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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

A DIFíCil ADMINISTRAÇÃO DAS


-
MOTIVAÇOES

Cecília Whitaker Bergamini


Professora do Departamento de Administração
Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV.

RESUMO: As teorias motivacionais acusam dois enfoques diferentes a respeito do estudo do comportamento hu-
mano. O primeiro tende a considerar o ser humano como sendo passível aos estímulos vindos do meio ambiente,
sendo conhecido como enfoque behaviorista. O segundo enfoque explora a energização e a direção do comporta-
mento humano. A energia na teoria motivacional é fundamentalmente uma questão de satisfação das necessida-
des internas. A direção do comportamento motivacional é uma questão de processos e estruturas que dão sentido
aos estímulos internos ou externos, dirigindo a ação humana no sentido da satisfação de necessidades. Durante a
busca da satisfação motivacional as pessoas enfrentam problemas que são realmente de difícil resolução. Para
manterem-se a salvo de ter que enfrentar tais problemas, as pessoas procuram usar algum tipo de ilusão perceptiva.
Assim, socorrem-se dos mitos para poder acreditar que a realidade vista não seja verdadeira.

ABSTRACT: Motivation theories point out two different approaches about this subject. The first one tends to view the
human being as passive to environmental stimuli - this approach is known as the behaviourist view. The second
approach explores the energization and direction of motivational behaviour. The energy in motivational theory is
fundamentally a question of intrinsic needs. The direction of motivational behaviour is known as a question of
processes and structures that give meaning to internai and externai stimuli directing human action towards the
satisfaction of these needs. During the search of motivational satisfaction people face problems which are really
hard to solve. To avoid the discomfort of having to face these problems people tend to use myths that allow them to
believe that the reality they see is different from the truth. These are the iIIusions they use to keep on living without
the problems they don't want to face.

PALAVRAS-CHAVE: motivação, energização, comportamento, necessidades intrínsecas, satisfação,


ilusões, mitos.

KEY WOROS: motivation, energization, behaviour, intrinsic needs, satisfaction, iIIusions, myths.

6 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 38, n. 1, p. 6-17 Jan./Mar. 1998
A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

É muito comum que se caia na tentação deres eficazes façam por suas empresas, caso
de afirmar que uma das principais responsa- pretendam ajudá-las. As condições em que as
bilidades dos gerentes seja a de motivar seu mudanças estão ocorrendo são, sem dúvida
pessoal. Por anos a fio, vem-se tentando con- alguma, claramente adversas ou, como pro-
seguir sucesso nesse tipo de empreitada e, põem alguns autores, "mais turbulentas, mais
embora praticamente nada se tenha conse- caóticas e mais desafiadoras do que nunca".'
guido, os conselhos continuam a brotar de
todos os lados e receitas das mais variadas
têm sido oferecidas para que se obtenha aqui-
lo que um grande número de publicações em
o fim dos empregos é uma
psicologia considera um verdadeiro milagre. realidade, tendo em vista que,
A primeira preocupação que surge é saber
se todos aqueles que descrevem a atividade
após anos de previsões otimistas e
gerencial como geradora de motivação es- alarmes falsos, a nova tecnologia
tão falando a respeito do mesmo assunto.
É difícil acreditar que, apesar de muito uti- de informática e comunicação faz
lizada e discutida nas organizações, a moti- finalmente sentir seu violento
vação seja objeto de considerações tão dife-
rentes entre si. Isso indica, não há dúvida, que impacto.
o interesse pelo assunto é grande. Não há
como negar: esse é o tema que há mais de
uma década está em grande evidência! Algo,
no entanto, é comum entre muitas dessas in- Já há algum tempo tenta-se transmitir a
terpretações que as pessoas, no geral, ofere- magnitude dos desafios com os quais se de-
cem quando falam do assunto: raramente as frontam as organizações quando se conside-
opiniões, crenças e mitos nasceram de infor- ra tudo aquilo que está ocorrendo. Mesmo
mações oferecidas pelas pesquisas científicas. assim está fora de cogitação que se consiga
Assim, o que a maioria das pessoas sabe ou ver com exatidão as dimensões daquilo que
diz saber a respeito da motivação pede maior está sendo necessário enfrentar.
esclarecimento e cautela, levando em conta A tecnologia, particularmente no tocan-
tudo o que se tem estudado sobre ela. te às comunicações, está hoje mudando em
Por outro lado, muitas vezes não é tão um ritmo mais rápido do que nunca na his-
fácil descobrir porque as pessoas agem de tória da humanidade. Nos últimos 50 anos,
determinadas maneiras. Isso provavelmente não se havia visto tal agilidade em mudar,
se deve ao fato de que nem sempre cada uma sendo essa reviravolta de cenário considera-
delas faz as mesmas coisas exatamente pe- da a maior e mais rápida até então.
las mesmas razões. Pesquisas feitas sobre o Até certo ponto atônitas, as pessoas e as
comportamento motivacional revelam que organizações, em conjunto, têm sido cons-
não somente os objetivos que cada um pro- trangidas a viver sob a pressão da procura
cura atingir são diferentes daqueles que ou- de alguma estratégia que lhes permita do-
tros almejam, mas também que as fontes de minar esses novos desafios. Acontece, no
energia responsáveis por disparar esse tipo entanto, que o instrumental, os processos e
de comportamento são diferentes. Assim a própria tecnologia disponível ao alcance
sendo: o estudo da motivação humana diz dos administradores estão, igualmente, se
respeito à descoberta do porque as pessoas modificando. Tudo isso delineia um cená-
se movimentam e qual a fonte de energia que rio que, de certa forma, já havia sido ante-
estão usando para tanto. cipado, mas, que por alguma desatenção de
nossa parte, não se acreditava tão iminen-
QUAL É O CENÁRIO DE TRABALHO te. O desafio chegou de fato e, ainda expe-
ATUAL? rimentando algum despreparo, as pessoas
parecem dispostas a ensaiar os primeiros,
o mundo todo vive um momento em que mas ainda hesitantes, passos para não su-
o grande desafio é, sem dúvida, conseguir do- cumbirem nem serem definitivamente tra- 1. KANTER, R. M. Managing lhe human
síde Df change. In: KOLB, D. A., Osland, J.
minar a mudança. Ultrapassar essa etapa é gadas - ou pegas de surpresa - por ele quan- 5., RUBIN, I. M. The Organizational
aquilo que de melhor se pode esperar que lí- do não houver mais tempo para reagir. Behavior Reader, N.J., 1995.

