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Unidade 4 - Notas Introdutórias Sobre A Cooperação Internacional
Unidade 4 - Notas Introdutórias Sobre A Cooperação Internacional
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
Sumário
Apresentação da Unidade 4
Tráfico de pessoas e a importância da cooperação internacional
Sobre as diferentes formas de cooperação internacional
Os princípios da cooperação jurídica internacional
Os instrumentos de cooperação jurídica internacional
A homologação de sentença penal estrangeira
A carta rogatória e o auxílio direto
A equipe conjunta de investigação (ECI)
A cooperação policial internacional
A Operação Fada Madrinha
Conclusão e Referências Bibliográficas
Considerações finais
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
Apresentação da Unidade 4
Nesta quarta e última unidade serão tecidas considerações sobre a importância da cooperação
internacional para o enfrentamento do tráfico de pessoas, apresentadas diferentes formas de
cooperação internacional – dentre elas a extradição, a carta rogatória, equipes conjuntas de
investigação, etc. – e um caso prático a partir da Operação Fada Madrinha.
Ao final desta unidade, a expectativa é que você esteja apto a identificar situações que sugerem a
necessidade da cooperação internacional para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, assim como as
diferentes formas de cooperação.
Ao longo desta unidade serão apresentadas sugestões de artigos, vídeos, sites, publicações para
complementar o conteúdo apresentado no curso. A ideia é aprofundar as discussões e trazer exemplos
concretos.
Procure explorar e conhecer o material indicado! Ele pode tornar mais rico o processo de
aprendizado e merece uma atenção especial.
Vamos começar!
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
Dentre diferentes possibilidades, o crime de tráfico de pessoas pode se materializar por meio de
uma infração transnacional:
O Protocolo de Palermo, por exemplo, traz a promoção da cooperação entre os Estados partes no
enfrentamento ao tráfico de pessoas como um dos seus objetivos.[2] O documento ainda incentiva a
cooperação bilateral ou multilateral para a redução de fatores que tornam as pessoas vulneráveis ao
tráfico, como a pobreza, o subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades,[3] assim como
para a tomada de medidas no sentido de desencorajar a procura que promove a exploração de pessoas.
[4] Há, ainda, o indicativo de que os Estados partes devem procurar intensificar a cooperação entre os
Nesse mesmo sentido e em âmbito nacional, o Brasil conta com a já mencionada Lei n.º
13.344/2016 – a primeira lei específica brasileira que dispõe sobre o enfrentamento ao tráfico de
pessoas –, que afirma como uma de suas diretrizes o estímulo à cooperação internacional,[7] bem
como com a Constituição Federal, que estabelece como um dos princípios que regem as relações
internacionais a cooperação entre os povos.[8]
Há muitos fatos que podem sugerir uma investigação criminal que demande cooperação
internacional: até mesmo em situações de tráfico interno de pessoas, as vítimas ou traficantes
envolvidos podem ter nacionalidades diferentes do Estado em que o crime ocorreu.[10]
Antes de seguir para o próximo tópico, leia a seguinte notícia sobre os três pastores
evangélicos brasileiros presos em Portugal por suspeita de tráfico humano, que indica a
diversidade de situações em que o tráfico internacional de pessoas pode se mostrar presente.
Os pastores, dois homens e uma mulher, teriam usado a estrutura da igreja para convencer
brasileiros a migrarem para Portugal por meio de falsas promessas de trabalho e de
assistência na regularização migratória.
[1] Conferir artigo 3º da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 5015/2004.
[6] PIOVESAN, Flávia; KAMIMURA, Akemi. Tráfico de pessoas sob a perspectiva de direitos humanos: prevenção, combate, proteção às vítimas e cooperação
internacional. p. 105-132. In: Brasil. Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de pessoas: uma abordagem para os direitos humanos. Brasília: Ministério da Justiça,
2013. p. 114-115.
