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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito do


Trabalho e Direito Processual do Trabalho

Augusto Luis das Chagas

Título: A Criação da Organização Internacional do


Trabalho na Conjectura Afirmativa dos Direitos
Humanos

Brasília – DF
2014
2

Augusto Luis das Chagas

Tema: A Criação da Organização Internacional do


Trabalho na Conjectura Afirmativa dos Direitos
Humanos

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do título de Especialista em Direito do
Trabalho e Direito Processual do Trabalho, no
Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola
da Magistratura do Trabalho da 10ª
Região/Associação dos Magistrados do Trabalho
da 10ª Região/Faculdade Processus.

Orientadora: Prof.ª Noemia Aparecida Garcia


Porto

Brasília – DF
2014
3

Augusto Luis das Chagas

Tema: A Criação da Organização Internacional do


Trabalho na Conjectura Afirmativa dos Direitos
Humanos

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do título de Especialista em Direito do
Trabalho e Direito Processual do Trabalho, no
Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola
da Magistratura do Trabalho da 10ª
Região/Associação dos Magistrados do Trabalho
da 10ª Região/Faculdade Processus.

Aprovado pelos membros da banca examinadora em __/__/__, com


menção ____ ( ______________________________________ ).
Banca Examinadora:

Presidente: Prof.

Integrante: Prof.

Integrante: Prof.
4

Em memória do meu saudoso tio Dr.


Ivan Vasconcellos Brito, juiz de direito no
estado de Alagoas.
5

Agradecimentos

A todos aqueles que se pautam pela Ética na aplicação do Direito em busca


de um ideal de Justiça.
6

"Dubitando ad veritatem pervenimus (duvidando chegamos à verdade)."

Marcus Tullius Cicero


"Sobre o Tratado de Versailles? Isto não é a paz. É apenas um armistício válido
pelos próximos vinte anos"
Ferdinand Foch
7

Resumo

Em 28 de junho de 1919 foi assinado um tratado que oficialmente pôs termo à


Primeira Guerra Mundial, mas que continha em sua Parte XIII a previsão para a
criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT. A instituição de um
organismo internacional voltado à produção de normas trabalhistas por meio de um
tratado de paz parecia salutarmente oportuna naquele momento, na medida que até
então se considerava o trabalho humano como um mero objeto de disputa entre as
nações.
Questiona-se se na idealização de uma paz mundial duradoura a criação da
OIT cumpriu verdadeiramente um propósito humanitário ou, a despeito dessa
aparência, serviu apenas como um pretenso instrumento inibidor para a prática do
dumping social no comércio internacional.
O tema proposto também tem sido abordado por outros autores, de cuja
contribuição bibliográfica encontra-se contextualizado os fatores políticos, sociais e
econômicos que circunstanciaram a concepção daquele organismo internacional, o
que norteou dialeticamente o procedimento de investigação da presente pesquisa.
Palavras chave: Criação da OIT. O trabalho como objeto de disputa. A crise do
sistema capitalista no início do Século XX. A questão operária nos países
industrializados. Dumping social no comércio internacional.
8

Abstract

On June 28, 1919 a treaty that officially ended World War I, but contained in its
Part XIII prediction for the creation of the International Labour Organization - ILO was
signed. The establishment of an international organization focused on production of
labor standards through a peace treaty did seem timely healthily at that time, to the
extent that until then was considered human labor as a mere object of dispute
between the nations.
It is questioned whether the idealization of lasting world peace creating ILO truly
fulfill a humanitarian purpose or, despite this appearance, served only as an
instrument purported inhibitor to practice social dumping in international trade.
The proposed theme has also been approached by other authors, whose
contribution is literature-contextualized political, social and economic factors that
promoted the conception that international body, which dialectically guided the
investigation procedure of the present research.
Keywords: Creation ILO. Work as a subject of dispute. The crisis of the
capitalist system in the early twentieth century. The labor problem in industrialized
countries. Social dumping in international trade.
9

LISTA DE ABREVIATURAS

AFL – American Federation of Labor


CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CR – Constituição da República
FMI – Fundo Monetário Internacional
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
OMC – Organização Mundial do Comércio
SDN – Sociedade das Nações
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
10

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO: AS PREMISSAS SOCIOLÓGICAS QUE MOTIVARAM A


CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÂO INTERNACIONAL DO TRABALHO ............. 11
2. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ANTECEDENTE À CRIAÇÃO DA OIT .. 14
3. O TRATADO DE VERSAILLES E A CRIAÇÃO DA OIT ........................................ 18
4. PROBLEMATIZAÇÃO: AS ORIGENS EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS DA OIT.......30
5. CONCLUSÃO ............................................................................................................ .36
11

1. INTRODUÇÃO: AS PREMISSAS SOCIOLÓGICAS QUE


MOTIVARAM A CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÂO
INTERNACIONAL DO TRABALHO

É praticamente unânime na doutrina juslaboral a afirmação de que o Direito do


Trabalho surgiu da necessidade de se impor melhores condições aos trabalhadores
frente ao desenfreado modo de produção capitalista a partir da realidade social
vivenciada com a Revolução Industrial no Século XIX1. A industrialização de então
exigia a intensificação do fator trabalho às custas de uma extensa jornada de
trabalho e do recrutamento de milhares de mulheres e crianças em troca de uma
remuneração ínfima de subsistência. Naquela época o sistema capitalista
encontrava-se confinadamente nacionalizado, em cuja política industrial de cada
país advogava-se por barreiras protecionistas ao comércio internacional a fim de
fortalecer as suas respectivas burguesias. À época o fator trabalho era encarado
como uma mera componente do custeio total da produção, assim como a matéria-
prima e a energia necessárias para mover o maquinário do processo produtivo.

Essa indiferença ante aos anseios da classe trabalhadora gerou graves


injustiças sociais, fomentando a formulação de teorias sociológicas contrárias aos
postulados do liberalismo burguês, a exemplo do anarquismo e do marxismo. Em
síntese, buscou-se teorizar que o sistema capitalista não era autossustentável e que
a ocorrência de crises contumazes era a ele inerente. Isso levava à conclusão de
que o capitalismo não era capaz de proporcionar o bem-estar à classe operária,
sendo ele somente voltado à reprodução do próprio capital. Daí a necessidade
revolucionária de substituir o capitalismo pelo socialismo, encontrando neste a
possibilidade real de redistribuição equitativa da produção oriunda do trabalho
humano 2.

Neste contexto, o Direito do Trabalho se justifica como ramificação da Ciência


Jurídica, surgido como reação às graves crises sociais até então não vivenciadas no
continente europeu, onde se encontrava as maiores potências industrializadas ou

1
CASSAR, Vólia Bonfim (2011:p.12).
2
Rosa Luxemburgo: no princípio era a ação; pág. 8; disponível em:
http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/site/economia/seminario/2012/ECN_30_05.pdf
12

em vias de se industrializar no decorrer do Século XIX e início do Século XX.


Naquela época (a belle époque), os defensores do liberalismo econômico, que
acreditavam na premissa de que o capitalismo era autoregulável, dispensando e até
repudiando a intervenção estatal nos negócios privados (o insofismável laissez-faire,
laissez-passer) não ofereciam respostas para o elevado surto de miséria presente
nas periferias das grandes cidades industriais. Isso reforçou a noção marxista sobre
o capitalismo de que este era uma contradição em si 3.

Em meio às incessantes crises, os capitalistas, voltados cada vez mais para


uma política imperialista de mercados, conquista de colônias e privilégios
aduaneiros, também não negligenciaram a importância do fator trabalho para a
chamada mais-valia4, retirando o máximo proveito dele para o reforço do seu capital.
Contudo, o mais importante nessa estratégia, diga-se generalizada, era que cada
capitalista agia com o mesmo propósito, não só porque ambicionava reforçar a sua
posição como também se antecipava a uma esperada postura equivalente dos
outros capitalistas, de modo que o comportamento de todos os atores do sistema
capitalista (as nações industrializadas) era no sentido de acirrar ainda mais a disputa
por maior mais-valia, em detrimento dos seus próprios trabalhadores e dos povos
colonizados. Isso explica em parte a grande corrida armamentista e ao sistema de
alianças internacionais que anteviu à Primeira Guerra Mundial5.

