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DICIONÁRIO DA MITOLOGIA

GREGA E ROMANA
Tradução de
Victor Jabouille

2~ EDIÇÃO
(l)l) '

l 111111 l'~so 110 Brasil INTRODUÇÃO À. EDIÇÃO PORTUGUESA


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« ... un mythe est perçu comme mythe par tout lecteur,


11111111 1111f(i 1111l: Dictionnaire de la Mythologie Grecque et Romaine dans le monde entiern•
l'J\J, 1'11·,~~·~ Univcrsitaires de France
1'11111', 11, di1 ci1os de publicação desta obra na língua portuguesa reservados por: Editado pela primeira vez em 1951 1 , o Dicionário da Mitologia
Grega e Romana, que ora se apresenta ao público leitor da língua por-
tuguesa, mantém actuais os princípios que orientaram a sua elabora-
ção. Como afirma, na «Introdução», o Autor, Professor Pierre Gri-
l h'11011ti 11ação social - D!FEL, 87 - Difusão Editorial, Lda. mal, um dos mais eméritos classicistas franceses contemporâneos, esta
•,,•d1• Social - Rua de D. Estefânia, 46-B
1000 LISBOA obra ambicionava constituir «um reportório cómodo das lendas e dos
Telefs.: 53 76 77 - 54 58 39 - 325 23 10 mitos mais citados ou utilizados na literatura antiga». De facto, o
Telex: 64030 DIFEL P
Telefax: (01) 54 58 86 Dicionário da Mitologia Grega e Romana, obra de consulta corrente,
< 11 pi111l Social - 60 000 000$00 (sessenta milhões de escudos) cumpre cabalmente a função esboçada e proporciona, de uma forma
< 11111, il111i11tc 11. º - 501 378 537
l\l111drn la n.0 3007 - Conservatória do Registo Comercial de Lisboa
breve mas correcta, a apresentação das linhas definidoras dos prin-
cipais mitos gregos e romanos e, complementarmente, fornece as no-
l 11dm m direitos de comercialização no mercado brasileiro reservados a:
ções indispensáveis à compreensão dos textos dos autores clássicos,
tão ricos em conteúdo mitológico.
Não se tratando de uma obra de teoria ou de crítica, o Dicioná-
ID1l
1 1>11 <lR/\ BERTRAND BRASIL, S. A.
rio surge como um instrumento de consulta para quem pretenda
documentar-se sobre as figuras e os temas das mitologias grega e ro-
\ 1,·11Hl11 Rio Branco, 99-20. 0 mana ou, também, como um instrumento de esclarecimento rápido
100-10 Rio de Janeiro - RJ
1, 1 (02 1) 2632082 Telex: (021) 33798 Fax: (021) 2636112 de pormenores míticos. Nesta perspectiva, o interesse da obra não
U, 11~110: l'edro Dourado
se circunscreve exclusivamente aos estudiosos das literaturas antigas
1 11111pmio,:üo: Textype - Artes Gráficas, Lda.
l111p11·,sao e acabamento: Printer Portuguesa
l >q,m11 n legal n. 0 52 621/92
l' ,II N H~ 286-0148-X • Claude Lévi-Strauss, Anthropologie Structurale, Paris, Plon, 1958, p. 232.
l'11111!1da a reprodução total ou parcial sem prévia autorização do Editor 1 Paris, P. U. F.

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a personagem, a meláfora , o nome, o t.:pft cto , o símbo lo o u o rcl'c- cxist<.: nt <.: em sistema tizar um conjunt o de linhas de aproxima<,:l:IO t1io
rcnle da milologia clássica encontrarão nesta obra uma primeira res- divcrsas agrupar cm três grandes tipos as teorias que fundamc11
posta para satisfazer a sua curiosidade. A apresentação descritiva e I am as pesq uisas mflicas contemporâneas : 1. teorias funcionalistas;
a quase ausência de soluções interpretativas convidam à utilização do 2. teorias simbolistas; 3. teorias estrutura listas. Segundo estas pers
Dicionário pelo leitor não especializado, embora, por outro lado, a pectivas, a mitologia afirma-se como uma verdadeira ciência, recor
apresentação de uma bibliografia elementar (fontes e estudos) possi- rendo a metodologias próprias, operando em direcções múltiplas e
bilite a sua exploração como obra de referência básica. apoiando-se em outras disciplinas (psicologia, sociologia, etno logia,
O leitor interessado em ·aprofundar os seus conhecimentos da te- hislória das religiões, linguística, gnosiologia, antropologia, etc.) 8 •
mática mitológica poderá recorrer, complementarmente, a outras Os mitos - reacção positiva às interpretações «pan--comparativistas»
obras. Para além dos tradicionais Dictionnaire Illustré de la Mytho- (sobretudo anteriores à I Grande Guerra) - são entendidos como ex-
logie et des Antiquités Grecques 2 , de P. Lavedan, ou do Diction- plicações diferentes da filosofia ou da ciência, recu:sando-se, pois, a
naire des Antiquités Grecques et Romaines d'aprés les textes et les sua classificação como expressão de mentalidade priimitiva. Em todo
monuments contenant l'explication des termes qui se rapportent aux o processo de evolução e implantação da «ciência idos mitos» é pa-
moeurs, aux institutions, à la religion, et en géneral à la vie publique ten tc a importância dos estudos sobre as mitologias grega e romana.
et privée des anciens 3 , de C . Daremberg, E. Saglio e E. Pottier Bronislaw Malinowski 9 (1884-1942) é o autor cnue pode resumir
- obras actuaiizadas, quanto à informação mitológica, pelo Dicio- :is posiçõesfuncionalistas, que partem de uma realiidade que deriva
nário de P . Grimal - , ou, a um nível mais exigente de pesquisa, a da experiência: o papel desempenhado pelos mitos n.as sociedades em
indispensável Real-Encyclopiidie der k lassischen Altertumswis- que permanecem vivos e actuantes. O funcionalismo não procura des-
senschaft4, de Pauly, Wissowa e Kroll, o instrumento de referência cobrir o significado espiritual ou intelectual das namativas míticas,
fundamental numa pesquisa mitológica aprofundada continua a ser rnas, sim, realçar a função social que desempenham na vida comuni-
a obra publicada por W. H. Roscher, o Aufürliches Lexikon der Grie- tári a. O mito fundamenta os usos e as normas básiicas do convívio,
chischen und Romischen Mythologie 5 • Adicione-se a estas obras o pro pondo uma justificação narrativa tradicionalmemte aceite por to-
actualizadíssimo e já indispensável Lexicon lconographicum Mytho- dos: «Estudado vivo, o mito, [... ] não é simbólico>, não é uma ex-
logiae Classicae (LIMC)6, obra colectiva em curso de publicação e pressão directa do interesse científico, mas uma ressurreição narra-
complemento natural, com grande cópia de documentação iconográ- tiva de uma realidade primordial, contada para satisfração de intenções
fi ca, das obras de referência anteriormente citadas. religiosas profundas, de desejos morais, de submissõces sociais, de cer-
Se no momento da publicação da primeira edição francesa do Di- 1<.:zas e, até, de necessidades práticas. O mito cumprce, na cultura pri-
cionário a mitologia iniciava - após um longo espaço de tempo em 1nitiva, uma função indispensável; expressa, acen1tua e codifica a
que, ainda consequência dos exageros de algumas interpretações da crença; protege e reforça a moral; vigia a eficiência do> ritual e de certas
«<.:scola comparativista», foi encarada com desconfiança e descré- regras práticas para a orientação do homem. O miito é, assim, um
dito - o seu período de recuperação e de afirmação como ciência, ingrediente vital da civilização humana; não é umai fábula vã, mas
H verdade é que, no momento actual, a sua implantação e aceitação uma força criadora activa; não é uma explicação inttelectual ou uma
são inquestionáveis. Correntes de investigação e de opinião apenas
esboçadas ou em fase de desenvolvimento na época de redacção do
7
nié:ionário acabaram por comprovar a sua eficácia com os resulta- Nethi11k/11,: A11thropology, Lo11do11, /\1ltlo11c Prcss, 1964.
" Puru u comp,ccns,lo ela problcmólica du 111/tolo,:la e pura a surn pcrspcclivnçi\o KCtul
dos obtidos. Tomando como ponto de partida cronológico o final
hi.~1ó , ica, s11Kere se a cons11l1n de: Marcel Dcticnnc, /, '/11vl'!1tio11 de /1111nythologil•, PariN, (lnl
1111111, d, 1981; C'urlos Ourdn Clunl, ' ·" Mlto/1111/11. /11t1•r1J1·1•t11clomw rll'I pc•m.w1111ie11f() 111/tlm, 11111
,·t1ln1111, Monlcsitms, 1</H7; Furio .lcsi, Mito, Mil11110, INcdl, 1971 (l rnd:l. por1111111cs11 O Mito ,
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Paris, Hachette, 193 1 3 . 1 l.,1>011, l'1t·sc11 ç11, 1977 1); Vicio, J11ho11illc, l111t-lardo 1) ('/(1111'111 r/0.1· MI/tos, l.ishou, l11q116allo,
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• Münchcn-S1u1tgar1 , Alfrcd Ouckmílllcr Verlag, 1968 2 • t 1•1f l,//1//111111111hll'lll .111rv1•v, lJ1h111111, l l11lv1•1slly 11 1 111111111N l'11'NN, 1'>111 .
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VIII DICIONÁRIO DA MITOI O(olA
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO PORTUGUESA IX

imagem artística, mas é um privilégio pragmático da fé primitiva e Entre as perspectivas simbolistas da análise mitológica,
da sabedoria moral.» 10 consideram-se os autores que encaram o mito como um modo dife-
Sem se pretender afirmar uma relação dirccta e imediata com o rente de exprimir o pensamento, a cultura e a forma de observar o
funcionalismo de Malinowski, é possível verificar aproximações na mundo. Tomando como referentes teóricos os trabalhos de Creuzer
importante obra de M. P. Nilsson 11 (1874-1967) (atenção renovada e de Schelling, autores tão diferentes como E. Cassirer,
em relação ao aspecto cultural do mito e à sua repercussão na vida S. Freud, C. G. Jung, K. Kerényi, W. F. Otto, M. Eliade, P. Ricoeur
dos Antigos) e na corrente designada por «teoria do mito e do ri- ou G. Durand têm em comum o admitirem o símbolo, tautegórico,
tual», representada, por exemplo, por J. E. Fonterose 12 ou Theo- que se afirma a si próprio, implicando a intervenção de reacções fun-
dor. H. Gaster 13 • Na linha dos grandes estudiosos alemães da reli- damentais, como a actividade física e a vontade. Trata-se de um ou-
gião· e da mitologia antigas dos finais do século XIX e do início do tro tipo de linguagem, colectiva, mais emotiva e rica, exprimindo o
século XX - L. Preller, C. Robert ou o já referido M. F. Nils- que não pode ser expresso directamente no falar corrente. Os mitos
son-, Walter Burkert 14 (n. 1931) analisa os mitos realçando as im- dirigem-se, pois, não apenas ao entendimento, mas, também, à fan-
plicações sociais e a sua coesão com o ritual, valorizando a actuação tasia e à realidade.
funcional. Burkert considera o mito, que pertence ao nível linguís- E. Cassirer (1874-1945), sobretudo em Phi/osophie der Symbo-
tico, um conto tradicional aplicado a algo de interesse para a colec- /ische Form 17 , afirma-se como um pensador profundo e original numa
tividade, transferindo, assim, a sua importância não para o mo- base de hermenêutica filosófica e o seu pensamento, apesar de a sua
mento da criação, mas, sim, para o da transmissão e preservação. obra ter sido escrita em período anterior ao que está a merecer a nossa
Conto tradicional actualizado como experiência verbalizada, o mito atenção, vai ser actuante posteriormente. O mito apoia-se sobre uma
. define as suas próprias marcas históricas: «A narrativa tradicional força positiva da figuração e da imaginação,. mais do que sobre uma
está sempre pressuposta como forma verbal no processo do óuvir e espécie de deficiência do espírito, sendo, assim, forma que cria sig-
do contar de novo e só pode sobreviver como forma estandardi- nificado. Forma de pensamento, forma de intuição e forma de vida,
zada. Nesta medida, o mito é uma síntese a priori. A aplicação, a o mito pode apenas ser história verdadeira, mesmo que o seja na me-
relação com a realidade, é secundária e a maior parte só parcial- dida em que estabelece uma relação com os elementos formais está-
mente certa: a narração tem o seu "sentido próprio".» 15 «Mitos ticos da experiência, os únicos a que é possível atribuir a qualifica-
são estruturas de sentido.» 16 ção, relativa, de objectividade. Mais do que consequência de uma
deficiência da linguagem, o mito é considerado, à luz da actividadc
formadora que lhe é própria, milagre do espírito e enigma. Cassircr
10
B. Malinowski, «Myth in Primitive psychology», in Magic, science and religion and considera o mito como uma não perfeita distinção entre símbolo e
other essays, p. 101.
11 objecto do símbolo: o mito surge espiritualmente sobre o mundo das
Greek Popular Religion, New York, Columbia University Press, 1940; Geschichte der
griechischen Religion, München, C. H. Beck, 1941; The Mycenaean Origin of the Greek Mytho-
coisas materiais como expressão colectiva, poética e primordial dife-
logy, Berkeley-Los Angeles, University of California Press, 1972R; Cults, Myths, Oracles and rente do pensamento lógico 18 • Entre os seguidores de Cassirer refiram-
Politics in Ancient Greece, Lundt, Gleermp, 1972R; Greek Piety, New York, Norton and Com- -se W. M. Urban 19 (a mitologia é o fundamento da religião, que usa
pany, 1959.
12
a linguagem do mito para simbolizar uma realidade não mitológica,
. Pythoi. A study of Delphic myth and its origins, Berkeley, University of California e uma forma bastante elevada de conhecimento) e Susanne Langcr 20
Press, 1971; The Delphic Oracle, Berkeley-Los Angeles, University of California Press, 1981 R;
The ritual theory of myth, Berkeley, University of California Press, 1971 R_
(embora também com nítidas influências de A. Whitehead e da se-
11
Thespis. Ritual, myth and drama in tire ancient nearest, Ncw York, Anchor Books, miótica de Ch . Morris).
1977'\
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1111•1, 1977; //1m111 N1•1·,1111, lk1krlt-y I m i\1114dn, ('nlifn111111 IJ11i wl\ily PH'" · 19111M ; Struc- 11
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W. 01to 11 ( 1874 1958), 11111 l'ilólogo l.'lt\ssko, exprilllc uma con- lo~ia co11st il 11i a matc.;rialização. Os produtos arquc.;tlpicos não se
1.·1.·1wtlo inovadora du mitologia e da rcligiüo ao afirmar que os dcu- apresentam <.:01110 mitos já formados, mas como elementos míticos,
M:s w·c.;gos, como sào apresentados, por exemplo nos Poemas Homé- como motivos. O mito é, pois, a projecção de uma força psíquica que
ti<'O.\', sao imagens simbólicas de uma intuição vital não traduzível parle de um objecto real e o transfere na representação.
lk o utro modo. É através deles que se exprime a visão religiosa, poé- Para a lém dos já citados, têm prosseguido a investigação numa
1irn e mítica dos gregos. O mito é o que o homem apreende da divin- linha de interpretação psicológico-psicanalítica (freudiana ou não) apli-
dade e o culto é a adaptação à diferença entre o humano e o divino. cada à mitologia da Grécia e de Roma autores como Georges 26
25
A orientação psicanalítica, desenvolvida a partir da teorização Devereux 23 Maria Scriabine 24 , Gilbert Aigrisse , Erich Neumann ,
' g 29 30 h'
l' dos estudos pioneiros de S. Freud (1856-1939), continua a ocupar
André Green 2 7, H. F. Jacques 2 , Joseph Campbell , Kouretas , P 1-
32
l1111 lugar de destaque entre as correntes «simbólicas» de interpreta- • lipe Slater 31 , Clémence Ramnoux • Convém acrescentar a estes no-
. 33 M . D 1 t34
1,:tlo do mito. Já em carta ao Dr. Fliess datada de 15 de Outubro de mes os de «pioneiros» como Charles Baud om e ane e cour .
1894, Freud referenciava a tragédia Rei Édipo de Sófocles como exem- Discípulo de W. F . Otto, e também influenciado pelo pensamento
plo caracterizante da materialização do complexo nuclear da teoria de L. Frobenius, Karl Kerényi (1897-1973) exprime uma nova con-
psicanalítica. O mito é considerado, sob o ponto de vista filogené- cepção do mundo mítico e da religião, conciliando a sua formação
1ico, o que o sonho é sob o ponto de vista individual. Se o sonho se classicista com a interpretação psicológica de Jung. Kerényi consi-
35
c.;xplica pela libido pessoal, o mito - sonho de um povo - explica- dera, em Einführung in der Wesen des My!holo~ie , obra escrit~ e~
-se pela libido colectiva. 1941 em colaboração com Jung, que a mitologia tem a sua propna
Os continuadores de Freud, discípulos e dissidentes, insistiram linguagem, como a música, e que é necessário ter em conta essas ima-
na utilização do material mitológico como referente e como corpus gens essenciais que, surgindo nos textos de autores antigos, têm pa-
base de trabalho. Em termos de teorização, merece referência desta- ralelo em outras culturas. A mitologia é definida como «uma arte ade-
cada C. Jung 22 (1876-1961) e a sua teoria dos arquétipos. Para Jung,
os arquétipos são os herdeiros do mais antigo passado; são os traços 21 É vasta a b ibliografia de Georges Devereux, a maior parte dispersa n as revistas de psi-
l ornados hereditários das primeiras experiências existenciais do ho- canálise e de medicina. Refiram-se a lgumas das suas obras mais próximas da mitologia grega
e romana: Tragédie e/ poésie grecques, Paris, Flammarion, 1975; Dreams in Greek Tragedy ,
mem perante a natureza, perante os outros homens e-perante si pró-
Oxford-Berkeley, Basil Blackwell - California U niversity Press, 1976; Femme e/ mythe, Pa-
prio. Mais tarde, Jung encara os arquétipos como modos de com- ris, Flammarion, 1982; Baubo. La v11lve mythique, Paris, Jean-Cyrille Godefroy, 1983.
portamento universal típico, que correspondem a formas de conduta 24 A u carrefo11r de Thébes, Paris, Gallimard, 1977.
biológica, a princípios regulamentadores ou, ainda, a formas a priori 2s Psycha11alyse de la Grece Classiq11e, Paris, Les Belles Lettres, 1960.

da experiência. Os arquétipos são, deste modo, necessariamente in- 26 The Great-Mother: an analysis of the archetype, Princeton, Princeton University Press,

<.:onscientes, formas dinâmicas que se impõem às imagens particula- 1970.


27 U11 oeil en trop, Paris, Seuil, 1969.
res. Mas o arquétipo não é uma imagem; é o impulso que dá origem 2• Mythologie et Psychanalyse. Le châtime11t des Danaides, Ottawa, Lémeal, 1969.
a imagens e o símbolo é a explicação de um arquétipo desconhecido. 1•1 Tire hero wilh a thousand faces, New York, Bollingen Foundation, 1949; The mask
A partir da teoria dos arquétipos Jung chega à formulação es- of (;otl, Ncw York, Viking Press, 1959-1968.
sencial de um inconsciente individual - o que foi explorado por 111 «Psychanalysc cl mylhologie: la névrose sexuelle des Danaides», in Rév11e Jra11çaise

l•reud - e de um inconsciente colectivo - imutável e universal, cons- r/1• l'.l'ycha11alys1•, 2 1, 1957, pp . 597-602.
11 1'he Hlory of Ilera , Boston, Beacon, 1963.
l ituído por arquétipos, animus, anima, duplo, etc. O inconsciente co- 11 / ,a 1111/1 l'I /e.1• e11Ja11ts de la 1111it, Paris, rlammarion, 1959.
lC'ctivó pode ser definido como uma estrutura mental de que a mito- 11 / ,1' 1r/0111pl,1, rl11 héros, Paris, Plon, 1952.

14 llt•miaphroditt•. Mythl's et rifes de la bissexualité da11s l'A11tiq11/té, Paris, P. U. F. ,

1%~; 1,1rµ1'11tlt•.v l'I rnlll'.\' rl'héros e11 Grilce, Paris, Leroux, 1942; Orestes et Alcméon. É111t/1•
11 m,, GIJl/er Griecllland, Bônn, Cohen, 1929; Dionys11s: myth and c11/t, Bloominglon,
1 r la ,,ro/1•c·tlr111 r/11 111111rlcld1• ,.,, (;reler , Pnris, l.cs Bcllcs 1.ctlrcs, 1959; Pyrrhos et Py rr/111.
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1 11
11 I . 'ho1111111· 1} '" ri·c·lwrclw dt• 1tm l11111•, l'uil~. l'uyol, 197')R; M<1/11111orphose.1· de l'âme U!•i·lwr<'lw.1 .rnr ltw vci/1•11r.l' r/11 J1•11 r/1111.v l<•s ltlHt'11r/1w lwlltl11/q11es, Pnris, Lcs llcllcs 1.ctl rrs,
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11
v111n dmlm, ' I •,1r-.l1• 11111:1 111a11'.·ria especial que
111111l· 11111r-. 11111 nl•ulnll'", ria de certos conflitos interiores, como os provocados pela revolla
l 'o11dic1011a u 111 ll' da 111itolog1:i : m'• 1111111 1,1,11111 dt· clcmenlos antigos, do filho contra os tabus impostos pelo pai. Mas o indivíduo não pode
1,u11s111i1idos pela 1rudi~·1o, tra1u11do dt· dt·w,cs e <.k st:res divinos, de contentar-se com um sonho, mesmo realizador: pretende indcn tifica r-
l'o111ba1 t:s de hei óis e de descidas uos i II f'ernos, demt:ntos contidos nas -sc com o herói, razão pela qual o mito se concretiza sempre num
narrativas conhecidas, mas que, contudo, nao excluem qualquer mo- ritual. A nível psicológico há uma ruptura entre o onírico e a acção;
ddagem mais completa» 37 • A mitologia informa a vida social do ho- nas sociedades, pelo contrário, os mitos geram comportamentos.
rnem antigo e é um traço básico da sua vida comum. Essas imagens A exemplificação pode ser feita a partir de casos contemporâneos:
ou elementos narrativos, que surgem na narrativa mítica com valor o nazismo e a Ku-Klux-Klan. A teoria psicanalítica converge, assim ,
simbólico fundamental, são designados por mitologemas e são con- com a teoria sociológica: há um ponto de encontro entre as situações
siderados expressão da psyche colectiva do povo que criou a sociais e as que resultam dos complexos da libido. Os mitos, como
mitologia 38 • Os mitologemas correspondem, de certo modo, aos ar- instrumentos do sagrado, são absolutamente simétricos com as rea-
quétipos de Jung. A mitologia informa a vida social do homem an- lidades animais (compart-se, por exemplo, as máscaras que assumem
tigo e é um traço básico da vida comum. A análise mitológica pode, a morfologia do insecto e o canibalismo amoroso do instinto do louva-
nesta perspectiva, recair sobre a comparação entre as representações -a-deus).
de uma mesma imagem mítica, isto é, as materializações de um mi- Mircea Eliade 45 (1907-1986) tenta, numa base simbolista e com-
tologema em mitologias distintas. Esta perspectiva de leitura do mito parativista perspectivada a partir dos trabalhos de Jung e enrique-
é exemplificada por trabalhos vários: Jung e Kerényi, na obra citada, cida com a fenomenologia de Husserl, definir o fenómeno mítico.
analisam o tema do menino e menina divinos; O. Rank 39 , o do nas- Apresentando-se como «historiador das religiões», M. Eliade afirma
cimento do herói; J. Campbell, o do «herói com mil rostos». que o mito tem uma função religiosa possível e é a base de um sis-
46
O pensamento de Georges Gusdorf (n. 1912), sobretudo o expresso tema hermenêutico .
na obra Mythe et métaphysique. lntroduction à la philosophie 40 , ex- M. Eliade define mito do seguinte modo: « ... o mito conta uma
plora uma concepção simbólica, que, derivada do existencialismo de história sagrada; relata um acontecimento que teve lugar no tempo
Karl Jaspers, considera o mito como pré-história da filosofia, pri- primordial, no tempo fabuloso das origens. Por outras palavras, o
meiro conhecimento que o homem adquire sobre ele próprio e sobre mito conta como, graças aos actos dos seres sobrenat urais, uma rea-
o meio; o mito é a estrutura desse conhecimento 41 • Para Gusdorf, lidade teve existência, quer seja a realidade total, o Cosmo, ou ape-
é a consciência mítica que permite a localização da razão na existên- nas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento
cia, que insere a razão na sua totalidade - porque, abandonada a humano, uma instituição. É, pois, sempre uma narrativa de uma cria-
si própria, permaneceria como suspensa no abstracto, sem integra- ção: conta-se como qualquer coisa foi produzida, como começou a
ção no mundo real. Se a mitologia é uma primeira metafísica, a me- ser. O mito não fala senão naquilo que aconteceu realmente, naquilo
tafísica dev_e ser compreendida como uma mitologia segunda 42 •
Reger Caillois 43 (1913-1978), na linha do pensamento de O. Rank
(todas as histórias de nascimento de heróis - Moisés, Édipo, Rómulo, 44 Cf. O . Ran k, The myth oj birth of the hero.
Tristão ou Lohengrin - seguem sensivelmente a mesma sequência 41 • A spects c/11 my the, Paris, Gallimard, 1963; Le chamanisme et /es techniques archai-
q11es de /'extase, Paris, Payot, 1978; •Forgero11s et alchimisres, Paris, Flammar ion, 1977; H is-
toire des croya11ces er des idées religie11ses, Paris, P ayot, 1976 e 1979; •/mages et symboles,
11' Op. cit. , p . 13. l'a ris , G a llima rd, 1952; /11itiatio11s, rites, sociétés secretes. Naissances myst iq11es. Essai s,ir
1111 e/q11es t_vpes r/'i11itiatio11, P aris, G allimard, 1978; M éphistophéles et l 'A11drogy11e, Paris.
11
lhidt•m .
'" ('t . loc. 1·it , Ciullim.ird , 1962; •t.e my the de /'et ernei retorir, Paris, G allimard, 1969R ; • Mythes, rêves et
1
" '/111' tr111111111 o//)lrth, Ncw York l.011do 11, Bruce Ro ur'Jcdgc and Kcg,111 Paul, 1929; 111 y,1,111r <'.I', Paris , (ia lli111ard, 1957; t. a 11asralgie des origines, Paris, Gallim ard, 197 1; Occ11/
/'111• mvth of/11rth o/ tlw /ww , Nt·w Ymk, V l1111111~ Book , , 1%41C; 0011 ./11a11 . Um ét11r/(• s11r 1/.1//1(' • .,·urc·1•//1•ri1• l'I 111ode.1· c11/111rell1·s. Paris. Gallimard, 1978; •rraité d 'histoire des rcll,:1011s,
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•u 1•11t1, , l•h1111111111 l1111 , l 'l<,H" 1up.ut'"' 1t:,, uh111, 11s,ii 11d11d11~ ,·0111 • . ( ·r. l\d, in110 Mnri110, / '/wr111 tl111·11tiq1w dt· /\lirn·a Fl/1ull',
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q111.· st· 11ta11il1.·slot1 l'o111pll•t1111H·11tl', ,,s pt'tM111.tl{l'IIS do mil o sao Seres holica111e111c valorizados, segmentável cm sequências ou mais peque-
Sob, l'llat 111 ais»" 7 • nas unidades semânticas (mitemas) nas quai s se investe
Par a Eliade, o herói , cpct l' 11111 gcst o a, q11<:I /pico e, desse modo, obrigatoriamente uma crença (contrariamente à fábula e ao conto)
o homem, inlegrado na sociedade suporlou, duranle séculos, pesa- chamada pregnância simbólica (E. Cassirer)» 52 , G. Durand admite
da s pressoes hislóricas sem desesperar, sem recorrer ao suicídio nem que o pensamento humano se move dentro de quadros míticos e, in-
cair na esterilidade espiritual. No eterno presente converge fatalmente conscientemente ou não, esses quadros estão presentes nas manifes-
o passado e o futuro. Os acontecimentos históricos justificam-se como tações do Imaginário . É o mito que, na realidade existencial das cul-
um eterno retorno, um renovar perene do mito ou, por outro lado, turas e da vida dos homens, distribui o papel da história.
como uma sucessão de teofanias. G. Durand propõe vários níveis de análise mítica. A mitocrftica
Gilbert Durand 48 (n. 1924) pode ser encarado como o ponto de é o «emprego de um método de crítica literária ou artística que foca-
partida teórico de uma nova perspectiva de análise simbolista. En- liza o processo compreensivo sobre a narrativa mítica inerente, como
lroncando o seu pensamento em Gaston Bachelard e sofrendo as in- Wesenschau, ao significado de toda a narrativa» 53 . Com a mitaná-
íluências de Jung, Kerényi, Eliade, Dumézil e Henry Corbin 49 , G. Du- lise, «define um método de análise científica dos mitos com o fim de
ran~ remete-nos para a análise do Imaginário - «isto é, o conjunto tirar deles não só o sentido psicológico (P. Diel , J. Hillman, Y. Du-
das imagens e das relações de imagens que constituem o capital do rand), mas também o sentido sociológico (Lévi-Strauss, D . Zahan,
pensamento do homo sapiens» 50 • G. Durand considera que as ima- G. Durand)» 54 • Se a mitocrítica é uma proposta de leitura da obra
gens humanas se agrupam segundo os três reflexos fundamentais literária e se a mitanálise se debruça sobre a sociedade, a mitodolo-
- o postural, o digestivo e o rítmico - , que, por sua vez, se inte- gia, terceiro estádio de análise, é apresentada como a realidade úl-
gram em dois, de facto , três, grandes regimes, agrupamentos mais tima, a grande explicação que está para além da episteme.
gerais de estruturas vizinhas, analisados em Structures Anthropolo- O estruturalismo, designação geral entendida sobretudo como con-
giques de l'Imaginaire. O regime diurno (o da gesta épica) diz res- sequência dos trabalhos de V. Propp 55 e de Claude Lévi-Strauss 56,
peito à dominante postural, à tecnologia das armas, à sociologia ma- marca a investigação mitológica e pode ser encarado como um dos
triarca! do soberano mago e guerreiro, aos rituais de elevação e de factores responsáveis pela definição de uma ciências dos mitos. Um
purificação; o regirrie nocturno - que é o regime místico e simboliza dos principais obreiros desta afirmação da mitologia é Georges
o corte e todos os símbolos de intimidade - subdivide-se em duas Dumézil 57 (1898-1987), que, ao fundamentar o seu estudo compara-
dominantes: a digestiva e a cíclica. A dominante digestiva reúne as
técnicas do recipiente e do habitat, os valores alimentares e digesti- 52
Idem, p. 34.
vos, a sociologia matriarca! e da alimentação; a cíclica agrupa as téc- 53
Idem, p. 218.
54
nicas do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbo- 55
Idem, p. 313.
los naturais ou artificiais do regresso, os mitos e os dramas Morfologijá skázki, trad. inglesa Morphology oj the Folktale, Austin-London, Uni-
51 versity of T exas Press, 1968 2 •
astrobiológicos • Estes reflexos e regimes manifestam-se em estru- 56
Lesstruct11resélémentairesdelaparenté, Paris, P. U. F., 1949; Tristestropiques, Paris,
turas gerais mais ou menos comuns a indivíduos da mesma época e Plon, 1955; La pensée sauvage, Paris, Plon, 1962; Anthropologie Structurale, Paris, Plon,
da mesma cultura. Considerando o mito como «uma narrativa (dis- 1958; Anthropologie Structurale II, Paris, P lon, 1973; L e totémisme aujourd'hui, Paris, P.
c urso mítico) que põe em cena personagens, cenários, objectos sim- U. F., 1974 2 ; Mythologiques: I Le cru et /e cuit; li Du miei aux cendres; III L'origir,e d es
maniéres de table; TV L'homme nu, Paris, Plon, 1964-197 1.
57
., llspects du mythe, p. 15. Com a publicação da tese de doutoramento, l efestin de /'immortalité: étude de mytho-
•K / .(\\' .1·1n1c111res anlhropologlques de l'lmaglnaire, Paris, Bordas, 1988R; Le décor mythique logie c·omparée indo,européen em 1924, iniciou Georges Dumézil uma obra vastíssima, na qual
rll' la ( 'lwrtff!ILW.' de Par1111•, Paris, Coni, 1961; l .'imaimatior, symboliq11e, Paris, P. U. F., 1984 •; Science é possível disringuir duas fases. Realcem-se os seguintes trabalhos: l.' Mythes et dieux des
r/1• l 'h,11111111• l'I tmdlt/or,, Pari\, llc111 l 111c111ado1111I, 1979; 1-tg11n.i1· 111ythiq11es et vi~ages de l'oeuvre, Germair,s; essai d'i11terprétatio11 comparative, Paris, P. U. F., 1940; Mitra-Varuna: essai sur
til- lu 111y1hocr11/q111• a la 111ytlw11r1lv.,1•, P1111~. lln11 1ntcr 111110111111, 1979; / .'l/1111• tiK"'"· 1,,..1· plurels de d1•11x représer,tations /11do ,e11ropéer111es de)a souveraineté, Paris, P. U. F., J940; J11piter, Mars
/ill~ Jul, 1~11 i,, 1h-1101'1 ( in111hk1, l'lHO, 111111{ S1111IH1lt11• MlltJ</olo,:l(I, 1 h ho 11 , l'ri·,,n~a. 19R2; O Milr~ 1•1 (J11/m111.1·; l'.\',\'(l/ .mr la ccmc,•pt/or, indo e11ropéer,11e de la sociélé et .w r les orlg/11es de Rome,