[9] DODGE, Raquel Elias Ferreira (Coord. e Org.). Roteiro de atuação: tráfico internacional de pessoas. Brasília: MPF, 2014. p. 86.
[10]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de justiça penal. Módulo 6. Organização
das Nações Unidas: Nova Iorque, 2009.
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Sobre a cooperação indireta, a designação por cada Estado de uma autoridade com a incumbência
de ser o canal de recebimento e encaminhamento de solicitações de cooperação, denominada
autoridade central, é tradicionalmente prevista em tratados de cooperação internacional. Não cabe a
ela solicitar ou cumprir a medida de cooperação ou se manifestar quanto ao seu mérito, mas somente
garantir que esta chegue à autoridade competente.[2]
É importante destacar também os pontos de contato, que são órgãos que tornam mais simples a
cooperação internacional, divulgando medidas informais de cooperação, tendo como função
especialmente o treinamento, o armazenamento e o compartilhamento de dados e informações. Em
muitas situações, o conteúdo por eles compartilhado já dá conta da solicitação de cooperação.[4]
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O princípio do reconhecimento mútuo de decisões judiciais preceitua que atos emanados por
autoridades judiciais competentes de um país são revestidos de legalidade e validade em outro país em
âmbito de cooperação internacional. Esse princípio é condição fundamental para o bom
funcionamento da cooperação jurídica internacional, tendo como base a confiança mútua entre as
nações. Há, no entanto, obstáculos invocados em muitos casos para impedir sua implementação: a
soberania dos Estados e a ordem pública no sentido do direito internacional.[1] Tais obstáculos podem
impedir, eventualmente, que os sistemas de cooperação jurídica em matéria penal avancem mais
rapidamente.
4. Princípio da especialidade
O princípio da especialidade determina que as provas obtidas por meio de cooperação jurídica
internacional somente poderão ser utilizadas no procedimento que ensejou o pedido, salvo autorização
expressa. Ou seja, não é permitido divulgar informações provenientes de cooperação jurídica
internacional e/ou utilizar documentos por meio dela obtidos para sustentar qualquer outra
investigação ou processo sem prévia autorização.
Na hipótese de o Estado requerente necessitar das mesmas provas obtidas para a instrução de outro
procedimento não discriminado no pedido inicial, deverá ser providenciada pela autoridade
interessada uma solicitação de auxílio jurídico ao Estado requerido, visando o compartilhamento
dessas provas. Somente após a autorização deste, tais elementos probatórios poderão ser
legitimamente utilizados no processo para o qual se pediu o compartilhamento. A validade é sujeita ao
deferimento da autoridade competente.[2]
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[1] No Direito Internacional Privado, a doutrina da ordem pública engloba um corpo de princípios que remete aos valores sociais, morais e econômicos de uma
sociedade e que a mantém coesa. Esses valores variam de uma cultura para outra e também são mutáveis no tempo.
[2] Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.
Manual de Cooperação Jurídica Internacional: Matéria Penal e Recuperação de Ativos. 4° ed. Brasil, 2019. p. 14.
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
O mais antigo instituto de cooperação internacional, e que pode ser considerado o mais oneroso
por compreender de forma direta a liberdade de uma pessoa, é a extradição.[7] Por um longo período,
esta foi entendida como uma questão de reciprocidade ou cortesia. Atualmente – apesar da tendência
de reconhecimento do dever de extraditar ou julgar, especialmente em determinados crimes
transnacionais como o tráfico de pessoas – não há uma obrigação internacional de extraditar caso não
exista um tratado vinculativo.[8]
Há situações em que o Brasil não concede a extradição, como por exemplo, se a pessoa cuja
extradição é solicitada ao Brasil for brasileira nata, se o fato que motivar o pedido não for considerado
crime no Brasil ou no Estado requerente, se o extraditando for beneficiário de refúgio, dentre outras.
