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LIC’12 – Lusofona International Congress:

Estudo de caso: Atravessar tempos de crise na Pereira &


Filhos, Lda

Maria de Lurdes Neves Castanheira


ISLA Leiria – Grupo Lusófona, Leiria, Portugal
lurdes.castanheira@unisla.pt
José Ricardo Costa Andrade
ISLA Leiria – Grupo Lusófona, Leiria, Portugal
josericardoandrade@sapo.pt

Christina Maria Ferro de Oliveira


ISLA Leiria – Grupo Lusófona, Leiria, Portugal
oliveirach1@hotmail.com

Resumo
Este artigo discute a estrutura dos comportamentos característicos da liderança
transformacional e dos recursos humanos na empresa Pereira & Filhos, Lda, averiguando a
conformidade das suas práticas com o ordenamento jurídico-laboral e identificando aspetos
propiciadores de melhoria organizacional. Permite analisar os efeitos de liderança, gestão
estratégica e legais de uma PME familiar, reputada no mercado mas com fortes problemas
de GRH, agonizantes em tempos de crise e de reformas legislativas. A introdução de boas
práticas de RH assenta num sistema singular, em que o envolvimento e respeito pelos
direitos dos trabalhadores são essenciais, originam excelentes resultados organizacionais e
garantem importantes vantagens competitivas.

Palavras-chave: Método de caso, Liderança, Gestão Estratégica de Recursos Humanos,


Legislação Laboral Portuguesa.

Abstract
This article discusses the structure of typical behaviors of transformational leadership and
human resources practices in the company Pereira & Filhos, Lda, examining its conformity
towards the labor law system and identifying improvements of organizational aspects. It
allows an analysis of leadership, strategic management and legal framework effects in a
familiar, SME, with good reputation on the market and strong HRM problems, agonizing
during times of crises. It is clear that good HRM practices produces a unique system not
possible to replicate, leads to more worker involvement and respect, essential to an
excellent performance, and is a relevant competitive advantage.

Key Words: Case Method, Leadership. Human Resources Strategic Management, Portuguese
Labor Law.
1. Introdução

O método de caso é reconhecido como uma das mais úteis ferramentas de aprendizagem
centrada no aluno. Um caso é uma história real (ou fictícia, mas contada tão realisticamente
quanto possível) que leva os estudantes a experienciar as complexidades, ambiguidades e
incertezas duma situação problemática. A sua “resolução” fomenta a ligação de conceitos
teóricos à prática, obriga a mapear o contexto de forma holística e incentiva o desenvolvimento
de competências chave como o pensamento e análise críticos, a recolha de informação, a
criatividade e a tomada de decisão. A incerteza sobre o efeito das decisões simula a realidade na
vida organizacional, abrindo a janela do que será trabalhar numa empresa.
Embora a origem do método seja reportada ao estudo das decisões dos tribunais, pelos alunos de
direito em sala de aula (Merseth, 1996), foi através da Harvard Business School que o método
se alargou à área da gestão . Atualmente o método é usado em (praticamente) todas as áreas de
1

ensino – Herreid (2006), sugere mesmo que o maior uso do método na aprendizagem da ciência
contribuiria para aumentar o conhecimento científico dos norte-americanos – e assume
diferentes desenhos e suportes (e.g., texto, filme, vídeo).

Há alguma escassez na publicação de casos portugueses, especialmente multidisciplinares. O


caso que apresentamos foi desenhado para estudantes de pós-graduação na área da gestão de
recursos humanos. Visa permitir uma análise integrada dos efeitos da liderança, gestão
estratégica e enquadramento legal português, numa PME familiar que goza de bom nome no
mercado mas tem fortes problemas de GRH, que se agudizam nestes tempos de crise.

2. Enquadramento laboral

Atualmente os mercados de trabalho surgem fustigados por um vasto conjunto de


transformações despoletadas pelo fenómeno da globalização e pela crise económica. Enaltece-se
o incremento da concorrência, as alterações no processo de emprego (ampliação do sector
terciário, precarização, entre outros), as inovações tecnológicas e organizacionais (participação,
formação profissional, flexibilidade), alterações do tipo de necessidades e do nível de
exigências de clientes e de investidores e a fragmentação das relações industriais.

Constitui a gênese da civilização a relação íntima existente entre o Direito e a Sociedade,


preconizada na afirmação romana “Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus; ergo, ubi homo,
ibi jus” . Esta relação estabelece a correlação existente entre estas duas instituições; o Direito
2

enquanto ordenamento determinando as regras de conduta para a Sociedade e a Sociedade


enquanto impulsionadora e administradora de necessidades de ordem e de justiça, através do
Direito. Passando pelas diversas áreas de atuação e de mercados, da sua relação com
fornecedores, trabalhadores e consumidores até à sua relação com o Estado, a atividade
empresarial está totalmente embebida pelo Direito através das mais simples e mais complexas
relações jurídicas.

A compreensão jurídica das relações laborais revela-se essencial ao Administrador, uma vez que
a negociação coletiva e a resolução de conflitos coletivos de trabalho são fundamentais à
sobrevivência do mundo empresarial, especialmente em momentos de crise. O conhecimento
das normas laborais evita a existência de meros trabalhadores produtivos, geradores de grandes
perdas.

1 O primeiro livro de casos foi publicado pela Harvard Business School em 1920 (Copeland, 1958).

2 Significa que “Onde está o Homem, há sociedade; onde há sociedade, há Direito”.


O Direito do Trabalho, na sua aceção histórica, teve o seu início com o conflito social entre as
entidades empregadoras e os trabalhadores. De facto, foi no séc. XX, após a II Guerra Mundial,
que a produção legislativa laboral teve um maior incremento. Para autores como Calvão da
Silva (2008), as inquietações com a melhoria das condições de trabalho e de segurança dos
trabalhadores, bem como a descrição e a prossecução de uma política social adequada, estão
patentes desde a génese europeia.