(I S111·lnl111h• 1· 11 Sol'/11/1111111 r/111 l'm/11111/t•:11,, 1 M11111, A 1(1•11111 1111 1111111, f'IH l; J11 / 11 1dt1 l'mrlmt11/t•t, Pum, Ciullimard, 1941; 2.' Mytlw l'I lpopée, Pt1ris, Gullimard , 196R, 1971 e 1971; / ,a r('/1
l',111~. 1>1•11111•1 < ,111111111•1, 11/H•f, //n1111111/11•/ 1111 h1'l1•1i.•, /1111 ·/rN/1111,11 /iut l'11
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rivo dns rcligitks dos povos iudo curopcus 1111111 co11ju1110 articulado 111a11tcr na sua consciência não só os valores que ela reconhece e os
de rn11ct.:ilos c scguindo 11ma perspectiva própria de pesquisa das for- ideais que persegue de geração em geração, mas, principalmente, o
111as de representação e da ideologia da mentalidade antiga indo- seu ser e a sua própria estrutura, os elementos, os vínculos, os cquilf ,
europeia nos relatos míticos, deve ser considerado um estruturalista brios, as tensões que a constituem, justificar, no fu ndo, as regras e
heterodoxo. A análise dos materiais possibilitou-lhe concluir que as as práticas tradicionais sem as quais tudo o que é seu se dispersaria. » 59
sociedades indo-europeias, pelo menos em períodos remotos, eram A obra de Georges Dumézil marcou praticamente todos os que
caracterizadas por uma ordem hierarquizada, uma organização so- se têm debruçado sobre a mitologia e a religião da Grécia e de Roma
cial tripartida, em que cada estrato era colectivamente representado cm particular e de todos os povos indo-europeus em geral ; refira m-
no mito e na épica por um conjunto adequado de deuses e de heróis . -se, entre os estudiosos que se têm debruçado sobre a mitologia e a
A conclusão de que existiam três estratos sociais - sacerdotes, mili- religião clássicas, E. Benveniste, Stig Wikander, Lucien Gruschel,
tares e produtores (pastores e agricultores) - é acompanhada pela T. W. Powel, Jan de Vries, J. Duchesne-Guillemin, Francis Vian,
concepção de que cada um desses grupos contribui, de uma forma Raymond Bloch, Jean Bayet, J. Prsuluski, Atsuhiko Yoshida, Jean
específica, para a consolidação do sistema socio-sobrenatural. Tam- Puhvel e Robert Schilling.
bém os deuses compõem uma tríade com valor funcional, represen- É Claude Lévi-Strauss (n. 1908) quem, em meados do nosso sé-
tando a soberania, a força combativa e a fecundidade (a tríade pri- culo, lança a investigação mitológica numa linha de pesquisa inova-
mitiva Júpiter, Marte e Quirino atesta em Roma o sistema dora e concreta. Utilizando os conhecimentos metodológicos da E s-
trifuncional). É o sistema trifuncional - suporte da «nova mitolo- cola Linguística de Praga, em particular de Roman Jakobson, e os
58
gia comparada» - que permite considerar o pensamento de G . Du- trabalhos de V. Propp, Lévi-Strauss surge como o grande investiga-
mézil como estruturalista. A tripartição funcional da sociedade pri- dor do estruturalismo. A análise estrutural dos mitos acompanha um
mitiva indo-europeia reflecte-se, com múltiplas variantes, nas heranças trabalho mais vasto de inventariação dos determinantes psicológicos,
míticas dos diferentes povos, com matizes e temas próprios a cada que postula uma analogia de estruturas entre as diversas ordens de
um, porque a história, ao particularizar-se, pode modificar as repre- factos sociais e linguísticos . É possível distinguir no mito dois senti-
sentações. dos: o imediatamente perceptível a partir da narração e um outro sen-
G. Dumézil considera que as religiões são conjuntos pelos quais tido, escondido, que não é consciente. É este segundo sentido que o
se distribui toda a experiência humana. O estudo de uma religião não mitólogo, com o linguista, pode atingir. O mito não é uma narrativa
pode, assim, incidir sobre factos isolados, mas deve ter em conta con- que desenvolve a sua cadeia sintagmática segundo um eixo diacró-
juntos e relações de elementos. O sistema religioso de uma sociedade nico de um tempo irreversível, do mesmo modo que a s palavras se
exprime-se numa estrutura conceptual primeiro e em seguida em mi- seguem na cadeia do discurso de sujeito falante; tal como a língua,
tos que representam e fazem agir essas relações intelectuais funda- o mito é um arranjo ordenado de elementos que, no seu conjunto,
mentais. Os mitos, finalmente, actualizam, mobilizam e utilizam as formam um sistema sincrónico, que constitui o espaço semântico a
mesmas relações. O objectivo fundamental deve ser, deste modo, de- partir do qual se produz a narrativa.
terminar a estrutura enquanto tal. O mito é cenário privilegiado que Segundo Lévi-Strauss, existem dois níveis de leitura, como vimos:
permite descobrir e verificar as relações conceptuais fundamentais. o nível narrativo manifesto e o nível mais profundo, que só se pode
O mito é definido por G. Dumézil do seguinte modo: «O país que a tingir a través da referenciação dos elementos constitut ivos da nar-
não tem lendas, diz o poeta, está condenado a morrer de frio. É muito rativa mítica. Em Anthropologie Structurale, Lévi-Strauss afirma:
possível. Mas se um povo não tivesse mitos, já estaria morto. A fun- «... 1. 0 como todo ser linguístico, o mito é formado por unidades
ção da classe particular de lendas que são os mitos é, com efeito, a constitutivas; 2 . 0 essas unidades constitutivas implicam a presença
dc exprimir dramaticamente a ideologia de que vive a sociedade, de daquelas que intervêm normalJUcnte na estrutura da própria língua,
a sabcr, os fon emas, os morfemas e os semantcmas . Mas elas estão,
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1111110 , drnmaremos aos elementos que relevam no próprio mito (e A principal crítica 6 7 localiza-se na excessiva generalização das suas
q11t.: s:lo os mais complexos de todos) grandes unidades constituti- conclusões (transferência de um corpus mítico contemporâneo e oral
vas» ''º . Estas grandes unidades constitutivas são os mitemas 61 • para um antigo e escrito). Entre os críticos, refiram-se Paul Ricouer 68 ,
O esquema de análise apresentado - análise do mito «à ameri- G. S. Kirk 69 e Jean-Pierre Vernant.
1.: ana » - foi a plicado ao mito de Édipo 62 , num texto bastante Jean-Pierre Vernant 70 e Marcel Detiénne 71 - núcleo da «Escola
1.: rilieado 63 . Posteriormente , Lévi-Strauss propõe uma outra análise de Paris» - utilizaram o magistério de Lévi-Strauss e aplicaram o
exemplar. Em «La geste de Asdiwal» 64 , verifica-se uma divisão do mito seu método à mitologia grega, apoiando-se (e essa é a marca de ori-
cm segmentos, a atribuição a esses segmentos de valores semânticos ginalidade) em profunda fundamentação histórica e filológica, de-
sem relação directa com a ordem dos eixos e dos planos que vão realçar senvolvendo, por outro lado, as correlações sociais. Em Itália, so-
a «armadura mítica», o conjunto de paralelismos e oposições que re- bretudo eni Roma, autores como A. Brelich 72 , Dario Sabbatucci 73
gem, em homologia, uma pluralidade de códigos e que recorre ao au- ou Giulia Piccagula, desenvolveram uma investigação mítica de her-
xílio de informações extraídas do contexto cultural e etnográfico. Do menêutica baseada na antropologia histórica 74 .
mesmo modo, em Mythologiques, Lévi-Strauss analisa os mitos ame- Tomando como vector inicial os trabalhos de V. Propp e de Lévi-
ríndios recorrendo a elementos culturais enquadrantes. Neste conjunto -Strauss, os estudiosos do discurso literário atentaram, também, no
de obras acentua-se um aspecto: a importância que tem, dentro da discurso mítico. Roland Barthes (1915-1980), em «Le mythe, au-
mesma c~munidade, a relação dos mitos uns com os outros. Os mi- jourd 'hui» 75 , relaciona o mito com linguagem e informação, consi-
tos são constituídos por unidades, transformadas e permutadas, se- derando a mitologia como parte da semiologia: «/e mythe est une pa-
gundo regras gerais e independentes - ou quase - da vontade hu- role» 76 . Esta parole é uma mensagem 77 . A intenção da análise é
mana . O mito tem, assim, uma esfera de existência e de significação esclarecer a correlação do mito enquanto sistema semiótica secundá-
independente, dentro da qual se verifica a actuação de variações, as- rio ou como metalinguagem: o que é signo na linguagem transforma-se
sociações, de montagens que são autónomas . Entendido como «uma
em significante no mito, o que corresponde a uma regressão do sen-
categoria do nosso pensamento que utilizamos arbitrariamente para
reunir sob um mesmo vocábulo tentativas de explicação de fenóme- 67
C f. Edmond Leach (ed.), The structural srudy of Myth and Totemism , London, Ta-
nos naturais, obras de literatura oral, especulações filosóficas e ca- vistoch Publications, l 976R .
sos de emergência de processos linguísticos à consciência do sujeito» 65 , 68
L e conflir des interprétations. Essais d'h ermené utique, Pa ris, Gallimard, 1969.
o mito acaba por se reduzir, devido ao jogo de regras de transforma- 69
M y rh, its m eaning andfunction in ancienr and other cultures, Berkeley - Los Ange-
ção e de permuta, a um conjunto quase abstracto que se presta a um les, Cambridge University Press-California University Press, 1970; The narure ofGreek my ths,
Harmondsworth, Penguin Books, 1974.
tratamento lógico-matemático. A relação mito/ literatura é encarada, 10
M y the et pensée chez fes Grecs, Paris, Maspero, 1974; My the et société en Grece an-
e ultrapassada; com a introdução do conceito de mitismo: «as obras cie,ine, Paris, M aspero, 198 1 2; L 'individu, la mort, l'amour. Soi m êm e er l 'autre en Grece
individuais são todas mitos em potência, mas é a sua adopção sob ancienne, P aris, Gallima rd, 1989; em cola boração com Pierre-Vida! Naquet, Mythe et tragé-
· · · 66
a forma colectiva que actualiza, se se der o caso, o seu mtllsmo» . d ie en Grece ancie1111e, Pa ris, Maspero, 1972 ; em colabo raçã o com Ma rcel Detienne, Les ru-
As teorias de Lévi-Strauss não são universalmente aceites e têm sas d e l'inte{{igence. La Métis des Grecs, Paris, Maspero, 1974 ; La cuisi11e du sacrifice en pays
grec , Paris , Ga llimard, 1979 .
surgido críticas, nomeadamente em relação à pretensão de encontrar 71
Les j ard ins d 'A donis. La my tho logie eles aro m ates en Grece, Pa ris, Gallima rd , 1972;
na leitura estrutural dos mitos uma única função e de poder analisar Dion ysos mis a m ort. Paris, Gallimard , 1977; L 'in ve11tio11 de la my thologie , Paris, Gallimard,
essas narrativas segundo um método analítico conjugado com uma 198 1; Les m aitres de vérité en Grece ancie11ne, Paris, La Découvertc, 198 1R; Dio11ysos à ciel
combinação de mitemas enquadrada pelo reportório dos mesmos. or111ert, Paris, llachctl c, 1986; /, 'écriture d'Orphée, Paris, Gallimard , 1989 ; cm colaboração
com C:iuli.i Sissa. l t1 l'ie q11otid ie1111e d t•s diew. grecs . Paris, Had1c1tc, 1989.
11
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lido (.,1•11s) p11111 a 10111111 (/11f/111•), M'111, l'1111l 1Hl11, Sl' vt·1 il'irur a sua com- é o cxc.:clcn te Vocabulário da Lln11.ua Porl uf!.uc•sa 11 2., ck Francisco Ih•
pkt11 (kstt 11il;no. O 111i10 l'oi vivitk11do, so11<11 i:tado pela ideia, pelo con- belo Gonçalves. No caso dos muitos nomes não registados no Voca·
l'l'i lo, 11:1111L•dida c.:111 que cslc (· hislól'irn, i111cm:io11nl e enriquecido pela bulário, seguiram-se as regras de transcrição e de transliteração. AI
s1111a<;llo. As ideias mílkas süo vagas, porque sao formuladas por asso- gumas formas portuguesas poderão parecer distanciadas do original,
n:1<;ao; o significado do mito, ao contrário do da língua, não é, assim, em particular os nomes gregos, que, de acordo com os princípios fi
78 lológicos adoptados, passaram sempre pela transliteração e subordi -
111'hi1nhio mas parcialmente motivado por analogias. Como diz Barthes ,
«111ito não esconde nada; a sua função é de deformar, não de fazer de- nação à acentuação latina antes de passarem para português a partir
saparecem. Sendo a actualidade o campo privilegiado para a criação da forma de acusativo, excepto nos casos já consagrados pelo vulgo.
mítica, Barthes propõe, para combater a tendência para a mitologiza- Transcrevem-se também, depois dos nomes em português, os respec-
1,·ao, a criação de um mito artificial sob a forma de sistema semiótica tivos nomes em grego e em latim, mesmo nos casos não referidos no
1l·1<:i:írio (a linguagem mitológica em Bouvard e Pécouchet de Flaubert). original, e excluindo-se, naturalmente, os que não têm atestação antiga.
A. J. Greimas (n. 1917), empreendendo uma tentativa de sinteti- As citações dos nomes e dos títulos das obras dos. autores anti-
1a1 a paradigmática de Lévi-Strauss e a sintagmática de V. Propp, parti- gos seguem, normalmente, o modelo proposto nas obras consagra-
rnlt11 mcnte no que respeita à sua aplicação ao mito, propõe uma nova das (Année Philologique, Lexikon Greek-English, de Liddel-Scott,
1111nprctação sintetizadora. Após reduzir a vinte as trinta e umafunções e Thesaurus Linguae Latinae). Em casos especiais, e tendo em consi-
(uc1os generalizados da personagem) de Propp e de as reunir em pares deração o público heterodoxo a que se dirige esta edição do Dicioná-
prn lllcio de correlação semântica de positivo e negativo, elabora um modelo rio, optou-se, por exemplo, por formas de abreviatura mais transpa-
t·s11 u1ural: o modelo actancia/7 9 : destinador-objecto-destinatárioladju- rentes etn português. Aceitando embora as críticas numa perspectiva
va11te-sujeito-oponente. Os trabalhos de Greimas são desenvolvidos e apli- de rigor científico, consideramos que, deste modo, é possível levar
L'ac.los à mitologia clássica com grande êxito por Claude Calame 80 • mais longe a exploração do Dicionário como obra de referência e como
Estruturalismo, simbolismo, funcionalismo, semiótica, genera- convite a leitura complementar das fontes. Em anexo a esta «Intro-
tivismo, análise computacional: eis algumas das fórmulas contempo- dução à edição portuguesa», apresenta-se a relação das abreviaturas
rftneas de o homem se aproximar do mito e de o tentar compreender. utilizadas para os nomes dos autores antigos e dos títulos das obras.
Os progressos são evidentes e enormes e o conceito alargou-se, Procedeu-se, de uma forma ponderada, sempre que a qualidade
ac.:tualizou-se, desenvolveu-se. Mito já não é apenas a história dos deu- das obras o justificava e de acordo com os princípios que orientaram
ses e heróis da Grécia e da Roma antigas; o mito, reinventado ou, a edição portuguesa, à actualização da bibliografia referida em ro-
simplesmente, recordado, faz parte do nosso quotidiano como reali- dapé, mantendo, naturalmente, toda a que consta na edição francesa.
dade ou, apenas, como referente. Mas o que é, de facto, o mito? Uma A edição portuguesa do Dicionário da Mitologia resultou de um
forma de o homem, à boa maneira socrática, se conhecer a si pró- trabalho colectivo e a tradução ficou a dever-se a um grupo de docen-
prio ou, como dizia Pessoa, apenas «o nada que é tudo» 81 . tes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Por não ser
demais realçar a sua grande competência, dedicação e entusiasmo, que-
Com a edição portuguesa do Dicionário da Mitologia Grega e Ro- remos deixar expresso o agradecimento aos colegas Cristina de Sousa
mana, pretendeu-se realizar não apenas um trabalho de tradução de Pimentel, Cristina Negrão Abranches, Arnaldo do Espírito Santo e
uma obra básica mas, também, apresentar uma publicação adequada Manuel José Barbosa. Também é de salientar com apreço o trabalho
aos _leitores da língua portuguesa. Assim, os nomes próprios gregos do senhor Pedro Dourado, que, para além do labor da revisão, apoiou
e latinos foram transcritos de acordo com os princípios linguísticos a execução gráfica da obra. Uma última palavra de agradecimento
porl ugueses. O instrumento básico para esse trabalho de transcrição para o Editor, que compreendeu o interesse da publicação cm portu
guês desta obra, e para os competentes e atentos compositores e im
lft fdl'III, p. 207 . pressores. A todos se devem e>s aspectos positivos desta edição do
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' S1'11,,1111//11w S111w111r11/1•, 1'1111~, l ,111011~,l', ll/(16, p. 1HO . Dicionário da Mitologia Grega e Romana; os aspectos negativos e
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RELAÇÃO DE AUTORES
E OBRAS ANTIGAS
E RESPECTIVAS ABREVIATURAS

A. GELL., N. A. - AULUS GELLIUS, Noctes Alli- ARCHIL. - ARCHILOCUS


cae ARCHIM. - ARCHIMEDES
ACC. - ACCIUS (ou ATTIUS) Arg. Orf. - Argonautica Orphica
ACCHILL TAT. - ACHILLES TATIUS ARIST., A. Po. - ARISTOTELES, Analytica Poste-
ACTIN. - ACTINUS riora
AEL., Ep. - AELIANUS, Epistulae Ath. - 'A8~va(wv noÀm(a
Fr. - Fragmenta Cal. - Categoriae
NA - Natura Animalium Cael. - de caelo
Tact. - Tactica Color. - de coloribus
VH - Varia Historia Div. Somn. - de Divinatione per Somn um
AESCH., A. - AESCHYLUS, Agamemnon Ep. - Epistulae
Ch. - Choephori de An. - de Anima
Eleg. - Fragmenta Elegiaca de Gen. An. - de Generatione Animalium
Eu. - Eumenides de Pari. An. - de Partibus Animalium
Pers. - Persae Eth. E. - Ethica Eudimia
Pr. - Prometheus Vinc/us Eth. N. - Ethica Nicomachea
Supp. - Supplices Fr. - Fragmenta
Th . - Septem contra Thebas H. An. - Historia Animalium
AESCHIN., Ep. - AESCHINES, Epistulae M. An. - de Motu Animalium
AESOP. - AESOPUS M. Mor. - Magna Mora/ia
ALC. - ALCAEUS Meth. - Metaphysica
ALCID. - ALCIDAMAS Mir. - Mirabilia
ALCIPHR. - ALCIPHRO Oec. - Oeconomica
ALCM. - ALCMAN Phys. - Physica
ALEX. POLYH. - ALEXANDER POLYHISTOR Poet. - Poetica
AMBR. - AMBROSIUS Pol. - Politica
AMM. MARC. - AMMIANUS MARCELINUS Probl. - Problema/a
ANACR.-ANACREON Rhet. - Rhetorica
ANON. - ANONYMUS/ ANONYMI Rhet. A/ex. - Rhetorica ad Alexandrum
ANT. LIB., Transf. - ANTON INUS LIBERALIS, Sens. - de Sensu
Transformationes Top. - Topica
Anthol. Pai. - Anthologia Palatina VV - de Virtutibes et Vitiis
ANTIGONUS CHARYSTEIUS ARISTID. - ARISTIDES
APOL. RH. Arg. -APOLLONIUS RHODIUS, Argo- ARISTOPH., Ach. -ARISTOPHANES, Acharnenses
nautica Av. -Aves
APOLLOD, Bibl. - APOLLODORUS, Bibliotheca Eq. - Equites
Ep. - Epilome Fr. - Fragmenta
Hist. - Fragmenta Historica lys. - Lysistrata
APPIAN., Punica - APPIANUS Nu. - Nubes
APUL., Mel. - APULEIUS, Metamorphoses Pax- Pax
AR. BYZ., Ep. - ARISTOPHANES BYZANTINUS, PI. - Plutos
Historiae Animalium Epitome subiunctis Ae- Ra. - Ranae
liani Timothei aliorumque Eclogis Th. - Thesmaphoriazusae
ARAT., Phaen. - ARATUS, Phaenomena V. - Vespae
1 I S' I /\ I> /\llRflVI/\.TlllV\~
l>lt tclN/\1(10 Il i\ 1\11 101 O< oi /\
Cra. Cratylus
III YI , I UV( U~
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Criti. - Critias
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/\ l(NI III, ' '""· N111. /\RNOIIIUS, /)/ 1·p111u1/om•.,· Ep. - Epislulae
Antlop. Amiope ISII), '(Sll)ORU S
atlv,,1\11\ ,w1/0 11rl Euthd. - Euthydemus
Archel. - Archelaus ISOC. ISOCRATES
1\1\K, /\RRIANUS Grg. - Gorgias
Ba. - Bacchae J. LYl). , cf. LYD.
1\ 1111 N. /\i'lll·NAl, US Hi. Ma. - Hippias Maior
/\ 1111 NM,ORAS, Leg. pro Christo - Legatio pro Cyc. - Cyclops JUST. - J USTINIANUS
Hi . Mi. - Hippias Minor
E/. - Electra JUV. - JUV ENALIS
( '/,riJ IO LACT., Div. Jnst. - LACTANTIUS, Divinarum ins- Hipparch. - Hipparchus
/\l l<,llS I ., Clv. D. - AUGUSTINUS, de Civitate Dei
Ep. - Epistulae
Fr. - Fragmenta titutionum libri 7 lon
/\l\R. Vlt I OR , De orig. geni. - AUR ELIUS VtC- La. - Laches
Hec. - Hecuba LACT. PLAC. - LACTANTIUS P LACIDUS
1OR, de origine gentis Romanae Lg. - Leges
Hei. - Helena LtB., Narr. - LIBANIUS, Narrationes
/\IIS., Ep. - AUSONIUS, Epistulae Ly. - Lysis
Hercl. - Heraclidas LI V. - T. LIVIUS
l-:pl11r. - Epigrammata Herc. F. - Hercules Furens LIV. ANDR. - L!VIUS ANDRON!CUS Men . - Meno
l//y/1. - Jdyllia Hipp. - Hippolytus LUC., Phars. - . LUCANUS, Pharsa/ia Min. -Minos
/\Vll'N., Or. - AVIENUS, Ora marítima LUCIAN. , D. Deor. - LUCIANUS, Dialogi Deorum Mx. - Menexenus
Hyps. - Hypsipyle
P1•rieg. - Periegesis D. Meretr. - Dialogi Meretricii Phd. - Phaedon
Ion
IIACC H. - BACCHYLIDES Jph . Aul. - Jphigenia Aulidensis D. Mort. - Dialogi Mortuorum Phdr. - Phaedrus
IIION lph. T. - lphigenia Taurica Deor. Cone. - Deorum Conci/ium Ph/b. - Philebus
IIOI 1. - BOETHIUS Med. - Medea Herm. - Hermotimus PI/. - Politicus
C. I . L. - Co rpus Jnscriptionum Latinarum Prm. - Parmenides
<'Al.1 IM., Epigr. - CALLIMACHUS, Epigrammata
Oen. - Oeneus VH - Verae Historiae
LUCR. , De Nal. Rer. - LUCRETIUS, de Natura re- Prt. - Protagoras
Or. - Orestes
1/ymn. - Hymni Phoen. - Phoenissae Rep. - Respublica
rum
lamb. - lambi LYC., A/ex. - LYCOPHRON, Alexandra Smp. - Symposium
Rh. - Rhesus
CASSIAN. - CASSIANUS Supp. - Supplices LYD. , de Mens. - LYDUS, JOANES LAURENTIUS, Sph . - Sophista
CASSIOD. - CASSIODORUS Thg. - Theages
Tr . - Troades de Mensibus
CAIO Mag. - de Magistratibus populi Romani Tht. - Teaethetus
Eus. - EUSEBIUS
( AfUL. - CATULLUS EUST., ad. Horn . - EUSTHATIUS, Commentarii ad Ti. - Timaeus
Ct, NS., de d. nat. - CENSORINUS, de Die Natali Ost. - de Ostentis
Homeri //iodem er Odysseam, ad /idem exem- MACROB., Sat. - MACROBIUS, Soturna/ia Virt. - de Virtute
('Jç,, Acad. - CICERO, Academica PLAUT., Amp. - PLAUTUS, Amphitruo
pli Romani MALAL., Chronogr. - MALALAS, Chronographica
Att. - Epistulae ad Allicum ad Dion. Perieg. - Dionysius Periegeta cum com- MAN. , Astron. - MANILIUS, Astronomica As. - Asinaria
Bnll. - Brutus mentariis Eustethii Aul. - Aulularia
MART. - MARTIALIS
Cato m. - Cato Maior EUTR. - EUTROPIUS MART. CAP. - MARTIANUS CAPELLA Bac. - Bacchides
Cluent. - Pro A. C/uentio Habito gratio Cap. - Captivi
FtRM . MAT. - FIRMICUS MATERNUS MEN. - MENANDER
de div. - de divinatione Fragm. Hist. gr. - Fragmenta Historicum Graeco- Cas. - Casino
MIMN. - M tMNERMUS
de fin. - de finibus Mir. Ausc. - de Mirabilia Auscultationibus Cisl. - Cistellaria
rum
de leg. - de legibus FULO., Myth. - FULGENTIUS, Mythologiae Cure. - Curculio
MOSCH. - MOSCHUS
de nat. D. - de natura Deorum Ep. - Epidicus
GAL. - GALENUS Myth. Vat. - Mythographi Vaticani
de rep. - de re publica Geogr. Gr. min. - Geographici Graeci Minores Men. - Menaechmi
NAEV. - NAEVIUS
Fam. - Epistulae ad Familiares GREG. COR. - GREGORIUS CORINTHIUS Merc. - Mercator
NEP. - NEPOS
in Pis. - in Pisonem HARPOCR. - HARPOCRATIO NtC., A/ex. - NICANDER, Alexipharmaca
Mil. - Miles gloriosus
in Vat. - in Vatinium Mos/ . - Mostellaria
HECAT. - HECATAEUS Ther. - Theriaca
0/f. - de 0/ficiis HELLAN. - HELLANICUS Pers. - Persa
NlCETOR
Oral. - Orator HERACLID. LEMB. - H ERACLIDES LEMBUS NICOL. D AM ., Vir. Caes. -NICOLAU$ DAMASCE- Poen. - Poenu/us
Q. F. - Epistulae ad Quintum fratrem HERACLID. PONT. - HERACLIDES PONTICUS Ps. - Pseudo/us
NUS, Vila Caesaris
Top. - Topica NONN. , Dion. - NONNUS, Dionysiaca Rud. - Rudens
T11sc. - Tusculanae disputationes H ERMIAS
St . - Slichus
HEROD. - HERODOTUS Od. - Odyssea
Verr. - in Verrem acrio HES., Fragm. - HESIODUS, Fragmenta Trin. - Trinummus
ÜLVMP. - 0LYMPIOD0RUS
C I AUO. - CLAUDIANUS Op. - Opereta et Dies ov., Am. - OVIDIUS, Amores Truc. - Truculentus
( '11.M . A L. , Paed. - CLEMENS ALEXANDRINUS, Vid. - Vidularia
Seul. - Scutum Herculis Fast. - Fasti
Paedagogus PLIN., N. H. - PLINIUS, Natura/is H istoriae
Theog. - Theogonia Her. - Heroides
Protr. - Protrepticus PLOTINUS, Enn. - Enneades
HESYCH. - HESYCHIUS Met. - Metamorphoses PLUT., Alcib. - PLUTARCHUS, A lcibiades
Srrom. - Stromateis Pont. - ex Ponto epistulae
H IPP. - HIPPOCRATES
(OI.UM. - COLUMELLA HOR., Ep. - HORATIUS, Epistulae Amar. - Amatorius
PACUV. - PACUVI US
CONON, Narr. - CONON, Narrationes Aral. - Aratus
O. - Odarum sue carmina libri PALEPH. - PALAEPHATUS
Rlt. - Ars Rhethorica de def. - de defectu oraculorum
S. Satirae Pap. Ox. - Oxyrhynchus Papyri de !. et O. - de lside e/ Osiride
('arpus Hermet icum HVG., Astr. Poet. - HYGINUS, Astronomica Poe- PARTH., Erot. - PARTHENIUS, Erotica (Narratio-
C' KA I INUS de mui. virt. - de mulierum virtutibus
tica num Amatoricorum /ibellus)
( KI I . l'I.AC. - CR lfO l'LACCUS
Fab. - Fabulae De Mus. - de Musica
PAUSAN. - PAUSANIAS de Py th. or. - de Pythiae oraculis
1), CAS. - DIO C ASSIUS Hymn. hom. Aesclep. - Hymnus homericus ad As- PETRON., Sal. - PETRONI US, Satyricon
1) C'IIKYSOST. - DIO C HRYSOSTOMOS De sera
clepidam PH. - PHILO
1)1 MOS ! li., Ep. - DEMOST HENES, Epistulae H ymn. hom. Apo/1. - Hymnus homericus ad Apol- Eum. - Eumenes
PllAEST. - PHAESTUS
l'r()em. Proemia More. - Marcel/us
1) 1("1, C'R., IM. 71: 1)1c:rvs C RETEIS, Bell11m Tl'Oiae
linem P HERECYD. - PHERECVDES
Hy mn. hom. Bach. - Hymnus homericus ad Bac- Mor. - Mora/ia
1)1()1) S I(., J)ibl. lh,t . l)JODOR US S1cu1.us, PHILARG. - PHILAGR IUS
PHILOSTR., Ep. - Pllll.OSTRATUS, Espistulae N 11m. -Numa
clwm
IJ1/1/,othe<'a l/1strir1n1 1/ymrr. hom . Cer. /iymnus homericus ad Cererem Pelop. - Pelopidas
l)\ CJ( , I. AI ll'I , 1)10(,1-.N\lS I.Al:R I lllS Iler. 1/eroicus Parai/. min. - Parallelae minores
1/ymn. hom. Mart . llymn11s ho mericus ad Mar- lmag. Philostrati maiores imagirri
lllON l'I K , DIONV\ lll\ PI Kl\ •(,l I A
lllON II AI., / 1111 U11111 l )IONV~l\1', II AI 1( Ali
,,.,,, V. Apo/1. Vila Apol/onii
Publ.
Q u. Gr.
Publico/a
Q11aestio,u,s (iraeca,,
1/ymr,, /mm M1•1<' l/ ym11111· ho111(•ric11.1 ar/ Mer- Pllffl t\JS, /Jiblioth eca
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l'IHl'I . , /Ji/J/.
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( '/11,•11 , Cltr1•.wo11111thla TER. TERENTIUS .
l'lllll', l'lt())'hl\ I IUS TcRT. - TERTULLIANUS
I", VIIHl. l'SI\UDO-V IRGII. IUS THEOCR., Epigram. - THEOCRITUS, Epigram-
I' ~ ()V., /bis PSEUDO-ÜVIOIUS mata
I", l'I li 1., dr flor. PSEUDO-PLUTARCHUS, de ldyl. - ldy/lia
/lorlb11s THEOGN. - THEOGNIS
I' 1CII , 11 1! 1'11 . , Nov. hist. - PTOLOMAEUS THEOPHR. - THEOPHRASTUS
IIFl'IIAEST IO, novar. historiar. ad. varium THUC. - THUCYDIDES
1•m1//1/011e111 pertinentium excepta e Photio TIB. - TIBULLUS
,•r/11/ lecrionis variei. instr. et commentar. i/- TIM. - T!MAEUS
/11.1'/r. Trag. Gr. Fragm. - Tragicorum Graecorum Frag-
()IJ IN 1., /11sl. - QUINTILIANUS, de institutione menta
l/f/1/Qr//1 TZETZ. , ad. Lyc. - TZETZEZ, ad. Lycophro·
()II IN 1. S M., Post/1. - QUINTUS SMYRNAEUS, nem
l'11srhomerica Anteh. - Anthomerica
/11•1 O,•.wac Di11i A11g. - Res Gesrae Divi Augusti Chi/. - Historiarum variarum chiliades
SAl.l lJST., de. B. lug. - SALLUSTIUS, de bel/o Horn. - Homerica
fll/lllf/i,i11 0 Posth. - Posthomerica
r/1• C. Cat. - de Coniuratione Catilinae Proleg. - Prolegomena de Comoedia Graeca
SAl'PII . - SAPPHO VAL. FLAC., Arg. - VALERIUS FLACCUS, Argo-
SI N1 1('. , Ag. - SENECA, Agamem110 nautica PREFÁCIO
l lpo,·. Apocolocyntosis VAL. MAX. - VALERIUS MAX IMUS
///ore. F. - flercules Furens VAR., LL - VARRO, de Língua Latina
l/1•rc. Oe. - flercules Oetaeus RR - Res rusticae
M1•rl. Medea VELL. - VELLEIUS PATERCULUS
01•//. Oedipus VERG. (VIRG.), Aen. - VERGILIUS (VIRGILIUS), Terá. alguma vez o leitor reparado nas inscrições que, no baixo-
l'l11wdr. - Phaedra Aeneis
l'l11J1•11. Phoenissae Ecl. - Eclogae (Buco/ica) -relevo assinado por Arquelau de Priene e conservado no Museu Bri-
n1. Thyestes Georg. - Georgica tânico - uma apoteose de Homero celebrada na presença de dois so-
'f'ro. Troades VITR. - VITRUVIUS
S I ltV., /1(/, VJRG., Aen. - SERVIUS, in Vergilii WEST., Myth. - WESTERMANN (ed.), Mythogra- beranos lágidas, na corte de Alexandria ou, talvez, nas suas
carmina c:ommenlarii phi
S I X 1 , l:MI'. - SEXTUS EMPIR ICUS XENOPH., An. - Anabasis proximidades, num dos átrios da famosa Biblioteca - acompanham
SII , I IAI .. , Punic. - S ILIUS !TALICUS, Punica Ap. - Apologia Socratis
S IMON. SIMONIDES Ath. - Respublica Atheniensium certas personagens da representação?
S Oi IN. SOLIN US
~iOl' II., Aj. - SOPHOCLES, Ajax
Cyn. - Cynegeticus
Cyr. - lntitutio Cyri
No registo inferior, Homero está entronizado entre as represen-
11111. Antlgone Ep. - Epistulae tações alegóricas das suas duas epopeias. De pé, por detrás do assento
/o'/ lilectra Eg. - de Equitandi ratione
l·lc'I/, Elegiae fiel/. - flelle11ica do poeta, Crono, o Tempo, e Ecumena, a Terra habitada, represen-
/o/ Fragmenta Lac. - Respub/ica Lacedaemoniorum
r /1•t/, Col. Oedipus Co loneus Men. - Memorabilia
tados teatralmente pelo próprio casal dos príncipes reinantes, consa-
// /', Oedipus Tyrannos Oec. - Oeconomicus gram a glória do imortal aedo. A alguma distância, frente ao grupo,
l'h/1 l'hiloctetes Smp. - Symposium
1, '/'rachiniae Vect. - de Vectigalibus próximo de um altar, é oferecido um sacrifício religioso. Ladeando
•, 1A 1., Ach/1. - ' STATIUS, A chi/leis ZENOB. - ZENOBIUS
este bômos, um jovem sustém piedosamente uma enócoa para a li-
1/11•h . Thebais ZOS. - ZOSIMUS
e
baçãd Uma mulher espalha incenso sobre o fogo. Lêem-se aqui dois
nomes: o jovem acólito é o Mito e a sacerdotisa personifica a H_istória.
Creio que, nesta escultura, datada, segundo parece, de cerca de
205 a; C., o Mito tomou, pela primeira vez, forma humana na arte
dá Grécia, sempre pronta a divinizar o ser e o pensamento. O Mito
e, também, em face dele, a História, no momento preciso em que o
movimento da vida intelectual em Atenas, em Alexandria e, poste-
riormente, em Pérgamo, iria consagrar por todo o lado a dissocia-
ção das lendas, quando já se iniciara a sua transformação em filoso-
fia e história 1• Se reffectirmos um pouco mais sobre a presença

1 Mudo 1111 lt'ol I INI lt , / f/ //\ltJ/1111/(I //1•/ "'""· Mlll\11, 1()4(, ,


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,•,wm·wl d,• 11011/t'ro, /W1t111r,· 11 ,111,11, 1111 11•1,•1•11 11l1•\(ll/t/ri110, Mito e N,•s1w1to ,. u1,ro1•0 a rest'rva d,• I'. ( ,'rimai: «H.,·t,• n;c·io11m·um, ,•.,·
1/1.,tr!rw Pf'l'/J<ll'lllll, rl,wt" l't'." ,•111 ,·1111111111, t1 .,,•11 sacnjicio para um ,·,·,•11,•,«11"" t,•111 outra amhiçao se11ao a de ser 11111 r,•portório c1>11wdo
/l<il'ta, /J<J<Ít•rc•mos for1111i/ar al~1111111.,· oh.,·1•11 1(lço1•s de certo modo das lt'll(las ,, dos mitos mais geralmente citados ou utilizados na lite
d,•c·isivas. mtura antiga ... Os sistemas envelhecem e, por vezes, com extraordi
«Soh a sua forrna mais evolulda», escreve P. Grimal, que, com ll(Í,.;a rapidez. Apenas os dados dos textos permanecern imutáveis.»
t,mta ~liligência e modéstia, definiu e realizou o presente trabalho, f!'.\·creve,wn -se numerosos tratados de mitologia antiga, que tiveram,
<W Mito desenvolveu-se ao longo de todo o Helenismo.» 2 Realça, ,,111re outros, o defeito de permilir que se acreditasse ser possível dis-
ainda, a riqueza do seu desenvolvimento. Ora, é precisamente na sociar a religião e a milologia 4 ou reduzir tudo à mitologia, como
t'/Jopeia de Homero que se deixam antever, pelo menos por alusões elemento essencial. Um bom historiador, a propósito da religião grega
dispersas, os primeiros inícios tangíveis da comemoração mítica. e pretendendo realçar a sua contribuição essencial, escreveu que não
O sábio compilador das genealogias divinas consignadas, mais era necessário insistir tanto nas devoções populares nem sequer nas
tarde, em a Teogonia, quem quer que tenha sido, foi um erudito que tendências mfsticas dos cultos de iniciação: «[a religião grega] foi,
trabalhou sobre uma documentação sacerdotal; assim, não é sur- antes de tudo, criadora de belas formas e de belas narrativas»5. Con-
preendente que ele pareça ter mais conhecimentos sobre as teoma- fesso que subscreveria de boa vontade esta classificação, que, na
</uias e as cosmogonias orientais. Homero estava mais próximo do minha opinião, atribui à poesia um primado abusivo. Deve sentir-se
pl'nsamento primitivo e das tendências profundas da alma helénica, e gozar-se-lhe o encanto sem se pretender reduzir a parte criadora de
que sempre gostou de adornar a expressão das suas ideias com o uma raça inteligente e apaixonada, sempre atenta ao divino, a esta
vru das imagens e dos slmbolos. Na verdade, fora antes de/e 3 que «fabulação» tão fecunda de que falam os filósofos. É certo que,
s,• reunira o feixe das recordações maravilhosas que toda a humani- outrora, do céu à terra, toda a Grécia, vida e pensamento, ficou sub-
darJ,,, até aos nossos dias, da infância à velhice, tem considerado mersa no jogo das alegorias e dos símbolos. Mas este jogo, mesmo
uma necessidade, visto que vivemos todos do ensino que é minis- na época de Platão, não exclui a seriedade nem a reverência por aquilo
tmdo através das fábulas. O papel organizador da Grécia micénica que é sagrado, mesmo nesta liberdade «irónica», que não desaparece
11oderia ter sido capital. É certo que o Oriente, da Mesopotâmia à na dialéctica nem no deslumbramento das belas narrativas. Para o
/•1•11/cia, do Egipto do Delta às cataratas, também sustentou a sua julgar, é suficiente darmo-nos conta - e neste ponto o Dicionário
1111axinação e a fé nas aventuras, umas vezes brutais, outras gran- de P. Grimal será de grande utilidade - como é grande a incerteza
dwsas, com as quais era necessário alimentar a biografia imaginá- das tradições lendárias, automaticamente aumentadas pelas varian-
na de tantos deuses belicosos e distantes. Onde encontrar, então, tes com que se enriquece uma mesma tradição ao longo dos tempos.
""º apenas a riqueza fecunda e fundente, mas também o próprio Os Gregos - contava já Pausânias na «Beócia» (IX, 16, 7) - nunca
1m11cfpio das invenções com que a Grécia beneficiou Roma, o estão de acordo sobre uma narrativa mltica. Os que acreditam, se-
<>riC'nle e, até, nós próprios? Organizou os livros sagrados, a pró- gu11do as regras p erigosas da hipercrítica, que não se pode extrair his-
/JfW liturgia do culto através da qual o homem se distingue do ser; tória da lenda, já salientaram o que em Eurípides, por exemplo, ou
,,,·,w,•rvou do esquecimento dos mortais os primeiros grandes me- noutros autores, se afastava dos quadros genealógicos da Vulgata e
11a•111 o do ser pensante. Todas as belas obras de arte/oram determi- tentar, deste modo, desencorajar os modernos exegetas nos seus es-
11ada.\' por esta criação: poemas, estátuas e, até, esses lugares para forços para ordenar tantos dados contraditórios.
os quais a Grécia criou o vocábulo intraduzível de herôon, antes de Hra necessário, antes de tudo, inventariá-los; daf a incontestável
o <'ristianisrno, mais tarde, os transformar em martyria. O huma- utilidade do estudo directo e da classificação de textos com que P. Gri-
m,mo mio seria posslvel s,, a Gdcia não tivesse tido, em primeiro mal hem~/'icia os seus leitores. Ajudar a pôr em movimento esta grande
luxar, a preoc11paçâo <Íl' criar todos t'Sles meios úteis para conservar tarc'.la será sempre dissociar, se posslvel, os dados históricos, os ele-
t1 /}(ts.wulo dito l,•11ddrio. ""'11/os 111/ticos e os onwme11t<~· imaginativos. No fundo apercebemo
110s de• como li lenda a11tixa é importante para o conheciml'nto dos
' /11/1111/11pl11 , p , \\VI
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ht\Íl, , t 11111!11~ 1·1 ., ,. M ~1111 p11i11111 , 1, 111 l1t, ' I' ll 11tlN',II , ,d II l11 1·1 r t i l' Clilnll n 1 111 /'1•11f1/,•1 t•/ ( '/1•I//H1//ri111 , li 111'H, p II H
gmllfl<•.,· anm1,•,·111w11tos htstdm·os, 11u11s tulvn. 1111c• pura o das perso- ,1,u, .wdre CJl>scura111e11te por ter perdido esta fo~ma de conf:.n·to <!a
11a~e11s, de11.\'t'.\' lwrôis ,, lto111c•11s ''"'' mostra c•m acção 6. De Teseu a alma. O reportório de P. Grimal terá também leitores que nao serao
IM11111lo, du Afica ao Lácio, a fá/mia narrou sistematicamente as apenas os profissionais do estudo.
numerosas lutas pelo domínio dos territórios. De entre a multidão O mito clássico, em que a invenção grega desempenhou um papel
dos rivais, destacou este ou aquele chefe, que veio a ser o unificador, tão importante, é umas vezes erudito, outras o representante de uma
o libertador ou o traidor, porque, um dia, a atenção popular conver- tradição oral, frequentemente mutável, e de recordações populares,
giu nele. A imaginação das multidões tem sempre necessidade de um nascidas na vizinhança de inocentes berços. Por isso, todas as clas-
eleito, bom ou mau; ele torna-se o símbolo de uma sociedade humana, ses de idade encontram nele o seu espólio. Desde que a crltica histó-
sociedade que nem mesmo no meio das suas querelas e dos seus rica utilizou de uma forma mais ou menos erudita esta documenta-
defeitos, vive sempre na proximidade do divino. Por isso, do mesmo ção tão complexa, não nos parece que tenha sido destruída ~ poesia
modo que, por exemplo, o divino é o humano se uniram no drama do passado. Só os espíritos áridos fingem desprezar as narrativas gra-
grego, também se associam na personalidade do herói lendário. tuitas legadas - e, por outro lado, transfarmadas - de idade para
É ociosa a questão da origem divina ou humana. O herói move-se idade. Seria injusto troçar desses homens de outrora, que, antes de
simultaneamente nos dois planos: sob este aspecto, e na sua própria nós consideravam já que a vida seria inaceitável sem as fábulas. Ainda
concepção, são produtos da imaginação religiosa, como Héracles ou hoj~, muitas vezes à nossa custa, damos conta que ~á tanta_r~a/ida1e
Jasão, seres htbridos, como o Centauro e seus semelhantes. Aceite nas lendas como na história. Alguém disse que as pwres cromcas nao
este ponto, compreenderemos melhor por que é que no tempo de Evé- são necessariamente as mais vetustas. A inda não há muito tempo,
mero e durante todo o período helenístico se verifica um constante apercebemo-nos de que o poema egípcio de Pentaur sobre a batalha
vaivém entre o céu e a terra: este deus desceu entre os homens, aquele de Qadesh, que teve lugar em 1294, entre Mouwattali e R~m~és_II,
homem elevou-se ao plano heróico e celestial. O hino adulatório dos é uma f e ·~ muito instrutiva, talvez ainda mais do que os hzeroglifos
Atenienses a Demétrio Poliocerta atribui-lhe já a parousia, a presença dos monumentos oficiais e os relevos inscritos no Ramesseu ou nou-
real na Terra, colocando-o, ao mesmo tempo, entre os Olímpicos, tros locais.
junto do pai. ·
Tal como os humanos, os seres da lenda tiveram sempre os seus Charles PICARD
amigos e os seus detractores. Platão, que criou tantos mitos para mas-
carar sob aparências mais ou menos conformistas a sua acção revo-
lucionária contra numerosas teorias oficiais, troçava e condenava o
que acreditava serem invenções imorais de Homero. Toda uma es-
cola crítica visa, ainda hoje, eliminar as fábulas, fazendo -as passar
por um comentário tardio e, sobretudo, interessado da história,
considerando-as significativas sobretudo para a mentalidade dos que
as propagaram. Explicariam menos o passado do que o presente da-
queles que, sucessivamente, as imaginaram. Mas em quantos casos,
perguntaremos, não exprimiu a lenda, à sua maneira, e retrospecti-
vamente, uma história mais precisa? Há oposições menos empenha-
das e.defesas mais arrebatadas. Chateaubriand falava, com humor
mas não sem estilo, do rebanho dos «deuses ridículos» de que o Cris-
tianismo teria, parece, libertado os átrios e os bosques do mundo an-
tigo. E esses deuses pretensamente afastados permanecem, todavia,
l'ntre nós e com eles todas as alegorias da fábula, colocadas, por ve-
zes, ao serviço da ind1ístria moderna, no mundo mecanizado, que já
1100 tC'III 1,·1111m ,t,, prod11âr o tao neces.wírio supér.f7uo da fantasia e

L '' < 1 1 lh 1111•M~• 11111, /lf1•/llrll 1111d ,\11111• lwt tl,•11 1/1/1•,/11•11 , l'IIH .
INTRODUÇÃO

A única ambição deste Dicionário é o ser um reportório cómodo


das lendas e dos mitos mais citados ou utilizados na literatura antiga.
O seu objectivo principal é oferecer, numa forma o mais breve pos-
sível, as noções indispensáveis à compreensão dos autores. Nesta pers-
pectiva, parece colmatar uma lacuna na bibliografia de língua fran-
cesa . Mas a obra não tem pretensões de originalidade nem de erudição.
Não se encontrará, por exemplo, nenhum esquema «explicativo» das
lendas, não só porque a obra, desse modo, atingiria proporções não
razoáveis, como, também, o processo incessante das investigações
muda , de geração em geração, o ponto de vista da crítica. Os siste-
mas envelhecem e, por vezes, com grande rapidez; apenas os dados
dos t extos permanecem imutáveis 1 • Foram esses dados que preten-
demos reunir, resumir e apresentar. É certo que este trabalho não
teria sido possível sem o auxílio de reportórios anteriores e sobretudo
do insubstituível Lexikon publicado por Rosher e seus colaboradores 2,