© 1998, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 7
Um bom número de obras contendo os lugar daqueles que usavam suas capacidades
mais variados tipos de análise sobre as difi- a serviço de uma atividade criativa.
culdades de inserção no mercado de traba- Resulta disso tudo que os empregados não
lho tem sido divulgado e consumido rapida- podem mais acalentar as mesmas expectati-
mente. Da mesma forma que, no caso dos vas de um relacionamento em longo prazo
livros de auto-ajuda, as pessoas estão mais com uma determinada instituição de traba-
desejosas do que nunca de encontrar uma lho. De um momento para o outro, sem que
solução para suas aflições existenciais, que seja possível ter tempo suficiente para pre-
são as prováveis barreiras à realização pes- parar-se, a promessa de um emprego para
soal. Uma dessas aflições diz respeito ao re- toda a vida torna-se cada vez mais difícil de
ferencial de auto-estima representado pelo ser sustentada.
significado que o trabalho tem para cada um Alguns autores como Leboyer,:' por
dos seres humanos. exemplo, salientam que pesquisas atuais
O fim dos empregos é uma realidade, ten- apontam para uma crise de motivação que
do em vista que, após anos de previsões oti- afeta indistintamente todas as categorias pro-
mistas e alarmes falsos, a nova tecnologia fissionais. Ouve-se em todos os setores de
de informática e comunicação faz finalmen- atividade queixas do desaparecimento dos
te sentir seu violento impacto. As pessoas valores tradicionais e do fato de a consciên-
custaram a entender que não se tratava de cia profissional parecer não mais existir: de-
simples e inocentes exercícios de futurologia. votar-se ao trabalho parece em desuso e até
Esse desfecho já havia sido prognosticado há ridículo. Para a autora, o significado do tra-
muito, a partir do momento em que se pro- balho está enfraquecido, portanto seu valor
curou cotejar a permeabilidade do mercado freqüentemente se limita às vantagens mate-
de trabalho em face da globalização da eco- riais que ele traz e suportá-lo se prende à
nomia vigente no mundo inteiro. Como re- necessidade de ganhar a vida. O trabalho vem
sultado chegou-se ao delineamento de uma rea- sendo considerado uma atividade desprovi-
lidade na qual milhões de trabalhadores têm da de qualquer dimensão ética, boa apenas
sido diariamente eliminados do processo eco- para assegurar o futuro econômico. A
nômico ativo, fazendo com que funções e ca- constatação desse cenário deixa perplexos
tegorias inteiras de trabalho venham sendo aqueles que acreditam no trabalho como re-
drasticamente reduzidas, assim como outras ferencial de auto-estima; parece impossível
se tenham reestruturado, exigindo competên- gerir qualquer atividade humana quando o
cias inéditas até então, sem falar naquelas que trabalho perdeu o sentido para tantos.
definitivamente já desapareceram.' Como conseqüência, nas mais variadas
Mais do que nunca cada um de nós está culturas surgem conclusões claras de que atual-
se vendo compelido a ter que comprovar seu mente os empregados sejam menos leais,
valor diante de um mercado de trabalho no menos comprometidos com suas antigas fi-
qual, além de outros concorrentes rivais, há delidades e finalmente menos estáveis do que
que se procurar valer mais do que as máqui- nunca. É como se acreditassem que suas car-
nas que nos ameaçam como nossos prová- reiras dentro das organizações não têm a
veis substitutos. Deixando de lado a espe- mesma vida longa nem o mesmo significado
cialização em profundidade torna-se impor- de antes. Para sobreviver, por outro lado, as
tante a visão generalista e interdisciplinar. próprias organizações têm procurado adap-
Reinterpretando a história, registra-se que tar-se de maneira a adotarem estruturas mais
no início deste século foi necessário que os flexíveis, uma vez que as reorganizações es-
trabalhadores lutassem para se saírem ven- tão, mais que nunca, presentes no cenário
cedores no defrontamento entre o ser huma- atual. Tal habilidade de mudança assegura
no e a máquina, exatamente no momento em condições de se entrar ou sair de um certo
que novas tecnologias industriais ameaçavam tipo de negócio e permite também um rápi-
2. RIFKIN, J.o fim dos empregos, o
substituir sua força muscular. Atualmente, do planejamento de novos produtos no mo-
declínio inevitável dos níveis de embora menos pesadas, mas igualmente amea- mento em que as circunstâncias vigentes num
empregos e a redução da força global
de trabalho. São Paulo: Makron Books,
çadoras e de maneira muito mais refinada determinado mercado também se alteram.
1996. do que antes, as tecnologias em informática Assim sendo, como um tipo de resposta
3. LEVY-LEBOYER, C. A crise das
parecem prontas para substituir as mentes absolutamente conseqüente, os empregados
motivações. São Paulo: Atlas, 1994. humanas e colocar máquinas inteligentes no mostram-se mais exigentes quanto aos ní-

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A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

veis de compensação que devem receber das ONDE ENTRA A MOTIVAÇÃO? ..