Com o conflito bélico de 1914-1918, o mundo presenciou o maior suplício


humano até então sem precedentes, ceifando a vida de mais de vinte e dois milhões
de pessoas. Suas causas, entre outras, estão relacionadas à autofagia do sistema
capitalista de então, dada a adversidade latente que o sistema proporcionou no
decorrer do Século precedente no cenário mundial. Quanto à classe trabalhadora
internacional, esta, considerando a argumentação antecedente, suportou o custo
social da guerra, seja na extenuante produção de armamentos, seja com a própria
vida nas trincheiras. Milhares, inclusive, sobreviveram incapacitados para o trabalho,
gerando altos déficits previdenciários para as nações beligerantes. Com o armistício

3
Idem, pág 8.
4
Mais-valia: Segundo Karl Marx, é valor residual do preço de um produto após a dedução de todos os custos
para fabricá-lo, estando entre eles o custo do fator trabalho. Era a grosso modo o lucro do capitalista e só a ele
devido na lógica do sistema.
5
Essa afirmação confere com a chamada Teoria dos Jogos, em que cada participante age não só em função da
sua própria convicção, mas também em função das possíveis escolhas dos outros participantes.
13

de 1918, os alemães foram obrigados no ano seguinte a aceitar os termos da sua


rendição no malfadado Tratado de Versailles, imposto pelos vitoriosos aliados para
sufocar a capacidade industrial germânica, oportunidade em que se inseriu doze
artigos (de 387 a 399) na sua Parte XIII para a criação da Organização Internacional
do Trabalho – OIT.

O que leva o autor deste trabalho a confeccioná-lo, a par do objetivo


acadêmico que lhe dá razão de ser, é a investigação sobre as causas possíveis que
levaram à criação da Organização Internacional do Trabalho num momento peculiar
da História Contemporânea. Essa peculiaridade, a sua criação na pauta da
celebração de paz pelo fim do conflito mundial de 1914-1918, incute uma certa
dúvida quanto aos verdadeiros fundamentos daquela organização que levaram os
países vencedores a incluir nos debates de Versailles um tema ao menos
aparentemente estranho à ocasião. Seria aquele momento histórico apenas
meramente oportuno para se afirmar a importância da dignidade humana, sendo o
direito a um trabalho digno uma das suas vertentes, em face da crueza de uma
guerra global? Ou o tema trabalho internacional estava indiretamente afeto a uma
das razões que fomentaram aquela guerra e que, caso negligenciado, poderia
acarretar um segundo conflito?6

A metodologia empregada para esse desiderato é puramente bibliográfica,


recorrendo-se ao acervo interdisciplinar contido nos livros de direito do trabalho,
sociologia jurídica e economia política, incluindo-se o acesso a documentos
historiográficos disponíveis na internet, em destaque para o preâmbulo da Parte XIII
do Tratado de Versailles, onde se afirma que a paz universal só poderá ser
alcançada com base na justiça social. E será justamente da análise dos artigos 387
a 399 dessa parte que sustentaremos todas as nossas premissas e conclusões na
presente pesquisa. A pergunta central, portanto, que nos propusemos a responder é:
que motivação, explícita ou implícita, levou a então Liga das Nações a criar a
Organização Internacional do Trabalho?

Temos como marco teórico os antecedentes históricos que contextualizaram a


criação da Organização Internacional do Trabalho, assunto tratado no próximo
tópico, bem como as premissas sociológicas que motivaram a elaboração de uma

6
Como de fato aconteceria entre 1939 a 1945.
14

legislação internacional voltada para disciplinar a relação capital-trabalho, intróito já


abordado no presente item.

Para tanto, desenvolveu-se a seguinte capitulação:

a) No item dois, logo a seguir, iremos expor a contextualização histórica


que antecedeu à criação da Organização Internacional do Trabalho;
b) No item três dissertaremos sobre a feitura do Tratado de Versailles em
1919 e a criação da própria OIT naquela ocasião;
c) No item quatro iremos expor a problemática que provoca a inquietação
que envolve a presente pesquisa, apresentando a argumentação
humanista da criação da OIT (tese) e a correspondente contra
argumentação política e econômica (antítese) da sua implantação no
momento em que se deveu, abordando todas as teorizações de maior
realce na literatura a favor da primeira argumentação, contrapondo-se
àquelas que acolhem a segunda argumentação; e
d) Finalmente, no item cinco e último, fecharemos o trabalho com a síntese
que julgamos ser pertinente para concluir o desafio proposto.

2. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ANTECEDENTE À


CRIAÇÃO DA OIT

O Século XIX foi inaugural para a Idade Contemporânea, embora a


historiografia oficial tenha elegido o ano de 1789 (início da Revolução Francesa)
como sendo o início desta. Foi nesse período que ocorreram diversas
transformações tecnológicas e sociais marcantes, uma influenciando a outra, e que
reverberaria no século seguinte. No campo da técnica cita-se por evidência a
Revolução Industrial, inicialmente inglesa, depois europeia continental, e por fim
extra europeia. No campo social tivemos as revoluções de 1830 e 1848 na Europa,
além da revolução operária de 1871 em Paris, como sendo emblemáticas para o
tema aqui exposto.

Na literatura e nas outras artes retratou-se bem a visão daqueles


acontecimentos, bem como os seus reflexos experimentados pela sociedade da
15

época7. A idealização de um mundo liberal-burguês por meio do romantismo


contrastava-se com o realismo reacionário dos milhares de desamparados pelo
estorvo do capitalismo industrial emergente. O mundo do trabalho despertava, a par
da sua importância como componente econômica do sistema, pela sua significância
existencial para milhões de pessoas. Contudo, para o capitalismo o trabalho era um
mero fator de produção, uma variável que precisava ser habilmente controlada para
o efetivo funcionamento da equação econômica8, enquanto que para os
trabalhadores era o seu único meio de vida palpável.

Foi nesse contexto que surgiram as teorias reacionárias ao capitalismo, pela


lavra de Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich Engels (1820 - 1895) em O Manifesto
Comunista (1848), e pelo anarquismo de Pierre-Joseph Proudhon (1809 - 1865) em
O que é a Propriedade? Pesquisa sobre o Princípio do Direito e do Governo (1840),
e de Mikhail Bakunin (1814 - 1876) com Deus e o Estado (1871). Seus seguidores
fundaram a Associação Internacional dos Trabalhadores (1864), também conhecida
como Primeira Internacional, criada com o objetivo de fomentar a emancipação dos
trabalhadores do domínio burguês.

Esse estado de coisas deixava patente que o sistema capitalista era


abertamente questionado, visto que o benefício que ele gerava era
assimetricamente repartido entre os donos da propriedade produtiva e a classe
obreira, sendo essa assimetria evidentemente desfavorável a esta última. O clamor
por reformas sociais exigia profundas alterações na estrutura da sociedade,
reformas essas que sufragavam pela supressão da propriedade privada e dos meios
de produção. O Estado era visto como uma burocracia a serviço dos interesses da
classe dominadora, enquanto que a Igreja era encarada como uma instituição
voltada para alienar o povo subserviente9. Não por menos, qualquer insurreição
nesse sentido era vista como um atentado contra o Estado e contra a moral cristã,
subliminarmente colacionados com os interesses da classe burguesa nesse embate
ideológico.

7
Os Miseráveis, Victor Hugo (1862).
8
Teoria do Valor-Trabalho, advogada por Adam Smith (1723 - 1790) e por David Ricardo (1772 - 1823).
9
Premissas para uma explicação do chamado materialismo histórico proposto por Karl Marx.
16

Não por acaso, a Igreja Católica apresentou sua “contra-reforma” às ideias


marxistas com a encíclica Rerum Novarum10 do Papa Leão XIII (1810-1903) em
1891, que mais tarde daria germinação à Doutrina Social da Igreja. A Igreja
percebeu que se ela desse as costas para as questões seculares de cunho social,
sua legitimidade como instituição estaria seriamente comprometida, além da
necessidade premente de se contrapor contra qualquer ideologia ateísta, como a
dos comunistas. Quanto ao aparato estatal, sua reação às reformas sociais
propugnadas se deu pela repressão policial, com a proibição à formação de
sindicatos ou de quaisquer associações de classe11, bem como a incitação de
greves, além do aprisionamento de líderes reformadores ou do seu exílio,
criminalizando a insurgência laboral12.