1 Era tentador ut ilizar documentos fig urados para determinar a Lona de extensão de uma
le nda, no espaço o u no tempo, ou descobrir as variantes novas . A cerâmica, os relevos, a pró-
pria pintura forneciam document os abundantes. Mas a sua abundância aumentara desmes u-
radamente u ma compilação já de si volumosa. constit uindo, para mais, uma mat éria cm cvo.
luçào: os resu ltados que se pensa terem sido alcançados revelam-se, m uitas ve,cs, provisório,
e. cm últi ma análise , s,io os texto,, e apena s eles, que rorncc.:em os meio, ncc.:cs,árit1s parn a
intc1prctal·:io. Sem o tl'\to, a fi!,\111 a é muda . Por toda, c,ta, ra.roc,, apena , apcl:11110, l'\Cl'P
,·u111a1m,·11t l' p:11a o d nl·111m·11to 1w111 .1<10
1 W. 11 Ro, , 111 1<, ,•l11.1/11r/ich1 •1 / 1•11A1111 tl,·r 11m·ch1.,·1·h1•1111111/ m1111.vrh1•11 llt11//11Jl1111w. h
vul, • 1 , uppl , M11 11 1<111t•, IKIM 1'11 1 V t.1111hr111 li I Rm 1 , ) llt11111/11111A o/ <111•,•A Afr/r/11
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(I\ICloi O llOSSO glllll l ' (HI H(llllll' . ()111111d1l IH' ptl'(l' lld l' I 11110 apenas CO• Mnrte e An.1 Perena só se compreendem no interior de u111u 111 itolo
nhecer as lendus, mas cst11d1\ lo s,{.• 11q11l'lu 011111 q11l' se deverá consu l-
gia propriamente latina. Na prática, a pa rtilha entre os dois pensa
tar. Aqui, apenas se encontrud umu i11idw;tlo: a um\lise científica dos
ment os é bastante difícil, embora não impossfvel4, e apercebemo-nos
mitos não foi o nosso objcctivo. de que o pensamento romano, mesmo se sofreu, desde cedo, uma pri-
meira inl'luência grega 5 , soube, apesar disso, manter alguma o rigi-
l<· ·X· ·X-
nalidade. Estes contributos diversos - «substrato» latino, «disci-
plina» etrusca 6 , impregnação sabélica - permitiram ao pensamento
Aquilo que tradicionalmente se designa por «mitologia» clássica
romano inflectir a sua evolução num determinado sentido, diferente
não é um objecto simples nem sequer coerente. Considerada no seu
do da mitologia helénica, incomparavelmente mais rico. Verifica-
conjunto, constitui uma massa de narrativas fabulosas, de toda a
-se com as lendas o mesmo que com a estatuária ou a pintura ou a
espécie, de todas as épocas, na qual é necessário estabelecer, se tal
arquitectura, que se desenvolveram em Roma graças a técnicos
for possível, uma qualquer classificação.
helénicos: não foi um desenvolvimento qualquer, e não foi certamente
Uma primeira distinção resulta da origem da narrativa: certas len-
o que teria sido em Alexandria, em Pérgamo ou em Atenas. Até muito
das são romanas, mas a maior parte é helénica . As duas mitologias
ta rde, sob o Império, verifica-se uma inflexão romana dos temas len-
têm, certamente, entre si numerosos pontos de contacto, mas antes
dários; o cristianismo ocide,ntal não é idêntico ao cristianismo de lín-
de se encontrarem seguiram caminhos distintos e igualmente longos .
gua grega e se é verdade que o pensamento mítico, considerando-o
O pensamento mítico grego é de longe o mais rico e ser~ ele que,
distinto do pensamento religioso, lhe serve, por vezes, de suporte, a
finalmente, imporá as suas formas ao romano, mas esta desigualdade
existência autónoma de um pensamento religioso romano autoriza-
não deve fazer negligenciar algumas lendas propriamente romanas,
nos a postular uma autonomia semelhante para as lendas e para os
cujo estudo não é destituído de interesse. mit os.
Pesquisas recentes 3 revelaram que as camadas mais profundas da
A mitologia helénica resulta da acção de influências ainda mais
mitologia romana remontam à pré-história da «raça» latina. Muit~s
di versas , entre as quais o papel dos elementos indo-europeus parece
das narrativas históricas, aceites e apresentadas como tal pelos escn-
bastante limitado. Foi em todo o caso recoberto por contribuições
t ores antigos e, até em época ainda recente, pelos modernos, pare-
decisivas oriundas do mundo semita e, mais vagamente, dessas civi-
cem mais não ser na realidade que, na utilização, a adaptação «histo-
lizações «mediterrânicas» de que começamos a ver os estratos suces-
rici;,..ada» de temas míticos muito antigos comuns aos povos indo-europeus
sivos nessa encruzilhada que foi sempre o Mediterrâneo oriental. Nesta
de grupos linguísticos aparentados (nomeadamente os Celtas e os Indo-
espantosa síntese, é díficil discernir a parte que pertence a cada um.
irãn icos ). É assim que se encontrará, nas páginas que se seguem, um
As le ndas formam-se, evoluem, tornam-se matéria literária ou «his-
artigo consagrado aos Horácios e um outro a Sérvio ou~ Róm_ulo. tMica» , mudam de carácter à medida que os centros de difusão se
Este grupo de lendas opõe-se a outras estruturas cuJo caracter
des locam de ilha em ilha, de continente em continente, passando da
mítico é mais evidente e onde é fácil reconhecer a marca dos teóricos
Síria para Creta, de Rodes para Micenas, de Mileto para Atenas 7 •
gregos . São as «fábulas» clássicas da mitologia latina, frequenteme~te
Não é de estranhar que, nestas condições, se assista a uma fusão de
decalcadas ou variantes banais das lendas helénicas, mas nas quais,
tradições, de contos, de mitos, cada um referente a um episódio o u
po r vezes, se deixa reconhecer um elemento nacional: um detalhe de
a um momento, e misturando-se todos na confusão total.
ritual ou da instituição, um antigo tabu, uma intenção política, que
a lenda tem precisamente por fim explicar e à volta da qual se for-
mou. Minerva, em Roma, no tempo de Cícero, não é, aparentemente, 4 V. , p . e., .J. BAYH, les origines de l'Hercule Ro111ai11, Paris, 1924.
1 ' lh e vc1c>sfmil ele F. A 1·111 i: 1M, Griech. Go11er im alten Rom. G icsscn , 1930: lei., fi>rm
senão um outro nome para Atena: contudo, as suas aventuras com
/1111/N, (ii,·ssc11 , 193 1.
"('I'. A . <,1t 1 Nll· ll, / ,c•.1· relixions é1msq11es er ro111ai11es, Pu1 is, 1948. onde ~l' rll l'o11t 11111\
/11stré de la Myt ho/ogie et des A 11tiq11/tés wect11ies et romaines-, Paris, s.d. Essencial para o h1hl1<lt>,111 fi a M1h1c ,·sta qucsl,hl delicada .
cs111do sis1cmá1ico das lendas é nindn 1 . 1'111'11 1,11 e C. Ro111,RT, Griech. Myth., 4. ' cd., 5 vols., 1
/\ro11sdl111 .w 11 ,·011~1111 11 <k Ctt . 1'1< 1\1(1), l 1•s orii:1111•.1 d11 l'ol v1/11lis1111• lwll,111i11111•, 2 vul, ,
llcrlim, IRR7 1926. ,·t
l 1111 rN. 11) \O 1111 2, 1·, do 11H·,n111 11 111 nr , / ,., 11•/t111<111,, /!f/ 1 /r1•//1 111u11w.1· (( 'r ,'/1• 1\111, ·,111c.,) . 1'111 i~.
1 ( i . 1)111,11 111. /1/111111•11 /1111/, 11111 ( 11111 /\111\11,. (,'11i11wl, 1.1 , Pari~. 1915); ld ., Mitra
1·111111111, l'11 1i1, ( l/11(): ld , ,/1111//1•1, 1\1111,, (1111111111\, 1'111h, l'MI ; ld ., //111/m'.\ t•/ /1•.1 ('111ít1<'t•.~.
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Os «Nasd 111c11t os», as « ln ffi ncins» de Zeus, as s uas llodus Sug1:i


das com I km, sflo apenas mitos pelo scu simbo lismo profu ndo: 11ao
Se considerarmos, a gora, a mitologia «clássica» , não já na su a lll crcccm esse q ua li ficati vo auto ma ticamente e pela ún ica ra,-,ao ck
formação mas como um todo, fixado pelo estado actual dos nossos l'a;:crem intervir os deuses. A «hierogamia», figuração rilual das bodas
documentos, a variedade não é menor. De acordo com as classifica- divi nas, por exemplo , está destinada a renovar o poder da vegetaçao.
ções (muito variáveis e incertas) dos especialistas, distinguiremos o s As anedotas pitorescas respeitan tes à da nça d os C u retcs não são ck
«mitos» propriamente ditos , os «ciclos heróicos» , as «novelas», as modo algum mitos, mas , a penas , lendas «etiológicas», dcslinadas a
«lendas etiológicas», os «contos populares», e, por fim, simples «ane- justificar rituais de que, precisam ente, o valor mágico íntrínseco (dança
dotas» sem outro significado para além delas próprias. Nesta pers- da chuva ou qua lquer outra que se queira) está perdido para sempre.
pectiva, as diferenças entre a mitologia grega e a mitologia romana Vê-se a té que pon to são fugidias as fronteiras d o mito . U ma nar
desvanecem-se; verifica-se, todavia, que as formas mais elevadas raliva, para m erecer este n om e, deve estar situa da, em grau m aior
(nomeadamente os mitos e as «novelas», tal como os ciclos heróicos) o u menor , na fronteira das Essências : esta repugn â ncia do mito pe lo
pertencem apenas à primeira. acidental explica a sua for tuna j unto de Platão e, mais gera lmente,
Convencionou-se chamar «mito», em sentido estrito, a uma nar- no pen samento grego , ávido de penetrar (e m a is ainda d e exp ri m ir)
rativa que se refere a uma ordem do mundo anterior à ordem actual as Leis eternas .
e destinada não a explicar uma particularidade local e limitada (é a Sob a sua fo rma ma is evoluída, o mito desenvolveu-se ao lo ngo
função da simples «lenda etiológica»), mas uma lei orgânica da natu- de todo o H elenismo . Surge na Teogonia de Hesíodo , mas a lusões
reza das coisas . Nesse sentido, a história de Héracles, impondo, depois esparsas nos poemas homéricos d eixam entrever que existia já há muito
de qualquer aventura, um nome a um sítio determinado (o de «Co- tempo. Lo nge de responder a n ão se sabe que pen sam ento «primi-
lunas de Hércules» ao nosso estreito de Gibraltar, por exemplo), não ti vo», prossegue a sua carreira durante o tempo mais belo da refle-
é um mito, porque o problema da ordem total do mundo não é aí xão filosófica, sob fo rmas cada vez mais complexas. P ense-se nacos-
posto em questão . mogonia isía ca de um Apuleio: pa rece que o mito , no decorrer do
Ao contrário, a narrativa do dilúvio e da criação do homem por tempo, d esenvolve a sua ambição profunda e expa nde-se numa con-
Deucalião e Pirra é o protótipo do mito, tal como, noutro plano, a templação mística da realidade que exprime. A narrativa é a pen as um
aventura de Pandora e de Epimeteu. suporte acessório e , como tal, um vestido carna l.
Contrariamente ao que se afirma com frequência, o mito, mesmo Dura nte muito tempo, os teóricos distinguiram de uma forma insu-
quando se verifica a intervenção dos deuses, não é necessariamente re- fi ciente o mito e os « ciclos heróicos» . A diferença é, con tudo, bas-
ligioso. Embora no mito de Deucalião este não faça senão executar a tante clara. Um ciclo heróico compõe-se de uma série de histórias n as
ordem de um oráculo e, por consequência, em última análise, seja o ins- qua is a ú nica unidade é fornecida pela identida de do herói que é a
trumento da vontade divina, hesitaremos contudo em qualificar esta lenda personagem principa l. O protótipo destes ciclos é o d e H éracles . H é-
como «religiosa». Recorre, sem dúvida, a meios sobrenaturais (tal como racles não é, em a bsoluto, um «mito» ; o eco de antigas explicações,
o faz o conto o Gato das Botas), mas, para se desenvolver, tem apenas solares ou , mais geralmente, naturalistas , d as suas lendas, mostra-o
necessidade de um vago consentimento do Destino. Mereceria verda- bem. As suas aventuras não põem em causa a ordem d o universo.
deiramente o epíteto de «religioso» excepto se, pelo contrário, existisse Nasce sobre uma Terra já a rrefecida. Nenhum dos seus actos p ossui
um culto e um ritual de Deucalião de que este mito seria o [&poç Àóyoç. o menor signi ficado cósmico: suporta o Céu sobre os seu s ombros,
Ora parece que Deucalião nunca foi mais do que um herói local, tor- é certo, mas é apenas uma pro va destinada a dem onstra r a sua força
nado, por razões diversas e obscuras, o instrumento do mito. fís ica . O Céu não é m odifica do por tal acto. Se vai procu rar o cão
Outros mitos, pelo contrário, estão intimamente ligados a uma Cérbero, d epois de o ter trazido para a superfície, fica bastan le em-
personalidade divina e à religião propriamente dita. Todo o ciclo de baraçado e, sem saber o que fazer, leva-o de novo para o reino de
Deméter, que a presenta de uma forma mística a germinação, o cres- l lades. É apenas na especulação dos filósofos q ue H éracles assu me
cim ento , a maturação do trigo , é um dos maiores mitos do p ensa- o va lor de uma il uslração moral, mas basta nt e tarde e de modo NC
mento grego. É pro fundamente religioso e só se desenvolve plena- l'11nd{trio.
lll l' t1 f c nos M istérios de EI Cu s is , gr aças a u m a pa re lh o ri t ua l Os p r i111.:ipnis rklos hl'l<')irns cl.1 ( ln\·ia, o ck l lfrnl'k•s, o dt· 111
t•xt I t•11111111 t•11fl· t·ou1 pkxo. SIIO, () <k 'l'l'M'II, s:lo 11111 lt•111il 11111,·cks (IIH' IIP;III L', p, ()Vlllll II vil11lida11!-
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O t r.!1 L:e: , o t ipo de lc11du 6 o quç cksignámos sob o nome de «tHlVl'


de um tem a. l léracles é esse11da hrn:nk dó rio; Teseu é ático; Jasão ,
ln». l)o mesmo moe.lo q ue o precedent e, está geogra fica mente curm;
menos simples, parece reuni r à sua volta tradições cólias e muito an-
t1.:rizad o; os seus episódios , ig ualmente múltiplos , estão situados em
tigas história s de migrações, ba stante desfiguradas através da elabo -
locai s familia res . Tal como o an terio r, não é simbólico, pelo menos
ração literária. O traço característico de todos estes ciclos é a sua liga-
essencia lm en te e d e m o d o primitivo. M as , .e nquan t o n o ciclo
ção a locais precisos : o Olimpo de Zeus, o Nisa de Dioniso são regiões
heróico a unidade é inteiramente conferida pelo heró i, a qui , a ún ica
indeterminadas; mas não o Eta de Héracles, onde as escavações reve-
uni dade é a d a intriga. A ssim, a história d e H elena , rapta da ao seu
laram a existência muito material de um altar e de um rito de
ma rido , guardada em Tróia, disputada pelos dois exércitos no decurso
incineração 8 •
de um cerco de dez anos, e em seguida o regressar , depois de novas
Do mesmo modo, existe uma «geografia» dos Argonautas 9 , re-
aventu ras , e toda uma odisseia, ao lar que nunca deveria ter d eixado,
lacionando os santuários de Atena espalhados em redor do Medi-
todo este conjunto , de que a Il(ada apenas desenvolve uma parte, é
terrâneo, como existe uma «geografia» de Eneias ligando os de
uma «n ovela» . É , se se preferir, um romance ao go sto de Teágenes
Afrodite . Todos estes santuários heracleus possuíam a sua lenda
e Caricleia: mas a histó ria de Helena pertence à lenda e a d e Teáge-
própria, e são todas estas narrativas isoladas que, ao agruparem-se,
nes à literatura . A razão é simples: num determinado momento a aven-
acabaram por dar origem a uma imensa «gesta» do herói. Elemen-
tu ra d e H elena foi encarada como verdadeira; Teágenes foi sempre
tos de épocas diversas , de religiões ou de ritos diferentes
considerado uma fantasia e uma mentira agradável. Mostrava -se um
amalgamaram-se deste modo. O Héracles tásio não é o Héracles ar-
túmulo de Helena ; p restava-se-lhe um culto; talvez fosse uma divin-
givo . A unidade relativa a que, em data antiga, o ciclo chegou
da de «caída», ou , talvez, mas isso é menos seguro, o primeiro estado
prova apenas até que ponto era grande a força assimiladora do He-
do seu romance tenha sido o seu te.poç )hyoç. É assim que Gargant ua
lenismo, que integrava, de bom ou mau grado, os empréstimos es-
de Ra bela is é uma personagem de um romance ; o da tradição de q ue
trangeiros . A ordenação de todos estes elementos díspares é já um
as Grandes Crónicas são o primeiro testemunho, é uma personagem
trabalho literário, atribuído, sem dúvida, aos mais antigos historia-
da lenda. A fro nteira, poderá dizer-se , está claramente ultrapassada;
dores em busca de tradições que procuravam conciliar . A colheita,
a diferença é , contudo, sensível. A Il(ada reveste a personagem de
contudo, era tão abundante que ultrapassava as suas possibilida-
Aquiles com traços literários, inventados à vontade . A pró pria per-
des . Rivalidades de santuários, particularismos de cidades,
sonagem permanece lendária: existe independentemente da sua incar-
conservaram-nos episódios exteriores ao ciclo «canónico»: tal tra-
nação ho m érica; outros poetas, antes da /!(ada , apoderaram-se dela ;
balho é admitido numa lista, excluído de uma outra, tal episódio é
0 111 ros, dep o is dela, modificaram-na ainda. O herói d a «novela» len-
desenvolvido segundo esquemas diferentes segundo tal ou tal mitó-
dMia pode prestar-se a todas as fantasias, não se identifica nunca com
grafo, de um modo diferente, ainda, por Píndaro ou por Pausâ-
elas, po r m ais genia l e por maior que seja a obra que o utiliza. E neias,
nias . Os «ciclos» não nascem de uma única peça; formam-se no de-
pa ra nós, existe sobretudo através de Virgílio; mas a perfeição literá-
curso de uma longa evolução. Ao contrário do mito, que, desde a
ri a da Eneida não pode criar de uma forma completa o « mito» (no
sua origem, é simbólico, o valor simbólico do ciclo não é alcançado
senão no termo da sua existência, quando os seus diversos episó- sentido la to) da Roma dos Enéadas. A fortuna, o signific ado, a im-
portâ ncia d o poema, d evem-se à preexistência do herói que a m ística
dios estão suficientemente integrados para poderem, todos eles, re-
de César teve o génio de confiscar para si.
vestir um único significado. Deste modo, as histórias de caçadores
As di vindades podem ser o s heró is desta s « novelas» : a gesta de
que são a luta contra o teão de Némea, o touro de Creta, os pássa-
1 Afrod ite e de Ares, a de A fro dite e Anquises não têm nada de «mí-
ros do lago Estínfalo, a corça de Cerineia , não são, no seu início,
t ic.:crn, no sentido plen o, tal como as «infâncias» de Palas ou as his-
mitos morais . Foram necessários muitos séculos para que Pródico
t <',ria s fa miliares de Tétis. Na maio r parte da s vezes , contudo, a no-
pudesse escolher Héracles como herói, não de urna caçada, m as de
vela con ta as aventuras d e m orta is e há pa ra este facto uma razão:
um apólogo moral!
í.· quç (1 novela tem, geralmente, um a lcance social. Mostrou-se rc-
10
l'l'lltL·mc ut c q ue a lenda d e Éd ipo era a de um «conq ui stador» :
x M. P . NIINJN, Arch.f. Relil,(Í(III.Sl\li.1·s., XX I ( 1922), pp. 310-316: .!01m1. o/Hei/. s,., rn d n unta (ou quase) das ac,;ocs atribuíd as ao heró i 6 si m bólil;a
, 11 11 ( 1'12 )). pp , 1'14 l' \,

·• 1 I li 1 \111, / 11 <,, 1111111111h11• t/11111 /,•1 l 111r1111111//f///1·1 ri' 11111//0111111 ri,· Ulwr/1•1 , l':ui,,
1•1111
111 M 111 1 , 1111111 , <1•11/1w 1111 /11 / 11111•111/i• ,!11 1 'om11u l111't11, 1'111 IN, 1 'M•I

L
11111s ji, 11110, t·o1110 pai II o 111ilo, lk 11111 ~1 111holis1110 cósmico, mas ex- 111issno. E possível que u foi ma conheci<lu seja apena~ u111 l l'~Ídu o lil'
p1 essüo de uma funçao socia l, resíduo dos velhos ritos «políticos» 11111 estado anterior, mais completo, mais significativo. O mistéii o (·,
cm torno da realeza: assim, o assassínio do velho rei, o incesto e as por vezes, total e nada nos permite a firmar que tal his16ria nüo seja
provas preliminares. Nesta lenda, não é a personagem de Édipo que ou que nunca tenha sido outra coisa senão um divertimento.
é importante; o verdadeiro tema é o cenário das suas aventuras.
Não se verifica o mesmo para o ciclo de Héracles, em que os episó-
dios são intermutáveis e a sua sucessão acidental. ***
O tipo de lenda mais frequente é a anedota etiológica, isto é, a
narrativa destinada a explicar um detalhe surpreendente: uma ano- As fontes da Mitologia são muito diversas: vão desde os poemas
malia num sacrifício, uma particularidade de uma imagem cultural, homéricos aos comentários eruditos dos sábios bizantinos do sécu lo
de um lugar, de um nome próprio, originam uma história que o x11. É suficiente referir aqui os principais grupos e a sua repartição.
justifica. Assim, por exemplo, encontrava-se num templo de Chipre É reduzido o número de lendas que nos foram transmitidas sob
a estátua de uma mulher inclinada para a frente; o facto era sur- a sua forma verdadeiramente popular. A tradição oral, tão preciosa
preendente e o verdadeiro significado tinha-se perdido. Contava-se, para os folcloristas modernos , apenas nos deu algumas transcrições
então, que era a metamorfose de uma jovem curiosa surpreendida directas. Encontram-se sobretudo na Descrição da Grécia de Pausâ-
no acto de olhar pela janela e, sobre este tema, tecia-se uma ane- nias. Infelizmente, a obra apenas trata das seguintes regiões: Ática,
dota de amor. Esta era a lenda de Anaxárete. Corinto e Sídon, Lacónia, Messénia, Élida, Acaia, Arcádia, Beócia,
Muitas narrativas análogas dizem respeito a nomes de locais e Fócida. Composto na primeira metade do século u d . C., recolhe tra-
fundamentam-se em jogos etimológicos. Isto acontece em particular dições já muito evoluídas. O seu valor documental é, contudo, imen-
quando, por qualquer razão, a língua do país mudou e a sua ono- so 12 , pois sem ela ignoraríamos as versões não canónicas, e as mais
mástica se torna incompreensível. O nome da cidade latina de Alba instrutivas, das lendas locais. Sob este aspecto, Estrabão, embora seja
(nome sem dúvida aparentado com a palavra Alp- e designando uma um século anterior a Pausânias, é menos rico. A sua obra cobre um
elevação, na língua falada anteriormente às primeiras invasões indo- espaço demasiado vasto para que possa descer aos detalhes tão caros
-europeias) tinha deixado de ser compreensível para as populações a Pausânias. Para mais , Estrabão é um «inquiridor» de menor fide-
de língua latina. Relacionou-se, arbitrariamente, com o adjectivo a/bus lidade; aventura-se mais nas interpretações, seguindo as luzes da sua
(branco) . A cidade, dir-se-á, foi fundada no local onde Eneias sacri- erudição.
ficara, outrora, uma javalina branca com as suas trinta crias. A segunda categoria de fontes, de longe a mais considerável, é a
Estas anedotas integram-se nos ciclos heróicos e, como elemen- das fontes «eruditas». Compreende tratados técnicos, unicamente con-
tos acessórios, nas «novelas» . O acto significativo é atribuído a uma sagrados à mitologia, ou comentários a obras literárias destinadas a
personagem marcante, já dotada de uma «eficácia lendária», quando esclarecer pontos obscuros. Este trabalho começou cedo na história
não é um deus. Estas lendas etiológicas podem mesmo tornar-se mi- da literatura grega. O primeiro autor conhecido é um milésio, Hcca-
tos, quando a particularidade a explicar reveste uma importância cós- teu, que escreveu, no final do século v1 a. C ., quatro livros de
mica. É o caso, nomeadamente, de todas as «heroizações astrais», «Genealogias», de que possuímos apenas alguns fragmentos. Hcca-
que transportam para o céu indiferentemente um homem, um ani- teu concebe a mitologia como parte da história e é como historiado r
mal ou uma coisa, para fazer delas constelações 11 • que reúne as tradições relativas às famílias e às cidades.
· Certas lendas, por fim, não entram em nenhuma das categorias Pouco depois, encontramos outros historiadores: Acusilau de
precedentes. São os «contos para rim (ou para comover), que não Argos, Ferécides de Atenas, que se ocupam, também eles, das tradi
explicam nada, que põem em cena heróis obscuros, que não têm qual- ções dos seus países. Ferécides constituiu, por seu lado, uma fo nt e
quer significado moral ou cósmico. Adivinha-se, por vezes, que a sua importante para todos os mitógrafos antigos, que o citam frequente
razão de ser nos escapa, pelo menos no estado actual da sua trans- mente. Infelizmente, apenas possuímos raros fragmen tos das obras
de Hecateu e de Ferécides . Ocorre o mesmo com Helânico de Miti
11 1 >mt1•111 lr11d11 , ,oi"1111!1la, 1111 ili n11l1111•11 t1·, 1·111 ,111 11•, nuun lato l'\ . 1'11 111\l<COno tia
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Iene, conl<.:mportlneo de 'Jl1d<litks, t:uju obra, u julgar pelos títulos que dt:sl as ob 1as eram consagradas a um tipo <lcl'inido de knd:t~, pw
conhecemos, parece ter abarcado a totalidade dos países então heleni- exemplo, as Catasterismoi («astralizações»), de Eratóstenes til' <'i
zados. A sua Cronologia das Sacerdotizas de Hera constitui uma re- rcne, que escreveu na segunda metade do século 111 a. C. 1' 0111ros,
colha muito importante ~as tradições argivas. Helânico escreveu igual- mais ambiciosos, pretendem abarcar a totalidade das tradi çocs lc11
mente uma história da Atica, que fixava uma cronologia dos reis de dárias. A tentativa mais importante, que conduz simultaneamenk
Atenas, em que se misturam estreitamente o mito e a história. Com a uma recolha e a um «sistema», é aquela que os manuscritos atri
Herodoro, de Heracleia do Ponto, principia, nos fins do século v a. c., buem a Apolodoro, um gramático ateniense cuja actividade se lo
uma nova tendência: já não se trata de fixar pontos «da história», caliza em meados do século II antes da nossa era. Discípulo de
mas de encontrar um sentido profundo para os mitos . Nesta pers- Aristarco de Samotrácia, fora formado na filosofia segundo con-
pectiva,_o siciliano Evémero, posterior um século a Herodoro, pode cepções alexandrinas e consagrara trabalhos à exegese dos poetas
ser considerado como seu discípulo espiritual. A sua doutrina o eve- antigos. A Biblioteca que possuímos sob o seu nome não é obra
merismo, é bastante conhecida: consiste essencialmente em c~nside- sua , pelo menos na redacção conservada. Embora o problema es-
rar que os deuses são simplesmente homens a quem, pelos seus méri- teja longe de estar resolvido , é provável que a versão que chegou
tos, pelos serviços que prestaram aos seus semelhantes, foram até nós remonte a um abreviador do século I d. C., que se conten-
prestadas honras divinas. Deste modo, procurar-se-á, com as narra- tou em seguir o plano e os dados gerais da obra primitiva, sem tra-
tivas fabulosas, encontrar um significado «racional»: a hidra de Lema, zer qualquer contribuição pessoal. Se não se verificasse esta hipó-
com as cabeças que renascem, seria um pântano pestilento que Hé- tese, isto é, se a obra fosse posterior ao século II, seria difícil
racles quis secar, mas que nascentes enchiam incessantemente. Este explicar a total ausência de alusões ao mundo romano 16 • Por outro
é um jogo estéril, sem qualquer fundamento na realidade, mas que lado , apenas possuímos uma parte resumida dela. A lacuna é, con-
teve uma grande repercussão no pensamento antigo. O historiador tudo, colmatada, mais ou menos, graças a uma Epítome, que re-
Diodoro Sículo, no século r a. C., conservou-nos um grande número monta ao comentador bizantino João Tzetzes.
destas «racionalizações», que tinham seduzido o espírito romano e A Biblioteca divide os mitos em grandes ciclos: em primeiro lu-
de que se apoderou a simbólica dos filósofos, tanto os epicuristas como gar a Teogonia, em seguida, os inícios das raças humanas, a partir
os estóicos. Assinalaremos algumas entre as mais significativas. de Deucalião e Pirra; depois vêm as lendas argivas, as lendas teba-
Um discípulo, ou, pelo menos, um continuador de Evémero Palé- nas, as lendas áticas. A Epítome contém resumos em forma de nar-
fato, escreveu, no início do século m a. C., cinco livros sobre os rativas das epopeias homéricas e cíclicas.
«Acontecimentos incríveis» (Ihpi. cx1t(a-.wv), de que ainda possuímos Qualquer que seja a sua origem, esta Biblioteca é-nos preciosa na
13 medida em que nos dá a conhecer quais eram, no início da época
um resumo • A mesma tradição liga-se um pequeno tratado de um
certo Heraclito, que pretende «curar» as in verosimilhanças dos romana, os «cânones» lendários e dá-nos, por outro lado, informa-
mitos 14 • ções sobre o trabalho de classificação dos mitos devidos aos esforços
Com a idade helenística faz-se luz e afirma-se uma terceira ten- dos gramáticos e dos filólogos.
dência, que não tem por objecto nem interpretar as narrativas fa- O desenvolvimento do poder romano não interrompeu estas in-
bulosas nem integrá-las na história, mas, simplesmente, recolhê-las vestigações. Num certo sentido, favoreceu-as mesmo, porque convi-
por elas próprias. A partir do século m a. C., aparecem «colec- nham a esse novo público, mediocremente culto, resumos e compên-
ções», cujos resumos nos são, por vezes, conservados. Algumas dios. É, por exemplo, graças ao trabalho de Antonino Liberal (cuja
obra se situa entre o segundo e o terceiro século da nossa era) e às
13
suas Transformações, que podemos entrever o que era essa recolha,
Publicado na colecção de A. WESTERMANN, Scriptores poeticae Historiae graeci,
Brunschwick, 1843, com a Biblioteca de Apolodoro, as Narrationes de Conon, as Narratio-
hoje perdida, que Nicandro, no século u a. C ., escrevera sobre as M e
nes Amatoriae de Parténio, a Noua Historia de Ptolomeu, as Transformationes de Antonino tamo,foses (' Eupot0úµ1:.v<X).
Liberal, os Catasterismoi de Eratóstenes, o De lncredibilibus de Heraclito, e vários outros tra-
tados a 116nimos: lllfewiriae, Dr Ulixls f:"rroríb11s, Misce/Ja, a que se acrescent aram os de João
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Nku11d1 o, l L'l'OIIIL'tHlo ai,, 11 adic;<ks populares, invcnlando o utras gaos. U1iliza m-n os e citam -nos numa intenção polémica , mas, preci-
L'~ pli1:ava por urna mclamorl'osc a origc111 de cada espécie animal. Oví: samente, para este fim, procuram as lendas mais ilógicas, aquelas que
dto , nas suas Metamorfoses, tratarú cm verso um assunto análogo menos ho nra m o espírito humano que a Graça não iluminou. Santo
L' ~su\. demonstrado que Nicandro foi uma das suas fontes, se não a /\gostinho, C lemente de Alexandria, tal como Arnóbio e Lactâneio,
J)l'l ll Clpal. são, sob este ponto de vista, de grande valor.
Um poeta alexandrino pertencente à escola de Calímaco Parté-
nio d e Niceia, compôs, para o seu amo Gallus, o amigo de Virgílio, ***
un~ tra ta do das «aventuras amorosas» ('Epumxix 1toc0fiµoc,oc), destinado
a Iornccer temas aos elegíacos romanos. Esta antologia foi-nos Mas o domínio da lenda não está limitado ao da investigação eru-
conserv~da 17 , tal como a das Narrativas (as Narrationes, LltTJyfiauç), dita: esta não teve o desenvolvimento que apresentámos senão por-
que o mitógrafo Conon (desconhecido de outro modo) escreveu cerca que estava ao serviço da literatura. É a obra literária que é , por exce-
18
do início .d~ nossa era, dedicando-as ao rei Arquelau da Capadócia . lência, o meio de desenvolvimento do mito. Não há praticamente um
Os m1tografos ?e
.língua latina são menos numerosos e são, por único aspecto da literatura grega que não o conheça e que, de algum
o utro la do, meros 1m1tadores dos precedentes. O mais célebre de en- modo, não se apoie nele. Eis por que o seu estudo é inseparável do
l re eles é o gramático Higino. Chegaram até nós duas recolhas sob das próprias obras. Os grandes ciclos épicos surgem-nos na Ilíada.
~) ~e~ nome: as Fábulas (Fabulae) e a Astronomia Poética. A segunda Desde essa época, são objecto de uma elaboração muito complexa,
c. ,~:i11tada dos Catasterismoi de Eratóstenes; as primeiras contêm, elas- e adivinha-se que os autores do poema apenas escolheram parte de
si l 1cadas por categorias, as versões mais aberrantes das lendas clássi- uma abundante literatura lendária pré-existente. Possuímos apenas
cas. O inte~esse principal desta obra, que, por outro lado, é extrema- testemunhos fragmentários desta literatura: alusões contidas no
mente faut1va e testemunha estranhas ignorâncias por parte do seu poema, resumos dos mitógrafos e, sobretudo, resumos das epopeias
autor, é.º de nos conservar as intrigas de obras hoje perdidas dos gran- cíclicas consagradas aos heróis tebanos (os guerreiros infortunados
des 1r~g1cos. Esta ou aquela obra de Sófocles e, sobretudo de Eurípi- da expedição dos Sete Chefes, tal como Édipo e seus filhos), aos Argo-
des, sao-nos apenas conhecidas através do resumo de Higino. Isto nautas , às próprias personagens que surgem na Ilíada mas que não
torna possível, em certos casos, seguir a transformação do tema len- são aí figuras centrais, como, por exemplo, Mémnon, Pentesileia, que
d i'11 io e discernir o que é fabulação literária e o que é elemento roram contadas pelo milésio Arctino na sua Etiópida. A Pequena
t 111t11 .ona 11 9 . ln f ehzmente,
.c1 . o texto de Higino é lacunário os nomes llíada, de Lesques, continha o relato de episódios da Guerra de Tróia
111 óp, ios estão mutilados, e as contradições e absurdidad~s também posteriores à morte de Pátroclo . Outros poemas, como os Regres-
11110 falt am. Não sabemos em que época esta compilação foi efectuada. sos, cantavam as aventuras dos heróis aqueus uma vez terminada a
< > 110111e de Júlio Higino que os manuscritos atribuem ao seu autor guerra. A Odisseia é apenas o mais famoso destes Regressos, mas não
11 11<> 1~os_ deve il_udir. Não pode tratar-se do liberto de Augusto, o sá- o único.
1>'.o }>tbho tecáno da Biblioteca de Apolo no Palatino. Segundo uma A partir de Homero, toda a poesia grega vive de lendas: lírica coral,
l11 polcsc recente, a obra dataria da época dos Antoninos 2 º. ditirambo, tragédia, todos estes géneros recolhem «fatias dos gran-
Um~ recolha análoga à de Higino, mas sem nome do autor, é des repastes homéricos» 22 . As tradições encontram-se aí, com as modi-
rn11hcc1da por um manuscrito do Vaticano e, por esta razão tem 0 ficações próprias do género, e também num esforço de classificação,
. • ,1: do Vaticano 21 . E' verosímil que esta compilação
1101m; c.l e M ,tograJo '
lentativas de filiação, relacionamento de heróis, cada poeta const rói
1L·1110111c ao século v da nossa era. o seu mundo lendário pessoal. Embora esses ensaios de normaliza-
Os primeir~s escritores cristãos constituem - o que é surpreen- ção conduzam , no final, ao estabelecimento de uma maior confusão
dL·111 c uma fonte não desprezível de conhecimento dos mitos pa- cnt rc as di ferentes versões e as suas variantes. Pouco a pouco, con-
l 11do, os poetas incorporam os resultados adquiridos pelos mitógra-
11 V IHIIII 11 fos. Com a 1.:scola de Calímaco, a lenda deixa de ser o suporte do
11, 11
:: CA> 11111• «1 11111 01 , 11 1111 111 do p1•d11d 111·111 11p11•1·11d 11 l11 ,•111 11• e· 1, 1 1 d , < ' v 110 111 l l. 1m1.·111;1, <.' 1.·011 v1.·r1c-sc 1m1i1as vezes no seu objccto principal. No tér-
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111 i110 1111 0 (• 111ai~ do qu l! u111u k11d11 Vl' l~i l'kadu l! o jogo consiste cm u qu cs tao de saber se os velhos mitos tinha m ou não perdido o seu
:1r1111wh11 a~ a lusol!s mais obscuras, as vmian tl!s mais aberrantes. Se podt.:r. l loje, sabemos que existem outros «estiios poéticos» e que o
<'alímaco possui, na maior parte dos casos , um gosto muito seguro pensamento e a expressão míticos são apenas uma das vias abertas
q11c.: o movimenta nesta via, o seu contemporâneo Lícofron deu-nos à literatura. Já não reinvidicamos para estas lendas antigas um valor
11t1 sua Alexandra o tipo acabado desta poesia mitológica que apenas abso luto. Sabemos que elas são apenas o produto .normal de uma
m m muita dificuldade se pode considerar «poética». O tema é uma longa evolução espiritual. Não estamos senão mais intimamente per-
p1 c.:tensa profecia de Cassandra (também chamada Alexandra) , que, suadidos da importância que elas revestiram na história do pensamento
d t.: pois da Guerra de Tróia, anuncia a ressurreição da raça e do povo humano, e no que , talvez, ainda possam assumir entre as mãos do
troianos. Dificilmente inteligível, este texto forneceu a João Tzetzes artista capaz de animar estas marionnettes eternas 24 •
ocasião para um comentário extremamente útil para os mitógrafos
modernos, porque cada um dos seus versos contém uma alusão às
kndas mais obscuras da mitologia e a sua explicação faz intervir um
tao gra nde número de mitos que o conjunto constitui um verdadeiro
resumo do tesouro lendário antigo.
A poesia latina possui os seus «antiquários», dos quais Ovídio é
o seu melhor representante. Duas obras simétricas utilizam , uma sobre-
tudo a mitologia grega (são as Metamorphoses), e outra a mitologia
romana (são os Fasti, calendário poético das festas romanas, de que,
infelizmente, apenas foram escritos os seis primeiros livros, corres-
pondentes aos primeiros seis meses do ano). Propércio, no Livro IV
das suas elegias, empenhou-se, também, em imitar Calímaco e con-
to u as lendas etiológicas dos locais e dos ritos romanos: a de Tarpeia
011 a do culto de Júpiter Feretrino. O seu sucessor distante, Estácio,
1.:onsagra alguns dos seus Silvas a pesquisas análogas, enquanto nas
sua s epopeias, a Tebaida, a Aquileida, retoma a tradição cíclica.
Por fim, Valério Flaco deu, pela mesma época, as Argonáuticas la-
1i 11us, inspiradas naquelas, bem mais célebres, que tinham sido es-
c1itas por Apolónio de Rodes em meados do século m antes da
11w,sa era.
/\ partir deste momento, a mitologia está fixada nas suas grandes
linhas. As curiosidades eruditas de um Plutarco não podem modifi-
l':tr as versões canónicas. Afastada das suas fontes populares e tam-
hbn do seu suporte religioso, a mitologia evoluiu segundo linhas múl-
23
t ,pias: simbolização mística com os «neopitagóricos» , simbolização
111oralizante, com os epicuristas e os estóicos, ensaios literários ou plás-
t 1l'OS, esta tuária ou pintura. Já não é uma compilação de crenças, mas
11111 in strumento de expressão , só por si uma retórica ou uma poé-
l i1.:a, e é bastante significativo que aos melho res tempos do classicismo
r, nncês ou inglês, quando se levant o u a Querela dos Antigos e dos
Modernos, os advc.:rs,\rios tc11ha111 escolhido co nduzir o debate para

11 V1•1, \<1h1r 1· ~11· ll\~11 11111, 11 ll v111 "'"r~llvu clr 1 ( /\Ili 111'1N11, / // /11111/111111• 1/1• /11 / 111r /1•
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1