[10]
A extradição é classificada como passiva, sob a perspectiva do Estado requerido, e ativa, sob a
perspectiva do Estado requerente. Ela é regida pela legislação interna da cada país e pelos tratados
internacionais de que este seja parte. Nos casos de extradição instrutória, o pedido de extradição
deve especificar os crimes que o extraditando deverá responder. Nos casos de extradição executória
(em função de condenação), o pedido deve qualificar e quantificar a pena que será cumprida, uma vez
que há Estados que não concedem a extradição para o cumprimento de pena entendida como cruel ou
violadora dos direitos humanos.[12]
Você se lembra do caso de Cesare Battisti? Leia sobre este caso que teve repercussão
internacional, com fugas e refúgio em diferentes países, incluindo o Brasil. Battisti, que está
preso na Itália, foi localizado na Bolívia por uma equipe da Interpol, formada por agentes
italianos e brasileiros. Sua prisão cautelar com fins de extradição havia sido determinada no
Brasil pelo Supremo Tribunal Federal em 2018.
[7] FORNAZARI JUNIOR, Milton. Cooperação jurídica internacional: auxílio direto penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 23.
[8] Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, op. cit., 2009, p. 6.
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Nos termos do Código Penal, a sentença estrangeira pode ser homologada no Brasil quando a
aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências e cuja finalidade seja obrigar o
condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis ou sujeitá-lo a medida de
segurança.[15] Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar a ação de homologação
de sentença penal estrangeira.[16]
Não devemos confundir a homologação de sentença penal estrangeira com a transferência de presos
ou condenados. Nesta última, um condenado que está cumprindo a pena em um Estado é transferido
para o seu Estado de origem para o cumprimento do restante da pena em sua terra natal, possibilitando
a proximidade com familiares. É, portanto, também diferente da medida de extradição, uma vez que o
extraditando está em liberdade em um Estado estrangeiro e vem a ser preso e encaminhado ao seu
Estado de origem para cumprir pena estabelecida pelo mesmo.[17]
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Para afastar tentativas de protelação desnecessária do inquérito policial ou o processo penal por
meio da carta rogatória, o Código de Processo Penal [22] estabelece que esta será expedida apenas se
demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, devendo arcar a parte requerente com os custos
de envio.[23]
Uma medida de cooperação jurídica internacional, cuja proposta é trazer maior celeridade e
eficácia no combate aos crimes transnacionais, é o auxílio direto. Este é um instituto previsto no
Brasil em tratado internacional,[25] por meio do qual se permite o intercâmbio de documentos, provas,
atos e medidas processuais entre países, ou entre estes e organizações internacionais, a partir da
atuação de uma Autoridade Central. Trata-se da realização de atos processuais penais em outro país –
tendo como objeto qualquer medida processual, com exceção da extradição e prisão – na fase de
investigação criminal ou na fase processual.[26]
O auxílio direto não passa por uma corte, uma vez que o cumprimento se dá pelas autoridades
administrativas. As autoridades brasileiras conhecem o fato narrado pela autoridade requerente,
adotam providências para o atendimento do pedido, e nas situações em que se mostra necessário,
proferem uma decisão própria, em âmbito nacional.[27]
Na carta rogatória, há o exame dos requisitos formais – sem o exame de mérito do processo
judicial do país requerente – e o cumprimento pela Justiça de 1º instância. Já no auxílio direto, há o
exame de mérito do pedido para a adoção das medidas solicitadas e o cumprimento pelas autoridades
administrativas.[28]
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[25] Cf. artigo 18, Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 5015/2004.
[27] CARMO, André. Tráfico de Pessoas e a Cooperação Internacional. In: 5º Curso de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas sob o novo marco legal (Lei n.º
13.344/2016). Foz do Iguaçu/PR, 28 de novembro de 2019.
