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RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo analisar a violência obstétrica, através de alguns
julgados, verificando qual a posição do poder judiciário sobre esta violência no Brasil, a qual
se caracteriza como grave problema social e pode ser classificada como uma violência de
gênero, simbólica e institucional. Muitas mulheres passaram por situação de violência
obstétrica, todavia, não conseguiam compreender que os acontecimentos vivenciados eram
violentos e mitigadores de direitos, em razão de ela ser naturalizada pela sociedade e pelas
instituições de saúde, públicas e privadas, diante das relações médico-pacientes ainda serem
hierarquizadas, nas quais o/a paciente está sempre em situação de subordinação e dominação.
A pesquisa, na sua coleta de dados, é de revisão bibliográfica, na qual foram selecionadas
quarenta e cinco referências, entre artigos científicos, livros, legislação e julgados extraídos
do sítio eletrônico jusbrasil, dos quais três foram citados no decorrer da pesquisa com o
intuito de demostrar de forma mais profícua o posicionamento do judiciário sobre o tema
investigado. Foi possível identificar, nos julgados, o aumento de denúncias específicas, assim
como o desconhecimento dos magistrados ao julgar os processos devido à falta de
informações sobre o tema, o que redunda, em algumas ocasiões, na mitigação de direitos pelo
próprio judiciário.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
*Trabalho elaborado para atender exigência curricular para conclusão do Curso de Bacharelado em Direito da
Faculdade de Ensino Superior da Paraíba - FESP, sob a orientação da profª Ms. Ana Carolina Gondim de
Albuquerque Oliveira, na área de direitos humanos, semestre 2018.2.
** Aluna regularmente matriculada sob o nº 2015110118, no 10º período do Curso de Bacharelado em Direito da
Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, semestre 2018.2. E-mail: cecilia.brito@fespfaculdades.edu.br
*** Doutoranda em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Paraíba
(PPGCJ/UFPB). Mestra em Ciências Jurídicas, área de concentração em Direitos Humanos pela UFPB.
Professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba (FESP). Coordenadora
de Pesquisa e Extensão da FESP Faculdades. E-mail: anagondim@fespfaculdades.edu.br.
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Neste sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou que, no ano de 2016,
tramitaram no Brasil mais de um milhão de processos referentes à violência contra a mulher,
o que equivale, em média, a 1 (um) processo para cada 100 (cem) mulheres brasileiras.
Contudo, conforme relatório do CNJ (2018) sobre o cadastro nacional de presos, publicado
em agosto do mesmo ano, apenas 0.96% dos presos foram condenados em razão de violência
contra a mulher.
Entretanto, para além das espécies de violências elencadas por lei, existe um tipo que
cada vez mais se constata na sociedade contemporânea: a violência obstétrica. Esta se
consubstancia como o conjunto de condutas que causa constrangimento ou danos às mulheres
durante o trabalho de parto, o parto propriamente e o pós-parto. Este tipo de violência é
caracterizado por agressões verbais, procedimentos médicos desnecessários e abusivos, lesões
corporais e negação dos direitos da parturiente, dentre outros.
Não obstante ser uma questão relativamente recente, já é possível encontrar estudos a
respeito do assunto. Todavia, a carência de lei específica que permita criminalizar o ato ainda
é um fator que desfavorece o processo de humanização nas relações médico-pacientes. Nessas
circunstâncias, faz-se necessário se valer de alguns pontos da legislação relativa à violência de
gênero ou à saúde da mulher para assegurar, ainda que minimamente, o cumprimento dos
direitos femininos. Nesse norte de ideias, para compreender o cenário da violência obstétrica,
imperioso se faz conhecer alguns dos motivos que ensejam a prática desses atos abusivos e
como se verifica a relação entre médicos e pacientes.
Há de se ressaltar que muitas mulheres passaram por situações de violência
obstétrica, mas não tinham consciência do que estava ocorrendo, em razão de desconhecerem
e naturalizarem o comportamento abusivo do médico ou da equipe médica, composta também
por enfermeiros (as), fisioterapeutas, técnicos (as) em enfermagem e outros profissionais da
saúde.