NOTA DE CONSULTA
1

No artigo correspondente a cada nome, são apresentadas as principais narrati-


vas e lendas particula res nas quais intervém a personagem citada, sendo os homóni-
mos diferenciados por um número de ordem . A apresentação das lendas, volunta-
1 riamente resumida, procura, na medida do possível, revestir o aspecto de uma
biogra fia. Estão indicadas as di feren tes versões para cada episódio, começando ou
:,
pela que está atestada em data mais antiga ou pela que, a priori, pode ser conside-
rada como a menos «evoluída», mesmo se é apenas conhecida através de um mitó-
grafo tardio . Houve um esforço para sublinhar as variantes e as inovações devidas
a autores trágicos, mas de modo a que a evolução de cada mito fosse sempre clara.
Lamentar-se-á, por vezes, a ausência desta ou daquela versão. Os limites desta obra
impõem uma escolha. Já Diodoro e Pausânias tinham verificado a inextricável con-
fusão do conjunto lendário grego.
Os artigos relativos a heróis e a lendas do domínio romano são precedidos por um
asterisco. Este asterisco não figura no início dos artigos nos quais as narrativas, origi-
nalmente gregas, apresentam prolongamentos romanos (caso de Diomedes, Eneias, etc.).
Considerou-se vantajoso apresentar quadros genealógicos de certas «famílias»
importa ntes. Estes quadros têm por fim resumir as indicações contidas nos artigos
e também eles representam uma escolha, em grande parte arbitrária, entre as várias
J. versões. Na maior parte d os casos, têm por base a Biblioteca de Apolodoro,
acrescentando-se, eventualmente, dados retirados de outras fontes. Procuram, ainda,
apresentar uma espécie de «vulgata», sendo as variantes indicadas no corpo do ar-
tigo. A ordem dos acontecimentos, raramente determinada nas nossas fontes, foi
fi xada arbitrariamente qua ndo não era conhecida.
As notas no fundo da página reúnem as referências essenciais aos autores anti-
gos. Estas referências seguem , geralmente, o mesmo plano da exposição, mas cada
texto é citado apenas uma vez, quando da sua primeira utilização, quaisquer que
sejam o número e o local das informações recolhidas. Os escólios são mencionados
imediata mente após o texto a que se re fe rem .
Também se enco ntrará , no fina l das notas relativas a cada artigo, e apenas para
alguns deles, a indicação das obras e dos trabalhos modem ~ que nos pareceram
1"1(11'11\ 11'1'1."'t UUl(1'."'t 1', 1'\J 1 \IIU',.:, "1'11 11\r\1.-,
lllt l !lf/\lCl!l 11,\ f\ llllllCIC I I A
REFEIU~NCIADOS
11p1 r~l' nl 111 11111 inll'IC~~c cspl·,•ud . 1 l 11rl11\11w 1111~, 1·111 p, l11dplo, uo~ trubalhos poste-
11111t·s :\ pulllil:a,·,1o tio t.ólco dl' Rt1Sl'h1•1 . Vt·iilkt11 ~e :lo, mes mo quanto a estas
ANH)NINO LIBERAL, Tramformationes, ed. STERRETT (col. Loeb) , 8 vais., London-New
11 1! 1 ti\, l11c 1111u~. /\ con s ultadas r cvislas c~pcci111i111tla~ e dos reportórios bibliográfi- WESTERMAN, Myrhographi Graeci, Brunschig, York, 1917-1932.
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t c 111 as lendários. JD., Ep(tome, mesma edição. C. MULLER, Geographi Graeci Minores, li, Pa-
Seja-nos permitido exprimir ao nosso colega e amigo Jean AUDIAT o nosso re- APOLÓNIO DE RODES, Argonáutico, ed. R.C. ris, 1862.
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con h ecimento pelo seu interesse em ler provas desta obra. A sua erudição evitou- ESCÓLIOS, ed. C. WENDEL, Berlin, 1935. mero, ed. G. STALLBAUM, 6 vols., Leipzig,
nob muitos erros e omissões. As falhas que inevitavelmente subsistem devem-se ao ARATO DE SOL!, Fenómenos, ed. G. ZANNONJ , 1825-1830.
autor e apenas a ele. Assinalá-las será, não só para ela como, esperamo-lo, para os Fiorenza, e.d . ( 1948). FESTO, De verborum significatione quae supersunt,
ARNÓBIO, Adversus Nationes, ed. A. REIFFERS- cum Pauli epitome, ed. W. LINDSAY, Leipzig,
leitores de futuras reedições, um inestimável serviço. C HEI D, em Corpus Scriptorum ecclesiasticorum 191 3.
Agradecemos também ao nosso mestre Professor Charles PICARD a benevolên- latinorum, vol. IV, Viena, 1875. Fragmenta Historicorum graecorum, ed . C. e T.
CALIMACO, Hinos, epigramas e fragmentos esco- Muller, 5 vols., Paris, 1841-1870.
c ia com que quis dar o seu patrocínio à nossa temerária empresa. E não queremos lhidos, ed. E. CAHEN, Paris, 2. • ed ., 1940. FULGÊNCIO, Mythologiarum Libri Ili, ed. R.
deixar de mencionar aqui o empenho, a competência e o gosto de que fizeram prova CENSORINO, De Die Natali, ed. F . HUL TSCH, HELM, Leipzig, 1898.
Leipzig, 1867. GÉLJO, AULO, Noites Áticas, ed. HERTZ, Leip-
o~ editores e impressores durante a realização de um trabalho particularmente longo Corpus lnscriptionum Lalinarum. zig, 1898.
c delicado. CONON, Narrações, ed. WESTERMANN, pp. 124- HERÓDOTO, História, ed. PH . LEGRAND, Paris,
·151 (ver supra ANTONINO LIBERAL). 1932 e s.
DICTIS DE CRETA, Bel/um Troianum, ed. F . HESÍODO, Obras, ed. P. MAZO N, Paris, 1928.
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PARTÉNIO , 'Epwtixo: ncx8~µ,rnx, ed. WESTER- SÍODO, Carmina, 2.' ed.,
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BERAL) VALÉRIO FLACO, Argonaútica, ed. O. KRAM-
PAULO, ver FESTO. MER, Leipzig, 1913.
PAUSÂNIAS, Descrição da Grécia, ed. FR. SPIRO, VARRÂO, de língua latina, ed. R. G. KENT (col.
3 vols., Leipzig, 1903 . Loeb), 2 vols., London-New York, 1938.
POLUX , Onomasricon, ed . BETHE, lexicographi WESTERMANN, Mythographi (ver supra ANTO-
Graeci, Leipzig, 1900. NINO LIBERAL).
PTOLOMEU HESFESTIO N, N ouae Historiae li-
bri Vil, ed. W ESTERMAN N, pp. 182-199 (ver su- Os títulos das obras modernas e das revistas foram
pra ANTONINO LIBERAL). abreviadas da forma o mais transparente possível; em
QU INTO DE ESMIRNA, Postho merica, ed. A. S. caso de dúvida, o leitor poderá recorrer ao «índice
WAY (Loeb), Londo n-New York. das revistas» do A nnée Philologique.
•••••
A
ABANTE. ("A~aç.) V. Abas. rói precedente (v. quadro l, p. 8) . É a este
Abas, filho de Melampo, que se atribui a
ABAS. (" A~aç.) A lenda conhece três heróis paternidade de Lisímaca, mulher de Tá lao, e
deste nome, d ifíceis de distinguir uns dos ou- mãe de Adras10 (quadro cit. ). do adi,·inho
tros. Ídmon, que herdara as qualidades do avõ. e
I. O mais antigo é o epónimo do povo eu- de Cérano (v. também, a propósito deste. o ar-
beu dos Abântidas, que é mencionado na · 1igo Pol/ido).
filada. Passa por ser filho de Posídon e da
ninfa A retusa, deidade de uma fonte próxima * ABORÍGENES. (Aborígines.} Os Aborí-
de Cálcis. No entanto, uma tradição ateniense genes são , nas lendas romanas, o s mais anti-
recente fazia dele um descendente de Metíon, gos habitantes da Itália central. Passam por ser
filho de Erecteu: teria sido então filho de Cál- filhos das árvores. Vivem sem leis. sem cida-
con, por sua vez fi lho de Metíon. Este Abas des, errantes, e alimentam-se de frutos sel\'a-
tinha dois filh os, Calcodonte e Caneto. gens. Considera-se geralmente que o seu nome
2. O mais célebre é o rei de Argos, filho de significa «o povo original». Eram eles quem
Línceu e de H ipermestra. Une em si o sangue o rei Latino governava, quando Eneias chegou
dos dois irmãos inimigos, Dánao e Egipco, e ao Lácio, comandando os Troianos. U nidos
é o antepassado de Perseu e da sua estirpe (v. aos Troianos, formarão o pO\'O Latino. assim
quadro 32, p. 370). É considerado o fundador designado em honra do rei Latino (,·. este
da cidade focense de Abas. De Aglaia teve dois nome).
gémeos, Acrísio e Preto, e uma filha, ldómene,
ABSIRTO. (" Aq,upsoç.} V. Argonalllas.
q ue desposou Amitáon (v. quadro l , p. 8).
A lém desses, teria tido um filho bastardo , ACACÁUS. ('AxaxaÀÀiç.} Acacális é uma
Lirco, epónimo da região de Lirceia, no Pelo- das filhas de Minos, que foi amada sucessi,·a-
poneso. mente por Hermes e Apolo. Do primeiro. te\'e
3. Um outro ,Abas é filho de Melampo, neco um filho, Cídon. Do segundo, leve três: Naxo
de Amitáon, e por conseguinte bisneto do he- (que deu o nome à ilha assim chamada). Mi-

Abas: 1) //., li , 536 e s.; I V, 464; escól. a 11. 536; ,·cimente é uma 1radu.;ào mal feita de .4bori'genes);
EusT., ad Hom., p. 281, 43; HYG .• Fab .. 153; STEPH. PH AEST., p. 266: P u ..... N. H .. IV, 120: SER\"., ad
8\'/ ., s. u . 'Al3~niç; STRA8., X, p. 445; Et tR. , lph. l '111c.. Aen., V III. 328. Cf. J. B ERARO, La Coloni-
Aul.• 164 ss.; APOI RH .. Arg. 1, 77 es. . e escól. ad sarion grecque en Iralie meridionale.... Paris. 194 1,
lo<"., IV , 1214. 2) APOLLOD., Bibf.. li , 1. I; P AUSAN .. p. 387 e s.; J. PERRET. Les origines de la légende
li , 12, 2; 16, 2; X, 35, 1. 3) APOLLOD., Bib/., 1, 9, rroye1111e de Rome, Paris, 1942, p. 637 e s.
13; Aro, . R11.. Arg. 1, 139 e s. , e escól. ad loc.: PAu-
S/IN., (, 43, 5.
Acarális: P ., USAN., V III, 53. 4; escól. ad APOL.
RH., l lrg . , IV, 1492; ibid. IV, 1490 ss.; ANT LIB.,
A borígenes: D10N. HAt ., 1, 9 e s . ; 72; li , 48 es.; Transf., 30; APOLLOO., Bibl., Ili, 1. 2. V. E. P AIS,
CATO, Fr. 5, 6, 7; SAt 1.usT., de C. Ca1il. Vi, I; Lvc., Sroria Cririca di Roma. l. p. 289 e s.; J. C,RCOPINO ,
A /ex.• 1253 (cit. O povo d os Bopd1 ovo,, que prova- La Lo111•e du Capirole, Paris. 1925. p. 58.
ÁCACO 2

leto e Anfítemis, também conhecido pelo nome refeição no templo e fê-lo obter os favores da
de Garamante. Foi durante o tempo em que mais bela jovem de Roma, na altura, Aca La-
esperava Anfítemis que Minos, irritado, a exi- rência. Quando Hércules a deixou, aconselhou-
lou para longe de Creta, e a mandou para a -lhe, como recompensa, que se pusesse ao ser-
Líbia (isto é, para a região da Tunísia meridio- viço do primeiro homem que encontrasse. Foi
nal), onde o filho, com o nome de Garamante, ele um etrusco, chamado Tarúcio, que a des-
deu origem ao povo nómada dos «Garaman- posou. Tarúcio era muito rico e não tardou a
tes» . Já quando estava para ter o seu terceiro morrer. Aca Larência herdou-lhe a fortuna,
filho, Mileto, Acacális receara a cólera de seu que constava de várias propriedades, vizinhas
pai e fugira do palácio para procurar refúgio de Roma, que, por seu lado, ela, ao morrer,
nos bosques. Foi nos bosques que deu à luz o legou ao povo romano . Esta versão da lenda
pequeno Mileto. Não podendo criá-lo, aban- foi, sem dúvida, inventada para conceder tí-
donou a criança junto de uma árvore. Porém, tulos jurídicos à posse de territórios reivindi-
por ordem de Apolo, as lobas amamentaram- cados por Roma. Na sua velhice, Aca desapa-
-no com o seu leite até que uns pastores o en- receu sem deixar vestígios, no Velabro, no
contram, o recolhem e o criam. Por vezes, a mesmo local onde fora enterrada a outra La-
Acacális também se chama Acacala. 'Axa.- rência, a mulher de Fáustulo.
xa.ÀÀ(ç, em grego, designa o «tamariz do Uma outra lenda conhece, efectivamente, uma
Egipto». (V. Filandro .) Aca Larência, mulher do pastor Fáustulo (v. Fáus-
ÁCACO. (" Axa.xoç.) Ácaco é o pai adoptivo tulo). Ela tinha doze filhos, para além de Rómulo
e Remo, que adoptou. Seria em lembrança dos
de Hermes, segundo algumas tradições. Filho doze filhos de Aca Larência que se teria consti-
de Licáon, fundou a cidade de Acacésio, na
tuído o colégio dos doze Irmãos Arvales.
Arcádia.
ACADEMO. ('AxáôY)µoç.) Herói ático que ÁCAMAS. (' Axáµa.ç.) Com o nome de Áca-
revelou aos Dioscuros o local onde Teseu man- mas conhecem-se vários heróis.
tinha prisioneira a irmã deles, Helena, quando, 1. Um deles é um troiano, filho de Antenor
depois do rapto desta, Castor e Pólux percor- e de Teano, que desempenhou um papel par-
reram a Grécia à sua procura. Academo tinha ticularmente brilhante no ataque ao campo
o seu túmulo nos arredores de Atenas, para lá grego. Foi morto por Meríones.
do bairro do Ceramico. Este túmulo estava ro- 2. Um outro Ácamas, tio de Cízico (v. este
deado por um bosque sagrado, tornado céle- nome), também combatente do lado dos Troia-
bre por Platão, que nele instalou a sua escola, nos, era o chefe de um contingente trácio. Foi
a Academia. O nome da Academia também é, morto por Ájax, filho de Télamon.
por vezes, derivado do de Equedemo, um ar- 3. O mais célebre dos heróis com este nome
cadiano, companheiro dos Dioscuros na refe- é o filho de Teseu e Freda, e o epónimo da tribo
rida expedição. ática dos Acamantidas. Este Ácamas não fi-
gura na epopeia homérica, embora as lendas
ACALÂNTIS. ('Axa.Àa.v8,ç.) Entre as nove posteriores à composição da Ilíada lhe atri-
filhas de Píero, o rei da Macedónia, havia uma buam, bem como ao irmão, Demofonte, um
de nome Acalântis. Com as irmãs, desafiou as papel na tomada de Tróia. Ácamas, segundo
Musas a cantarem tão bem como ela. As deu- se diz, fora com Diomedes a Tróia como em-
sas, indignadas, transformaram-nas todas em baixador, antes do começo da guerra, para re-
aves. Acalântis tornou-se um pintassilgo clamar Helena. Aí, foi visto por Laódice, a fi-
(iixa.na., em grego, significa cardo). (V . Piéri-
lha de Príamo, e Laódice apaixonou-se por ele.
des.) A jovem confiou a sua paixão à mulher de Per-
* ACA LARÊNCIA. (Acca Larentia.) No seu, Filóbia. Imediatamente, Filóbia decidiu
reinado de Rómulo, ou então no de Anco Már- ajudar Laódice. Persuadiu o marido, que rei-
cio, num dia de festa, o guardião do templo nava na cidade de Dárdano, na Tróade, a con-
de Hércules em Roma convidou o próprio deus vidar separadamente os dois jovens para um
a participar num jogo de dados, com a condi- banquete e a colocá-los um ao lado do outro.
ção de o vencido proporcionar ao outro uma Laódice passaria por ser uma cortesã do ha-
refeição e uma bela jovem. O deus aceitou e rém de Príamo. No fim do banquete, Laódice
ganhou a partida; o guardião ofereceu-lhe uma tornara-se mulher de Ácamas. Desta união nas-

Ácaco: PA USAN., VIII, 3, 2; 36, 10; SnPH. Bvz., J. BAvs·,, Hercule romain , Paris, 1926; A. MoMl-
s.u . ' AxaxT'jalO\I. c;I.IANO, in Miscel/anea Fac. Lei/. . . di Torino, ser.
li, 1938; U. P~s1ALOZZA, Mater Larum e Acca La-
Academo: PLU T., Thes., 32; D.L., Ili, 9; ST~PH. rentia, Rendic. dei 1st. Lombardo, 1933, p . 905 e s.;
Bvz., s.u. 'Emô11µu0<. V. tb. os artigos Teseu, He- E. T AB~I.ING, Mater Larum, Francfort, 1932; D. SAB-
lena; v. C1<. P KARD, Dans les Jardins du Héros Aca- HAIUC< 1, <dl mito di Acca Larentia », in Studi e ma-
démos, Publ. de l'lnst. de Fr., Paris, 1934. teriali. .. , XXIX (1958), pp. 41 -76.
Acalântis: ANl. Lrn., Transf., 9, a partir de N ,c. , Ácamas: 1) li., li, 8 19-823; XII, 99-100; XIV, 476-
IV; Ov., Mel. V, 295 e s., e 670 e s.; v. também -486; XVI, 342- 344. 2) lbid., li, 844; VI, 5- 11.
Píero. 3) Sc!l'IL Phil., 562; EuR., Hec., 125 s. ; P1.uT.,
Aca Larência: PLUT., Qu. Rom., 35; LAo ., I, 1, Thes., 35; PAR'IH., Erot., 16; V1R<L, Aen ., li, 262;
20; CATO, segundo MACROB., Sal., 1, 10, 16; VAR., H Y<,., Fab., 108; AP01.1.01>., Epil., 1, 17; 23; V, 22;
LL, VI, 23; PLUT., Rom .• 4 e s .. V . MoMMSEN, em PAUSAN ., 1, 5, 2; X, 10, 1; 26, 2; cf. cscól. ad 1, 5,
Fes/gabenfür G. Homeyer, Berlin, 187 1, p. 93 e s.; 2; Tzu z., ad Lyc., 496.
3 ACASTO

ceu um filho, Múnito, que foi criado na casa « Bela-Nascente»), uma filha do rio Aqueloo
de Príamo, pela sua própria avó, Etra, a mãe (v. quadro l , p. 8). No decurso das suas aven-
de Teseu, então cativa de Helena. Depois da turas, Alcméon tinha ofendido Fegeu, o rei de
queda de Tróia,.Múnito voltou para o pai, que Psófis, na Arcádia, cujos filhos acabaram por
o levou para a Atica juntamente com Etra, fi- matá-lo (v. Alcméon). Quando Calirroe soube
nalmente libertada. No entanto, durante a via- da morte de seu marido , pediu a Zeus, que a
gem de regresso, em Olinto, Múnito foi picado amava, que fizesse crescer milagrosamente os
por uma serpente, enquanto caçavam, e mor- seus dois filhos, ainda crianças, para assim po-
reu. derem vingar seu pai. Zeus consentiu e foi deste
Na tomada de Tróia, segundo se diz, Áca- modo que eles conseguiram matar os dois fi-
mas encontrava-se no interior do cavalo de ma- lhos de Fegeu, Prónoo e Agenor, que encon-
deira. Obteve, como quinhão no despojo, a ca- traram junto do rei Agapenor. Em seguida,
tiva Clímene. De regresso, deteve-se na Trácia, dirigiram-se a Psófis e mataram Fegeu, o VJ!r-
onde permaneceu muito tempo, por amor a Fí- dadeiro responsável pela morte de seu pai. bs
lis. Depois, dirigiu-se a Chipre, onde fundo u habitantes da cidade perseguiram-nos, mas eles
uma colónia. Conta-se que foi a í que morreu, conseguiram escapar e foram refugiar-se junto
de uma queda de cavalo, tendo caído de ma- de Agapenor, em Tégea, na Arcádia, onde os
neira desastrosa sobre a sua p rópria espada. Tegeatas, ajudados por alguns argivos, os pro-
Contudo, esta lenda é geralmente atribuída a tegeram dos seus perseguidores. Por ordem de
seu irmão Demofonte (v. este nome). seu avô, Aqueloo, dirigiram-se depois a Del-
Segundo outras lendas, Ácamas, depois de fos pa ra aí consagrarem a Apolo o colar de
ter. participado na tomada de T,róia com seu Harmonia. Esta fora a origem de uma longa
irmão Demofonte, regressou à Atica com sua série de mortes e, designadamente, causara de
avó Etra e aí tomou o poder e reinou em paz. forma indirecta a morte de seu pai Alcméon
e a de seu avô Anfiarau (v. Erífile). Feito isto,
ACÂNTIS. (' Axav0(ç.) Autónoo e a sua mu- eles percorreram o Epiro, recrutando compa-
lher , Hipodamia, tinham quatro filhos, Anto, nheiros, e colonizaram a Acarnãnia, cujos ha-
Eródio, Esqueneu, Acanto e uma filha, Acãn- bitantes, até aí designados por Curetes, pas-
tis, por vezes também chamada Acantilis. Toda saram a chamar-se Acarnanos, de Acárnan.
esta família cultivava uma extensão de terra Uma tradição refere que Acárnan encontrou
considerável mas pouco produtiva, pois traba- a morte ao tentar desposar Hipodamia, a fi-
lhavam pouco e, sobretudo, os campos en- lha de Enómao, que matava os seus pretenden-
chiam-se-lhes de cardos e juncos (daqui tinham tes (v. Hipodamia)
derivado os nomes dos seus filhos, Esqueneu ACASTO. ("Axa<noç.) Acasto, filho de Pé-
e Acanto, tal como o da filha, pois crxorvoç e lias, rei de Jolco, e de Anaxíbia (v . quadro 28,
ãxav0a significavam, respectivamente, «junco»
p. 258), participou na expedição dos Argonau-
e «cardo» em grego). A sua ocupação princi- tas contra a vontade de seu pai (este, com
pal era a criação de cavalos. Costumavam efeito, imaginara esta expedição apenas como
apascentar as éguas nos pântanos. Um dia em
um meio de se desembaraçar de Jasão, que re-
que Anto as viera buscar, as éguas não quise-
presentava um perigo para o seu trono) (v. Ja-
ram abandonar o local de pastagem, enfure - são). Participou igualmente na caçada ao ja-
ceram-se e lançaram-se sobr e o jovem, vali de Cálidon. E quando o seu pai, Pélias,
despedaçando-o. O pai, alertado pelo barulho, foi m orto por Medeia, Acasto ocupou o trono
não se apressou a acudir , tal como o precep- de lolco (v. Medeia).
tor dos jovens. Foi em vão que, por fim, ten-
taram afastar as éguas . Toda a família ficou Acasto ocupa indirectamente um lugar na
lenda de Peleu, o pai de Aquiles. Na verdade,
mergulhada no desespero por causa desta hor-
durante a caçada de Cálidon, Peleu matara,
rível morte, de tal fo rma q ue Zeus e Apolo,
acidentalmente, um dos caçadores, Euríton.
compadecidos do seu doloroso luto, os trans-
fo rmaram em pássaros: Autónoo em alcara - Para se purificar desta morte, dirigiu-se junto
de Acasto. Aí, durante a sua estada na corte
vão, Hipodamia em contovia de popa, Anto,
de lolco, Astidameia, a mulher de Acasto,
Eródio , Esqueneu, Acanto e Acântis em pás- apaixonou-se por ele. Rejeitada pelo herói, ela
saros mal identificados, cujo nome era o des- envia uma mensagem à mulher de Peleu
tas personagens. Acanto e Acãntis sâo, prova- dizendo-lhe que o seu marido estava em vias
veJmente, duas variedades de pintassilgos (v. de a abandonar, para desposar a filha de
Acalantis), e Eródio uma garça real. Acasto, Estérope . Desesperada, a esposa de Pe-
ACÁRNA N. ('Axapváv.) Alcméon, o filho leu en forcou-se. Não se julgando ainda sufi-
do adivinho tebano Anfiarau, tinha dois filhos, cientemente vingada, Astidameia acusa Peleu
Anfó tero e Acárnan, que lhe dera Calírroe (a junto de Acasto, alegando que aquele a ten-

Acântis: AN r. Lrn.. Tronsf.. 7. Fob ., 14, 24, 103,273; Üv., Vil, 306; PAUSAN., 1, 18,
1: Ili, 18, 16; V, 17, 9; PI ND., Nem. , IV, 88es.; V,
Acárnan: A1•011 ou . , Bibl., 7 , 5 e 6: PAllSA N., 46 e s., e os escólios; v . os escólios a ARISTOPH., Nu. ,
VI II , 24, 9: T11uc., li, 102, 9; Ov., Met., IX, 4 12; 1063; PINO., Nem., lll, 59;. Eu R. , Ale., 732; Tr.,
escól. od P1N1>., 0/ymp. , 1, 127. 1127 e s .; li., XXIV, 488 e escól. od loc.; TzETZ., od
Acaslo: A1·01.1oll., Bibl., I, 9, 10: 16; 27; Il i, 13, Lyc. , 175: 0100. S1c ., IV, 53 e s. Cf W. MAN•
3; 7, 8; A1•00 . R11. , Arg., 1, 326; 1, 224 e escól. od NH ARDT , Antike Wold-und Feldkulte, Berlin, 1877,
loc.; VA 1 . F1 AC., Arg., 1, 164 e s.; 484 e s.; HYG. , p. 49 e s.; FRAZER, ed. de APOLLOD., li, p. 72, n. 0 1.
ACATES 4

tou seduzir. Acasto acredita e, não ousando de passagem p9r Delas. Acõncio seguiu-a até
matar o seu hóspede, que acabara de purifi- ao templo de Artemis. Aí, a jovem sentou-se
car dum assassínio, pensa levá-lo consigo para enquanto se desenrolava o sacrifício. Então,
uma caçada, no cimo do Pélio, e abandoná-lo Acõncio colheu um marmelo e, com uma faca,
aí, enquanto dorme. E, para se certificar de que inscrev~u aí a seguinte frase: «Juro pelo Tem-
as feras ou os malfeitores da montanha o não plo de Artemis casar-me com Acõncio.» De se-
deixarão com vida, esconde entre o estrume de guida, lançou habilmente o marmelo na direc-
vaca a espada do herói adormecido. Peleu, de- ção da jovem. A ama apanhou-o e entregou-o
sarmado, teria sido morto pelos Centauros da a Cidipe que, ingenuamente, leu em voz alta
montanha se um deles, o sábio Quíron, não o a inscrição. Apercebendo-se do sentido das pa-
tivesse acordado a tempo, entregando-lhe a sua lavras que estava a pronunciar, ela corou e ar-
espada (v. Peleu). remessou com violência o fruto para longe de
Tendo regressado ao seu reino, Peleu pen- si. Mas ela pronunciara, mesmo contra sua
sou vingar-se. Segundo certas versões, ele re- vontade, a fórmula que a ligava a Acõncio.
gressa para atacar Iolco, ou sozinho ou com E a deusa era testemunha do seu juramento.
a ajuda de Jasão e de Castor e Pólux. Tendo Acõncio regressou pouco depois à sua pátria,
tomado a cidade, matou Astidameia e espalhou onde vivia consumido de paixão por aquela que
os seus membros pela cidade, de forma a fa- ele considerava como sua noiva. Entretanto,
zer passar o seu exército entre os membros o pai de Cidipe preparava para a sua filha os
deste corpo retalhado. Matou igualmente esponsais que ele mesmo escolhera. Porém,
Acasto. logo a partir do momento em que se iniciaram
Mas outros autores pretendem que, durante as festas, Cidipe adoeceu repentinamente, ao
a Guerra de Tróia, Peleu, indefeso por não ponto de os esponsais terem de ser adiados para
contar com a ajuda de Aquiles, que se encon- mais tarde. De imediato, a jovem melhorou.
trava na Ásia, foi atacado por Acasto e afas- Mas, por três vezes, sempre que a tentavam ca-
tado do seu reino. Além de Astidameia, a tra- sar, ela viu-se possuída pela sua doença mis-
dição conhece uma outra mulher de Acasto, teriosa. A notícia deste facto surpreendente
Hipólita Creteide, filha de Creteu (v. Creteu). chegou aos ouvidos de Acõncio, que -acorreu
a Atenas (Cidipe era ateniense) e, hora a hora,
ACATES. ('Axá.TIJç.) 1. Acates é um troiano, dia a dia, ele ia-se inteirando do estado de
amigo fiel de Eneias, a quem acompanhou nas saúde daquela a quem amava. De tal forma o
suas viagens até Itália (v. Eneias). Uma tradi- fez que a sua paixão se tornou rapidamente
ção assegura que terá sido ele quem matou Pro- motivo de troça na cidade. Pensou-se logo que
tesilau, o primeiro Grego que terá desembar- ele teria enfeitiçado a donzela. O pai desta foi
cado em solo troiano . a Delfos interrogar o oráculo, e o deus revelou-
2. Acates é também o nome dado por Nono, -lhe que Cidipe est:iva ligada por um juramento
nas Dionisíacas, a um companheiro do deus. e que a cólera de Artemis a punia sempre que
Este Acates seria um Tirreno. ela estava na iminência de quebrar tal jura-
ACESTES. V. Egestes. mento. O pai, ao saber, deste modo, o que real-
e
* ÁCIS. Ax,ç.) Ácis era o deus do rio as-
mente se passava, colheu informações sobre a
família de Acõncio, que de modo nenhum lhe
sim chamado, próximo do Etna. Era conside- pareceu indigna de se unir à sua. Pouco tempo
rado como filho do deus itálico Fauno e da depois, um casamento feliz recompensou o es-
ninfa Simetis. Antes de ser um rio, ele amara tratagema do jovem (v. também Hermócares).
a ninfa Galateia, a quem o Ciclope Polifemo
também amava, embora sem esperanças. Este, . ACRÍSIO. ('AxptoLOç.) Abas, o rei de Argos,
brutal e ciumento, tentara, esmagar sob os ro- filho de Linceu e de Hipermestra, tivera dois
chedos o seu rival, mas Acis transformou-se filhos gémeos, Preto e Acrísio (quadro 32,
em rio, escapando assim ao gigante. p. 370). As duas crianças, que transportavam
ACÔNCIO. ('Axóvt,oç.) Vivia na ilha de consigo o ódio recíproco dos seus avós, Egipto
Ceos um jovem de grande beleza, de família e Dánao, já se batiam no seio de sua mãe e,
abastada, embora não pertencendo à nobreza. uma vez crescidos, a sua inimizade não dimi-
Um ano, participou nas festas de Delos. En- nuíra. Declararam guerra um ao outro para sa-
controu aí uma donzela, acompanhada da sua berem a quem pertenceria o trono de Argos,
ama, que viera, também ela, cumprir as suas que seu pai lhes legara ao morrer. Foi durante
devoções para com os deuses de Delas. A jo- esta guerra que se terá inventado o emprego
vem era tão bela que Acõncio ficou desde logo de escudos redondos, que viriam a ter um
apaixonado. O seu nome era Cidipe. Era filha grande sucesso na arte militar da Antiguidade.
duma personagem ilustre que na altura estava Após uma luta bastante prolongada, Acrísio

Acates: 1) V1RG., Aen., I, 120, etc.; Ov., Fasr., Acôncio: Ov., Her., XX e XXI; Trist., III, 10, 73
Ili, 603; escól.ad//., ll, 701, e EusT., adloc. ; Od .• e s.; ANTON. LIB., Transf., I; PLUT . , Qu. Gr., 27; V.
XI, 52 1 (EUST., p. 1696); TzETZ., Anteh., 230 e s. B UlTMANN, Mythologie, li, p. 115 e s.; D1LTHEY, De
2) NoNN., Dion., XIII, 309; XXXVII, 350, etc. Callimachi Cydippa, Leipzig, 1863.
Acestes: V. Egestes. Acrísio : APOLLOD., Bibl., 11, 2, 1 e s.; li, 4, 4. V.
cscól. ad EuR., Or., 965, e a APDL. RH., Arg., IV,
Ácis: Ov., Mel., XIII, 750 e s.; SERV., ad Y1RG., 1091 ; J, 40; PAUSAN., li, 16, 2; 4; 23, 7; 25, 7; HYG.,
Ec/., IX, 39. Fab. , 63.
5 ADMETE

saiu vencedor e expulsou o irmão, que partiu ACTÉON. ('Axw:(wv.) Aristeu, o filho de
para a Lícia, onde desposou a filha do rei Ió- Apolo e da ninfa Cirene, tivera de Autónoe,
bates, Ântia, a quem os trágicos chamam Es- a filha de Cadmo, um filho chamado Actéon,
tenebeia. lóbates, à frente dum exército lício, que foi criado pelo Centauro Quíron. Este
reconduziu Preto à Argólida e instalou-o em Ti- ensinou-lhe a arte da caça. Um dia, Actéon foi
rinte, cidade que os Ciclopes lhe tinham forti- devorado pelos seus próprios cães, no cimo do
ficado com muralhas de pedras enormes. Os Citéron. Sobre esta morte, há diversas versões.
dois irmãos decidiram então estabelecer um Uns dizem que ele foi punido, deste modo, por
pacto mediante o qual Acrísio reinava em Ar- Zeus ter tentado arrebatar-lhe o amor de Sé-
gos e Preto em Tirinte. Deste modo, o reino da mele . Mas a maioria dos autores atribui esta
Argólida ficava dividido em duas partes iguais. punição à cólera da deusa Ártemis, irritada por
Acrísio tinha uma filha, Dánae, que lhe dera ter sido surpreendida por Actéon a banhar-se,
sua mulher, Eurídice, a filha de Lacedémon. nua, numa nascente. A deusa transformou-o
Desejando ter um filho, foi interrogar o orá- em veado e, enfurecendo os cinquenta cães que
culo que lhe anunciou que a sua filha teria, de compunham a sua matilha, açulou-os contra
facto, um filho, mas que este o mataria. Foi ele. Os cães devoravam-no sem o reconhece-
então que, para evitar o cumprimento do orá- rem, tendo depois procurado o dono ganindo
culo, Acrísio mandou construir uma câmara por toda a floresta . A sua busca conduziu-os
subterrânea, em bronze, onde encerrou Dánae até à caverna onde habitava o Centauro Quí-
e a conservou debaixo de grande vigilância. ron que, para os consolar, esculpiu uma está-
Nada impediu, porém, que Dánae fosse sedu- tua representando Actéon.
zida. Dizem uns que o foi pelo seu tio Preto,
ACTOR. CAx,wp.) 1. Actor é um herói tes-
outros (a maioria) por Zeus, sob a forma duma
sálio, apresentado umas vezes como filho de
chuva de ouro, que se infiltrou por uma fenda
Mírmidon e de Pisídice (v. Mírmidon), sendo
do tecto até ao seio da jovem. Quando Acrí-
esta uma das filhas de Éolo, outras vezes como
sio soube que Dánae fora seduzida, não quis
um lápita, filho de Forbas e de Hirmine, a fi-
acreditar na origem divina desta sedução e me-
lha de Epeu (quadro 25, p. 268), outras vezes,
teu a sua filha, juntamente com o bebé, den-
tro dum cofre, que lançou no mar, à deriva. ainda, como filho de Hirmine e Éolo. Nesta
A criança chamava-se Perseu (v. a sua lenda), última versão ele é o pai de Augias (quadro 16,
p. 202). Quanto à sua descendência, as tradi-
e levou a cabo, mais tarde, muitos feitos, após
ções também não variam menos. Ora é consi-
Dites o ter recolhido na praia de Serifo, onde
as ondas o tinham lançado. Um dia, porém, derado como o pai de Menécio e, por conseguinte,
Perseu sentiu desejo de rever o seu avô, Acrí- o avô de Pátroclo (v. Menécio e Egjna), ora como
o pai «humano» dos Moliónidas Ewito e Ctéato
sio, e, para isso , regressou a Argos com a sua
(v. Moliónidas), e da dinastia de Élide (v. Tá/-
mãe e a sua mulher, Andrómeda. Acrísio, sa-
pio) . Como muitos heróis da Tessália, ele tem,
bendo que Perseu ,e preparava para vir ao seu
encontro, receou que o oráculo se cumprisse como se vê, um « homónimo» peloponésio.
e partiu para Larissa, no país dos Pelasgos (na Actor reinava em Feras, na Tessália , e foi
Tessália), na outra extremidade da Grécia, para junto dele que se dirigiu Peleu quando,
igualmente longe de Serifo e de Argos, e longe expulso por seu pai por ter matado Foco, pro-
do caminho que unia as duas localidades. Ora curava alguém que o quisesse purificar. Actor
acontecia que em Larissa o rei Teutãmias efec- consentiu nisso, conservou-o junto de si e, ao
tuava uns jogos em honra de seu pai e Perseu morrer, legou-lhe o reino. Nesta versão, a lenda
encontrava-se lá como concorrente. No mo- atribui a Actor um filho, Eurítion, que parti-
mento de lançar o disco, levantou-se uma ra- cipou na caçada de Cálidon, e uma filha, Fi-
jada de vento, e o disco lançado por Perseu foi lomena (v. também Eurí1ion, 3).
fatalmente desviado e feriu Acrísio na cabeça, 2. Um outro Actor, de Orcómeno, é um des-
matando-o . Perseu, apercebendo-se de que o cendente de Frixo (v. quadro 34, p. 392).
oráculo se cumprira apesar de tudo , sepultou
ADMETE. ('Aóµ~tTJ.) Admete é a heroí-
Acrísio fora da cidade e voltou para Argós. na duma lenda de Sarno. É filha de Euristeu
* ÁCRON. (Acron.) Rei da cidade sabina de e bisneta de Perseu (quadro 30, p. 352), e vive
Cenina . Após o rapto das Sabinas, foi o pri- em Argos onde é sacerdotisa de Hera Argia.
meiro a' iniciar as hostilidades contra Rómulo. Segundo uma versão da lenda das Amazonas,
Aceitou o desafio lançado por este e, perante é por causa de Admete que Héracles terá ido
os dois exércitos, deu-se o duelo dos dois che- buscar o cinto da rainha das Amazonas.
fes. Ácron foi morto por Rómulo, que o des- Admete permaneceu no cargo de sacerdotisa
pojou da sua armadura e a consagrou a Júpi- durante cinquenta e oito anos, mas quando o
ter Ferét rio, sobre o Capitólio . Foi esta a pai lhe morreu ela viu-se forçada a fugir de Ar-
origem da tradição dos Despojos Opimos. gos. Refugiou-se então em Sarno, levando con-

Ácron: P1 llT., 16; Llv., l, 10; DJ<>N. HAI ., li. 34; d. s. RElNACH. in C. M. R .. Ili. pp. 24 a 53 . Cf. W.
VAI. MAX., 111, 2. J; FioR., l. l, 11; SERv., ad Ncsn e. in A.R. W .. 1936, p. 248 e s.
V1R<;., Aen., VI, 859.
Actéon: Hl's., Th., 997; A1•rn 101>., Bibl., 111. 4, A,·1or: 1. APrn tou., Bib/., 1. 7 , 3; 8. 2; escól. ad
4; Hv,;., Fab., 181; NoNN., Dion .• V, 287 e s.; Ov .. APot. Rst., Arg., l. 558; IV, 816; D1ou. S1c.. IV. 72.
Mer., Ili, 13 1 e s.; Fu1<:., Myrh., Ili, 3: PAt•SAN.,
l, 44, 8; IX, 2, 3; EuR., Ba .. 337; Dum. Sw .. IV. 8 t; Admete: ATHEN., XV. 672 a; PAtlSAN., Vil. 4, 4.
ADMETO 6

sigo a estátua ·cultual da deusa confiada aos xado pela sorte, se porventura encontrasse al-
seus cuidados. Em Sarno, encontrou um san- guém q ue consentisse morrer em seu lugar.
tuário de Hera, muito antigo, edificado outrora Para alcançar este favor, Apolo usou dum sub-
pelos Léleges e as Ninfas. Foi aí que ela colo- terfúgio e embriagou os Destinos. Mas quando
cou a estátua. · chegou o dia fi xado para a mo rte de Admeto,
Entretanto, os Argivos, impressionados pelo ninguém aceitou sacrificar-se por ele. Apenas
desaparecimento da estátua, encarregaram uns a sua mulher, por amor, se resignou a morrer.
pi ratas tirrenos de a irem procurar. Eles espe- Mas Héracles, antigo companheiro de Admeto
ravam também que os Sâmios entregassem Ad- na expedição dos Argonautas, passou ocasio-
mete, responsável pela estátua, e a punissem, nalmente por Feras no momento da morte de
se ela tivesse sido roubada . Como o templo de Alceste. Vendo as gentes do palácio em traje
Sarno não tinha portas, os piratas não tiveram de luto e ouvindo lamentações por todo o lado,
qualquer dificuldade em roubar a estátua. Po- quis saber a razão de tudo aquilo. Quando
rém, quando quiseram pôr-se à vela, não con- soube que a rainha morrera, desceu aos Infer-
seguiram partir. Por este motivo, compreende- nos e trouxe de lá Alceste, mais jovem e bela
ram que a deusa desejava permanecer em Sarno. que nunca. Esta é a versão seguida por Eurípi-
Depuseram então a imagem sagrada sobre a mar- des no seu drama A Ices/e. Segundo uma outra
gem e ofereceram-lhe um sacrifício . Admete, tradição, H éracles não intervém na ressurrei-
entretanto, já se apercebera do desaparecimento ção da jovem esposa. Foi Perséfone que, ad-
da estátua e alerta ra os habita ntes da ilha, que mirando o seu sacrifício, a fez regressar à vida.
iniciaram buscas por todo o lado. Encontraram- Admeto teve três filhos: Eumelo, Perimele
-na, finalmente, abandonada na margem pelos e Hípaso (quadro 23, p. 258).
piratas, que já tinham partido. Eles pensaram
então que a deusa viera até ali por si própria ADÓNIS. (" Aôwv,ç.) A fábu la de Adónis é
e ataram-na com fibras de vime. Q uando Ad- uma lenda síria, a que já H esíodo se refere.
mete chegou, desato u a imagem, purificou-a e A sua forma mais aceite, em geral, é a seguinte:
consagrou-a de novo, pois ela ficara maculada O rei da Síria, Tiante, tinha uma filha , Mirra,
pelo contacto de mãos humanas, e levou-a para ou Esmirna , a quem a cólera de Afrodite sus-
o seu templo. Para comemo rar este aconteci- citou o desejo de vida incestuosa com o pró-
mento, todos os anos os habitantes de Sarno ce- prio pai . Com a ajuda da sua ama, Hipólita,
lebravam uma festa, no decurso da qual a es- ela conseguiu enga nar Tiante e manteve com
tátua de Hera era transportada até à margem, ele relações d urante doze noites. Porém, na dé-
consagrada de novo, e recebia oferendas. cima segunda noite, Tiante apercebeu-se do es-
Pausânias atribui o transporte de H era A r- tratagema da filha e perseguiu-a, de cutelo em
gia de Argos para Sarno, não a Admete mas punho, para lhe dar a morte. Mirra, nesse
aos Argonautas. transe, acolheu-se à protecção dos deuses e es-
ADMETO. ("Al\µ111:oç .) Admeto era o rei de tes transformaram-na numa árvore, a á rvore
Feras, na Tessália. Ele era filho de Feres, que da mirra. Dez meses depois, a casca da árvore
dera o seu nome à região, e de Periclímene. levantou-se, estalou e dela saiu um menino, que
Quando jovem, participou na caçada ao javali recebeu o nome de Adónis. Afrodite, impres-
de Cálidon e na expedição dos Argonautas. Por sionada pela beleza da criança , recolheu-a e
morte de seu pai, tornou-se o rei e foi então confiou-a em segredo a Perséfone, para que a
que teve ao seu serviço Apolo, como boieiro criasse. Mas esta, por seu lado, prendeu-se à
(v. Apolo). Apaixonou-se por Alceste, filha de criança, que achava muito bela, e não a quis
Pélias, rei de Iolco. Este tinha decidido que só devolver a Afrodite. Este litígio entre as duas
entregaria a sua filha a um homem cujo carro deusas foi arbitrado por Zeus; outros dizem
fosse puxado por um leão e um javali, sob o que pela Musa Calíope, em nome de Zeus.
mesmo jugo. Apolo forneceu a Admeto a pa- Ficou decidido que Adónis viveria uma terça
relha necessária, ou por ter sido muito bem tra- parte do ano com Afrodite, uma outra terça
tado durante o seu tempo de servidão, ou por parte com Perséfone, e a restante terça parte
se ter apaixonado mesmo por Admeto. com quem quisesse. Adónis passou sempre os
Tendo assim, graças à ajuda do deus, obtido dois terços do a no com Afrodite e um apenas
a mão da jovem, Admeto esqueceu-se, durante com Perséfone. Mais tarde, a cólera de Afro-
a celebração do casamento, de oferecer sacrifí- dite (não se sabe ao certo por que razões) pro-
cios a Ártemis. Esta, irritada, encheu-lhe o leito vocou contra ele um javali que o feriu mortal-
nupcial de serpentes. Apolo prometeu a Ad- mente no decurso duma caçada.
meto que abrandaria a cólera da sua irmã. Ao Este primeiro esboço do mito, em que se re-
mesmo tempo, pediu aos Destinos um favor conhece o símbolo do mistério da vegetação
para Admeto: que este não morresse no dia fi- nesta criança nascida duma árvore que passa

