −→ R.

Definição 1.2 Dizemos que a seqüência de funções fn : X −→ R con-


verge simplesmente para a função f : X −→ R quando, para cada x ∈ X, a
seqüência (fn (x))n∈N de números reais converge para o número f(x). Ou
seja, para todo x ∈ X, lim fn (x) = f(x). A convergência simples é
n→+∞ também chamada convergência
ponto a ponto ou convergência
Abreviadamente, dizemos que fn converge simplesmente para f em X ou pontual .
fn −→ f simplesmente em X.

Exemplo 1.1 Sejam X ⊂ R, (an )n∈N uma seqüência de números reais


com lim an = a e g : X −→ R uma função.
n→+∞

Consideremos a seqüência de funções fn : X −→ R definidas por


fn (x) = an g(x) e a função f : X −→ R dada por f(x) = a g(x).

Como lim fn (x) = lim an g(x) = a g(x) = f(x) para todo x ∈ X, temos
n→+∞ n→+∞

que fn −→ f simplesmente em X.
x
Em particular, a seqüência de funções fn (x) = converge simplesmente
n
para a função f identicamente nula em toda a reta. 

Figura 1: Gráficos das funções fn (x) = nx .

Instituto de Matemática - UFF 1


Análise na Reta

Exemplo 1.2 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definidas


por fn (x) = xn . Então, a seqüência (fn ) converge simplesmente para a
função f : [0, 1] −→ R, dada por f(x) = 0 se 0 ≤ x < 1 e f(1) = 1, já que
lim xn = 0 se 0 ≤ x < 1 e lim 1n = 1 .
n→0 n→+∞

Figura 2: Gráficos das funções fn (x) = xn .

Qualquer reta vertical levantada de um ponto x ∈ [0, 1) corta o gráfico


das funções fn (x) = xn numa seqüência de pontos cujas ordenadas con-
vergem monotonamente para zero. No ponto x = 1, fn (x) = 1 para todo
n ∈ N. 

Exemplo 1.3 A seqüência de funções fn : [0, 2π] −→ R definidas por


fn (x) = cos(nx) não converge simplesmente para função alguma, pois
para x = π, temos fn (x) = (−1)n e, portanto, não existe lim fn (x). 
n→+∞

Observação 1.1 Dizer que fn −→ f simplesmente em X significa que,


fixado um ponto x ∈ X, os gráficos das funções fn intersectam a reta
vertical levantada pelo ponto (x, 0) numa seqüência de pontos cujas or-
denadas convergem para f(x). Porém, coletivamente, os gráficos das
fn podem ser bem diferentes do gráfico da função f e mesmo nunca se
aproximarem dele, como podemos observar no exemplo acima e no ex-
emplo a seguir.

Exemplo 1.4 A seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definidas por


fn (x) = xn (1 − xn ) converge simplesmente para a função identicamente
nula em [0, 1].

2 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

Como fn (0) = fn (1) = 0 para todo n ∈ N e o intervalo [0, 1] é compacto,


o ponto de máximo xn da função fn pertence ao intervalo aberto (0, 1).
Logo, fn0 (xn ) = 0, ou seja,
n xn−1
n (1 − xnn ) − xnn n xn−1
n = nxn−1 n
n (1 − 2xn ) = 0 .
r
1 1 1 1
 
n
Sendo xn 6= 0, temos que xn = e fn (xn ) = 1− = .
2 2 2 4

Figura 3: Gráficos das funções fn (x) = xn (1 − xn ).


r
1
−→ 1 quando n → +∞ e que cada gráfico apresenta
n
Observe que
2
1
um calombo, cuja altura se mantém constante, igual a , de modo que
4
quando n → +∞ a forma do gráfico de fn não se aproxima da forma do
gráfico da função limite. 

Observação 1.2 Dizer que a seqüência de funções fn : X −→ R con-


verge simplesmente para a função f : X −→ R significa que: dado ε > 0,
existe, para cada x ∈ X, um número natural n0 = n0 (ε, x), que depende
de ε e de x, tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε.

Pode ocorrer, assim, que para um ε > 0 fixo, não exista n0 ∈ N algum que
sirva simultaneamente para todo x ∈ X.

Exemplo 1.5 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R dadas por


fn (x) = xn . Já vimos que (fn ) converge simplesmente para a função
f : [0, 1] −→ R onde f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.
1
Seja ε = > 0, por exemplo, e seja n0 ∈ R. Como lim− xn0 = 1, existe
2 x→1
1 1
δ > 0 tal que 1 − δ < x < 1 =⇒ xn0 > , ou seja, |fn0 (x) − f(x)| > .
2 2
Então, seja qual for n0 ∈ N, existem pontos x ∈ [0, 1) tais que
1
|fn0 (x) − f(x)| ≥ . 
2

Instituto de Matemática - UFF 3


Análise na Reta

Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R


converge uniformemente para uma função f : X −→ R quando, para todo
ε > 0 dado, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo
x ∈ X.

Definição 1.4 Dada uma função f : X −→ R, chamamos de faixa de


raio ε (e amplitude 2ε) em torno do gráfico de f ao conjunto dos pontos
(x, y) ∈ R2 tais que x ∈ X e |y − f(x)| < ε, ou seja, f(x) − ε < y < f(x) + ε,
onde ε é um número real positivo.

Figura 4: Faixa de amplitude 2ε em torno do gráfico de f.

Assim, dizer que fn −→ f uniformemente em X significa afirmar que


para todo ε > 0 dado, existe n0 ∈ N tal que todas as funções fn , com
n > n0 , tem seus gráficos contidos na faixa de raio ε em torno do gráfico
de f.

Observação 1.3 Se fn −→ f uniformemente em X, então fn −→ f


simplesmente em X. Mas a recı́proca é falsa, como vimos no exemplo
1.5.

Observação 1.4 fn não converge uniformemente para f se, e somente


se, existe ε0 > 0 tal que, para todo n0 ∈ N, existem n > n0 e x ∈ X com
|fn (x) − f(x)| ≥ ε0 .

Exemplo 1.6 Sejam (an )n uma seqüência de números reais com


lim an = a e g : X −→ R uma função.
n→+∞

Já vimos que a seqüência de funções fn = an g : X −→ R converge

4 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

simplesmente para f = a g : X −→ R em X.

• No caso em que existe n0 ∈ N tal que an = a para todo n ≥ n0 , temos


que fn −→ f uniformemente em X, já que fn = f para todo n ≥ n0 .

• Se an 6= a para uma infinidade de valores de n, então fn −→ f uniforme-


mente em X se, e só se, g : X −→ R é limitada.

De fato, se |g(x)| ≤ k para todo x ∈ X, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


ε ε
n > n0 =⇒ |an −a| < e, portanto, |fn (x)−f(x)| = |an −a| |g(x)| < k = ε
k k
para todo x ∈ K.

Suponhamos, agora, que g : X −→ R não é limitada. Sejam ε = 1 > 0 e


n0 ∈ N. Então existe n > n0 tal que an 6= a e, portanto, existe x ∈ X tal
1
que |g(x)| ≥ . Logo,
|an − a|
1
|fn (x) − f(x)| = |an g(x) − ag(x)| = |an − a| |g(x)| ≥ |an − a| · = 1.
|an − a|

Assim, fn não converge uniformemente para f em X.


x
• Como caso particular, temos que a seqüência de funções fn (x) =
n
converge uniformemente para a função identicamente nula num conjunto
X se, e só se, X é limitado.

De fato, como, neste exemplo, g(x) = x, temos que g é limitada se, e só
se, X é limitado. 

Exemplo 1.7 Já vimos que a seqüência fn (x) = xn converge simples-


mente em [0, 1] para a função f : [0, 1] −→ R, onde f(x) = 0 se 0 ≤ x < 1 e
f(1) = 1, mas não converge uniformemente para f em [0, 1] nem em [0, 1).

Mostraremos, agora, que fn converge uniformemente para f ≡ 0 em todo


intervalo da forma [0, 1 − δ] com 0 < δ < 1.

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N, tal que n > n0 =⇒ (1 − δ)n < ε, já que
lim (1 − δ)n = 0.
n→+∞

Então, para todo x ∈ [0, 1 − δ], temos que

n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| = xn ≤ (1 − δ)n < ε . 

Instituto de Matemática - UFF 5


Análise na Reta

Exemplo 1.8 A seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R, definidas por


fn (x) = xn (1 − xn ), converge simplesmente para a função f identicamente
1
nula em [0, 1], mas não converge uniformemente, pois existe ε0 = > 0
8
r !
1 1 1

tal que para todo n ∈ N temos que fn n − f(0) = > .

2 4 8

Mas, para todo 0 < δ < 1, fn −→ f uniformemente no intervalo [0, 1 − δ],


pois como xn −→ 0 uniformemente no intervalo [0, 1 − δ] e
0 ≤ xn (1 − xn ) ≤ xn para todo n ∈ N e x ∈ [0, 1],

temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − 0| < ε para todo n > n0
e x ∈ [0, 1 − δ] e, portanto, |xn (1 − xn ) − 0| = xn (1 − xn ) ≤ xn < ε para todo
n > n0 e x ∈ [0, 1 − δ]. 

Definição 1.5 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R é


uma seqüência de Cauchy quando, para todo ε > 0 dado, existe n0 ∈ N
tal que m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε para todo x ∈ X.

Teorema 1.1 Uma seqüência de funções fn : X −→ R é uniformemente


convergente se, e só se, é uma seqüência de Cauchy.

Prova.
Suponhamos, primeiro, que fn −→ f uniformemente em X. Então, dado
ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo x ∈ X.
Logo,
ε ε
m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| ≤ |fm (x) − f(x)| + |f(x) − fn (x)| < + =ε
2 2
para todo x ∈ X. Portanto, (fn )n é uma seqüência de Cauchy.

Suponhamos, agora, que (fn )n é uma seqüência de Cauchy. Então, (fn (x))
é uma seqüência de Cauchy de números reais para todo x ∈ X e é, por-
tanto, convergente para todo x ∈ X. Podemos, assim, definir uma função
f : X −→ R fazendo f(x) = lim fn (x) para todo x ∈ X.
n→+∞

ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n, m > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < para
2
todo x ∈ X. Mantendo n > n0 e x ∈ X fixos, temos que

6 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

ε
lim |fm (x) − fn (x)| = |f(x) − fn (x)| ≤ < ε.
m→+∞ 2

Logo, |fn (x) − f(x)| < ε para todo n > n0 e x ∈ X.

Isto prova que fn −→ f uniformemente em X. 

Corolário 1.1 Se as funções fn : X −→ R são contı́nuas e (fn ) converge


uniformemente em X, então a seqüência (fn )n converge uniformemente
em X.

Prova.
ε
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| <
2
para todo x ∈ X.

Sejam y ∈ X e (xk )k uma seqüência de pontos de X tal que xk −→ y.


Como as funções fn são contı́nuas em X, temos que lim fn (xk ) = fn (y)
k→+∞

para todo n ∈ N.
ε
Logo, como |fm (xk ) − fn (xk )| < para m, n > n0 e k ∈ N, temos que
2
ε
|fm (y) − fn (y)| = lim |fm (xk ) − fn (xk )| ≤ < ε .
k→+∞ 2

Provamos, assim, que dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


m, n > n0 =⇒ |fm (y) − fn (y)| < ε para todo y ∈ X,

ou seja, (fn )n é uma seqüência de Cauchy em X, logo, uniformemente


convergente em X. 
X
Observação 1.5 A soma f = fn de uma série de funções
fn : X −→ R é um caso particular de um limite de seqüência: f = lim sn ,
onde sn = f1 +. . .+fn . Tem sentido, portanto, dizer que a série de funções
X
fn converge simplesmente ou uniformemente em X.

Reciprocamente, todo limite ϕ = lim ϕn de uma seqüência de funções


n→+∞

ϕn : X −→ R também pode ser obtido como soma de uma série, pois,


tomando f1 = ϕ1 , f2 = ϕ2 − ϕ1 , . . . , fn = ϕn − ϕn−1 , . . ., temos que
X
f1 + . . . + fn = ϕn para todo n ∈ N. de modo que ϕ = fn .
X
Por definição, a série fn , fn : X −→ R, converge uniformemente em X

Instituto de Matemática - UFF 7


Análise na Reta

se, e só se, a seqüência de suas reduzidas sn = f1 + . . . + fn é uniforme-


X
mente convergente em X. Assim, dizer que fn converge uniforme-
mente para f em X significa que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que o resto
rn (x), definido pela identidade
f(x) = f1 (x) + . . . + fn (x) + rn (x) ,

cumpre a condição |rn (x)| < ε para todo n > n0 e todo x ∈ X.

Assim, a todo conceito ou teorema sobre seqüências corresponde um


análogo para séries. Mas, há alguns tipos especiais de séries, como as
séries de potências, cujas propriedades não decorrem de teoremas gerais
sobre seqüências.

Definição 1.6 Dizemos que uma série de funções fn : X −→ R é


normalmente convergente quando existe uma seqüência de constantes
X
an ≥ 0 tais que an converge e |fn (x)| ≤ an para todo n ∈ N e todo
x ∈ X.

X

sen(nx)
Exemplo 1.9 A série de funções é normalmente conver-
n2
n=1
1
gente em R, pois |fn (x)| ≤ para todo n ∈ N e todo x ∈ R, onde
n2
sen(nx) X

1
fn : X −→ R, fn (x) = , e a série é convergente. 
n2 n2
n=1

Teorema 1.2 (Teste de Weierstrass)


X
Se a série de funções fn , fn : X −→ R, converge normalmente em X,
X X
então, fn e |fn | são uniformemente convergentes em X.

Prova.
Seja (an ) uma seqüência de números reais não-negativos tal que |fn (x)| ≤
X
an para todo n ∈ N e todo x ∈ X e an é convergente.

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N, tal que


n > n0 e p ∈ N =⇒ an + an+1 + . . . + an+p < ε .

Logo,

8 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

|fn (x) + fn+1 (x) + . . . + fn+p (x)| ≤ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)|
≤ an + an+1 + . . . + an+p < ε ,

quaisquer que sejam n > n0 , p ∈ N e x ∈ X.


X X
Então, pelo critério de Cauchy (teorema 1.1), fn e |fn | convergem
uniformemente em X. 

X

sen(nx) X

| sen(nx)|
Exemplo 1.10 As séries e convergem
n2 n2
n=1 n=1

uniformemente em R. 

• A convergência normal é uma condição sufiente, mas não é necessária


para a convergência uniforme.

Exemplo 1.11 Seja a seqüência de funções fn : [1, +∞) −→ R definidas


1
por fn (x) = se x ∈ [n, n + 1) e fn (x) = 0 se x ∈ [1, ∞) − [n, n + 1).
x
1
Como sn (x) = f1 (x) + . . . + fn (x) = se x ∈ [1, n + 1) e sn (x) = 0 se
x
X

1
x ≥ n + 1, temos que fn (x) = para todo x ∈ [1, +∞).
x
n=1

X 1
A convergência f = fn , f : [1, +∞) −→ R, f(x) = é uniforme em
x
1
[1, +∞), pois |f(x) − sn (x)| = |f(x) − (f1 (x) + . . . + fn (x))| < para todo
n
1
x ∈ [1, +∞), já que f(x) − sn (x) = 0 se x ∈ [1, n + 1) e f(x) − sn (x) =
x
para x ≥ n + 1.
X
Mas a série fn não converge normalmente em [1, +∞), pois se exis-
tissem constantes an ≥ 0 tais que |fn (x)| ≤ an para todo x ∈ [1, +∞),
1 X
terı́amos, tomando x = n, que an ≥ e, portanto, a série an não
n
convergiria.
X
Assim, a série fn de funções não negativas converge uniformemente,
mas não converge normalmente em [1, +∞). 

Instituto de Matemática - UFF 9


Análise na Reta

2. Propriedades da convergência uniforme

Mostraremos que a convergência uniforme nos permite inverter a


ordem de limites repetidos. Mas, antes, veremos um exemplo onde isso
não é possı́vel.

Exemplo 2.1 Seja fn (x) = xn , x ∈ [0, 1]. Já sabemos que fn −→ f


simplesmente em [0, 1], onde f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.

Assim,
 
lim lim fn (x) = lim f(x) = 0
x→1 n→∞ x→1

e
 
lim lim fn (x) = lim 1 = 1 .
n→∞ x→1 n→∞

Portanto,
   
lim lim fn (x) =6 lim lim fn (x) ,
n→∞ x→1 x→1 n→∞

ou seja, neste exemplo não podemos inverter a ordem em que são toma-
dos os limites. 

Teorema 2.1 Seja a ∈ X 0 . Se a seqüência de funções fn : X −→ R


converge uniformemente para a função f : X −→ R e, para cada n ∈ N,
existe Ln = lim fn (x), então existe L = lim Ln e L = lim f(x).
x→a n→∞ x→a

Em outras palavras, vale


   
lim lim fn (x) = lim lim fn (x) ,
n→∞ x→a x→a n→∞

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o


segundo deles uniforme.

Prova.
Para mostrar que existe L = lim Ln , basta provar que a seqüência (Ln ) é
n→∞

de Cauchy.

Dado ε > 0, como fn −→ f uniformemente em X, existe n0 ∈ N tal que


ε
m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < para todo x ∈ X.
3

10 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

Sejam m, n > n0 . Como a ∈ X 0 , lim fn (x) = Ln e lim fm (x) = Lm , existe


x→a x→a
ε ε
x0 ∈ X − {a} tal que |Ln − fn (x0 )| < e |Lm − fm (x0 )| < .
3 3
Logo,
|Lm − Ln | ≤ |Lm − fm (x0 )| + |fm (x0 ) − fn (x0 )| + |fn (x0 ) − Ln |
ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3
Portanto, m, n > n0 =⇒ |Lm − Ln | < ε, ou seja, (Ln )n é uma seqüência de
Cauchy. Seja L = lim Ln .
n→∞

• Mostraremos, agora, que L = lim f(x).


x→a

ε ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |L − Ln | < e |fn (x) − f(x)| < para
3 3
todo n > n0 e todo x ∈ X.

Seja n > n0 fixo. Como lim fn (x) = Ln , existe δ > 0 tal que x ∈ X,
x→a
ε
0 < |x − a| < δ =⇒ |fn (x) − Ln | < . Logo, se x ∈ X, 0 < |x − a| < δ, então
3
ε ε ε
|f(x) − L| ≤ |f(x) − fn (x)| + |fn (x) − Ln | + |Ln − L| < + + = ε. 
3 3 3

X
Corolário 2.1 Seja a ∈ X 0 . Se a série fn converge uniformemente
X
para f em X e para cada n ∈ N, existe Ln = lim fn (x), então Ln é uma
x→a
X
série convergente e Ln = lim f(x).
x→a

Em outras palavras,
X X
!

lim fn (x) = lim fn (x) ,
x→a x→a
n n

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o


segundo deles uniforme.