A inexistência de lei que criminalize a violência obstétrica leva as mulheres a
provocarem o Poder Judiciário, para que este se pronuncie e promova efetivamente algum
tipo de reparação. Dessa forma, esta pesquisa parte da seguinte problemática: qual a posição
do Poder Judiciário brasileiro sobre a violência obstétrica?
Para responder ao problema formulado, no que tange aos procedimentos
metodológicos, o presente artigo se configura como uma pesquisa bibliográfica na sua coleta
de dados, sendo utilizado o método dedutivo na sua análise, cujas fontes principais foram
artigos científicos, livros e alguns julgados, além de resultados de pesquisas desenvolvidas
por fundações acerca dos índices da violência obstétrica. Foi utilizado ainda um dossiê
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elaborado para subsidiar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), cujo objeto foi a
violência contra a mulher, a qual comprovou a urgente necessidade de políticas públicas que
tratem também da conscientização e prevenção da violência nos hospitais. Para maior
embasamento da pesquisa, foram utilizadas quarenta e cinco referências, dentro de uma
margem média de cinco meses de pesquisa.
Por fim, visando tornar mais objetiva a reflexão proposta, foram analisados julgados,
a partir do sítio eletrônico do Jusbrasil, no sentido de compreender se as decisões proferidas
pelo Poder Judiciário brasileiro cumprem seu dever de ceifar as atitudes inerentes à violência
obstétrica, verificando qual a sua incidência e frequência neste âmbito. A amostragem se deu
através dos resultados de busca pelo termo “violência obstétrica”, que gerou um universo de
catorze julgados, dos quais três foram selecionados como amostra para o desenvolvimento da
presente pesquisa.
A violência, muitas vezes vista como um fenômeno comum pela sociedade, tem se
proliferado nas mais diversas vertentes da vida social. No âmbito da saúde, especificamente
na área da obstetrícia, os questionamentos inerentes aos procedimentos durante a gestação da
mulher, quando estes são desrespeitosos e até mesmo violentos, deram origem ao termo
violência obstétrica.
Referida violência cresce imensuravelmente e, consoante a Fundação Perseu Ábramo
(2010), a cada quatro mulheres, uma sofre ou já sofreu violência obstétrica. Todavia,
concomitantemente ao crescimento da violência obstétrica, a luta pela humanização do parto
vem galgando espaço na busca pelo respeito e por condições dignas em uma fase tão
importante na vida da mulher.
A violência obstétrica é um termo utilizado para descrever diversas formas de danos
causados à mulher durante a gestação, no parto e no pós-parto. Considerada como uma “[...]
forma de violência de gênero que implica em desrespeito aos direitos humanos e da mulher,
caracteriza-se pela imposição de intervenções danosas à integridade física e psicológica das
parturientes” (SAUAIA; SERRA, 2016, p. 128). Sob esse liame de compreensão, Sousa
(2015, p. 7) preconiza que:
poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as
mulheres em situação de violência (BRASIL, 2013).
Para o inquérito, a CPMI recebeu o dossiê “Parirás com Dor” da Organização Não
Governamental (ONG) Parto do Princípio (Rede Parto do Princípio, 2012). Através dessa
CPMI, foi possível observar várias denúncias de violência no parto, principalmente contra
mulheres indígenas e negras, o que embasa as questões relativas à violência obstétrica como
violência de gênero. Ainda segundo o dossiê (2012), as mulheres são submetidas a inúmeros
procedimentos desnecessários que violam direitos, no entanto, essa realidade parece ser
ignorada pelos serviços e profissionais de saúde.
No segundo semestre de 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se
pronunciou a respeito da temática, não sendo essa a primeira vez, publicando em seis idiomas
uma declaração acerca da violência obstétrica, exigindo políticas e promoção à assistência
obstétrica humanizada, além de indicar a adoção de medidas governamentais no sentido de
abolir o desrespeito e abuso contra as mulheres durante o parto (SAUAIA; SERRA, 2016).