Atualmente, a tendência aponta para a flexibilização das relações laborais, sendo mais fácil, por
exemplo, cessar ou suspender os contratos de trabalho, reduzir períodos normais de trabalho e
alterar a organização do tempo de trabalho. Romano Martinez (2010) preceitua que a
flexibilidade laboral preconiza uma liberalização, obstando a uma orientação excessivamente
garantística da legislação laboral. Para Rebelo (2002), a flexibilização pode originar um quadro
laboral precário, menos qualificado e menos competitivo.

Os trabalhadores revelam uma fraca predisposição para a adoção voluntária de novos


enquadramentos laborais. As reformas laborais existentes devem ser vistas como uma mudança
no panorama económico e social do país, desempenhando a gestão de recursos humanos um
papel fundamental na sua boa aplicação, uma vez que o que releva são as pessoas e não apenas
as tecnologias.

A utilização por parte das organizações de processos de gestão estratégicos orientados e


atualizados de acordo com as normas e posições doutrinais e jurisprudenciais dominantes
desempenha um papel fundamental para uma correta aplicação do Direito do Trabalho. Tais
comportamentos contribuirão para afastar qualquer tipo de responsabilidade contraordenacional,
civil e/ou criminal, pondo termo à imagem adotada por certas estruturas económicas de que o
trabalhador é um mero meio de produção.

3. Gestão estratégica de recursos humanos

É geralmente aceite que muito do sucesso das organizações passa por práticas adequadas de
gestão de recursos humanos. E que muito desse sucesso assenta em elementos tão díspares
quanto o ambiente de trabalho, a motivação dos colaboradores ou a focalização no que a
organização necessita em função dos seus objetivos. O certo é que perante este quadro não
existem fórmulas que se adaptem instantaneamente aos processos de trabalho de cada
organização e que garantam esse grau de sucesso.

Tradicionalmente, a gestão de recursos humanos tem sido considerada uma área dependente de
outras áreas de intervenção nas organizações. E isso acontece porque a ela se encontra associada
uma visão meramente administrativa. Um grande número de tarefas domina o quotidiano de
quem se ocupa “das pessoas”: tomar nota de faltas, planear dias de férias, processar salários ou
aplicar processos disciplinares. Aqui, o papel do responsável de recursos humanos é
dicotómico: de um lado, ele é o elemento que faz a ponte entre a estrutura e as pessoas; do
outro, ele é o agente administrativo que coordena grande parte dos processos elementares
internos próprios da função.

Contudo, para autores como Cunha et al. (2010) tem havido, nas últimas décadas, um conjunto
de mudanças sociais e económicas que alteraram o papel da função recursos humanos nas
organizações: o crescente aumento dos níveis de escolaridade e de qualificação, as novas
tecnologias de informação, a cada vez maior mobilidade funcional e geográfica das pessoas são
alguns desses exemplos. As próprias estruturas organizacionais, condicionadas por um mercado
global exigente tornaram-se funcionalmente mais ligeiras, tendencialmente com poucos níveis
hierárquicos e descentralizadas, o que se refletiu na amplitude das diferentes competências
exigíveis aos seus recursos humanos.
Daqui emergiu a necessidade de se atribuir à função recursos humanos um outro papel: sob o
ponto de vista do desempenho organizacional como podia cada colaborador enquadrar-se na
lógica de negócio da organização e contribuir para os seus resultados? Ou ainda, de que modo é
que um qualquer colaborador poderia ser capaz de alavancar o seu desempenho em função do
que a organização efetivamente necessita? A resposta surge através de um conjunto de
conhecimentos oriundos de áreas tão díspares como a psicologia ou a gestão em que
“competências” e “objetivos” passaram a ser “chavões” da linguagem nas organizações. É que
perante a necessidade de adaptação rápida a cada vez mais exigentes condicionantes externos, a
diferenciação através dos recursos humanos preparados e motivados tornou-se o móbil da ação
organizacional. Esta nova orientação veio facilitar o ajustamento das práticas e dos processos de
gestão e o seu estreito relacionamento com a contribuição individual e coletiva para os
resultados organizacionais.

Neste contexto passou a verificar-se uma gradual aproximação da função recursos humanos aos
centros decisores nas organizações. Para Cunha et al. (2010) o capital humano passou a ser
entendido como estratégico na medida em que a função recursos humanos integrava um
conjunto de procedimentos com visibilidade e com efeito nos resultados do negócio: seleção e
recrutamento, sistemas de avaliação de desempenho e de atribuição de compensações, formação
e desenvolvimento, planeamento e carreiras. As práticas de recursos humanos passaram a ser
importantes porque estas podiam ajustar-se dinamicamente às necessidades organizacionais e a
contribuir de forma positiva sobre elas.

Segundo Surlaru (2009) o conceito de gestão estratégica de recursos humanos aparece no final
dos anos 80 e surge associado à ideia de uma gestão mais participativa. É também alicerçado em
desenvolvimento de competências e com níveis de decisão próximos dos processos produtivos,
onde é gerado valor. Para este autor, este conceito também traduz um tipo de abordagem
organizacional que procura envolver os seus diversos recursos. Igual visão partilhou Pablos
(2004) para quem o conjunto de práticas e de procedimentos de gestão estratégica de recursos
humanos podia ser traduzido em vantagem competitiva para a organização. Antes, Wright e
McMahan (1992) haviam referido a importância em alinhar as práticas e procedimentos de
gestão de recursos humanos à estratégia de negócio.