empresas nas quais trabalham, pois vislum-
bram que a qualquer momento podem estar A partir do momento em que se torna pos-
de novo disponíveis no mercado de traba- sível perceber uma certa estabilidade econô-
lho. O dinheiro poupado lhes ajudará tal- mica, como o que se começa a viver no Bra-
vez a enfrentar períodos de espera de uma sil atual, aliada ao desafio da mudança oca-
nova contratação que cada vez se tornam sionada principalmente pela quebra do há-
mais longos. bito de viver sob o ritmo da dança inflacio-
As organizações também se defendem nária, há que se admitir o nascimento de uma
dos perigos de uma fidelidade irrestrita à sua nova era para a administração.
mão-de-obra. Sem se indagarem a respeito Considerando também que a tecnologia
das conseqüências da adoção de emprega- de comunicação tem feito com que o mun-
dos temporários, abrem suas portas à tercei- do pareça ter encolhido e que um grande
rização. O emprego que antes representava número de atividades rotineiras tenham sido
um referencial de valorização pessoal já não engolidas pelos avanços no campo da com-
oferece os antigos parâmetros de automere- putação, o redesenho de um grande número
cimento. A ameaça constante da perda do de cargos impôs-se como condição de so-
emprego faz com que as pessoas se sintam brevivência das organizações. Novamente
próximas do limite de serem consideradas as pessoas dentro das organizações voltam
como improdutivas ou até imprestáveis." à cena como algo mais preocupante e cla-
Para elas é melhor estagnar em um nível da ramente um tanto mais problemático do que
hierarquia organizacional para não arriscar qualquer outro insumo desfrutado pelas or-
a pouca previsibilidade e segurança que acre- ganizações.
ditam ter no emprego atual. Embora um número expressivo de novas
As pessoas têm se visto obrigadas a idéias tenha modificado para, talvez, melhor
aprender a viver um tipo de vida no qual o contexto organizacional, problemas conti-
quase nada permanece estável por muito nuam se interpondo entre as pessoas, as mis-
tempo, um mundo no qual a maior certeza sões e os objetivos organizacionais.
passa a ser aquela do constante vir-a-ser, pois No momento atual, as pessoas parecem
tudo está em movimento ininterrupto. Como movimentar-se desordenadamente, de ma-
se trata de um clima generalizado de muta- neira a tornar improdutiva toda e qualquer
ções constantes, os clientes, sejam internos tentativa de controle. Esse movimento espon-
ou externos às organizações, também pres- tâneo tem inquietado os administradores, que
sionam para que rotinas antigas sejam subs- parecem ter assumido como principal desa-
tituídas por outras mais ágeis e rápidas a fim fio a indagação proposta por Sievers: "como
de poderem atender as necessidades e dese- é possível conseguir que as pessoas produ-
jos daqueles que esperam por satisfações zam sob condições em que elas normalmen-
mais imediatas no mercado consumidor. É te não estariam motivadas a trabalhar?":"
como se ninguém mais soubesse ter a paciên- Parte da resposta a tais indagações está ine-
cia de esperar. Tanto clientes como empre- quivocamente ligada à psicodinâmica do
gados sabem que novas e mais diversifica- comportamento motivacional como fonte de
das opções existem em algum lugar, sendo energia praticamente em estado de ebulição
isso o suficiente para que mudem de manei- dentro de cada uma das pessoas. Esse tipo
ra imprevisível suas escalas de prioridades, de movimento engrenado é qualitativamen-
deixando de lado o seu vínculo com a em- te diferente daquele que leva as pessoas a se
presa, que anteriormente era mais estável, comportarem, de alguma forma, impulsio-
senão vitalício. nadas pelos prêmios ou retidas pelas puni-
Por um lado todos concordam que é pre- ções existentes no meio ambiente. Trata-se
ciso mudar, mas por outro ainda têm muitas de algo independente e que parece nascer do
dúvidas a respeito dos novos perfis de capa- mundo interior de cada um, escapando a
cidades a serem desenvolvidos sob a reco- qualquer tentativa de controle.
4. RIFKIN, J. Op. cit.
mendação de consultores e especialistas em Em um momento que a tecnologia se tor-
administração. Ninguém tem condições de na mais refinada, a forma de analisar e en- 5. SIEVERS, B. Além do sucedâneo da
motivação. Revista de Administração de
garantir nada e essa incerteza tem sido terri- tender o comportamento motivacional das Empresas, São Paulo, Fundação Getúlio
velmente desgastante. pessoas está sendo considerada como algo Vargas, v.30, n.1, jan./mar. 1990.

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que exige conceitos que ofereçam maior pre- Dentro desse referencial teórico também
cisão. Especialmente em países cuja orien- chamado de comportamentalista, as pessoas
tação pragmaticista do empregador era con- são consideradas como sendo praticamente
siderada como a grande alavanca do sucesso iguais umas às outras e, portanto, reagiriam
organizacional, o behaviorismo, inspirado no invariavelmente de uma mesma maneira. Ca-
condicionamento, colocou em evidência a beria, então, ao administrador eficaz desco-
imagem de diferentes formas e variações pra- brir que tipo de ligação estímulo-resposta
ticamente ilimitadas de condicionamento adotar. Segundo os psicólogos behavioristas
humano. Embora conscientemente as pesso- seria necessário encontrar uma fórmula pra-
as pareçam não aceitar, elas estão sendo em ticamente única de estimular o comportamen-
realidade mais condicionadas do que nunca to capaz de resolver eficazmente todos os
no seu ambiente de trabalho. problemas de falta de motivação - o que equi-
O entusiasmo a respeito da teoria do con- vale a planejar uma estratégia administrati-
dicionamento operante de Skinner acabou va de condicionamento que seja praticamen-
por chamar de motivação aquilo que a psi- te infalível e aplicável a todos os trabalha-
cologia já havia consagrado chamar de com- dores indistintamente. As campanhas de
portamento condicionado e que foi fortemen- premiação por desempenho estão aí para
te inspirado nas descobertas de Pavlov, dis- comprovar isso.
tinguido com o prêmio Nobel de 1904. A A partir dessa forma de entender o com-
teoria do condicionamento teve como prin- portamento humano inaugurou-se uma fase
cipal conseqüência o entendimento de que é na história da administração em que se pas-
sempre possível conseguir que as pessoas se sou a fazer uso indiscriminado dos refor-
comportem de acordo com certos padrões de çadores positivos, também denominados
conduta previamente estabelecidos. Para che- prêmios, e dos reforçadores negativos, con-
gar a esse resultado, basta que se recompen- siderados como controles extrínsecos e pu-
se toda ação julgada como positiva. No sen- nições. Os hábitos comportamentais dos in-
tido inverso, seria possível conseguir que as divíduos no trabalho eram tão-somente en-
pessoas abandonassem certos tipos de ações tendidos como fruto do condicionamento
consideradas como inadequadas fazendo-as aplicado a eles oriundo da influência do
acompanhar-se de algum tipo de punição. meio ambiente. Esse tipo de diretriz admi-
Como Skinner, os administradores acredita- nistrativa deitou raízes profundas no pen-
ram que seria possível fazer com que aque- samento administrativo moderno e contem-
les que trabalham assumissem qualquer tipo porâneo. Apesar dos sérios problemas que
de conduta; acreditavam que, para tanto, se- tem causado, um dos hábitos mais arraiga-
ria suficiente desenvolver suas habilidades dos e de difícil remoção no cenário
como manipuladores das variáveis do ambien- organizacional é aquele de abandonar a
te organizacional. perspectiva do controle extrínseco quando
Portanto, as diretrizes administrativas em se pensa estar motivando pessoas para o
muitos países tomaram como ponto de parti- trabalho.
da o enfoque behaviorista de Pavlov e
Skinner, assumindo definitivamente o o CONTROLE FAZ EVAPORAR A
enfoque controlador do comportamento hu- MOTIVAÇÃO
mano, muito de acordo com os pressupostos
da Administração Científica de Taylor. Esse É sobretudo no contexto organizacional
enfoque previa que o administrador não só que mais se tem falado sobre motivação e
pode, como deve mudar o comportamento em que, de certa forma, ela se transformou
dos subordinados de forma a fazê-los adota- no tempero que mais sabor oferece à Gestão
rem comportamentos predeterminados pela de Recursos Humanos. No entanto, as incur-
orientação filosófica da organização. Os tra- sões que se tem feito sobre o tema, buscan-
balhadores nesse caso seriam passivos e so- do descobrir qual a correlação existente en-
freriam sem reagir a ação das variáveis con- tre motivação, qualidade e produtividade no
dicionantes do meio ambiente de trabalho. trabalho, não têm resultado em grande su-
Administrar resume-se, neste caso, em pu- cesso. Essa tem sido uma luta ingrata. São
nir ou premiar aqueles que trabalham quan- tantas as variáveis dependentes que podem
do isso se fizer necessário. influenciar as possíveis correlações entre a