No âmbito jurídico tivemos flagrantes repercussões durante o período


oitocentista, como a constitucionalização dos direitos sociais, a começar, conforme
lição do saudoso Arnaldo Süssekind, pela Constituição da Suíça de 1874 e
emendada em 189613. Segundo esse renomado jurista, deve-se a Robert Owen
(1771 - 1858) a inauguração do que hoje conhecemos por Direito do Trabalho, visto
ter sido esse empresário escocês voluntarioso na formulação de medidas protetoras
aos seus trabalhadores propondo inclusive um tratado internacional sobre limitação
de jornada de trabalho14.

Sob intensa pressão política e social, os parlamentos europeus começaram a


tolerar a formação de coalisões entre trabalhadores e entre empresários, a fim de
conciliar seus interesses, como se deu na Inglaterra em 1824, regulamentando o
direito à sindicalização em 1871 (Trade Unions Act). Na França, no mesmo sentido,
adotou-se a Lei Waldeck-Rousseau de 1884. Com Otto Von Bismarck (1815 - 1898)
a Alemanha implantou os primeiros sistemas de seguros sociais: enfermidade
(1883), acidente do trabalho (1884) e velhice e invalidez (1889). Tais concessões
visavam, contudo, conter a sedução socialista junto às massas por reformas mais
radicais. Nas palavras de Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, a partir da
fábrica, e em razão dela, as movimentações operárias ocorridas entre metade do

10
"Das Coisas Novas": sobre a condição dos operários.
11
Lei Chapelier (1791).
12
Crime de sedição.
13
SÜSSEKIND, Arnaldo (2010: p. 13).
14
Congresso de Aix-la-Chapele (1818), apud SÜSSEKIND, Arnaldo (2010: p. 9).
17

Século XIX e as primeiras décadas do Século XX foram decisivas para a efetivação


e o questionamento acerca da extensão dos direitos liberais clássicos. E,
reivindicando, “os trabalhadores se constituiriam como cidadãos, através de uma
ação política ativa”15.

Neste cenário reacionista, propiciou-se o desenvolvimento de uma Teoria do


Poder Constituinte, por onde invocava-se uma autêntica democracia representativa.
Daí o surgimento do chamado constitucionalismo social, para promover
materialidade aos direitos fundamentais, que a partir de então deveriam abranger
toda uma gama de direitos sociais, tais como saúde, educação, trabalho, previdência
e seguridade. Nascia um novo modelo de Estado, o Estado do Bem-Estar Social
(Welfare State), cujas constituições eram permeadas de dispositivos de alta
programaticidade, permitindo a intervenção estatal na ordem econômica e social,
visando uma pretensa igualdade material.

Contudo, a adoção de medidas sócio-protetoras não se deu de forma uniforme


entre os diversos países, sobretudo porque o grau de maturidade industrial e a
extensão dos impérios coloniais eram bastante díspares entre as grandes potências.
Alguns impérios, como o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano,
congregavam diversidades étnicas dentro de mesmo corpo político, gerando grandes
tensões nacionalistas internas. A exasperação do cientificismo, sob o qual se
baseou o chamado Darwinismo Social 16, difundiu teorias antropológicas baseadas
na hierarquia entre raças, normalmente associadas ao conceito de nação, a justificar
o imperialismo colonial intercontinental e até mesmo dentro do próprio território
nacional sobre as suas minorias étnicas. O fortalecimento do espírito nacionalista,
conforme discorrido, nutria-se de um forte sentimento de desconfiança
transfronteiriço, colocando a Europa em permanente estado de mobilização militar.

O desequilíbrio de forças no continente era um reflexo do acentuado desnível


econômico e social, sobretudo em relação aos países do leste europeu, a destacar
as repúblicas balcânicas. Foi justamente nesse pequeno teatro geopolítico que, em

15
SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da (2007: pp. 1357-1358).
16
O Darwinismo Social é uma variante da Teoria da Evolução de Charles Darwin (1809-1882) aplicada às
ciências sociais, mediante a qual se supunha que determinadas sociedades, e a sua projeção política – as
nações –, mais evoluídas teriam a aptidão natural e legítima de se sobrepor às demais no espaço geográfico,
daí a justificativa para o imperialismo capitalista no Século XIX.
18

28 de junho de 1914, na cidade de Sarajevo, foi assassinado o Arqueduque Austro-


Húngaro Francisco Ferdinando por um estudante sérvio, fato que se tornou o
estopim político para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Em suma, temos que o advento do capitalismo industrial como tal, surgido com
a Revolução Industrial conforme discorrido alhures, provocou efeitos colaterais
adversos para o meio ambiente social, visto que o desenvolvimento do sistema
capitalista de então se deveu às custas da pauperização do proletariado. As tensões
sociais daí resultantes deu azo a diversos questionamentos contrários àquele
sistema, tanto no plano teórico quanto nas vias de fato, germinando a simpatia
popular pelo socialismo. Paralelamente, acirrou-se entre as nações industrializadas
a disputa por fatores produtivos, tais como colônias e mão-de-obra, sendo que,
quanto a este último, nos países onde os trabalhadores tinham baixa organização
sindical os capitalistas certamente obtinham um custo laboral menor, colocando em
desvantagem a competitividade de algumas nações em relação às outras, o que
reforçou a crise intestina do sistema capitalista que desaguou em estado de
beligerância internacional.

3. O TRATADO DE VERSAILLES E A CRIAÇÃO DA OIT

Terminada a Primeira Grande Guerra, advieram alguns tratados de paz


firmados entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente, entre eles o mais importante, o
Tratado de Versailles, verdadeiramente um termo de rendição imposto à Alemanha
pela Inglaterra e pela França. Curiosamente, inseriu-se entre os seus termos uma
parte composta por treze (13) artigos com a seguinte redação17:

PARTE XIII.

TRABALHO.

SEÇÃO I.

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO.

17
Tradução livre do sítio eletrônico http://net.lib.byu.edu/~rdh7/wwi/versa/versa12.html
19

CONSIDERANDO que a Liga das Nações, tem por objetivo o estabelecimento da paz
universal, e essa paz só pode ser estabelecida se for baseada na justiça social;

E CONSIDERANDO que existem condições de trabalho que envolvem tal injustiça,


sofrimento e privações para um grande número de pessoas a produzir agitação tão grande que
a paz e a harmonia do mundo estão em perigo; e uma melhoria dessas condições é
urgentemente necessária: como, por exemplo, a regulamentação das horas de trabalho,
incluindo o estabelecimento de um dia de trabalho máximo e semanal, a regulamentação da
oferta de trabalho, a prevenção ao desemprego, a prestação de um salário mínimo adequado,
a proteção do trabalhador contra doenças, acidentes e lesões decorrentes de seu emprego, a
proteção das crianças, dos jovens e das mulheres, a prevenção para a idade e para a lesão
permanente, a defesa dos interesses dos trabalhadores quando empregados em outros países
que não o seu próprio país, o reconhecimento do princípio da liberdade de associação, a
organização do ensino profissional e técnico e outras medidas;

CONSIDERANDO também o fracasso de qualquer nação a adotar condições humanas


de trabalho é um obstáculo no caminho de outras nações que desejam melhorar as condições
nos seus próprios países;

As Altas Partes Contratantes , movidas por sentimentos de justiça e humanidade , bem


como pelo desejo de garantir a paz permanente do mundo, acordam com o seguinte:

CAPÍTULO l.

ORGANIZAÇÃO.

ARTIGO 387.

Uma organização permanente é estabelecida para a promoção dos objetivos previstos no


preâmbulo.

Os membros originais da Liga das Nações serão os membros originais desta


organização e uma adesão posterior à Liga das Nações levará o membro a aderir à referida
organização.

ARTIGO 388.

A organização permanente é composta por:


20

(1) a Conferência Geral dos Representantes dos membros e,

(2) uma Organização Internacional do Trabalho controlada pelo Grupo Executivo,


descrito no artigo 393.

ARTIGO 389.

As reuniões da Conferência Geral de representantes dos membros devem ser realizadas


ao longo do tempo conforme as circunstâncias o exigirem, e pelo menos uma vez em cada
ano. Elas serão compostas por quatro representantes de cada um dos membros, dos quais dois
serão delegados do governo e os outros dois serão delegados representando, respectivamente,
os empregadores e os empregados de cada um dos membros.

Cada delegado pode ser acompanhado por assessores, que não poderá exceder em
número de dois para cada item da agenda da reunião. Quando questões que afetem
especialmente as mulheres estiverem a ser consideradas pela Conferência, pelo menos um
dos conselheiros deve ser uma mulher.