Prova.
Seja sn (x) = f1 (x) + . . . + fn (x). Como a seqüência de funções (sn )
converge uniformemente para f em X e, para cada n ∈ N, existe
X
n X
n
lim sn (x) = lim fj (x) = Lj ,
x→a x→a
j=1 j=1

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Análise na Reta

X
temos, pelo teorema anterior, que a série Ln converge e tem por soma
X
Ln = lim f(x), ou seja,
x→a

X X
!

lim fn (x) = lim fn (x) . 
x→a x→a
n n

Observação 2.1 Quando X é ilimitado superiormente o teorema e o


corolário acima valem também quando a = +∞. Nesse caso, temos
   
lim lim fn (x) = lim lim fn (x) ,
n→∞ x→∞ x→∞ n→∞

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o se-
gundo deles uniforme. A demonstração é a mesma, tomando, no final,
ε
em vez de δ, A > 0 tal que x > A =⇒ |fn (x) − Ln | < .
3

Observação 2.2 Seja a ∈ X 0 . Dada uma seqüência de funções


fn : X −→ R, dizemos que existe lim fn (x) = Ln uniformemente em
x→a

relação a n se, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que


x ∈ X , 0 < |x − a| < δ =⇒ |fn (x) − Ln | < ε , ∀ n ∈ N.

O mesmo raciocı́nio usado na demonstração do teorema 2.1 permite provar


que se, para todo n, existe lim fn (x) = Ln , uniformemente em relação a n,
x→a

e se fn −→ f simplesmente em X, então existe L = lim Ln e L = lim f(x)


n→∞ x→a

(exercı́cio).

Juntando os dois resultados, podemos dizer que existem e são iguais os


limites repetidos, desde que existam os limites dentro dos parênteses,
sendo qualquer um deles uniforme.

Observação 2.3 Tal simetria não se aplica para séries. Ou seja, não é
X
verdade que se a série fn (x) converge para f(x) em todo ponto x ∈ X
e se, para cada n ∈ N, existe Ln = lim fn (x) uniformemente em relação a
x→a
X X 
n, então Ln converge e é igual a lim fn (x) . Em outras palavras,
x→a

pode-se ter
X  X 
lim fn (x) 6= lim fn (x)
x→a x→a

12 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

mesmo que existam todos os limites, sendo apenas lim fn (x) uniforme em
x→a

relação a n.

Exemplo 2.2 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R, f1 (x) = x e


fn (x) = xn − xn−1 para n ≥ 2. Então lim f1 (x) = 1 e lim fn (x) = 0 se n ≥ 2,
x→1 x→1

uniformemente em relação a n, pois, dado ε > 0, existe δ = ε > 0 tal que


se x ∈ (1 − δ, 1] =⇒ |f1 (x) − 1| = |x − 1| < ε e |fn (x) − 0| = |xn−1 (x − 1)| ≤
|x − 1| < ε para todo n ≥ 2.
X
Como f1 (x) + . . . + fn (x) = xn , temos que fn (x) = lim xn = f(x), onde
n→∞

f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.


X  X 
Logo, lim fn (x) = 1 6= lim fn (x) = 0 . 
x→1 x→1

Corolário 2.2 Se fn −→ f uniformemente em X e todas as fn são


contı́nuas num ponto a ∈ X, então f é contı́nua no ponto a.

Prova.
Isto é óbvio se a é um ponto isolado de X. Se a ∈ X 0 , temos que ex-
iste lim fn (a) = fn (a) para todo n ∈ N. Logo, pelo teorema 2.1,
x→a
   
lim f(x) = lim lim fn (x) = lim lim fn (x) = lim fn (a) = f(a) .
x→a x→a n→∞ n→∞ x→a n→∞

Logo, f é contı́nua no ponto a. 

Corolário 2.3 O limite uniforme de uma seqüência de funções contı́nuas


é uma função contı́nua.

Observação 2.4 Podemos ver, assim, que a convergência da seqüência


de funções contı́nuas fn (x) = xn no intervalo [0, 1] não é uniforme, já que
a função limite f, dada por f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1, não é contı́nua
no ponto 1.

Observamos, também, que a continuidade da função limite f = lim fn


não é suficiente para garantir que a convergência é uniforme, já que as
funções contı́nuas fn (x) = xn (1 − xn ) convergem em [0, 1] para a função
contı́nua f ≡ 0, mas a convergência não é uniforme.

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Análise na Reta

Há, porém, um caso em que a continuidade da função limite garante


que a convergência de uma seqüência de funções contı́nuas é uniforme.

Definição 2.1 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R


converge monotonamente para a função f : X −→ R quando, para cada
x ∈ X, a seqüência (fn (x))n é monótona em R e lim fn (x) = f(x).
n→∞

Teorema 2.2 (de Dini)


Seja X ⊂ R compacto. Se uma seqüência de funções contı́nuas fn : X −→
R converge monotonamente para uma função contı́nua f : X −→ R, então
a convergência é uniforme.

Prova.
Dado ε > 0, consideremos, para cada n ∈ N, o conjunto
Kn = {x ∈ X | |fn (x) − f(x)| ≥ ε} .

Como fn e f são contı́nuas e X é fechado, segue-se que cada Kn é


fechado, pois se xk −→ x, xk ∈ Kn para todo k ∈ N, então x ∈ X e
|fn (x) − f(x)| = lim |fn (xk ) − f(xk )| ≥ ε .
k→∞

Logo, cada Kn é compacto, já que Kn ⊂ X e X é limitado.

Afirmação: K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ . . . .
De fato, seja x ∈ Kn+1 e suponhamos que a seqüência (fn (x))n é não-
decrescente.

Então,
ε ≤ |fn+1 (x) − f(x)| = f(x) − fn+1 (x) ≤ f(x) − fn (x) = |fn (x) − f(x)| ,

já que fn+1 (x) ≥ fn (x) e lim fn (x) = f(x) = sup{fn (x) | n ∈ N}.
n→∞

Logo, x ∈ Kn .
\
Mas Kn = ∅, pois se x ∈ Kn para todo n ∈ N, terı́amos que
n∈N

|fn (x) − f(x)| ≥ ε , ∀ n ∈ N,

o que é um absurdo, já que lim (fn (x) − f(x)) = 0.


n→∞

14 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

\
Então, como Kn = ∅, temos, pelo teorema 4.5 da parte 4, que existe
n∈N

n0 ∈ N tal que Kn0 = ∅. IMPORTANTE!


O teorema de Dini é falso quando
X não é compacto, como mostra
Logo, Kn = ∅ para todo n ≥ n0 , ou seja, n ≥ n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε o exemplo 2.3.
para todo x ∈ X. 

Exemplo 2.3 A seqüência de funções contı́nuas fn : [0, 1) −→ R dada


por fn (x) = xn , converge monotonamente para a função contı́nua f ≡ 0
no intervalo não compacto [0, 1), mas a convergência não é uniforme. 

x
Exemplo 2.4 A seqüência fn : R −→ R, fn (x) = , converge mono-
n
tonamente para a função contı́nua f ≡ 0 em toda a reta R, mas a con-
vergência não é uniforme em R. 

Corolário 2.4 Uma série convergente de funções contı́nuas não-nega-


tivas fn : X −→ R definidas num conjunto compacto X é uniformemente
convergente se, e só se, a soma é uma função contı́nua no compacto X.

Prova.
Basta observar que se fn ≥ 0 para todo n ∈ N, então a seqüência das
reduzidas sn = f1 + . . . + fn é monótona não-decrescente. 

X

x2
Exemplo 2.5 A série de funções não-negativas converge
(1 + x2 )n
n=0

x2
para a função f : R −→ R dada por f(x) = = 1 + x2 se x 6= 0 e
1
1−
1 + x2
f(0) = 0. Como a função f não é contı́nua no ponto 0, a convergência não
é uniforme em compacto algum do qual 0 seja ponto de acumulação. 

Corolário 2.5 Seja X ⊂ R compacto. Se as funções fn : X −→ R


X
são contı́nuas e, para todo x ∈ X, |fn (x)| = f(x) onde f : X −→ R
X
é contı́nua, então a série fn converge uniformemente em X.

Prova.
X
Pelo corolário 2.4, a série de funções |fn | converge uniformemente

Instituto de Matemática - UFF 15


Análise na Reta

em X. Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


n > n0 =⇒ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)| < ε , ∀ x ∈ X e ∀p ∈ N .

Logo, quaisquer que sejam n > n0 , p ∈ N e x ∈ X, temos


|fn (x) + fn+1 (x) + . . . + fn+p (x)| ≤ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)| < ε .
X
Segue, então, do critério de Cauchy, que a série fn converge uniforme-
mente em X. 

Teorema 2.3 Se uma seqüência de funções integráveis fn : [a, b] −→ R


converge uniformemente para f : [a, b] −→ R, então f é integrável e
Zb Zb
f(x) dx = lim fn (x) dx .
a n→∞ a

Zb Zb
Ou seja, lim fn = lim fn , desde que lim fn seja uniforme.
a n→∞ n→∞ a

Prova.
Sejam Dn e D os conjuntos dos pontos de descontinuidade de fn e f
respectivamente.

Pelo corolário 2.2, se x ∈


/ Dn para todo n, ou seja, se fn é contı́nua em x
para todo n ∈ N, então f é contı́nua em x, ou seja, x ∈
/ D.
[
Logo, D ⊂ Dn .

Como cada Dn tem medida nula, temos que D tem medida nula e,
portanto, f é integrável.
ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < para
b−a
todo x ∈ [a, b]. Então
Z b Zb Z b

f(x) dx − fn (x) dx = (f(x) − fn (x)) dx

a a a
Zb
ε
≤ |f(x) − fn (x)| dx ≤ · (b − a) = ε ,
a b−a
Zb Zb
para todo n ≥ n0 . Logo, lim fn (x) dx = f(x) dx . 
n→∞ a a

X
Corolário 2.6 Seja fn uma série uniformemente convergente de

16 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

funções integráveis fn : [a, b] −→ R. Então, sua soma é integrável e


Zb X X Zb
fn = fn .
a n n a

Exemplo 2.6 Pelo teste de Weierstrass, a série geométrica


1
= 1 − t2 + t4 − . . . + (−1)n t2n + . . .
1 + t2
converge uniformemente em todo intervalo fechado contido no intervalo
aberto (−1, 1), pois, nesse caso, |t| ≤ k < 1 para todo t ∈ [a, b] ⊂ (−1, 1)
e, portanto, |(−1)n t2n | ≤ (k2 )n para todo n ∈ N e todo t ∈ [a, b].
X

Observe que a série (−1)n t2n converge simplesmente em (−1, 1), mas
n=0

não uniformemente, pois, caso contrário, pelo corolário 1.1, como as


funções t 7−→ (−1)n t2n são contı́nuas em [−1, 1], a série convergiria
uniformemente em [−1, 1], o que é um absurdo, já que a série diverge
nos pontos 1 e −1.

Como a série converge uniformemente em todo intervalo fechado contido


em (−1, 1), então, para |x| < 1, temos
Zx ∞ Z x
X 
dt n 2n
arctg x = = (−1) t dt
0 1 + t2 0
n=0

x3 x5 x2n+1
= x− + + . . . + (−1)n + ...
3 5 2n + 1

Isto nos dá o desenvolvimento de arctg x em série de Taylor em torno do


ponto 0 no intervalo (−1, 1).
X

(−1)n x2n+1
Mas, como a série também converge nos pontos x = 1 e
2n + 1
n=0

x = −1, teremos, como conseqüência do teorema de Abel que provare-


mos depois, que a série converge para arctg x para todo x ∈ [−1, 1].

Daremos, agora, uma demonstração desse fato sem usar o teorema de


Abel.

De fato, como

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Análise na Reta

1 2n
2 4 n t
= 1 − t + t − . . . + (−1) ,
1 + t2 1 + t2
temos que
Zx
1 x3 (−1)n−1 x2n−1
arctg x = dt = x − + . . . + Rn (x) ,
0 1 + t2 3 2n − 1

onde
Z |x|
(−1)n t2n
Rn (x) = dt .
0 1 + t2

Então, para |x| ≤ 1, temos que


Zx
|x|2n+1 1
|Rn (x)| ≤ t2n dt = ≤ .
0 2n + 1 2n + 1

X

(−1)n x2n+1
Portanto, a série converge uniformemente para a função
2n + 1
n=0

arctg x no intervalo [−1, 1].

Em particular, para x = 1, obtemos a fórmula:


π 1 1 1
= arctg 1 = 1 − + − + . . .
4 3 5 7

Observação 2.5 Se uma seqüência fn : [a, b] −→ R de funções


integráveis converge simplesmente para uma função f em [a, b], pode
ocorrer que f não seja integrável.

Exemplo 2.7 Seja {r1 , r2 , . . . , rn . . .} uma enumeração dos números racionais


contidos no intervalo [a, b], e definimos, para n ∈ N, a função fn (x) = 1
se x ∈ {r1 , r2 , . . . , rn } e fn (x) = 0 se x ∈ [a, b] − {r1 , . . . , rn }.

Então, fn −→ f simplesmente em [a, b], onde f(x) = 1 se x ∈ Q ∩ [a, b] e


f(x) = 0 se x ∈ (R − Q) ∩ [a, b]. Cada fn é integrável em [a, b], pois tem
apenas um número finito de descontinuidades, mas f não é integrável, já
que é descontı́nua em todos os pontos do intervalo [a, b]. 

Observação 2.6 Quando se tem fn −→ f simplesmente em [a, b],


mesmo que f e cada fn sejam integráveis, pode ocorrer que
Zb Zb
lim fn (x) dx 6= f(x) dx .
n→∞ a a

18 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

Exemplo 2.8 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definida por


fn (x) = (n + 1)xn se 0 ≤ x < 1 e fn (1) = 0.
X
Pelo teste da razão, a série (n+1)xn é convergente para todo x ∈ [0, 1),
pois
|(n + 1)xn | n+1
lim = lim x = x < 1.
n→∞ |nx n−1 | n→∞ n

Logo, lim (n+1)xn = 0 para todo x ∈ [0, 1). Então, fn −→ f simplesmente


n→∞

em [0, 1], onde f é a função identicamente nula.


Z1 Zb Zb Z1
Assim, lim fn 6= f(x) dx , pois f(x) dx = 0 e fn (x) = 1 para
n→∞ 0 a a 0
todo n ∈ N. 

Observação 2.7 Se fn −→ f simplesmente no intervalo [a, b], se f e


Zb Zb
cada fn são integráveis, então lim fn = f, desde que exista K > 0
n→∞ a a

tal que |fn (x)| ≤ K para todo n ∈ N e todo x ∈ [a, b]. Este resultado é uma
conseqüência do teorema da convergência dominada de Lebesgue.

Observação 2.8 Para a derivação termo a termo, não basta que a


seqüência dada convirja uniformemente.

sen(nx)
Exemplo 2.9 A seqüência de funções fn (x) = converge
n
uniformemente para a função identicamente nula em toda a reta, mas
a seqüência de suas derivadas fn0 (x) = cos(nx) não converge sequer
simplesmente em intervalo algum.

 2m + 1 
De fato, como o conjunto n
π m∈Zen∈N

2
é denso em R, dado um intervalo I, existe m0 ∈ Z e n0 ∈ N tais que
 2m + 1 
0
n0
π ∈ I.
2
  2m + 1  
0
Logo, a seqüência cos n π não converge, pois a subseqüência
2n0
  2m + 1  
cos n 0
π , onde N 0 = {2k2n0 | k ∈ N}, converge para 1, e a
2n0 N0
  2m + 1  
subseqüência cos n 0
n0
π , onde N 00 = {(2k + 1) 2n0 | k ∈ N},
2 N 00

Instituto de Matemática - UFF 19


Análise na Reta

  2m + 1  
0
converge para −1, já que cos n π = 1 para todo n ∈ N 0 e
2 n0
  2m + 1  
0
cos n π = −1 para todo n ∈ N 00 . 
2n0

Teorema 2.4 Seja (fn )n uma seqüência de funções deriváveis no inter-


valo [a, b]. Se, para um certo c ∈ [a, b], a seqüência (fn (c)) converge,
e se a seqüência das derivadas (fn0 ) converge uniformemente em [a, b]
para uma função g, então (fn ) converge uniformemente em [a, b] para
uma função derivável f tal que f 0 = g, ou seja,
(lim fn ) 0 = lim fn0 .

PRIMEIRA DEMONSTRAÇÃO. Prova.


Daremos, primeiro, uma demonstração no caso em que as funções fn0
são contı́nuas no intervalo [a, b].

Pelo teorema fundamental do Cálculo, temos que


Zx
fn (x) = fn (c) + fn0 (t) dt , (I)
c

para todo n ∈ N e todo x ∈ [a, b].

Como existe lim fn (c) e, pelo teorema 2.3,


n→∞
Zx Zx
0
lim fn (t) dt = g(t) dt ,
n→∞ a a

temos que o limite lim fn (x) = f(x) existe para cada x ∈ [a, b] e
n→∞
Zx
f(x) = f(c) + g(t) dt . (II)
a

Então f é derivável e f 0 (x) = g(x) para todo x ∈ [a, b], pois g : [a, b] −→ R
é contı́nua, já que g é um limite uniforme de funções contı́nuas em [a, b].

Além disso, por (I) e (II),


Zx
fn (x) − f(x) = fn (c) − f(c) + [fn0 (t) − g(t)] dt .
a

Logo,
|fn (x) − f(x)| ≤ |fn (c) − f(c)| + |x − a| sup |fn0 (t) − g(t)| .
t∈[a,b]

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que

20 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

ε ε
n > n0 =⇒ |fn (c) − f(c)| < e |fn0 (t) − g(t)| < ,
2 2(b − a)

para todo t ∈ [a, b].

Assim, n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo x ∈ [a, b], ou seja, fn −→ f
uniformemente em [a, b]. 

Prova. SEGUNDA DEMONSTRAÇÃO.

Dados m, n ∈ N, temos, pelo teorema do valor médio, que, para todo


x ∈ [a, b], existe d entre c e x tal que
0
fm (x) − fn (x) = fm (c) − fn (c) + (x − c)(fm (d) − fn0 (d)) .

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


ε ε
m, n > n0 =⇒ |fm (c) − fn (c)| < e |fm
0
(x) − fn0 (x)| < ,
2 b−a

para todo x ∈ [a, b].

Logo, m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε, para todo x ∈ [a, b] e, por-
tanto, pelo critério de Cauchy, a seqüência (fn ) converge uniformemente
no intervalo [a, b].

A igualdade acima, com x0 em vez de c, pode ser reescrita da seguinte


forma:
fm (x) − fm (x0 ) f (x) − fn (x0 )
− n 0
= fm (d) − fn0 (d) , (?)
x − x0 x − x0

onde d está entre x e x0 , para todo x 6= x0 .

Sejam, para cada x0 ∈ [a, b] fixo e cada n ∈ N, as funções


qn : [a, b] − {x0 } −→ R e q : [a, b] − {x0 } −→ R

definidas, respectivamente, por


fn (x) − fn (x0 ) f(x) − f(x0 )
qn (x) = e q(x) = .
x − x0 x − x0

Como qn −→ q simplesmente em [a, b] − {x0 } e pela igualdade (?), a


seqüência (qn )n satisfaz o critério de Cauchy, temos que qn −→ q uni-
formemente em [a, b] − {x0 }.

