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VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO CICLO BÁSICO ESCOLAR: UM

PROBLEMA PRESENTE, COM CONSEQUÊNCIAS CONSTANTES

Thaís Resende Araújo Borges Bonfim

Resumo

A pesquisa teve como objetivo geral discutir a questão da violência de gênero na Educação
Básica. Foram objetivos específicos apresentar marcos conceituais interdisciplinares para a
discussão das noções de gênero e de violência; contextualizar a manifestação de
agressividades e violências escolares envolvendo questões de gênero; identificar as principais
consequências psicológicas das violências de gênero ocorridas na Educação Básica. Utilizou-
se como metodologia revisão bibliográfica com mapeamento junto ao Portal de Periódicos da
CAPES. Como palavra chave, adotou-se a expressão “violência de gênero” como primária, e
“violência escolar” como secundária. Utilizou-se como critérios palavras chave constantes no
assunto, periódico avaliado por pares, publicação em língua portuguesa, e publicação feita nos
últimos cinco anos, resultando um total de 31 artigos, possibilitando constatar que a maioria
das publicações atendendo aos critérios ocorreram entre os anos de 2012 e 2013,
demonstrando maior interesse sobre bullying, mas pouco destacando a violência de gênero
envolvendo crianças e os conceitos diferenciadores entre sexo, gênero, e orientação sexual.
Através da revisão literária, identificou-se que a violência de gênero na escola vitimiza
meninos e meninas de forma diferente. Através da interlocução crítica e referencial teórico
concluiu-se que a violência entre meninas ocorre de forma menos direta que entre meninos,
mas as consequências psicológicas e sociais são igualmente nocivas para envolvidos.
Concluiu-se também que existe uma tendência por parte dos professores e gestores em
minimizar aspectos violentos na escola, além de relativizar os conflitos entre agressor/vítima,
sendo mais fácil atribuir a violência quando os autores são crianças estigmatizadas como
“alunos problema”.

Palavras-chave: Violência de gênero. Violência escolar. Bullying.

Introdução
Agressões de diferentes formas se tornaram comuns no ambiente escolar. Esta
naturalização da violência na escola traz a falsa ideia de que brigas, discussões, e humilhações
são coisas aceitáveis e que fazem parte dessa fase da vida das crianças e da rotina escolar.
Os estereótipos em relação aos gêneros também são naturalizados e passados para as
crianças desde cedo. E assim, a escola nem sempre interfere quando nota que um ou um grupo
de alunos voltam-se contra outros devido a atributos apresentados por estes últimos que não
parecem, aos olhos dos primeiros, condizentes com o padrão de gênero que foi por eles
interiorizado como aceitável. Quando age assim, a escola torna-se cúmplice de bullying.
Segundo Fante (2005) o bullying vem sendo estudado no Brasil desde 1997. Em
praticamente todas as escolas é possível observar o bullying ocorrendo de diferentes formas.
Para Vinha (2000), é possível identificar alunos vítimas do bullying e suas variáveis
modificando seu comportamento em casa, com os amigos, e em seu convívio social,
revelando que o problema ocorre de dentro da escola para fora, afetando a vítima em diversos
aspectos. Lopes Neto (2005) comprova que vítimas do bullying e de outras violências
relacionadas à escola têm grandes tendências a desenvolverem problemas psicológicos que
podem ser levados para o resto da vida, ou até mesmo problemas que surgem apenas na vida
adulta, resultantes de anos de humilhações, violências e estresse vivenciados no ambiente
escolar.

1. Gênero e violência como conceitos dinâmicos.

Para discutir a questão da violência de gênero da Educação Básica, iniciamos com um


mapeamento do estado do conhecimento, para o qual optamos pelo Portal de Periódicos da
CAPES. Ao fazer o mapeamento, começamos tomando a expressão “violência de gênero”
como “assunto”, obtendo, assim, os resultados referentes aos últimos cinco anos. Além de
indicar um aumento progressivo em relação ao interesse pela temática, o que fica ainda mais
evidente se observados os últimos dez anos, os dados coletados apontam que a maior parte
das publicações em língua portuguesa volta-se a situações de violência de gênero ocorridas
fora do ambiente escolar ou, quando muito, no ensino médio e nos últimos anos do ensino
fundamental. Ou seja, faltam pesquisas que se disponham à discussão da violência de gênero
envolvendo crianças e pré adolescentes.