De fato, todas estas diferentes perspetivas acerca da gestão estratégica de recursos humanos e do
seu planeamento combinaram-se e permitiram criar amplos campos de pesquisa, contribuindo
para a relevância da sua ação no contexto organizacional. Allen e Wright (2006) partilham-na
nos seguintes termos: “this idea that the human resources of a firm can play a strategic role in
the success of an organization has led to the formation of a field of research often referred to as
strategic human resource management [esta ideia de que os recursos humanos duma empresa
podem ter um papel estratégico no sucesso da organização, levou à criação de um campo de
pesquisa denominado frequentemente como gestão estratégica de recursos humanos]” (p. 4).

A visão operacionalizada através das práticas de gestão de recursos humanos nas suas diversas
dimensões e focalizada na gestão do negócio, na missão e nos valores da organização traduziu-
se em alinhamento estratégico. E este passou a ser um dos grandes desafios para a moderna
gestão de recursos humanos: fazer alinhar os pressupostos organizacionais baseados no negócio
com a gestão das competências, do conhecimento, da motivação, da liderança e do
envolvimento.

Uma definição para este conceito de alinhamento estratégico é aquela que nos é fornecida pelo
U.S. Office of Personnel Management (1999): “human resources alignment means integrating
decisions about people with decisions about the results an organization is trying to obtain [o
alinhamento dos recursos humanos significa integrar as decisões acerca das pessoas com as
decisões acerca dos resultados que uma organização está a tentar alcançar]” (p. 1) O enfâse
encontra-se colocado nos processos e nas atividades que permitem que a função recursos
humanos contribua para os resultados da organização. Neste contexto, a cadeia de processos
estabelecida numa organização visará, sobretudo, colmatar as ineficiências e desenvolver uma
cultura de excelência direcionada para o core business estratégico. Esta é uma ideia que já havia
sido formalizada por Lawler (1990) acerca do impacto dos diversos sistemas organizacionais na
própria cultura organizacional. Para este autor, os diversos sistemas existentes numa
organização, tais como os sistemas de compensações e de recompensas podem, também eles,
influenciar o alinhamento estratégico e o próprio desempenho coletivo e individual. No entanto,
considera Lawler (1990) que os diferentes estilos de gestão de uma organização também
condicionam as práticas e os procedimentos de gestão de recursos humanos. Uma vez a
estratégia de recursos humanos estabelecida, esta articula-se com a estratégia organizacional e a
sua configuração permite associar aos diferentes níveis da organização diferentes perfis de
desempenho baseados em métricas.

Seguindo esta linha de pensamento, Brandenburg, Haas, Asce e Byrom (2006) consideram que
estas métricas devem ser desenvolvidas tendo em atenção a área de atuação da organização e as
diferentes componentes da gestão de recursos humanos com impacto nela. Quando as métricas
refletem as práticas e procedimentos da gestão de recursos humanos alinhadas com a estratégia
de negócio, então essas métricas estarão teoricamente dispostas de modo a serem os elementos
do sistema relevantes para a organização.

4. Liderança

Na introdução à edição especial da American Psychologist dedicado à liderança, Warren Bennis