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A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

motivação e as demais variáveis organiza- tivacional. Qualquer tentativa de se falar em


cionais que poucos pesquisadores têm tido gestão motivacional está ligada tanto às prá-
o êxito esperado em suas tentativas de com- ticas organizacionais quanto às expectativas
provar a existência da interação entre as mes- daquelas pessoas nelas envolvidas. Existe
aqui uma situação de dependência entre es-
mas.
Em que pesem tais dificuldades, quase ses dois componentes: um se torna incom-
tudo, senão tudo o que se tem pensado ou preensível sem o outro.
dito a respeito de sucessos ou fracassos den- Em segundo lugar, é fundamental que,
tro das organizações vem sendo interpreta- como todo tipo de comportamento, a moti-
do à luz de uma possível influência dos ní- vação também seja considerada algo um tan-
veis de satisfação motivacional no trabalho.
Essa interpretação parece estar longe de ser
mais específica, isto é, freqüentemente tem
ocorrido que qualquer forma de movimen- As pessoas têm se visto
tação de pessoas independentemente de sua obrigadas a aprender a viver um
origem ou finalidade seja chamada de moti-
vação. tipo de vida no qual quase nada
Está ficando cada dia mais claro que um
dos grandes enganos que se tem cometido
permanece estável por muito
em nome do estudo da motivação é tempo, um mundo no qual a
considerá-la como se fosse uma entidade
autônoma e, portanto, que pudesse ser con- maior certeza passa a ser aquela
cebida como algo completo em si mesmo e do constante vir-a-ser, pois tudo
até certo ponto solto no espaço. Aqueles que
pretendem ter razão ao atribuir especialmen- está em movimento ininterrupto.
te a ela a causa única do sucesso ou do fra-
casso de cada empresa já perceberam como
são pouco conclusivas suas pretensas des-
cobertas.
Verifica-se que muito se discute sobre to complexo, pois abrange um número bas-
aquilo que pode motivar as pessoas e muito tante grande de variáveis que interagem en-
tempo se tem perdido em discussões acerca tre si e devem ser analisadas em profundida-
dos fatores de motivação propostos por de. Uma das principais distorções do con-
Maslow ou Herzberg. O problema neste caso ceito de motivação tem origem na projeção
é que aqueles que o fazem não procuraram que os teóricos fazem de suas próprias moti-
esclarecer-se a respeito do que seja realmente vações. O processo de motivação reside
estar motivado. Como é possível pretender numa dinâmica profunda e fundamental, ca-
descobrir aquilo que mais motiva as pessoas paz de levar cada um a se envolver em pro-
no trabalho, sem antes indagar-se sobre o que cessos de escolha e decisões de ação, não se
verdadeiramente é a motivação? servindo apenas de reações psicodinâmicas
Alguns autores como Michel,6 por exem- aparentes e atuais.
plo, afirmam que hoje em dia, tomando por Estar motivado não deve ser confundido
base tudo o que já se pesquisou sobre moti- com situações em que se experimenta mo-
vação, há que se levar em conta alguns ou- mentos de alegria, de entusiasmo de bem-
tros aspectos também necessariamente liga- estar ou de euforia. Esses estados podem, até
dos a ela em uma situação específica e que certo ponto, ser considerados efeitos do pro-
se torna indispensável incluir em suas pes- cesso motivacional, mas não explicam como
quisas outras variáveis ligadas à motivação. se chegou até eles nem como eles aparece-
Quando se fala, então, de estar motivado para ram. Hoje em dia, sabe-se que a motivação
o trabalho, já se sabe que existem dois com- é muito mais ampla do que os comportamen-
ponentes aí envolvidos que são o indivíduo tos ou estados que tem a propriedade de dis-
e a organização. Isso implica considerar a parar. Tudo isso deve ser considerado de
estrutura e os processos organizacionais que maneira especial sob o ponto de vista do pró-
são referenciais importantes no delineamento prio indivíduo que a vivencia e não unica- 6. MICHEL, S. Peut-on gerer les
mente sob o ângulo de quem a observa. motivations? Paris: PUF, 1994.
do sentido que se dá ao comportamento mo-