Portela e Silva (2017) e Estumano et al (2016) remetem às possíveis configurações
da violência obstétrica, sendo elas: violência obstétrica física, violência obstétrica psíquica e
violência obstétrica sexual. Com efeito, “independentemente das desculpas que a sociedade
dá, a violência contra a mulher não deve ser tolerada” (PARTO DO PRINCÍPIO, 2014, p. 4).
Os relatos citados a seguir foram extraídos da cartilha desenvolvida pela rede Parto
do Princípio, com o intuito de orientar mulheres para identificar e denunciar situações de
violência sofridas por elas. Tais depoimentos elucidarão as possíveis configurações da
violência obstétrica.
Eis um dos depoimentos: “veio um homem e subiu em cima da minha barriga. Eu só
gritava e pensava que ia morrer. Foi uma situação horrível” (Parto do Princípio, 2014, p. 16).
Situações como a deste relato são caracterizadoras de violência obstétrica física, que, segundo
Portela e Silva (2017), são ações que incidem sobre o corpo da mulher e causem dor ou dano
físico sem recomendação baseada em evidências científicas. Ainda segundo as autoras, no que
tange à violência psicológica, esta pode ser definida como toda ação verbal ou
comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade,
abandono, insegurança (PORTELA; SILVA, 2017).
Eu lembro que falavam assim pra mim: ‘Na hora de fazer, você tava gostando, não
é?’ É muita humilhação. Você tá lá sozinha, com dor, com medo, e as pessoas ainda
ficam falando desse jeito. Silvana, Rio de Janeiro-RJ (PARTO DO PRINCÍPIO,
2014, p.16)
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Por violência obstétrica sexual pode-se entender toda ação imposta à mulher que
“viole sua intimidade ou pudor, incidindo sobre seu senso de integridade sexual e reprodutiva,
podendo ter acesso ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo” (SANTOS,
2015, p. 9), conforme se depreende do relato a seguir: “o médico disse que tinha que cortar
(episiotomia) porque se ele não cortasse, eu ia ficar com a vagina larga e meu marido ia me
trocar por uma outra na rua” (PARTO DO PRINCÍPIO, 2014, p. 17).
Portanto, é possível observar quão cerceada é a autonomia da mulher em um
momento que deveria ser de total empoderamento. Segundo Guimarães (2016), é de
fundamental importância para a mulher a conquista dessa autonomia, para que possa se
expressar através do próprio corpo. Entretanto, existe uma constante dificuldade em perceber
a emoção do outro, o que mecaniza o trabalho de parto e gera consequências degradantes.
Partindo dessa premissa e com o intuito de firmar entendimento acerca do que vem a
ser a violência obstétrica, faz-se necessário o uso da definição utilizada pelas leis da
Venezuela e Argentina, países onde esta violência é tipificada, estando, inclusive, bem à
frente do Brasil, no que se refere às questões relativas à criminalização, identificação e
conceitos da violência em comento. Nesse diapasão, Leite (2016, p. 55) assevera que:
[...] é possível observar que a violência obstétrica é um fato presente que merece
grande atenção, tanto no âmbito jurídico quanto no hospitalar. Durante o ciclo
gravídico e puerperal as mulheres encontram-se em um estado extremamente
vulnerável, a salientar, psicológico e físico. Tal situação dificulta as possibilidades
reativas às questões de violência, concomitante agrava os danos psicológicos
causados. A violência obstétrica corresponde a uma forma específica da violência de
gênero, uma vez que há utilização arbitrária do saber por parte de profissionais da
saúde no controle dos corpos e da sexualidade das parturientes (Ley Organica sobre
el derecho de las mujeres a una vida libre de violência, Cap. III, Art. 14, Parágrafo
13, 2007).