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
Há, portanto, um trabalho de parceria entre autoridades de investigação de dois ou mais Estados na
produção de provas, atenuando entraves impostos pela soberania e tornando mais dinâmico, célere e
objetivo o combate ao crime.[30]
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil
por meio do Decreto n.º 5015/2004, prevê a possibilidade de investigações conjuntas nas situações em
que:
No plano jurídico internacional, três principais tratados governam as ECIs. São eles: a
Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substancias Psicotrópicas (Convenção de
Viena, artigo 9º), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida, artigo
49) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de
Palermo, artigo 19).[32] O Brasil ratificou todas as convenções citadas.
No plano doméstico, o único diploma legal que expressamente prevê a formação de ECI é a Lei
13.344/16, legislação brasileira de enfrentamento ao tráfico de pessoas.[33]
[30] GIACOMET JÚNIOR, Isalino Antonio. Equipes Conjuntas de Investigação: da realidade europeia até as iniciativas nacionais sobre o assunto. Cooperação em
Pauta, número 48, fevereiro 2019. p. 1.
[31] Cf. artigo 19, Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 5015/2004.
[32] Conferir artigo 19, Convenção de Palermo: “Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em
virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes
possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações
conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada”.
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
Ela pode se dar de forma direta entre forças policiais ou por meio de organismos internacionais;
dentre estes, o mais conhecido é a International Criminal Police Organization ou Organização
Internacional de Polícia Criminal (Interpol). A Interpol é uma organização intergovernamental de
cooperação policial que tem como atribuições a administração de um serviço de comunicações em
nível mundial, o gerenciamento de serviços de processamento de informações e banco de dados e a
disponibilização de apoio material, emergencial ou organizacional de grandes operações policiais e
treinamento de forças policiais nacionais.[35]
O Brasil é parte da Interpol e há uma autoridade que funciona como seu ponto de contato local em
cada superintendência estadual do Departamento de Polícia Federal. O serviço de polícia
internacional, centralizado na Direção-Geral da Polícia Federal em Brasília, dentre outras atribuições,
coordena e difunde informações sobre o crime transnacional no território nacional e promove medidas
para sua prevenção e repressão. [36]
Cabe observar que o intercâmbio de informações e apoio entre polícias e agências, sem um pedido
formal de auxílio direto, é entendido como uma medida de cooperação internacional informal. Esta
pode se dar antes de uma investigação se tornar oficial, ou do início do procedimento criminal, para
efetuar uma vigilância, por exemplo. Nas situações em que não é imperativa qualquer medida
coercitiva, mostra-se mais célere e fácil alcançar informações por meio dessa medida informal.[37]
IMPORTANTE
Há que se respeitar os procedimentos das ordens judiciais envolvidas e, caso exista a pretensão de
realizar diligências para coletar provas em outra jurisdição com o intuito de apresentá-las a um
tribunal da sua jurisdição, os pedidos informais não devem ser utilizados. Neste caso, aconselha-se
utilizar o auxílio direto. [38]
Antes de passar para o próximo tópico, leia a reportagem PF prende 8 em operação contra
rede de contrabando de imigrantes da Ásia para os EUA. Nela é possível conhecer um pouco
de uma das maiores operações já feitas no Brasil em contrabando de migrantes, a partir de
uma cooperação internacional com os EUA, e que ocorreu simultaneamente em vinte países
da América do Sul e Central.
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27/01/2021 Unidade 4 – Notas introdutórias sobre a cooperação internacional
[37] Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, op. cit., 2009, p. 12.
[38] Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, op. cit., 2009, p. 12-13.
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A partir de informações obtidas com a Delegada de Polícia Federal Luciana Maibashi Gebrim,[1] a
quem registramos nosso agradecimento, temos conhecimento de que a investigação teve início a partir
de notícia-crime encaminhada pelo Ministério Público do Trabalho, tratando do delito de tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual.
Foi apurado que uma das pessoas investigadas, por meio da internet, aliciava e recrutava travestis
brasileiras – especialmente jovens, com poucos recursos financeiros e moradoras de locais distantes –
mediante promessa de realização de transformações faciais e corporais – procedimentos estéticos e
cirúrgicos com o fim de alcançarem contornos de um corpo feminino –, preparação para concursos de
beleza e posterior viagem das vítimas para a Itália.