Admelo: APOLLOD., Bibl., I, 8, 2; 9, 16; T,e., li, 5, 38; LUCIAN., D. Syr., 8; STRAB., 755; PAUS., VI,
3, li e s. ; Ov., Her., V, 151 (verso interpolado); 24, 7; BION, I, 72; THEOCR. , xv. 102; 136 e s.; HYG.,
PLUT., Num .• 4; AcSCH., Eu., 172; 723; 728; EuR., Fab. , 251 ; Hinos órficos, 56, 9; Aus., Epit. in
Ale., passim. Glauc.; Cupido cruclftx., 57 e s.; CLEM AL., Proptr.,
p. 21 C. Cf. J. G . FRAZER, Adonis, trad. Ann Mus.
Adónis: APOLLOD., Bibl., III, 14, 4; H YG., Fab .• Guimet, XXX, Paris, 1921. Cf. E. REINER, Die ri-
58 e 161; SERV., ad
VtRG., Ec/., X, 18; Ov., Met., X, tuelle Totenklage, Tubingen, 1938; S. RoNZEVALLE,
345 e s.; SeRv., ad
VtRG., Aen. , V, 72; HYG., Fab., Mél. Univ. Saint-Joseph, Beyrouth, 1929,
164 e; THEOCR ., I, 109; III , 46 e escól.; P ROP. , m. p. 141 -204.
ADRASTO

um terço do ano debaixo da terra e que, no res- As origens semíticas desta lenda são eviden-
tante tempo, sobe à luz do dia para se unir à tes. O próprio nome do deus vem da palavra
deusa da Primavera e do Amor, foi depois em- hebraica que significa «senhor» . O culto de
belezada e aperfeiçoada. Acrescentaram-se Adónis espalhou-se no mundo mediterrânico
pormenores mais precisos sobre a origem da na época helenística, e a sua lenda figura já em
maldição de Afrodite: Cencreis, a mãe de Es- espelhos etruscos.
mirna , e a mulher de Cíniras (em vez de
Tiante), ofendera a deusa com a presunção de ADRASTO. ("Aope<a-roç.) Adrasto é um rei
que a sua filha a suplantava em beleza e foi de Argos cuja lenda se liga à da expedição dos
para castigar este delito que a deusa inspirou Sete Chefes contra Tebas. Desde que Preto par-
a Esmirna um amor criminoso. Esmirna, no tilhara o reino de Argos entre si e os dois fi-
momento em que descobriu o carácter inces- lhos de Amitáon, Biase Melampo (v. a lenda
tuoso da sua paixão, quis primeiro enforcar- de Preto e dos Prétidas, Melampo, e o qua-
-se, mas a ama apareceu-lhe a sugerir que sa- dro 1, p. 8), três famílias reinavam simultanea-
tisfizesse a sua paixão. Consumado o incesto , mente no país. Mas bem cedo a discórdia se
a jovem escondeu-se, envergonhada, na flo- estabeleceu entre as três casas. No decurso de
resta, onde Afrodite, compadecida da sua ví- um motim, Anfiarau, o descendente de Me-
tima, a transformou em árvore. Foi seu pai lampo, matou o pai de Adrasto, Tálao, que era
quem fendeu a casca com a sua espada, pondo da descendência de Bias (ou ainda Prónax, um
assim à luz do dia o pequeno Adónis, ou en- dos filhos de Tálao). Adrasto fugiu, então,
tão terá sido um javali (prefigurando deste para Sícion, para junto do seu avô materno,
modo a morte do jovem) que libertou a criança o rei Pólibo (v . quadro 24, p. 265), que mor-
da árvore, ao fazê-la sair do seu invólucro. reu sem deixar descendentes masculinos, e lhe
A imaginação dos poetas helenistas compraz- cedeu o seu reino. Rei de Sícion, Adrasto co-
-se em representar Adónis criado pelas Ninfas meçou por se reconciliar com Anfiarau e re-
e caçando ou conduzindo rebanhos nos cam- gressou ao trono de Argos. Mas, no seu íntimo,
pos e nos bosques. Quanto ao funesto aconte- Adrasto jamais perdoara ao primo o assassí-
cimento que lhe provocou a morte, af.irmava- nio de seu pai. Concecedeu-lhe a mão de sua
-se que ele fora provocado não por Artemis, irmã, Erípile, e acertou com ele que, em caso
mas pelo ciúme de Ares, o amante de Afrodite, de desacordo ulterior entre os dois, eles se de-
ou ainda pela vingança de Apolo contra Afro- veriam submeter à arbitragem da jo\'em, pen-
dite, que teria cegado Erimanto, o filho do sando desta forma garantir e\'entualmente o
deus, por ele a ter contemplado nua, enquanto meio de executar a sua ,·ingança. ,
se banhava (Eriman10). Ora aconteceu que Polinices, filho de Edipo,
A lenda de Adónis é situada quer sobre o tinha sido expulso de Tebas por seu irmão
monte Idálio, quer no Ltbano. Em Biblo, pas- Etéocles e que Tideu, filho do rei de Cálidon.
sava um rio chamado Adónis, que tomava uma Eneu, fora exilado por seu pai. na sequên.:ia
cor vermelha todos os anos no dia em que se dum assassínio (v. Tideu). Numa noice de tro-
celebrava a morte de Adónis. voada, os dois heróis apresencaram-se no pa-
Várias lendas referentes a flores surgem li- lácio de Adrasto, pedindo asilo, e ti\'eram uma
gadas à história de Adónis; não apenas a ori- discussão à porta do palácio. Adrasto. acraido
gem mítica da mirra (as lágrimas de Mirra), pelo barulho, fê-los encrar e começou por pu-
mas também a da rosa: inicialmente a rosa era rificar Tideu da mácula que pesa"ª sobre ele.
branca, mas quando Afrodite corria em so- Depois, apercebendo-se de que os dois heróis
corro do seu amigo ferido, um espinho espetou- se cinham batido como «leão e ja,·ali» (ou an-
-se-lhe no pé e a cor do sangue tingiu as flores ces, vendo a efígie destes animais represencada
que lhe são consagradas. As anémonas também nos seus escudos), recordou-se dum \'Clho orá-
terão nascido de Adónis ferido. O poeta idí- culo que dizia que ele casaria as suas filhas com
lico Bíon refere que a deusa derramou tantas um leão e um javali. Encregou então a mais \'C·
lágrimas quantas as gotas de sangue de Adó- lha, Argia, a Polinices, a mais nova. Dei-
nis, e que de cada lágrima nascia uma rosa, e pile, a Tideu, e promeceu reconduzi-los a
, de cada gota de sangue uma anémona. ambos à sua pácria e restabelecê-los nos seus
Em homenagem ao seu amigo, Afrodite ins- direitos. Assim começou a expedição contra
tituiu uma festa que era celebrada todos os Tebas.
anos pelas mulheres sírias, na altura da Prima- Participaram nesta expedição os descenden-
vera. Plantavam-se em vasos, em caixas, etc., ces de Bias e de Melampo, bem como os de
sementes que eram de seguida regadas com Preto, ou seja, as três casas que reinavam so-
água quente, para as fazer germinar mais ra- bre a Argólida. Segundo aditamentos posterio-
pidamente. Chamava-se a estas plantações res ao núcleo primitivo desta lenda, ha,ia tam-
«jardins de Adónis». As plantas, violentadas bém aliados arcádios e messénios, ou seja,
deste modo, morriam muito cedo após a sua contingentes do resto do Peloponeso, excep-
germinação, simbolizando o destino de Adó- tuando Micenas, cujos príncipes, os atridas
nis. As mulheres lançavam lamentações rituais Agamémnon e Menelau, previam que esra
sobre o destino do jovem querido de Afrodite. guerra só poderia ter um desfecho desastroso.

Adrasto: li., II, 572; PINO., Nem ., IX, 9 e ss.; HE- SAN., I, 43; IX, 9, l; PI NO., 0/ymp., VI, 19 e s.;
67; APOLLOD., Bibl., III, 6, 1 e s.; escól. ad
ROD. , V, Pwr., Thes., 29; Hvc ., Fab., 242; STAT., Theb.,
Od., XI, 326; li., XIV, 119 e s.; IV, 376 e s.; PA U- passim; AESCH., tragédia perdida Eleusinos.
Creteu ,..._, Tiro (v. quadro 23, p. 258)

"'-' ldomeneu 1 Éson Feres


1
ldomeneu li (desposa Bias)

E..-.;. ...._ Cálidon Pero,...,_, Bias ......., ldomeneu li Melampo ......., lfianira
:;...:a.::·o 26. p. 272) (ou Lisipo) J (ou lfianassa)

1 1 1
Ario Leodoco Taláo......., Lisimaca (v. Abas) Mântio Antifates "-' Zeuxipo Abas
1 ou Lisianassa (quadro 24, p. 265)
1 1
Clito 1 Ceraneu
1
Ídmon Lisimaca

Panenopeu Adrasto ,..._, Anfitea Aristómaco Prónax Erifile Anfalces Hipermestra ,_, Ecles
(,. quadro 28, 1 1 (v. Anfiarau)
p. 282) Anfitea
Hipomedeia
(v. Adrasto)

lfianira li Poli beia Anfiarau " ' Erifile

Alcméon Calírroe Anfiloco Eurídice Demonassa


(quadro 37, p . 438)
Anfitero Acárnan

A:P2 -..., PoHnices Hipodamia ......., Pirítoo Dipile


......., Tideu Egiale ......., Diomedes Egialeu Cianipo
1
7asandro Polipetes Diomedes
• :;c,adro 37, p. 438) (v. tb. quadro 29, p. 298

X
Quadro genealógico n. 0 J
9 AÉROPE

Sob o comando .de Adrasto, os Sete Chefes felizes. Mas a sua felicidade encheu-os de or-
eram: Anfiarau, Capaneu, Hipomedonte, o so- gulho e eles gabaram-se de levar uma vida mais
brinho de Adrasto, Partenopeu (que alguns harmoniosa do que Hera e Zeus. Para os cas-
consideram ser irmão de Adrasto), Tideu e Po- tigar, Hera enviou-lhes a Discórdia, Éris, que
linices. lhes inspirou o desejo de emulação. Lançaram-
Na sua caminhada, os chefes detiveram-se -se ambos ao trabalho: ele, a construir um
em Némea, onde organizaram jogos fúnebres carro, ela, a tecer. Quem primeiro terminasse
em honra do jovem Arquémoro, morto à sua deveria dar ao outro uma criada. Com a ajuda
vista por uma serpente (v. Anfiarau). Foi esta de Hera, Aédon ganhou . Ferido, Politecno re-
a origem dos Jogos Nemeus. Nas margens do solveu vingar-se. Foi a Éfeso e pediu ao sogro
Ísmeno, eles alcançaram uma primeira vitória a permissão de levar consigo Quélidon, irmã
contra os Tebanos e obrigaram-nos a recuar de Aédon, de visita a esta. Pelo caminho, de-
para dentro das suas muralhas. Porém, quando sonrou a jovem, põs-lhe roupas de escrava,
eles empreenderam o assalto, todo o exército cortou-lhe os cabelos e ameaçou-a de morte se
foi dizimado. Só Adrasto se salvou com o seu ela dissesse à sua irmã quem era. Depois, che-
cavalo Aríon (v. Aríon), célebre pela sua crina gando junto de Aédon, entregou-lha como es-
negra. Depois disto, as versões divergem. Ou crava . Quélidon serviu algum tempo sem ser
Adrasto terá conseguido persuadir os Tebanos reconhecida. Mas um dia, numa ocasião em
a entregarem-lhe os corpos das vítimas, ou en- que, junto duma fonte, ela lastimava os seus
tão (é esta a versão ateniense) Adrasto fugiu infortúnios, Aédon ouviu-a e reconheceu-a. Di-
sem parar até Atenas para se colocar sob a pro- cidiram ambas vingar-se. Mataram Ítis e
tecção de Teseu. Este teria então marchado so- serviram-no como iguaria ao pai dele; depois,
bre Tebas, teria arrebatado pela força os ca- fugiram para Mileto. Politecno soube, por um
dáveres e tê-los-ia enterrado em Elêusis. vizinho, a natureza da refeição que tomara.
De forma alguma desencorajado pelo resul- Sem demora, põs-se a persegui-las mas, de·
tado da primeira expedição, Adrasto, passa- tido pelos criados de Pandáreo, a quem as
dos dez anos, teria empreendido uma nova filhas tinham revelado tudo, ele foi ligado,
guerra contra Tebas, com os filhos dos mor- untado de mel e exposto numa pradaria .
tos. O exército era menos numeroso, mas os Atormentado pelas moscas, despertou a
presságios eram favoráveis. Os Epígonos (as- compaixão de Aédon, que afastou os insec-
sim se chama aos filhos dos primeiros heróis) tos. Este gesto provocou de imediato a indig-
tomaram Tebas e deram o ceptro real a Ter- nação de seus irmãos e de seu pai, que aqui-
sandro, filho de Polinices. Mas Adrasto per- seram matar . Zeus, porém, teve pena desta
deu o seu filho, Egialeu, morto pelo filho de família atormentada e transformou-os, a to-
Etéocles, Laodamante. O velho Adrasto mor- dos, em pássaros: Pandáreo tornou-se uma
reu de desgosto, em Mégara. Conta-se também águia do mar, Harmótoe, a mãe de Aédon,
que ele se lançou ao fogo, para obedecer a um um alcíone, Politecno, um picapau, porque
oráculo de Apolo. outrora Hefesto lhe dera como presente um
Adrasto, casado com Anfitea, a filha de Pró- picão. O irmão de Aédon foi transformado
nax, teve seis filhos. As suas quatro filhas, Ar- em poupa. Aédon, como o nome indica , em
gia, Hipodamia, Deípile, Egíale, desposaram, rouxinol, e Quélidon em andorinha (xüíowv,
respectivamente, Polinices, Pirítoo, Tideu e em grego, signif_ica andorinha). Por um fa-
Diomedes. vor especial de Artemis (que ela invocara no
momento em que o seu cunhado a violara) ,
AÉOON. ('A11õwv.) Segundo a Odisseia, Aé- Quélidon ficou a viver na companhia dos
don era a filha de Pandáreo (v . Pandáreo), e humanos.
a mulher do tebano Zeto, o irmão de Anfíon
(v. Anfíon). Ele tinha apenas um filho e inve- AÉROPE. (' AtpÓitTJ.) 1. Minos teve um fi-
java a fecundidade da sua cunhada, Níobe, a lho, Catreu, de quem nasceram três filhas e um
mulher de Anfíon. Cheia de ciúmes, ela pro- filho . Chamavam-se elas Aérope, Climene e
curara matar o filho primogénito de Níobe, Apemósine; o filho chamava-se Altemene. Ca-
Amaleu, enquanto ele dormia. Mas, por um treu interrogara o oráculo para saber como
erro, matou o seu próprio filho, Ítilo. Aflita, morreria . O oráculo respondeu-lhe que mor-
implórou a piedade dos deuses, que a transfor- reria às mãos de um dos seus filhos. Catreu não
maram num rouxinol (&11owv, em grego). revelou a ninguém este oráculo, mas não con-
Sobre o rouxinol existe uma outra lenda, seguiu impedir que Altemene o viesse a conhe-
igualmente trágica e marcada por assassínios. cer. Este, de imediato, fugiu com a sua irmã
Aédon era a filha de Pandáreo, de Mileto, e Apcmósine. Catreu, por seu lado, entregou Aé-
a mulher do artista Politecno (de nome trans- rope e a sua irmã Clímene a Náuplio, o via-
parente). Habitava com ele. em Cólofon, na Lí- jante, com a ordem de os vender no estran-
dia. Dele tivera um filho, !tis. Enquanto hon- geiro. Náuplio conduziu as duas jovens para
raram os deuses, Politecno e Aédon foram Argos, onde Aérope desposou Plístenes, o rei

Aédon: Od., XIX, 518 e s .; ANT . Lrn., Transf. , LOD. , Ep ., ed. Frazer, II, 7, 10; E uR., Or., 16 e s.;
XI. trag . perdida das Cretenses; SERv. , ad V1RG. , A en.,
Aérope: 1) APOLLOD., Bibl., III, 2, 1; escól. ad I, 4 58; H YG., Fab., 86; PA USAN . , II, 18, 2; Ov.,
li., I, 7; SO PH., Aj., 1297, e escól. ad loc .; A POL• Trist., II, 391. 2) PAUSAN., VIII, 44, 77 .
AFRODITE 10

do pais. Desta união nasceram Agamémnon e de Afrodite, Hefesto fechou-os na rede e cha-
Menelau (v. quadro 2, p. 12). mou todos os deuses do Olimpo, o que pro-
Segundo uma outra tradição, Catreu entre- vocou neles a mais viva hilaridade. A pedido
gou Aérope a Náuplio, não por recear que ela de Posídon, Hefesto consentiu em retirar a
o matasse, mas porque ela se entregara a um rede. A deusa partiu, envergonhada, para Chi-
escravo e ele incumbira Náuplio de a afogar. pre e Ares para a Trácia. Dos amores de Ares
Além disso, Aérope não se teria casado com e Afrodite nasceram Eros e Ânteros, Deimo e
Plístenes, mas com Atreu, e este seria o pai de Fobo (o T error e o Medo), a Harmonia (que
Menelau e de Agamémnon . Para conciliar as mais tarde, em Tebas, se tornou a mulher de
duas tradições, imaginou-se que Atreu era fi- Cadmo). Por vezes, acrescenta-se ainda a esta
lho (ou pai) de Plístenes e que Aérope seca- lista Priapo , o deus de Lâmpsaco, protector
sou primeiro com este e, após a sua morte, com dos jardins (segundo algumas tradições, Afro-
Atreu, e que os dois rapazes, filhos de Plíste- dite é considerada como a deusa dos jardins,
nes, foram criados por Atreu . mas isso acontece sobretudo na sua encarna-
Durante o seu casamento com Atreu, ela ção itálica, Vénus).
deixou-se seduzir pelo seu cunhado, Tiestes, e
Os amores de Afrodite não foram apenas
deu-lhe, em segredo, o cordeiro de ouro que
com Ares. Quando Mirra, transformada em ár-
garantia a Atreu o poder real (v. Atreu). Ape-
vore, deu à luz Adónis (v . Adónis), Afrodite
sar disso, Atreu conseguiu conservar a coroa
recolheu a criança, que era muito bela, e
graças à intervenção de Zeus e, para castigar
confiou-a a Perséfone. Esta, porém, não a quis
sua mulher, lançou-a ao mar.
depois entregar. A questão foi submetida a
2. Pausãnias conhece uma outra Aérope, fi- Zeus, que decidiu que o jovem deveria perma-
lha de Cefeu, que foi amada por Ares e que necer uma terça parte do ano com Perséfone,
morreu ao dar à luz um filho. Ares, contudo, outra terça parte com Afrodite e o restante
fez com que a criança se continuasse a alimen-
tempo com quem preferisse. Mas Adónis per-
tar do seio da morta.
manecia uma terça parte com Perséfone e as
AFRODITE. ('Aq,poÕ("tTJ.) Afrodite é a deusa duas terças partes com Afrodite. Adónis ha-
do Amor, identificada em Roma com a velha veria de morrer muito cedo, ferido mortal-
divindade itálica Vénus. Duas diferentes tra- mente por um javali, talvez vítima da inveja
dições se referem ao seu nascimento. Ora fa- de Ares.
zem dela a filha de Zeus e de Díone (v. Díone), A deusa amou igualmente Anquises, no cimo
ora uma filha de Úrano, cujos órgãos sexuais, do Ida, na Tróade, e dele teve dois filhos,
cortados por Crono, caíram no mar e geraram Eneias e, segundo certas tradições, Limo (v.
a deusa, «a Mulher-nascida-das-ondas», ou en- Anquises).
tão «nascida do esperma do Deus». Logo que Eram célebres as cóleras e as maldições de
emergiu do mar, Afrodite foi transportada pe- Afrodite. Foi ela quem inspirou a Eos uma pai-
los Zéfiros, primeiro para a ilha de Citera, de- xão irresistível por Oríon, como castigo por ter
pois até à costa de Chipre. Aí, foi acolhida pe- cedido a Ares . Castigou igualmente todas as
las Estações (as Horas), vestida e enfeitada, e mulheres de Lemnos por não a honrarem,
conduzida por elas para junto dos Imortais. atormentando-as com um odor de tal modo in-
Uma lenda referida por Luciano dá a enten- suportável que os maridos as trocavam pelas
der que ela terá sido, primeiro, criada por Ne- cativas trácias. As Lémnias mataram então to-
reu (cf. Hera). Mais tarde, Platão imaginou a dos os homens da ilha, e fundaram uma so-
existência de duas Afrodites diferentes: a que ciedade de mulheres até ao dia em que os Ar-
nasceu de Úrano (o Céu), a Afrodite Urânia, gonautas apareceram e lhes deram filhos (v.
deusa do amor puro, e a filh a de Díone, a Toas) . Afrodite castigou ainda as filhas de Cí-
Afrodite Pandémia (ou seja, a Afrodite Popu- niras, em Pafos, forçando -as a prostituírem-
lar), deusa do amor vulgar . Mas esta é uma in- -se com os estrangeiros (v. também Fedra, Pa-
terpretação filosófica tardia, estranha aos mi- s1Jae, etc.) .
tos mais antigos da deusa. À volta de Afrodite O seu favor não era menos perigoso. Um
formaram -se diferentes le ndas que não cons- dia, a Discórdia lançou uma maçã que deve-
tituem uma história coerente, mas episódios di- ria ser entregue à mais bela das três deusas,
versos em que intervém a deusa. Afrodite era Hera, Atena e Afrodite. Zeus ordenou a Her-
a mulher de Hefesto, o deus coxo de Lemnos. mes que as conduzisse, às três, ao monte Ida,
Contudo, amava Ares, o deus da Guerra. Ho- na Tróade, para aí serem apreciadas por Ale-
mero refere como os dois amantes foram sur- xandre, mais tarde conhecido pelo nome de Pá-
preendidos, uma manhã, pelo Sol, que logo foi ris. As deusas iniciaram perante ele um debate,
dar a novidade a Hefesto. Este preparou, em elogiando cada uma a sua beleza e prometendo-
segredo, uma armadilha: tratava-se duma rede -lhe presentes . Hera oferecia-lhe a realeza so-
mágica que só ele podia manejar. Um dia em bre todos os povos; Atena tornava-o invencí-
que os dois a mantes estavam abraçados no leito vel na guerra e Afrodite concedia-lhe a mão de

Afrodite: Od. , Vlll, 266 e s.; li., li , 819 a 82 1; III , 1896, l. li, p. 618 e s .; H. H cnER, in Elémen/s
15 e s.; IV, 10- 12; V, 1 e s. ; V, 311-317; 330 e s.; orien taux dons la religion grecque ... (recueil
HES. , Theog., 190 e ss.; ANT. LIB. , Transj., 34; anonyme), Paris, 1960, p. 61 -76, G. D EVER E UX , « La
APOLl.00., Bibl., 1, 9, 17; 4, 4; Ili , 2, 2; 12, 2; 14, Nainance d'Aphrodite», Mel. lévi Strauss, Paris,
4; Ep., IV, I; Luc. , Tragoedop., 87 e s. Cf. L. R. 1970, li , pp. 1229-1232; G. GRIGSON, Aphrodile
FARNELL, The Cults of the Greek States, Oxford, Gôllin der fiebe, Bergich Glaudbach, 1978.
AGAMÉMNON

Helena. Afrodite foi a preferida e foi ela, pois, piice. A terra, ·porém, entreabriu-se e engoliu
que esteve na OFigem da Guerra de Tróia (v. Trofónio. No bosque de Lebadeia, havia um
Helena). Durante toda a guerra, ela protegeu buraco e um monumento em pedra, com o
os Troianos e, sobretudo, Páris. Quando este nome de Agamedes. Aí se erguia o oráculo de
combateu, num combate -s ingular, contra Me- Trofónio, onde se traziam oferendas e onde se
nelau e esteve em vias de ser derrotado, foi invocava também o nome de Agamedes .
.-Vrodite quem o livrou do perigo e provocou Existe uma versão um pouco diferente desta
o incidente que fez recomeçar as hostilidades lenda: o rei não se chamava Hirieu, mas Au-
gerais. Mais tarde, protegeu igualmente Eneias gias, de Élis. Cércion, que participava no furto,
quando este ia ser morto por Diomedes, que fugiu com Trofónio até Orcómeno mas, per-
.::hegou mesmo a fer ir a deusa. Mas a protec- seguidos por Dédalo e Augias, Cércion
;:ão de Afrodite não pôde impedir a queda de refugiou-se em Atenas e Trofónio em Leba-
Tróia e a morte de Páris. Apesar disso, conse- deia.
guiu salvar a raça troiana e foi graças a ela que Segundo uma outra lenda, Agamedes e Tro-
Eneias, com Anquises , seu pai,·e lulo (ou As- fónio tinham construído um templo de Apolo
cânio), seu filho, levando consigo os Penates e, como pedissem ao deus o seu salário, este
de Trõia, conseguiu escapar-se da cidade em prometeu pagar-lhes ao fim de oito dias. En-
dianias e procurar uma terra que fosse a sua quanto esperavam, o deus aconselhava-os ale-
no,·a pátria (v. Ascânio, Eneias) . Por isso , var uma vida feliz. Na oitava noite, os dois ar-
Roma via urna protectora especial em Afrodite- quitectos morreram de morte suave. Era este
-Vénus. Esta era considerada a antepassada dos o melhor salário que o deus lhes podia dar.
lulii, os descendentes de Iulo e, portanto, de AGAMÉMNON. ('A-yaµiµvwv.) Agamém-
Eneias, filho da deusa. Por tal motivo, César non surge na lenda como o rei por excelência,
construiu-lhe um templo, dedicado à Vénus- a quem é atribuído na !/fada o comando su-
-~1ãe, a Venus Genitrix. premo do exército aqueu. Pelo nome dos seus
Os animais favoritos da deusa eram as pom- antepassados, ora é designado como um atrida,
bas. Era um casal destes animais que puxava ora como um pelópida, ou ainda como um tan-
o seu carro. As suas plantas eram a rosa e o t ál ida (v. quadro genealógico 2, p . 12) .
:nino. A Ilíada apresenta-o como o rei de Argos, ou-
AGAMEDES. ('A-yaµiiõY\ç.) Arquitecto céle- tras vezes como rei de Micenas, atribuindo en-
bre, Agamedes era filho de Estínfalo e bisneto tão o trono de Argos a Diomedes (esta última
de Árcade, o epónimo dos Arcádios (quadro versão é a do «Catálogo das Naus», passo in-
10, p. 132). A sua mulher chamava-se Epicaste, terpolado, ma is recente do que o resto do
que trouxera consigo Trofónio, que ela gerara poema). Finalmente, na tradição mais tardia,
de Apolo. Ela dera-lhe depois um filho, Cér- Agamémnon era considerado o rei da Lacede-
cion. Agamedes, Trofónio e Cércion eram três mónia , que tinha a sua capital em Amiclas.
arquitectos, todos eles igualmente hábeis, e Para a sua filiação, v. Aérope e Arreu. Aga-
construíram muitos edifícios célebres na Gré- mémnon estava casado com Clitemnestra, que
cia arcaica. Atribui-se-lhes sobretudo o quarto desempenha um importante papel na sua his-
nupcial de Alcmena em Tebas, o templo de tória. Clitemnestra, irmã de Helena e, como
Apolo, em Delfos, o de Posídon, na Arcá- ela, filha de Leda e Tíndaro (quadro 19.
dia, no caminho de Mantineia para Tégea, e p. 242), estivera primeiro casada com Tântalo,
um tesouro do rei de Hiria, Hirieu, na Beócia. filho de Tiestes, mas Agamémnon tinha morto
.-\ propósito deste tesouro, conta-se a seguinte Tântalo ao mesmo tempo que um seu filho,
lenda: Agamedes e Trofónio, que tinham sido recém-nascido, filho dele e de Clitemnestra.
encarregados da sua construção, colocaram tão Depois deste duplo assassínio e do casamento,
habilmente uma pedra que lhes era fácil forçado, de Clitemnestra com Agamémnon, os
deslocá-la e, de noite, retiravam objectos do Dioscuros, Castor e Pólux, irmãos de Clitem-
tesouro do rei. Este apercebeu-se dos furtos e, nestra, perseguiram Agamémnon que teve de
para prender os culpados, pediu conselho a Dé- procurar asilo junto de seu sogro, Tíndaro. Por
dalo. Este urdiu um estratagema que apanhou fim, Castor e Pólux consentiram em reconci-
Agamedes. Trofónio cortou-lhe a cabeça para liar-se com Agamémnon. Porém, a união de
que ele não pudesse revelar o nome do cúm- Clitemnestra, que começara com um crime, es-

Agsmedcs: PAUSAN .• VIII. 4, 8: 10, 2: IX. 11. I: A POI L()l)., Ep .. Ili. 17 e s.; SoPH., EI .. 566 e s.:
37: 3-7; 39, 6; S-rRAB., IX, li . I. p. 421: escól. ad HH;., Fab .. 98: El'R., lph . Aul.. 88; es,ól. ad. li ..
ARISTOPH., Nu .• 500; P1.AT., Axioch., 367c: H_vmn. 1. 108: T ZET7 .. ad L_l'C ., 183; SOPH ., /r. (Nauck), p.
hom. Apo/1. , 11 8; P1 u T., Cons. ad Ap., 108, 39: 128; Phil .• µassim: li .. I, 366 es .• Od., VIII , 75 e s.:
Cw. , Tusc., 1, 47, v. também Trofónio; cf. A. H. li.. li e s.: XI. 92. 101, 122: XIX, 56 e s.; Od. . XI.
KRAP PE .. in Arch. /. Rei. Wiss .. XXX (1933). 547 e s.: 422: 111. 141 e s.: cf. PA USAN .. li. 16, 6:
p . 228-241. Od .. Ili, 263 e s.; IV, 524: XI. 421 e s.: P1No .. P_vth .,
XI, 17 e s.: AESCH .. A .. 141 7; SoPH .• EI .. 530; A POL-
1º"·· Ep .. VI, 23: SENEC., A g., 875 e s.: SERV., ad
Agsmémnon: EuR .. lph. Aul., passi111, not. 1149 V1Rc .. Aen .. XI. 268 e s .. ele.: H l'c., Fab., 117; cf. ,e
e s.; 337 e s .; ele.: APOII 01>., Ep .. ed. Frazcr, li. 15: entre outras obras. N11 SSON, Hommer and Mycenae,
Ili. 7; PAUSAN .• 11, 18. 2: 22, 2es.: HYG., Fob. , 88. Londres, 1033; LEAF, Homer and History, Londres.
li., I X. 142 e s .; SOPH., EI .. 157: EuR .• Or .. 23; li., 1915, e a introdução de P. MA ZON à sua edição de
11, 299-300: Cic .• De Diu., li, 30; Ov .. Met .. XII. l'l/iade. P aris. 1949; L. MARRIE, Zeus Aga111e111no11
11 a 23: AES<'H., A .. µassim; escól. ad li.. 1. 59; in Sparta. Arch. f. Rei. W, XXIII, p. 359 e s.
Zeus ,..._, Pluto Minos " ' Pasífae
(quadro 30, p. 312)

Tântalo ,..._, Dione (ou Eurianassa)


1 Cat reu
1 1
l?~;,s -.. Hipodamia Bróteas Niobe

1
.\;tJdamcia Crísipo Trézen Ciro Piteu Alcátoe Tiestes l Nicipe A\reu -.. Aérope Clímene Náuplio Altemene Apemósine
(quadro 32, (ou
1 1 1
Egeu ,-..., Etra Pcribeia"' Télamon Z p. 370) Pllstenes)
1
2 Éax Palamedes Nausimedome
Teseu Ájax
2
1 1
Plístcncs II ' l
Tântalo li Pelópia
1
Tindaro Egisto
,..._, Leda
Zeus
1
1

C2E:r PolUJ< Filónoe Timandra Helena Clitemnestra Agamémnon ,-..., Cassandra Menelau ,-..., H elena Anaxíbia L Estrófio
(quadro 15, p. 200)

Crisótemis Laódice
(ou Electra)
lfianassa
(ou lfigénia)
Orestes
h
Pélops li Tclédamo
1
Pílades
(quadro 31, p . 370)

Quadro genealógico n. 0 2
13 AGAMÉMNON

ta,-a amaldiçoada, como o mostra a sequên- non, numa querela que prefigura aquela que
cia da lenda. · diante de Tróia fará os Gregos correrem
De Clitemnestra, Agamémnon teve.três fi- grandes riscos. Foi em Lemnos que, na
lhas, Crisotémis, Laódice e lfianassa, e um fi- mesma altura, Agamémnon mandou deixar
lho, o mais novo, Orestes. É este o primeiro Filoctetes, cuja ferida espalhava um odor
estado da lenda. Depois surge uma filha, Ifi- nauseabundo e cujos gritos perturbavam os
génia, distinta de Ifianassa e, finalmente, em sacrifícios.
vez de Laódice, os poetas trágicos referem Elec- Passaram-se depois os primeiros nove anos
cra, que é totalmente desconhecida do autor da do cerco a Tróia. No décimo, Agamémnon
llíada. Destes filhos, os trágicos conhecem so- participa com Aquiles em diversas acções de
bretudo Ifigénia e Electra, bem como Orestes. pirataria contra as cidades da vizinhança. Dos
A Guerra de Tróia. - Na altura em que despojos recolhidos, Aquiles ficou com Bri-
uma multidão de pretendentes procurava ob- seide e Agamémnon com Criseide, a filha do
ter a mão de Helena, Tíndaro, a conselho de sacerdote de Apolo, Crises. Este, contudo, exi-
Llisses, comprometera-os por juramento ares- giu a sua filha em troca dum resgate. Agamém-
peitar a decisão de Helena e não negar ao pre- non recusou. Como castigo, Apolo fez surgir
tendente escolhido a posse da jovem mulher. uma peste no exército grego. Inicia-se aqui o
Além disso, se ele fosse atacado, os outros de- relato da Ilíada. A assembleia dos soldados
veriam vir em seu auxílio. Quando Páris rap- obriga Agamémnon a entregar Criseide, mas
tou Helena, Menelau veio pedir ajuda a Aga- este exige, em contrapartida, que Aquiles lhe
mémnon. Este lembrou aos chefes o seu dê Briseide. Foi este o pretexto da cólera de
juramento, e assim se formou o núcleo do exér- Aquiles, que recusou o pedido de Agamémnon
cito que deveria atacar Tróia. Agamémnon foi e se retirou para a sua tenda. Agamémnon pro-
escolhido por todos como comandante su- cede então à reclamação oficial de Briseide,
premo, tanto por causa do seu valor pessoal através de dois arautos, Taltíbio e Eunb ates.
como pelos resultados duma hábil campanha Aquiles não tem outra alternativa, entrega a
eleitoral. As tropas juntaram-se em Áulide. Se- jovem, mas recusa-se a combater. A pedido de
gundo a //fada, Zeus envia logo um presságio Tétis, Zeus envia a Agamémnon um sonho en-
favorável: após um sacrifício a Apolo, uma ser- ganador, fazendo-lhe crer que seria possível
pente lançou-se, vinda do altar, na direcção conquistar Tróia sem Aquiles. Aliás, um ve-
duma árvore próxima e devorou oito peque- lho oráculo dera a conhecer a Agamémnon que
nos passarinhos num ninho, bem como a mãe, Tróia cairia quando houvesse discórdia no
nove ao todo. Depois disto, a serpente campo dos Aqueus .
transformou-se em pedra. Calcas, o adivinho, Os combates recomeçam, com a intervenção
disse que Zeus pretendia, por este meio, indi- directa de Agamémnon, que leva a cabo diver-
car que Tróia seria tomada após um período sas façanhas; é, porém, ferido e obrigado a
de dez anos. Ésquilo dá conta de um outro pro- abandonar os combates. Após o ataque ao
digio: uma lebre prenha despedaçada por duas acampamento grego, vendo que tudo se per-
águias. Calcas interpretou este sinal dizendo deria se Aquiles não voltasse a combater a seu
que Tróia seria destruída, mas que Ártemis se- lado, Agamémnon reconcilia-se com ele,
ria desfavorável aos Gregos. reenvia-lhe Briseide, promete-lhe a mão de uma
Segundo um poema posterior à !/fada (sem das suas filhas e preciosos presentes . A partir
dúvida Os Cantos Cfprios), os Gregos, que não desta altura, a questão de Agamémnon deixa
conheciam o caminho para Tróia, vão parar ini- praticamente de existir na Ilíada, e todo o in-
cialmente às costas da Mísia, e, após vários teresse se concentra em Aquiles.
combates, são dispersos por uma tempestade As epopeias posteriores narravam outras in-
e regressam, cada um ao seu país (v. Aquiles). tervenções de Agamémnon nos acontecimen-
Oito anos após (õSte desaire, os Gregos reúnem- tos que se seguiram à morte de Heitor, e à de
-se de novo em Aulide. Porém, o mar continua Aquiles, especialmente os combates que se tra-
fechado à navegação, devido a uma persistente varam à volta do seu cadáver, e as disputas pela
calmaria. Interrogado, o adivinho Calcas res- posse das armas do herói (v . Ájax, filho de Té-
ponde que esta calma se deve à cólera de Árte- lamon, e Ulisses). A Odisseia conta que, após
mis. Esta cólera tem várias causas: ou porque a tomada de Tróia, na divisão dos despojos,
Agamémnon, ao matar uma corça, terá decla- coube-lhe em sorte a profetisa Cassandra, fi-
rado que nem Ártemis teria conseguido fazer lha de Príamo . Dela teve dois gémeos, Telé-
melhor, ou porque outrora Atreu não tinhasa- damo e Pélops.
crificado o cordeiro de ouro à deusa (v. Atreu), O regresso de Agamémnon e a sua partida
ou, ainda, porque Agamémnon prometera à de Tróia também deram origem a relatos épi-
deusa sacrificar-lhe o mais belo produto do ano cos. A Odisseia alude já a uma querela entre
em que lhe nascera a sua filha Ifigénia e não lhe Agamémnon e Menelau, em que este queria re-
tinha sacrificado a jovem. Por todas estas ra- gressar logo depois do fim da guerra, enquanto
zões, a deusa exigia um sacrifício, o de Ifigé- Agamémnon desejava permanecer ainda o
nia. Agamémnon consentiu, ou por ambição tempo suficiente para se reconciliar com Atena,
ou então preocupado com o bem público, o que por meio de presentes. Os poemas sobre os Re-
aumentou ainda mais os motivos de queixa de gressos narravam também como no momento
Clitemnestra contra seu marido. do embarque lhe apareceu a sombra de Aqui-
Finalmente, a expedição partiu. Em Téne- les, procurando retê-lo, anunciando-lhe todas
dos, a frota fez uma paragem para descanso as suas desgraças futuras. A sombra exigia-lhe
e foi aqui que, pela primeira vez, surgiu a também o sacrifício de Políxena, uma das fi-
hostilidade latente entre Aquiles e Agamém- lhas de Príamo .
.,