Diante do exposto e da atual falta de respaldo legal no Brasil, no que diz respeito ao
tema, é irrefutável o fato de que a situação crítica das mulheres que tem seus direitos violados,
no momento do parto, necessita ser combatida. Para Leite (2016), o modelo ideal a ser
considerado, seria uma legislação que se inspirasse em ambos os países supracitados,
aproveitando os acertos de cada um.
Consigne-se ainda que, além de ferir a dignidade das mulheres, a violência obstétrica
também pode atingir o nascituro, colocando em risco a integridade física e outros direitos.
Existem vários procedimentos que são elencados como violadores também dos direitos do
bebê, tais como: negativa do clampeamento (corte) tardio do cordão, após o término das
pulsações; a interrupção do contato pele a pele com a mãe assim que nasce; e a mitigação da
amamentação na primeira hora de vida (Conversando..., 2015).
A lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) estabelece que
crianças e adolescentes têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,
portanto, digno. O ECA ainda determina que os estabelecimentos de saúde, públicos e
particulares, sejam obrigados a manter o alojamento conjunto, ou seja, possibilitar que o
recém-nascido permaneça todo o tempo junto de sua mãe (BRASIL, 1990).
Ainda neste sentido, a portaria nº 371/2014 do ministério da saúde assegura que o
bebê deverá ser colocado imediatamente no colo das mães após o nascimento (contato pele a
pele), devendo lá permanecer na primeira hora de vida, fortalecendo o vínculo entre os dois e
incentivando a amamentação. O cordão umbilical só deverá ser cortado quando parar de
pulsar, garantindo que a criança receba mais oxigênio nos primeiros momentos de vida.
Procedimentos de rotina só deverão ser realizados após este contato, exceto quando forem
necessários cuidados especiais.
As cesarianas desnecessárias e a manobra de kristeller, além de violentas com a mãe,
também causam danos ao bebê. Sousa (2015, p. 22) remete à constatação de que os bebês
nascidos de cirurgia apresentam maior taxa de morbidade neonatal, além de serem propensos
a problemas respiratórios (por terem sido retirados da barriga antes dos pulmões estarem
totalmente prontos, sem nenhum aviso do corpo, ou seja, sem a mãe entrar em trabalho de
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Além dos aspectos relativos ao gênero, é possível perceber outro tipo de violência
que caminha lado a lado com a obstétrica. Esta resulta em suposta camuflagem de atos que
dificultam a identificação e o combate da aludida violência. Tal espécie de violência é
apresentada por Bordieu (1998) e pode ser entendida como uma forma de coação, na qual há
imposição de algo que é aceito devido a crenças criadas no processo de socialização, ou seja,
o indivíduo reproduz os padrões e discursos impostos pelos costumes dominantes sem
questionamentos, por internalizá-los e considerá-los verdades. Nesse sentido, Rocha (2015,
[s/p]) complementa:
A violência simbólica, portanto, é uma violência que não é percebida como tal,
mesmo por quem a exerce, e consiste justamente no poder de inculcar disposições
duráveis, princípios de visão e de divisão de acordo com suas próprias estruturas,
disposições estas que não raras vezes são assimiladas passivamente pelos juristas,
tanto mais fortemente quanto mais bem inseridos estiverem no campo jurídico.
Brandt et al (2018) alerta que, apesar desta violência não ser tão visível quanto a
violência física, não é menos nociva, pois exerce grande poder psicológico sobre o indivíduo
que poderá permanecer na posição de dominado. A violência simbólica pode, desse modo, ser
compreendida como um meio mais sutil de dominação e exclusão social, uma vez que a
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Uma vez que a violência institucional se dá, portanto, nas relações desiguais de
poder, pode-se considerar a medicina como saber legitimado em meio a nossa
sociedade, como um aspecto que demonstra as violências sobre a relação entre
médico e paciente (QUEIROZ et al, 2017, p. 68).