1.1 Do biológico ao sócio-histórico e cultural

Ainda que questões de gênero tenham uma visibilidade cada vez maior nas sociedades
contemporâneas, não é raro que se observe, em diversos espaços sociais, a manutenção do
emprego das palavras gênero e sexo como se fossem sinônimos, diferenciando-as, quando
muito, da noção de orientação sexual1.
Refletir sobre as relações de gênero tornou-se algo cada vez mais necessário na
sociedade atual, em que diversos assuntos são pautados pelas caracterizações de feminino e
masculino, e por suas representações sociais. Em um mundo onde predominam contatos
mediados por uma tecnologia que se sustenta na imagem e no símbolo, não estranha a
manutenção do entendimento de que as pessoas devem corresponder seu gênero ao seu sexo
biológico e físico. Entendimento este, entretanto, que se mostra muitas vezes descompassado
com a realidade.
O sexo biológico e físico está classificado em relação ao órgão sexual, enquanto o
gênero, que corresponde a elementos da conduta da pessoa e que pode ser classificado em
feminino e masculino, resulta de uma concepção sócio histórica, pautada por determinantes e
por características associadas a um sexo ou outro.
Sabe-se que ao longo da história os meninos aprendiam desde cedo a assumir
responsabilidades de adultos; eram preparados para cuidar dos negócios da família e/ou para
dedicar-se aos estudos e ter uma boa carreira. A educação das meninas, em contra partida, era
pautada em ensinamentos para torná-las boas donas de casas, aprendendo desde cedo a serem
bem comportadas e obedecerem as regras. Esperava-se, delas, o interesse pela cozinha e a
arrumação da casa, a consciência de que nasceram para casar, ter filhos, cuidar do lar e da
família, e em subordinação aos seus maridos.
As mulheres só começaram a ser de certa forma reconhecidas quando, segundo
Confortin, (2003 apud SILVA, et. al. 2010), o processo de industrialização do século XIX
requisitou mão de obra para diversas áreas, sendo necessárias as mulheres para suprirem essa
demanda, e, assim, sua transformação em trabalhadoras assalariadas. Além da necessidade de
mão de obra, elas também eram requisitadas por aceitar salários bem menores em relação aos
salários recebidos pelos homens nas mesmas funções, e muitas vezes com carga horária
superior às exercidas pelo sexo masculino. Como resquícios, ainda é comum determinada
função ser citada como “trabalho de homem”, fazendo referência geralmente aos serviços
braçais e intelectuais, ou como “trabalho de mulher” ao se referir a funções com menos
complexidade ou relacionadas a cuidados e a serviços do lar.