diz-nos que “leadership affects the quality of our lives as much as our in-laws or our blood
pressure [a liderança afeta a qualidade das nossas vidas tanto quanto os nossos parentes ou a
nossa pressão arterial]” (2007, p. 2). O autor coloca, desta forma, a liderança como fator
decisivo para o desenvolvimento das organizações, afetando a vida de todas as pessoas de forma
indiscutível.
No artigo de conclusão dessa edição, Hackman e Wageman (2007) colocam cinco questões que
sumariam as perguntas deixadas em aberto pelos eminentes autores dos artigos precedentes: (1)
sob que condições os líderes fazem a diferença? (2) como é que os atributos pessoais do líder
interagem com propriedades situacionais para moldar os resultados? (3) a boa e a má liderança
são qualitativamente diferentes? (4) de que forma podem os modelos de liderança ser
reequacionados de forma a tratarem todos os membros do sistema como lideres e liderados? e
(5) como se pode ajudar os líderes a aprender? A primeira questão alerta para a necessidade de
nos focarmos, não no líder, mas nas circunstâncias que levam a que um líder possa exercer o seu
papel de forma decisiva; a segunda coloca o enfoque na interação entre os traços do líder e a
situação em que este se encontra, assumindo os princípios da equifinalidade ao invés de
procurar desenvolver os modelos contigenciais da liderança a um nível que sejam inexequíveis;
na terceira, os autores alertam para a possibilidade da má liderança não ser, meramente, a
ausência dos fatores presentes na boa liderança mas, ao invés, ser qualitativamente diferente; a
quarta alerta para a necessidade de desenvolver perspetivas que tratem os seguidores como
intervenientes ativos na liderança e a quinta questão enfatiza a necessidade dos líderes
assumirem uma postura de aprendizagem constante, olhando para os seus erros como
oportunidades de melhoria, desafiando as suas teorias implícitas sobre o que constitui uma boa
liderança.
Um leitor menos atento poderia pensar, perante este número da revista, que a investigação no
campo da liderança necessitaria de um impulso. Ao contrário, uma pesquisa na ISI Web of
Knowledge devolve-nos 42038 artigos sobre liderança (agosto de 2012), mostrando a riqueza do
campo de estudo. O termo, no entanto, não tem uma definição consensual. Yukl diz-nos que os
“investigadores definem, normalmente, a liderança de acordo com as suas perspetivas
individuais e com os aspetos do fenómeno que mais os interessam” (2010, p. 2) e aponta as três
variáveis focais das pesquisas: caraterísticas do líder, caraterísticas do liderado e caraterísticas
da situação. Estas três variáveis são propostas, de forma independente, em diversas abordagens
desde a teoria do “great man” às teorias situacionais e contingenciais, para explicar o fenómeno
da liderança.
A chamada de atenção de Yukl (2010) segue a preocupação de Hackman e Wageman (2007).
Atualmente, a abordagem de liderança que propõe a integração das três variáveis identificadas
por Yukl e tem sido objeto de estudos sistemáticos, é a transformacional.
Em 1978 Burns publicou “Leadership” onde defendeu uma perspetiva normativa da liderança
(política): indo para além da descrição do que os líderes fazem, o autor popôs a liderança
transformadora como uma alternativa à liderança transacional. Neste último tipo de liderança,
ocorre uma mera troca entre duas entidades enquanto na primeira o objetivo é elevar os níveis
de motivação e moralidade tanto dos seguidores como do líder. Tendo como referência os
trabalhos de Kohlberg e Maslow, Burns defendeu que o líder deve promover o desenvolvimento
dos liderados levando-os a almejar os níveis superiores do desenvolvimento moral e da
autorrealização (Haslam, Reicher, & Platow, 2011; Price, 2008).
Em contexto organizacional a investigação sobre liderança transformacional tem recorrido,
frequentemente, ao Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ), de Bass e Avolio. Sendo,
inicialmente, constituído por 73 itens representando cinco fatores, a versão atual do MLQ possui
36 itens (Bass & Riggio, 2006): cada uma das suas nove dimensões (Tabela 1) é avaliada por
quatro itens e existem duas versões: para o seguidor e para o líder.
Tabela 1 - Fatores, dimensões e itens do Multifactor Leadership Questionnaire
Fator Definição da dimensão Item do MLQ (exemplo)
Grau em que o/a líder …
O/A meu/minha líder gera orgulho
Influência Idealizada
nos outros por estarem associados a
(Carisma atribuído) Se comporta de forma admirável,
ele/a
que leva os liderados a
identificarem-se com ele. O/A meu/minha líder evita envolver-
Influência Idealizada
se quando surgem questões
(Comportamentos)
importantes
Motivação Articula uma visão apelativa e O/A meu/minha líder fala com
Inspiracional inspiracional para os liderados. otimismo acerca do futuro
Desafia os pressupostos, assume O/A meu/minha líder procura
Estimulação Intelectual riscos e solicita as opiniões dos perspetivas diferentes ao solucionar os
liderados. problemas
Tem em atenção as necessidades, O/A meu/minha líder considera cada
Consideração age como mentor ou coach e ouve as indivíduo como tendo necessidades,
Individualizada preocupações e necessidades dos habilidades e aspirações diferentes das
liderados. dos outros indivíduos
O/A meu/minha líder discute quem é
Recompensa Estabelece trocas ou transações
o responsável por atingir metas
Contingente construtivas com os liderados.
específicas de desempenho
Toma medidas corretivas com base O/A meu/minha líder foca a atenção
Gestão-por-exceção nos resultados das transações líder- em irregularidades, erros, exceções e
(Ativa) liderado. Na Ativa há o desvios das regras
monitoramento do comportamento
do seguidor e a antecipação de
Gestão-por-exceção O/A meu/minha líder espera que algo
problemas e na passiva, o líder atua
(Passiva) corra mal antes de agir
após o desencadear dos problemas.
Fator Definição da dimensão Item do MLQ (exemplo)
Grau em que o/a líder …
O/A meu/minha líder evita envolver-
Ausência ou evitamento de qualquer
Laissez-faire se quando surgem questões
liderança.
importantes
Nota. Construída a partir de Bass e Riggio (2006). Usámos a tradução dos itens para português
de Barreto (2009), com adaptações.

Este modelo propõe que a liderança transformacional e a transacional são distintas mas não
exclusivas já que os líderes eficazes usam uma combinação dos dois processos. Segundo Bass e
Riggio (2006), há correlações entre os diferentes componentes: o carisma e a liderança
inspiracional estão fortemente correlacionados e todos os componentes da liderança
transformacional se correlacionam entre si e com o reforço contingente. A gestão-por-exceção
passiva correlaciona-se com a liderança laissez-faire embora, no primeiro caso, o líder corrija o
liderado e no segundo tal não aconteça.
Numa abrangente meta-análise de 87 estudos publicados até 2003, Judge e Piccolo (2004),
reportam a alta validade da liderança transformacional. Esta meta-análise foi a primeira a incluir
o modelo total de liderança de Bass (1997) (que inclui as lideranças transformacional,
transacional e laissez-faire) e os dados apoiam, ainda, a validade da recompensa contingente e,
parcialmente, da liderança laissez-faire. Apontam, no entanto, para uma elevada correlação
entre as lideranças transacional e transformacional que “dificulta separar os seus efeitos únicos”
(Judge & Piccolo, 2004, p. 765).

5. Objetivos da análise ao caso apresentado

A empresa Pereira e Filhos Lda. é uma PME portuguesa que apresenta um conjunto de
características tipificadas no estudo de caso. Essas características condicionam a sua actuação
no que diz respeito às diferentes partes interessadas e ao modo como ela se relaciona com a sua
envolvente.

Os temas abordados são atuais e relevantes tendo em conta a dualidade de interesses existentes.
Por um lado, surge o trabalhador como uma parte mais frágil em virtude da sua subordinação
jurídica, económica e social e, por outro lado, surge a entidade empregadora que, visando a
competitividade e a inovação, se torna cada vez mais adepta de modalidades de flexibilização e
de cessação simples e rápidas, colocando, por vezes, em causa o princípio constitucional de
segurança e estabilidade no emprego, ínsito no art. 53.º da C.R.P. Conceitos como precariedade,
vulnerabilidade e despedimento encontram-se relacionados, produzindo insegurança,
instabilidade e medo. Trata-se de um tema que, de acordo com Monteiro Fernandes (2009), é
“juridicamente complexo e socialmente sensível” (p. 547).