Até a metade do século XVIII, as pessoas não saiam do hospital. Ingressavam nele
para morrer. A técnica médica do século XVIII não permitia que o indivíduo hospitalizado
abandonasse a instituição com vida. O hospital era um claustro para morrer, um verdadeiro
“morredouro” (FOUCAULT, 2010). Nessa mesma época, acompanhando o momento de
mudança, o parto e o nascimento, que eram vistos como um evento fisiológico e feminino,
começaram a ser encarados como um evento médico e masculino, incluindo a noção do risco
e da patologia como regra e não mais exceção (ZANARDO et al, 2017). Com a inserção
11
Quando o médico chegou, pedi para deixar o meu marido entrar. Ele não quis
deixar, mas meu marido estava com o papel da Lei que permite acompanhante no
parto e ele mostrou para o médico. O médico se virou para o meu marido e disse
‘Então eu vou embora e você faz o parto’. C.M., atendida na rede pública,
Barbacena (MG) (PARTO DO PRINCÍPIO, 2014, p. 65).
Nesse norte de ideias, pode-se dizer que a negativa de direitos, agregada à uma
cultura de soberania médica, resulta em um sistema de assistência ao parto caótico e
desrespeitoso. Tal situação se torna ainda mais crítica quando observados os direitos da
mulher e a apatia do sistema jurídico diante do cenário calamitoso que infringe claramente o
estado democrático de direito.
À luz desse entendimento, Cunha (2015) considera que a ausência de legislação que
defina e puna a violência obstétrica pode ser suprida pelos princípios gerais do direito, bem
como pelos princípios constitucionais, também considerados normas, embora mais amplos e
com maior abertura de discussão sobre seu alcance e significado.
É importante salientar que, no sistema jurídico brasileiro, já existem algumas leis que
norteiam procedimentos relativos ao atendimento das necessidades básicas das gestantes,
como a lei nº 9.263/1996, a qual determina que as instâncias do Sistema Único de Saúde
(SUS) têm obrigação de garantir, em toda a sua rede de serviços, programa de atenção integral
à saúde, incluindo atividades básicas, assistência à concepção e contracepção, atendimento
pré-natal e assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato. Desse modo, Sauaia e Serra (2016,
p. 130) estabelecem que:
Desse modo, é possível, ainda que de forma complexa, buscar vertentes jurídicas que
resguardem a mulher com relação à prática da violência obstétrica, para isso, é necessária a
disseminação da informação e dos direitos da mulher no que diz respeito ao tema. Além disso,
é imperioso encorajá-las a denunciar as práticas abusivas, tendo em vista que apenas tornando
presente o tema na seara jurisdicional é que se ganhará enfoque no intuito de desenvolver
vertentes que previnam, combatam e punam efetivamente esse tipo de violência.
A lei nº 9.263/1996 prevê, em seu artigo 3º, que o planejamento familiar é parte
integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma
visão de atendimento global e integral à saúde. Ainda consta na lei o direito à assistência no
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pré-natal, parto e pós-parto (BRASIL, 1996). Já a lei nº 11.108/2005, conhecida como “lei do
acompanhante”, garante à parturiente o direito de indicar um acompanhante, de qualquer
sexo, durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (BRASIL,
2005).
Por sua vez, a lei nº 11.634/2007 determina que toda gestante assistida pelo SUS tem
direito ao conhecimento e à vinculação prévia à maternidade na qual será realizada seu parto,
bem como à maternidade na qual ela será atendida nos casos de intercorrência pré-natal
(BRASIL, 2007). No âmbito municipal, há de se destacar a lei nº 13.080/2015, que assegura
nas maternidades do município de João Pessoa a presença da doula durante todo o período do
pré-parto, parto e pós-parto, se solicitada pela parturiente, inclusive em caso de parto
cirúrgico (PARAÍBA, 2015).
No que tange às normas internacionais, das quais o Brasil é signatário estão: o Pacto
de San José da Costa Rica, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas e
Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, 1994). Nesse sentido, pode-se
dizer que:
fatos que comprovam a existência de condutas violentas, julgando-as inviáveis ou sem nexo.
Ainda, a falta de correlação entre a violência obstétrica e outros tipos de violência,
especialmente a de gênero, limita a possibilidade de analogia e cerceia a oportunidade de a
mulher se sentir minimamente compensada.