1
Que também é abordada, recorrentemente, por uma perspectiva na qual pouco se considera o fato de não tratar-
se de uma “opção” – no sentido de escolha livre, voluntária.
O feminismo contemporâneo é um dos grandes responsáveis por buscar compreender
e desmistificar essas desigualdades de gêneros, e como isto está presente nas relações sociais.
Carloto (2008) destaca a importância de compreender que apesar dos estudos de gêneros
muitas vezes serem vistos como algo que busca analisar as condições das mulheres, a temática
não deve ser reduzida às questões das mulheres, tratando-se, antes, em um esforço de
compreensão das relações entre homem e mulher. Esta confusão se dá diante da
inferiorização do sexo feminino em relação ao masculino, que é questionado frequentemente
quando o assunto é gêneros.
A frase “não se nasce mulher, torna-se mulher.” se tornou uma referência na luta
contra a violência de gênero com as mulheres, e gerou grandes ponderações acerca do tema.
Cunhada por Simone de Beauvoir (1949), esta frase provoca reflexões sobre como vivemos
inseridos em uma cultura que já determina, no momento do nascimento, de que cor se deve
gostar, em quais profissões se devem seguir, quais sentimentos deveremos ter aflorados, e
como deveremos agir diante do mundo tudo isso determinado pela genitália, sem que seja
possível uma escolha. Além disso, as mulheres carregam um histórico social e cultural de
subordinação e obediência aos homens, porém esta realidade vem sendo mudada através de
muita luta para a conscientização da igualdade e respeito de gêneros, e da busca incansável
das mulheres pelos seus direitos igualitários e seu merecido respeito e reconhecimento na
sociedade. De acordo com Siqueira (2008) a discussão sobre gênero do ponto de vista da
construção cultural e social foi inaugurada em 1975 pela teórica e também feminista Gayle
Rubin, desde então se desenvolveu melhor o conceito de como a sociedade molda
culturalmente as pessoas para enquadrarem em seus gêneros de acordo com o seu sexo
biológico, e principalmente sobre como a mulher é condicionada a se posicionar inferiormente
ao homem.
O gênero é compreendido, assim, como “princípio relacional para a construção da
identidade” (COUTO, 2011, p.5), o que equivale a dizer que não é possível estudar o
feminino sem ter o masculino como perspectiva, já que ambos fazem parte de uma construção
a que chamamos de “identidade de gênero”.
A diferenciação entre homem e mulher também é muito questionada sobre o ponto de
vista emocional e na infância. Fávero (2010) questiona a naturalização de conceitos que
deveriam ser amplos a todas as pessoas, mas são distinguidos entre femininos e masculinos. É
o caso da expressão das emoções, em que se entende que as mulheres são livres para se
expressarem emocionalmente, ao contrário dos homens, que são muitas vezes repreendidos
até mesmo por chorarem. Dentro dessa mesma lógica estabelecida de forma sócio histórica,
está a relação em que a razão, potência, e a força, distinguem-se de emoção, fragilidade, e
vulnerabilidade, e que estes são pertencentes respectivamente ao homem e a mulher, e em
uma sociedade em que a racionalidade é mais valorizada que a emoção, isso justifica por que
muitas vezes o homem é visto como mais importante em relação à mulher para o meio social.
A falta de liberdade para se expressar ocorre de tal maneira que é muito comum
observar violências quando uma criança age em desacordo com o que se espera para seu
gênero. É o caso de meninos que sofrem bullying por demonstrarem ser mais sentimentais,
não demonstrarem agressividade, e/ou expressarem de modo mais meigo ou delicado seus
sentimentos; e o caso de meninas que também sofrem bullying por se mostrarem pouco
suaves ou mais agressivas ao que se espera para o sexo feminino, de modo a serem
discriminadas quando expressam uma agressividade natural, mas que é logo denominada
como “jeito de menino”. Tais situações são vistas desde bem cedo no convívio entre crianças,
reforçando a ideia de que elas já nascem e aprendem a concepção de “coisa de menino” e
“coisa de menina” naturalmente, e usam como parâmetros nas suas vivencias cotidianas, onde
as próprias crianças reproduzem a violência de gênero com os colegas.
No ambiente escolar é muito comum identificar essas definições de gênero. Alós
(2011) destaca a presença de alunos que diferem da maioria em algum sentindo, como os
meninos identificados como “mais sensíveis”, ou como alunas que se diferem das outras por
serem mais agressivas. A não aceitação de crianças que fogem dos estereótipos definidos dos
gêneros faz com que essas situações sejam vistas como problemas pelos educadores, que
buscam corrigir tais comportamentos. Ainda no ambiente escolar, é comum ver a
diferenciação de gênero em relação à violência, em que as agressões entre meninos são vistas
como algo normal, da natureza masculina, já a violência entre o sexo feminino é mais
repreendida, pois culturalmente violência não é coisa de menina. Este discurso se repete entre
educadores, funcionários da escola, e até mesmo os pais, ressaltando novamente como este
conceito está inserido e banalizado na sociedade.