Pretende-se que os alunos/formandos efetuem o enquadramento teórico com base na literatura


apresentada, apresentando uma estrutura de resposta contendo propostas de intervenção ou
solução. O conjunto dessas ações, procedimentos, práticas, estratégias a desenvolver, motivação
e envolvimento dos trabalhadores e das chefias intermédias, bem como o papel da liderança, da
cultura organizacional, do alinhamento da gestão de recursos humanos e a concordância deste
alinhamento com a estratégia de negócio serão conteúdos necessários a apresentar visando,
sobretudo, afetar o desempenho organizacional. Espera-se, nomeadamente, que identifiquem os
comportamentos caraterísticos da liderança transformacional e construam uma expetativa dos
desafios que se lhe colocam para que esta liderança atinja o seu potencial.

De notar que o presente caso explora a temática das práticas laborais por parte da empresa
Pereira & Filhos, Lda, evidenciando a importância do Direito do Trabalho na vida dos
indivíduos e identificando os efeitos da sua aplicação, nomeadamente em matéria de formação
de contratos e respetivas modalidades contratuais, organização do tempo de trabalho,
vicissitudes contratuais, cessação e conflitos coletivos de trabalho. Aos alunos é colocado o
desafio de deteção das (ir)regularidades existentes, pronunciando-se sobre os aspetos laborais
pertinentes e apresentando as respetivas propostas de solução, de forma a aplicar noções
jurídicas básicas dentro da sua área de atuação, indispensáveis ao sucesso das organizações.

Pretende-se, ainda, que as soluções propostas tenham impacto na forma como os Recursos
Humanos se posicionam, como se envolvem ao nível das políticas de atração, recrutamento e
retenção de capital humano, de formação e desenvolvimento e da gestão do desempenho e das
compensações, num enquadramento legal sólido onde os interesses das partes são valorizados.

6. Caso: Atravessar tempos de crise na Pereira & Filhos, Lda.

A empresa foi fundada em 1982 e está sedeada no concelho de Abrantes, tendo como principal
atividade a produção de pavimentos flutuantes em madeiras nórdicas. Possui três unidades
produtivas, em Abrantes, Lisboa e Évora e nove lojas de venda direta ao público em Faro,
Lisboa, Coimbra e Porto. Os seus principais mercados são a Holanda, a Alemanha, a França e a
Bélgica no centro da Europa, e a Polónia, a República Checa, a Ucrânia e a Rússia no leste
Europeu. A empresa opera nestes mercados através de agentes e distribuidores locais. Os seus
produtos são caracterizados por serem produtos de qualidade superior e a Pereira & Filhos Lda.
promove essa mesma imagem no mercado, através de um Marketing alicerçado num muito bom
design gráfico e apelando ao bom gosto do consumidor final. Os investimentos efetuados têm
sido avultados, tanto ao nível dos equipamentos industriais necessários como ao nível dos meios
de divulgação e promoção do produto. A empresa não possui qualquer certificação ambiental,
de qualidade ou de gestão florestal sustentável. Sendo uma empresa de cariz familiar, os
principais centros de decisão encontram-se nos elementos da família Pereira, da qual dependem
quatro Direções: Financeira, Recursos Humanos, Produção e Comercial.

6.1. Estrutura organizativa e desafios atuais da Pereira & Filhos Lda.

Na Administração (AD) têm assento quatro pessoas: o pai e fundador da empresa (Sr. José
Pereira) e três dos seus cinco filhos. Cada um dos filhos assegura a coordenação de uma
Direção: o Dr. António Manuel Pereira, de 45 anos é o mais velho e é o principal interlocutor
dos Diretores da Produção e da Comercial; o Dr. Adriano José Pereira, de 43 anos, é o
interlocutor do Diretor Financeiro; o Dr. Filipe Rodrigo Pereira, de 29 anos, terminou o
mestrado em Comportamento Organizacional há dois anos e, desde então, tem vindo a centrar a
sua atenção na gestão das pessoas.
O Diretor de Produção possui como formação base a engenharia mecânica, possui experiência
profissional na área e tem conhecimentos de inglês e de informática. As suas responsabilidades
envolvem assegurar o cumprimento dos objetivos da Produção, coordenar os chefes de equipa e
equipas de trabalho, responder perante os produtos não conforme e de qualidade, responder às
solicitações da comercial e negociar com os fornecedores de matérias-primas e materiais
subsidiários.
A Direção de Recursos Humanos (DRH) é assegurada por um licenciado em Gestão de
Recursos Humanos a quem compete, formalmente, assegurar o enquadramento dos
procedimentos emanados da AD, ao nível do recrutamento e seleção, componente legal e
administrativa, processos disciplinares e processamento salarial. A gestão da formação bem
como a da higiene, segurança e saúde no trabalho, também se encontram a seu cargo, sendo as
únicas áreas em que a AD não interfere diretamente, a não ser por questões de gestão financeira.
É-lhe solicitada a colocação de anúncios (nos jornais e outros meios de comunicação social)
para recrutamento de profissionais ligados a áreas mais administrativas, mas nas áreas mais
técnicas ou comerciais, quem toma a iniciativa de contactar e contratar é a Administração,
sendo posteriormente informado desse facto. A atividade do DRH na empresa é,
essencialmente, uma atividade discreta e não é convidado a participar nas reuniões de definição
de objetivos que a AD promove anualmente com as restantes Direções. Dessas reuniões surgem
as diretrizes estratégicas a implementar e desenvolver em termos comerciais para os próximos
dois anos.
Quando, em 1982, fundou a empresa, José Pereira teve de ultrapassar muitas dificuldades
económicas e considera que só o seu “pulso de ferro” permitiu que, mais do que uma vez, não
tivesse tudo “ido por água abaixo”. Só em 1995, depois da inauguração da nova linha de
envernizamento de pavimentos, na sua filial de Lisboa é que começou a respirar um pouco
melhor.
A Administração da empresa tem-se sentido desalentada. Nem tudo tem sido fácil. A crise
económica, as cargas fiscais elevadas, a diminuição do consumo têm sido os principais fatores
responsáveis pelas dificuldades económicas sentidas, forçando a empresa a adotar medidas
drásticas necessárias à sua sustentabilidade. A quebra de produção tem vindo a afetar os
fornecedores da empresa, de média dimensão, sendo que dois já despediram 30 trabalhadores
contratados a termo e 22 trabalhadores contratados por tempo indeterminado. Outros
fornecedores correm mesmo o risco de fechar as portas, em Évora.
Como forma de reagir às flutuações do mercado, em Abril passado, a AD confrontou os
trabalhadores com uma proposta alternativa ao despedimento: a redução do tempo de trabalho a
um turno durante o período de 17 de Agosto deste ano a 31 de Julho do próximo. Propôs, ainda,
que trabalhassem seis dias por semana nos períodos de maior produção e que reduzissem o
trabalho prestado para quatro dias nos períodos de quebra. Passaria a ser possível trabalhar oito
sábados por ano, com um limite de dois por mês, que seriam pagos como um dia de trabalho
normal. Outra hipótese seria a de, em alternativa e a partir dessa data, prestarem mais duas horas
de trabalho diário, com o limite de 50 horas semanais e de 150 horas anuais, mediante redução
equivalente do tempo de trabalho prestado em acréscimo. Também o trabalho prestado em dia
de feriado passaria a ser compensado mediante descanso compensatório com duração de metade
do número de horas realizadas.
Por outro lado, o Acordo de Empresa aplicável estipula a conversão automática dos contratos a
termo em contrato de trabalho sem termo quando se tratem de trabalhadores temporários que
exerçam funções na empresa há mais de um ano. Sucede que alguns dos trabalhadores, cujo
contrato foi convertido, têm sido instados a acordar a cessação dos seus contratos mediante o
pagamento de uma compensação correspondente a metade da compensação devida para o
despedimento coletivo. Outros trabalhadores contratados a termo têm vindo a ser informados de
que, de forma a controlar os custos, cessarão, impreterivelmente, as suas funções aquando a
verificação do seu termo, não sendo paga qualquer compensação.