Ademais, segundo a Fundação Perseu Ábramo (2010), o índice de violência é maior
na rede pública que na rede privada de saúde. Inegavelmente, a maioria da população
brasileira utiliza o sistema de saúde pública e muitas dessas pessoas são hipossuficientes
economicamente. Muitas usuárias da estrutura da saúde pública não possuem alta
escolaridade, tampouco são conhecedoras de seus direitos, fatores que, somados, possibilitam
a ocorrência da violência obstétrica. A falta de condição financeira, aliada ao
desconhecimento de direitos, também, por si só, são fatores mitigadores do exercício do
direito ao acesso à justiça, significando dizer que a violência obstétrica está entrecortada e
protegida por uma série de direitos violados ou cerceados das mulheres.
Para tanto, Leite (2016) alerta para a imprescindível necessidade de investimento na
capacitação das pessoas pertencentes ao poder judiciário para que possam enfrentar tais casos
de maneira a abarcar toda a sua complexidade, dando à temática relevância e tratamento
adequados, além de oportunizar um respaldo jurídico para as mulheres vítimas dos atos
violentos.
Com efeito, a disseminação de uma cultura de desrespeito ao corpo faz com que a
população aceite passivamente tudo o que o profissional de saúde fizer, achando que,
justamente por sua condição de detentor do conhecimento técnico, tudo o que ele fizer estará
correto. Este é um dos fatores que levam ao baixo índice de denúncias de violência obstétrica
(SANTOS, 2016).
Conforme será possível observar no julgado a seguir, a falta de preparação acerca do
assunto, ao julgar como ausência de ato ilícito uma conduta médica totalmente condizente aos
atos de violência obstétrica, cerceia o direito da mulher à justiça, além de ferir completamente
o que preconizam os direitos humanos e as convenções para erradicar as violências contra a
mulher:
desrespeito, passada a cada nova geração, e visto como conduta adequada e inviável de
condenação.
Vale a pena destacar ainda que tramita no congresso nacional o projeto de lei (PL)
nº 7.633/2014, que dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao neonato e dá
outras providências. O projeto de lei trata também do parto humanizado e combate a prática
indiscriminada de cirurgias cesarianas, com intuito de mantê-las no patamar recomendando
pela OMS, ou seja, em 15% dos casos (ZANARDO et al, 2017; LEITE, 2016). A aprovação
do referido projeto de lei representa um marco na evolução das questões inerentes à
violência obstétrica, inclusive na seara jurídica. Entretanto, diante da ausência de legislação
específica, conforme salienta Sauia e Serra (2016), não há motivos para impedir que os
aplicadores do direito possam punir a prática, uma vez que a norma constitucional está
fundada em princípios que devem ser aplicados em caso de omissão legislativa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
ABSTRACT
The present work developed a study on obstetric violence. It was sought through some judges
to observe the position of the Judiciary on obstetric violence in Brazil. The violence under
study is characterized as a serious social problem and can be classified as a symbolic,
institutional and gender violence. Many women suffered from obstetric violence, however,
they could not understand that the events experienced were violent and rights-damaging
because they were naturalized by society and by public and private health institutions, as the
medical-patient relationships were still hierarchical, where the patient is always in a situation
of subordination
and domination. The research was a bibliographical review where forty-five references were
selected among scientific articles, books, legislation and judgments extracted from the
JusBrasil website, of which three were cited in the course of the research in order to
demonstrate in a more profitable way the position of the Judiciary on the subject investigated.
Among other factors, misinformation about women's rights regarding childbirth results in
apathy regarding the violence suffered. However, it was possible to identify the increase in
specific complaints regarding the presence of the term Obstetric Violence in the judges, as
well as the existence of the lack of knowledge of magistrates in judging cases due to a lack of
knowledge about the subject matter, which some occasions, in mitigation of rights by the
Judiciary itself.
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CECÍLIA MARIA COSTA DE BRITO
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