AGAPENOR 14

Quando chegou à sua pátria, Agamémnon dele. Mais tarde, Dioniso, o filho de Séniele,
era observado por um espião enviado por vingou sua mãe e castigou cruelmente Agave
Egisto, o amante de sua esposa. Egisto convida pela sua calúnia. Quando Dioniso chegou a Te-
Agamérnnon para um grande banquete e mata- bas, onde na altura reinava Penteu, ordenou
-o, a ele e aos seus companheiros, com a ajuda a todas as mulheres da cidade que se dirigis-
de vinte homens, escondidos na sala do festim. sem ao monte Citéron para aí celebrarem os
Outras versões da mesma lenda mostram Cli- seus mistérios. Penteu , que se opunha à intro-
temnestra participando neste massacre, e ma- dução do rito, tentou espiar as ·Bacantes. Des-
tando também Cassandra, a sua rival. Píndaro coberto por sua mãe, ele foi apanhado por um
acrescenta que, no seu ódio contra a raça do animal feroz e, no seu delírio, a própria mãe
marido, ela queria também matar Orestes, o o despedaçou, membro a membro (v. Penteu).
seu próprio filho. Nos poetas trágicos, as cir- Quando voltou a si, Agave, assustada, fugiu
cunstâncias variam: ora Agamémnon é ferido de Tebas para a Ilíria, para junto de Licoter-
no decurso do banquete, como em Homero, ses, o rei do país, com quem se casou. Porém,
ora é morto no banho, no momento em que, mais tarde, ela matou-o, para assegurar a posse
embaraçado com a camisa que a sua mulher do reino ao seu próprio pai, Cadmo.
lhe dera e cujas mangas ela cosera, ele não se
podia defender . Higino diz que o instigador do AGDÍSTIS. (" Ayôumç.) A lenda de Agdís-
assassínio foi Éace, o irmão de Palamedes, que tis é uma história oriental, originária de Pes-
procurava deste modo vingar a lapidação deste, sinunte, o país da Grande Mãe dos Deuses, Cí-
ordenada por Agamérnnon. Éace teria contado bele, e que nos é referida por Pausânias. Tudo
a Clitemnestra que Agamémnon se preparava começa num sonho de Zeus, em que este deixa
para a substituir por Cassandra. Isto teria mo- cair semente sua sobre a terra. Esta semente
tivado Clitemnestra para o crime. Ela tê-lo-ia gerou um ser hermafrodita, chamado Agdís-
ferido com um machado, enquanto ele ofere- tis. Os outros deuses agarraram-no, castraram-
cia sacrifícios aos deuses, e tê-lo-ia morto ao -no e, do membro cortado, surgiu uma amen-
mesmo tempo que a Cassandra. Esta versão doeira. A filha do deus-rio Sangário colheu
uma amêndoa desta árvore e colocou-a no seio.
assemelha-se bastante à história de Egíale e de Ficou grávida e deu à luz um rapaz, chamado
Diomedes. Átis, que ela expôs. A criança foi protegida e
Sabe-se como, em seguida, Agamémnon foi alimentada por um bode. Cresceu e adquiriu
vingado por seu filho Orestes (v. Orestes).
uma beleza tão extraordinária que Agdístis
AGAPENOR. ('Ayot1tiivwp .) Agapenor fi- (que era então apenas mulher) se apaixonou
gura, na 1/{ada, no «Catálogo das Naus», por ele. A fim de o subtraírem às suas perse-
como chefe do contingente arcádio. A sua re- guições, os pais de Átis enviaram-no para Pes-
sidência é em Tégea. Filho de Anceu e de lo, sinunte, para aí desposar a filha do rei. Tinham
ele é neto de Licurgo (quadro 28, p. 282). já entoado o hino ao Himeneu quando Agdís-
É como antigo pretendente de Helena, e ligado tis apareceu. Átis, ao vê-la , ficou louco e
pelo juramento prestado a Tíndaro (v. Aga- castrou-se. O rei de Pessinunte, que lhe entre-
mémnon), que ele participa na expedição con- gava a.filha, fez o mesmo. Agdístis, desgos-
tra Tróia . tosa, conseguiu que o corpo de Átis, que fale-
No regresso, Agapenor foi dar à ilha de Chi- cera devido ao ferimento, permanecesse
pre, após um naufrágio. Aí, fundou a cidade incorruptível.
de Pafo e edificou um templo a Afrodite. Foi Conhece-se uma outra versão do mesmo
na altura em que ele se encontrava ainda em mito: na fronteira da Frígia, havia uma falé-
Tégea que os filhos de Fegeu, Agenor e Pró- sia deserta, chamada Agdo. Cíbele era aí ado-
noo, encontraram aí os dois filhos de Alcméon, rada sob a forma duma pedra. Zeus, apaixo-
que mataram, para vingar o assassínio de seu nado pela deusa, tentou, em vão, unir-se-lhe.
pai. Mas, como o não conseguisse, depositou o seu
sémen sobre um rochedo ali próximo. Dele nas-
AGAVE. (' Ayotuii.) Agave é a filha do rei de ceu Agdístis, um ser hermafrodita, que Dioniso
Tebas, Cadmo, e da sua esposa, Harmonia. As embriagou e castrou. Do seu sangue nasceu
suas irmãs são !no, Sémele, Autónoe. Tem uma romãzeira cujo fruto a filha do deus San-
como marido Equíon e como filho Penteu (v. gário, Nana, colocou no seio, o. que a fez en-
quadro 3, p . 66). gravidar. Foi esta a origem de Atis. Sangário
A sua irmã Sémele fora morta pelo raio ordenou-lhe que expusesse a criança, que foi
quando, de forma imprudente, pedira a Zeus, recolhida por transeuntes e alimentada com mel
seu amante, que se lhe mostrasse com todo o e com «leite de bode» (sic). Daí o ter-se cha-
seu poder. Agave espalhou o boato de que Sé- mado Átis, que significa bode em Frígio (at-
mele tivera uma aventura com um mortal e que tagus), ou ainda «O Belo». Como Agdístis e
Zeus a castigara por ela pretender estar grávida Cíbele disputassem o jovem, que se tornara

Agapenor: //., II, 609 e s.; HVG., Fab., 97; A POL• 38 e s.; Eua., Ba. • passim, e 1043 e s.; Ov., Met., Ili ,
LOD., Bibl., III, IO, 8, 7, 6 e s.; Ep .• V(, 15 (ed. Fra- 5 11 e s.; H vG., Fab .• 184; 240; 254; SJlRV., ad V!RG.,
zcr, p. 259); ibid., 111 , 11; PAUSAN . , Vlll, 5, 2; Lvc., Aen., IV , 469, ele.
479; TzETz. , ad Lyc., 902.
Agdístis: PA USAN., VJI, 17, 9 e s. cf. '· 4, 5; AR-
Ágave: HES., Theog., 975 e s.; APOLLOD., Bibl., NOH ., Adv. Nat., V, 5; 12 e s.; cf. os art. Átis e Cí-
JII, 4, 2, 3; D10 0. S1c., IV, 2, I; PINO., 0/ymp., JI , bele.
15 AIO LOCÚCIO

muito belo.e que o rei de Pe§sinunte, Midas, além disso, Aglauro intervém, com as suas ir-
desúnava para a sua filha, Atis e os seus se- mãs, na lenda de Erictónio. Atena criava em
guidores foram atingido~ de loucura por Ag- segredo o pequeno Erictónio, nascido duma
dístis, de tal modo que Atis se castrou sobre paixão que Hefesto tivera por ela. Guardava-
um pinheiro e morreu. Cibele sepultou os seus -o numa cesta, entregue aos cuidados das três
membros, mas do sangue que correra da ferida filhas de Cécrops. Era Pandroso quem cui-
nasceram violetas à volta do pinheiro. A filha dava, de modo especial, daquele «depósito».
de Midas matou-se de desespero, e do seu san- As suas irmãs, cheias de curiosidade, não se
gue nasceram também violetas. Cíbele contiveram e abriram a cesta, dentro da qual
sepultou-a igualmente e sobre a sua campa viram a criança, rodeada por uma serpente.
cresceu uma amendoeira. Zeus, tocado pelas Tomadas pelo medo, enlouqueceram e
preçes de Agdístis, concedeu-lhe que o corpo precipitaram-se do alto dos rochedos da Acró-
de Atis não se corrompesse, que os seus cabe- pole. Uma gralha veio contar a Atena a indis-
los continuassem a crescer e o seu dedo min- crição das três jovens (v. Erictónio).
dinho a mexer-se. Agdístis transportou então Ovídio conta, ao contrário, que Aglauro, se
o cadáver para Pessinunte, onde o enterrou e bem que a mais culpada, não foi atingida de
fundou uma confraria de sacerdotes e uma loucura. Mais tarde, mostra-se ciumenta da sua
festa em sua honra. irmã Herse, que foi amada por Hermes. O deus
AGENOR. ('AyiJvwp.) Age!1or descende, acabou por transformá-la numa estátua de pe-
pelo lado dç lo e do seu filho Epafo, do pró- dra (v. Se(ce).
prio Zeus. Epafo, com efeito, teve UJila filha, ÁGRON. ("Aypwv.) Na ilha de Cós, vivia um
Líbia (a que deu o nome à zona de Africa as- homem chamado Eumelo, filho de Mérope. Ti-
sim chamada), a qual gerou de Posídon dois nha duas filhas e um filho, todos três muito
gémeos, Agenor e Belo (quadro 3, p. 66). En- arrogantes. As filhas chamavam-se Bissa e Me-
quanto Belo reinava sobre o Egipto, Agenor rópide, o rapaz Ágron. Habitavam num do-
estabeleceu-se na Síria. Ele reinou sobre Tiro mínio afastado, cultivando a terra, que lhes
ou Sídon. Desposou Telefaassa e dela teve vá- fornecia abundantes colheitas. Por isso,
rios filhos: uma filha, Europa, e três filhos, limitava·m-se a render culto à Terra, despre-
Cadmo, Fénix e Cílice. Quando a sua filha Eu- zando os outros deuses. Se convidavam as jo-
ropa foi raptada por Zeus, que revestira a vens para uma festa de Atena, o irmão recu-
forma dum touro, Agenor enviou os filhos à sava em vez delas, dizendo que ele não amava
sua procura, com ordem de não regressarem as mulheres com olhos de coruja (era a cor dos
antes de a encontrarem. Os jovens partiram e, olhos de Atena); se os convidavam para uma
à medida que a sua busca se lhes revelava in- festa de Hermes, ele dizia que não amava os
frutífera, foram fundando cidades onde se es- deuses ladrões; se o convite era para Ártemis,
tabeleceram: na Cilícia, em Tebas, em Taso, respondia que não gostava das mulheres que
na Trácia. Fénix estabeleceu-se na Fenícia. correm durante a noite. Em suma: eram só in-
As tradições divergem quanto ao nome dos sultos aos deuses . Irritados, Ártemis, Hermes
filhos de Agenor. Eurípides no meia Cílice, Fé- e Atena decidiram vingar-se e, uma tarde,
nix e Taso. Pausânias nomeia Taso e Heródoto dirjgiram-se todos três à casa dos jovens. Atena
fala de colónias fenícias estabelecidas na ilha e Artemis tinham-se disfarçado de donzelas e
deste nome, bem como de uma colónia esta- Hermes de pastor. Hermes convidou o pai e
belecida na ilha,de Tera pqr Cadmo. Diodoro o filho para um banquete que os pastores,
da Sicília conhece uma fundada também por afirmava ele, davam em honra d e Hermes.
Cadmo, em Rodes . Estas lendas constituem E pediu-lhes que enviassem ,Bissa e Merópide
tradições locais que guardam lembrança de para o bosque de Atena e Artemis. Ao escu-
fundações fenícias, cuja expansão elas assina- tar o nome de Atena, Merópide pôs-se a
lam. insultá-la. Imediatamente foi transformada em
Por vezes, considera-se como mulher de coruja. Bissa tornou-se a ave de J.,eucótea (uma
Agenor Argíope e não Telefaassa, ou então a gaivota), Eumelo um corvo e Agron uma ta-
sua sobrinha, Antíope, filha de Bel9. rambola.
V. outros heróis homónimos no Indice I.
• AIO LOCÚCIO. (Aius Locutius.) Aio Lo-
AGLAURO . (" AyÀaupoç ou "AypauÀoç .) cúcio, cujo nome contém duplamente a ideia
A lenda dá conta de duas Aglauro. de falar (aio e loquor) , é um deus misterioso
I. A primeira é a fi lha de AcJeu, o primeiro que apenas se manifestou numa ocasião, por
rei de Atenas, e a mulher de Cécrops, de quem a lturas da invasão gaulesa, em 390 a . C., por
ela teve um filho, Erisícton, e três fi lhas, meio duma voz anunciando a aproximação do
Aglauro, Herse e Pandroso (v. quadro 4, p. 79). inimigo. Mas após a tomada de Roma e
2. Aglauro, a filha da precedente, foi amada quando os Gauleses foram expulsos, Camilo,
por Ares, de quem teve uma filha, Alcipe. Para o ditador, para reparar a falta de respeito de

Agenor: APOLLOD., Bibl., li, 1, 4; III, I; Ov., Aglauro: APOLLOO., Bibl. , Ili , 14, 2; 6; HYG. ,
Met., li, 838; Ili, 51; 97; 257; H EROD., IV, 147; Fab . , 166; Ov. , Met., li, 560 e s.; 7 10 a 835.
VI, 46 e s.; li, 44; SERV., ad V!RG., Aen., Ili, Ágron: ANT. LIB., Transf., 15 (segundo Boios,
88; escól. ad EuR., Phoen . , 8; PAUSAN., V, 25, Ornithogonio, !).
12; º 'ºº·SIC., V. 59, 1 e s.; HYG., Fab., 6, 178, Aio Locúcio: Ctc., de div., 1, 101; li, 69; A. GEL.,
170. N. A., XVI, 17; L1v., V, 32, etc.
ÁJAX 16

que ele se tqrnara culpado para com esta voz dra, os Locrenses enviassem cada ano a Tróia
divina, erigiu-lhe um santuário no sítio o nde duas donzelas , tiradas à sorte, o que foi feito.
a voz fora escutada, no ângulo norte do Pala- Os Troianos mataram as duas primeiras que
tino. chegaram e espalharam as suas cinzas no mar.
1. ÁJAX, filho de Oileu. (Aiaç.) Ájax, da Ló- As seguintes foram , depois, bem acolhidas e
crida , é chama40 «o filho de Oileu», para o colocadas ao serviço da deusa Atena. Mas ti-
distinguir de Ajax, filho de Télamon, ou nha subsistido o costume de, à sua chegada,
«o grande Ájax». Fii:ura entre os heróis que a populaça as perseguir, armada de paus, ten-
tando dar-lhes a morte. Caso escapassem ,
combatem contra Tróia, como chefe do con-
dirigiam-se ao santuário de Atena, descalças,
tingente locrense, à frente de quarenta naus. Ele
e aí permaneciam virgens, até uma idade bas-
combate ao lado do seu homónimo, o filho de
tante a vançada. Assim foi expiado, durante
Télamon, mas enquanto este é um guerreiro
muito tempo após a sua morte, o sacrilégio co-
«pesado», o filho de Oileu é pequeno,,armado
duma couraça de linho e dum arco. E rápido metido pelo filho de Oileu, contra a sacerdo-
e desempenha a função que na época clássica tiza Cassandra.
será transferida para os peltastas. Participa em II. ÁJAX, filho de Télamon (Ar,xç.) Ájax,
todos os grandes combates, referidos na Ilíada: filho de Télamon (v. quadro 31, p. 352), é o
entra no sorteio para o duelo projectado com «grande» Ájax. Ele reina sobre Salamina e
Heitor, luta junto das naus, à volta do corpo chega a Tróia, à frente de doze naus, o con-
de Pátroclo e concorre aos jogos fúneb res da- tingente da ilha. No campo de batalha aqueu,
dos em honra de Pátroclo por Aquiles. ele ocupa a a la esquerda. Depois de Aquiles é
Reconhece-se-lhe um mau carácter. Do ele o herói mais forte e mais valente de todo
ponto de vista moral, distingue-se também do o exército. Forte, de elevada estatura, belo, ele
seu homónimo: arrogante, cruel para com os é calmo e senhor de si. Apresenta-se fortemente
inimigos, atreito a querelas, ele é, além disso, armado. O seu escudo é notável: foi feito com
ímpio, e as suas faltas acabaram por arrastar sete peles de boi sobrepostas. A oitava camada,
consigo a perda duma grande parte do exér- no exterior, é uma placa de bronze.
cito grego. A sua falta maior é o sacrilégio co- Moralmente, o filh o de Télamon é o oposto
metido contra Atena e que atraiu sobre si a có- do «pequeno A jax»: pouco falador, benevo-
lera da deusa. Durante a tomada de Tróia, lente, ele teme os deuses. Mas, se ele é mais sé-
Çassandra refugiara-se junto do altar da deusa. rio do que Aquiles, com quem partilha tantos
Ajax quis arrancá-la à força da estátua a que traços em comum, a sensibilidade, o gosto pela
ela se abraça va e arrastou a jovem e a estátua. música, a ternura do filho de Tétis, são coisas
Por este delito para com as leis religiosas, os que lhe faltam completamente. Ele é, antes de
Aqueus quiseram lapidá -lo, mas Ájax, por seu mais, um guerreiro, um pouco rude.
lado, foi refugiar-se junto do altar da deusa e Ájax é o herói designado pela sorte para
escapou assim à morte. Porém, durante a via- combater, em combate singular, contra Hei-
gem de regresso, Atenas enviou uma tempes- tor. Derruba-o com uma pedra, mas os arau-
tade que destruiu, perto da ilha de Mícono, nas tos interrompem o combate. Q uando os
Cíclades, um grande número de naus, entre as Aqueus sâo derrotados, ele é dos únicos q ue
quais a que transportava Ájax. Mas, entre- tenta deter Heitor, mas em vão . É ferido e não
tanto, o herói foi salvo por Posídon, qve o pode permanecer até ao fim . Faz parte da em-
trouxe à superfície. Então, o próprio Ajax baixada a Aquiles, para tentar demover este da
vangloriou-se de ter sobrevivido, apesar da có- sua decisão . Reprova-lhe o seu egoísmo e du-
lera da deusa. Face a isto, Atena rogou a Po- reza inabaláveis face aos desaires dos Gregos.
sídon que o matasse e o deus, com um golpe Quando Heitor lança o assalto contra as naus,
de tridente, quebrou o rochedo sobre o qual é ao redor de Ajax que se concentra a resistên-
se refugiara e afogou-o. Conta-se também que cia dos Aqueus. E é a ele que se dirige Posí-
foi a própria Atena que o fulminou, utilizando don, inquieto, pedindo-lhe que redobre os es-
o raio, a arma de _seu pai Zeus. forços. Fere Heitor com uma pedrada, mas este
O sacrilégio de Ajax, contudo, continuou a volta a si, com redobrado ardor e obriga-o a
pesar sobre os seus compatriotas, os Locren- defender-se em cima da própria nau. Quando
ses. T rês anos após o regresso dos heróis de Heitor lhe quebra a lan~. ele vê nisso a von-
Tróia, rebentaram epidemias na Lócrida e tade dos deuses e foge. E neste momento que
houve uma série de más colheitas. Interrogado Pátroclo entra em cena e força os Troianos a
o oráculo, este respondeu que tais flagelos eram recuarem . Ájax regressa ao combate após a
a manifestação da cólera divina e que Atena morte de Pátroclo, e Heitor está a ponto de o
só seria apaziguada se, ao longo de mil anos, atacar. Fá-lo-ia se Zeus, para respeitar os des-
para expiar o rapto (e a violação) de Cassan- tinos que reservam Heitor para os golpes de

Ájax 1: //., XIII, 46; XXIII, 754; 483; cscól. a Ájax O://, II 557; VII, 183; XI, 472. XIII, 46; XX!ll,
XIII, 66; Od., IV. 499 e s.; PAUSAN., X, 31, 1-3; 842; Od., XI, 469; SoPH., Aj., passim; PLAT., Smp.,
CALLIM. , Ai/ia(?), passo perdido; PROP., IV, 1, 219c; APOLLOD., Bibl., Ili, 12, 7; PLUT., Thes., 29;
11 8 e s., CJc., De Or., li, LXVI, 265; HYG., Fab., P1No., /slh., V, 37; HYG., Fab., 81; Otcr. CR.; !, 13;
116; PLIN., N. H., XXXV, 60; TZETZ., ad Lyc., Ov., Met. , XIII, 384; 284 e s.; QutNT. SM., Posth.,
1141; PROCL., Chrest., p. 461; SoPH., Trag. per- IV, 500 e s.; PROCL., in Ep. Gr. Fr. (Kinkel), p. 36;
dida de Ájax, o Locrense; cf. Th . Z tELINSKt, in 5 e s.; HYG., Fab. , 107; APOLLOD., Ep., V, 6-7; cf.
Eos, 1925, pp. 37-50. P. VON DER MOHLL, Der grosse Aias, Bãlc, 1930.
ALALCOMENEU

Aquiles, não envolvesse os dois heróis numa doro). Ájax perseguiu igualmente os rebanhos
nuvem. dos Troianos, no cimo do Ida e no campo. Mas
Durante os jogos fúnebres celebrados por foi após a morte de Aquiles, durante os últi-
Aquiles, ele lutou contra Ulisses. Nenhum dos mos episódios da guerra, que as lendas desen-
dois saiu vencedor. Aquiles deu o prémio a am- volveram as aventuras de Ájax: mostram-no
bos. No concurso de esgrima, contra Diomedes, a recolher o filho de Aquiles, Neoptólemo-
ele não é vencido mas também não chega a vencer -Pirro, tratan.do-o como um filho e comba-
o seu adversário . Mas ele lança o disco menos tendo a seu lado . Combate também com o ar-
longe do que qualquer um dos seus concorrentes. queiro Filoctetes, tal como combatia, na Ilíada,
As lendas posteriores à Ilíada embelezl\)"am ao lado do arqueiro Teucro. Acabada a guerra,
esta figura, tentando aproximá-la da de Aqui- ele exige que Helena seja condenada à morte,
les. Tal como este, consideraram-no o neto de para castigo do seu adultério, o que excita con-
Éaco (v. Télamon). Na Ática, dizia-se que ele tra ele a cólera dos Atridas, que querem sal-
ànha como mãe Peribeia, uma das donzelas en- var a jovem mulher. Ulisses consegue que He-
,i adas por Egeu para Creta, como tributo a lena seja confiada a Menelau. Ájax reclama
"'1inos, e que Teseu libertara da morte ao ma- então, como parte do despojo, que se lhe atri-
tar o Minotauro. bua o Paládio (v. Paládio). Ulisses, instigado
Quando Héracles preparava a sua expedição pelos Atridas, age de tal forma que lhe recusam
contra Tróia (v. Héracles), e convidou Téla- a entrega da estátua. Isto provoca uma cisão
mo n a participar nela, encontrou este entre os chefes. Ájax ameaça vingar-se de Me-
banqueteando-se. Estendendo debaixo de si a nelau e de Agamémnon. Os Atridas protegem-
sua pele de leão, ele pediu a Zeus que conce- -se com sentinelas e, no dia seguinte, pela ma-
desse a Télamon um filho tão valente como ele nhã, encontram Ájax morto, trespassado pela
e tão forte como o leão cuja pele exibia. Zeus sua própria espada.
escutou a sua prece e, como sinal de assenti- Uma outra versão da sua morte, mais fami-
mento, e!]viou uma águia (daí o nome da liar aos trágicos, conta como o herói enlouque-
criança, Ajax, que lembra o do pássaro, em ceu por lhe terem recusado, não o Paládio, mas
grego a1t-cóç). Segundo out,ra versão, na altura as armas de Aquiles. Estas tinham sido desti-
da visita de Héracles já Ajax tinha nascido. nadas por Tétis ao mais valente dos Gregos,
O herói envolveu-o na sua pele de leão, pe- ou, pelo menos, ao que tivesse inspirado mais
dindo a Zeus que o tornasse invulnerável. terror aos Troianos. Para se saber quem seria
A criança tornou-se invulnerável, excepto nas esse, interrogaram os prisioneiros troianos que,
zonas que, no corpo de Héracles, suportavam P,Or despeito, designaram Ulisses em vez de
a aljava: a axila, ~ anca e o ombro. Ajax. Ulisses obteve as aqnas. Durante a noite,
Em seguida, pouco a pouco, novos traços num acesso de loucura, Ajax massacrou os re-
se acrescentam ao seu carácter, tal como o con- banhos destinados à alimentação dos gregos,
cebia a Ilíada. No momento da partida para e pela manhã matou-se quando ficou lúcido e
Tróia , o pai aconselhou-o a «vencer, sem dú- se deu conta da alucinação em que caira.
,ida com a lança, mas também com a ajuda Durante os «Regressos», Atena, para casti-
dos deuses». A isto respondeu Ájax que «oco- gar a injustiça de que fora vitima Ájax, perse-
barde também podia vencer com a ajuda dos guiu os Gregos com_a sua cólera (v. todavia,
deuses»; depois, teria apagado do seu escudo sobre esta cólera, Ajax filho de Oi/eu).
a imagem de Atena, incorrendo assim na hos- Ájax não foi queimado, segundo o costume
lilidade da deusa. Nas expedições prelimina- de então, mas colocado num ataúde e enter-
res, cujo relato não se encontra na Ilíada , a tra- rado. Os Atenienses prestavam-lhe honras di-
dição referia que Ájax teria desempenhado um vinas, todos os anos, em Salamina.
papel importante. Foi o primeiro de todos a
chegar ao local da reunião, em Argos, com o ALALCOMENEU . (' AÀaÀxoµivtuç.) Alalco-
seu irmão Teucro, e foi escolhido para chefe meneu é um herói que se considerava ser o fun-
da armada, juntamente com Aquiles e Fénix. dador da cidade de Alalcómene, na Beócia.
Por momentos, ele substituiu Agamémnon no Atribuiu-se-lhe a invenção das «hierogamias»
comando supremo, quando o atrida foi de- de Zeus e Hera, ou seja, as cerimónias religio-
posto por ter morto a corça sagrada de Árte- sas que representam um casamento da deusa
mis. No desembarque da Mísia, ele assume com o deus. Contava-se, com efeito, que,
com Aquiles o comando das operações, e, en- quando a deusa Hera, enganada por Zeus, se
q uanto Aquiles fere Télefo (v. Aquiles), Ajax veio queixar a Alalcomeneu, que fora incum-
mata Teutrânio, o irmão deste. bido de educar Atena, das infidelidades do seu
Durante os nove primeiros anos da Guerra marido, ele aconselhou-a a mandar fazer uma
de Tróia, Ájax participa em OP,erações de ban- estátua de si própria em madeira de carvalho
ditismo contra as cidades da Asia. Ataca a ci- e a passeá-la, solenemente, acompanhada dum
dade do rei frígio Teleutas e arrebata-lhe a cortejo, como se fosse para um casamento .
filha, Tecmessa. Devasta igualmente o Quer- A deusa assim fez, dando início a uma festa
soneso da Trácia (hoje a península de Galipoli), chamada «Festa de Dédalo». Na crença popu-
onde reinava Polimestor, um genro de Príamo, lar, pensava-se que este rito renovava, rejuve-
que lhes entregou Polidoro, um dos filhos do nescia, a união divina e a tornava eficaz atra-
seu sogro, que ele tinha à sua guarda (v. Poli- vés duma magia «simpática».

Alalcomeneu: PAUSAN. , IX, 33, 5; STEPH. Bvz., 1 s. u.; escól. ad li. , IV, 8; PLUT., De Daed. Piai., VI.
ALCÁTOO 18

ALCÁTOO. ('Ahá.8ooç.) Filho de Pélops, pelo seguinte: contratara uma mulher para fiar
rei de Élis, e de sua mulher Hipodamia e, por e, quando esta concluiu o trabalho, recusou
conseguinte, irmão de Atreu e Tiestes (quadro pagar-lhe o salário combinado. A fiandeira
2, p. 12). Como o rei Megareu tivera um filho lançou-lhe imprecações, tomando Atena como
que fora morto por um leão e prometera a mão testemunha da má-fé de Alcínoe. Atena era,
de sua filha a quem abatesse a fera, Alcátoo com efeito, a patrona e a protectora das fian-
apresentou-se, conseguiu matar o leão e obteve deiras. A deusa atingiu Alcínoe de loucura. De
assim a recompensa prometida. Abandonou imediato, a jovem apaixonou-se por um hós-
então a sua primeira mulher, Pirgo, e despo- pede, um estrangeiro de Sarnas, chamado
sou Evecme, a filha de Megareu. Obteve, ao Xanto. Para o seguir, ela deixou o marido e
mesmo tempo, o trono de Onquesto. os filhos. Porém, a meio da viagem ela caiu
Mais tarde, tendo os Cretenses devastado a em si e, clamando em desespero pelos filhos
cidade de Mégara, Alcátoo, com a ajuda de e pelo marido, lançou-se ao mar.
Apolo, reconstruiu as muralhas destruídas (v. ALCÍNOO. ('AÀx(vooç.) Quando Ulisses,
Megareu). Na época histórica apontava-se
ainda a pedra sobre a qual Apolo teria poisado após o seu último naufrágio, no regresso da
a sua lira enquanto trabalhava na muralha. ilha de Calipso, foi dar à ilha dos Feaces, foi
aí recebido pelo rei desse país, Alcínoo. Ho-
Esta pedra conservara propriedades notáveis. mero chama à ilha Esquéria . Trata-se, prova-
Quando um calhau a atingia, ela ressoava e velmente, de Corfu. Alcínoo era considerado
emitia um som musical.
Um dos filhos de Alcátoo, Jsquépolis, to- neto de Posídon. O seu pai chamava-se Nau-
mara parte na caçada ao javali de Cálidon, sítoo. Alcínoo, por seu lado, tinha cinco filhos
onde encontrara a morte. O seu irmão Calí- e uma filha, Nausícaa, que acolheu Ulisses na
margem do rio (v. Ulisses e Naus(caa). A mu-
pole, quem primeiro recebeu a notícia, preci- lher de Alcínoo, que é simultaneamente sua so-
pitou-se a transmiti-la a seu pai. Este brinha, chama-se Arete (que em grego signi-
preparava-se para cumprir um sacrifício em fica «o indizível»). Ela vive no palácio, com
honra de Apolo, no alto da cidadela. Na sua o marido e os filhos, cercada de honra e res-
impaciência, Calípole perturbou a cerimónia peito. Arete e Alcínoo são amados pelo seu
e alterou a disposição da pira sagrada. Alcá- povo. Eles são hospitaleiros para com os es-
too, irritado, pensando que o filho queria ofen- trangeiros e sobretudo para com os náufragos,
der os deuses, matou-o com a pancada duma cuja desgraça procuram suavizar. O seu palá-
acha inflamada (v. Polfido). cio está rodeado dum pomar maravilhoso onde
Alcátoo tinha ainda uma filha, Ifínoe, cujo frutos de toda a espécie amadurecem continua-
túmulo diziam situar-se em Mégara. mente ao longo de todo o ano.
ALCESTE. (" Ah11cmç.) Alceste é uma das Após ter confortado Ulisses e ter escutado,
filhas de Pélias, o rei de Jolco, e de Anaxíbia, no decurso dum banquete, o extenso relato das
sua mulher (v. quadro 23, p. 258). É a mais bela suas aventuras, Alcínoo dá-lhe um barco para
e a mais piedosa de todas, a única que não par- regressar a !taca, que não fica longe de Corfu,
ticipou no assassínio de Pélias, quando Medeia, e enche-o de presentes.
através dos seus estratagemas e sortilégios, con- Em A Argonáutica, Medeia e os Argonau-
seguiu que este fossse massacrado pelas suas tas desembarcaram no país de Alcínoo, na via-
próprias filhas (v. Jasão). Quando Admeto, o gem de regresso, e encontram na corte um
rei de Feras, na Tessália, se apresentou a pe- grupo de enviados de Eetes, incumbidos de re-
dir a mão de Alceste, Pélias impôs-lhe algumas conduzir Medeia até seu pai. Alcínoo é esco-
condições, que ele cumpriu com a ajuda de lhido como árbitro da questão. Decide entre-
Apolo (v. Admeto). Eurípides diz-nos que a gar Medeia a seu pai, se ela ainda estiver
sua união foi modelo de ternura conjugal, a virgem; em caso contrário, deixá-la-á com Ja-
tal ponto que Alceste consentiu em morrer em são. Perante esta decisão, Arete apressa-se a
vez do marido. Porém, quando ela estava já casar os dois jovens, poupando assim Medeia
morta , Héracles desceu aos Infernos, donde a ao castigo que a aguardava na Cólquida. (v.
trouxe mais bela e jovem que nunca. Conta- Argonautas). Sem coragem de se apresentarem
-se também que Perséfone, sensibilizada pela perante o seu rei, os Cólquicos estabeleceram-
dedicação de Alceste, a fizera voltar esponta- -se em Corfu, enquanto os Argonautas reto-
neamente ao mundo dos vivos. maram a sua viagem, depois de Arete ter ofe-
recido presentes aos jovens esposos.
ALCÍNOE. ('AÀxtvóT).) Uma mulher de Co-
rinto, Alcínoe, casada com um tal Pólibo, fi- ALCÍONE. (AÀxuóvrj.) Alcíone é a filha do
lho de Driante, incorreu na cólera de Atena rei dos ventos, Eolo. Desposara Ceíce, o filho

Alcátoo: PAUSAN., 1, 41, 4; 42, 4; 43, 4-5; O v., Alcínoe: P ARTH., Erot. , 27.
Met., VIII, 14 e s.; Trist. 1, 10, 39 e s.; Ps.-V1RG., Alcínoo: Od., VI e Vil, passim, e os escól.; APOL.
Ciris, 104 e s.; PlND., lsth., VIII, 148. RH., Arg., IV, 982 e s.; APOLLOD., Bibl., l, 9, 26. Cf.
V. BéRARD, Les navigations d'Ulysse, t. lll; A. SHE·
Alcesle: EuR., Ale., passim; Hvo ., Fab., 51; D100.
WAN, The genealogy o/ Are/e and Alkínoos, CI.
SIC., IV, 52, 2; APOLLOD., Bibl., I, 9, 15; PLAT .• Rev., 1925, p. 145; M. MAYER (Op. cit., art. E/pe-
Smp., 179 e. Cf. A. LESKY, in Sitz Wien. Akad.,
nar).
CCIII, 2, 1925; A. MOMIGLIANO, in Cult, x. 1931;
p. 201-213; G. MEGAS, Ar. f Rei. W. XXX (1933), Alcíone: Escól. ad II. , IX, 562; APOLLOD., Bibl.,
p. 1 e s.; L. WEBER, in Rh., Mus., 1936, p. 117-164; 1, 7, 4; Hvo., Fab., 65; Ov., Mel., I X, 410-750. Cf.
M. GASTER, in Byz., XV, 1939, p. 66-90. W. NESTLE, in A. R. W., 1936, p . 248 e s.
1; ALCMENA

::o Astro da Manhã (Eósforo ou Lúcifer). ficar, tornado de compaixão por Alcioneu, e
Forma,·am ambos um casal tão feliz que eles não podendo libertá-lo pela força, pediu que
=~=.
;:-oprios se comparavam a Zeus e a Hera. Os
irritados com tal presunção, transfor-
=ram-nos em pássaros, a ele em mergulhão,
consentissem ocupar o lugar do mancebo. Os
sacerdotes acederam e foi ele que, coroado, foi
conduzido até ao animal. Quando chegou
a ela em alcíone. Corno Alcíone fazia o seu ni- diante da gruta, entrou aí corajosamente e,
~o na orla do mar e as vagas lho destruíssem agarrando Lârnia, arrastou-a para fora e
impiedosamente, Zeus compadeceu-se dela e jogou-a com violência contra os rochedos,
ordenou que os ventos se acalmassem durante onde lhe despedaçou a cabeça. O animal de-
os sete dias que precedem os sete que se seguem sapareceu e, nesse lugar, jorrou urna fonte que
ao solsúcio de Inverno, período em que Alcione se chamou Síbaris. Foi desta fonte que rece-
.:-hoca os ovos. São os chamados «dias do ai- beu o nome a cidade que os Locrenses funda-
cione», que não conhecem tempestade. , rarn mais tarde na Itália.
o,·idio coma uma história sensivelmente di- ALCMENA. ('AÀxµ'Í)Vl].) Mulher de Anfi-
ferente: Ceíce, casado com Alcíone, decidira trião e mãe de Héracles. Sobre a sua origem,
ir consultar um oráculo. Durante a viagem, foi v. quadro 32 , p. 370. Pertence à descendência
surpreendido por urna tempestade, o navio de Perseu. Dotada de notável beleza, casara-
destruiu-se e ele próprio morreu afogado. -se com Anfitrião, mas sem lhe conceder O di-
0 seu corpo foi trazido pelas ondas para a reito de consumar O casamento enquanto ele
costa, onde a sua mulher o encontrou. Com não tivesse executado urna certa vingança (v.
o desespero, ela transformou-se num pássaro Anfitrião). Viveu exilada com ele em Tebas.
de pio lamentoso, e os deuses concederam urna Anfitrião partiu em expedição contra os Telé-
rnetarnorfose análoga ao seu marido. boos, e foi no momento do seu regresso que
ALCIONEU. ('AÀxuovtúç.) 1. Entre os Gi- Zeus se uniu à sua jovem esposa. Para atingir
games gerado§ por Geia (a Terra), na sua união os seus fins, o deus tornara a forma de Anfi-
corn o Céu (Urano), havia um, chamado AI- trião, pois já conhecia a virtude de Alcrnena.
cioneu, que se distinguia de todos pelo seu ta- Segundo urna tradição, Zeus terá prolongado
rnanho e pela sua força prodigiosa. Foi ele esta noite nupcial pelo espaço de três dias com-
quem desempenhou o papel mais activo na luta pletos. Para isso, ordenara ao Sol que não se
entre os Gigantes e os Deuses, que se travou levantasse antes que todo esse tempo tivesse
nos Campos Flegreus (em Paleno, na Macedó- passado. Quando Anfitrião reentrou em casa,
nia) . Alcioneu não podia ser morto enquanto estranhou não ser acolhido com mais entu-
cornbatesse sobre a terra onde nascera. Por siasrno. Quando lhe começou a narrar a sua
isso, a conselho de Atena, Héracles levou-o campanha e a sua vitória, Alcrnena respondeu-
para longe de Paleno e, aí, trespassou-o com -lhe que já conhecia todos esses pormenores.
urna flecha, após o gigante ter esmagado duma Ao ser consultado sobre este mistério, Tirésias
só vez, com um rochedo enorme, vinte e qua- revelou ao marido o seu glorioso infortúnio.
tro companheiros de Héracles. As filhas de AI- Alcrnena gerou um par de gémeos que deviam
cioneu, as Alciónidas, desesperadas pela morte nascer com o intervalo de urna noite: Héracles,
do pai, lançaram-se ao mar e foram transfor- filho de Zeus, e fficles, filho de Anfitrião. Alc-
rnadas em pássaros (os alcíones) (v. também rnena teria sido, diz-se, a última das mortais
Héracles). a quem Zeus se teria unido. Mas Anfitrião pen-
2. A lenda dá conta dum outro Alcioneu, sou, inicialmente, em castigar a sua mulher
um jovem de Delfos, dotado de excepcional be- quando soube dos felizes empreendimentos de
leza e de costumes irrepreensíveis. Havia nesse Zeus. Decidiu queimá-la sobre urna pira, mas
tempo, nas encostas do monte Círfis, urna Zeus fez cair urna chuvada que extinguiu as
montanha próxima de Delfos, urna gruta onde chamas. Perante esta intervenção directa da di-
habitava um monstro, de nome Lãmia, ou en- vindade, Anfitrião perdoou-lhe. Todavia, nas
tão Síbaris. Este monstro saía da gruta e arre- proximidades do parto, Hera, ciumenta da sua
batava homens e rebanhos dos campos em re- rival, urna mortal, tentou, corno deusa dos par-
dor. Os habitantes consultaram o oráculo para tos, prolongar o mais possível a gravidez de
saber corno haviam de se desembaraçar deste Alcrnena. A deusa tinha ainda mais um rno-
flagelo. Apolo ordenou-lhes que lhe ofereces- tivo para isso: um oráculo de Zeus permitiu-
sem em sacrifício um mancebo da cidade. -lhe, regulando o momento dos nascimentos,
A sorte caiu em Alcioneu. Os sacerdotes coroa- submeter Héracles ao jogo de Euristeu (v. Hé-
rarn-no e, em procissão, conduziram-no até racles e Euristeu).
junto do animal. Pelo caminho, surgiu Eurí- Mais tarde, Alcmena ficou viúva e acompa-
bato, o filho de Euferno, um jovem distinto, nhou Héracles quando o herói, com o seu ir-
da linhagem do rio Áxio. Ao ver que condu- mão Íficles e o fi lho deste, Iolau, tentou recon-
ziarn um jovem, ele quis saber a razão daquele quistar Tirinte, a sua pátria de origem, após
ajuntamento. Quando soube quem iam sacri- ter cumprido os seus trabalhos. Mas Euristeu