Além disso, lim qn (x) = fn0 (x0 ) para todo n ∈ N.


x→x0

Assim, pelo teorema 2.1, existem e são iguais os limites repetidos

Instituto de Matemática - UFF 21


Análise na Reta

lim lim qn (x) = lim lim qn (x) ,


x→x0 n→∞ n→∞ x→x0

ou seja,
f(x) − f(x0 )
lim = lim fn0 (x0 ) = g(x0 ) .
x→x0 x − x0 n→∞

Como x0 ∈ [a, b] foi tomado arbitrariamente, temos que f é derivável em


[a, b] e f 0 = g. 
X
Corolário 2.7 Seja fn uma série de funções deriváveis no intervalo
X X
[a, b]. Se fn (c) converge para um certo c ∈ [a, b] e a série fn0 con-
X
verge uniformemente para uma função g em [a, b], então fn converge
uniformemente em [a, b] para uma função derivável f com f 0 = g.

Corolário 2.8 Uma seqüência (ou uma série) de funções deriváveis num
intervalo arbitrário I pode ser derivada termo a termo desde que convirja
num ponto c ∈ I e a seqüência (ou série) das derivadas convirja uniforme-
mente em cada subintervalo compacto de I.

• Ou seja, se uma seqüência de funções (fn )n satisfaz as condições


acima, então (fn )n converge simplesmente para uma função f derivável
no intervalo I, sendo a convergência uniforme em todo subintervalo com-
pacto de I e lim fn0 (x) = f 0 (x) , para todo x ∈ I .
n→∞
X
• E se fn é uma série de funções que satisfaz as condições acima,
X
então fn converge simplesmente para uma função derivável em I,
sendo a convergência uniforme em cada subintervalo compacto de I, e
X
fn0 (x) = f 0 (x) , para todo x ∈ I .

3. Série Dupla

Uma seqüência dupla (xnk )n,k é uma função x : N × N −→ R que


associa a cada par (n, k) de números naturais um número real xnk .

Podemos imaginar os números xnk dispostos num arranjo retangular,

22 J. Delgado - K. Frensel
Série Dupla

de modo que o ı́ndice n em xnk indica a n−ésima linha e o ı́ndice k indica


a k−ésima coluna:
x11 x12 x13 · · ·
x21 x22 x23 · · ·
x31 x32 x33 · · ·
.. .. .. . .
. . . .
X
Para cada n ∈ N, xnk é a série obtida somando os termos da
k
X
n−ésima linha, e fixado k ∈ N, xnk é a soma dos termos da k−ésima
k

coluna.
X X
Mesmo quando xnk converge, para todo k ∈ N, xnk converge
n k
XX XX
para todo n ∈ N e as séries xnk e xnk convergem, pode
k n n k
ocorrer que
XX XX
xnk 6= xnk .
k n n k

Exemplo 3.1 Considere a série dupla dada no quadro abaixo:


1
2
− 21 0 0 0 ··· −→ 0
3
0 4
− 34 0 0 ··· −→ 0
7
0 0 8
− 78 0 ··· −→ 0
15
0 0 0 16
− 15
16
· · · −→ 0
.. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . .
↓ ↓ ↓ ↓
1 1 1 1
2 4 8 16
···
XX
Somando primeiro as linhas, obtemos xnk = 0, enquanto que, se
n k
XX X 1 1
somarmos primeiro as colunas, teremos xnk = = .
2k 2
k n k

X
Lema 3.1 Se, para cada n, a série xnk é convergente e se, definindo
k

Instituto de Matemática - UFF 23


Análise na Reta

X
as funções fn : N −→ R por fn (k) = xn1 + xn2 + . . . + xnk , a série fn
n

converge uniformemente em N, então são convergentes e iguais as somas


repetidas
X X X X
! !
xnk = xnk .
n k k n

Prova.
X X
Como as séries fn (1) = xn1 e
n n
X X
(fn (k) − fn (k − 1)) = xnk ,
n n

para k > 1, são convergentes, temos pelo corolário 2.1 e pela observação
X X X
!

2.1, que xnk = lim fn (k) é convergente e
k→∞
n k n

X X X X
!

xnk = lim fn (k) = lim fn (k)
k→∞ k→∞
n k n n

X X X X X
! !
= lim xn1 + xn2 + . . . + xnk = xnk ,
k→∞
n n n k n
X X X
já que xn1 + xn2 + . . . + xnk é a reduzida de ordem k da série
n n n

X X
!
xnk . 
k n

Teorema 3.1 Dada a seqüência dupla (xnk )n,k , suponhamos que cada
X
linha determina uma série absolutamente convergente, ou seja |xnk | =
k
X X
an , para cada n, e que an < +∞. Então, as séries xnk , para
n n

X X X X X
! !
todo k ∈ N, xnk , xnk , para todo n ∈ N e xnk são
n k k k n

convergentes e
X X X X
! !
xnk = xnk .
n k k n

24 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

Prova.
Pondo fn (k) = xn1 + xn2 + . . . + xnk , temos que
|fn | = |xn1 + xn2 + . . . + xnk | ≤ |xn1 | + |xn2 | + . . . + |xnk | ≤ an ,
X
para todo k ∈ N e todo n ∈ N. Logo, a série de funções fn é normal-
mente convergente e, pelo teste de Weierstrass, é uniformemente conver-
gente em N.

Logo, pelo lema anterior, temos que

X X X X
! !
xnk = xnk . 
n k k n

4. Séries de potências

As séries de funções do tipo


X∞
an (x − x0 )n = a0 + a1 (x − x0 ) + . . . + an (x − x0 )n + . . .
n=0

são chamadas séries de potências.

Observação 4.1 Para simplificar a notação consideramos quase sem-


pre o caso x0 = 0, ou seja, as séries de potências da forma
X ∞
an x n = a0 + a1 x + . . . + an x n + . . .
n=0

X

Os resultados que obtivermos para an xn poderão ser adaptados para
n=0

X

as séries an (x − x0 )n , fazendo a mudança de variável y = x − x0 .
n=0

X

xn
Exemplo 4.1 A série de potências converge para ex para todo
n!
n=0

x ∈ R. 

X

Exemplo 4.2 A série de potências n ! xn converge apenas para
n=0

Instituto de Matemática - UFF 25


Análise na Reta

(n + 1) ! |x|n+1
x = 0, pois, para x 6= 0 lim = lim (n + 1)|x| = +∞ . 
n→∞ n ! |x|n n→∞

X

1
Exemplo 4.3 A série de potências xn converge para para todo
1−x
n=0

x ∈ (−1, 1) e diverge fora desse intervalo. 

X

(−1)n−1
Exemplo 4.4 A série de potências xn converge para a função
n
n=1

log(1 + x) para todo x ∈ (−1, 1] e diverge para x ∈ R − (−1, 1]. 

X

(−1)n
Exemplo 4.5 A série de potências x2n+1 converge para a função
2n + 1
n=0

arctg x para todo x ∈ [−1, 1] e diverge fora desse intervalo. 

• Mostraremos que o conjunto dos pontos x para os quais uma série de


X

potências an xn converge é sempre um intervalo de centro 0, que pode
n=0

ser aberto, fechado, semi-fechado, reduzido ao ponto 0 ou igual à reta


X

toda. Para as séries an (x − x0 )n , o conjunto dos pontos onde a série
n=0

converge são intervalos centrados em x0 .


X

Dada uma série de potências an xn , vamos analisar a seqüência
n=0

|an |)n :
p
n
de números reais não-negativos (
X

(1) Se a seqüência ( |an |)n é ilimitada, a série
p
n
an xn converge
n=0

apenas para x = 0.

De fato, a seqüência (|x| n |an |)n é ilimitada para x 6= 0 e, portanto, o


p

termo geral |an xn | = (|x| n |an |)n não tende para zero. Por exemplo, isso
p

X

acontece na série nn xn .
n=0

X

|an | = 0, então a série
p
(2) Se lim n
an xn converge absoluta-
n→∞
n=0

26 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

mente para todo x ∈ R.

De fato, lim n |an x|n = |x| lim n |an | = 0 para todo x ∈ R. Logo,
p p
n→∞ n→∞

X

a série an xn converge, pelo teste da raiz, absolutamente para todo
n=0

X

xn
x ∈ R. Por exemplo, isso ocorre com a série .
nn
n=0

1
|an | < +∞, ou seja, lim sup n |an | = , com
p
n
p
(3) Se 0 < lim sup
n→∞ n→∞ r
X

r > 0, então an xn converge absolutamente para todo x ∈ (−r, r),
n=0

diverge se |x| > r e nenhuma afirmação pode ser feita para x = ±r.
|x|
|an xn | = |x| lim sup n |an | =
p
n
p
De fato, como lim sup , temos,
n→∞ n→∞ r
|x|
pelo teste da raiz, que a série converge absolutamente quando < 1, ou
r
seja, quando x ∈ (−r, r).
|x| |x|
> 1, então lim sup n |an xn | = > 1 e, portanto, |an xn | > 1
p
E se
r n→∞ r
X

para uma infinidade de valores de n. Logo, a série an xn não converge
n=0

quando |x| > r, pois, para esses valores de x, o termo geral (an xn ) não
converge para zero.

Observação 4.2 Se ( n |an |)n é limitada e n→∞ |an | =


p p
n
lim 6 0 então

0 < lim sup n |an | < ∞, pois, caso contrário, lim sup n |an | = 0 e, por-
p p
n→∞ n→∞

p
|an | = 0, já que 0 ≤ |an | ≤ sup n |an |, |an+1 |, . . . .
p
n
p
n
p
n+1
tanto, lim
n→∞

X

Observação 4.3 Quando |x| = r, ou seja, x = ±r, a série an x n
n=0

pode convergir ou não, conforme o caso.

X

1
Exemplo 4.6 Para a série xn = , temos que r = 1, pois
1−x
n=0

Instituto de Matemática - UFF 27


Análise na Reta


|an | = lim 1 = 1. Neste exemplo, a série não converge para
p
n n
lim
n→∞ n→∞

x = ±1. 

X

(−1)n−1
Exemplo 4.7 Para a série xn = log(1 + x), temos que
n
n=1
1
lim n |an | = lim √
p
n
= 1, ou seja, r = 1. Neste exemplo, a série con-
n→∞ n→∞ n
verge para x = 1 e diverge para x = −1. 

X

(−1)n
Exemplo 4.8 Para a série x2n+1 = arctg x, temos que
2n + 1
n=0
1
|an | = 0 se n é par |an | = √ se n é ı́mpar,
p
n
p
n
e
n

|an | = 1, ou seja, r = 1. Neste exemplo, a série


p
n
e, portanto, lim sup
n→∞

converge para x = ±1. 

 −1
lim sup |an |
p
Definição 4.1 O número r = n
chama-se raio de con-
n→∞

X

vergência da série de potências an xn . Convencionamos que r = 0,
n=0

quando lim sup n |an | = +∞ , e r = +∞ , quando lim sup n |an | = 0.


p p
n→∞ n→∞

Quando r > 0 ou r = +∞, o intervalo (−r, r) chama-se intervalo de


X

convergência da série an xn , lembrando que a série pode convergir ou
n=0

não nos pontos r ou −r situados fora do intervalo de convergência.

X

Teorema 4.1 Uma série de potências an xn , ou converge apenas
n=0

para x = 0 ou existe r > 0 (que pode ser +∞) tal que a série converge
absolutamente no intervalo aberto (−r, r) e diverge fora do intervalo fechado
[−r, r]. Nos extremos −r e r, a série pode convergir ou divergir, conforme
1
o caso. Tem-se = lim sup n |an |.
p
r n→∞

28 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

Teorema 4.2 Uma série de potências converge uniformemente em todo


intervalo compacto contido no seu intervalo de convergência.

Prova.
X

Seja (−r, r) o intervalo de convergência da série an x n .
n=0

Basta mostrar que a série converge uniformemente em todo intervalo


compacto do tipo [−s, s], com 0 < s < r.
X

Como a série an sn é absolutamente convergente e, |an xn | ≤ |an |sn ,
n=0

X

para todo x ∈ [−s, s], temos, pelo teste de Weierstrass, que a série an x n
n=0

é uniformemente convergente no intervalo [−s, s]. 

X

Corolário 4.1 A função f : (−r, r) −→ R, definida por f(x) = an xn , é
n=0

contı́nua no intervalo de convergência (−r, r).

Prova.
X

Como, para todo 0 < s < r a série de funções contı́nuas an xn con-
n=0

verge uniformemente para f no intervalo [−s, s], temos que f é contı́nua


no intervalo [−s, s]. Logo, f é contı́nua no intervalo (−r, r). 

X

Observação 4.4 Uma série de potências an xn pode não convergir
n=0

uniformemente em todo o seu intervalo de convergência (−r, r), pois, pelo


corolário 1.1, quando uma série de funções contı́nuas em X converge
uniformemente em X, ela também converge uniformemente em X.
X

Assim, por exemplo, a série xn não converge uniformemente no seu
n=0

intervalo de convergência (−1, 1), pois, caso contrário, ela seria conver-
gente nos pontos 1 e −1, o que não ocorre.

Instituto de Matemática - UFF 29


Análise na Reta

X

(−1)n−1
Também a série xn não converge uniformemente no seu inter-
n
n=1

valo de convergência (−1, 1), pois, embora ela seja convergente no ponto
x = 1, ela é divergente para x = −1.

Teorema 4.3 (de Abel)


X

Seja an xn uma série de potências cujo raio de convergência r é finito
n=0

X
∞ X

e positivo. Se an rn converge, então an xn converge uniformemente
n=0 n=0

X
∞ X

n
no intervalo [0, r]. Em particular, lim− an x = a n rn .
x→r
n=0 n=0

X

Lema 4.1 Seja αp uma série cujas reduzidas sp = α1 + . . . + αp são
p=1

limitadas, ou seja, existe k > 0 tal que |sp | ≤ k para todo p ∈ N. Seja
b1 ≥ b2 ≥ . . . ≥ bp ≥ . . . uma seqüência não-crescente de números
não-negativos. Então
|α1 b1 + . . . + αp bp | ≤ k b1 , para todo p ∈ N.

Prova.
Com as hipóteses feitas, temos que
|α1 b1 + . . . + αp bp | = |s1 b1 + (s2 − s1 )b2 + . . . + (sp − sp−1 )bp |
= |s1 (b1 − b2 ) + s2 (b2 − b3 ) + . . . + sp−1 (bp−1 − bp ) + sp bp |
≤ k(b1 − b2 + b2 − b3 + . . . + bp−1 − bp + bp ) = kb1 .

para todo p ∈ N. 

Vamos, agora, provar o teorema de Abel.

Prova.
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
n > n0 =⇒ |an+1 rn+1 + . . . + an+p rn+p | < ε para todo p ∈ N.

Dado n > n0 , seja αp = an+p rn+p para todo p ∈ N.

Para todo x ∈ [0, r], temos

30 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

x  x p  x n
|an+1 x n+1
+ . . . + an+p x n+p
| = α1
+ . . . + αp .
r r r
 x p
Fazendo bp = , temos, pelo lema anterior, que, para todo n > n0 e
r
todo x ∈ [0, r],
 x n
|an+1 xn+1 + . . . + an+p xn+p | = |α1 b1 + α2 b2 + . . . + αp bp |
 x n+1 r
≤ ε ≤ ε,
r
para todo p ∈ N, já que (bp )p é uma seqüência não-crescente de números
não-negativos e |α1 + . . . + αp | < ε para todo p ∈ N.

Logo, pelo critério de Cauchy, a série converge uniformemente em [0, r]


para uma função f : [0, r] −→ R contı́nua, pois cada termo an xn da série
é uma função contı́nua.
X
∞ X

Então, an rn = f(r) = lim− f(x) = lim− an x n . 
x→r x→r
n=0 n=0

Observação 4.5 O mesmo vale para −r no lugar de r, ou seja, se a


X
série (−1)n an rn converge, onde r é o raio de convergência, então a
X
série an xn converge uniformemente no invervalo [−r, 0]
X
De fato, como o raio de convergência da série (−1)n an xn é r e ela
converge no ponto x = r, temos, pelo teorema anterior, que a série
X
(−1)n an xn converge uniformemente no intervalo [0, r]. Logo, a série
X
an xn converge uniformemente no intervalo [−r, 0].

X
Observação 4.6 A série an xn converge uniformemente no seu in-
tervalo de convergência (−r, r) se, e só se, converge nos pontos r e −r. E,
X
neste caso, a série an xn converge uniformemente no intervalo [−r, r].

X (−1)n−1
Exemplo 4.9 A série xn converge uniformemente em cada
n
intervalo [−1 + δ, 1], 0 < δ < 2, mas não converge uniformemente no
intervalo (−1, 1]. 

Teorema 4.4 (Integração termo a termo)

Instituto de Matemática - UFF 31


Análise na Reta

X
Se a série de potências an xn converge em todos os pontos do inter-
valo fechado [α, β], então
Z b X  X an
an xn dx = βn+1 − αn+1 .

a n+1

Prova.
X
Se (−r, r) é o intervalo de convergência da série an xn , temos que
X
[α, β] ⊂ [−r, r]. Logo, pelo teorema de Abel, a série an xn converge
uniformemente no intervalo [α, β].
X
Então, pelo corolário 2.6, a função f(x) = an xn , x ∈ [α, β], é integrável
e temos:
Zβ Z β X  X Zβ
n
f(x) dx = an x dx = (an xn ) dx
α α α

X an β X an
xn+1 α = βn+1 − αn+1 .

=
n+1 n+1

Observação 4.7 A integral de Riemann que estudamos se refere ape-


nas a funções limitadas num intervalo compacto [a, b].

• Se f : [a, b) −→ R é tal que, para cada c ∈ [a, b), f é (limitada) integrável


em [a, c], então define-se a integral imprópria
Zb Zc
f(x) dx = lim− f(x) dx ,
a c→b a

caso este limite exista.

1
Exemplo 4.10 Seja a função f : [0, 1) −→ R definida por f(x) = √ .
1−x
Z1
Então a integral imprópria f(x) dx existe, já que
0

Z1 Zc
1 √ c
f(x) dx = lim− √ dx = lim− −2 1 − x 0
0 c→1 0 1−x c→1

 √ 
= lim− 2 − 2 1 − c = 2 .
c→1

32 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

1
Exemplo 4.11 A função f : [0, 1) −→ R, f(x) = , não possui inte-
1−x
gral imprópria no intervalo [0, 1), pois
Z1 Zc
1 1
dx = lim− dx = lim− (− log(1 − c)) = +∞ .
0 1−x c→1 0 1−x c→1

X
Observação 4.8 Se a série an xn não converge no extremo r do
seu intervalo de convergência, podemos ainda efetuar termo a termo a
Z r X  X an
integral imprópria an xn dx, desde que a série rn+1 seja
0 n+1
convergente.

De fato, pelo teorema anterior, podemos integrar termo a termo em [0, t]


se t ∈ [0, r). Logo,
Z r X  Z t X 
n
an x = lim− an xn dx
0 t→r 0

X an tn+1 X an
= lim− = rn+1 ,
t→r n+1 n+1

sendo a última igualdade verdadeira pelo teorema 4.3 (Abel).