1.2 Do concreto ao simbólico

O preconceito e desrespeito em relação aos gêneros que já está enraizado na sociedade


e na cultura torna-se um grande gerador de atos violentos. A não aceitação e desprezo que
algumas pessoas possuem em relação aos que fogem de algum modo do estereótipo
estabelecido para seu sexo biológico acaba sendo exteriorizada de forma violenta, gerando
conflitos que envolvem agressões físicas, verbais, humilhações e constrangimentos, e no
ambiente escolar isto não é diferente. A violência é um problema muito amplo, presente em
todas as esferas da sociedade e ao longo de toda a história humana, sendo assim muito difícil
de ser definida e conceituada de uma única forma. É comum encontrar controvérsias para que
se defina este conceito, principalmente nos que atribuem os atos violentos à natureza humana,
contra os que acreditam que é o contexto social em que o sujeito está inserido que irá
determinar se ele será ou não violento.
No que se refere a natureza da violência, Minayo (2005) cita quatro tipos distintos:
abusos físicos; violência psicológica; abuso sexual e negligência/abandono. Todos estes
diferentes conceitos mostram-se importantes para refletirmos sobre como a sociedade
vivencia cada tipo de violência. O meio e o contexto em que presenciamos o ato violento é
fundamental para determinar como vamos encarar e classificar este ato. De acordo com
Sacramento e Resende (2006) temos a tendência de banalizar a violência quando ela ocorre
próxima a nós de modo a minimizar a gravidade do problema, e a associá-la a criminalidade
quando ocorre no espaço público ou de modo distante.

2. Agressividade e violência no ambiente escolar


2.1 Agressividade e violência em Winnicott

A violência pode ser compreendida de diferentes maneiras. Dentro dessas diversas


maneiras, é comum citar violência e agressividade como sinônimos, mas a realidade é que
apesar de serem constantemente confundidos, essas duas manifestações se distinguem em
diversos aspectos. Entre muitas definições de violência e agressividade, a teoria desenvolvida
por Winnicott é a que melhor ajuda a compreender as formas de violência e agressão que
serão analisadas neste artigo.
De acordo com Andrade e Bezerra (2009), Winnicott destacou a importância de que
violência e agressividade não são sinônimos. Para ele, a agressividade é algo natural e que
deve ser expressada pelo ser humano, de acordo com o contexto social que ele está inserido,
já a violência é um indício de que a agressividade não está sendo vivenciada naturalmente
como deveria, dando origem a atos violentos que não são naturais do ser humano, indicando
que durante a elaboração da agressividade ocorreram conflitos que levaram o indivíduo a se
tornar violento.
Nápoli (2011) destaca que, ao enxergar a violência como algo natural do ser humano,
estamos acordando com atos agressivos e aceitando que eles estejam presentes no nosso
cotidiano, além de concordar que não é possível recuperar pessoas violentas, apenas puni-las
como tentativa de repressão. Mas ao aderir a ideia de Winnicott, em que a agressividade e a
violência são expressas de acordo com a vivência de cada indivíduo, torna-se possível tentar
compreender o motivo que levou o ato violento a se consolidar, e buscar entender e modificar
o meio em que a agressividade teve origem, de forma histórico e social para evitar que a
agressividade violenta seja necessária como meio de defesa novamente.
Também dedicando-se ao estudo da obra de Winnicott, Dias (2000) explica que, para
este psicanalista, a agressividade é fundamental para o desenvolvimento humano desde o
princípio. Quando o neném demonstra sua agressividade natural e se sente em um ambiente
satisfatório que reconhece e aceita essa manifestação sem reprimi-la como uma forma de
violência, o indivíduo desenvolve a agressividade como algo integrado a sua personalidade, se
tornando um elemento a mais que auxilia na sua capacidade de relacionamento, defesa de seu
território, além de uma espécie de força para se viver no mundo, e que muitas vezes essa
agressividade que surge nos primórdios da vida não deve ser vista como um ato agressivo,
mas sim como uma espontaneidade do neném.