As jovens aliciadas eram acolhidas em uma casa localizada na cidade de Franca, São Paulo, e lá
eram obrigadas a se prostituir para pagar as dívidas contraídas em razão da comida, hospedagem,
intervenções cirúrgicas, etc. até serem enviadas à Itália, no caso das vítimas entendidas “com
potencial” (novas e bonitas).
Uma das jovens aliciadas, após passar por exploração sexual em Franca e transformação facial e
corporal, foi enviada em setembro de 2017 para a Itália, onde foi recepcionada e acolhida por
parceiros dos possíveis traficantes brasileiros. A vítima contraiu uma dívida de aproximadamente
quinze mil euros em razão da colocação no estrangeiro. Esta passou a se prostituir nas ruas da cidade,
inicialmente em Roma e depois em Viareggio e Nápoles, sob a supervisão das pessoas investigadas,
além de participar de um concurso de beleza que lhe custou uma dívida de aproximadamente três mil
e quinhentos euros entre a inscrição, roupa e acessórios.
Uma das pessoas investigadas viajou da Itália para o Brasil e a suspeita era de que esta recrutou em
território brasileiro novas vítimas para a Itália. Informações colecionadas na investigação indicam o
uso de perfis do FACEBOOK INC. para demonstrar uma vida de glamour e luxo, com carros
esportivos, locais badalados, passeios por locais históricos, registrando a companhia das vítimas
recém-chegadas sorridentes e transmitindo uma ideia equivocada da realidade a possíveis novas
vítimas que acessavam suas páginas de redes sociais.
Você se lembra de que já mencionamos ao longo do curso o uso das mídias sociais no crime
de tráfico de pessoas?
A partir da Operação Fada Madrinha, é possível mencionar duas ocasiões em que a medida de
auxílio direto foi utilizada.
Cabe relembrar que auxílio direto é um instituto por meio do qual se permite o intercâmbio de
documentos, provas, atos e medidas processuais entre países, ou entre estes e organizações
internacionais, a partir da atuação de uma Autoridade Central.
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A assistência solicitada é que fossem realizadas diligências visando a averiguar as atividades que
as pessoas suspeitas exerciam, onde a exerciam, os locais onde residiam e a quem pertenciam os
imóveis onde estavam hospedadas, assim como a identificação de bens móveis e/ou imóveis no nome
das mesmas.
O objetivo da solicitação era confirmar o acolhimento e a exploração sexual das vítimas pelos
suspeitos na Itália, possibilitar ulterior medida cautelar de busca e apreensão e ainda o resgate e o
acolhimento das vítimas pelos órgãos de proteção às vítimas de tráfico de pessoas. A localização de
bens móveis e/ou imóveis das pessoas suspeitas tinha como finalidade possibilitar a caracterização de
sua origem criminosa, bem como ulterior medida de sequestro destes bens, e a verificação da
ocorrência de possível crime de lavagem de dinheiro.
Na segunda ocasião em que a medida de auxílio direto foi utilizada, com data de abril de 2018, a
autoridade requerente é a Polícia Federal, o remetente é o Departamento de Recuperação de Ativos
e Cooperação Jurídica Internacional e o destinatário são as autoridades dos Estados Unidos da
América, cabendo mencionar o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo
da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América por meio do Decreto
n° 3.810/ 2001.
A assistência solicitada é que fosse determinado à empresa FACEBOOK INC., situada nos Estados
Unidos da América, o fornecimento dos seguintes dados de determinados perfis envolvidos na
investigação:
Os perfis se encontravam desativados, mas a Polícia Federal esclareceu que foi solicitada
anteriormente a preservação do conteúdo dos referidos perfis.