6.2. O trabalho e o clima de trabalho na produção

O processo de produção da Pereira & Filhos, Lda. é caracterizado, sobretudo, pela receção das
ordens de encomenda pelos comerciais que as encaminham para a produção. Aqui, é
desencadeado o processo produtivo cujos prazos de entrega variam em função da
disponibilidade da matéria-prima. O tipo de trabalho desenvolvido no sector fabril é do tipo
taylorista e é caracterizado por trabalho físico e rotineiro. A empresa considera não serem
necessários conhecimentos técnicos específicos para desempenhar convenientemente este
trabalho: basta alguma atenção. Os trabalhadores fabris aprendem a conhecer os diferentes tipos
de madeira e as suas características no posto de trabalho. Nunca receberam formação
profissional nesse sentido.
A produção possui sete linhas de produção específicas para cada fase do processo produtivo.
Cada linha possui a sua própria equipa de trabalho, constituída por seis elementos, havendo um
chefe de equipa. As equipas são constituídas por trabalhadores não qualificados. O chefe de
equipa ocupa essa posição porque é o trabalhador com mais experiência, cabendo-lhe a
resolução de pequenos problemas, dentro da sua equipa, como a substituição de um membro da
equipa que faltou ou o esclarecimento de processos de trabalho junto dos recém-admitidos. O
trabalho de cada um destes trabalhadores resume-se a introduzir peças de madeira ou
contraplacado para maquinação, ou para colagem e envernizamento. Uma das práticas
instituídas na Produção é a da reunião semanal com o Director de Produção (DP).
As práticas efetivas de GRH são marcadas pelas rotinas administrativas e pelo conformismo às
regras ditadas pela AD. A empresa não possui uma descrição dos perfis de competências. Possui
um “Manual de Acolhimento do Colaborador” (MAC) e um manual de descrição de funções
muito elementar, contendo uma descrição sumária das principais funções da organização. O
acolhimento é realizado individualmente ou em grupo (conforme o número de trabalhadores
selecionados na altura) pelo DRH e consiste numa ação em que são explicitados os objetivos e
uma breve caracterização da empresa e dos direitos e deveres dos trabalhadores. Posteriormente
o trabalhador é integrado no posto de trabalho onde recebe “formação no posto de trabalho”.
A formação profissional é, essencialmente, interna e relacionada com os princípios instituídos
pela empresa no que diz respeito aos comportamentos a adotar, regras e normas internas
descritas no MAC. No ano passado, a empresa ministrou 312 horas de formação (86,6% interna
e 13,4% externa) tendo participado nestas ações 81 trabalhadores. A empresa realizou apenas 3
ações externas, destinadas aos diretores, que perfizeram 128 horas de formação (cerca de 41%
do número total de horas de formação). Houve, ainda, algumas ações de sensibilização às regras
de higiene, segurança e saúde.
Alegando uma tentativa de asiatização das relações laborais em Portugal e atendendo às
alterações laborais previstas, os trabalhadores da Pereira & Filhos, Lda. participaram numa
greve geral que reclamava a promoção da empregabilidade e exigia o fim da onda de
precariedade e de despedimentos.
A greve foi convocada, no dia de hoje, pela Confederação Geral de Trabalhadores com início no
próximo dia 27 de Agosto e com a duração de 5 dias, declarando que “os trabalhadores
interessados em aderir à ação grevista deverão nos primeiros e terceiros quinze minutos de cada
hora fazer curtas paragens nas tarefas que se encontrem a realizar”. A greve foi comunicada
através da comunicação social. Alguns trabalhadores, operários de outras empresas pertencentes
ao mesmo sector de atividade, não filiados em nenhum sindicato, não sabem se podem aderir à
referida greve. Têm receio de que as suas entidades empregadoras não liquidem as
remunerações devidas durante o período de adesão e que os despeçam com fundamento em
faltas injustificadas.
Certo é que, no decurso do processo de negociações, logrou-se o acordo, comprometendo-se as
associações patronais a não proceder a qualquer tipo de despedimento por causa objetiva
durante o período de dois anos, “salvo nos casos em que se verifique alguma alteração
significativa na situação económica das empresas signatárias ou do contexto envolvente”.