2.2 Violência e escola: questão de gênero

As agressões físicas, verbais, os insultos, apelidos, constrangimentos e boatos que os


agressores produzem no ambiente escolar vem sendo estudados e denominados como
bullying. O termo bullying é utilizado de forma generalizada para definir qualquer tipo de
violência escolar, mas Márques (2011) chama atenção para ocorrências que podem ser melhor
identificadas com o conceito de mobbing. O mobbing é caracterizado por um comportamento
repetitivo praticado não apenas por um único indivíduo, mas sim por um grupo que
ridiculariza e intimida a vítima, com o intuito de humilhar e constranger através de apelidos,
difamações, e comentários negativos sobre sua aparência física ou condição social. Márques
(2011) também explica que os autores de mobbing são mais dificilmente identificados, pois
geralmente trata-se de alunos que se relacionam bem com os demais e bem ajustados ao
ambiente e à cultura escolar, além de propagarem a agressão de forma discreta,
disseminando-a entre o grupo.
No ambiente escolar os alunos agressores podem exercer a violência de diferentes
modos, e para entender melhor o conceito de bullying suas diferentes formas de propagação
foram divididas em subcategorias. De acordo com Martins (2005), o bullying pode ser
classificado em três grupos diferentes. O conceito de agressão de forma direta e física é
caracterizado pelo agressor que utiliza também a força física para agredir a vítima além de
humilhar verbalmente, podendo utilizar também sua força para subtrair pertences de quem ele
agride. Na agressão direta e verbal o agressor faz insultos diretamente para a vítima, muitas
vezes na frente dos demais colegas, colocando apelidos, apontando defeitos físicos, ou
utilizando de alguma situação para constranger e humilhar a vítima. A agressão indireta é a
forma mais difícil de ser identificada já que a vítima não é agredida diretamente, pois o
agressor propaga boatos, apelidos e difamações acerca da vítima para os demais colegas,
causando muitas vezes a exclusão social da vítima no ambiente escolar, mesmo sem a agredi-
la diretamente.
Além da importância de compreender as formas de agressões presentes na escola,
também é necessário compreender os tipos de agressores e vítimas, que foram divididos por
Fante (2005) em quatro grupos. Os agressores de forma geral são definidos como pessoas
agressivas, carentes de atenção e que não conseguem lidar bem com frustrações, fazendo uso
de força física e verbal para conseguir o que quiser, e se sentir superior diminuindo o
próximo. Já as vítimas podem ser melhor compreendidas a partir de características gerais
presentes em três tipos diferentes, sendo típica, provocativa, e agressora. A vítima típica é o
aluno que já carrega o estigma de frágil e indefeso, sendo vítima constante de agressões
físicas e verbais e sem ter nenhuma reação quanto a isso, pois já está acostumado com esta
situação. A vítima provocativa se refere aos alunos que irritam e provocam o agressor,
atraindo de certa forma o agressor para si, e geralmente são crianças carentes de atenção e
inquietas. A vítima agressora caracteriza o aluno que não reage quando sofre o bullying, mas
acaba repetindo a agressão em outros alunos, geralmente menores ou mais fracos que ele, de
forma a transferir a agressão sofrida.
A diferenciação entre formas de agressões, agressores e vítimas facilita bastante na
compreensão e identificação do problema. Além disso, outra diferenciação que se destaca
cada vez mais no ambiente escolar é entre as formas de agressões que ocorrem entre meninos
e as formas que ocorrem entre meninas. Bonfim e Márques (2013) identificaram muito
nitidamente essas diferenças através de uma pesquisa realizada no ambiente escolar. É comum
ter a ideia de que meninos normalmente são mais agressivos e violentos que as meninas, mas
a realidade é que a propagação do bullying ocorre em proporções muito semelhantes entre
ambos os sexos, e essa falsa ideia de que é mais comum entre garotos surge pela forma mais
explícita que eles propagam, geralmente através de violência direta, ao contrário das garotas,
que utilizam de uma violência mais indireta.
A forma mais comum de violência entre meninas é caracterizada pelo mobbying, em
que geralmente um grupo de meninas escolhe uma vítima alvo para fazerem comentários
constrangedores e humilhantes sobre principalmente a aparência física, propagando boatos e
levando ao isolamento da vítima, que não reage e se isola para se proteger, ou aceita as
agressões para tentar se aproximar do grupo, sendo caracterizada como uma vítima típica.
Entre os meninos, a agressão mais comum é a agressão direta física e verbal, em que o
agressor sente necessidade de mostrar para o grupo que ele está agredindo o próximo para
obter reconhecimento e respeito dos outros alunos, além de intimidar os demais, fazendo com
que eles queiram se aproximar e concordar com as atitudes agressivas por medo de se
tornarem também vítimas.

