Texto de referência: Atendimento de Casal - Diálogos fenomenológicos-
existenciais, de Vitor Faustino Sampaio
De acordo com Sampaio, a primeira sessão de uma terapia de casal
trata-se de uma sessão de introdução, em que é comunicado ao casal o enquadramento do processo, ou seja, sua duração e suas modalidades de envolvimento. Ao ouvir do casal pela primeira vez a queixa que motiva a procura por atendimento, após a primeira sessão, é interessante sintetizar o que foi possível compreender daquilo que foi dito, ou seja, mostrar a eles como foi que apareceram ao terapeuta. Este é apenas um dos modos para se conseguir dar uma forma para tudo aquilo que foi apresentado em uma primeira sessão de atendimento. Independentemente do caso, a queixa do casal revela restrições na realização de seu existir cotidiano. Essas pessoas não são capazes de manter sua existência ao lado do outro com quem se relaciona como antes. É comum responsabilizar esse outro por essas restrições, parcial ou totalmente. Em meio às queixas são frequentes colocações como “já não mais” ou “ainda não”, que mostram as maneiras como o casal se define. Apesar disso, é também comum a afirmativa de que a procura por atendimento é uma última esperança para o casal, mostrando-se como pessoas que esperam um porvir, em que apegam-se a uma possibilidade de não serem mais o que estão sendo no presente, ainda que, muitas vezes, este por-vir apareça com uma camuflagem de “voltar ao que éramos”, vontade de recuperar aquele tempo da relação em que o casal se lembra de não estar doente. Essa expectativa, no entanto, requer um cuidado de compreender que o futuro não significa voltar ao que já foi, mas sim a abertura de novas possibilidades. Durante a terapia, a atitude do terapeuta não pode ser confundida com a atitude de que busca ouvir as partes para tomar um posicionamento. Deste modo, não se deve incluir o outro para saber sua versão sobre os fatos. Ainda que o outro possa dizer coisas como “é mentira, eu nunca faço isso” ou “mas ele também faz isso comigo”, não é isso que é esclarecer o sentido daquilo que um provoca ao outro. Essas seriam meras falas individuais que colocam o outro na condição de partícipe, mas que não esclarecem o sentido das falas. Essa “inclusão” resultaria apenas em deixar o terapeuta em um lugar de quem precisa “tomar algum partido”. Então, como seria essa inclusão do outro com o intuito que esclarecer o sentido daquilo que se fala e se sente? Clarificar o sentido da fala não significa estabelecer uma conclusão sobre se aquele a quem ele entrevista tem ou não razão em suas reações. Esclarecer o sentido da palavra é entender como é essa reação. “Assim, ao propor incluir “este que me deixa nervoso” na fala do outro, longe de “tomar partido”, busco olhar para como é ficar nervoso para este casal, ou seja, tento compreender “ficar nervoso” como algo que diz respeito ao casal e não apenas a quem deixa nervoso ou a quem fica nervoso”. O esclarecimento da queixa inicial do casal precisa então considerar o apelo ao futuro. Desta forma, a fala talvez não diga apenas que o casal procurou o terapeuta devido a determinada questão, mas o procurou também porque teme que o problema persista e coloque em risco sua possibilidade de permanecer unido. Ambos estão presentes nesta queixa, inserindo-se no atendimento e no relato, e disponíveis para um futuro que os indaga e os motiva a estares nesse momento terapêutico. Nos dias atuais é crescente a demanda de casais na clínica psicológica, dada a fluidez dos relacionamentos e as constantes e repentinas mudanças culturais e sociais próprias da pós-modernidade. A postura fenomenológica é um recurso valioso no atendimento desse público por ser, quem sabe, a situação clínica que mais requeira do terapeuta o esforço da suspenção de preceitos teóricos, juízos e valores prévios, uma vez que ali estão, não apenas uma, mas duas individualidades, o que faz com que o risco de uma atitude tendenciosa seja aumentado.