Os membros comprometem-se a indicar delegados e conselheiros não-governamentais


escolhidos de acordo com as organizações industriais, caso existam essas organizações, que
serão as mais representativas entre empregadores ou entre empregados, conforme o caso, em
seus respectivos países.

Os assessores não se manifestarão exceto mediante um pedido feito pelo delegado que o
acompanhem e por uma autorização especial do Presidente da Conferência, não tendo direito
a voto.

Um delegado poderá, mediante notificação por escrito dirigida ao Presidente, nomear


um de seus conselheiros para atuar como seu vice, e ao conselheiro, enquanto assim agir,
serão permitidas a voz e voto.

Os nomes dos delegados e seus conselheiros serão comunicados à Organização


Internacional do Trabalho do Governo de cada um dos membros.

As credenciais dos delegados e seus assessores estarão sujeitas ao escrutínio pela


Conferência, que poderá, por dois terços dos votos dos delegados presentes, recursar-se a
admitir qualquer delegado ou conselheiro a quem considere não ter sido nomeado em
conformidade com presente artigo.
21

ARTIGO 390.

Cada delegado terá direito a votar individualmente em todas as questões que serão
levadas em consideração pela Conferência.

Se um dos membros não nomear um dos delegados não-governamentais a quem tem o


direito de nomear, ao outro não-delegado do governo deve ser permitido sentar-se e falar na
Conferência, mas não a votar.

Se, em conformidade com o artigo 389, a Conferência se recusar a admitir um delegado


de um dos membros, as disposições do presente artigo aplicam-se como se esse delegado não
houvesse sido nomeado.

ARTIGO 391.

As reuniões da Conferência serão realizadas na sede da Liga das Nações, ou em


qualquer outro lugar que venha a ser decidido pela Conferência, em uma reunião anterior por
dois terços dos votos dos delegados presentes.

ARTIGO 392.

A Organização Internacional do Trabalho será estabelecida na sede da Liga das


Nações, como parte da organização da Liga .

ARTIGO 393.

A Organização Internacional do Trabalho, deverá estar sob o controle de um


Conselho de Administração composto por vinte e quatro pessoas, nomeadas de acordo com as
seguintes disposições:

O Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho será


constituído da seguinte forma:

Doze pessoas que representam os governos;

Seis pessoas eleitas pelos delegados à Conferência representando os empregadores;

Seis pessoas eleitas pelos delegados à Conferência representando os trabalhadores.

Das doze pessoas que representam os governos, oito serão indicadas pelos membros que
são da maior importância industrial, e quatro serão indicadas pelos membros selecionados
22

para esse efeito pelos delegados governamentais na Conferência, excluindo-se os delegados


dos oito membros mencionados acima.

Qualquer dúvida a respeito de quem serão os membros de maior importância industrial


será decidida pelo Conselho da Liga das Nações.

O período do mandato dos membros do Conselho de Administração será de três anos.


O método de preenchimento de vagas e outras questões semelhantes podem ser determinadas
pelo Conselho de Administração sujeitos à aprovação da Conferência.

O Conselho de Administração deve, de tempos em tempos, eleger um de seus


membros para atuar como seu presidente, devendo regular o seu próprio processo, fixando os
seus próprios momentos de reunião. Uma reunião especial será realizada se um pedido por
escrito nesse sentido é feita por pelo menos dez membros do Conselho de Administração.

ARTIGO 394.

Haverá um Diretor do Escritório Internacional do Trabalho, que será nomeado pelo


Conselho de Administração, e, de acordo com as instruções do Conselho de Administração,
é responsável pela condução eficiente da Organização Internacional do Trabalho e por
outras tarefas que lhe forem atribuídas.

O diretor ou o seu delegado deve comparecer a todas as reuniões do Conselho de


Administração.

ARTIGO 395.

O pessoal da Organização Internacional do Trabalho será nomeado pelo diretor, que


deve, na medida do possível, tendo em conta a eficiência do trabalho do escritório, selecionar
pessoas de diferentes nacionalidades. Um certo número destas pessoas serão mulheres.

ARTIGO 396.

As funções da Repartição Internacional do Trabalho incluem a recolha e a


distribuição de informação sobre todos os assuntos relacionados com o ajuste internacional
das condições de vida e de trabalho industrial e, particularmente, o exame de assuntos que
23

se propõe a trazer antes da Conferência, com vista à conclusão de convenções internacionais,


e à realização de tais investigações especiais que possam ser solicitados pela Conferência.

Ela vai preparar a agenda para as reuniões da Conferência.

Ela vai exercer as funções que lhe forem solicitadas pelas disposições desta parte do
presente Tratado em relação a disputas internacionais .

Ela vai editar e publicar em Francês e Inglês, e em outras línguas que o Conselho de
Administração puder considerar, e um jornal periódico cuidará de noticiar os problemas da
indústria e do emprego de interesse internacional.

Em geral, para além das funções estabelecidas no presente artigo, ela deve ter outros
competências e atribuições que lhe forem atribuídas a ela pela Conferência.

ARTIGO 397.

Os departamentos governamentais de qualquer um dos membros que lidarem com as


questões da indústria e do emprego podem se comunicar diretamente com o diretor através do
representante de seu governo no Conselho de Administração da Organização
Internacional do Trabalho, ou na falta de tal representante, através de qualquer outro
funcionário qualificado pelo governo pode ser nomeado para tal efeito.

ARTIGO 398.

A Organização Internacional do Trabalho terá direito à assistência do Secretário-


Geral da Liga das Nações, em qualquer assunto em que pode ser dado.

ARTIGO 399.

Cada um dos membros vai pagar as despesas de viagem e de estadia dos seus delegados,
dos seus conselheiros e de seus representantes presentes nas reuniões da Conferência ou
Órgão, conforme o caso.

Todas as outras despesas da Organização Internacional do Trabalho e das reuniões


da Conferência ou Órgão serão pagos ao Diretor pelo Secretário-Geral da Liga das Nações, a
partir dos fundos gerais da Liga.

O diretor é responsável perante o Secretário - Geral da Liga para a despesa adequada de


todos os valores pagos a ele em termos do presente artigo.
24

A partir da leitura da Parte XIII desse histórico documento, podemos extrair


certas inferências úteis à conclusão deste trabalho, elegendo-o para tal como o
nosso marco teórico. Logo de início, o texto deixa patenteado que a paz universal só
poderá ser estabelecida através de uma justiça social. Então, temos uma primeira
premissa de que a justiça social é uma condição sine qua non para a paz universal.
Por justiça social o texto exemplifica citando melhorias nas condições sociais dos
trabalhadores de qualquer pais, como jornada de trabalho máxima, salário mínimo,
prevenção de acidentes do trabalho e liberdade de associação sindical. Mas por que
se entende que essa justiça social interfere tão percuciente na paz universal,
propósito este tão almejado pelos elaboradores daquele tratado? A resposta a essa
indagação parece vir logo a seguir, quando se diz: o fracasso de qualquer nação a
adotar condições humanas de trabalho é um obstáculo no caminho de outras nações
que desejam melhorar as condições nos seus próprios países (grifamos).

Entendemos, diante dessas considerações expostas na Parte XIII, que há uma


sutil ambiguidade na justificativa para se alcançar uma paz universal, que no
contexto histórico da época poderia ser traduzida como sendo uma forma para se
evitar o surgimento de um novo conflito. Essa ambiguidade pode ser percebida
através da formulação de dois questionamentos:

1) Era desejo das nações vencedoras estabelecer uma paz universal e para
tanto seria necessário estabelecer uma justiça social no seio de cada país?
Essa seria a motivação dita humanitária.
2) Ou a constatação de haver menos justiça social em certos países
provocava um desequilíbrio internacional capaz de prejudicar a economia
das nações com maior índice de justiça social? Essa seria uma motivação
instrumentalista para se promover a justiça social.