3 Consequências psicológicas do bullying e violências de gênero na educação básica.

Apesar do discurso muito comum de que brigas e agressões na escola são coisas
normais de crianças, já se sabe hoje em dia que violências físicas e verbais devem ser tratadas
com a seriedade que o problema exige, principalmente levando em conta todos os problemas
imediatos e posteriores aos dos atos violentos.
Para Ristum & Bastos (2014), as agressões podem resultar em três tipos diferentes de
consequências, sendo a física, a social, e a psicológica, que comumente se apresentam juntas,
de modo que uma consequência puxa a outra. Dentre esses três tipos, a de mais fácil
identificação é a violência física, seguida pela violência social, em que é notório também, por
exemplo, a exclusão da criança no grupo. A violência psicológica torna-se difícil de
identificar, ao ponto que muitas vezes a criança não recebe a devida atenção quando sofre
com o bullying, e as pessoas ao redor não conseguem identificar ou associar ao fato as
mudanças de atitude do aluno.
As consequências psicológicas podem surgir de forma imediata ou depois de um certo
período, podendo refletir muitas vezes na vida adulta da criança. É importante compreender
também que muitas características psicológicas podem ser motivadoras para que as crianças
se tornem agressoras ou vítimas. Entre grande parte das crianças que praticam o bullying,
Lopes (2005) destaca que é comum observar a agressividade vista pela própria criança como
qualidade, além da impulsividade, popularidade, autoestima elevada, e a satisfação em
humilhar o próximo; entre as vítimas, é comum observar a baixa autoestima, insegurança,
dificuldade em sociabilizar, e dificuldade nas relações entre pares no ambiente escolar. Já a
combinação da agressividade com a baixo autoestima resulta nos alunos que ao mesmo tempo
são vítimas e agressores, que ao se sentirem ridicularizados por sofrerem bullying reagem
tentando ridicularizar um outro colega de modo a se sentir melhor com isso.
As concepções sociais e culturais que acompanham as crianças desde o nascimento
refletem também no ambiente escolar, onde podemos observar como meninas e meninos são
tratados com diferenciação diante das situações de violência. Tais concepções refletem na
relação entre pares das crianças, principalmente quando pensamos no papel cultural que
diferencia homens e mulheres, em que o homem deve se mostrar forte e superior, e as
mulheres devem ser educadas e bonitas de acordo com os estereótipos de beleza. Isto pode ser
observado no modo em que os meninos se sentem na obrigação e no direito de se mostrarem
fortes e melhores que os outros, praticando o bullying para atingirem tal objetivo; já as
meninas buscam estar dentro de um padrão de beleza, não raro humilhando colegas que não
se encaixam nesse padrão, mas sempre agindo de uma forma discreta, caracterizando o
mobbiing, justamente para manter a boa aparência e a ideia de meninas que são bem educadas
e que não causam problemas no ambiente escolar, principalmente aos olhos dos educadores.
Assim como as formas de agressões se diferenciam entre meninos e meninas, as
consequências que ambos sofrem também são diferentes. Em pesquisa realiza em uma escola
pública da cidade de Uberaba, MG, Bonfim e Márques (2013) identificaram que entre as
meninas os maiores problemas estão ligados a aparência física, já que isto é o mais explorado
pelos autores do bullying. Quando a criança sofre, por exemplo, por ter o cabelo enrolado ou
estar acima do peso, isto passa a ser visto por ela como uma característica negativa, geradora
de problemas e responsável por sua não aceitação num grupo, fazendo com que ela, que nunca