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Como uma decorrência lógica do fato de Haverá uma reação positiva imediata a
se aceitar a complexidade do comportamento partir do lançamento da idéia de premiação
motivacional, acaba-se por compreender que na empresa. Isso faz parecer que os efeitos
difícil, senão impossível, seria encontrar "a" desejados sejam inquestionavelmente atingi-
fórmula ideal de como motivar pessoas. Aque- dos. Isso ocorre porque, acostumados a re-
les que perseguem esse tipo de resultado ob- ceber apenas seus salários mensais, os em-
tido em curto prazo podem ser considerados pregados agora se deparam com uma boa
fortes candidatos ao desapontamento, antes de nova: receberão um "algo mais" pelo mes-
mais nada. Como todos os outros assuntos a mo trabalho que desenvolviam antes. E~sa
respeito do comportamento humano, princi- reação positiva tem vida curta, persistindo
palmente o da motivação guarda sutilezas e algumas vezes até a segunda ou terceira
complexidades que não podem ser menospre- premiação no máximo. Passada a novidade
zadas. Esse parece constituir o principal de- o estado de euforia será substituído por con-
safio ao qual poucos têm conseguido respon- siderações bem menos positivas.
der adequadamente. Há uma transitoriedade no sentido de
que um determinado tipo de prêmio é ofere-
AS DIFERENTES FACES DA cido sob a forma de bens palpáveis ou mon-
MOTIVAÇÃO tantes que não podem ser utilizados mais de
uma vez. Substitui-se o prêmio por outro
Sem que se deva considerar como falsas, mais caro e a gratificação em dinheiro preci-
ou não científicas, várias teorias abordaram sa ser necessariamente aumentada. Tudo isso
diferentes aspectos sob os quais se pode tra- acarretará sobrecarga de custos e a empresa
tar o assunto da motivação. Uma vez colo- precisa pensar nisso antes da primeira cam-
cadas em evidência as diferentes perspecti- panha. Uma vez prometido o prêmio, este
vas sobre o mesmo tema, sua compreensão nunca mais poderá ser retirado, o que preci-
se ampliou e tornou possível a explicação de pita uma sensação de se estar sendo punido.
muitos dos comportamentos no trabalho. Isso Os critérios de atribuição de prêmios
fica bem claro quando se revê experimentos precisam estar bem claramente estabelecidos
feitos no contexto das organizações desde o para não provocarem uma sensação de injus-
final do século passado. Como cada uma tiça ou iniqüidade. As pessoas que podem ser
dessas teorias examinou o fenômeno moti- agraciadas com prêmios precisam saber exa-
vacional sob um prisma diferente, levar em tamente que atitude ou ação foi digna de re-
conta tal diversidade só pode enriquecer o tribuição por parte da empresa. Sem isso co-
conhecimento que se queira ter sobre o as- meçarão a surgir problemas e reclamações
sunto. que precipitarão problemas que antes não
Percebe-se com nitidez que as primeiras existiam.
explicações deixaram-se influenciar pelas As extraordinárias contribuições de Taylor,
preocupações econômicas e pragmáticas em Mayo e McGregor ilustram a visão do homo
lugar de privilegiar a pesquisa científica. economicus. A rapidez com que se difundiu o
Aquilo que de mais importante se esperava pensamento desses primeiros cientistas do tra-
da maioria dos estudos feitos era conseguir balho deixou claro como suas idéias foram
dinamizar o comportamento produtivo, che- bem aceitas dentro do contexto do fim da Re-
gando, ao mesmo tempo, a níveis mais altos volução Industrial. Para Taylor, por exemplo,
de motivação. nada melhor do que o uso do dinheiro para se
Por acreditar no poder milagroso das re- conseguir "criar" e "fortificar" a motivação.
compensas vindas do ambiente Mayo propõe que o grupo social desempenha
organizacional, um bom número de empre- um papel que tem força indiscutível no pro-
sas de consultoria passou a oferecer um pa- cesso de alavancagem da energia motivacio-
cote de incentivos que parece ter sido muito nal. Com isso se propõe o valor indiscutível
bem-vindo. Esses pacotes orientavam as or- das relações humanas, dentre outras variáveis,
ganizações no sentido de desenvolver cam- como o principal energizador do comporta-
panhas de motivação. Não se pode condenar mento motivacional.
a priori tais procedimentos, mas o importante Finalmente, Mcflregor? lança a idéia de
7. McGREGOR. D. o lado humano da
é estar alerta para os efeitos que eles têm,
empresa. São Paulo: Martins Fontes, que os trabalhadores são, por natureza, la-
1980. como os listados abaixo. boriosos, fazendo todo o possível para atin-

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A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

gir sua própria auto-realização através do tra- féricos está se garantindo apenas o bem-estar
balho. Conseqüentemente, a empresa, segun- físico das pessoas. É necessário ir além disso
do McGregor, deve dispor de recursos que e oferecer às pessoas oportunidade de garan-
facilitem o amadurecimento motivacional de tir sua chegada aos objetivos de satisfação
seus assalariados. Para ele, se as pessoas fo- interior, responsáveis pela verdadeira moti-
rem impedidas de satisfazer suas necessida- vação. Todos esses fatores intrínsecos perten-
des através do trabalho, comportar-se-ão cem a um tipo de necessidades de mais alto
com indolência, passividade e má vontade, nível e não de necessidades primárias consi-
ficando sob a responsabilidade da empresa deradas como básicas à subsistência física.
os níveis de imaturidade motivacional dos Isso ressalta a importância de um estudo
seus trabalhadores. É como se essas organi- mais específico a respeito de quais os efei-
zações acabassem presas aos laços que elas tos dos diferentes tipos de reconhecimento a
mesmas prepararam. empresa pode oferecer aos seus empregados.
No decorrer da década de 70, Herzberg"
abre uma nova perspectiva com suas pesqui-
sas propondo que existem dois tipos de ob-
jetivos motivacionais qualitativamente dife- Considerando também que a
rentes. Segundo sua teoria, existem objeti-
tecnologia de comunicação tem feito
vos motivacionais cujo papel é simplesmente
o de manter a insatisfação das pessoas no com que o mundo pareça ter
nível mais baixo possível. Esses fatores es-
tão ligados ao ambiente periférico ou
encolhido e que um grande número
extrínseco ao indivíduo. Além dos fatores de atividades rotineiras tenham sido
extrínsecos ao indivíduo, existem outros que
tratam da busca de um máximo de satisfa- engolidas pelos avanços no campo
ção motivacional e estão ligados ao próprio
da computação, o redesenho de um
indivíduo e ao tipo de trabalho que ele de-
senvolve, sendo reconhecidos como os ver- grande número de cargos impôs-se
dadeiros fatores de satisfação da motivação
intrínseca.
como condição de sobrevivência das
A importância desse tipo de pesquisa de- organizações.
senvolvida por Herzberg é permitir que se
perceba a diferença entre os fatores chama-
dos de higiene, que não motivam, mas tão
somente neutralizam a insatisfação e aque-
les que representam a verdadeira fonte de Esses estudos permitem chegar à conclusão
satisfação motivacional. Com isso, Herzberg de que existem dois tipos de motivação:
conclui que o contrário de insatisfação não aquela conhecida como interna ou endógena
é satisfação, mas nenhuma insatisfação, as- e aquela conhecida como externa ou
sim como o contrário de satisfação não é in- exógena.
satisfação, mas nenhuma satisfação. Isso sig- Archer? propõe que "a motivação [... ]
nifica que aquilo que deixa as pessoas insa- nasce somente das necessidades humanas
tisfeitas quando está ausente, não as satisfaz e não daquelas coisas que satisfazem es-
quando presente. E aquilo que deixa as pes- sas necessidades". O autor considera fa-
soas satisfeitas quando presente, não as dei- tores de satisfação endógenos como aque-
xa insatisfeitas quando ausente. Se, por les que são providos pelo intelecto e fato-
exemplo, as políticas administrativas forem res de satisfação exógenos aqueles que
justas, ninguém estará mais motivado por vêm de fora do intelecto e pertencem ao
causa disso, pois é considerado como obri- meio ambiente. Embora seu artigo tenha
gação da empresa, mas, se forem injustas, sido publicado em 1978, muito pouca gente 8. HERZBERG, F., MAUSNER, B.,
instala-se um clima de insatisfação geral. parece ter dado a devida importância a essa SYDERMAN, B. The molivalions lo work.
New York: John Wiley, 1964.
Ao caracterizar a diferença entre esses dois caracterização oferecida pelo autor. Uma
fatores, Herzberg pretende demonstrar que retribuição tipo exógena a uma necessida- 9. ARCHER, E. D mito da motivação. In:
BERGAMINI, C, CODA, R. Psicodinâmica
não basta oferecer fatores de higiene para se de endógena pode representar um tipo de da vida organizacional: motivação e
obter motivação. Atendidos os fatores peri- frustração motivacional. Dentro de uma re- liderança. São Paulo: Atlas, 1997.