É de se notar que ambas as indagações acima podem perfeitamente ser


respondidas afirmativamente, ou seja, a confirmação de uma não necessariamente
invalida uma afirmação dada à outra. É possível, por exemplo, que a primeira,
admitida como motivação humanitária, tenha sido explicitamente declarada, mas a
segunda motivação, dita nesse trabalho como sendo instrumental, tenha sido
complementar e implícita à primeira.
25

A própria OIT, na publicação A OIT: origens, funcionamento e actividade,


dispõe que argumentos humanitários, políticos e econômicos a favor da definição de
normas internacionais do trabalho levaram à criação da OIT 18. De acordo com essa
mesma publicação, o primeiro argumento a favor da criação da OIT era humanitário,
explícito no Preâmbulo da sua Constituição segundo o qual “existem condições de
trabalho que implicam para um grande número de pessoas a injustiça, a miséria e
privações...”. O segundo possuía natureza política e, nesse particular, algo de
interessante se argumentou ao se prescrever que se as condições existenciais e
trabalhistas não melhorassem, os trabalhadores, em número cada vez maior devido
ao processo de industrialização, criariam certamente distúrbios sociais, podendo
mesmo fomentar a revolução (!)19. A terceira argumentação, que nos desperta a
maior atenção nesse trabalho monográfico, relaciona-se a aspectos econômicos da
conjectura da época. Em virtude dos inevitáveis efeitos de uma reforma social sobre
os custos de produção, qualquer setor econômico ou país que tentasse implementá-
la ficaria em desvantagem face aos seus concorrentes20.

Segundo um estudioso em Direito Internacional do Trabalho, Nicolas Valticos,


citado por Arnaldo Süssekind:

A Primeira Guerra Mundial produziu profundas modificações na posição e


no peso da classe trabalhadora das potências aliadas. A trégua social e
cooperação que se estabeleceu na Europa Ocidental entre os dirigentes
sindicais e os governantes, os grandes sacrifícios suportados especialmente
pelos trabalhadores e o papel que desempenharam no desenlace do conflito,
as promessas dos homens políticos de criarem um mundo novo, a pressão das
organizações obreiras para fazer com que o Tratado de Versalhes consagrasse
as suas aspirações de uma vida melhor, as preocupações suscitadas pela
agitação social e as situações revolucionárias existentes em vários países, a
influência exercida pela Revolução Russa de 1917, foram fatores que deram
um peso especial às reivindicações do mundo do trabalho no momento das
negociações do tratado de paz. Estas reivindicações expressaram-se, tanto em
ambos os lados do Atlântico como em ambos os lados da linha de combate,

18
A OIT: origens, funcionamento e atividade, página 4. Disponível em www.ilo.org/communication.
19
Trata-se de uma alusão à Revolução Bolchevique ocorrida um ano antes na Rússia.
20
Idem nota 17.
26

inclusive durante os anos de conflito mundial. Ao final da guerra, os governos


aliados, e principalmente os governos francês e britânico, elaboraram projetos
destinados a estabelecer, mediante o tratado de paz uma regulamentação
internacional do trabalho.21

Diante dessa argumentação, não podemos desvencilhar o surgimento do


chamado Direito Internacional do Trabalho com a própria criação da Organização
Internacional do Trabalho que, independentemente das motivações que a
promoveram, visava impor uma legislação trabalhista universal para garantir uma
paz mundial, postura que essa organização apresenta perante o cenário
internacional ainda hoje. Mas uma questão que poderia ser formulada seria: se
houvesse uma maior justiça social naquela época a guerra poderia ser evitada? A
resposta para essa pergunta necessitaria um maior aprofundamento das razões que
levaram à deflagração da Primeira Grande Guerra, o que extrapolaria os objetivos
desse trabalho acadêmico. Contudo, pode-se afirmar com uma boa margem de
convicção que a questão social vivenciada pelas populações dos países que viriam
a se digladiar no conflito de 1914-1918 não foi a única evidenciação presente
naquele conflito, e nem foi a mais predominante. Autores como Rosa Luxemburgo
(1871 – 1919), em A Acumulação do Capital (1913), e Rudolf Hilferding (1877 –
1941), autor de O Capital Financeiro (1910), repudiaram em seus inúmeros escritos
o capitalismo imperialista e atribuíram a ele a grande causa da guerra.
Em Die Akkumulation des Kapitals (1913; A Acumulação do Capital), Rosa
Luxemburgo expõe as contradições do capitalismo imperialista, em função das quais
este não tem como gerar por si só as condições necessárias a seu desenvolvimento,
pois o próprio dinamismo de seu processo produtivo depende de uma expansão
para áreas não capitalistas, constituídas seja de certas regiões de um país, seja de
outros países, subdesenvolvidos22. Para Rosa Luxemburgo, o capitalista visa tão
somente a mais-valia, e não o benefício social da produção, e essa mais-valia é que
permitirá o acúmulo de capital necessário para a reprodução do próprio capital, ou
seja, para esta autora o capitalismo é um fim em si mesmo 23. Ocorre que esse
processo só é viável se houver mercados externos não-capitalistas (como colônias,

21
VALTICUS, Nicolas, apud Süssekind, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho, São Paulo, LTr, 2ª ed., p.52.
22
BARSA, Enciclopédia. Rosa Luxemburgo, pp. 153-154, Volume 9. São Paulo: Barsa Consultoria Editorial Ltda.,
2001.
23
CARCANHOLO, Marcelo Dias. Apontamentos Críticos Sobre a Teoria da Crise em Rosa Luxemburgo.
27

países de economia pré-capitalista etc.) que são acirradamente disputados pelas


potências industrializadas.

O protecionismo nacionalista, dificultando o acesso a determinados capitalistas


aos mercados externos, coloca os países industrializados em estado de tensão,
expondo o sistema a uma crise, pois não há como realizar o consumo da produção
acumulada e, por conseguinte, reproduzir a mais-valia. A não reprodução da mais-
valia interrompe o processo de acumulação do capital, logo, a crise ocorre porque o
mercado externo não é capaz de realizar todo o valor produzido pela economia
capitalista devido a uma insuficiência de consumo (o subconsumo), que não permite
realizar todo o valor ofertado. Segundo Rosa Luxemburgo, as crises são inerentes à
economia capitalista justamente porque o subconsumo é contumaz ao processo de
acumulação24. Mas de que forma tudo isso afeta a mão-de-obra, a classe
trabalhadora? Afeta porque embora antagônicos, os interesses do capitalista, este
em busca da reprodução do capital, e os dos trabalhadores, que buscam o benefício
social da produção, ambos, o capital e o social, são anverso e verso de uma mesma
moeda. Se o primeiro adoece com a crise, o segundo se contagia da mesma
doença, tal como ocorre desde então25. E a crise analisada por Rosa Luxemburgo
culmina com a guerra de 1914-1918, sendo esta uma causa daquela.

Contudo, uma guerra, além de trazer dessabores, também traz conveniências.


A produção de armamentos e a extenuação da mão-de-obra para o esforço de
guerra racionalizava a produção de alimentos e outras subsistências para as
populações dos países envolvidos no conflito. A Primeira Guerra Mundial foi, do
ponto de vista militar, uma guerra de desgaste, onde enormes contingentes se
atritavam ao longo de quilômetros de linhas de frente, fazendo com que a vitória final
pendesse sem definição para qualquer um dos lados. Os socialistas, pretendendo
realizar uma revolução operária, perceberam que a guerra era uma grande
oportunidade para o seu intento. O mais astuto deles, Wladimir Ilitch Lenin (1870-
1924), um dissidente político e opositor do czarismo russo exilado na Suíça, buscou
secretamente o apoio do governo alemão para iniciar uma revolução socialista na
Rússia, sob a promessa de retirá-la da guerra assim que assumisse o poder. A

24
Rosa Luxemburgo: no princípio era a ação; pág. 8; disponível em:
http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/site/economia/seminario/2012/ECN_30_05.pdf
25
Há de se reconhecer que essa argumentação é atemporal e universalizante na ceara trabalhista.
28

Revolução Russa de 1917 foi exitosa e a promessa foi cumprida (Tratado de Brest-
Litovsk). Interessante é a observação de Rosa Luxemburgo para explicar porque a
primeira revolução socialista se deu na Rússia, e não na Alemanha. Segundo ela:

"A consciência de classe funda-se na ação das massas contra a ordem


estabelecida e, por isso mesmo, os operários russos, atrasados e instintivos,
conseguiram num curto espaço de tempo ultrapassar os alemães,
politicamente educados pelo partido e pelos sindicatos, mas presos a
reivindicações imediatas dentro da legalidade."26

O mundo capitalista assistiu a esse acontecimento com extrema perplexidade:


o socialismo, antes teórico e até então meramente subversivo, agora tornava-se real.
Além de ter que combater o inimigo que se encontrava do outro lado do front, agora
também surge um outro dentro do seu próprio território: a revolução 27.