Exemplo 4.12 A função


x2 xn
f(x) = 1 + x + + ... + + ...
2 n
é contı́nua no intervalo [0, 1), onde 1 é o raio de convergência da série de
X xn
potências .
n
n≥1

Apesar da série não convergir no ponto x = 1, a série das integrais


X Z 1 xn X 1
dx =
n n(n + 1)
n≥1 0 n≥1

converge para 1.

Logo, podemos integrar termo a termo e obter:

Instituto de Matemática - UFF 33


Análise na Reta

Z1
1 1 1
f(x) dx = 1 + + + ... + + ... = 2. 
0 1·2 2·3 n(n + 1)

Teorema 4.5 (Derivação termo a termo)


X

A função f(x) = an xn , definida por uma série de potências, é derivável
n=0

em todo ponto x do seu intervalo de convergência (−r, r). Além disso,


X

0
f (x) = nan xn−1 e a série de potências das derivadas também tem
n=1

raio de convergência r.

Prova.
X

Como a série nan xn−1 é convergente se, e somente se, a série
n=1

X
∞ X

nan xn = x nan xn−1 converge, temos que o raio de convergência
n=1 n=1

X

da série das derivadas é igual ao da série nan xn , ou seja, o raio de
n=1

convergência da série das derivadas é o inverso do número


√ 
 
lim sup n |an | = lim n lim sup |an | = lim sup n |an |,
pn n
p
n
p
n→∞ n→∞ n→∞ n→∞

n
pois lim n = 1.
n→∞

X
∞ X

Assim, an xn e nan xn−1 têm o mesmo raio de convergência r.
n=0 n=1

X

Como a série das derivadas nan xn−1 converge uniformemente em
n=1

todo intervalo compacto contido em (−r, r), temos, pelo corolário 2.8, que
X
∞ X

n
f(x) = an x é derivável e f (x) =0
nan xn−1 em todo x ∈ (−r, r). 
n=0 n=1

X

Corolário 4.2 A função f(x) = an xn , definida por uma série de
n=0

potências, possui derivada de todas as ordens em todos os pontos do

34 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

seu intervalo de convergência (−r, r) e suas derivadas sucessivas podem


ser calculadas por derivação termo a termo.

Assim, para x ∈ (−r, r) e k ∈ N, tem-se


X

(k)
f (x) = n(n − 1) . . . (n − (k − 1))an xn−k .
n=k

fk (0)
Em particular, ak = , ou seja, a série de potências que converge para
k!
f(x) em (−r, r) é a série de Taylor de f em torno de 0.

Exemplo 4.13 Funções seno e cosseno .


X

(−1)n X

(−1)n
As séries x2n e x2n+1 têm raio de convergência
(2n) ! (2n + 1) !
n=0 n=0

infinito, logo definem funções C∞ na reta.

Sejam c : R −→ R e s : R −→ R dadas por


X

(−1)n 2n X

(−1)n
c(x) = x e s(x) = x2n+1
(2n) ! (2n + 1) !
n=0 n=0

Então, c(0) = 1, s(0) = 0, c(−x) = c(x), s(−x) = −s(x) e, derivando termo


a termo, temos que c 0 (x) = −s(x) e s 0 (x) = c(x).

Afirmação: s(x)2 + c(x)2 = 1 para todo x ∈ R.

De fato, como a função f(x) = s(x)2 + c(x)2 tem derivada


f 0 (x) = 2s(x)s 0 (x) + 2c(x)c 0 (x) = 2s(x)c(x) − 2c(x)s(x) = 0 ,

para todo x ∈ R e f(0) = 1, temos que f(x) = 1, ou seja, s(x)2 + c(x)2 = 1


para todo x ∈ R.

Afirmação: s(x + y) = s(x)c(y) + c(x)s(y) e c(x + y) = c(x)c(y) − s(x)s(y)


quaisquer que sejam x, y ∈ R.

De fato, fixando y ∈ R, podemos definir as funções


f(x) = s(x + y) − s(x)c(y) − c(x)s(y)

e
g(x) = c(x + y) − c(x)c(y) + s(x)s(y).

Como

Instituto de Matemática - UFF 35


Análise na Reta

f 0 (x) = s 0 (x + y) − s 0 (x)c(y) − c 0 (x)s(y)


= c(x + y) − c(x)c(y) + s(x)s(y) = g(x) ,

e
g 0 (x) = c 0 (x + y) − c 0 (x)c(y) + s 0 (x)s(y)
= −s(x + y) + s(x)c(y) + c(x)s(y) = −f(x) ,

temos que
(f(x)2 + g(x)2 ) 0 = 2f(x)f 0 (x) + 2g(x)g 0 (x) = 2f(x)g(x) − 2g(x)f(x) = 0 ,

para todo x ∈ R. Logo, f(x)2 + g(x)2 = 0 para todo x ∈ R, já que


f(0) = s(y) − s(0)c(y) − c(0)s(y) = 0

e
g(0) = c(y) − c(0)c(y) + s(0)s(y) = 0 .

Então, f(x) = g(x) = 0 para todo x ∈ R, valendo, portanto, as fórmulas de


adição.

Afirmação: Existe x > 0 tal que c(x) = 0.

De fato, como c(0) = 1 > 0 e c : R −→ R é contı́nua, terı́amos c(x) > 0


para todo x ≥ 0, caso c(x) 6= 0 para todo x > 0.

Daı́, s(x) seria uma função crescente em [0, ∞). Logo, para todo x > 1,
Zx Zx
s(1)(x − 1) ≤ s(t) dt = −c 0 (t) dt = c(1) − c(x) ≤ 2 ,
1 1

pois s(1) ≤ s(t) para todo t ∈ [1, x] e −1 ≤ c(t) ≤ 1 para todo t ∈ R, já
que s(t)2 + c(t)2 = 1. Mas a desigualdade s(1)(x − 1) ≤ 2 válida para todo
x > 1 é absurda, pois s(1) > s(0) = 0.

Logo c deve anular-se em algum ponto x > 0.

• Como o conjunto { x ∈ (0, ∞) | f(x) = 0 } é fechado, já que a função c é


contı́nua e c(0) > 0, existe um menor número positivo para o qual c se
π
anula. Chamamos tal número .
2

Assim, como c(2x) = c(x)2 − s(x)2 = 2c(x)2 − 1, temos que c(π) = −1 e


c(2π) = 1 e, portanto, s(π) = s(2π) = 0.

Logo, pelas fórmulas de adição, temos que

36 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

s(x + 2π) = s(x)c(2π) + c(x)s(2π) = s(x) ,

e
c(x + 2π) = c(x)c(2π) − s(x)s(2π) = c(x) ,

para todo x ∈ R, ou seja, as funções s(x) e c(x) são periódicas com


perı́odo 2π.

Outras propriedades das funções seno e cosseno podem ser provadas de


modo analı́tico usando suas séries de potências. 

X
∞ X

Observação 4.9 Embora as séries an xn e nan xn−1 tenham o
n=0 n=1

X

mesmo intervalo de convergência (−r, r), pode ocorrer que a série an x n
n=0

X

convirja num dos extremos ±r e a série nan xn−1 seja divergente nesse
n=1

ponto.
X

xn
Por exemplo, a série converge em [−1, 1], mas a série derivada
n2
n=1

X

xn−1
diverge no ponto x = 1.
n
n=1

X

Mas, se a série derivada nan xn−1 converge num dos extremos ±r do
n=1

X

intervalo de convergência, então a série an xn também converge nesse
n=0

extremo.
X

De fato, se a série nan xn−1 converge no ponto x = r (ou no ponto x =
n=1

X

−r), então a série nan xn−1 converge uniformemente no intervalo [0, r]
n=1

X

(ou no intervalo [−r, 0]) e, portanto, pelo corolário 2.7, a série an x n
n=0

converge no ponto x = r (ou x = −r).

Instituto de Matemática - UFF 37


Análise na Reta

5. Operações aritméticas com séries


de potências
X X
Sejam r e s os raios de convergência das séries a n xn e bn xn ,
respectivamente.
X
• Se r < s, então o raio de convergência da série (an + bn )xn é r.
X
De fato, a série (an + bn )xn converge para todo x ∈ (−r, r) e diverge
X X
se t ∈ (r, s), pois an tn diverge e bn tn converge.
X X
• Mas, se an xn e bn xn têm o mesmo raio de convergência r, então
X
a série (an + bn )xn pode ter qualquer número ≥ r como raio de con-
vergência.
X X
Por exemplo, se os raios de an x n e bn xn são, respectivamente, r
X X
e s, com r < s, então as séries (−an )xn e (an + bn )xn têm raio de
X X
convergência r, enquanto bn xn = ((−an ) + (an + bn )) xn tem raio
de convergência s.

X X
Teorema 5.1 Se as séries de potências a n xn e bn xn convergem
X
para todo x ∈ (−r, r), então a série cn xn é convergente e
X X  X 
cn xn = an xn bn xn ,

para todo x ∈ (−r, r), onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .

Prova.
Como o intervalo (−r, r) está contido no intervalo de convergência de cada
X X
uma das séries an x n e bn xn , temos que estas séries convergem
absolutamente para todo x ∈ (−r, r).

Logo, pelo teorema —, da parte 3, a série de termo geral


a0 x0 bn xn + a1 x1 bn−1 xn−1 + . . . + an xn b0 x0 = cn xn

38 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

converge e
X X  X 
cn xn = an x n bn xn . 

X
∞ X
∞ X

Corolário 5.1 Se as séries an , bn e cn são convergentes,
n=0 n=0 n=0

onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 , então


X X   X 
cn = an bn .

Prova.
X X
Pelo teorema de Abel, as funções f(x) = an xn e g(x) = bn xn são
definidas e contı́nuas para todo x ∈ (−1, 1]. Então, pelo teorema acima,
X
f(x) · g(x) = cn xn para todo x ∈ (−1, 1).
X
Como, por hipótese, a série de potências cn xn converge no ponto
X
x = 1, temos, pelo teorema de Abel, que a série cn xn converge uni-
formemente em [0, 1] e, portanto,
X   X  X X
an bn = lim f(x) · g(x) = lim cn xn = cn . 
x→1 x→1
X X
• Se bn xn tem raio de convergência s e an xn tem raio de con-
X X  X 
vergência r < s, então a série cn xn = a n xn bn xn tem raio
de convergência ≥ r.

Mesmo se as séries dadas têm o mesmo raio de convergência, a


série produto pode ter raio de convergência maior. Por exemplo
1−x X 1 + x2 X
n 2n
2
= (1 − x) · (−1) x e = (1 + x 2
) xn
1+x 1−x
n≥0 n≥0

têm ambas raio de convergência 1, mas o produto destas duas séries tem
X
raio de convergência infinito, pois cn xn = 1 para todo x ∈ (−1, 1) e,
portanto, c0 = 1 e cn = 0 para todo n ≥ 1.

• Mostramos, então, que a soma e o produto de duas séries de potências


X
é ainda uma série de potências. Mais precisamente, se f(x) = an x n e
X
g(x) = bn xn para todo x ∈ (−r, r), então os valores das funções f + g

Instituto de Matemática - UFF 39


Análise na Reta

e f · g no intervalo (−r, r) ainda são dados por séries de potências:


X X
f(x) + g(x) = (an + bn )xn e f(x) · g(x) = cn xn ,

onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .
X
• Mostraremos, agora, que se f(x) = an xn para todo x ∈ (−r, r) e
1
f(0) = a0 6= 0, então existe s ∈ (0, r] tal que a função é representada
f(x)
1 X
por uma série de potências em (−s, s), ou seja, tem -se = bn xn
f(x)
para todo x ∈ (−s, s).

Devido aos possı́veis zeros de f em (−r, r), o intervalo de convergência


1
pode realmente diminuir quando passamos de f para . Por exemplo,
f
f(x) = 1 − x é uma série de potências convergente em toda a reta, mas
1
= 1 + x + x2 + . . . + xn + . . . converge apenas no intervalo (−1, 1), o
f(x)
1
que é de se esperar já que f(1) = 0, ou seja, não tem sentido para
f(x)
x = 1.

Também para f(x) = 1 + x2 , que converge para todo x ∈ R, temos


1 1
que = = 1 − x + x4 − . . . + (−1)n x2n + . . . converge apenas no
f(x) 1 + x2
intervalo (−1, 1). Neste exemplo, apesar de f(x) = 1 + x2 6= 0 para x ∈ R,
sabemos que essa função tem dois zeros com valores complexos: i e −i.

A segunda diferença, com respeito à soma e ao produto de séries


de potências, é o fato de que não se tem uma fórmula simples para os
1
coeficientes bn da série = b0 + b1 x + . . . + bn xn + . . . em função dos
f(x)
coeficientes an .

Para se determinar os valores bn aplica-se o método dos coeficientes


a determinar, que consiste em escrever sucessivamente
(a0 + a1 x + a2 x2 + . . .)(b0 + b1 x + b2 x2 + . . .) = 1;
a0 b0 + (a0 b1 + a1 b0 )x + (a0 b2 + a1 b1 + a2 b0 )x2 + . . . = 1;
a0 b = 1 ; a0 b1 + a1 b0 = 0 ; a0 b2 + a1 b1 + a2 b0 = 0 ; . . . (?)

40 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

1
A primeira equação a0 b0 = 1 de (?) nos dá que b0 = . A partir
a0
daı́, cada bn é determinado sucessivamente em função dos coeficientes
a0 , a1 , . . . , an e b0 , b1 , . . . , bn−1 que foram obtidos nas equações anteri-
ores. A hipótese a0 6= 0 assegura que o sistema de infinitas equações (?)
possui uma solução única, obtida por recorrência.

Devemos, porém, observar que, para obter as equações (?) a par-


tir da igualdade anterior, foi utilizado o seguinte fato: se uma série de
X
potências h(x) = cn xn é igual a 1 para todo x ∈ (−s, s), então c0 = 1 e
cn = 0 para todo n > 1. Este resultado é uma conseqüência do corolário
h(n) (0)
4.2, pois c0 = h(0) = 1 e cn = = 0 para todo n > 1, já que h é
n!
constante igual a 1 no intervalo (−1, 1).
1
No entanto, para provarmos que pode ser escrita como uma
f(x)
série de potências num intervalo (−s, s) ⊂ (−r, r) não precisaremos cal-
cular os coeficientes bn do inverso.
X
Seja, então, uma série de potências an xn que converge para f(x)
para todo x ∈ (−r, r) tal que a0 = f(0) 6= 0. Vamos supor que a0 = 1.

Como f é contı́nua em (−r, r) e f(0) = 1, existe δ > 0 tal que


x ∈ (−s, s) =⇒ |f(x) − 1| < 1.

Então, para todo x ∈ (−s, s), temos que

1 1
=
f(x) 1 + (f(x) − 1)

= 1 − (f(x) − 1) + (f(x) − 1)2 − . . . + (−1)n (f(x) − 1)n + . . .


!n
X∞ X∞ X∞
= (−1)n (f(x) − 1)n = (−1)n ak xk .
n−0 n=0 k=1

Pelo teorema 5.1, podemos escrever


!n
X∞ X

k
ak x = cnk xk ,
k=1 k=0

Assim, para todo x ∈ (−s, s), temos que

Instituto de Matemática - UFF 41


Análise na Reta

X X
!
1
= (−1)n cnk xk .
f(x)
n k

Provaremos, agora, que podemos inverter a ordem do somatório, ou


seja, que
X
∞ X

!
1
= (−1)n cnk xk ,
f(x)
k=0 n=0

1
o que exprimirá como uma série de potências no intervalo (−s, s) com
f(x)
X
coeficientes bk = (−1)n cnk .
n

Para isso, utilizaremos o teorema 3.1, o qual exige que, para todo n,
X X
(−1)n cnk xk convirja, o que é verdade, já que (−1)n cnk xk é uma
k k

série de potências convergente em (−r, r), e, portanto, absolutamente


convergente para todo x ∈ (−r, r). Além disso, o teorema 3.1 também
X X
!

exige que a série cnk xk convirja, o que não é evidente.
n k

X X
!

Afirmação: cnk xk converge.
n k
X
A série ϕ(x) = |ak |xk tem o mesmo raio de convergência que a
k
X
série ak x e ϕ(0) = |a0 | = 1. Então, podemos diminuir o número s > 0
k

de tal modo que |ϕ(x) − 1| < 1 e |f(x) − 1| < 1 para todo x ∈ (−s, s).

Para todo x ∈ (−s, s) e todo n ∈ N, podemos escrever


!n
X∞ X

n
(ϕ(x) − 1) = |ak |x k
= dnk xk .
k=0 k=0

X

Como a série (ϕ(x) − 1)n converge para todo x ∈ (−s, s), temos
n=0

X
∞ X

!
que a série dnk xk é convergente para todo x ∈ (−s, s).
n=0 k=0

Se provarmos que |cnk | ≤ dnk para todo n e todo k, teremos que

42 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

X X X X
!
a série |cnk xk | converge, já que |cnk xk | ≤ dnk |xk | e
n k k k

X X
!
dnk |x|k converge.
n k

Afirmação: |cnk | ≤ dnk para todo n e todo k.


Vamos provar a afirmação por indução em n.

• Para n = 0, c00 = d00 = 1 e c0k = d0k = 0 para todo k > 1. Então,


|c0k | ≤ |d0k | para todo k.

• Seja n > 0 e suponhamos que |cnk | ≤ dnk para todo k.

Como os números cnk e dnk são dados pelas relações


!n !n
X X X X
ak xk = cnk xk e |ak |xk = dnk xk ,
k k k k

e observando que
!n+1 !n
X X X
!
ak x k = ak x k ak x k
k k k
!n
X X
!
= cnk xk a k xk ,
k k

e
!n+1 !n
X X X
!
|ak |xk = |ak |xk |ak |xk
k k k
!n
X X
!
= dnk xk |ak |xk ,
k k

temos, fazendo a0 = 0, que


cn+1 k = a0 cnk + a1 cn (k+1) + . . . + ak cn0

e
d(n+1) k = |a0 |dnk + |a1 |dn (k−1) + . . . + |ak |dn0 .

Logo, usando a hipótese de indução,

Instituto de Matemática - UFF 43


Análise na Reta

| c(n+1) k | ≤ |a0 | |cnk | + |a1 | |cn (k−1) | + . . . + |ak | |cn0 |


≤ |a0 |dnk + |a1 |dn (k−1) + . . . + |ak |dn0
= d(n+1) k ,

o que conclui a demonstração do seguinte teorema:

X
Teorema 5.2 Seja an xn uma série de potências que converge ao
valor f(x) para todo x ∈ (−r, r).
X
Se a0 6= 0, então existem s > 0 e uma série de potências bn xn que
1
converge, para todo x ∈ (−s, s), ao valor
f(x)

44 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

6. Funções analı́ticas

Definição 6.1 Uma função f : I −→ R, definida num intervalo aberto


I, chama-se analı́tica quando é de classe C∞ e, para todo x0 ∈ I, existe
r > 0 tal que (x0 − r, x0 + r) ⊂ I e
f(n) (x0 )
f(x) = f(x0 ) + f 0 (x0 )(x − x0 ) + . . . + (x − x0 )n + . . .
n!
para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Assim, o valor f(x) de uma função analı́tica, em todo ponto x ∈ I, é


dado por uma série de potências, a saber, uma série de Taylor. Mas, pelo
corolário 4.2, toda função representada por uma série de potências é de
X f(n) (x0 )
classe C∞ e, se f(x) = an (x − x0 )n , então an = , ou seja, toda
n!
série de potências é uma série de Taylor.