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lação de causa e efeito um esquema no qual a energia motivacional brota das necessida-
a pessoa que está intrinsecamente motiva- des, como foi proposto por Lorenz, agracia-
da é recompensada por um fator extrínse- do com o prêmio Nobel de 1973, fica prati-
co leva-a a ficar inicialmente confusa, ter- camente contra-indicado ou simplesmente
minando por constatar que sua motivação improdutivo o uso de qualquer recurso que
intrínseca evaporou. proponha dirigir ou mesmo coagir o ser hu-
Entende-se, a partir da distinção entre es- mano a adotar certos tipos de reações com-
ses dois tipos de reconhecimento oferecidos portamentais. A motivação intrínseca não
pela empresa, que mesmo prêmios podem ter sofre pacificamente a ação de nenhuma for-
conseqüências contraproducentes no tocan- ça ou pressão que não seja aquela oriunda
te à satisfação motivacional. As organizações do próprio mundo interior de cada um. Nes-
devem levar em conta o tipo de expectativa se sentido, é melhor que se deixe de lado
daquele que recebe tais recompensas, isto é, qualquer tentativa de administrar a motiva-
o sentido que ele atribui às mesmas. Por ção de quem quer que seja.
exemplo, um empregado solteiro valorizará Em muitos casos, nem a própria pessoa
em especial férias prolongadas trocando-as tem absoluta certeza sobre a direção a seguir
de bom grado pelo seu seguro de vida. para restabelecer seu equilíbrio pessoal, isto
Todas essas descobertas levam à valori- é, para onde está sendo levada pelos seus ver-
zação da motivação gerada pelas necessida- dadeiros organizadores do comportamento
des que brotam do interior de cada um. O ser motivacional.
humano passa a ser considerado como por- Somente a motivação intrínseca é compa-
tador de necessidades que busca satisfazer tível com certos procedimentos administrati-
sob pena de ter que suportar graus desagra- vos valorizados na atualidade como aqueles
dáveis de tensão. É assim que estudos mais voltados à qualidade total. O condicionamen-
recentes preocupam-se, sobretudo, com o to, por outro lado, é incompatível com as pro-
desencadeamento da dinâmica motivacional postas da qualidade. Ele pode aumentar a ve-
em lugar de se aterem tão-somente ao estu- locidade produtiva das pessoas, como no caso
do do conteúdo da motivação como fizeram da premiação em vendas, mas compromete a
Maslow e outros pesquisadores quando se qualidade do atendimento, o que em médio e
restringiram ao estudo de quais tipos de ob- longo prazos faz enxugar a carteira de clien-
jetivos motivacionais eram mais freqüente- tes. A motivação extrínseca é eficaz somente
mente perseguidos pelas pessoas. em fazer com que as pessoas não se envol-
Entender a motivação como um processo vam naquilo que estão fazendo.
significa procurar descobrir como ela ocorre. Quando se fala do processo consciente da
Isso tem implicações muito importantes quan- motivação acredita-se que a pessoa saiba que
to à tentativa de gestão da motivação das pes- uma determinada ação lhe facultará chegar a
soas no trabalho. Sem conhecer essas restri- uma recompensa específica. Isso implica acei-
ções ao uso de fatores extrínsecos de motiva- tar que certo tipo de ação seja o meio do qual
ção, é melhor não se lançar a programas de in- se dispõe para chegar a um desejado objeti-
centivos por produção ou premiação por feitos vo. Nesse processo mais consciente os seguin-
excepcionais. Percebe-se, desde então, que só tes aspectos entram em ação:
se consegue gerir o processo motivacional em Nível de expectativa: representa aquilo a
um nível mais superficial quando se trata da que se pretende chegar dispendendo um certo
motivação extrínseca ou mais precisamente do grau de esforço. Esse nível está necessariamen-
condicionamento. O esquema a seguir é, en- te ligado à estimativa da probabilidade de su-
tão, aquele proposto pelos teóricos cesso passível de ser atingido tomando por base
comportamentalistas representados por Pavlov a capacidade de esforço de cada um.
e Skinner. Muito freqüentemente aqueles que Instrumentalidade: está ligada ao tanto
acreditam conseguir motivar usando recompen- de probabilidade que se tem de receber a re-
sas tais como prêmios ou recompensas salari- compensa almejada, probabilidade esta esti-
ais são os melhores exemplos dos que adotam mada pelo próprio indivíduo tendo em vista
a diretriz condicionante como estratégia admi- a conquista do objetivo.
nistrativa dos seus recursos humanos. Valência: diz respeito ao valor que o indi-
De maneira oposta, quando se aceita a víduo atribui à recompensa num dado momen-
motivação como um processo interno no qual to. A maior ou menor probabilidade será o pon-

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A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