A revolução operária agora era possível, e as agruras da guerra a tornaram um


caminho viável para o estabelecimento da paz necessária para o fim das inúmeras
mazelas que a guerra trazia para essa classe, independentemente do país a que
pertencesse. O capital é nacionalizado, ele financia o militarismo e a indústria da
guerra. O proletariado, por sua vez, ignora qualquer bandeira, pois o sofrimento
naquele momento é apátrida. Curiosamente, os beligerantes perceberam que a
promoção de revoltas, greves e motins no país inimigo poderia ser um apropriado
expediente para enfraquecer o oponente, tal como ocorreu na Inglaterra em 1916,
na França e na Itália em 1917,e na Alemanha em 1918. O socialismo passou a ser
um inimigo comum e o seu assombro tornou-se tão atroz quanto a derrota na guerra.
Nesse contexto, saiu-se pior a Alemanha, que possuía uma oposição socialista mais
amadurecida, como a Liga Espartaquista (Spartakusbund), que fomentou, em 1918,
uma revolução socialista na Alemanha nos mesmos moldes que a ocorrida na
Rússia um ano antes. Esse fato provocou, entre outras razões, a derrocada alemã
na guerra, a abdicação do Kaiser Guilhem II, o armistício com os Aliados em 11 de
novembro daquele ano e, por conseguinte, o malfadado Tratado de Versailles.

26
LOUREIRO, Isabel Maria; Democracia e socialismo em Rosa Luxemburgo; pág. 47; disponível em
http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo234_Isabel.pdf
27
Documentário da BBC, disponível em http://mixdaelaine.blogspot.com.br/2014/03/documentario-primeira-
guerra-capitulo-8.html
29

A Alemanha se rende, o Império (Reich) Alemão é desfeito e no lugar dele


surge uma república social-democrática, a República de Weimar, com uma nova
Constituição de índole social. Esse novo governo, formado por democratas e
sindicalistas, foi responsável pelas negociações de paz com os Aliados, retirando a
responsabilidade pela derrota dos conservadores, formados pela burguesia industrial
alemã e pela aristocracia prussiana. Segundo George Araújo, em Uma revolução
que não deve ser esquecida: Alemanha, 1918-1923; História Social, n. 17, segundo
semestre de 2009, p. 55; essa ruptura política permitiria posteriormente a difundir o
mito da “punhalada pelas costas” (Dolchstosslegende), segundo o qual a Alemanha
teria sido derrotada não no campo de batalha, e sim devido à traição e sabotagem
interna, promovidas por esquerdistas e judeus. Nesse sentido, e paradoxalmente, a
verdadeira derrota foi a do Estado Liberal alemão (e de certa forma do Estado
Liberal burguês do Século XIX) e não do Estado Social alemão que fora forjado nos
últimos anos de guerra. Segundo Arion Sayão Romita, durante a guerra de 1914-
1918, a ação sindical se orientou no sentido de que o futuro tratado de paz
contivesse normas de proteção ao trabalho.28 Para tanto empenharam-se Samuel
Gompers (1850-1924), presidente da American Federation of Labor - AFL, e Léon
Jouhaux (1879-1954)29, dirigente da Confederação Geral do Trabalho francesa. A
reivindicação foi acolhida no Tratado de Versailles. Com os socialistas ditando o
novo status quo, era natural que cláusulas de conteúdo marcadamente social
estivessem presentes nos dois documentos de maior relevância institucional da nova
República: a Constituição de Weimar (Weimarer Verfassung) e o Tratado de
Versailles.

A Constituição de Weimar e o Tratado de Versailles são, portanto, atos de uma


mesma dramaturgia, que convergiram para a cessão de direitos sociais invocada por
uma esquerda reformista e concedida por liberais conformados com o inexorável
desfecho da grande guerra que eles provocaram. Esse fato encerra simbolicamente
o fim do Estado Liberal-Burguês e o início do Estado Social, explicando o advento do
chamado constitucionalismo social, ao menos em parte dos textos magnos que
sofreram a influência desse fenômeno jurídico. Ele se deu na Alemanha como
consequência de um movimento operário contrário a uma guerra que afligia essa

28
apud AROUCA, José Carlos (2009: p. 414).
29
Prêmio Nobel da Paz (1951).
30

classe, e abriu caminho para as tendências socialistas vindas do leste europeu nas
décadas seguintes. Esses diplomas foram elaborados com uma textura social
justamente para apaziguar as massas e as esquerdas ávidas por reformas mais
profundas. A concretização desse propósito propiciou a edificação de um organismo
internacional voltado para a unificação das normas trabalhistas no mundo capitalista:
a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Em breve síntese, a Organização Internacional do Trabalho, a par do caráter


humanitário que visava a melhorias das condições laborais, foi alicerçada também
sob um propósito pragmático, visando arrefecer as tendências socialistas da classe
trabalhadora internacional, oportunizando um fórum de debates para a elaboração
de regras uniformes de relações de trabalho entre os países membros. Qual desses
objetivos era o mais preponderante é o que se discutirá a seguir.

4. PROBLEMATIZAÇÃO: AS ORIGENS EXPLÍCITAS E


IMPLÍCITAS DA OIT

Dada essa antecedente e extensa argumentação, vimos à tônica do trabalho


que aqui propusemos para discorrer sobre as motivações que cercam a criação de
um organismo internacional dedicado à implementação de normas uniformes entre
os seus signatários e voltadas para a melhoria das condições de trabalho, que então
se denominou Organização Internacional do Trabalho – OIT. Vimos que,
nominalmente, houve uma motivação humanitária, certamente proclamada pelos
representantes sindicais que estiveram presentes no Palácio de Versailles em 28 de
julho de 1919, pois o custo social da guerra que esse documento histórico pôs termo
fora suportado pela classe que eles ali representavam. Mas houve também uma
conveniência política para a criação daquela organização, uma vez que o socialismo
passou a ser algo concreto a ser expurgado entre as potências vencedoras, e por
que não estender essa pretensão também para a burguesia alemã. Podemos
conjecturar também que, antes da guerra, os países industrializados praticavam toda
a uma gama de sortilégios anticoncorrenciais a fim de obter a maior mais-valia
possível, entre elas a de explorar a sua própria mão-de-obra até níveis intoleráveis
para a dignidade humana, o que hoje passamos a sintetizar como dumping social.
31

Esses três fatores: o humanitário, o político-ideológico e o econômico;


moldaram a formação da OIT na sua gênese, como de fato o Preâmbulo do próprio
texto que lhe deu vida explicita. Resta saber qual ou quais motivação(ões)
sobressaiu(íram) e qual ou quais ainda lhe dão razão de existir a justificar um Direito
Internacional do Trabalho. De acordo com Celso Duvivier de Albuguerque Mello:

"Na OIT sempre se procurou diminuir o argumento da concorrência


internacional como a justificando. A concorrência perde a sua razão de ser se
levarmos em consideração que a OIT trata de países em condições
econômicas diferentes. A sua razão de ser é a paz universal e a justiça
social".30

Data venia, cremos que as respostas àquelas indagações podem ser


encontradas nos desdobramentos históricos que advieram nas duas décadas
seguintes à assinatura do Tratado de Versailles, ou seja, a nossa investigação se
circunscreve apenas ao período denominado entreguerras.31

Esse tratado foi na realidade um termo de adesão promovido pelas Potências


Aliadas (promoventes) e a Nação Alemã (aderente). As condições impostas à
Alemanha foram extremamente atrozes, a ponto de causar graves reveses à sua
economia, sobretudo durante a década de 20. O Estado Liberal sofreu um duro
golpe com o desfecho da guerra e com o surgimento de um Estado Socialista
resultante. Como se não bastasse, em 1929, a maior economia do mundo entra em
colapso com a Quebra da Bolsa de Nova York. A crise se instaura mais uma vez e a
salvação das economias mais frágeis só pode se dar com a implantação de regimes
totalitários, como o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. Por sinal, o nazismo
nada mais foi do que a comunhão entre o apego ao nacionalismo alemão e os
interesses sociais da sua classe trabalhadora (Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães). A crise é a oportunidade que os destacados aproveitam
para ocupar o seu lugar na história. Adolf Hitler (1889-1945) sabia e habilmente tirou
proveito disso.