Podemos, então simplificar a definição anterior e dizer que uma fun-


ção f : I −→ R definida num intervalo aberto I, é analı́tica quando, para
cada x0 ∈ I, existem r > 0, com (x0 − r, x0 + r) ⊂ I, e uma série de
X
potências an (x − x0 )n tal que, para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), temos que
X
f(x) = an (x − x0 )n .

• Note que a série de potências varia com o ponto x0 , já que seus coefi-
cientes são dados em função das derivadas f(n) (x0 ), e que, mesmo sendo
f(x) analı́tica em toda a reta, sua série de potências em torno de um ponto
x0 não precisa convergir em toda a reta.

Observação 6.1 A soma e o produto de funções analı́ticas f, g : I → R


é uma função analı́tica em I.
X
De fato, para todo x0 ∈ I, existem r > 0 e s > 0, tais que f(x) = an (x −
X
x0 )n se |x − x0 | < r e g(x) = bn (x − x0 )n se |x − x0 | < s. Então, se
|x − x0 | < t, onde t = min{r, s}, temos que
X X
f(x) + g(x) = (an + bn )(x − x0 )n e f(x)g(x) = cn (x − x0 )n ,

com cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .

Instituto de Matemática - UFF 45


Análise na Reta

Em particular, como a função constante e a função identidade são analı́ticas


em R, todo polinômio é uma função analı́tica em R.

• Pelo teorema 5.2, temos também que se f : I −→ R é uma função


1
analı́tica que não se anula em ponto algum de I, seu inverso é uma
f
p(x)
função analı́tica em I. Em particular, uma função racional f(x) = ,
q(x)
quociente de dois polinômios, é analı́tica em todo intervalo aberto onde o
denominador q não se anula.

1
Exemplo 6.1 A função f : R −→ R, dada por f(x) = , é analı́tica
1 + x2
em toda a reta, já que é uma função racional com denominador diferente
de zero em todos os pontos da reta.
X
A série de potências de f em torno de x = 0, ou seja, a série (−1)n x2n ,
só converge no intervalo (−1, 1), mas pelo teorema 5.2, para todo x0 ∈ R,
X 1
existem uma série de potências an (x − x0 )n e r > 0 tais que =
1 + x2
X
an (x − x0 )n para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r). Os coeficientes an podem ser
obtidos pelo método dos coeficientes a determinar, a partir da igualdade
X∞
2
1 = (1 + x ) an (x − x0 )n .
n=0

Para isso, devemos desenvolver 1 + x2 em potências de (x − x0 ):


1 + x2 = 1 + ((x − x0 ) + x0 )2 = 1 + x20 + 2x0 (x − x0 ) + (x − x0 )2 .

Assim, escrevendo,
  
1 = 1 + x20 + 2x0 (x − x0 ) + (x − x0 )2 a0 + a1 (x − x0 ) + a2 (x − x0 )2 + . . . ,

e efetuando o produto indicado no segundo membro, obtemos os coefi-


cientes an , igualando os coeficientes das mesmas potências de (x − x0 )
nos dois membros da igualdade. Por exemplo,
1 = (1 + x0 )2 a0 , 0 = a1 (1 + x20 ) + 2a0 x0 , 0 = (1 + x20 )a2 + a0 + 2x0 a1 ,
1 −2a0 x0 2x0
ou seja, a0 = , a1 = − =− ,
1 + x20 2
1 + x0 (1 + x20 )2

46 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

−a0 − 2x0 a1 1 4x20 −1 + 3x20


a2 = = − + = .
1 + x20 (1 + x0 )2 (1 + x0 )3 (1 + x20 )3 

X
• Mostraremos, agora, que se a série de potências an (x − x0 )n con-
verge para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), então a função f : (x0 − r, x0 + r) → R
X
definida por f(x) = an (x − x0 )n é analı́tica, ou seja, para todo x1 ∈
X
(x0 − r, x0 + r), existe uma série de potências da forma bn (x − x1 )n que
converge para a soma f(x) numa vizinhança de x1 .

Teorema 6.1 Seja f : (x0 − r, x0 + r) −→ R a função definida pela série


X
de potências f(x) = an (x − x0 )n . Para todo x1 ∈ (x0 − r, x0 + r), existe
X X
uma série de potências bn (x − x1 )n tal que f(x) = bn (x − x1 )n se
|x − x1 | < r − |x1 − x0 |.

Prova.
Se |x − x1 | < r − |x1 − x0 |, então |x − x1 | + |x1 − x0 | ≤ r. Logo, a série
X
an (y − x0 )n converge absolutamente para y = x0 + |x − x1 | + |x1 − x0 |,
pois |y − x0 | = |x − x1 | + |x1 − x0 | < r. Logo, a série
X X
|an | |y − x0 |n = |an | (|x − x1 | + |x1 − x0 |)n

é convergente. Então, pela fórmula do binômio de Newton, temos que


X Xn  
!
n
|an | |x1 − x0 |n−k |x − x1 |k < +∞ .
n k=0
k

Assim, pelo teorema 3.1, podemos inverter a ordem do somatório, ou seja,

X X
f(x) = an (x − x0 )n = an (x1 − x0 + x − x1 )n
n≥0 n≥0

X Xn  
!
(?) n
= an (x1 − x0 )n−k (x − x1 )k
n≥0 k=0
k

X X n
" #
= an (x1 − x0 )n−k (x − x1 )k
k≥0 n≥k
k

X
= bk (x − x1 )k ,
k≥0

Instituto de Matemática - UFF 47


Análise na Reta

n

já que os coeficientes da série dupla (?) acima são ank = an k
(x1 −x0 )n−k
se k ≤ n e ank = 0 se k > n. 

• Uma das propriedades que distinguem as funções analı́ticas das funções


C∞ é dada pelo seguinte teorema.

Teorema 6.2 Se uma função analı́tica f : I −→ R se anula, juntamente


com todas as suas derivadas, num ponto do intervalo aberto I, então f se
anula em todos os pontos de I.

Prova.
• Seja A = { x ∈ I | f(n) (x) = 0 , para todo n ≥ 0 } .

Afirmação: A é aberto.
De fato, seja x0 ∈ I. Como f é analı́tica, existe r > 0 tal que
X f(n) (x0 )
f(x) = (x − x0 )n
n!
n≥0

para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Logo, f(x) = 0 para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), pois f(n) (x0 ) = 0 para todo
n ≥ 0. Então, (x0 − r, x0 + r) ⊂ A, já que f(n) (x) = 0 para todo n ≥ 0 e
todo x ∈ (x0 − r, x0 + r). Portanto, A é aberto.

• Seja B = { x ∈ I | ∃n0 ≥ 0 ; f(n0 ) (x) 6= 0 }.

Afirmação: B é aberto.
Sejam x0 ∈ B e n0 ≥ 0 tal que f(n0 ) (x0 ) 6= 0.

Como a função f(n0 ) : I −→ R é contı́nua, existe r > 0 tal que f(n0 ) (x) 6= 0
para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Então, (x0 − r, x0 + r) ⊂ B, e, portanto, B é aberto.

Logo, I = A ∪ B, onde A e B são abertos disjuntos. Como, por hipótese,


A 6= ∅, temos que B 6= ∅, ou seja, A = I, o que demonstra o teorema. 

Corolário 6.1 Sejam f, g : I −→ R funções analı́ticas. Se, para algum


x0 ∈ I, f(n) (x0 ) = g(n) (x0 ) para todo n ≥ 0, então f(x) = g(x) para todo
x ∈ I.

48 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

Lema 6.1 Seja f : I −→ R uma função C∞ . Seja X ⊂ I um conjunto com


um ponto de acumulação x0 ∈ I.

Se f(x) = 0 para todo x ∈ X, então f(n) (x0 ) = 0 para todo n ≥ 0.

Prova.
Como X 0 = X+0 ∪ X−0 , existe uma seqüência monótona crescente ou de-
crescente de pontos de X com lim xn = x0 .

Então f(x0 ) = lim f(xn ) = 0 e


n→∞

f(xn ) − f(x0 )
f 0 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ xn − x0

Pelo teorema de Rolle, existe yn entre xn e xn+1 , tal que f 0 (yn ) = 0, já que
xn < xn+1 (ou xn+1 < xn ) e f(xn ) = f(xn+1 ) = 0.

Logo, a seqüência (yn ) é estritamente monótona e lim yn = x0 .

Assim,
f 0 (yn ) − f 0 (x0 )
f 00 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ yn − x 0

Novamente, pelo teorema de Rolle, existe zn entre yn e yn+1 tal que


f 00 (zn ) = 0.

A seqüência (zn ) assim obtida é estritamente monótona com lim zn = x0 .


Então,
f 00 (zn ) − f 00 (x0 )
f 000 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ zn − x0

Prosseguindo desta manaira, podemos provar, por indução, que f(n) (x0 ) =
0 para todo n ≥ 0. 

Teorema 6.3 Seja f : I −→ R uma função analı́tica tal que f(x) = 0


para todo x ∈ X, onde X ⊂ I é um conjunto com um ponto de acumulação
x0 ∈ I. Então f(x) = 0 para todo x ∈ I.

Prova.
Pelo lema anterior, temos f(n) (x0 ) = 0 para todo n ≥ 0.

Portanto, pelo teorema 6.2, f(x) = 0 para todo x ∈ I. 

Instituto de Matemática - UFF 49


Análise na Reta

Corolário 6.2 (Princı́pio da Identidade para funções analı́ticas)


Sejam f, g : I −→ R funções analı́ticas e X ⊂ I um conjunto com um ponto
de acumulação em I. Se f(x) = g(x) para todo x ∈ X, então f ≡ g.

Corolário 6.3 (Princı́pio da Identidade para séries de potências)


X X
Sejam an x n e bn xn séries de potências convergentes no intervalo
(−r, r) e X ⊂ (−r, r) um conjunto com um ponto de acumulação nesse
X X
intervalo. Se an x n = bn xn para todo x ∈ X então an = bn para
todo n ≥ 0.

Prova.
X X
Como as funções f(x) = an xn e g(x) = bn xn são analı́ticas no
intervalo (−r, r), temos, pelo corolário anterior, que f(x) = g(x) para todo
x ∈ (−r, r).

Então, f(n) (0) = g(n) (0) para todo n ≥ 0.

f(n) (0) g(n) (0)


Portanto, an = = = bn para todo n ≥ 0. 
n! n!

7. Nota sobre funções complexas

A composta de duas funções analı́ticas f e g é ainda analı́tica. Este


fato importante pode ser provado usando a mesma técnica da demonstração
do teorema 5.2, ou seja, fazendo a substituição de uma série de potências
em outra.

Vamos indicar como se pode deduzir este fato a partir da noção de


função analı́tica complexa.

Definição 7.1 Seja U ⊂ C aberto. Uma função f : U −→ C é derivável


no ponto z0 ∈ U se existe o limite
f(z) − f(z0 )
f 0 (z0 ) = lim .
z→z0 z − z0

Nesse caso, f 0 (z0 ) é a derivada de f no ponto z0 .

50 J. Delgado - K. Frensel
Nota sobre funções complexas

Embora a definição seja igual à de derivada de uma função real, con-


seqüências surpreendentes decorrem do fato de uma função complexa
ser derivável num aberto U ⊂ C:

• Se uma função f : U −→ C possui derivada em todos os pontos de um


aberto U do plano complexo C, então f é de classe C∞ em U, ou melhor
ainda, f é analı́tica em U. Ou seja, todo ponto z0 ∈ U é centro de um disco
de raio r contido em U tal que
X f(n) (z0 )
|z − z0 | < r =⇒ f(z) = (z − z0 )n .
n!
n≥0
X
Reciprocamente, se f(z) = an (z − z0 )n é dada por uma série de
n≥0

potências convergente no disco |z−z0 | < r, então f é derivável e, portanto,


analı́tica nesse disco.
1
Assim, fica fácil provar que a inversa de uma função analı́tica
f
1
complexa f, que não se anula, é analı́tica, pois basta verificar que é
f
derivável. De modo análogo ao caso real, podemos provar que se f é de-
1
10 f 0 (z0 )
rivável em z0 e f(z0 ) 6= 0, então é derivável em z0 e (z0 ) = − 2
.
f f f(z0 )

Também, de modo análogo ao caso real, podemos provar que a


composta g ◦ f de duas funções complexas f e g deriváveis é, também,
derivável e
(g ◦ f) 0 (z) = g 0 (f(z)) f 0 (z) .

Logo, a composta de duas funções analı́ticas complexas é analı́tica.


X
• Outro fato importante é que se a série de potências an xn real con-
X
verge no intervalo (−r, r), então a série de potências complexa an z n
converge no disco aberto |z| < r.

Daı́ resulta que toda função analı́tica real f : I −→ R se estende a


uma função analı́tica complexa F : U −→ R, onde U é um aberto do plano
complexo tal que U ∩ R = I.

Além disso, se f : U −→ C, é uma função analı́tica complexa que

Instituto de Matemática - UFF 51


Análise na Reta

transforma todo ponto x ∈ U ∩ R = I real num número real, então os


X
coeficientes an são reais, onde f(z) = an (z − z0 )n é a expressão de f
em séries de potências em torno de um número real x0 ∈ I.

Estes fatos nos permitem provar teoremas sobre funções analı́ticas


reais usando propriedades das funções analı́ticas complexas.

Por exemplo, suponha que f : I −→ R é uma função analı́tica real tal


que f(x) 6= 0 para todo x ∈ I. Seja f : U −→ C a função analı́tica complexa
que estende f. Podemos tomar o aberto U ⊂ C suficientemente pequeno
1
de modo que I ⊂ U e F(z) 6= 0 para todo z ∈ U. Logo, como : U → C é
F
1 1 1
analı́tica e = para todo x ∈ I, temos que : I −→ R é analı́tica
F(x) f(x) f
real.

Outro exemplo é o seguinte: sejam f : I −→ R e g : J −→ R funções


analı́ticas reais tais que f(I) ⊂ J. Estendendo-as, obtemos funções analı́ticas
complexas F e G, cuja composta G◦F é analı́tica, já que é derivável. Como
G ◦ F(x) = G(F(x)) = g(f(x)) é real para todo x ∈ I, temos que g ◦ f é uma
função analı́tica real.

8. Eqüicontinuidade

Nosso objetivo, agora, é determinar condições para que um conjunto


I de funções contı́nuas no conjunto X possua a seguinte propriedade:
se (fn ) é uma seqüência de termos fn ∈ E, então (fn ) possui uma sub-
seqüência uniformemente convergente em X.

Se E é um subconjunto de R, temos que toda seqüência de pontos


xn ∈ E possui uma subseqüência convergente se, e só se, E é limitado.

Mas o mesmo não ocorre quando E é um conjunto de funções contı́-


nuas f : X −→ R definidas num conjunto X. Por exemplo, a seqüência de
funções fn : [0, 1] −→ R definidas por fn (x) = xn (1 − xn ), do exemplo 1.4,
1
é limitada, pois 0 ≤ fn (x) ≤ para todo n ∈ N e todo x ∈ [0, 1], mas (fn )
4

52 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

não possui uma subseqüência uniformemente convergente em [0, 1].

Não basta então que as funções f ∈ E tomem valores no mesmo in-


tervalo limitado para que toda seqüência em E possua uma subseqüência
uniformemente convergente. É preciso uma hipótese adicional: a eqüicon-
tinuidade.

Definição 8.1 Seja E um conjunto de funções f : X −→ R definidas


no mesmo domı́nio. Dizemos que E é eqüicontı́nuo num ponto x0 ∈ X
quando, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que
x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E .

Observação 8.1 Além de todas as funções f ∈ E serem contı́nuas no


ponto x0 ∈ X, o número δ > 0, escolhido a partir de ε, é o mesmo para
todas as funções f ∈ E.

Definição 8.2 Dizemos que (fn ) é uma seqüência eqüicontı́nua no ponto


x0 ∈ X quando o conjunto de funções E = {f1 , f2 , . . . , fn , . . .} é eqüicontı́nuo
no ponto x0 .

Observação 8.2 Dizer que a seqüência de funções fn : X −→ R é


eqüicontı́nua no ponto x0 ∈ X equivale a afirmar que lim fn (x) = fn (x0 )
x−→x0

uniformemente em relação a n (ver observação 2.2).

Observação 8.3 Pela observação 2.2, temos que se fn : X −→ R é


uma seqüência de funções eqüicontı́nua no ponto x0 ∈ X e fn −→ f sim-
plesmente em X, então f é contı́nua no ponto x0 .

Definição 8.3 Dizemos que um conjunto E de funções f : X −→ R é


eqüicontı́nuo quando E é eqüicontı́nuo em todos os pontos x0 ∈ X.

Analogamente, uma seqüência de funções fn : X −→ R é eqüicontı́nua


quando é eqüicontı́nua em todos os pontos x0 ∈ X.

Exemplo 8.1 Se X ⊂ R é um conjunto discreto, então qualquer conjunto


E de funções f : X −→ R é eqüicontı́nuo. 

Instituto de Matemática - UFF 53


Análise na Reta

Exemplo 8.2 O conjunto E = {f}, formado por uma única função contı́-
nua f : X −→ R, é eqüicontı́nuo. 

Observação 8.4 Se os conjuntos E1 , . . . , En , formados por funções reais


com o mesmo domı́nio X ⊂ R, são eqüicontı́nuos no ponto x0 ∈ X, então
a reunião E = E1 ∪ . . . ∪ En é um conjunto eqüicontı́nuo. no ponto x0 .

De fato, dado ε > 0, existem números reais positivos δ1 , . . . , δn tais que


x ∈ X , |x − x0 | < δi =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ Ei , i = 1, . . . , n .

Então, se δ = min{δ1 , . . . , δn } > 0, temos que


x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E1 ∪ . . . ∪ En .

Em particular, se as funções f1 , . . . , fn : X −→ R são contı́nuas no ponto


x0 ∈ X, então o conjunto E = {f1 , . . . , fn } é eqüicontı́nuo neste ponto.

Observação 8.5 Se E é eqüicontı́nuo no ponto x0 e F ⊂ E, então F é


eqüicontı́nuo neste ponto.

Observação 8.6 Se uma seqüência (fn ) de funções contı́nuas


fn : X −→ R converge uniformemente para f : X −→ R, então o con-
junto E = { f, f1 , . . . , fn , . . .} é eqüicontı́nuo.

De fato, seja x0 ∈ X. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que


ε
n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < , ∀ x ∈ X.
3
Como f1 , . . . , fn0 e f são contı́nuas em x0 , existe δ > 0 tal que

x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |fi (x) − fi (x0 )| < ε , ∀ i = 1, . . . , n0 ,


ε
e |f(x) − f(x0 )| < .
3
Então, para n > n0 ,
|fn (x) − fn (x0 )| ≤ |fn (x) − f(x)| + |f(x) − f(x0 )| + |f(x0 ) − fn (x0 )|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo x ∈ X ∩ (x0 − δ, x0 + δ).