O objetivo da solicitação era obter todo conteúdo de mensagens, vídeos, fotos e postagens dos
perfis indicados, por meio dos quais seria possível comprovar a responsabilidade das pessoas
investigadas pelo agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, alojamento ou acolhimento de
vítimas, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração
sexual.
Como procedimentos a serem observados, foram indicados o sigilo dos dados telemáticos
obtidos e urgência na resposta.
<https://globoplay.globo.com/v/6934504/>
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[1] Todas as informações sobre a Operação Fada Madrinha a seguir relatadas foram obtidas com a Delegada de Polícia Federal Luciana Maibashi Gebrim.
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Ao longo desta quarta e última unidade, foram tecidas considerações sobre a importância da
cooperação internacional para o enfrentamento do tráfico de pessoas, apresentadas diferentes formas
de cooperação internacional – dentre elas a extradição, a carta rogatória, equipes conjuntas de
investigação, etc. – e um caso prático a partir da Operação Fada Madrinha.
É certo que há desafios para a efetivação da cooperação internacional em matéria penal; esta exige
dos Estados envolvidos conhecimentos, planejamento e sensibilização em questões práticas como o
custo das investigações, o local do julgamento, o enquadramento legal aplicável, a localização das
testemunhas, a localização das pessoas investigadas, a coleta de provas e sua admissibilidade de
acordo com as regras internas dos Estados requerente e requerido, dentre outras. No entanto, cabe
reforçar que os benefícios da utilização da cooperação internacional, em grande parte, superam tais
desafios.[1]
O passo seguinte é a realização da avaliação final para apropriação do conteúdo e reflexão sobre os
temas aprendidos nesta unidade.
Referências bibliográficas
CARMO, André. Tráfico de Pessoas e a Cooperação Internacional. In: 5º Curso de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas sob
o novo marco legal (Lei n.º 13.344/2016). Foz do Iguaçu/PR, 28 de novembro de 2019.
DIAS, Claudia Sérvulo da Cunha (Coord.). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2005.
DODGE, Raquel Elias Ferreira (Coord. e Org.). Roteiro de atuação: tráfico internacional de pessoas. Brasília: MPF, 2014.
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de
justiça penal. Módulo 6. Organização das Nações Unidas: Nova Iorque, 2009.
FORNAZARI JUNIOR, Milton. Cooperação jurídica internacional: auxílio direto penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2017.
GIACOMET JÚNIOR, Isalino Antonio. Equipes Conjuntas de Investigação: da realidade europeia até as iniciativas nacionais
sobre o assunto. Cooperação em Pauta, número 48, fevereiro 2019.
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PIOVESAN, Flávia; KAMIMURA, Akemi. Tráfico de pessoas sob a perspectiva de direitos humanos: prevenção, combate,
proteção às vítimas e cooperação internacional. p. 105-132. In: Brasil. Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de pessoas: uma
abordagem para os direitos humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2013.
[1] Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, op. cit., 2009, p. 2.
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Considerações finais
Lembre que iniciamos o curso com reflexões introdutórias sobre as migrações internacionais
(Unidade 1); em seguida, apresentamos o conceito de tráfico de pessoas, suas modalidades, a
legislação interna e internacional referente ao tema (Unidade 2), notas introdutórias sobre a
investigação do tráfico de pessoas (Unidade 3) e finalizamos o curso com considerações sobre a
cooperação jurídica internacional para o enfrentamento ao tráfico de pessoas (Unidade 4).
Esperamos que você tenha aproveitado o curso e que possa utilizar os conhecimentos aprendidos
em sua prática profissional. E, ainda que você não trabalhe diretamente com casos de tráfico ou a
aplicação da Lei n.º 13.344/2016, esperamos que o aprendizado seja proveitoso para sua vida pessoal,
já que devemos estar todos atentos para a prevenção do crime de tráfico de pessoas.
Lembre-se: caso identifique alguma possível situação de tráfico de pessoas, é possível contatar
o Disque 100 ou 180!
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