30
MELLO, Celso D. de Albuquerque (2001:Vol I, p. 671).
31
No presente trabalho monográfico, nos dispusemos a analisar a atuação da OIT durante o período
compreendido entre a data da sua criação e o advento da Segunda Guerra Mundial. O período posterior a esse
segundo conflito mundial não será por nós investigado, deixando essa proposital lacuna para uma outra
oportunidade.
32

Na tentativa de se evitar um novo conflito mundial e a partir do Tratado de


Versailles, foi fundada a Liga das Nações, sob inspiração do Presidente Norte-
Americano Woodrow Wilson (1856-1924) através dos seus Quatorze Pontos, que
propunham as bases para a paz e a reorganização das relações internacionais ao
fim da Primeira Guerra Mundial, sendo o pacto para a criação dessa Liga das
Nações constituindo os trinta primeiros artigos do Tratado de Versalhes. Embora
portadora de uma certa autonomia, a OIT encontrava-se vinculada à Liga das
Nações, que exercia a sua supervisão institucional. A OIT passou a ser a única
agência da Liga das Nações baseada numa estrutura tripartite, composta por
representantes dos governos, dos trabalhadores e dos empregadores.
Curiosamente, a não ratificação do Tratado de Versailles pelo Congresso Norte-
Americano não permitiu que os Estados Unidos fizessem parte da Liga das Nações,
o que denotava a fragilidade daquele organismo. A OIT passou a ser responsável
pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e
recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um
país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico, ou seja, uma vez
internalizadas passam a ter força vinculante para o Estado aderente. Já as
recomendações, que são conclusões técnicas a respeito de um determinado tema
trabalhista, não possuem caráter cogente, servindo apenas como sugestão e
inspiração para a formulação de normas trabalhistas internas. Entre 1919 e 1939
foram adotadas 67 convenções e 66 recomendações pela OIT. Entretanto, a eclosão
da Segunda Guerra Mundial interrompeu temporariamente esse processo.

Conforme exposto pela própria OIT em seu sítio eletrônico


(http://www.oit.org.br/content/historia), em agosto de 1940, a localização da Suíça no
coração de uma Europa em guerra levou o novo Diretor-Geral, John Winant, a
mudar temporariamente a sede da Organização de Genebra para Montreal, no
Canadá. Em 1944, os delegados da Conferência Internacional do Trabalho adotaram
a Declaração de Filadélfia que, como anexo à sua Constituição, constitui, desde
então, a carta de princípios e objetivos da OIT. Esta Declaração antecipava em
quatro meses a adoção da Carta das Nações Unidas (1946) e em quatro anos a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), para as quais serviu de
referência. Reafirmava o princípio de que a paz permanente só pode estar baseada
na justiça social e estabelecia quatro ideias fundamentais, que constituem valores e
33

princípios básicos da OIT até hoje: que o trabalho deve ser fonte de dignidade, que o
trabalho não é uma mercadoria, que a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à
prosperidade de todos e que todos os seres humanos tem o direito de perseguir o
seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança
econômica e igualdade de oportunidades. No final da guerra, nasce a Organização
das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de manter a paz através do diálogo entre
as nações. A OIT, em 1946, se transforma em sua primeira agência especializada.

Contudo, o período entreguerras (1919-1939) não espelhou a tão desejada paz


que os idealizadores da OIT almejaram em Versailles. A busca por uma maior justiça
social se deveu às custas de uma redução drástica das liberdades individuais e do
controle estatal sobre as associações de classe. Nessa nova fase do Direito
Internacional do Trabalho destaca-se a intervenção estatal nos sindicatos, visando
uma aparente mediação entre o capital e o trabalho. É o predomínio da
heterorregulação nas relações coletivas de trabalho, provocando uma rigidez no
campo normativo trabalhista. O Estado, diante dos acontecimentos que varreram a
Europa e demais países do globo, necessitou intervir nas relações trabalhistas com
uma série de normas heterônomas.32

De fato, não se deve entender que um único organismo internacional seja


responsável pela manutenção da paz, como se pretendia dar à Liga das Nações
esse desiderato. Se não houver as condições políticas e econômicas favoráveis a
essa pacificação, qualquer entidade destinada a tal mister perde grande parte da
sua legitimidade em concretizá-la. A Organização Internacional do Trabalho, como
um mero apêndice institucional da Liga das Nações à época, igualmente não poderia
desempenhar o seu papel para além dessa pretensão, pois havia em verdade uma
polarização ideológica entre as nações membros, especialmente naquelas em que
se cativou um forte sentimento revanchista aos ditames do Tratado de Versailles,
sendo salutar citar o que ocorria na Alemanha.

A agitação revolucionária não foi contida com a internacionalização das normas


trabalhistas convencionadas pela OIT. Diversos movimentos armados socialistas se
espalharam pelo mundo. Ainda em 1919, instaura-se na recém criada Hungria uma
República Socialista (Revolução dos Crisântemos), como resultado do

32
NETO, Francisco Ferreira Jorge & CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa (2005: pp. 21-22).
34

esfacelamento do antigo Império Austro-Húngaro. Em 1924 é proclamada a


República Popular da Mongólia, vindo a ser a única revolução socialista da história
em que um país sai do estado feudal diretamente para o comunismo, sem transitar
pelo capitalismo. Em 1936 eclode a Revolução Socialista Espanhola apoiada pela
União Soviética, que viria a ser sufocada com a vitória fascista e anticomunista de
Francisco Franco (1892-1975) na Guerra Civil Espanhola. No Brasil tivemos o
primeiro grande episódio de levante comunista em 1935, conhecido entre nós por
Intentona Comunista, objetivando derrubar o governo de Getúlio Vargas (1882-
1954), mas que fracassou.

Esses acontecimentos incutiram nos países do chamado bloco capitalista a


repensarem as suas posturas diante da insatisfação popular. A 'virada de mesa"
comunista certamente era um mal muito maior do que a concessão de direitos
sociais desde outrora reivindicados. Foi justamente esse temor, a ameaça
comunista, com a sua promessa de abolição da propriedade privada e a estatização
das empresas e dos latifúndios, que impeliu os governos liberais-democratas a
reformularem a suas respectivas legislações sociais. Entretanto, nos países em que
as esquerdas eram mais atuantes, como a Alemanha e a Itália, o Estado assumiu o
controle dos sindicatos, não permitindo a infiltração de agentes revolucionários. A
proliferação de regimes totalitários reforçou essa tendência.

Paralelamente, no centro financeiro do capitalismo, em Wall Street, as ações


despencam vertiginosamente. Atribui-se a isso uma crise de superprodução da
economia norte-americana, que não conseguia mais exportar para uma Europa em
reconstrução. Com a paulatina recuperação das indústrias europeias e com a
necessidade de ofertar empregos no continente, a Europa, a principal parceira
comercial dos Estados Unidos, restringe as suas importações, provocando uma
indesejada formação de estoques de produtos norte-americanos. As economias
agroexportadoras, como a do Brasil, não conseguem penetrar com as suas
commodities nos mercados norte-americano e europeu, e a crise capitalista se
espalha mundialmente. Para resolver o problema, os capitalistas adotam a teoria
keynesiana33 de controle de preços para conter a inflação e de fazer investimentos

33
Alusivo ao economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que desenvolveu uma teoria econômica
baseada no intervencionismo estatal para compensar a incapacidade momentânea do mercado de manter o
consumo agregado.
35

públicos, diminuindo o desemprego. O intervencionismo do Estado na economia foi a


tônica do chamado New Deal do então Presidente Norte-Americano Franklin Delano
Roosevelt (1882-1945) que, entre outras medidas saneadoras, propugnava pela
diminuição da jornada de trabalho com o objetivo de abrir novos postos para os
trabalhadores.