havia visto como um problema tais características, queira mudar.
Os estereótipos que as alunas possuem no imaginário muitas vezes são estabelecidos
por padrões da mídia, em que é exaltado a beleza em pessoas loiras, de olhos claros, altas e
magras, características estas que não são tão comuns de na maioria dos ambientes escolares.
As humilhações que as meninas escutam por estarem fora desse padrão idealizado pode
resultar em diversos problemas psicológicos, gerando baixa autoestima, dificuldade de auto
aceitação, isolamento social por não se acharem merecedoras de pertencerem ao grupo, e
levando a consequências mais graves ainda, como a depressão, ansiedade, e aos distúrbios
alimentícios como a anorexia e bulimia.
No bullying entre meninos a agressão física é a mais comum, acompanhada também
de humilhações e agressões verbais. A vítima geralmente é mais fraca e menor que o agressor,
além de ter poucos amigos e não se relacionar tão bem no ambiente escolar. Toda esta
situação coloca a vítima em uma posição de inferioridade e de isolamento social, já que os
alunos espectadores possuem a tendência de se distanciar da vítima, como forma de evitar se
associarem e tornar-se alvos do aluno agressor também. Além de sofrer com o isolamento e o
complexo de inferioridade, a criança também passa a vivenciar um medo constante e com a
ansiedade diante do risco de sofrer novas agressões.
Além das consequências já citadas, Lopes (2005) elucida que muitas vezes a
autoestima da vítima já está tão abalada que ela se sente merecedora dos maus-tratos sofridos,
e justamente por isto não busca ajuda para o enfrentamento do problema, assim como a
vergonha e medo de não ser levado a sério, ou sofrer mais retaliações por parte dos
agressores. Lopes (2005) destaca que alguns fatores podem ser determinantes para os
problemas psicológicos que a criança pode sofrer. O tempo e regularidade em que as
agressões ocorrem está diretamente ligada com a intensidade das consequências a serem
sofridas. De imediato, além da tensão, o medo, o isolamento social, a ansiedade, e a
insegurança, a criança também pode ter queda no desenvolvimento acadêmico, já que o
ambiente escolar, que deveria ser visto como um lugar seguro para que a criança se
desenvolva da melhor maneira possível, passa a ser visto como um lugar hostil e palco de um
grande sofrimento que deve ser evitado
Como principais consequências de longo prazo, Lopes (2005) afirma que pessoas que
sofreram algum tipo de bullying durante a infância se tornam mais vulneráveis a
desenvolverem depressão e problemas ligados a baixa autoestima e comportamentos
antissociais na fase adulta.
O sofrimento do aluno vai além do ambiente escolar, se tornando algo presente em
todo seu cotidiano e em diferentes aspectos da vida. As consequências das agressões
vivenciadas interferem diretamente no modo de agir da criança, inclusive nas relações
familiares. Lopes (2005) cita que o comportamento dos pais diante da situação de bullying se
diferencia entre descrença e indiferença ou em reações de ira e inconformismo,
principalmente contra a escola. O sentimento de culpa e de incapacidade para impedir o
sofrimento dos filhos pode trazer um desconforto generalizado na familia, mas o grande
problema ocorre quando os pais não acreditam ou não dão importância para os relatos de
sofrimento dos filhos, fazendo com que a criança sinta-se traída e abandonada,
comprometendo a relação de confiança familiar.
Diante de todas as consequências já citadas, vale ainda ressaltar que em casos mais
graves de bullying vivenciado de forma extrema e/ou por anos, muitas vítimas tomam atitudes
drásticas, como tentativa de suicídio, ou em casos piores, a homicídios em massa que ocorre
no ambiente escolar.