6.3. A gestão operacional da família Pereira

O pai tem 69 anos e pensa abandonar a direção geral, deixando tudo ao cuidado dos filhos,
quando fizer 70 anos, no princípio do próximo ano. Sendo, naturalmente, reservado e
determinado, costuma dar uma volta pelas instalações logo que chega à empresa. Raramente
fala com quem quer que seja mas acha que os trabalhadores sabem que ele se preocupa com
eles. Vai vendo caras novas mas não se preocupa em saber quem são. Basta-lhe saber se os
objetivos de produção e económicos estão a ser cumpridos. Está descansado em relação aos dois
filhos mais velhos e às raparigas (de 44 e 43 anos – gémea do Adriano –, que gerem as 9 lojas
distribuídas pelo país) mas considera que o filho mais novo é uma incógnita. Vê que ele gosta
do negócio e o entende bem, mas preocupa-se porque lhe parece que dá demasiada importância
às pessoas que aqui trabalham.
No final do dia costuma ter uma pequena reunião com os filhos para saber como correu o dia.
São reuniões calmas, onde os filhos o põem a par das contrariedades ou sucessos do dia e ele
lhes dá conselhos sobre a melhor forma de resolver os problemas. Só o filho mais novo vai
apresentando propostas de alteração ao estado das coisas na gestão das pessoas, que ele ouve,
mas recusa a maior parte das vezes. Por vezes, apercebe-se de que uma ou outra das suas
orientações não foi seguida. Recentemente, por exemplo, os filhos não acataram um conselho
seu. Após o fim do contrato de 7 trabalhadores, ele sugeriu que a produção passasse a fazer mais
2h/dia para satisfazer uma encomenda com prazo de entrega dentro de 9 meses, recusando o
pagamento de qualquer tipo de contrapartida pelo trabalho prestado em acréscimo. Viu que
tinham entrado pessoas novas e perguntou porquê. O António e o Adriano disseram-lhe que o
Filipe os tinha convencido de que contratar pessoas não só era mais económico como as
empresas deviam contribuir para a diminuição do desemprego local, em especial nas épocas de
crise económica nacional.
Discutiu com os dois filhos mais velhos (o Filipe ainda estava a fazer a licenciatura em Direito)
a admissão dos quatro diretores e conseguiu fazer-lhes ver que a opinião dele era a mais sensata,
pelo que admitiram quem ele escolheu. O DRH é diretor o mais recente na empresa porque o
anterior cessou a sua relação laboral há cerca de cinco anos, argumentando, para o efeito, a
lesão culposa e séria dos seus interesses patrimoniais.
No início deste ano, o Dr. Filipe Pereira pediu ao DRH uma caracterização dos recursos
humanos e recebeu o seguinte relatório relativo a dados do ano passado:
A empresa tem ao serviço 112 trabalhadores, sendo cerca de 80% do sexo masculino e
quase 20% do sexo feminino. A empresa tem sido reputada pela entrada das mulheres nas
linhas de produção permitindo-se indagar, por um lado, a divisão sexual do trabalho, e
questionar, por outro, a noção clássica de trabalho fundada na cisão entre mundo do
trabalho e do não trabalho.
A média etária situa-se nos 39 anos e a maioria dos trabalhadores (75%) possui como
formação escolar a escolaridade obrigatória. Em termos de qualificações, 60% dos
trabalhadores são “não qualificados”, estando os restantes 40% repartidos entre
“qualificados” e “altamente qualificados”. Estes últimos são licenciados nas áreas das
ciências sociais, comércio e direito e da engenharia.
No que concerne ao vínculo contratual, cerca de 73% dos trabalhadores possui contrato de
trabalho por tempo indeterminado, incluindo os quadros superiores. Os restantes
trabalhadores possuem contrato a termo certo e são “não qualificados”. No último ano
foram realizados 20 contratos de trabalho a termo, o que corresponde a cerca de 18% do
número de trabalhadores. É de considerar que 10 trabalhadores, depois de fazerem os testes
de admissão na empresa, foram contratados através de empresas de trabalho temporário
(sabe-se que é prática da empresa prometer, verbalmente, a celebração de futuros contratos
de trabalho).
Cerca de 58% dos trabalhadores encontram-se na empresa há mais de 15 anos e os restantes
há não mais de quatro anos. Aqui incluem-se os de contrato a termo certo que se
converteram em contrato de trabalho sem termo (30%). A percentagem de saída de
trabalhadores por caducidade do contrato a termo certo parece não ser muito significativa
(19,8%) comparativamente à percentagem de trabalhadores (cerca de 60%) que saíram nos
últimos três anos e que possuíam contrato de trabalho sem termo ou por tempo
indeterminado.
Existem escalões salariais na empresa mas os incentivos e benefícios associados são quase
inexistentes. A avaliação de desempenho não se faz apesar de existir um sistema muito
rudimentar baseado em escalas gráficas. Ao nível da formação profissional contínua,
cumprem-se os requisitos legalmente exigíveis, apresentando como áreas privilegiadas a
higiene, segurança e saúde no trabalho e a informática.
Ocorreram um total de 43 acidentes de trabalho, sendo que 14 encontram-se incluídos no
âmbito da baixa médica subsidiada (32,6%), equivalendo a 51 dias perdidos com baixa. A
taxa de absentismo da empresa ronda os 9,5%; valor acima da estatística para o sector.
Não existe plano de comunicação interna.
Os dados do estudo de clima social efetuado nesse mesmo ano revelaram igualmente que
70% dos trabalhadores apontaram a liderança da chefia direta, o ambiente de trabalho, o