A receita foi seguida por outros países, mas com uma metodologia diferente.
Na Alemanha adotou-se uma política industrial voltada para a fabricação de
armamentos, e a remilitarização, que fora proibida pelo Tratado de Versailles,
justamente este que acalentava a manutenção da paz para se alcançar uma justiça
social, foi uma das soluções para diminuir o desemprego. Para preparar o país para
uma futura economia de guerra, o governo nazista utilizou-se de mão-de-obra
forçada dos territórios ocupados, valendo-se da escravização dos opositores do
regime (intelectuais, testemunhas de Jeová e homossexuais) e das minorias étnicas
não-arianas (em geral semitas, eslavos e ciganos), desrespeitando a Convenção nº
29 de 1930 da OIT sobre trabalhos forçados, que prescrevia que trabalho forçado é
todo o trabalho ou serviço imposto a uma pessoa sob ameaça ou penalidade - o que
inclui sanções penais e perda de direitos ou privilégios. Curiosamente, esse
expediente também foi utilizado pelo Estado Soviético nos chamados Gulags
(abreviação da locução em russo para Glavnoye upravleniye ispravitelno-trudovykh
lagerey i kolonij: em português: Administração Geral dos Campos de Trabalho
Correcional e Colônias), que era um sistema de campos de trabalhos forçados para
criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime
da União Soviética.

Para erradicar a sedução revolucionária do comunismo, a saída encontrada por


países de economia agrícola foi a implantação de indústrias de base, como ocorreu
com o Brasil na década de 30. A mudança da matriz econômica, de rural e agrícola
para urbana e industrial, foi de suma importância para a geração de empregos, e o
surto de normas trabalhistas naquele período assim se explica, sendo a Carta Del
Lavoro (1927) de Benito Mussolini (1883-1945) a mais emblemática e que forneceu
uma conotação corporativista ao Direito Coletivo do Trabalho.

Em resumo, o período vintenário que antecedeu à Segunda Guerra Mundial,


conflito este tão ansiosamente temido pela Liga das Nações, foi marcado pela
36

difusão do bolchevismo entre as economias mais frágeis, circunstância que


recrudesceu a implantação de regimes totalitários entre algumas delas, onde
inclusive se tratou aquela incursão socialista como uma subversão à ordem
estabelecida e, no extremo, como sedição. A intervenção estatal nos sindicatos, no
que tange à solução de conflitos entre o capital e o trabalho, foi a tônica observada,
sobretudo, naqueles países onde se imperava um regime anti-democrático. O clamor
por reformas sociais, embora preambularmente previsto nas disposições da OIT, não
encontrava eco entre os socialistas, dispostos ao enfrentamento com o status quo, e
também não era o caminho trilhado pela extrema-direita. Diante desse cenário
político-ideológico, restava muito pouco espaço para a Organização Internacional do
Trabalho cumprir o seu papel como entidade voltada para a melhoria das condições
laborais.

5. CONCLUSÃO

Diante das contradições entre aquilo que se vislumbrava, a manutenção da


paz para se alcançar uma justiça social, e aquilo que de fato se vivenciou entre os
dois conflitos mundiais, há uma evidência de que a Organização Internacional do
Trabalho não desempenhou o papel que se esperava dela. Por certo que a culpa
não pode ser atribuída levianamente àquela entidade, pois a sua organização
suporte, a Liga das Nações, era, como explicado alhures, de frágil legitimidade. A
diversidade cultural e econômica das nações às quais a OIT era composta dificultava
em muito a respeitabilidade das suas deliberações. A intervenção estatal no
funcionamento e na atuação sindical também foi outro fator desfavorável, presente
no corporativismo dos regimes de extrema direita. Isso pode ter enfraquecido um
dos pilares da repartição tripartite da OIT: os representantes sindicais.

A proposta socialista para se alcançar a justiça social era eminentemente


revolucionária. A transição entre o capitalismo e o comunismo, de acordo com a
doutrina marxista, passava necessariamente pelo confronto entre as classes e a
captura do Estado pelo proletariado. Por essa perspectiva, não havia espaço, junto
às esquerdas, para o debate democrático na busca de soluções para as questões
sociais mais prementes. A OIT, como fórum de discussão voltado para a busca por
uma maior dignificação do trabalho humano, não recebeu a devida credibilidade
37

durante aquele conturbado período que antecedeu à Segunda Guerra Mundial. E


quanto mais um lado radicalizava o embate, mais o outro respondia vigorosamente,
como se deu entre os comunistas e os nazi-fascistas. Quanto a estes, era de se
supor que um órgão criado justamente por um tratado internacional que eles tanto
repudiavam, não haveria por merecer a devida estima.

A dificuldade existia também no lado de dentro do próprio sistema capitalista.


Como anota João Carlos Casella, apud Wagner Giglio, mesmo tendo consciência de
que a melhoria das condições de vida, de trabalho e de remuneração dos
trabalhadores ensejariam benefícios econômicos importantes (melhoria na produção;
redução dos efeitos danosos da greve), os empregadores relutavam em fazer
concessões temendo que, se não-generalizadas, ficariam em desvantagem em
relação à concorrência, que seguiria produzindo a custos inferiores. Assim, a
pretensão à generalização das eventuais concessões aos trabalhadores
representava, a um só tempo, um obstáculo para sua implementação (ante o temor à
concorrência) e um estímulo à mesma (na medida em que a pregação pela
generalização incluía aceitação, pelos empresários, de tais concessões). 34

Desde as suas remotas origens, o Direito do Trabalho procurou acalentar um


caráter universalizante e transfronteiriço, pois a situação dos trabalhadores não era
um fenômeno social localizado. Por outro lado, a generalização de soluções pró-
trabalhistas requereria a sua adoção uniforme em todos os países, objetivo
perseguido pela OIT, mas que encontrou sérios entraves, conforme discorrido ao
longo dessa dissertação. A internacionalização de uma legislação trabalhista
contrastava com a heterogeneidade das economias nacionais e das posturas
ideológicas de então. Ora, a questão toda era que o OIT, como órgão
pretensamente jurídico-normativo, não foi capaz de se sobrepor às realidades
econômica e política conturbadas e vigentes na primeira metade do Século XX.

Concluímos, em breve arremate, que, em 1919, quando então se forma a


OIT, havia a percepção generalizada sobre muitas razões políticas, econômicas e
humanitárias que clamavam pela criação de uma instituição internacional que
regulamentasse normas para o trabalho. Entre as razões políticas estava a própria

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CASELLA, João Carlos, in Fundamentos da Internacionalização do Direito do Trabalho; disponível em
www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67305/69915
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sobrevivência do sistema capitalista, ameaçado concretamente por revoluções


socialistas, como a ocorrida na União Soviética. Entre as razões econômicas estava
o prejuízo na concorrência do comércio internacional para os países que adotassem
medidas mais generosas de proteção do trabalho e de bem-estar social dos
trabalhadores, com evidentes vantagens para os que mantivessem extensas
jornadas com baixos salários. E, sem embargo, havia razões humanitárias, que se
expressavam nas ideias de justiça social exaltadas pelo pensamento socialista de
todo tipo, sem menosprezar argumentos de índole religiosa, onde se destacou a
doutrina social da Igreja Católica, iniciada em 1891 pela Encíclica “De Rerum
Novarum” do Papa Leão XIII, conforme explanado preteritamente.

O legado da OIT, contudo, pode ser considerado válido sob o ponto de vista
juslaboral, em que pese algumas de suas disposições iniciais não terem sido
fielmente observadas nos seus primeiros vinte anos de existência. A grande
contribuição dessa entidade encontra-se no caráter paradigmático das suas normas,
o que permitiu uma maior homogeneização internacional da normatização
trabalhista. O impacto dessa argumentação pode ser sentido ao longo do período
pós-guerra, em meio à bipolarização da chamada Guerra Fria, e mesmo perante a
flexibilização das normas laborais diante do neoliberalismo. Contudo, essa análise
só é fiável em outro trabalho a ser oportunizado. O que podemos perceber, dada as
circunstâncias que rondavam o cenário político e econômico mundial nas décadas
de 20 e 30, marco temporal da presente pesquisa, é que as razões que levaram à
eclosão do conflito mundial de 1914-1918 não foram muito diferentes daqueles que
provocaram o segundo, de 1939-1945.

A partir de então, após o término daquele segundo conflito mundial, a OIT


vem convivendo institucionalmente com outros organismos de igual relevo, como a
Organização Mundial do Comércio – OMC e o Fundo Monetário Internacional – FMI.
O grande desafio encontrado pela OIT hoje, após cerca de noventa e cinco anos de
sua fundação, é justamente contrapor-se aos ditames do neoliberalismo econômico
propugnados na seara daqueles organismos, advogando pela tão desejada
internacionalização dos direitos sociais, tomando assento onde quer que se discuta
questões envolvendo a defesa dos direitos humanos dos trabalhadores.
39

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