Alcioneu : 1) APOLLOO., Bibl., l, 6, I; Sum., s.u. 226; PINO., Nem .• X, 15; lsth., Vll, 5; Pyth., IX,
'Ahl>O\l(6tç; escól. a APOL. RH., Arg .• I, 1289; PINO., 149; EuR., trag. perdida de Alcmena; HvG. , Fab .,
lsth ., VI, 46; 2) ANT. Lrn .• Transj., 8. 29; PAUSAN ., V, 18, 3 I, 32, 5; 16, 7; 41, 4; 19, 3,
ele.; PLAUT., Amp., passim; ARNOB., Adv. Na., IV,
Alcmena: H ES. , Seul., l e s.; APOLLOO. , Bibl., li, 26. V. 1ambém Anfitrião, Héracles, Euristeu, Hera-
4, 5; 8; 8, 1 e s.; escól. ad li., XIX, 116; ad Od., XI, clidas; L. SllcHAN, Études ... , p. 242 e s. ·
ALCMÉON 20

impediu-o de reálizar o seu plano. Todavia, na romper para levar o seu marido à ruína, mas
altura da apoteose de Héracles, Alcmena fizera o mesmo aos filhos, encorajando-os a
encontrava-se em Tirinte com uma parte dos partir para a segunda expedição contra Tebas.
seus netos (os outros encontravam-se em Co- Isto decidiu Alcméon , que a matou, ou com
rinto e em Tráquin). Morto Héracles, Euris- a ajuda de seu irmão Anfíloco, ou mesmo so-
teu mandou expulsar Alcmena de Corinto e zinho. Então, as Erínias vingadoras persegui-
conseguiu que o rei de Tráquin, Ceíce, fizesse ram-no, tal como tinham perseguido Orestes
o mesmo aos descendentes de Héracles que ha- depois de este ter morto Clitemnestra. Desvai-
bitavam no seu reino. Refugiaram-se todos em rado, dirigiu-se primeiro para a casa do seu avô
Atenas, onde encontraram protecção. Euris- Ecleu, na Arcádia, depois para junto de Fegeu,
teu exigiu aos Atenienses que os expulsassem. em Psófis. Fegeu purificou-o, curou-o e deu-
Os Atenienses recusaram-se e, na guerra que -lhe em casamento a filha Arsínoe ou, segundo
se seguiu, Euristeu encontrou a morte. Leva- outros, Alfesibeia. Alcméon ofereceu a esta o
ram a sua cabeça a Alcmena, que lhe arran- colar de Harmonia e o vestido que, em tem-
cou os olhos com uns fusos. Depois disto, Alc- pos, tinha servido para corromper Erífile. Mas
mena viveu em Tebas com os descendentes de a região de Psófis foi atingida de esterilidade,
Héracles. Morreu em idade avançada. Na oca- e o oráculo ordenou que, para levantar esta
sião da sua morte, Zeus enviou Hermes a re- maldição, Alcméon se fizesse de novo purifi-
colher o seu corpo para o transportar para as car, desta vez pelo deus-rio Aqueloo. Alcméon
Ilhas dos Bem-Aventurados, onde ela despo- retomou a sua caminhada errante. Dirigiu-se
sou Radamante. Segundo outros, ela foi arre- primeiramente a Eneu, em Cálidon, que o aco-
batada até ao Olimpo, onde participou das lheu como hóspede bem-vindo. Pelo contrário,
honras divinas de seu filho. Por vezes, contava- os Tesprotos, no Epiro, para onde se dirigiu
-se ainda que, após a morte de Anfitrião, num de seguida, expulsaram-no da sua terra. Por
combate ao lado de Héracles, Alcmena despo- fim, de acordo com os termos do oráculo, ele
sara Radamante, na altura exilado, e com ele encontrou, na embocadura do Aqueloo, uma
vivera na Beócia, em Ocálea. terra «criada a partir do assassínio de sua
mãe», e aí o deus do rio purificou-o e deu-lhe
ALCMÉON. {'AÀxµaíwv.) 1. Alcméon é o fi. em casamento a filha, Calírroe. Mas esta
lho mais velho do adivinho Anfiarau (sobre as exigiu-lhe como presentes o vestido e o colar
suas origens ver o quadro 1, p. 8) e tem como de Harmonia, como condição para a sua vida
irmão imediatamento mais novo Anfíloco. em comum. Para lhe obedecer, Alcméon foi
Quando Anfiarau, obrigado pela sua mulher, de novo ter com Fegeu, em Psófis, e exigiu à
Erífile, teve de entrar na guerra contra Tebas, sua primeira mulher, Arsínoe, os presentes que
sabendo pela sua arte que encontraria aí a outrora lhe dera. Como pretexto, alegava que,
morte, confiou aos seus filhos a tarefa de o vin- por ordem do oráculo, tinha de os consagrar
gar quando atingissem a maioridade. Para isso, a Apolo Délfico para obter dele, definitiva-
teriam de matar a mãe e empreender uma ex- mente, o perdão do assassínio de sua mãe. Fe-
pedição contra Tebas. Foi deste modo que Alc- geu autorizou a filha a entregar o colar e o ves-
méon se viu envolvido, depois de Adrasto, na tido, mas um serviçal de Alcméon revelou ao
expedição dos Epígonos (v. Adrasto). Um orá- rei as verdadeiras intenções do seu amo e o des-
culo prometera aos Epígonos que eles obteriam tino dos presentes. Indignado, Fegeu ordenou
a vitória se tivessem Alcméon a comandá-los. aos -seus filhos Crónoo e Agenor (chamados,
Todavia, apesar deste oráculo e do encargo que por vezes, Témeno e Áxion) que lhe armassem
lhe fora confiado por seu pai antes da sua par- uma cilada e o matassem (já que ele o não po-
tida, Alcméon não mostrava nenhuma pressa dia fazer, pois Alcméon era seu hóspede).
em marchar contra Tebas. Mas a sua mãe, in- No tempo de Pausãnias, mostravam o seu
fluenciada pelo vestido com que a presenteara túmulo rodeado de ciprestes, num alto vale,
H a rmonia, tal como o fora com o colar desta acima de Psófis. Os filhos de Alcméon não tar-
antes da primeira expedição, acabou por o per- daram, aliás, a vingar o seu pai (v. Acárnan).
suadir. Nos primeiros combates, Alcméon ma- Uma tradição isolada, referida apenas por Pro-
tou ele mesmo o rei de Tebas, Laodamante, fi. pércio, afirma que esta vingança terá sido exe-
lho de Etéocles. Desmoralizados, os Tebanos, cutada pela primeira mulher de Alcméon (que,
que se encontravam cercados, fugiram de noite, nesta versão, se chama Alfesibeia).
a conselho do seu adivinho, Tirésias. No dia se- Uma outra tradição, de que se serve Eurípi-
guinte, os vencedores entraram na cidade, sa- des, contava que durante a sua loucura, en-
queando e pilhando. Uma parte do despojo da quanto era perseguido pelas Erínias, Alcméon
guerra dedicaram-no a Apolo e puseram à frente tivera de Manto, a filha de Tirésias, dois filhos,
da cidade o filho de Polinices, Tersandro. Anfíloco e 'f.isífone, um rapaz e uma rapariga.
Após a vitória, Alcméon foi interrogar o Depois, ele conduzira as duas crianças para Co-
oráculo de Delfos sobre a segunda tarefa que rinto e confiara-as ao rei da cidade, Creonte,
lhe faltava cumprir, a morte de sua mãe. O orá- para que este as criasse. Mas Tisífone revestira-
culo respondeu-lhe que ele não devia fugir -se entretanto duma tal beleza que a rainha co-
disso, pois não só Erífile aceitara deixar-se cor- meçara a desconfiar dela e, receando que o rei

Alcméon: 1) PAUSAN., VII, 24, 4; Vlll, 24, 8 (cf. 38 e s.; THUC., II, 102; PLUT., De aud. p., XIII,
PROP., 1, IS, IS e s.); X, 10, 2; APOLLOD., Bibl., lll, p. 35 e; SoPH. , Trag. perdida de Alcméon, cf. A. H.
6, 2; 7, 2; 5; 6; HY G. , Fab., 73; PINO., Pyth. , VIII, KRAPPE, in C/. Qu., 1924, p. 57 e s. 2) V. Si/o.
21 ALFEU

a tomasse sua mulher, vendeu-a como escrava. culo de Dodona, que lhe prometeu a vitória,
A jovem foi comprada pelo próprio pai, Alc- com uma dupla condição: que alguém lhe desse
méon, que a não reconheceu. Quando Alc- um punhado de terra de Corinto, e que ele ata-
méon voltou a Corinto, reclamou os seus fi- casse a cidade «num dia em que as pessoas
lhos. O rei só lhe pôde entregar o filho; mas, usassem grinaldas». A primeira condição
entretanto, descobriu-se que a escrava que ele realizou-se quando Afetes, tendo pedido pão
comprara era T isífone e, assim, Alcméon reen- a um habitante de Corinto, apenas obteve, por
controu os seus dois fil hos. troça, um punhado de terra. Para realizar a se-
2. Para um outro Alcméon, filho de Silo, v. gunda, ele avançou contra a cidade numa al-
Silo. tura em que os habitantes celebravam uma
festa em honra dos mortos e usavam todos gri-
ÁLCON. (" AÀxwv.) Arqueiro cretense, com- naldas, de acordo com o costume. Aletes con-
panheiro de Héracles. As suas flechas nunca seguiu convencer a filha do rei Creonte a abrir-
erravam o alvo. Ele atravessava com elas ar- -lhe nesse dia as portas da cidade. Prometeu
cos colocados sobre a cabeça dum homem e era casar com ela. A jovem aceitou a proposta e
capaz de fender uma flecha em duas, acenando entregou-lhe a cidade.
numa lâmina colocada como alvo. Um dia em Aletes promoveu, depois, uma expedição
que o seu filho fora atacado por uma serpente, contra Atenas. De facto, o oráculo prometera-
Alcon trespassou o animal com uma flecha, -lhe que ele alcançaria a vitória se poupasse a
sem ferir a criança. vida ao rei de Atenas. Os Atenienses, tendo
Esta história é referida igualmente a respeito tido conhecimento deste oráculo, persuadiram
do pai de Falero, um dos Argonautas. O pai o rei, Codro, q u e tinha setenta anos, a
de Falero, um ateniense, filho de Erecteu, sacrificar-se pelo seu povo (v. Codro). Fracas-
chamava-se também Álcon, e os dois heróis fo- sou deste modo o plano de Aletes.
ram confundidos (v. quadro 12, p. 182). 2. Um outro Aletes, filho de Egisto, entra
ALÉBION . {'AÀt~[wv.) Alébion e Dércino, na lenda de Orestes e E lectra (v. Electra).
ambos filhos de Posídon, viviam na Ligúria, ALEXANDRE. V. Páris.
e quando Hércules por aí passou com os reba-
nhos de bois que trazia da sua expedição con- ALFFSIBEIA. ('AÀcptaí~v.t.) Ninfa da Ásia,
tra Gérion, eles tentaram roubar-lhos. Os dois por quem Dioniso estava apaixonado. O deus,
ladrões, porém, foram mortos por Héracles (v. contudo, não conseguia seduzi-la, até que um
também Lígis). dia pensou transformar-se em tigre. Aterrori-
zada, Alfesibeia consentiu em deixar-se agar-
ALÉCTRION. ('AÀtx'tpuwv.) Ares, no de- rar pelo deus para atravessar um rio (que se
curso dos seus amores com Afrodite, tinha em- chamava então Sólax), em cujas margens ela
boscado um espião, de nome Aléctrion (o se tinha refugiado. Concebeu do deus um fi-
Galo), encarregado de lhe anunciar a aproxi- lho, Medo, que deu, mais tarde, o seu nome
mação do dia. Uma manhã, o espião adorme- ao povo dos Medos e que chamou Tigre ao rio
ceu e, deste modo, o Sol surpreendeu os dois em cujas margens sua mãe se vira forçada a
amantes e apressou-se a relatar a aventura a ceder a Dioniso.
Hefesto, o marido de Afrodite. Foi então que
este resolveu lançar uma armadilha à sua in- ALFEU. ('AÀcpuóç.) Deus do rio do mesmo
fiel mulher e surpreendê-la em flagrante (v. nome que atravessa o Peloponeso, entre a Élide
Afrodite). e a Arcádia. Como todos os rios, é filho de
Oceano e Tétis. Atribuem-se-lhe como filhos
ALETFS. ('AÀir<"tlç.) 1. Pelo lado do pai, Hí- Orsíloco, o pai de Díocles, rei de Feras, na Mes-
potes (v. Hípotes), Afetes descendia de Héra- sénia, e ainda, algumas vezes, o arcádio Fegeu
cles, de quem era bisneto. Pelo lado da mãe, (v. Fegeu). Diversas leqdas referem a tentativa
descendia de Iolau, sobrinho de Héracles (qua- de Alfeu para seduzir Artemis e as Ninfas. Al-
dro 32, p. 370). O seu nome, que significa «o feu amava Ártemis, mas a deusa resistia ao seu
Errante», fora-lhe dado pelo pai, pois havia amor. Ele decidiu então possuí-la pela força .
nascido na altura da migração dos descenden- Um dia, quando Ártemis e as suas Ninfas cele-
tes de Héracles, no tempo em que Hípotes fora bravam uma festa em Letrinos, na foz do rio,
banido como assassino, e andava de cidade em ele tentou abordá-la, mas a deusa sujou o rosto
cidade (v. Heraclidas). Quando atingiu a maio- com lama e Alfeu não a reconheceu. Uma ver-
ridade, decidiu apoderar-se de Corinto e expul- são diferente conta que Alfeu perseguiu Árte-
sar os Jónios e os descendentes de Sísifo que m is até à ilha de Ortígia, que flutua no meio do
ai reinavam. Antes de agir, foi consultar o orá- porto de Sir;icusa. Para além disso, entre as se-

Álcon : VAL. FLAc., Arg., [, 598 e s.; S ERV., ad A lexandre: V. Páris.


VtRG., Ecl., V, 11; M ANIL., V, 305 e s. ; APOL. RH.,
Arg., 1, 96 e s.; HYG., Fab .• 14. Alfesibeia: PLUT., De //um 24.
.-'lébion: APOLLOO., Bibl., II, 5, 10; POMP. MELA,
U, 5, 78. Alfeu: HES., Theog., 338; li., V, 545 e s.; H vG.,
Fab., 244, 245; PA USAN., V I, 22, 5; cscól. ad
Aléctrion: EusT., ad Hom., 1598, 6 1. PINO., Pyth., II, 12; PAUSAN., V, 7, 2; Ov., Mel .,
Aletes: CoNON, Narr., 26; escól. ad P1No., Nem., V, 572 e s. Cf. A. ToMSJN, La Légende des amours
\"li, 155; PAUSAN., II, 4, 4; V, 18, 8; PLUT., Prov., d'Aréthuse et d'Alphée, Ant. Class., IX (1940),
1. 48, p. 328. V. Codro. p. 53.
ALOIDAS 22

guidoras de Ártemis, havia uma, Aretusa, por foi amada por Posídon, às ocultas do pai.
quem Alfeu estava igualmente apaixonado. Para O deus deu-lhe um filho, que ela fez à própria
a seguir, tornou-se caçador como ela e quando, ama expor na floresta. Uma égua (animal con-
para se lhe escapar, fugiu até Siracusa, para a sagrado a Posídon) amamentou o bebé, que
ilha de Ortígia, ele foi no seu encalço. Aretusa um pastor viria a encontrar envolvido em es-
foi transformada em fonte. Por amor, Alfeu plêndidos cueiros. Este recolheu a criança, mas
misturou as suas águas às dela (v. uma outra um outro pastor pediu-lha. Aquele entregou a
versão da sua lenda - Náiades). este a criança, mas guardou consigo os cuei-
ALOÍDAS. ('AÀw<ÍÔcxt.) São chamados Aloí- ros. O outro, indignado, foi queixar-se a Cér-
das os filhos que Posídon teve de Ifimedia, a cion que, reparando nos cueiros, percebeu de
filha de Tríopas. Com efeito, Ifimedia casara quem ~e tratava e forçou a ama a revelar-lhe
com Aloeu que, por seu lado, era filho do deus tudo. Alope foi condenada à morte e a criança
e de Cãnace, da raça de Deucalião (v. quadro de novo exposta. Apareceu então outra égua
li, p. 141, e 8, p. 116). Ifimedia apaixonara- que voltou a amamentar a criança. Esta foi re-
-se por Posídon e tinha por costume passear colhida por outro pastor, que lhe deu o nome
ao longo da praia, recolhendo nas mãos a água de Hipótoo. Hipótoo tornou-se, mais tarde, o
do mar e despejando-a sobre os seios. Posídon epónio da tribo ática dos Hipotoôntidas, e
acabou por ceder ao seu amor e deu-lhe dois quando Teseu condenou à morte Cércion, Hi-
filhos, Oto e Efialtes, que eram gigantes. Na pótoo veio reclamar-lhe o reino de seu avô. Te-
verdade, em cada ano, as duas crianças cres- s~u entregou-lho com todo o gosto. Quanto a
ciam um côvado em largura e uma braça em Alope, na altura em que Cércion a terá morto,
altura. Aos nove anos, com nove côvados de Posídon transformou-a numa fonte.
largura (ou seja, perto de quatro metros) e nove
braças de altura (quase dezassete metros) de- ALPO. CAho,.) Aipo era um gigante sici-
cidiram fazer guerra aos deuses. Para isso pu- liano, que vivia nos montes Peloros (hoje o
seram o Ossa sobre o Olimpo e, por cima des- cabo de Faro). A sua lenda é apenas referida
tas duas montanhas, o Pélion, ameaçando por Nono, nas Dionis(acas. Como todos os gi-
assaltar o céu. De seguida, anunciaram que en- gantes, era filho da Terra. Possuía inúmeros
cheriam o mar de montanhas, pondo-o a seco, braços. A sua cabeça estava rodeada por uma
e fá-lo-iam deslocar-se para onde até então ti- cabeleira de cem víboras. Ele espreitava os
nha sido a terra. Por fim, declararam o seu viandantes perdidos nas passagens das monta-
amor às deusas. Efialtes apaixonara-se por nhas, esmagava-os sob os rochedos e devorava-
Hera e Oto por Ártemis. Além disso, irritados -os em seguida. Por isso, a montanha estava
com Ares, que provocara a morte de Adónis deserta. Pã e as Ninfas, inclusivamente Eco,
na caça, eles encerraram o deus num pote de não se aventuravam nesses locais. Por todo o
bronze, depois de o terem algemado. Deixa- lado reinava o silêncio. Esta situação durou até
ram-no assim durante treze meses, até que Her- Dioniso chegar a estas paragens. Aipo atacou-
mes o conseguiu libertar, já num estado de -o, protegido por um escudo formado pela
fraqueza extrema. Todas estas façanhas des- quarta parte dum rochedo; as suas armas de
medidas acabaram por atrair sobre os dois ir- ataque eram árvores inteiras. Dioniso lançou
mãos o castigo dos deuses. Conta-se que Zeus contra ele o seu tirso, que o atingiu na gar-
os fulminou, ou então que Ártemis se trans- ganta. Aipo, fulminado, caiu ao mar, ao lado
formou numa corça e se lançou no meio de- da ilha sob a qual jaz Tífon.
les, um dia em que eles caçavam na ilha de Na- ALTEIA. (' AÀ8cx,cx.) Alteia, a filha de Tés-
xos. Na pressa de a atingirem, eles mataram-se tio, é a esposa de Eneu, rei de Cá!idon, e a mãe
um ao outro. O seu castigo continuou nos In- de Dejanira e Meleagro (quadros 26, p. 272,
fernos: ligaram-nos com serpentes a uma co- e 29, p. 298). Sete dias após o nascimento de
luna, onde uma coruja os vinha atormentar, seu filho, as Moiras, que são as Fadas do Des-
piando sem cessar. tino, foram ter com ela e predisseram-lhe que
Atribui-se-lhes a fundação de várias cidades: a criança morreria se o tição, que naquela al-
Aloion, na Trácia, Ascra, no cimo do Hélicon, tura ardia sobre a lareira, se consumisse intei-
, onde teriam prestado culto às Musas. A sua pre- ramente. Alteia pegou imediatamente no tição,
sença em Naxos, na altura da sua morte, explicar- apagou-o e escondeu-o num pequeno cofre. Se-
-se-ia por uma missão de que os incumbira o gundo outras tradições, este tição mágico se-
seu pai adoptivo, Aloeu, e que consistia em pro- ria um ramo de oliveira que Alteia teria dado
curar a sua mãe e a sua irmã Pãncrates, rapta- à luz, simultaneamente com o seu filho.
das por Célis e Cassameno (v. !/imedia). Ora aconteceu que Meleagro, durante a ca-
çada de Cálidon, matou os seus tios, os irmãos
ÁLOPE. ('AÀórui.) Cércion, o salt~ador que de Alteia. Esta, irritada, lançou ao fogo o ti-
reinava em Elêusis, tinha uma filha, Alope, que ção a que estava ligada a vida de seu filho. Me-

Aloidas: APOLLOD., Bibl., I, 7, 4; Hvc ., Fab., 28; Aipo: NONN., Dion., XXV, 236 e s.; XLV, 172 e
SERV.,ad VtRG •• Aen., VI. 582; li., V. 385 e s.; Od., s; XLVII, 627 e s.
XI, 305 e s., e os escól. ad li. , ibid. Cf. A. H.
KRAPPE, in St. Mal. St . Rei., XII. Alteia: APO LLOD. , Bibl., I, 8, 2 e s.; BACCH ., Ep.,
V, 93 e s.; 0100. S1c., IV, 34; O v., Mel., VIII, 270
Álope: HESYCH., s. u. 'AÀom1; Hvc., Fab., 187, e s.; PAUSAN., X, 31, 4; Hvc., Fab., 14; 129; 171;
238; 252; P A!JSAN., I, 5, 2; 14, 3; 39, 3; EuR., trag. 173; 174; 239; 249; TzETZ., ad Lyc., 492; ANT. LIB.,
perdida de Alope ou Cércion. Transf. , 2; escól. ad li .• IX, 534; 548.
23 ÂMICE

leagro morreu nesse mesmo instante. Com o O seu reino é localizado no Norte, quer sobre
desespero, Alteia enforcou-se (v. também Me- as cordilheiras do Cáucaso, quer na Trácia,
leagro). quer na Cítia meridional (nas planícies da mar-
Contava-se, por vezes, que os dois filhos de gem esquerda do Danúbio). Elas governam-se
Alteia não eram realmente filhos de Eneu, mas a si próprias, sem recorrerem a nenhum ho-
de duas divindades: Meleagro era filho de Ares mem. À sua frente está uma rainha. Não tole-
e Dejanira filha de Dioniso. Este apaixonara- ram a presença dos homens, a não ser como
-se por Alteia e Eneu, tendo-se apercebido, servidores, em trabalhos servis. Há quem diga
emprestou-lhe a sua mulher. Em paga, o deus que mutilavam os filhos do sexo masculino à
ter-lhe-ia dado um pé de videira, cujo cultivo nascença, cegando-os ou tornando-os coxos.
e uso lhe ensinou (v. Eneu). Segundo outros, matavam-nos e uniam-se, de
vez em quando, a estrangeiros, para perpetuar
AMALTEIA. ('AµcxÀ8tto;.) Assim se cha- a raça, mas só conservavam os filhos do sexo
mava a ama que, no cimo do monte Ida de feminino, a quem amputavam um seio, para
Creta, alimentou Zeus em criança e o criou em que não se sentissem embaraçagas na prática
segredo, a fim de o subtrair às buscas de do arco ou no manejo da lança. E este costume
Crono, que o queria devorar. Para os antigos, que explica o seu nome (&-µo;Çwv, «As que não
Amalteia tanto é a cabra que amamentou a têm seio»). A sua paixão era a guerra.
criança, como uma ninfa, e esta é a versão mais Várias lendas narram os combates sustenta-
comum. Contava-se que Amalteia escondera dos pelos heróis gregos contra estas estrangei-
o pequeno numa árvore, para que seu pai o não ras: Belerofonte, por ordem de Jóbates; Hé-
conseguisse encontrar «nem no céu, nem na racles, que recebeu de Euristeu o encargo de
terra nem no mar». À sua volta, juntara os Cu- se dirigir às margens do Termodonte, na Ca-
retes, cujos cantares e danças ruidosas abafa- padócia, e aí se apoderar do cinto de Hipólita,
vam os gritos da criança. A cabra que a ama- a rainha das Amazonas (v. Héracles). Hipó-
mentava chamava-se simplesmente Afr (a lita teria consentido facilmente em dar o seu
Cabra). Era um ser assustador, que descendia cinto a Héracles, mas Hera, com inveja do he-
de Hélio (o Sol), e os Titãs temiam de tal modo rói, suscitou um motim entre as Amazonas, e
apenas o seu aspecto que a Terra, a pedido de- Héracles teve de matar Hipólita e retirar-se, de-
les, escondera o animal numa caverna das baixo de combate. Nesta expedição, Héracles
montanhas de Creta. Mais tarde, quando Zeus estava acompanhado de Teseu. Este raptou
lutou contra os Titãs, fez para si uma arma- uma amazona, de nome Antíopa. Para vingar
dura com a pele desta cabra. Esta armadura este rapto, as Amazonas marcharam sobre Ate-
é a égide. Conta-se ainda que, um dia, Zeus, nas, e o combate travou-se dentro da própria
quando se divertia, quebrou um corno da ca- cidade. As Amazonas acamparam na colina
bra e ofereceu-o a Amalteia, prometendo-lhe que mais tarde recebeu o nome de Areópago
que este corno se encheria milagrosamente de (a colina de Ares). Elas foram vencidas pelos
todos os frutos que ela desejasse. É este o Atenienses, comandados por Teseu (v . Teseu).
Corno de Amalteia, ou o Corno da Abundân- Contava-se ainda que as Amazonas tinham en-
cia (v. Aqueloo). viado a Tróia um contingente, comandado pela
sua rainha, Pentesileia, para apoiar Príamo.
• AMATA. (Amara.) Mulher de Latino e Mas Aquiles não tardaria a matar Pentesileia,
mãe de Lavínia (v. Latino e Lavinia). Entre os cujo olhar derradeiro o inflamou de amor (v.
numerosos pretendentes à mão de Lavínia, Aquiles).
Amata escolhera o jovem rei dos Rútulos, A deusa a quem as Amazonas prestavam
Turno. Por isso, quando Eneias chegou e La- culto era, naturalmente, Ártemis, cuja lenda
tino decidiu dar a sua filha ao estrangeiro, apresenta muitos pontos comuns ao género de
Amata tentou, por todos os meios, impedir o vida das Amazonas, guerreiras e caçadoras.
casamento. Ela movimentou as mulheres Lau- Também se lhes atribui, por vezes, a fundação
rentes contra os Troianos. Ao ter conhecimento de Éfeso, e a construção do grande templo de
da vitória destes e da morte de Turno, Ártemis (v. também Mirina).
enforcou-se. ·
Note-se que Amata é o nome ritual da Ves- ÂMICE. (' Aµúx71.) Âmice é a filha do rei de
tal, em Roma, no momento da sua consagra- Chipre, Salamino. Ela instalou uma colónia de
ção pelo Grande Pontífice. cipriotas em Antioquia, nas marge~s do
Oronte, e aí desposou Caso, um filho de !naco
AMAZONAS. ('Aµo;Çóvtç.) As Amazonas que para ali tinha conduzido uma colónia de
são um povo de mulheres que descendem do cretenses. Aí morreu, e foi sepultada não longe
deus da Guerra, Ares, e da ninfa Harmonia. da cidade, num local chamado Âmice.

Amalteia: H YG., Fab., 139; 182; Ov., Fast., V, VAL. Fl AC., Arg., V, 132; PAUSAN., 1, 2, l; 15, 2; 17,
115; CALLIM., Hymn. , l, 46 e s.; D100. S1c, V, 70, 2; 25, 2; 41, 7; li, 31, 4; 32, 9; Ili, 25, 3; IV, 31 , 8;
2; STRAB., VIII, 7, 5, p. 387 ; ERATOSTH., Cal., XIII. V, 10, 9; li, 4 e7; 25, li; VII, 2, 7 e8. Cf. Ch. P1-
CARD , in Mél. Radet, 1940, p . 270-284; [D., Ephese
Amata: V1RG., Aen., Vil, 343 e s.; XII, 595 e s.; et Claros, Paris, 1922; P. DEVAMBEZ, «Les Amazo-
cf. A. GELL., N. A., 1, 12, 19. nes et l' Orient», Rev. Arch., 1976, pp. 265-280; P.
SAMUEL , Amazones, guerrieres et gai/lardes, Greno-
Amazonas: APOLLOD., Bibl., II, 3, 2; 5, 9; Ep., 1,
ble, 1975.
16; li., VI, 186; APOL. RH., Arg., II, 96 e s., e es-
cól. ad toe. ; PLUT., Thes., 27; D100. S1c., IV, 28, 2; Àmice: MALAL., p. 198 b.
ÃMICO 24

ÂMICO. (" Aµuxoç.) Âmico era um gigante, as preocupações, não pôde impedir a sua so-
filho de Posídon e rei dos Bébrices, na Bitínia. brinha, Rea, de dar à luz dois gémeos, Rómulo
De índole selvagem, inventara o boxe e o pu- e Remo, que acabaram por o destronar e dar-
gilato. Atacava os estrangeiros que aportavam -lhe a morte, restituindo o poder a Numitor,
na Bitínia e matava-os a murro. Quando os Ar- o seu avô (v. N umitor).
gonautas gesembarcaram no seu país, depara-
ram com Amico, que os desafiou para o com- * ANA PERENA. (Anna Perenna.) Divin-
bate. Pólux aceitou o desafiou e a lut a dade romana muito antiga, honrada num bos-
começou. Apesar da sua enorme estatura e que sagrado, sit uado mesmo ao norte de
força brutal, o gigante fo i vencido pela habi- Roma, na Via Flamínia. Representavam-na
lidade e agilidade do herói. A parada do jogo com os traços duma velha mulher. Quando se
era a própria pessoa dos combatentes: Âmico, deu a Secessão da Plebe no Monte Sagrado,
se tivesse vencido , teria matado o seu adver- como as provisões fossem insuficientes, Ana
sário; mas este, tendo levado a melhor, limitou- Perena terá feito uns bolos que todos os dias
-se a exigir de Âmico que prometesse respei- vendia ao povo, evitando assim a fome. Por
tar, no futuro, os estrangeiros, vinculando-o esta razão lhe terão prestado honras divinas
a isso por meio dum juramento solene. após a cessação dos motins políticos e a reen-
trada da plebe em Roma.
AMIMONE. ('AµuµwllT).) Amimone é uma Outra tradição, desenvolvida simultanea-
das cinquenta filhas do rei Dánao; a sua mãe mente com o romance de Eneias, considerava-a
era Europa. Quando Dánao deixou a Libia (v. como a irmã da rainha Dido. Após o suicídio
Dánao) com o s seus filhos, Amimone de Dido (v. Eneias), o reino de Cartago fora
acompanhou-o e instalou-se com ele em Argos. invadido pelos indígenas, sob o comando de
Mas.º país estava privado de água, por causa larbas (v. larbas) e Ana vira-se obrigada a
da colera de Posídon , descontente com a atri- fugir. Inicialmente, encontrou asilo junto do
buição desta região a Hera, quando ele a de- rei de Mélite, uma ilha da costa de África. Mas
sejava para si. Tendo-se tornado rei de Argos, Pigmalião , o rei da Síria, tinha vindo pedir ao
Dánao enviou as suas filhas à procura de água. rei de Mélite que lhe entregasse a fugitiva. Esta
Tal como suas irmãs, Arnimone partiu também deixou a ilha e, após ter embarcado, foi colhida
e, quando se cansou de caminhar, adormeceu por uma tempestade que a lançou sobre as cos-
no campo. Enquanto dormia, apareceu um sá- tas do Lácio. Ora, nesta altura, Eneias reinava
tiro, que tentou violentá-la. A jovem invocou sobre a cidade de Laurentes e foi precisamente
a ajuda de Posídon que apareceu de imediato ai que a jovem aportou. Eneias passeava à
e, com um golpe de tridente, afastou o sátiro. beira-mar, acompanhado do seu amigo Aca-
Amimone concedeu a Posídon o que recusara tes, que reconheceu Ana. Eneias acolheu-a, co-
ao sátiro. O tridente contudo, ferira o rochedo movido, lamentou o triste fim de Dido e
e uma nascente jorrara, uma tripla nascente. instalou-a no seu palácio. Isto, porém, não
Segundo outra versão, Posídon, apaixonado agradou à mulher de Eneias, Lavínia, que não
por Amimone após a ter socorrido, revelou- viu com bons olhos o aparecimento desta tes-
-lhe a existência da fonte de Lema. Amimone temunha do passado de seu marido . Um so-
gerou um filho de Posídon, o herói Náuplio. nho preveniu-a de que devia recear as artima-
nhas de Lavínia e, em plena noite, Ana fugiu
ÂMPELO. ("AT}1ttÀoç.) Âmpelo (cujo nome do palácio. Vagueando, encontrou o deus do
significa «cepa da vinha») era um jovem, rio vizinho, o Numício, que a arrastou para o
amado por Dioniso. Era filho dum sátiro e seu leito. Entretanto, os companheiros de
duma ninfa. O deus deu-lhe como presente Eneias procuravam a fugitiva. Seguiram os seus
uma vinha carregada de cachos, suspensa num passos at'é à margem do rio; aí, as pegadas de-
ramo de olmo. O jovem quis colher os frutos, sapareciam. Desnorteados quanto ao rumo a
subiu ao olmo, mas caiu e morreu. Dioniso tomar, surgiu-lhes um vulto, vindo da água,
transformou-o em constelação. que lhes revelou que Ana, a exilada, se tornara
numa ninfa das águas, cujo nome, agora, era
* AMÚLIO. (Am ulius.) Décimo quinto rei Perenna, que significava eternidade. Por isso,
de Alba, filho de Procas e irmão de Numitor. alegres, os servidores de Eneias espalharam-se
Antes de morrer, Procas dividira ao meio a he- pelos campos e passaram o dia em festas e fes-
rança real : dum lado os tesouros , do outro o tins , costume que se perpetuou na celebração
reino. Num it or escolheu este; Amúlio, anual da festa de Ana Perena.
apoiando-se nas riquezas que lhe couberam, Tendo envelhecido, Ana foi escolhida por
não teve qualquer dificuldade em afastar o seu Marte como intermediária entre ele e Minerva .
irmão e ocupar-lhe o lugar. Apesar de todas Marte amava Minerva, mas a deusa, que era

Âmico: APOL. RH., II, 1 e s . ; APOLLOD., Bibl., I, Amúlio: PLUT., Rom., 3; L1v., I, 3; DION. HA L.,
9, 20; Hvo., Fab ., 17; THEOCR. , XXII, 27 e s. 1, 71.
Amimone: APOLLOD., Bibl., 11, J, 4 e s.; Ov., Am.,
1, 13; P AUSAN ., II, 15, 4; HYG ., Fab., 169. Drama sat. Ana Perena: Ov., Fas1., III, 5 17 e s.; MAc R. , Sat.,
de Ésou11.0 (perdido); cf. escól. ad li. , IV, 171. V. F. I, 12, 6. V. M. ÜUARDUCCI, li Culto di Anna ... nelle
BROMMER, Ath. Mil/., 1938-1939, p. 171-176. iscrizioni sicu/i di Buscemi, e il cu//o lalino di Anna
Perenna, in Swdi e Materiali di St. dei/e Reli., 1936,
Âmpelo: Ov., Fas1., III , 407 e s.; NONN . , Dion., p . 25 a 50, e sobtretudo G. D uM~ZIL, Le Festin d'im-
X, 175 e s. mortalité... , P aris , 1924.
ANDRÓGEO

.:a.rui, resistia aos seus.atrevimentos. Por isso, pital se abrira um profundo abismo que amea-
j)CllSOU em confiar à velha Ana o tradicional çava absorver a cidade , Ancuro pediu ao orá-
;,apel de alcoviteira. Ana, sabendo ser a sua culo que fizesse desaparecer tal ameaça.
missão impossível, porque Minerva era incor- O oráculo respondeu-lhe que deveria lançar a
.upúvel, enganou o deus, iludiu-o com falsas este abismo o que ele possuía de mais precioso.
esperanças e, por fim, substituiu-se a Minerva O ouro e as jóias, entretanto lançados, não de-
num encontro nocturno com Marte. Quando ram qualquer resultado . Ancuro acabou por
este foi introduzido no quarto nupcial, ela le- se precipitar ele mesmo . O abismo , então,
vamou o véu que lhe ocultava o rosto e Marte fechou-se de imediato.
reconheceu a velha, que escarneceu dele com
tennos muito picantes. Dizem que será esta a ÂNDROCLO. CAvõpoxÀoç.) Filho de Codro
razão que explica as canções obscenas que se e chefe dos colonos jónios que afastaram os
cantam na festa de Ana. Léleges e os Cários que residiam na região de
Éfeso. Considerava-se mesmo que ele teria fun-
A'.'o/AXÁGORAS. ('Avxçayópaç.) Filho de dado esta cidade. Conquistou também a ilha
~legapentes, que por seu lado era filho de de Samos. Sobre a fundação da cidade de
Preto, o rei de Argos, a quem sucedeu (v. qua- Éfeso, contava-se que um oráculo anunciara
dro 13, p. 152). Segundo uma tradição refe- aos colonos que a localização da futura cidade
rida por Pausânias e Diodoro, foi durante o lhes seria indicada por um peixe e um javali.
seu reinado, e não sob o do seu avõ, Preto, que Ora estando eles, urna tarde, a preparar a re-
se deu a loucura colectiva das mulheres de Ar- feição, um peixe que estava a ser cozinhado sal-
gos, loucura essa que foi curada por Melampo tou e arrastou consigo um carvão em brasa que
(v. Melampo). Em paga, Anaxágoras cedeu a pegou fogo a um bosque. Do bosque saiu um .
Melampo uma terça parte do seu reino, uma javali, que Ândroclo matou. Convencido de
segunda terça parte ao irmão de Melampo, que o oráculo se cumprira nesta curiosa coin-
Bias, e reservou para si a restante. Os seus des- cidência, Ândrocolo fundou aí mesmo a ci-
cendentes, os Anaxagóridas, reinaram nestas dade.
condições até que o filho de Esténelo, Cilárabe,
unificou de novo todo o reino de Argos sob ANDRÓGEO. (' Avopóyu.,ç.) Andrógeo é um
o seu poder. Com efeito, na descendência de dos filho s de Minos e de Pasífae (quadro 30,
Melampo, Anfíloco exilou-se quando regres- p. 312). Este filho, notável em todas as moda-
sou da Guerra de Tróia (v. Anfc7oco). Na de lidades atléticas, veio participar nos concursos
Bias, o último, Cianipo, filho de Egialeu, ou, promovidos em Atenas por Egeu, e ai venceu
segundo outros, o seu irmão logo a seguir (cf. todos o s conco rrentes. Invejoso , Egeu
quadro 1, p. 8), morreu sem filhos. Cilárabe mandou-o combater o touro de Maratona, que
também morreu sem deixar descendência e foi infestava a região, e Andrógeo sucumbiu. Ou-
o filho de Agamémnon, Orestes, que se apo- tros dizem que, depois das suas vitórias em
derou de Argos, ao mesmo tempo que de Es- Atenas, Andrógeo se dirigiu para Tebas, para
parta (v. Orestes). aí concorrer aos jogos, tendo sido atacado no
caminho pelos seus rivais derrotados e por eles
ANAXÁRETE. ('AV<Xçapi.11.) Anaxárete era assassinado. Seja como for , quando estas no-
uma donzela de Chipre, pertencente a uma no- tícias chegaram a Minos, estava este prestes a
bre família que descendia de Teucro, o funda- celebrar um sacrifício na ilha de Paros. Sem
dor de Salamina de Chipre. Um jovem da ilha, interromper o ritual da festa , ele quis, contudo,
cha mado lfis, apaixonara-se profundamente deixar bem claro o seu luto e afastou da ca-
por ela, mas Anaxárete comprazia-se em fazê- beça a coroa que a ornava; fez parar também
-lo sofrer. Desesperado, Ífis enforcou-se à a música das tocadoras de flauta rituais. Foi
porta da casa da jovem. Esta, longe de se im- esta, diz-se, a origem do rito especial de Pa-
pressionar com o facto, quis, por simples cu- ros, que exclui dos sacrifícios oferecidos às
riosidade, ver este funeral que passava à sua G raças (pois era às Graças que Minos sacrifi-
janela, por causa da grande multidão de pes- cava) as coroas de flores e a música da fl auta .
soas que reunira, bem como pelas lamentações Terminada a festa, Minos reuniu uma frota e
de toda a cidade, comovida por uma sorte tão foi a tacar Atenas. Começou por se apoderar
trágica. Mas Afrodite, irritada pela sua dureza, de Mégara, durante a viagem, cidade que, no
transformou-a em estátua de pedra, fi xando- golfo de Salamina, constitui o ponto estraté-
-lhe a postura de se debruçar à janela. Esta es- gico da Ática. Sujeitou a si a cidade graças à
tátua, chamada Venus prospiciens, a Vénus- traição da filha do rei Niso, Cila (v. Cita); em
-que-olha -em -frente, encontrava-se num seguida, marchou sobre Atenas. A guerra, con-
templo de Salamina de Chipre. tudo, prolongava-se. Desejando pôr-lhe termo,
Minos suplicou a Zeus que o vingasse dos Ate-
ANCURO. ("Arxoupoç.) Ancuro é filho de nienses. A fome e a peste caíram então sobre
Midas e rei da Frígia . Como perto da sua ca- a cidade. Com o tempo, os Atenienses a caba-