Ainda que nem sempre casos de mobbing, bullying, ou de sua versão


virtual, chamada de cyberbullying, resultem em situações extremas,
cabe ressaltar que vêm aumentando os casos de crianças e
adolescentes que se suicidam após anos de humilhação e sofrimento
no ambiente escolar; de jovens que invadem a escola, muitas vezes
anos após terem se formado, matando alunos e funcionários que nem
conheciam (mas que representavam para eles seus agressores) e
cometendo suicídio em seguida; de atiradores em massa que durante a
infância e/ou adolescência sofreram assédio escolar. Aumento este
que permite ter uma dimensão de como a violência escolar pode
atingir severamente a estrutura psíquica de suas vítimas, tornando-as,
em geral, ainda mais inseguras, deprimidas, ou ansiosas, e, em
situações extremas, fazendo com que desenvolvam desprezo pelos
demais ou percam a motivação para viver, propiciando atitudes
violentas consigo mesmas e/ou com os outros. (BONFIM &
MÁRQUES, 2013).

Considerações finais

Conceituar as noções de gênero, os conceitos de violência, e a diferenciação entre


violência e agressividade se mostrou fundamental para compreender melhor as diferentes
formas de violência presente no ambiente escolar, e quais consequências este problema pode
trazer. Desde antes do nascimento já estamos inseridos em uma sociedade que define tudo
baseado pelo sexo feminino ou masculino. Essas diferenciações sexistas refletem no ambiente
escolar e na forma em que as crianças vão expressar sua agressividade para escolherem uma
vítima alvo, muitas vezes utilizando de argumentos que diferenciam homens e mulheres, ou
que esteja relacionado ao que se espera culturalmente para o gênero determinado. É o que
ocorre no caso em que meninos humilham o colega por considerá-lo mais delicado, e em que
as meninas utilizam de argumentos que realçam na aparência física da colega algo como
defeito ou como uma característica fora do padrão aceitável no estereótipo de beleza do
imaginário.
Quando compreendemos a violência como um mecanismo de defesa, podemos
entender melhor a dinâmica que leva as crianças a se tornarem tão agressivas no ambiente
escolar. É importante não desprezar o fato de que o ambiente contribui para que os alunos
expressem sua agressividade, como quando a escola e os educadores não reconhecem os atos
como violentos, tratando como algo corriqueiro ou uma violência que vem de fora para dentro
É importante entender que a violência entre pares na escola não pode ser vista como
algo normal ou corriqueiro, pois os atos agressivos vivenciados pelas crianças durante esta
fase em que a formação e a aceitação no grupo é de fundamental importância pode ser
causadora de grandes problemas psicológicos que poderão resultar em consequências para
toda a vida. Distúrbios antissociais, depressão, problemas com a auto-imagem, complexo de
inferioridade, dificuldade de aprendizagem, problemas de auto-confiança e na relação com os
outros são apenas alguns dos sintomas que podem surgir.
Reconhecer o bullying como um problema que diz respeito a escola, aos pais, e a
sociedade de forma geral é necessário para que todos assumam a responsabilidade de evitar
episódios de violência na escola, além de lutar contra os estereótipos que fazem com que a
violência de gênero seja tão presente no ambiente escolar, de modo a tornar a escola um lugar
agradável e seguro para um bom desenvolvimento da fase infantil dos alunos. Ao fechar os
olhos para o problema, estamos consentindo que crianças sofram com as consequências
psíquicas que poderão ser levadas até a fase adulta. Tais consequências se tornam um
problema de todos já que muitos fatores como os complexos antissociais e a depressão são
cada vez mais crescentes, sendo um problema impactante em toda a sociedade.

Referências

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