Logo, E é eqüicontı́nuo no ponto x0 ∈ X. Como x0 ∈ X é arbitrário, E é


eqüicontı́nua em X.

sen(nx)
Exemplo 8.3 A seqüência de funções fn (x) = é eqüicontı́nua
n

54 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

em toda a reta, pois fn −→ f ≡ 0 uniformemente em R. 

Observação 8.7 Como a eqüicontinuidade é uma propriedade local,


uma seqüência de funções fn : X −→ R é eqüicontı́nua se, para todo
x0 ∈ X, existe um intervalo I de centro x0 tal que (fn ) converge uniforme-
mente em X ∩ I.

Exemplo 8.4 A seqüência de funções gn : R −→ R, definidas por


x
gn (x) = , é eqüicontı́nua em R, pois gn −→ g ≡ 0 uniformemente em
n
toda parte limitada X ⊂ R, embora (gn ) não seja uniformemente conver-
gente em toda a reta. 

Exemplo 8.5 A seqüência de funções contı́nuas fn (x) = nx, definidas


em toda a reta, não é eqüicontı́nua em ponto algum x0 ∈ R.
1 1
De fato, dado ε = > 0, para todo δ > 0 existem n ∈ N, < δ, e um ponto
2 n
1 1
x = x0 + tais que |x−x0 | = < δ, mas |fn (x)−fn (x0 )| = n|x−x0 | = 1 > ε.
n n


Exemplo 8.6 A seqüência de funções contı́nuas fn : R −→ R, definidas


por fn (x) = sen(nx), não é eqüicontı́nua em ponto algum x0 ∈ R.
1 2π
De fato, seja ε = > 0. Dado δ > 0 seja n ∈ N tal que < δ.
2 n

Afirmação: Existe xn ∈ R tal que |xn − x0 | < δ e |fn (xn ) − fn (x0 )| > ε.
Seja b ∈ [−1, 1] tal que |b−sen(nx0 )| ≥ 1 (por exemplo, b = −1+sen(nx0 ),
se sen(nx0 ) ≥ 0, e b = 1 + sen(nx0 ), se sen(nx0 ) ≤ 0).

Como nx varia entre nx0 e nx0 + 2π quando x varia entre x0 e x0 + ,
n
temos que sen(nx) assume todos os valores entre −1 e 1 no intervalo
2π 2π
h i h i
x0 , x0 + . Logo, existe xn ∈ x0 , x0 + tal que sen(nxn ) = b.
n n

Então |xn − x0 | ≤ <δe
n
1
|fn (xn ) − fn (x0 )| = | sen(nxn ) − sen(nx0 )| = |b − sen(nx0 )| ≥ 1 > = ε. 
2

Instituto de Matemática - UFF 55


Análise na Reta

• Como a seqüência (sen(nx)) não é eqüicontı́nua em ponto algum da


reta, temos, pela observação 8.7, que a seqüência (sen(nx)) não con-
verge uniformemente em intervalo algum da reta.

Na realidade, o argumento usado acima mostra que nenhuma sub-


seqüência de (sen(nx)) é eqüicontı́nua em ponto algum da reta e, por-
tanto, nenhuma subseqüência converge uniformemente em intervalo al-
gum.

Observação 8.8 Seja E um conjunto de funções deriváveis no intervalo


I para o qual existe uma constante c > 0 tal que |f 0 (x)| ≤ c para toda f ∈ E
e todo ponto x ∈ I. Então E é eqüicontı́nuo.
ε
De fato, seja x0 ∈ I. Dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
c
x ∈ I, |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E,

pois, pelo teorema do valor médio, para toda f ∈ E, existe cx entre x0 e x


tal que
ε
|f(x) − f(x0 )| = |f 0 (cx )| |x − x0 | ≤ c|x − x0 | < c · = ε.
c

• O mesmo argumento mostra que E é eqüicontı́nuo se, para todo x ∈ I,


existem uma constante cx > 0 e um intervalo aberto Ix tais que x ∈ Ix ⊂ I
e |f 0 (y)| ≤ cx para todo y ∈ Ix e toda f ∈ E.

Observação 8.9 Como caso particular da observação anterior, seja F


um conjunto de funções f : I −→ R contı́nuas no intervalo I para o qual
existe uma constante c > 0 tal que |f(x)| ≤ c para todo x ∈ I e toda f ∈ F.

Então, fixado a ∈ I, o conjunto E das integrais indefinidas ϕ : I −→ R,


Zx
ϕ(x) = f(t) dt das funções de F é eqüicontı́nuo, pois
a
|ϕ 0 (x)| = |f(x)| ≤ c , ∀ x ∈ I e ∀ ϕ ∈ E.

Definição 8.4 Um conjunto E de funções f : X −→ R chama-se uni-


formemente eqüicontı́nuo quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal
que
x, y ∈ X , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε , ∀ f ∈ E .

56 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Exemplo 8.7 Um conjunto E = {f}, formado por uma única função contı́-
nua que não é uniformemente contı́nua, é um exemplo de conjunto que é
eqüicontı́nuo mas não é uniformemente eqüicontı́nuo. 

Exemplo 8.8 Se as funções de E são deriváveis no intervalo I e |f 0 (x)| ≤


c para toda f ∈ E e todo x ∈ I, então E é uniformemente eqüicontı́nuo. 

Teorema 8.1 Seja K ⊂ R compacto. Todo conjunto eqüicontı́nuo de


funções f : K −→ R é uniformemente eqüicontı́nuo.

Prova.
Seja E um conjunto eqüicontı́nuo de funções f : K −→ R.

Suponhamos, por absurdo, que E não é uniformemente eqüicontı́nuo.

Então, existe ε0 > 0 tal que para todo n ∈ N, podemos obter xn , yn ∈ K e


fn ∈ E tais que
1
|xn − yn | < e |fn (xn ) − fn (yn )| ≥ ε0 .
n
Como K é compacto, (xn )n possui uma subseqüência (xnk )k tal que
1
xnk −→ x ∈ K. Além disso, como |xnk − ynk | < , temos ynk −→ x.
nk

Sendo E eqüicontı́nuo no ponto x, existe δ > 0 tal que


ε0
z ∈ K, |z − x| < δ =⇒ |f(z) − f(x)| < , ∀ f ∈ E.
2
Como xnk −→ x e ynk −→ x, existe n0 ∈ N tal que
δ δ
|xn0 − x| < e |yn0 − x| < .
2 2
Logo, |xn0 − yn0 | < δ e, portanto,

|fn0 (xn0 ) − fn0 (yn0 )| ≤ |fn0 (xn0 ) − fn0 (x)| + |fn0 (x) − fn0 (yn0 )|
ε0 ε
< + 0 = ε0 ,
2 2
o que é uma contradição. 

Teorema 8.2 Se uma seqüência eqüicontı́nua de funções fn : X −→ R


converge simplesmente num subconjunto denso D ⊂ X, então (fn ) con-
verge uniformemente em cada parte compacta K ⊂ X.

Instituto de Matemática - UFF 57


Análise na Reta

Prova.
Seja K ⊂ X compacto. Dado ε > 0, para todo d ∈ D, existe nd ∈ N
tal que
ε
m, n > nd =⇒ |fm (d) − fn (d)| < .
3
Além disso, como a seqüência (fn ) é eqüicontı́nua em X, para todo y ∈ K
existe um intervalo aberto Iy de centro y, tal que
ε
x, y ∈ X ∩ Iy =⇒ |fn (x) − fn (y)| < , ∀ n ∈ N.
6
ε
Logo, |fn (x) − fn (z)| < quaisquer que sejam x, z ∈ Iy ∩ X e n ∈ N.
3
[
Como K é compacto e K ⊂ Iy , existem números y1 , . . . , yp ∈ K tais
y∈K

que K ⊂ Iy1 ∪ . . . ∪ Iyp .

Sendo D denso em X, existe, em cada um dos intervalos Iyj , um número


dj ∈ Iyj ∩ D.

Seja n0 = max{nd1 , . . . , ndp } e seja x ∈ K. Então, existe i ∈ {1, . . . , p} tal


que x ∈ Iyi .

Logo, se m, n > n0 temos


|fm (x) − fn (x)| ≤ |fm (x) − fm (di )| + |fm (di ) − fn (di )| + |fn (di ) − fn (x)|
ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3
Portanto, m, n > n0 e x ∈ K =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε.

Assim, (fn ) converge uniformemente em K. 

Observação 8.10 Se uma seqüência de funções fn : I −→ R, de-


riváveis no intervalo I, converge simplesmente em I para uma função f e,
além disso, |fn0 (x)| ≤ c para todo n ∈ N e x ∈ I, então a convergência é
uniforme em cada parte compacta de I.

Assim, por exemplo, a seqüência de funções fn (x) = xn (1 − xn ), que


converge simplesmente, mas não uniformemente, para a função f ≡ 0 no
intervalo [0, 1], só o faz porque as derivadas fn0 (x) = nxn−1 − 2nx2n−1 não
são uniformemente limitadas em [0, 1] por uma constante, pois fn0 (1) = −n
para todo n ∈ N.

58 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Definição 8.5 Um conjunto E de funções f : X −→ R diz-se simples-


mente limitado (ou pontualmente limitado) quando, para cada x ∈ X, existe
cx > 0 tal que |f(x)| ≤ cx para toda f ∈ E.

Assim, dizer que um conjunto E de funções é simplesmente limitado


significa que, para cada x ∈ X, o conjunto {f(x) | f ∈ E} é limitado.

Exemplo 8.9 Todo conjunto finito de funções é simplesmente limitado.




Definição 8.6 Um conjunto E de funções f : X −→ R diz-se uniforme-


mente limitado quando existe c > 0 tal que |f(x)| ≤ c para todo f ∈ E e
todo x ∈ X.

Logo, um conjunto E de funções é uniformemente limitado se os


gráficos de todas as funções de E estão contidos na faixa
{ (x, y) ∈ R2 | − c < y < c }.

Exemplo 8.10 Uma função não-limitada é um exemplo de um conjunto


simplesmente limitado que não é uniformemente limitado. 

Definição 8.7 Dizemos que uma seqüência (fn ) é simplesmente (ou


respectivamente, uniformemente) limitada, quando o conjunto de funções
{f1 , f2 , . . . , fn , . . .} é simplesmente (ou uniformemente) limitado.

Observação 8.11 Se cada função fn : X −→ R é limitada e fn −→ f


uniformemente em X, então f é limitada e (fn ) é uma seqüência uniforme-
mente limitada.

De fato, como fn −→ f uniformemente em X, existe n0 ∈ N tal que


|fn (x) − f(x)| < 1 para todo n ≥ n0 e x ∈ X.

Logo, |f(x)| ≤ |fn0 (x)| + 1 , para todo x ∈ X.

Como f1 , . . . , fn0 são limitadas em X, existe c > 0 tal que |fn (x)| ≤ c para
todo x ∈ X e todo n = 1, . . . , n0 .

Logo, f|(x)| ≤ c + 1 para todo x ∈ X e, portanto,


|fn (x)| ≤ |fn (x) − f(x)| + |f(x)| ≤ 1 + 1 + c , ∀x ∈ X , ∀n ≥ n0 .

Instituto de Matemática - UFF 59


Análise na Reta

Assim, |fn (x)| ≤ c + 2 para todo n ∈ N e todo x ∈ X, ou seja, a seqüência


(fn ) é uniformemente limitada em X.

Teorema 8.3 (Cantor-Tychonov)


Seja X ⊂ R um conjunto enumerável. Toda seqüência simplesmente lim-
itada de funções fn : X −→ R possui uma subseqüência simplesmente
convergente.

Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . .}. Como a seqüência (fn (x1 ))n∈N é limitada, ela possui
uma subseqüência convergente, ou seja, existe N1 ⊂ N infinito tal que
existe o limite a1 = lim fn (x1 ).
n∈N1

Sendo (fn (x2 ))n∈N1 uma seqüência limitada, existe N2 ⊂ N1 infinito tal que
o limite a2 = lim fn (x2 ) existe.
n∈N2

Prosseguindo desta maneira, podemos obter, para cada i ∈ N, um sub-


conjunto infinito Ni ⊂ N de modo que N1 ⊃ N2 ⊃ . . . ⊃ Ni−1 ⊃ Ni ⊃ . . . e,
para cada i, existe o limite ai = lim fn (xi ).
n∈Ni

Seja N? ⊂ N o subconjunto infinito de N, cujo i−ésimo elemento é o


i−ésimo elemento de Ni . Então, para cada i ∈ N, a seqüência (fn (xi ))n∈N?
é convergente, pois, a partir do seu i−ésimo termo, (fn (xi ))n∈N? é uma
subseqüência da seqüência convergente (fn (xi ))n∈Ni .

Logo, a subseqüência (fn (xi ))n∈N? é convergente para todo xi ∈ X. 

Teorema 8.4 (Ascoli-Arzelá)


Seja K ⊂ R compacto. Toda seqüência eqüicontı́nua e simplesmente
limitada de funções fn : K −→ R possui uma subseqüência uniformemente
convergente.

Prova.
Seja X ⊂ K enumerável denso em K. Então, pelo teorema 8.3, (fn ) possui
uma subseqüência (fn )n∈N 0 que converge simplesmente em X, pois (fn ) é
uma seqüência simplesmente limitada no conjunto enumerável X.

60 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Logo, pelo teorema 8.2, a subseqüência (fn )n∈N 0 converge uniformemente


em K, pois (fn )n∈N 0 é uma seqüência eqüicontı́ua em K que converge
simplesmente no subconjunto X denso em K. 

Corolário 8.1 Seja I um intervalo aberto. Toda seqüência eqüicontı́nua


e simplesmente limitada de funções fn : I −→ R possui uma subseqüência
que converge uniformemente em cada parte compacta de I.

Para demonstrar este corolário,


Prova. usaremos novamente o método
da diagonal de Cantor usado
Sejam K1 , K2 , . . . , Kn , . . . intervalos compactos tais que Ki ⊂ int Ki+1 para na prova do teorema de Cantor-
[ Tychonov.
todo i ∈ N e I = Ki .
i∈N

Então, cada compacto K ⊂ I está contido em algum dos Ki .


[
De fato, como K é compacto e K ⊂ int Ki , existem i1 , . . . , ın ∈ N tais que
i∈N

i1 < i2 < . . . < in e K ⊂ int Ki1 ∪int Ki2 ∪. . .∪int Kin . Logo, K ⊂ int Kin ⊂ Kin .

Basta, então, provar que (fn ) possui uma subseqüência que converge
uniformemente em Ki , para todo i ∈ N.

Aplicando sucessivamente o teorema 8.4, obtemos, como no teorema 8.3,


uma seqüência decrescente de conjuntos infinitos de números naturais
N1 ⊃ N2 ⊃ . . . Ni ⊃ de modo que, para cada i ∈ N, a subseqüência
(fn )n∈Ni convirja uniformemente em Ki .

Seja N? o subconjunto infinito de N, cujo i−ésimo elemento é igual ao


i−ésimo elemento de Ni .

Então, para cada i ∈ N, a subseqüência (fn )n∈N? converge uniformemente


em Ki , pois, a partir de seu i−ésimo termo, (fn )n∈N? é uma subseqüência
da seqüência (fn )n∈Ni que converge uniformemente em Ki . 

Teorema 8.5 (Ascoli-Arzelá)


Seja E um conjunto de funções contı́nuas definidas no compacto K ⊂ R.
As seguintes afirmações são equivalentes:

(1) E é eqüicontı́nuo e uniformemente limitado.

Instituto de Matemática - UFF 61


Análise na Reta

(2) E é eqüicontı́nuo e simplesmente limitado.

(3) Toda seqüência de funções fn ∈ E possui uma subseqüência uniforme-


mente convergente.

Prova.
É óbvio que (1)=⇒(2) e, pelo teorema 8.4, que (2)=⇒(3). Resta, então,
mostrar que (3)=⇒(1).

Suponhamos que toda seqüência de funções de E possui uma subseqüência


uniformemente convergente.

Afirmação 1: E é eqüicontı́nuo em K.
Suponhamos, por absurdo, que E não é eqüicontı́nuo em algum ponto
x0 ∈ K.

Então, existe ε0 > 0 tal que para todo n ∈ N existem xn ∈ K e fn ∈ E tais


que
1
|xn − x0 | < e |fn (xn ) − fn (x0 )| ≥ ε0 .
n
Por hipótese, existe N 0 ⊂ N infinito tal que a subseqüência (fn )n∈N 0 con-
verge uniformemente em K. Então, pela observação 8.6, o conjunto {fn | n ∈
N 0 } é eqüicontı́nuo em K. Existe, portanto, δ > 0 tal que
x ∈ K , |x − x0 | < δ =⇒ |fn (x) − fn (x0 )| < ε0 , ∀ n ∈ N 0 .
1
Em particular, tomando n ∈ N 0 , n > , temos que
δ
1
|xn − x0 | < < δ e |fn (xn ) − fn (x0 )| < ε0 ,
n
o que é uma contradição. Logo, (3) implica que E é eqüicontı́nuo.

Afirmação 2: E é uniformemente limitado.


Suponhamos, por absurdo, que E não é uniformemente limitado. Então,
para todo n ∈ N, existe fn ∈ E tal que supx∈K |fn (x)| > n.

Por hipótese, existe N 0 ⊂ N infinito tal que a subseqüência (fn )n∈N 0 é


uniformemente convergente em K.

Então, como cada função fn : K −→ R é limitada, pois fn é contı́nua num


compacto, e (fn )n∈N 0 é uniformemente convergente em K, temos, pela

62 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

observação 8.11, que (fn )n∈N 0 é uniformemente limitada, o que é uma


contradição. Logo, (3) implica que E é uniformemente limitado. 

8.1 Aplicação

Como aplicação do teorema de Ascoli-Arzelá, veremos um exem-


plo de um problema de máximo e mı́nimo no qual, em vez de um ponto,
busca-se uma função que torne máxima ou mı́nima uma certa expressão.
O estudo desses problemas constitui o Cálculo das Variações, onde o
teorema de Ascoli-Arzelá é um instrumento muito útil para demonstrar a
existência de soluções.

(I) Seja F o conjunto das funções contı́nuas f : [−1, 1] −→ [0, 1] tais


que f(−1) = f(1) = 1.
Z1
Para cada f ∈ F, seja A(f) = f(x) dx, a área compreendida entre
−1

o gráfico de f e o eixo−OX.

Figura 5: A(f) é a área da região hachurada.

Afirmação: Não existe f0 ∈ F tal que A(f0 ) seja mı́nima, ou seja,


A(f0 ) ≤ A(f) para toda f ∈ F.

De fato, para cada n ∈ N, a função fn : [−1, 1] −→ [0, 1], definida por


fn (x) = x2n pertence a F e
Z1
2
A(f) = x2n dx = .
−1 2n + 1

Logo, como A(f0 ) ≤ A(f) para toda função f ∈ F implica que

Instituto de Matemática - UFF 63


Análise na Reta

2
A(f0 ) ≤ A(fn ) = , ∀ n ∈ N,
2n + 1

terı́amos que A(f0 ) = 0, o que é um absurdo, pois A(f0 ) > 0 se f0 ∈ F, já


que f0 (x) ≥ 0 para todo x ∈ [−1, 1], f0 é contı́nua e f(−1) = f(1) = 1 > 0.