to de partida para se estimar o valor da recom- des metas que se persegue é a preservação
pensa. Assim, o nível de satisfação a ser obti- da identidade que cada um carrega consigo
do está ligado à percepção que cada um tem durante o passar dos anos. Isso equivale a
da resposta que o meio ambiente oferecerá conhecer o papel crucial do processo moti-
como retribuição aos esforços dispendidos por vacional na busca do porquê de cada um
uma pessoa. proteger a si mesmo em busca da própria
Também conhecida como VIE (Valência, autonomia motivacional.
Instrumentalidade e Expectativa), essa for- Essa imagem individualizada que as pes-
ma de compreensão do processo motivacio- soas buscam ter a respeito de si mesmas é que
nal é criticada por certos autores tais como dá a cada uma delas parâmetros da própria
Michel,lo por exemplo, na medida em que valorização pessoal, também conhecida como
afirmam ser esse esquema insuficiente para auto-estima. Levy-Leboyer" deixa suficien-
explicar o aspecto existencial da relação en- temente claro que o conceito que cada um tem
tre a motivação e a construção de uma iden- sobre si representa o principal ponto de parti-
tidade pessoal. Outra crítica é que tal enfoque da de seu equilíbrio pessoal. A autora propõe
não leva em conta as possíveis distorções do textualmente que "quanto mais a estrutura do
intelecto humano no processo de percepção auto-conceito for rica e complexa, mais o in-
da realidade na qual as pessoas se sentem divíduo contará com registros de identidade
envolvidas. disponíveis, mais ele estará protegido contra
os choques afetivos e mais tenderá ao equilí-
AUTO-ESTIMA É A GRANDE META brio; isso, é lógico, ocorre contanto que os
diferentes aspectos da sua própria identida-
Sendo a motivação uma dinâmica de ca- de estejam bem interligados". Tal proposição
ráter eminentemente interior, um ponto de supõe que a mudança comportamental não
partida importante é entender o sentido que ocorra senão com certa lentidão e a partir do
as pessoas atribuem àquilo que fazem. Al- momento em que o indivíduo esteja desejoso
guns pesquisadores como Maccoby, II por que essa modificação ocorra.
exemplo, admitem que o trabalho seja o re- Embora se acredite no processo de trans-
ferencial que reata o homem ao mundo da formação das próprias atitudes, a imagem
realidade, fornecendo referências das quais que cada um faz de si mesmo tem uma evi-
necessita para conhecer quais expectativas, dente continuidade. Por outro lado, a forma-
concepções ou ideais fazem ou não sentido ção dessa individualidade é complexa e va-
para cada um. Conhecendo esse referencial riada, uma vez que é composta de inúmeras
é possível disciplinar talentos, buscar o do- representações de naturezas diferentes. O
mínio dos impulsos e aguardar o momento mais importante, no entanto, é caracteriza-
mais conveniente para chegar à recompen- do pela dimensão afetiva que leva à valori-
sadora satisfação motivacional. zação de si mesmo, que é a auto-estima.
Alguém que se engaja numa determina- Muito dessa auto-estima é também formado
da atividade que faça sentido para si mesmo pelas informações que vêm das outras pes-
espera ser recompensado no sentido de fa- soas sobre cada um de nós.
zer jus ao prazer de uma reputação. Isso sig- Embora não muito conhecidos no Brasil,
nifica reconhecimento, independência e alguns estudiosos do comportamento humano
acesso a um mundo melhor que possa ser nas organizações lançaram as bases daquilo que
considerado como um tipo de necessidade preferiram chamar de motivação intrínseca.
diretamente ligado ao potencial criativo já Nesse novo enfoque, a fonte de energia interior
existente no interior de cada um. O desejo constitui um aspecto central, capaz de ativar o
de trabalhar passa a representar uma neces- comportamento motivacional. Partindo dessa
10. MICHEL, S. Op. cít.
sidade de ordem afetiva que continuamente fonte, cada um segue seus próprios interesses.
se submete ao império dos valores que re- Para Deci,13 a motivação intrínseca baseia-se 11. MACCOBY, M. Travailler, pourquoi?
Une nouvelle théorie de la motivation.
presentam o objetivo almejado. nas necessidades inatas dos seres vivos na bus- Paris: Inter Editions, 1987.
Explorar os aspectos de ordem interior ca da competência e da autodeterminação. Ela
12. LEVY-LEBOYER, C. Op. cit,
tem facilitado conhecer algumas faces não supre de energia uma ampla variedade de com-
tão claramente perceptíveis na observação portamentos e processos psicológicos para os 13. DECI, E., RYAN, R. Intrinsic
motivation and self-determination in
do dia-a-dia das pessoas. Esse quais a principal recompensa são as experiên- human behavior. New York: Plenum
aprofundamento mostra que uma das gran- cias de realização e autonomia. Press, 1990.

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A colocação de objetivos a serem sentir nos resultados da produtividade indi-
colimados é crucial para o processo de ajus- vidual. Quanto maior for o ajustamento pes-
tamento individual e auto-estima. Fica cla- soal, mais fiel será a percepção que se chega a
ro, portanto, que a psicodinâmica motivacio- ter da realidade em que se vive e maior será,
nal tem um papel importante a desempenhar portanto, a probabilidade da adoção de com-
no processo de ajustamento ou de desagre- portamentos produtivos no contexto dessa
gação da personalidade. Ser capaz de pro- realidade. Aquelas expectativas que se possui
por-se objetivos possíveis de serem atingi- ao iniciar o compromisso de um novo em-
dos favorece a autoconfiança. prego representam as próprias carências e ne-
Numa direção oposta à anterior, quando cessidades motivacionais. Pode-se dizer, sem
alguém se propõe aquilo que seja considera- medo de errar, que o recém-admitido está ple-
do como impossível de ser atingido pelo fato namente motivado uma vez que carrega con-
de não se possuir recursos pessoais para tan- sigo a esperança de que as situações a serem
to, a sensação de fracasso experienciada pelo vivenciadas por ele nessa empresa represen-
sujeito leva ao rebaixamento da auto-estima, tem fatores complementares de satisfação
o que representa uma séria frustração que, dessas carências. Conseqüentemente, nesse
em última análise, muito freqüentemente pre- mesmo primeiro dia de trabalho é possível
cipita um estado interno no qual a auto-ima- que se inicie um processo de frustração con-
gem é seriamente danificada. Estados inte- tínua ou desmotivação caso as condições de
riores de permanente autodepreciação aca- trabalho não sejam propícias à viabilização
bam por determinar o afastamento das pes- do atendimento das expectativas planejadas.
soas da realidade na qual vive, uma vez que A partir do momento em que se instala o
essa realidade se torna difícil de enfrentar, processo de desmotivação, caso não se faça
pois representa a objetivação e o testemunho algo para interrompê-lo, logo ela fará sentir
do fracasso pessoal. seus efeitos nocivos. Trata-se de um processo
Fica, assim, claro como o rebaixamento não muito longo que ao final de três ou qua-
da auto-estima pode levar ao empobrecimen- tro meses leva ao esgotamento da antiga ener-
to da auto-imagem, fazendo com que ela fi- gia motivacional com a qual se começou a tra-
nalmente perca sua importância como refe- balhar. Meyer" estudou esse processo de des-
rencial da valorização que cada um faz de si motivação, localizado entre três ou quatro me-
mesmo. Michel!' propõe que" se entende por ses. A pesquisadora também acredita que pos-
auto-imagem a representação que cada um sa existir uma variação do período de desmo-
faz a respeito daquilo que é, seja quanto aos tivação, fato esse que se mostra dependente
seus aspectos positivos, aos seus pontos fra- do tipo de escala de valores de cada um. O
cos, aos seus comportamentos futuros, ou aos processo de desmotivação fará ir por água
seus gostos ou possibilidades pessoais". Em abaixo a auto-estima que cada um nutre por
última análise, a maior ou menor consciên- si mesmo. Começam aí os problemas que po-
cia que se tenha a esse respeito é que deter- dem tornar-se mais graves com o passar do
mina o nível se segurança pessoal ou a falta tempo, trazendo desconforto para o indivíduo
de confiança que cada um tem a respeito de em si e causando também, de forma mais am-
si mesmo. pla, danos ao clima organizacional.
A observação que se faz do dia-a-dia de tra-
balho nas organizações deixa evidente que pes- PERIGOS DA DESMOTIVAÇÃO
soas reconhecidamente desmotivadas demons-
tram baixo nível de confiança em si mesmas. A discrepância entre a realidade percebi-
Sendo esse sentimento desagradavelmente da pela pessoa desmotivada e a realidade con-
desgastante, para diminuir seu sofrimento as creta gera uma atitude interior de ameaça que
pessoas projetam sobre a organização a des- pode, na maioria dos casos, instalar uma re-
crença que alimentam a respeito de si mesmas. ação defensiva dela contra tudo e todos. O
Em circunstâncias nas quais as pessoas se sen- processo de distorção caracteriza-se por uma
tem realmente motivadas, a projeção da auto- falsa percepção contra o sentimento de per-
14. MICHEL, S. Op. cit. estima elevada faz da situação de trabalho um manente ameaça, portanto trocar a visão que
caminho para se chegar a níveis mais altos de se tem da realidade em que se vive parece
15. MEYER, M. Six steps lo
demolivation. USA: International
satisfação e realização pessoal. ser uma atitude de quem não consegue se
Management, Nov. 1977. A percepção da realidade pode fazer-se ajustar uma defesa válida. A partir desse