conhecimento dos objetivos estratégicos e a partilha de informação como os principais
aspetos menos positivos da empresa.
A leitura do relatório deixou-o apreensivo e tem vindo a tentar alterar o clima da empresa,
embora tenha consciência que as mudanças são lentas e necessitam de ser planeadas para que
todos se sintam envolvidos e empenhados. Claro que o ambiente socioeconómico do país é,
simultaneamente, um aliado e um obstáculo para a visão que possui do que a Pereira & Filhos,
Lda. será daqui por 3 anos.
Da mesma forma que o pai, o Filipe costuma dar uma volta pelas instalações. No início fazia-o
diariamente mas agora estabeleceu para si mesmo que só o faz três dias por semana. Ao
contrário do pai, interage com os trabalhadores não só para conhecer melhor o trabalho que
estão a fazer, como para conhecer as pessoas. O irmão mais velho raramente “desce” à produção
mas parece conhecer bem tudo o que ali se passa.
Nas suas “deambulações” pela fábrica, o Filipe “descobriu” que a ideia das reuniões semanais
do DP com os chefes de equipa partiu de um dos chefes de equipa. Apercebendo-se de que os
membros da sua equipa de trabalho tinham dúvidas que, nem sempre, ele conseguia esclarecer,
o chefe de equipa propôs ao Dr. António que se fizessem as reuniões. O Dr. António achou boa
ideia e instituiu-as como obrigatórias. Todas as sextas-feiras os chefes de equipa reúnem com o
DP e com o Dr. António e colocam-nos a par do que se passou. Como o “velho Pereira” (como
é tratado o fundador) não gosta de “misturas”, nunca ninguém lhe disse que estas reuniões
acontecem semanalmente.
Quando soube das reuniões, o Filipe ficou muito admirado. Um dos seus objetivos a curto prazo
é participar nelas. Terá de dizer ao irmão que sabe da sua existência (sem lhe poder dizer quem
lhe disse) pois quer convencer os chefes de equipa a incentivar os trabalhadores a não só
colocarem dúvidas de trabalho mas, também, a fazerem propostas de resolução. Já se apercebeu
que as reuniões são muito produtivas mas também são uma forma de alguma
desresponsabilização: os trabalhadores fazem como o DP diz e não se envolvem o suficiente na
procura da melhor solução. Claro que a longa experiência dos mais antigos ajuda a resolver
dúvidas, mas mesmo esses nem sempre contribuem como ele acha que poderiam. Naturalmente,
sabe que para haver uma participação mais ativa e envolvida na organização, as pessoas
precisam de confiar na gestão e ter as competências básicas para analisar métodos de trabalho e
propor alterações. Está determinado a conseguir que os trabalhadores sintam que a empresa é
um bem de todos e não só da família dele.
Neste último ano e meio, Filipe aprendeu o nome de quase todos os trabalhadores; enviou dois
brinquedos aos recém-nascidos de dois contratados a termo certo e foi convidado para ser
padrinho de crisma do filho de um chefe de equipa. Embora tivesse recusado porque estava a
assistir a um congresso sobre liderança da American Management Association, justificou-se
perante o Rodrigo – o chefe de equipa que o convidou – e ficou logo combinado que seria
padrinho de crisma da bebé, quando chegasse a altura.
Houve um episódio, há cerca de 7 semanas, que o deixou particularmente surpreendido: um dos
novos operários estava a limpar a mesa de trabalho, no fim do turno, e estava a baralhar tudo.
Em vez de limpar as ferramentas e só depois a mesa, já estava a limpar a mesa e ainda tinha o
material por limpar. Perguntou-lhe o que se passava (ele já tinha visto como esse operário era
cuidadoso) e ele disse-lhe que a mulher estava no hospital porque tinha tido um acidente de
automóvel. O que o surpreendeu foi a cara de espanto do Mikael quando ele o mandou embora e
lhe garantiu que ele mesmo limparia o posto de trabalho. Do ponto de vista dele, perante uma
situação daquele tipo, os interesses do trabalhador enquanto esposo sobrepunham-se aos da
empresa. Para ele, as empresas têm de ser lugares humanizados e a intervenção dele não foi
mais do que a natural expressão dessa convicção.
Apesar de já estar a trabalhar na empresa há quase dois anos, só agora começa a haver um
diálogo franco com o DRH. Sabe que a avaliação de desempenho raramente é realizada, embora
a empresa possua um instrumento de avaliação de desempenho centrado nos comportamentos.
Também sabe que não existe plano de carreira dos operadores (o que existe baseia-se no CCT
aplicável que consagra, entre outros, as tabelas salariais). Sabe, ainda, que os trabalhadores
recebem o subsídio de alimentação. Também sabe que não são pagas quaisquer gratificações ou
prestações extraordinárias pelo bom trabalho prestado, sendo que a única prestação variável é a
que é atribuída aos comerciais em resultado das suas vendas (comissões).
No início, quando analisou com ele o futuro da empresa, em termos das políticas e práticas de
RH, obteve como resposta a frase “o único departamento que tem reuniões sistemáticas com a
Administração é a Direção Financeira”. Hoje parece-lhe que, não obstante as diversas
dificuldades sentidas, o DRH começa a acreditar que é possível mudar e que há bastante
trabalho a desenvolver para que a empresa não só sobreviva como seja considerada uma
referência do seu setor. Ele acredita que a sobrevivência da empresa depende não só dos
produtos que coloca no mercado (de que a família tanto se orgulha) mas também da sua
reputação enquanto empregador.

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