Provamos que, embora o inf{ A(f) | f ∈ F } seja zero, não existe f0 ∈ F


tal que A(f0 ) = 0.

Observe que o conjunto F é uniformemente limitado, mas não é


eqüicontı́nuo no intervalo [−1, 1].
1 1
De fato, seja ε0 = > 0. Como a seqüência 1/2n −→ 1, dado δ > 0,
3 2
1 1

existe n0 ∈ N tal que 1/2n − 1 < δ . Logo, xn0 = 1/2n ∈ [−1, 1] e

2 0 2 0

1 1 1

|fn0 (xn0 ) − fn0 (1)| = − 1 = > ε0 = ,
2 2 3

onde fn0 (x) = x2n0 pertence a F. Ou seja, existe ε0 > 0 tal que para todo
δ > 0 podemos obter xδ ∈ [−1, 1] e fδ ∈ F com |xδ −1| < δ e |fδ (xδ )−fδ (1)| >
ε0 . Logo, F não é eqüicontı́nuo.

(II) Seja c > 0 fixo e considere o conjunto Ec formado pelas funções


f : [−1, 1] −→ [0, 1] tais que f(−1) = f(1) = 1 e |f(x) − f(y)| ≤ c|x − y| para
quaisquer x, y ∈ [−1, 1].

Mostraremos, usando o teorema de Ascoli-Arzelá, que existe uma


função fc ∈ Ec tal que A(fc ) ≤ A(f) para toda f ∈ Ec .

• O conjunto Ec é uniformemente limitado e eqüicontı́nuo. Além disso, se


fn ∈ Ec , n ∈ N, e fn −→ f simplesmente em [−1, 1], então f ∈ Ec .

De fato, f(1) = lim fn (1) = 1, f(−1) = lim fn (−1) = 1,


n→∞ n→∞

|f(x) − f(y)| = lim |fn (x) − fn (y)| ≤ c|x − y| ,


n→∞

e f(x) ∈ [0, 1] quaisquer que sejam x, y ∈ [−1, 1], pois


|fn (x) − fn (y)| ≤ c|x − y| e 0 ≤ fn (x) ≤ 1 , ∀ n ∈ N.

Seja µc = inf{ A(f) | f ∈ Ec }. Para cada n ∈ N, existe fn ∈ Ec tal que


1
µc ≤ A(fn ) ≤ µc + . Logo, lim A(fn ) = µc .
n n→∞

Assim, pelo teorema de Ascoli-Arzelá, a seqüência (fn )n∈N possui

64 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

uma subseqüência (fnk )k∈N 0 , que converge uniformemente para uma fun-
ção fc ∈ Ec . Logo,
Z1 Z1
A(fc ) = fc (x) dx = lim fnk (x) dx = lim A(fnk ) = µc ,
−1 k→∞ −1 n→∞

ou seja, A(fc ) é o valor mı́nimo de A(f) para f ∈ Ec .

Determinaremos, agora, a função limite fc , para todo c > 0.

• Para c > 1, temos que



 1
h i

 (1 − c) − cx , para x ∈ −1, − 1

 h1 c 1
i
fc (x) = 0 , para x ∈ − 1, 1 −

 hc i c


(1 − c) + cx , para x ∈ 1 − 1 , 1
c
é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.
1
Então, min{ A(f) | f ∈ Ec } = . De fato, como para toda f ∈ Ec :
c
◦ 1 − f(x) = |f(−1) − f(x)| ≤ c|x + 1| = c(x + 1) para todo x ∈ [−1, 1] e
1
h i
1−c(x+1) ≥ 0 se, e só se, x ∈ −1, − 1 , temos que f(x) ≥ (1−c)−cx ≥
c
1
h i
0 para todo x ∈ −1, − 1 .
c
◦ 1 − f(x) ≤ |f(1) − f(x)| ≤ c|1 − x| = c(1 − x) para todo x ∈ [−1, 1] e
1
h i
1−c(1−x) ≥ 0 se, e só se, x ∈ 1 − , 1 , temos que f(x) ≥ (1−c)+cx ≥ 0
c
1
h i
para todo x ∈ 1 − , 1 .
c
Logo, fc : [−1, 1] −→ R, definida acima, pertence a Ec , pois
0 ≤ fc (x) ≤ 1 para todo x ∈ [−1, 1] e:
1
h i
• se x, y ∈ −1, − 1 =⇒ |f(x) − f(y)| = c|x − y|.
c
1
h i
• se x, y ∈ 1 − , 1 =⇒ |f(x) − f(y) = c|x − y|.
c
1
h i h1 1
i
• se x ∈ −1, − 1 e y ∈ − 1, 1 − =⇒
c c c
1−c
|f(x) − f(y)| = 1 − c − cx = c − cx ≤ cy − cx = c|y − x| .
c

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Análise na Reta

h1 1
i 1
h i
• se x ∈ − 1, 1 − e y ∈ 1 − , 1 =⇒
c c c
1−c
|f(y) − f(x)| = 1 − c + cy = c + cy ≤ −cx + cy = c|y − x| ,
c
c−1 1−c
pois x ≤ =⇒ ≤ −x .
c c
1 1
h i h i
• se x ∈ −1, − 1 e y ∈ 1 − , 1 =⇒
c c
|fc (x) − fc (y)| = |(1 − c) − cx − (1 − c) − cy| = c|x + y| ≤ c|y − x| ,

pois x < 0.

Além disso, como f(x) ≥ fc (x) para todo x ∈ [−1, 1] e toda f ∈ Ec ,


temos que:

• A(f) ≥ A(fc ) para todo f ∈ Ec , ou seja,


1
A(fc ) = = min{ A(f) | f ∈ Ec } .
c
• Se g ∈ Ec e A(g) = min{ A(f) | f ∈ Ec }, então
Z1
A(g) = A(fc ) =⇒ (g(x) − fc (x)) dx = 0 =⇒ g ≡ f ,
−1

pois g − fc ≥ 0 em [−1, 1] e g − fc é contı́nua. Ou seja, fc é o único


”ponto”de mı́nimo do problema.

• De modo análogo, podemos provar que:

◦ para c = 1,


−x , se x ∈ [−1, 0]
fc (x) =

x , se x ∈ [0, 1]

é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.

Então min{ A(f) | f ∈ Ec } = 1 .

◦ para 0 < c < 1,




(1 − c) − cx , se x ∈ [−1, 0]
fc (x) =

(1 − c) + cx , se x ∈ [0, 1]

é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.

Então, min{ A(f) | f ∈ Ec } = 2 − c .

66 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Nas figuras abaixo mostramos os gráficos das funções fc em cada


um dos casos possı́veis.

Figura 6: Gráfico de fc para c > 1.

Figura 7: Gráfico de fc para c = 1.

Figura 8: Gráfico de fc para 0 < c < 1.

Instituto de Matemática - UFF 67


Análise na Reta

9. Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

O nosso objetivo agora é demonstrar o Teorema de Weierstrass


(caso particular do Teorema de Stone-Weierstrass) que diz que toda função
contı́nua pode ser uniformemente aproximada por uma função polinomial.

Tal técnica de aproximação desempenha um papel importante no


âmbito teórico e numérico.

As funções usuais da Análise (como sen x, ex , log x etc.) são analı́ti-


cas, isto é, admitem, em torno de cada ponto a do seu domı́nio, um de-
senvolvimento de Taylor, que representa a função dada como a soma de
uma série de potências:
X

f(x) = an (x − a)n .
n=0

Escrevendo
pn (x) = a0 + a1 (x − a) + . . . + an (x − a)n ,

temos que cada pn é um polinômio e


f(x) = lim pn (x)
n→∞

para todo x no intervalo de convergência da série.

Além disso, fn −→ f uniformemente em cada subconjunto compacto


do intervalo de convergência. Como já sabemos, as funções analı́ticas
são de classe C∞ .

Um resultado notável, demonstrado por Karl Weierstrass em 1885,


generaliza a situação acima descrita. Segundo Weierstrass, qualquer
função contı́nua f : [a, b] −→ R é limite uniforme de uma seqüência de
polinômios no intervalo [a, b]. Ou seja, dada f : [a, b] −→ R contı́nua e
dado ε > 0, existe um polinômio p tal que |f(x) − p(x)| < ε para todo
x ∈ [a, b].

PRIMEIRA DEMONSTRAÇÃO. Daremos a seguir três demonstrações do Teorema de Weierstrass. A


primeira é uma ligeira modificação, devida a Edmund Landau, da demons-
tração original de Weierstrass.

68 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Teorema 9.1 (Teorema de Aproximação de Weierstrass)


Dada uma função contı́nua f : [a, b] −→ R, existe uma seqüência de
polinômios pn tal que pn −→ f uniformemente em [a, b].

Prova.
Para cada n ∈ N, seja ϕn : R −→ R a função definida por


0 , se |t| ≥ 1 Edmund Georg Hermann Landau
ϕn (t) = (1 − t2 )n (1877-1938) Alemanha.

 , se |t| < 1 , Estudou matemática na Univer-
cn sidade de Berlim onde, sob a
orientação de Frobenius, finali-
onde zou o seu doutorado em 1899
Z1 com uma tese sobre teoria dos
cn = (1 − t2 )n dt . números. Em 1909 foi nomeado
para a cadeira de Minkowski
−1
na Universidade de Göttingen,
na Alemanha, tendo Hilbert e
Então, ϕn é contı́nua em R, ϕn (−t) = ϕn (t), para todo t ∈ R e
Klein como colegas. O princi-
Z1 pal trabalho de Landau foi na
ϕn (t) dt = 1. teoria analı́tica dos números e
−1 no estudo da distribuição dos
números primos. Em 1903 ele
• O teorema de Weierstrass resulta dos três lemas abaixo.  deu uma nova prova do teorema
dos números primos que diz que
o número de primos menores
Lema 9.1 Se 0 < δ < 1, então n→∞
lim ϕn (x) = 0 uniformemente para que n tende a infinito quando
n → ∞ tão rápido quanto
|x| ≥ δ. n
log n
. A sua prova foi mais
simples que as provas conheci-
das devidas a Vallée Poissin e
Prova. Hadamard. A partir desse tra-
balho Landau obteve resultados
Sendo ϕn uma função par, temos que: relativos à distribuição de ideais
primos em corpos de números
Z1 Z1 algébricos.
2 n
cn = (1 − t ) dt = 2 (1 − t2 )n dt
−1 0
Z1 Z1
n n
= 2 (1 + t) (1 − t) dt ≥ 2 (1 − t)n dt
0 0

2
= .
n+1

Logo, para todo n ∈ N,


(1 − x2 )n (1 − δ2 )n
δ ≤ |x| ≤ 1 =⇒ ϕn (x) = ≤ (n + 1) .
cn 2

Como (1 − δ2 ) é um número positivo menor que 1, temos que


(1 − δ2 )n+1 (n + 2)
lim (1 − δ2 )n (n + 1) = 0 , pois lim = 1 − δ2 < 1 .
n→∞ n→∞ (1 − δ2 )n (n + 1)

Instituto de Matemática - UFF 69


Análise na Reta

(1 − δ2 )n (n + 1)
Logo, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que < ε para todo
2
n ≥ n0 e, portanto, 0 ≤ ϕn (x) < ε para todo n ≥ n0 e todo x com |x| ≥ δ.

Figura 9: Gráficos de ϕn .

A figura acima ilustra a forma aproximada dos gráficos das funções ϕn . A


área subtendida pelo eixo das abscissas e cada gráfico é igual a 1, o que
obriga lim ϕn (0) = +∞.
n→∞

Se existisse ϕ = lim ϕn , terı́amos ϕ(x) = 0 para todo x 6= 0 e


n→∞
Z1
ϕ(x) dx = 1 .
−1

Uma função como essa é o que os fı́sicos chamam de função de Dirac.


Evidentemente, ela não é uma função no sentido usual. A formulação
matemática adequada das funções de Dirac se faz na Teoria das Distribuições.

Lema 9.2 Seja f : [0, 1] −→ R contı́nua, com f(0) = f(1) = 0. Considere


f definida e contı́nua em toda a reta pondo f(x) = 0 se x 6∈ [0, 1]. Para
todo x ∈ [0, 1] e todo n ∈ N, seja
Z1
pn (x) = f(x + t)ϕn (t) dt .
−1

Então, pn : [0, 1] −→ R é a restrição de um polinômio.

Prova.
Para x ∈ [0, 1], a mudança de variável y = x + t nos dá:
Z x+1 Z1
pn (x) = f(y)ϕn (y − x) dy = f(y)ϕn (y − x) dy ,
x−1 0

pois x − 1 ≤ 0 ≤ 1 ≤ x + 1, ou seja, [0, 1] ⊂ [x − 1, x + 1] para todo x ∈ [0, 1],

70 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

e f(x) = 0 para x 6∈ [0, 1].

Sendo x, y ∈ [0, 1], temos que y − x ∈ [−1, 1], e, portanto,

(1 − (y − x)2 )n X
2n
ϕn (y − x) = = ξi (y) xi .
cn
i=0

X
2n Z1
i
Logo, pn (x) = ai x para todo x ∈ [0, 1], onde ai = f(y) ξi (y) dy ,
i=0 0

i = 0, 1, . . . , 2n. 

Lema 9.3 Nas condições do lema anterior, tem-se n→∞


lim pn = f uniforme-

mente no intervalo [0, 1].

Prova.
Z1 Z1
Como ϕn (t) dt = 1 , temos f(x) = f(x) ϕn (t) dt . Logo,
−1 −1
Z1
pn (x) − f(x) = (f(x + t) − f(x))ϕn (t) dt ,
−1

para todo n ∈ N e todo x ∈ [0, 1].

Sendo f uniformemente contı́nua em R (por quê?), dado ε > 0, existe


δ > 0, δ < 1, tal que
ε
|t| < δ =⇒ |f(x + t) − f(x)| < , ∀ x ∈ [0, 1] .
3
Seja M = sup |f(x)|. Pelo lema 9.1, existe n0 ∈ N tal que
x∈[0,1]
ε
n > n0 , |t| ≥ δ =⇒ |ϕn (t)| < .
6M
Logo, para todo n > n0 e todo x ∈ [0, 1], temos que:
Z −δ Zδ
|f(x) − pn (x)| ≤ |f(x + t) − f(x)| ϕn (t) dt + |f(x + t) − f(x)| ϕn (t) dt
−1 −δ
Z1 Zδ
2M · ε ε 2M · ε
+ |f(x + t) − f(x)|ϕn (t) dt < + ϕn (t) , dt +
δ 6M 3 −δ 6M

ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3

Então, |f(x) − pn (x)| < ε para todo n > n0 e todo x ∈ [0, 1]. 

Instituto de Matemática - UFF 71


Análise na Reta

• Os lemas acima mostram que toda função contı́nua f : [0, 1] −→ R, tal


que f(0) = f(1) = 0, é limite uniforme de uma seqüência de polinômios. O
caso geral do Teorema de Aproximação de Weierstrass se reduz a este.

De fato, se g : [0, 1] −→ R é uma função contı́nua arbitrária, então


f : [0, 1] −→ R definida por
f(t) = g(t) − g(0) − t[g(1) − g(0)] ,

é uma função contı́nua tal que f(0) = f(1) = 0.

Logo, existe uma seqüência (pn )n de polinômios que converge uni-


formemente para f no intervalo [0, 1].

Então, qn (t) = pn (t) + g(0) + t(g(1) − g(0)), t ∈ [0, 1], é uma


seqüência de polinômios que converge para g uniformemente em [0, 1].

Finalmente, se h : [a, b] −→ R é uma função contı́nua, então


g : [0, 1] −→ R, definida por g(s) = h((1−s)a+sb), é uma função contı́nua
e, portanto, existe uma seqüência (qn ) de polinômios que converge uni-
formemente para g no intervalo [0, 1].

Logo, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


n > n0 e s ∈ [0, 1] =⇒ |qn (s) − g(s)| < ε .

Então, n > n0 e t ∈ [a, b] =⇒

t−a
   t − a  
t−a
  t−a 
qn −g = qn −h a+ (b − a)

b−a b−a b−a b−a

= |hn (t) − h(t)| < ε ,

t−a t−a
 
pois ∈ [0, 1], onde hn (t) = qn .
b−a b−a

Como hn é um polinômio para todo n ∈ N, provamos que existe uma


seqüência de polinômios que converge uniformemente para h no intervalo
[a, b].

SEGUNDA DEMONSTRAÇÃO. • Daremos, agora, a demonstração do Teorema de Weierstrass devida ao


matemático russo Sergei Bernstein.

Prova.
O n−ésimo polinômio de Bernstein da função f : [0, 1] −→ R é definido

72 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

por
Xn  k  n
Bn (x) = f xk (1 − x)n−k
n k
k=0

Como, pela fórmula do binômio de Newton,

X
n  
n
xk (1 − x)n−k = (x + (1 − x))n = 1 , (1)
k=0
k
Sergei Natanovich Bernstein
(1880-1968) Rússia.
podemos dizer que Bn (x) é uma média ponderada dos valores de f nos Na sua tese de doutorado na Sor-
bone de Paris (1904) resolveu o
1 2 n−1 19o Problema de Hilbert, enunci-
, 1 , com peso igual a nk xk (1 − x)n−k no ponto

pontos 0, , , . . . , ado em 1900, relativo a soluções
n n n
k analı́ticas de equações diferenci-
f , k = 0, 1, . . . , n. ais elı́ticas. Retornou à Rússia
n em 1905, e teve que fazer um
novo doutorado, pois naquele
Mostraremos que, se f : [0, 1] −→ R é uma função contı́nua, então os paı́s não eram válidos tı́tulos
acadêmicos estrangeiros. Na
polinômios de Bernstein Bn associados a f convergem uniformemente sua segunda tese de doutorado
(1913) resolveu o 20o problema
para f no intervalo [0, 1].
de Hilbert sobre as soluções
analı́ticas do problema de Di-
Ou seja, provaremos que dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que richlet para uma classe mais am-
n ≥ n0 =⇒ |f(x) − Bn (x)| < ε , ∀ x ∈ [0, 1] . pla de de equações elı́ticas não-
lineares. Em 1911 deu uma prova

Xn  
n k
construtiva do Teorema de Weier-
strass usando os polinômios que
Como f(x) = f(x) x (1 − x)n−k , temos que hoje são denominados com o seu
k=0
k
nome. Os trabalhos de Bernstein
deram grandes contribuições para
a axiomatização da teoria de
X
n
 k  n Probabilidades.
|f(x) − Bn (x)| = f(x) − f k
x (1 − x) n−k

n k


k=0

Xn  k  n
≤ f(x) − f xk (1 − x)n−k . (2)

n k

k=0

Como f é contı́nua em [0, 1], f é uniformemente conı́nua. Logo, dado


ε > 0, existe δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [0, 1] , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2
Além disso, como f([0, 1]) é compacto, existe M > 0 tal que |f(x)| < M
para todo x ∈ [0, 1].