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A DIFíCIL ADMINISTRAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES

momento entram em jogo processos siste- sário refletir sobre o lado mau das organiza-
máticos de negação da realidade gerando, as- ções. Dentro disso, elas têm uma espécie de
sim, entendimentos desvirtuados daquilo que efeito anestésico a quem as assume a fim de
se passa no mundo em geral. A distorção des- não ter que atentar senão para aspectos bons
sa realidade parece aliviar, pelo menos tem- do problema a ser enfrentado.
porariamente, o mal-estar produzido pelo
falso ajustamento.
As distorções perceptivas adotadas por Estar motivado não deve ser
longos períodos de tempo vão distanciando
cada vez mais o indivíduo da possibilidade confundido com situações em
da adoção de comportamentos positivos e
produtivos. Como Lucas" propõe: "A per-
que se experimenta momentos
cepção não é a realidade. Percepção é per- de alegria, de entusiasmo, de
cepção e pode ser ao mesmo tempo correta
ou errada, boa ou má, útil ou inútil, depen- bem-estar ou de euforia.
dendo do tanto que se esteja mais próximo
da verdadeira realidade. Nossas percepções
têm valor intrínseco somente quando corres-
pondem de perto à realidade que nos cerca. Analisando como as pessoas reagem dian-
Ilusões levam à confusão, inconsistência e te de diferentes situações, muitas vezes se
sabotagem do objetivos já estabelecidos". pode qualificar certos comportamentos
Tais ilusões permeiam os comportamentos como irracionais, pois escapam ao habitu-
das pessoas mais do que normalmente quei- al. São os comportamentos que não podem
ram admitir. Elas estão por toda parte no am- ser racionalmente compreendidos e muito
biente em que se vive e têm o papel de aju- menos explicados por um desencadeamento
dar, embora de maneira precária, a enfrentar lógico de atitudes que mais chamam a aten-
as verdades desagradáveis. ção pelo fato de não se conhecer as possí-
A ilusão é uma falsa idéia ou concepção veis justificativas para certas atitudes de
inadequada, uma aparência ou imagem irreal falso ajustamento. Ao distorcer a realidade
e enganosa. É o próprio Lucas'? que acres- as pessoas passam a enfrentar sérias
centa que "as ilusões podem, em última aná- ambivalências que lhes são altamente
lise, levar as pessoas a um ponto no qual elas desgastantes. Em tais circunstâncias, cada
não queiram mais ouvir a verdade". Assim uma delas, de um lado, é dirigida por suas
sendo, elas conseguem impedir que se pro- fantasias pessoais que são a cristalização
movam as mudanças necessárias na vida pes- das percepções falsas e que levam também
soal de cada um, o que, em grande parte, le- àquilo que se chama de falsa motivação. Por
vará a organização como um todo a se tornar outro lado tais pessoas se vêem compelidas
também refratária à mudança. A partir do a atender as solicitações do meio ambiente,
momento em que as ilusões passam a ser usa- consideradas, neste caso, como sendo de
das de forma permanente, o próprio sujeito natureza perversa à tentativa de busca do
perde o controle sobre as mesmas, passando equilíbrio pessoal.
a considerar como verdadeiras aquelas idéias Os comportamentos denominados irracio-
que tem sobre si mesmo bem como a respeito nais têm, na maioria das vezes, origem na
do mundo que o rodeia. problemática individual e inconsciente de
Tratando-se de um equilíbrio instável, as cada pessoa. Não sendo originados por acon-
ilusões são utilizadas, por exemplo, para que tecimentos presentes, acabam por manifes-
se consiga evitar o defrontamento com os tar-se a qualquer momento, determinando,
problemas, conseguir chegar a um estado assim, inconveniências comportamentais que
menos penoso produzido pelas dificuldades, com grande freqüência dificultam uma con-
evitar que o indivíduo não se sinta vivência mais produtiva. Isso poderá tornar
responsável pelo ocorrido, evitar conflitos e o ambiente de trabalho bastante penoso, se-
16. LUCAS, J. R. Fatal illusions:
salvaguardar as pessoas de possíveis ataques não insuportável. Isso nos leva a entender shredding a dozen unrealilies that can
e cobranças vindas do meio. Em ultima aná- como alguém que é considerado problema é keep your organizalion from success.
New York: Amacom, 1997. p.8
lise essas ilusões são como que compradas antes de mais nada uma pessoa com proble-
pelas pessoas para que não lhes seja neces- mas de ajustamento à realidade. D 17. Idem, ibidem, p.17

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