O somatório da direita de (2) pode ser escrito na forma A + B, onde

Instituto de Matemática - UFF 73


Análise na Reta

X  k  n
A = f(x) − f xk (1 − x)n−k

n k

0≤k≤n
|x − k/n| < δ
ε X  
n k
≤ x (1 − x)n−k
2 k
0≤k≤n
|x − k/n| < δ

ε X n
n  
ε
≤ xk (1 − x)n−k = .
2 k 2
k=0

X  k  n
B = f(x) − f xk (1 − x)n−k

n k

0≤k≤n
|x − k/n| ≥ δ

X     n
k
≤ |f(x)| + f xk (1 − x)n−k
n k

0≤k≤n
|x − k/n| ≥ δ

X  
n k
≤ 2M x (1 − x)n−k
k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

X (nx − k)2
 
n k
≤ 2M x (1 − x)n−k
(nx − k)2 k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

2M X  
n
≤ (nx − k)2 xk (1 − x)n−k
δ2 n2 k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

2M X n
n  
≤ 2 2
xk (1 − x)n−k (nx − k)2
δ n k
k=0

2M X n
n  
= xk (1 − x)n−k (n2 x2 − 2knx + k2 ) . (3)
δ2 n2 k
k=0

Faremos, agora, uma estimativa do último somatório.

74 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Derivando, em relação a x, a fórmula do binômio de Newton

X
n  
n
n
(x + y) = xk yn−k , (4)
k=0
k

e multiplicando a identidade obtida por x, obtemos:

Xn  
n k n−k
n−1
nx(x + y) = k x y . (5)
k=0
k

Derivando (4) duas vezes em relação a x e multiplicando a igualdade


obtida por x2 , temos que:

X
n  
n k n−k
2 n−2
n(n − 1)x (x + y) = k(k − 1) x y . (6)
k=0
k

Fazendo y = 1 − x em (5) e (6), obtemos:

Xn  
n k
nx = k x (1 − x)n−k , (7)
k=0
k

e
X
n  
n k
n(n − 1)x 2
= k(k − 1) x (1 − x)n−k
k=0
k
Xn   Xn  
2 n k n−k n k
= k x (1 − x) − k x (1 − x)n−k .
k=0
k k=0
k

Logo,
X
n  
n k
2
k x (1 − x)n−k = n(n − 1)x2 + nx . (8)
k=0
k

Usando (1), (7) e (8) em (3), temos que


X
" n  
2M n k
B ≤ 2 2 n x 2 2
x (1 − x)n−k
δ n k
k=0
X X
n   n
#
n k n−k 2 k n−k
− 2nx k x (1 − x) + k x (1 − x)
k=0
k k=0

2M  2 2 2 2 2 2 2

= n x − 2n x + n x − nx + nx
δ2 n2
2M M
= 2
x(1 − x) ≤ 2 ,
δ n 2δ n

Instituto de Matemática - UFF 75


Análise na Reta

1
pois, para x ∈ [0, 1] , x(1 − x) ≤ .
4
M
Seja n0 ∈ N tal que n0 > .
εδ2
Então,
ε ε
n ≥ n0 =⇒ |f(x) − Bn (x)| ≤ A + B < + = ε , ∀ x ∈ [0, 1] . 
2 2

TERCEIRA DEMONSTRAÇÃO.
• A terceira demonstração que daremos do Teorema de Weierstrass é
devida ao matemático francês Henri Lebesgue (1897) e resulta dos quatro
lemas abaixo.

Lema 9.4 Existe uma seqüência de polinômios (pn ) tal que



lim pn (t) = t
n→∞

uniformemente para t ∈ [0, 1].

Henri Léon Lebesgue Prova.


(1875-1941) França.
Lebesgue recebeu seu diploma Tome p0 = 0 e, supondo definidos os polinômios p0 , p1 , . . . , pn , defina
de matemática em 1897 pela
École Normale Supérieure em 1 
t − pn (t)2 .

Paris. Durante dois anos estu- pn+1 (t) = pn (t) + (9)
dou intensamente os trabalhos de 2
Baire sobre funções descontı́nuas

e deu importantes contribuições Provaremos, por indução, que 0 ≤ pn (t) ≤ t para todo t ∈ [0, 1] e todo
nessa área. Em 1901 formulou
a sua teoria da medida e no seu n ∈ N.
trabalho Sur une généralisation
de l’intégrale définie, publicado no
Comptes Rendus em 29 de abril
Para isso, dado t ∈ [0, 1], considere a função f : [0, 1] −→ R definida por
de 1901, deu a definição da in- t − x2
tegral de Lebesgue que general- f(x) = x + .
iza a integral de Riemann. Esse
2
trabalho apareceu na sua tese t √ √
de doutorado Intégrale, longueur, Como f(0) = , f 0 (x) = 1 − x ≥ 0 e f( t) = t, temos que f é uma
2
aire, apresentada à Faculdade de
√ ht √ i
Ciências de Paris em 1902, e pub-
bijeção crescente de [0, t] sobre , t .
licada no mesmo ano nos Annali 2
di Matematica de Milão. √ √
Lebesgue realizou, também, im-
Em particular, 0 ≤ x ≤ t =⇒ 0 ≤ f(x) ≤ t.
portantes contribuições em outras
áreas como topologia, teoria do √
potencial, o problema de Dirichlet,
Sendo pn+1 (t) = f(pn (t)) , temos que se 0 ≤ pn (t) ≤ t para todo
no cálculo das variações, na teo-

ria de conjuntos e na teoria da di-
t ∈ [0, 1], então 0 ≤ pn+1 (t) ≤ t para todo t ∈ [0, 1]. Logo, esta de-
mensão. sigualdade é válida para todo n ∈ N e todo t ∈ [0, 1] .

Portanto, pn (t)2 ≤ t e daı́, por (9), 0 ≤ pn (t) ≤ pn+1 (t) ≤ t para todo
n ∈ N e todo t ∈ [0, 1].

76 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Logo, para todo t ∈ [0, 1], existe lim pn (t) = ϕ(t).


n→∞

Fazendo n → ∞ na relação que define pn+1 indutivamente em termos de


pn , obtemos que
1
ϕ(t) = ϕ(t) + (t − ϕ(t)2 ) ,
2

donde ϕ(t) = t se t ∈ [0, 1].

Além disso, como (pn ) é uma seqüência não-decrescente de funções


contı́nuas que converge pontualmente para uma função contı́nua, temos,
pelo teorema 2.2 (Dini), que pn −→ ϕ uniformemente em [0, 1] . 

Lema 9.5 Em qualquer intervalo compacto [a, b], a função f(x) = |x|
pode ser uniformemente aproximada por polinômios.

Prova.
Não há perda de generalidade em supor que o intervalo dado é da forma
[−a, a], com a > 0, pois todo intervalo compacto está contido num inter-
valo desse tipo.

Podemos, também, supor que a = 1, pois se lim pn (t) = |t| uniforme-


n→∞
t
mente para t ∈ [−1, 1], então os polinômios qn (t) = a pn são tais que
a
t

lim qn (t) = a = t uniformemente para t ∈ [−a, a].
n→∞ a

Seja (pn ) uma seqüência de polinômios que converge uniformemente



para t em [0, 1]. Então, qn (t) = pn (t2 ) define uma seqüência de polinômios

que converge uniformemente para t2 = |t| para t ∈ [−1, 1]. 

Observação 9.1 Como, no lema 9.4, p0 ≡ 0 e, para todo n ∈ N e todo


1 
t ∈ [0, 1], pn+1 (t) = pn (t) + t − pn (t)2 , podemos mostrar, por indução,
2
que pn (0) = 0 para todo n ∈ N.

Logo, os polinômios qn tais que lim qn (x) = |x| uniformemente em [a, b]


n→∞

são desprovidos de termo constante, isto é, qn (0) = 0 para todo n ∈ N.

De um nodo geral, se 0 ∈ [a, b] e f : [a, b] −→ R é tal que f(0) = 0, dada


uma seqüência de polinômios pn com lim pn (x) = f(x) uniformemente
n→∞

Instituto de Matemática - UFF 77


Análise na Reta

em [a, b], pondo cn = pn (0), temos que lim cn = 0. Logo, os polinômios


n→∞

qn (x) = pn (x) − cn , n ∈ N, são desprovidos de termo constante e contin-


uamos a ter lim qn (x) = f(x) uniformemente em [a, b].
n→∞

Definição 9.1 Uma função f : [a, b] −→ R chama-se linear quando é da


forma f(x) = αn + β, onde α e β são constantes.

O gráfico de f é, portanto, um segmento de reta não-vertical.

Definição 9.2 Uma função f : [a, b] −→ R chama-se poligonal quando


existe uma partição a = x0 < x1 < . . . < xn = b do intervalo [a, b] tal que
f|[ti−1 ,ti ] é linear para todo i = 1, . . . , n.

O gráfico de f é uma linha poligonal cujos lados não são verticais.

Observação 9.2 Uma função poligonal f : [a, b] −→ R fica inteira-


mente determinada pelos valores yi = f(xi ) que ela assume nos pontos
x0 = a, x1 , . . . , xn = b da subdivisão do intervalo [a, b]. Esses valores de-
terminam os vértices (xi , yi ) da linha poligonal que constitui o gráfico de
f.

Um exemplo simples de uma função poligonal não-linear é dado pela


função f(x) = |x| num intervalo contendo o zero.

Outro exemplo simples de uma função poligonal não-linear, que chamamos


de rampa, é dada por uma função contı́nua f : [a, b] −→ R, com a = x0 ≤
x1 ≤ x2 ≤ x3 = b, tal que f é zero no intervalo [a, x1 ], é linear no intervalo
[x1 , x2 ] e constante no intervalo [x2 , b].

Figura 10: Gráfico da rampa f.

78 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

• Se f : [a, b] −→ R é uma rampa tal que f(x) = α(x − x1 ) para todo


x ∈ [x1 , x2 ], então
α
f(x) = (x2 − x1 + |x − x1 | − |x − x2 |) ,
2
para x ∈ [a, b], que pode ser verificado facilmente.

• Toda função poligonal f : [a, b] −→ R, com vértices nos pontos (xi , f(xi )),
i = 0, 1, . . . , n, se exprime como soma f = f0 + f1 + . . . + fn de um número
finito de rampas f1 , . . . , fn e da função constante f0 ≡ f(a).

De fato, se


f(x) − f(a) , se x ∈ [a, x1 ]
f1 (x) =

f(x1 ) − f(a) , se x ∈ [x1 , b] ,




0, se x ∈ [a, xk−1 ]

fk (x) = f(x) − f(xk−1 ) , se x ∈ [xk−1 , xk ]




f(xk ) − f(xk−1 ) , se x ∈ [xk , b] ,

para 2 ≤ k ≤ n − 1, e


0 , se x ∈ [a, xn−1 ]
fn (x) =

f(x) − f(xn−1 ) , se x ∈ [xn−1 , b] ,

temos que f1 , . . . , fn são funções rampa e


f0 (x) + f1 (x) + . . . + fn (x) = f(x) ,

para todo x ∈ [a, b], pois:


X
n
◦ se x ∈ [a, x1 ] =⇒ fi (x) = f0 (x) + f1 (x) = f(x) .
i=0

◦ se x ∈ [xk−1 , xk ] , 2 ≤ k ≤ n − 1 =⇒
X
n X
k−1
fi (x) = f(a) + [f(xj ) − f(xj−1 )] + f(x) − f(xk−1 ) = f(x) .
i=0 j=1

◦ se x ∈ [xn−1 , b] =⇒
X
n X
n−1
fi (x) = f(a) + [f(xj ) − f(xj−1 )] + f(x) − f(xn−1 = f(x) .
i=0 j=1

Instituto de Matemática - UFF 79


Análise na Reta

Lema 9.6 Toda função poligonal f : [a, b] −→ R pode ser uniformemente


aproximada por polinômios.

Prova.
Como toda função rampa g : [a, b] −→ R é da forma
α
g(x) = (d − c + |x − c| − |x − d|) , onde a ≤ c ≤ d ≤ b ,
2
e a função módulo é uniformemente aproximada por polinômios em qual-
quer intervalo compacto, temos que toda função rampa pode ser uniforme-
mente aproximada por polinômios.

Logo, toda função poligonal f pode ser uniformemente aproximada por


polinômios, pois, como vimos acima, f é a soma de uma função constante
com um número finito de funções rampa 

• O teorema de aproximação de Weierstrass decorre então do lema acima,


juntamente com o seguinte.

Lema 9.7 Toda função contı́nua f : [a, b] −→ R pode ser uniformemente


aproximada por funções poligonais.

Prova.
Como f é uniformemente contı́nua no intervalo [a, b], dado ε > 0 existe
δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [a, b] , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2
1 δ
Seja n ∈ N tal que < e seja
n b−a

b−a
b − a
P = a, a + ,...,a + i ,...,b
n n
uma partição de [a, b]. Então,
ε
x, y ∈ [ti−1 , ti ] =⇒ |f(x) − f(y)| < , ∀ i = 1, . . . , n .
2
Seja g : [a, b] −→ R a função cujo gráfico é a poligonal com vértices nos
pontos (xi , f(xi )), i = 0, 1, . . . , n. Ou seja, g(xi ) = f(xi ) e g é linear em
cada intervalo [xi−1 , xi ].

Dado x ∈ [a, b], existe i ∈ {1, 2, . . . , n} tal que x ∈ [xi−1 , xi ]. Então,

80 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

|g(x) − f(x)| ≤ |g(x) − f(xi )| + |f(xi ) − f(x)|


ε ε
≤ |f(xi−1 ) − f(xi )| + |f(xi ) − f(x)| < + = ε,
2 2
pois, como g(x) pertence ao intervalo cujos extremos são f(xi−1 ) e f(xi ),
temos que |g(x) − f(xi )| ≤ |f(xi−1 ) − f(xi )| . 

Uma análise profunda das razões que fazem o tipo de argumento us-
ado na demonstração dada por Lebesgue funcionar, levou o matemático
americano Marshal Stone a obter, em 1937, uma generalização do Teo-
rema de Aproximação de Weierstrass, conhecido como Teorema de Stone-
Weierstrass que se aplica a espaços métricos compactos arbitrários.

Antes de enunciarmos o teorema precisaremos de algumas definições.

• Seja M um espaço métrico compacto. O conjunto C(M; R) de todas


as funções reais contı́nuas f : M −→ R é um espaço vetorial, no qual
consideramos a norma
kfk = sup{ |f(x)k | x ∈ M } .

Além disso, C(M; R) possui uma multiplicação. O produto de duas


funções f, g ∈ C(M; R) é a função f · g ∈ C(M; R), definida por
(f · g)(x) = f(x) · g(x), para todo x ∈ M.

Definição 9.3 Um subconjunto A ⊂ C(M; R) chama-se uma álgebra de


funções contı́nuas ou subálgebra de C(M; R), quando é um subespaço
vetorial e f, g ∈ A =⇒ f · g ∈ A.

Exemplos triviais de subálgebras de C(M; R) são o conjunto {0}, que


consiste apenas da função nula, e o próprio espaço C(M; R). Também
o conjunto das funções constantes M −→ R constitui uma álgebra de
funções contı́nuas. Os polinômios e as funções deriváveis f : [a, b] −→ R
são subálgebras de C([a, b]; R).

Definição 9.4 Diz-se que um subconjunto S ⊂ C(M : R) separa os pon-


tos de M quando, dados arbitráriamente x 6= y em M, existe f ∈ S tal que
f(x) 6= f(y).

Por exemplo, o conjunto dos polinômios separa os pontos de um

Instituto de Matemática - UFF 81


Análise na Reta

intervalo [a, b], pois a função p(x) = x, x ∈ [a, b], é um polinômio e


p(x) 6= p(y) se x 6= y.

Teorema 9.2 (Teorema de Stone-Weierstrass)


Sejam M um espaço métrico compacto e A ⊂ C(M; R) uma álgebra de
funções contı́nuas que contém as constantes e separa os pontos de M.
Então, A = C(M; R), ou seja, toda função contı́nua f : M −→ R pode ser
uniformemente aproximada por funções pertencentes a A.

• No caso em que M = [a, b] é um intervalo compacto da reta, o Teorema


de Aproximação de Weierstrass resulta do Teorema de Stone-Weierstrass,
pois o conjunto A = {p : [a, b] −→ R | p é um polinômio } é uma subálgebra
de C([a, b]; R) que contém as funções constantes definidas sobre [a, b] e
separa os pontos de [a, b].

82 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

9.1 Exercı́cios
Zb
1. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se f(x) xn dx = 0 para todo inteiro
a

n ≥ 0, então f é identicamente nula.


Zb
2. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se existe p ∈ N tal que f(x) xn dx =
a

0 para todo n ≥ p, então f é identicamente nula.

3. Seja f : [a, b] −→ R de classe C1 . Se uma seqüência de polinômios


qn converge uniformemente para f 0 no intervalo [a, b], então pn (x) =
Zx
f(a) + qn (t) dt define uma seqüência de polinômios pn tais que
a
pn −→ f e pn0 −→ f 0 uniformemente em [a, b].

Generalize o resultado para funções de classe Ck .

4. Mostre que o Teorema de Weierstrass não é válido para intervalos


não-limitados.

(Sugestão: Considere a função f(x) = ex em [0, ∞)).

5. Mostre que o teorema de Weierstrass não é válido para intervalos


limitados não fechados.
1
(Sugestão: Considere a função f(x) = em (0, 1]).
x

6. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Mostre que existe uma seqüência de


Zb Zb
polinômios (pn ) tal que pn (x) dx −→ f(x) dx.
a a

7. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Mostre que:

(a) se f é par, dado ε > 0¡ existe um polinômio p par tal que


|f(x) − p(x)| < ε , para todo x ∈ [a, b].

(b) se f é ı́mpar, dado ε > 0, existe um polinômio q ı́mpar tal que


|f(x) − q(x)| < ε , para todo x ∈ [a, b].

8. Seja f : [a, b] −→ R uma função contı́nua e seja (pn ) uma seqüência


de polinômios que converge uniformemente para f em [a, b]. Mostre

Instituto de Matemática - UFF 83


Análise na Reta

que se f não é um polinômio, então os graus dos polinômios pn não


são limitados.
(Sugestão: Um polinômio de grau N é determinado por seus valores em N + 1
pontos distintos x0 , x1 , . . . , xN pela fórmula:
X
N
p(xj )(x − x1 ) . . . (x − xj−1 )(x − xj+1 ) . . . (x − xn )
p(x) = ,
j=0
(xj − x1 ) . . . (xj − xj−1 )(xj − xj+1 ) . . . (xj − xn )

chamada fórmula de interpolação de Lagrange).

9. Se uma seqüência (pn ) de polinômios converge uniformemente para


uma função f : R −→ R em toda a reta, então f é um polinômio.

10. Mostre que o conjunto das funções q : [0, 2π] −→ R que têm a forma
X
n
q(x) = a0 + ( ak cos(kx) + bk sen(kx) ) ,
k=0

n ≥ 0, chamadas polinômios trigonométricos, é uma subálgebra de


funções contı́nuas no intervalo [0, 2π] que contém as constantes e
que não separa apenas o par de pontos 0 e 2π.

84 J. Delgado - K. Frensel

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