Anaxágoras: PAUSAN., II, 18, 4 e s.; º'ºº·s,c., [V, 68. Ândroclo : PAUSAN., VII, 2, 8 e s.; 4, 2; ÁTH EN .,
Anaxárete: Ov., M et., XIV, 698 e s.; cf. ANT. Vlll, 361c a e; STRAB., XIV, p . 633; 640.
Lrn., Tr., 39, que conta uma lenda parecida, cujos Andrógeo: A POLLOD., Bibl. , III , 15, 7; CAT. ,
heróis, igualmente cipriotas, são Arcéofon e Arsínoe, LXVI, 77 e s.; H YG., Fab., 41; Ov., Met., VII, 458;
a filha do rei de Salamina. PAUSAN., ), !, 2; 4; 27, 10. ; PROP., II, 1, 6 1-62; L.
Ancuro: P LUT., Parai/. min ., 5. WEBER, in Ar. f. Rei. Wiss., XXIII (1925), p. 228 e s.
ANDRÓMACA 26

ram por interrogar o oráculo, após o sacrifí- expiatória. Os Etíopes forçaram Cefeu a con-
cio de várias donzelas (as Jacíntides) se ter re- sentir no sacrifício e prenderam, então, ajo-
velado inútil. O oráculo respondeu que, para vem a um rochedo. Perseu, no regresso da sua
fazer cessar o flagelo, os Atenienses deveriam expedição contra Gorgo, viu-a, apaixonou-se
conceder a Minos o que este lhes exigia. Mi- por ela e prometeu a Cefeu que lhe libertaria
nos exigia que todos os anos lhe fosse entre- a filha se ele consentisse em dar-lha como es-
gue um tributo de sete mancebos e sete donze- posa. Cefeu aceitou. Perseu matou o monstro
las, sem armas, que seriam dados como e desposou Andrómeda. Entretanto Firieu, um
alimento ao filho monstruoso de Pasífae, o Mi- irmão de Cefeu , que já estivera noivo da jo-
notauro. Seria Teseu quem havia de libertar a vem, sua sobrinha, conspirou contra Perseu.
Ática deste tributo. Mas este descobriu a conspiração e voltou con-
Uma tradição refere que Andrógeo teria sido tra os seus inimigos a cabeça de Gorgo, que
ressuscitado por Asclépio, confundindo-o pos- os transformou em pedra. Quando deixou a
sivelmente com Glauco (v. Glauco, 5). Andró- Etiópia, Perseu levou consigo Andrómeda para
geo tinha dois filhos, Alceu e Esténelo, que se Argos, e depois para Tirinte. Aqui, Andró-
fixaram em Paros, com os seus tios, os filhos meda deu-lhe vários filhos e uma filha (v. qua-
de Minos e de Pária (v. Nefá/ion). dro 32, p. 370).
ANDRÓMACA. ('Avôpoµó:xTJ.) Andrómaca Existe uma interpretação racionalista da
é a filha do rei de Tebas, da Mísia, Eécion, cuja lenda, referida por Cónon. Segundo esta ver-
cidade foi arrasada por Aquiles, pouco antes são, Cefeu reinava sobre o país que mais tarde
do nono ano da Guerra de Tróia (v. A·quiles). se chamou Fenícia, mas que nesta altura se cha-
Andrómaca, mulher de Heitor e nora de mava Íope, do nome da cidade costeira homó-
Príamo, perdeu, neste ataque dos Gregos con- nima. O seu reino estendia-se desde o Medi-
tra a sua terra natal, o pai e os sete irmãos, terrâneo até à região ,dos Árabes e ao mar
massacrados por Aquiles. De Heitor, ela tinha Vermelho. Cefeu tinha uma filha muito bela,
apenas um filho, Astíanax. Após a morte do Andrómeda, cortejada por Fénix, o epónimo
marido e a queda de Tróia, Andrómaca foi des- da Fenícia, e pelo seu tio Fineu, o irmão de Ce-
tinada, como despojo de guerra, a Neoptó- feu . Após muita hesitação, Cefeu decidiu dar
lemo, o filho de Aquiles. Neoptólemo, depois a filha a Fénix, mas não quis dar a entender
de ter morto Astíanax, segundo uns, ou sem que a recusava a seu irmão, e então simulou
o ter morto, segundo outros, levou Andrómaca um rapto. Levariam Andrómeda para uma ilha
para Epiro, onde reinava. Aí, Andrómaca deu- onde ela habitualmente fazia sacrifícios a Afro-
-lhe três filhos: Molosso, Píelo e Pérgamo. dite. Fénix desempenhou-se disto, fazendo-a
Quando Neoptólemo foi assassinado em Del- embarcar num barco a que dera o nome de
fos, onde fora consultar o oráculo, ao morrer A Baleia. Quanto a Andrómeda, como igno-
legou a Heleno, o irmão de Heitor que ele le- rava tratar-se apenas duma encenação para en-
vara consigo para o Epiro, o reino e a mulher ganar o seu tio, gritava, pedindo socorro. Ora,
(v., no artigo Mo/osso, a versão seguida por por acaso, Perseu, o filho de Dánae, passava
Eurípides). nessa altura. Viu a jovem a ser raptada e, ao
Quando Eneias viajou até ao Epiro, Andró- primeiro olhar, apaixonou-se. Lança-se sobre
maca reinava, em boa harmonia, com Heleno. a embarcação, volta-a, deixa os marinheiros
Quando este morreu, Andrómaca teria acom- paralisados com o susto e leva consigo Andró-
panhado o seu filho Pérgamo até à Mísia, onde meda, com quem casa. Depois disto, reina
fundou uma cidade com o seu nome, Pérgamo. tranquilamente em Argos.
Segundo a tradição, Andrómaca terá sido uma ANFIARAU. ('Aµcp,ó:p,xoç.) Anfiarau é o fi-
mulher forte e morena, do tipo dominador. lho de Ecles e de Hipermestra, (sobre a sua fi -
ANDRÓMEDA. (' AvôpoµiÔTJ.) Andrómeda liação e as suas origens, v. o quadro 1, p. 8).
é a filha de Cefeu, o rei da Etiópia, e de Cas- Tinha como filho s Alcméon e Anfíloco, aos
siopeia. A sua mãe pretendia ser mais bela do quais outras tradições acrescentam três heróis,
que todas as Nereides. Ciumentas, estas pedi- que pertencem às lendas itálicas: Tributo, Co-
ram a Posídon que as vingasse de tal afronta. ras e Catilo, os fundadores da cidade de Ti-
Para lhes agradar, Posídon fez aparecer um bur, perto de Roma (hoje Tivoli).
monstro que assolava o país de Cefeu. Inter- Anfiarau era um adivinho, protegido por
rogado pelo rei, o oráculo de Ámon predisse Zeus e Apolo. Além disso, era um guerreiro
que a Etiópia ver-se-ia livre deste flagelo se a e um chefe célebre pela sua honestidade e va-
filha de Cassiopeia fosse exposta como vítima lentia, bem como pela sua piedade. Nas que-

Andrómaca: li., VI, 395 e s.; XXII, 460 e s., etc.; a lguns fragmentos ; cf. também ERATOSTH., Cal., 17.
EuR., Tr.; HYG. , Fab., 123 ; V1RG., Aen., Ili, 295, V. A. FERRABINO, Ka[ypso, Torino, 1914, p . 323
e SER V., ad toe.; EuR., Andr., passim; SENEC., Tro.; e ss.
PAUSAN., [ , 11, l e 2; X, 25, 9-10; cf. J . PERRET, Les
Anfiarau: APOLLOD., Bibl., I , 8, 2; Ili , 6, 3 e s.;
Origines rroyennes ... , Paris, 1942; W1LLAMOwnz- V1RG., Aen., VII, 670; X I, 640; HOR., Carm., I, 18;
-MOELL. , in Hermes, 1923, p. 284 e 5. 2; II , 6, S; li., XV, 245-253; PINO. Nem., passim, e
Andrómeda: APOLLOD., Bibl., li, 4, 3; Ov., Mel., os escól.; AESCH., Th., S68 e s.; STAT., Theb .• pas-
IV, 665 e s.; HYG., Fab., 64; Astr. Poet., li, li; sim; D10D. s,c., IV, 65, Ses.; PAUSA N., [, 34, l -5;
TZETZ., escól. ad Lvc., A/ex., 836; CONON, Narr. , V, 17, 7 e s.; IX, 41, 2; H YG ., Fab., 73; 74; BACCH. ,
40. SôFOCLES e EuRf PJDES tinham ambos composto, Epin., VIII, IOe s.; TzETz., ad Lyc., 1066; Ps.-Ov.,
sobre este tema, uma tr agédia, de que apenas restam !bis, 427 e s.; SIS e s.
27 ANFÍLOCO

relas que marcaram o início do seu reinado em a esta campanha, Anfiarau fugiu até às mar-
Argos, Anfiar·au matou o pai de Adrasto, Tá- gens do lsrneno e aí, no momento em que ia
lao, e expulsou Adrasto (v. Adrasto). Mais ser alcançado por Periclírneno, Zeus, com o seu
tarde, os dois primos reconciliaram-se. Mas en- raio, entreabriu a terra e engoliu-o, a ele, aos
quanto Anfiarau o fazia sinceramente, o ou- seus cavalos, ao seu carro e ao seu cocheiro.
tro guardava-lhe rancor. Adrasto deu-lhe em No tempo de Pausãnias, ainda se indicava o
casamento sua irmã Erífile, estipulando que local onde O· herói desaparecera. Zeus
ambos se deveriam submeter ao julgamento da concedeu-lhe a imortalidade e Anfiarau con-
jovem mulher, em caso de alguma briga futura. tinuou a proferir oráculos em Oropo, na Ática.
E foi este acordo que viria a provocar a morte ANFÍCTION. ('A11-cp,x-níwv.) Anfíction, se-
de Anfiarau. Com efeito, tendo Adrasto pro- gundo filho de Deucalião e de Pirra (v. qua-
metido a Polinices que o faria reinar de novo dro 8, p. 116), casara com urna filha de Crá-
sobre Tebas, ele pediu ao seu cunhado Anfia- nao, rei de Atenas, e afastou o sogro para
rau que tornasse pane na expedição que ele pre- reinar em seu lugar (v. também Coleno). Dez
parava contra a cidade. Anfiarau, esclarecido
pelos seus dons de adivinho sobre a sorte fu- anos depois, foi ele também expulso do reino
nesta desta guerra, tentou demovê-lo qesta ini- por Erictónio. Segundo algumas tradições, foi
ciativa. Mas Polinices, a conselho de lfis, ofe- ele quem deu o nome de Atenas à cidade e que
receu a Erífile o colar de Harmonia (v.Cadmo). a consagrou à deusa Atena. Foi igualmente no
seu reinado que Dioniso visitou a Ática, onde
Comprada por este presente,. Erífile, escolhida
corno árbitro entre Adastro e Anfiarau, deci- foi hóspede do rei.
Atribui-se-lhe, por vezes, a fundação da An-
diu a favor da guerra e Anfiarau, vinculado à fictionia, a associação religiosa que reunia pe-
sua promessa, viu-se forçado a marchar con- riodicamente enviados de todas as cidades gre-
tra Tebas. Antes de partir, obrigou os seus dois gas. Antes de reinar em Atenas, com efeito, ele
filhos a jurar que o vingariam mais tarde, ma- teria sido rei das Terrnópilas, que era um dos
tando a sua própria mãe e organizando urna dois locais de reunião da assembleia (o outro
segunda expedição contra Tebas que, essa sim, era Delfos).
seria vitoriosa (v. Alcméon). Foi esta acha- Anfíction teve um filho, !tono, cujos filhos
mada expedição dos «Epígonos»·.
A caminho de Tebas, esperava-os urna pri- entram nas lendas beócias. Urna das suas fi-
meira aventura. Ao atravessarem Nérnea, os lhas é a mãe de Cércion (quadro 8, cit.; v. tam-
heróis, tendo sede, pediram a Hipsípile, a es- bém Locro).
crava que guardava Ofeltes, o filho do rei do ANFÍLOCO. (' A11-cp[Àoxoç.) Duas persona-
país, que lhes indicasse urna fonte onde sedes- gens com o nome de Anfíloco são referidas,
sedentassem. Hipsípile, para lhes responder, de modo pouco claro, pelas diferentes tradi-
deixou por momentos de segurar na criança. ções. Um é o filho mais novo de Anfiarau, e
Ora um oráculo ordenara que ela nunca fosse o irmão de Alcrnéon (v. quadro 1, p. 8). Muito
poisada em terra enquanto não conseguisse ca- jovem quando seu pai atacou Tebas, apenas
minhar. Ela, porém, colocou-a junto da fonte desempenhou um papel secundário no assas-
e a serpente que estava de guarda à fonte sínio de Erífile e na vingança de Anfiarau (v.
precipitou-se sobre a criança e sufocou-a. An- Anjiarau e Alcméon). Talvez Anfíloco nem se-
fiarau revelou-lhe o significado funesto deste quer tenha participado no assassínio de sua
presságio: a expedição seria desastrosa e os che- mãe. Por isso, não foi perseguido pelas Erínias,
fes morreriam. Os heróis nem por isso deixa- corno seu irmão. Ele figura entre os pretenden-
ram de prosseguir o seu caminho, após terem tes de Helena e, corno tal, participou na expe-
instituído jogos em honra de Ofeltes, a quem dição contra Tróia, depois de ter regressado da
eles chamaram Arquérnoro, o «Começo do guerra dos Epígonos contra Tebas. O seu
Destino». Eles mesmos participaram nos jogos nome, contudo, não é referido na Il[ada, mas
que, mais tarde, se tornaram nos Jogos Ne- deve ter sido introduzido pelos poemas dos Re-
rneus, e Anfiarau ganhou o prémio do salto e gressos. Em Tróia, Anfíloco, que participava
do disco. Pelos seus discursos e pela sua sabe- dos dons proféticos de seu pai, secundou o adi-
doria, obteve também o perdão de Hipsípile vinho Calcas e com ele teria fundado diversos
da parte dos pais de Ofeltes (v. Hips[pile). De- oráculos na costa da Ásia Menor. Este papel
pois, os «Sete>> chegaram a Tebas. é, contudo, geralmente atribuído mais ao se-
Em Tebas, nos combates travados diante das gundo Anfíloco, sobrinho do precedente, fi-
sete portas da cidade, Anfiarau desempenhou lho de Alcrnéon e de Manto, que por sua vez
um papel importante. Corno um dos Sete, Ti- é filha do adivinho tebano Tirésias. Anfíloco,
deu, fora ferido no ventre por Melanipo, An- o jovem, fundara Argos, na Etólia (diferente
fiarau matou-o, cortou-lhe a cabeça e levou- da Argos da Argólida, muito mais célebre e mais
-a, a sangrar, até Tideu, que a abriu e lhe antiga). Também ele foi a Tróia e, com o adi-
comeu o cérebro. Atena, que pensara conce- vinho Mopso, fundou na Cilícia a cidade de
der a imortalidade a Tideu, ficou tão horrori- Maio. Depois, desejando regressar à cidade de
zada com este acto de canibalismo que renun- Argos, por ele fundada, teria partido de Maio,
ciou à sua intenção. Na derrota que pôs fim deixando a cidade entregue a Mopso. Mas em

Anflclion: Bibl., [, 7, 2; II!, 14, 6;


APOLLOD., Anfíloco: APoLLOD., Bibl., Ili, 6, 2; 7, 2; IO, 8; STRAB.,
Chron. Paros, 1, 8 a 10; 1, 2, 5 e 6; 14, 3;
PAU SAN., XIV, p. 668 e s.; PAUSAN., [, 34, 3; li, 1, l; 18, 4-5; 20,
31, 3; V, 1, 4; IX, I, I; 34, 1; X, 8, 1 e 2. 5; lll, 15, 8; V, 17, 7; X, 10, 4. V. Anfiarau, Alcméon.
ANFION 28

Argos, ele ficou descontente com o estado em lops, Astidameia (v. quadro 2, p. 12). Parti-
que encontrou a cidade e voltou a Maio. cipou na guerra entre o seu tio e cunhado
Pediu então a Mopso que lhe restituísse o po- Eléctrion e o segundo sobrinho deste, Ptére-
d~r. Mas este recusou-lho. Então, os dois adi- . las: Eléctrion reinava em Micenas e Ptérelas re-
vinhos bateram-se num combate singular
tendo ambos morrido. ' clamava este reino como pertencente à descen-
dência de Mestor, um dos irmãos de Eléctrion.
ANFÍON. ('Aµrp(wv .) É o filho de Zeus e de Os filhos de Ptérelas surgiram à frente dum
Antíope e o irmão de Zeto. Nasceu em Elêu- exército de táfios (os habitantes da ilha de Ta-
teres, na Beócia, e ao nascer foi exposto com fos, na costa da Acarnânia), para devastar a
o seu irmão no cimo da montanha pelo tio-avô região de Micenas e roubar os rebanhos de
Lico. Os dois bebês foram recolhidos por um Eléctrion. Todos os filhos de Eléctrion e de P té-
pastor, que os criou. Zeto dedicou-se às artes relas pereceram nesta luta, excepto um de cada
violentas e manuais: luta, agricultura, criação família, Licímnio entre os primeiros e Everes
de gado, enquanto seu irmão, que recebera de entre os segundos. Os Táfios conseguiram
Hermes uma lira como presente, se entregava escapar, levando consigo os rebanhos, que eles
à música. Conta-se que os dois jovens costu- confiaram ao rei de Élis, Políxeno. Mas Anfi-
mavam discutir acerca dos méritos respectivos trião levou este a entregar-lhos, mediante um
das suas artes. Anfíon, mais afável que seu ir- resgate, e reconduziu-os para Micenas. Para
mão, cedia-lhe com frequência, mesmo ao vingar a morte de seus filhos, Eléctrion deci-
ponto de renunciar por vezes à música. Entre- diu então empreender uma campanha contra
tanto, a mãe, Antíope, estava prisioneira de Ptérelas e o seu povo, os Teléboas. Durante a
seu tio Lico, e era tratada como uma escrava sua ausência, confiou o reino a Anfitrião, as-
pela mulher deste, Dirce, ciumenta da sua be- sim como a sua filha, Alcmena, comprometen-
leza. Mas, uma noite, as cadeias que a pren- do-se Anfitrião a respeitar a jovem até ao re-
diam caíram milagrosamente e ela, sem que gresso do rei. Mas Eléctrion não partiu para
ninguém se apercebesse, chegou à choupana a guerra, como era seu desejo. Quando Anfi-
onde habitavam os seus filhos. Estes reconhe- trião lhe entregava os rebanhos roubados, uma
ceram-na e vingaram-na, matando Lico e sua vaca enfureceu-se e quando Anfitrião, para a
mulher, Dirce. O castigo desta foi horrível. dominar, lhe batia com uma vara, esta ressal-
Ataram-na viva a um touro que a arrastou e tou dos chifres do animal e acertou em cheio
despedaçou contra os rochedos . Depois disto, em Eléctrion, matando-o. Esténelo, o soberano
os dois irmãos reinaram em Tebas no lugar de de Argos e de quem dependia o reino de Mi-
Lico. Rodearam a cidade de muralhas. Zeto cenas, aproveitou o facto para expulsar Anfi-
transportava as pedras às costas, enquanto An- trião do seu território. Anfitrião fugiu com
fíon se limitava a atraí-las a si, com os acor- Alcmena e Lícímnio para Tebas, onde foi pu-
des da sua lira. Mais tarde, Anfíon desposou rificado do seu homicídio pelo rei Creonte.
Níobe, a filha de Tântalo (v. Nfobe) . Segundo Vinculado, porém, ao seu juramento, Anfitrião
uns, foi morto por Apolo, ao mesmo tempo não podia desposar Alcmena. Esta só queria
que os seus filhos . Segundo outros, enlouque- consentir no casamento depois de vingada a
ceu e tentou destruir um templo de Apolo. morte dos seus irmãos. Por isso, Anfitrião teve
O deus trespassou-o então com uma flecha. de promover uma expedição contra Ptérelas e
os Teléboas e, para tal, pediu ajuda a Creonte.
ANFÍSTENES. (' Aµp,aGiv.) Anfístenes é um Este não lha recusou mas pôs como condição
lacedemónio, neto de Agis e filho de Ânficles. prévia que Anfitrião libertasse Tebas duma ra-
Teve um filho, Irbo, cujos dois filhos Astrá-
posa que fazia estragos na região. Esta raposa,
baco e Alopeco, encontraram a estátu~ de Ár- a raposa de Teumeso, não podia ser alcançada
temis de Órtia. Por terem contemplado a es- em corrida. Anfitrião recorreu então ao cão de
tátua sagrada, Astrábaco e Alopeco ficaram Prócris, que viera de Creta e que era capaz de
loucos.
alcançar ·em corrida tudo quanto perseguia.
A estátua de Ártemis há muito que se per- A caçada iniciou-se mas sem poder ter um des-
dera (diz-se que seria a mesma que Orestes e fecho. Porém, Zeus, para respeitar os Desti-
Ifigénia tinham trazido de Táurica). As duas nos e encontrar uma solução, transformou os
crianças encontraram-na escondida num sil- dois animais em estátuas de pedra.
vado. Era diante desta estátua que os jovens Tendo assim satisfeito a condição fixada por
espartanos, todos os anos, eram chicoteados Creonte, Anfitrião obteve a aliança dos Teba-
até sangrarem.
nos contra os Teléboas. Com outros contingen-
ANFITRIÃO. ('Aµrp,~púwv.) Anfitrião é fi- tes (designadamente Céfalo, da Ática, Pano-
lho de Alceu, o rei de Tirinte, e da filha de Pé- peu, da Fócida, Heleio, da Argólida, um filho

A?fíon: Od., XI, 260 e s.; EuR., tr. perdida de Anfístenes: P AUSAN. , III, 16-9 e s.
Anllope; APOL. RH., Arg., 1, 735-741; escól. a IV,
1090; APOLLOD., Bibl., III, 5, 5 e s.; PAUSAN li 6 Anfitrião: APOLLOD., Bibl., II, 4, 6 e s.; HES. ,
4; 21 , 9-10; V, 16, 4; VI, 20, 18; IX, 5, 6-9; 8°,'4; '16: Bouc/., 11 e s .; TZETZ., ad Lyc., 932; E UR., Herc.
7; 17, 2·7; 25, 3; X, 32, li; PROP., I, 9, 10; HOR., F., 16 e s.; PAUSAN., IX, 19, l; ANTON . L1e . ,
Ep., 1, 18, 41-44; Od., ili, li, 2; Ars poet., 394 e s.; Tr., 41; Ov., Metam., VI, 762 e s.; H EROD . , V,
Ov., Met., VI, 271; Luc., De Salt., 41; HYG., Fab ., 59, P AUSAN., I, 37, 6: PLAUT., Amp., passim;
7-11; 14; 69; 76; 97; 155 . Cf. I. D UCHEMIN, La hou- HvG., Fab ., 30; THEORCR., XXIV; D10 0. S1c. III
lette el la lyre .. , I, Paris, 1960. 67,2. ' '
29 ANQUISES

de Perseu), devastou a ilha de Tafos. Mas aqui, pel que Hera junto de Zeus e que Perséfone
de novo, deparou com um encantamento. En- junto do deus dos Mortos. Representavam-na,
quanto Ptérelas fosse vivo, a cidade de Tafos habitualmente, rodeada dum numeroso cortejo
não podia ser conquistada, e a vida de P tére- de d ivindades marinhas.
las estava ligada a um cabelo de ouro escon-
ÂNIO. (" Av,oç.) Ânio é um filho de Apolo
dido na sua cabeleira. Entretanto, a filha de
que reinava em Delos, no tempo da guerra con-
Ptérelas Cometo, apaixonou-se por Anfitrião
tra Tróia. Sua mãe chamava-se Reo (a Romã)
e cortou' o cabelo fatal da cabeleira de seu pai.
e, pelo lado do pai, Estáfilo (Cacho), descen-
Este morreu e Anfitrião pôde assim apoderar-
dia de Dioniso. Quando Estáfilo se apercebeu
-se de todo o território dos Teléboas. Depois,
da gravidez da filha, não acreditando que ores-
deu a morte a Cometo e voltou a Tebas carre-
ponsável fosse Apolo, mas um amante vulgar,
gado de despojos. Foi dura_n t 7_esta ausência mandou que a ::ncerrassem num cofre e a lan-
que Zeus, disfarçado de Anf1tn ao, se ap~es~~- çassem ao mar, à deriva. O cofre foi dar às cos-
tou a Alcmena e dela obteve o que Anf1tnao
tas da Eubeia. Assim que a criança nasceu,
em vão lhe pedia (v. Alcmena e Héracles).
Apolo transportou-o, a ele e à mãe, para a ilha
Nessa mesma noite, Anfitrião regressou e gC;;
sagrada de Delos. Deu-lhe o poder sobre a ilha,
rou Íficles enquanto Akmena concebia Héra-
conferindo-lhe ao mesmo tempo o dom da pro-
cles a partir de Zeus. Quando a i_nfidelidade in- fecia. (V. também o art. Reo.)
voluntária de sua mulher lhe foi revelada pelo
De Doripe, Ânio teve três filhas, chamadas
adivinho Tirésias, Anfitrião quis, inicialmente,
«as Vinhateiras» (o!vo~pocpo(): Elais, Espermo
puni-la, mas foi impedido pela intervenção de
e Eno, cujos nomes lembram, respectivamente,
Zeus (v. Alcmena). Reconciliado com a sua
o do azeite, o do trigo e do vinho . Estas três
mulher, Anfitrião particip_ou activamente na
donzelas tinham recebido de Dioniso, seu an-
educação de Héracles, ensmado-lhe a condu-
tepassado, o poder de fazer brotar do solo o
zir um carro. Conta-se ainda que, para saber azeite, o trigo e o vinho. Conta-se que o seu
qual era o seu filho e qual o de Zeus, ele in-
pai ofereceu os seus serviços aos Gregos que
troduziu no quarto das crianças duas grandes
partiam para a Guerra de Tróia, pois sabia, pe-
serpentes. Íficles assustou-se, mas Héracles,
los seus dotes de profeta, que a guerra iria du-
com dez meses apenas, asfixiou os mon.stros.
rar dez anos . Inicialmente, os Gregos recusa-
Assim se revelou a origem humana de Ific!es
ram recorrer às três irmãs, mas depois, como
e a origem divina de Héracles (v. também Ifi-
a guerra se prolongava para além do previsto,
cles). Uma outra tradição dizia que as duas se~- Agamémnon enviou Ulisses e Menelau a De-
pentes teriam sido enviadas por Hera. Mais
los para as trazer e lhes confiar a tarefa de rea-
tarde, quando Héracles revelou a sua í~~ole bastecerem o exército. Elas aceitaram de bom
violenta ao matar Lino, seu mestre de musica, grado este encargo, mas depois saturaram-se
Anfitrião, receando sorte idêntica se porven-
e fugiram. Perseguidas pelos Gregos, pediram
tura contrariasse o filho, enviou-o para o protecção a Dioniso, e este transformou-as em
campo como boieiro. Foi assim que o. h_erói pombas. Por este motivo, era proibido em De-
matou o leão que nas montanhas do C1teron
los matar as ROmbas.
atacava os rebanhos de Anfitrião. Este mor-
A lenda de Ânio não figura nos poemas ho-
reu a combater ao lado de Héracles, na luta méricos; surge apenas nos Poemas Cfclicos, e
que os habitantes de Tebas, com a ajuda de Hé- desenvolveu-se na época helenística. Sobre
racles, sustentaram contra os Mínias de Orcó- Ânio, pai de Lavínia, v. Lavfnia.
meno, uma cidade vizinha de Tebas (v. tam-
bém Ergino e Héracles). * ANQUÉMOLO. (Anchemo/us.) Filho de
Reto, rei do povo itálico dos Marrú.vios (uma
ANFITRITE. ('Aµqa~píni.) Anfitrite é arai- cidade do país dos Marsos, na Itália central,
nha do Mar, aquela que rodeia o Mundo. E~a nas margens do lago Fucino). Fora amante da
faz parte do grupo das filhas de Nereu e de Do- sua sogra, Caspéria. Quando Reto se aperce-
ris, as chamadas Nereides. É ela quem conduz beu disso, quis matar o seu filho, mas este fu-
o coro das suas irmãs. Um dia em que dançava giu e encontrou asilo junto de Dauno, o pai
com elas junto à ilha de Naxos, Posídon viu-a de Turno. Combateu ao lado deste na guerra
e raptou-a. Conta-se também que Posídon _há contra Eneias, morrendo em combate.
muito que a amava, mas q ue, por pudor, a Jo-
vem se lhe recusou e se escondeu nas profun- ANQUISES. ('Anícrri,.) Anquises é o pai de
dezas do Oceano, para lá das Colunas de Hér- Eneias e o filho de Cápis e de Temiste (v. qua-
cules. Reencontrada pelos Delfins, foi dro 7, p. 112). Foi amado por Afrodite, que
conduzida por estes em grande cortejo até o vi.u quando ele guardava os rebanhos no c\mo
junto de Posídon, que a desposou. Ela desem- do Ida, perto de Tróia. Para ser bem sucedida,
penhava junto do deus do mar o mesmo pa- Afrodite aproximou-se dele, fazendo-se passar

Anfitrite: Od., III, 91; XII, 60, eic.; HEs., Theog., Anquémolo: YIRG., Aen., X, 388 e s.; SERV., ad
243; APOLLOD. , Bib/., I, 2, 7; 2; 4, 6; escól. ad Od., toe., cilando Av1ENO e ALEX . PoLYH.
III, 91; HYG., Astr. Poet., li, 17.
Ânio: Fragm. des ép. gr. (Kinkel), p. 29 e s.; APOL- Anquises: Hymn. hom. Aphrod.; li., XX, 239; es-
LOD. , Ep., III, 10; V1RG., Aen., III, 80 e SERV. ad /oc.; cól. ad XIII, 429; APOLLOD., Bibl., III, 12, 2 e s.;
Ov., Mel., XIII, 632 e s.; TZETZ., ad Lyc. , 570,58 1; HYG., Fab., 270; YIRG., Aen., I, 617; Il, 687. etc. V.
escól. à Od., VI, 164; º'ºº· s,c., V, 62; DION. HAL., 1ambém Eneias. Cf. H. J . RosE, in C/. Qu., 1924,
l, 59; cf. R. TEXIER, Rev. Arch., 1934, p. 155 e ss. p. IJ- 16.
ANTEIA 30

pela filha do rei da.Frígia, Otreu, raptada por e o coloca em lugar seguro , a ele e ao seu ir-
Hermes e transportada para a zona de pasta- mão Glauco. Durante o saque, os Gregos sus-
gens do Ida . Foi deste modo que ela se lhe uniu. penderam uma pele de leopardo à porta de sua
Mais tarde, revelou a Anquises a sua identidade casa, para indicar que esta deveria ser poupada.
e anunciou que lhe daria um filho. Recomen- Com a evolução do ciclo troiano, a imagem
dou-lhe, porém, que não revelasse a ninguém de Antenor transformou-se: passou a ser a de
que tinha um filho de uma deusa, pois se Zeus um traidor da pátria, que ajudou os Gregos a
o viesse a saber, fulminaria a criança. Mas, roubar o Paládio e que abriu as portas do ca-
num dia de festa, Anquises, que bebera vinho valo de madeira aos soldados gregos aí encer-
em excesso, gabou-se dos seus amores. Foi, en- rados. Antenor é considerado o antepassado
tão, castigado por Zeus, que o tornou coxo, dos Vénetos, que habitavam o vale inferior do
com o seu raio, ou, segundo outros, o cegou. Pó. Após a conquista de Tréia, teria partido
Atribui-se também a Anquises a paternidade com os seus filhos e, através da Trácia, alcan-
de Limo. çado o Norte de Itália.
Um dia em que Zeus enviara a Tróia cava-
los divinos, Anquises, em segredo, conseguiu ANTEU. ('Av8eúç.) Anteu era um jovem,
que as suas éguas fossem cobertas por estes ca- originário de Halicarnasso, de estirpe real, que
valos de padreação e lhe dessem seis poldros, vivia como refém na corte do tirano de Mileto,
dos quais cedeu dois a Eneias. Fóbio. A mulher deste, Cleobeia (out ros
Uma tradição obscura atribui a Anquises chamam-lhe Filecme), apaixonou-se por ele.
uma esposa mortal, chamara Eriópide, que lhe O jovem, contudo, resistiu-lhe, através de su-
teria dado várias filhas, a mais velha das quais cessivos adiamentos. Assim, ora alegava recear
se chamaria Hipodamia (v. Eneias). ser descoberto ora invocava o respeito que lhe
Quando Tróia foi tomada, Eneias salvou o merecia Fóbio pelos laços de hospitalidade, de
pai do incêndio e do massacre, levando-o con- tal forma que Cleobeia resolveu vingar-se,
sigo na sua viagem errante. O local da morte matando-o. Tendo lançado, a um poço bem
de Anquises (que tinha oitenta anos quando fundo, uma taça de ouro que lhe pertencia, ro-
partiu de Tróia) é diferentemente localizado, gou a Anteu que descesse e lha trouxesse. No
consoante os autores. Uns situam a sua sepul- momento em que ele chegara ao fundo do
poço, Cleobeia esmagou-o com uma pesada pe-
tura no cimo do Ida, onde outrora ele guar- dra que entretanto lançara. Tendo tomado
dara os seus rebanhos; outros, na península de consciência do crime que cometera, e conti-
Palene, na Macedónia; outros, na Arcádia, no
Epiro, no Sul da Itália, na Sicília, no cabo Dré- nuando apaixonada por Anteu, enforcou-se (v.
pano. Segundo Virgílio, Eneias organizou em também Frígio) .
sua honra jogos fúnebres que deram origem ANTEU. (' Avtocfoç.) Anteu é um gigante, fi.
aos Jogos Troianos, celebrados em Roma lho de Posídon e de Geia. Habitava na Líbia
ainda durante o Império. Por fim, há tradições (não longe de Útica, segundo Lucano, ou de
que o fazem viver até à chegada de Eneias ao Marrocos, segundo a maioria dos autores) e obri-
Lácio, na altura da guerra contra Mezêncio (v. gava todos os viajantes a lutar contra ele. De-
também Egestes). pois de os ter vencido e matado, enfeitava o tem-
ANTEIA. ("Avmoc.) V . Estenebeia.
plo do pai com os seus despojos. Enquanto
estivesse em contacto com a sua mãe (isto é,
ANTEIAS. ('Av8docç.) Herói de Patras, fi- o solo), Anteu era invulnerável. Mas Héracles,
lho de Eumelo (v. Triptólemo). quando passou pela Líbia em busca das maçãs
ANTENOR. ('Avdivwp.) Ancião troiano, de ouro, lutou com ele e sufocou-o, soerguendo-o
companheiro e conselheiro do velho Príamo. _sobre os ombros (v. também Tinge).
Antes da Guerra de Tróia, estabelecera laços ANTICLEIA. ('Av~(xÀe,oc: ) Mãe de Ulisses
de amizade com certos chefes gregos, de quem e mulher de Laertes. Era a filha de Autólico,
ele fora, inclusivamente, hóspede. Antes dQ o mais astuto dos homens (v. quadro 36,
cerco à cidade, acolhe em sua casa Menelau e p. 422). Quando Autólicci roubou o gado a Sí-
Ulisses, enviados como embaixadores, a fim de sifo, este apareceu-lhe em casa, à procura do
resolver amigavelmente o conflito (v. Mene- gado. Foi durante esta estada em casa de Au-
lau). Na Ilíada, vemo-lo dar conselhos de mo- tólico que Anticleia se terá deixado possuir, em
deração aos Troianos. Partidário das soluções segredo, pelo seu hóspede, antes de desposar
pacíficas, tenta obter a resolução do conflito Laertes. Este facto explicará por que razão
através de um duelo entre Páris e Menelau. Na Ulisses é, por vezes, considerado como filho
altura da tomada de Tróia, um dos seus filhos, de Sísifo. Durante a ausência do filho, Anti-
Licáon, que fora ferido, é reconhecido por cleia, cansada de aguardar o seu regresso, con-
Ulisses que o conduz através do exército grego sumida pelo desgosto, acabou por se suicidar.

Antenor: //., III, 148; 203-207; 262; VII, 347-353; Anteu: P1No . , lsth ., IV, 87 e s . ; es cól. ad toe.;
P AUSAN. , X. 26, 7; 27, 3 e s.; SERV., ad V1Ro ., Aen., D100. S1c ., IV, 17 , 4; PAUSAN., IX, li, 6; Ov., lb.,
1, 246e651; L1v ., I, l ; STRAB., XIII, l , 53 (p. 608); 393 e s.; e scól. ad loc.; AP.OL LOD., Bibl. II , 5, 11 ;
Trag. Gr. Fragm. (NAUCK), p. 160. Cf. J. BÉRARD, Luc . , Phars., IV, 590 e s.; Hvo ., Fab., 31; STAT .
Co/onisation .. ., p. 384; J. PERRET, Origines troyen- Theb., VI, 893 e s.; P OMP. MEL., 111, 106; S TRAB . ,
nes. .. , p. 157 e s. XVH, p. 829. .
Anticleia: Od., XI, 85; 536 e s.; Hvo ., Fab., 343; 201 ;
Aoteu: P ARTH. , Erot., 14. O v., Mel., XIII, 31 e s.; SERV., ad VIRO., Aen., VI, 529.
31 ANTÍOPE

A.'"ffÍGONA, ('AvtryóVT).) 1. Filha de Édipo, ele chorou a morte do amigo. Mas também An-
irmã de lsmene, de Polinices e de Etéocles (v. tíloco não levaria muito tempo a morrer, ou
Édipo e quadro 9, p. 128). As lendas mais an- às mãos de Mémnon, o filho da Aurora (Eos),
tigas atribuem-lhe como mãe Euriganeia, a fi- ou às de Heitor, ou então ao mesmo tempo que
lha do rei dos Flégias, que são um povo da Beó- Aquiles, atingido por uma flecha de Páris.
cia. Mas a variante mais corrente da tradição Uma versão da lenda mostra Antiloco correndo
(segundo os trágicos) faz dela a filha de Jocasta em ajuda de seu pai, que estava a ser atacado
e o resultado do incesJo de Édipo com a sua e prestes a sucumbir. Antíloco interpôs-se para
própria mãe. Quando Edipo, inteirado dos seus salvar o pai, mas foi atingido mortalmente. Os
crimes pelo oráculo de T irésias, se privou da seus restos mortais repousaram ao lado dos de
vista e se exilou de Tebas, partindo como cego Pátroclo e Aquiles. Os três heróis continuam,
a mendigar o pão pelos caminhos, Antígona no além, uma vida de combates e de festas na
foi a sua companhia. O cafi!inho que segl!iram Ilha Branca (v. Aquiles).
levou-os até Colono, na A tica, onde Edipo
morreu. Após a morte de seu pai, Antígona re- ANTÍNOE. ('AvmóT).) 1. Nome de uma fi-
gressou a Tebas, onde viveu com a sua irmã lha de Cefeu, de Mantineia. Aconselhada por
Ismene. Aguardava-a aí uma nova provação. um oráculo, seguiu uma serpente e conduziu
Na Guerra dos Sete Chefes contra Tebas, os deste modo os habitantes de Mantineia até ao
local onde eles fundaram uma nova cidade, na
seus dois irmãos, Etéocles e Polinices,
encontravam-se em campos opostos: o pri- margem do riacho Ópis (Õq>ta significa «ser-
meiro, no exército tebano; o segundo, do lado pente») .
inim igo, atacando a sua própria pátria. 2. Será igualmente o nome de uma das fi-
Quando a batalha se deu, frente às portas de lhas de Pélias, segundo alguns autores . Após
Tebas, Etéocles e Poli nices· morreram ambos o assassinato voluntário do seu pai (v. Pé/ias
às mãos um do outro. Creonte, o rei, tio de e Medeia), ela fugiu, horrorizada, para a Ar-
Polinices e de Etéocles e das duas jovens, or- cádia. Situavam o seu túmulo perto de Manti-
ganizou funerais solenes para Etéocles, mas ne1a.
proibiu que se desse sepultura a Polinices, que ANTÍNOO. ('Avtvooç.) Chefe dos pretenden-
conduzira estrangeiros contra a sua pátria. An- tes que, durante a ausência de Ulisses, tinham
tígona recusou-se a cumprir esta ordem. Con- invadido o seu palácio e procuravam desposar
siderando um dever sagrado, imposto pelos Penélope. Distinguia-se pela sua violência, bru-
deuses, dar sepultura aos mortos e, sobretudo, talidade, orgulho e dureza. Tenta matar Telé-
aos parentes mais próximos, infringiu a ordem maco, dissipa com os companheiros os bens de
de Creonte e espalhou sobre o cadáver de Po- Ulisses, insulta Eumeu quando o velho por-
linices uma mão-cheia de pó, gesto ritual sufi- queiro introduz Ulisses no palácio, incita o
ciente para o cumprimento da obrigação reli- mendigo Iro contra Ulisses, que ele não reco-
giosa. Por este acto de piedade, ela foi nhece, e, por fim, é morto pela primeira flecha
condenada à morte por Creonte e encerrada deste, na cena do Reconhecimento, no mo-
viva no túmulo dos Labdácidas, de quem des- mento em que leva ao lábios uma taça. Esta-
cendia. Enforcou-se aí e Hémon, seu noivo e ria aqui a origem da expressão «que exista
filho de Creonte, matou-se sobre o seu cadá- grande distãncia entre a taça e os lábios»
ver. Também a m ulher de Creonte, Eurídice, (v. também Calcas).
se suicidou, desesperada.
ANTÍOCO. (' Av.(oxoç}. Filho de Héracles,
2. A lenda conhece uma outra Antígona, antepassado de Hípotes (v. Filas, 3 e 4).
irmã de Príamo, uma jovem dotada de grande
beleza . Muito orgulhosa da sua cabeleira, ANTÍOPE. ('AvttÓ1tT).) Uma das filhas do
considerava-a mais bela do que a de Hera. En- deus-rio Asopo ou, segundo outros, do tebano
colerizada, a deusa transformou a cabeleira de Nicteu (v. quadro 27, p. 280). Invulgarmente
Antígona em serpentes. Os deuses, porém, bela, foi amada por Zeus, que se lhe uniu, dis-
apiedaram-se dela e transformaram a infeliz farçado de sátiro. Desta união nasceram-lhe
numa cegonha, inimiga das serpentes. dois gémeos, Anfíon e Zeto. Antes do nasci-
mento dos seus filhos, Antíope fugira de casa,
ANTÍLOCO. ('Av.0.oxoç.) Filho de Nestor, receando a cólera de seu pai, e refugiara-se
acompanhou o pai na Guerra de Tróia. Belo, junto do rei de Sícion, Epopeu (v. Lamedonte).
veloz na corrida, gozava da afeição de Aqui- Desesperado pela partida da filha, Nicteu
les, logo depois de Pátroclo. Quando este mor- suicidou-se, tendo, ao morrer, confiado ao seu
reu, foi ele quem deu a notícia a Aquiles e com irmão Lico a tarefa de o vingar. Lico atacou

Antígona: 1) $<)PH. , Ant.; APOLLOD., Bibl., Ili, 7, Antínoe: 1) PAUSAN., VIII, 8, 4. 2) PAUSAN., VIII,
I; ·E\JB-, Phoen., 1670 e s.; lo.,-tr: perdida de-An- li, 3; cf. HYG., Fab., 24.
tít. -(L SMHAN, Études, p. 274.e s,.);:.s,o!'.\!.·., Oed. Antlnoo: Od., l, 383; li, 113es.; XVlll, 288es.;
Col., pass1m; cf. Hvc., Fab., 72. 2) Ov ., Mel ., VI, IV, 660 e s.; 773 e s.; XVI, 363 e s. ; 418 e s.; XVII,
93; SERV., ad V1Ro., Geor., li, 320, S. FRAISSE, Le 375 e s.; 462 e s.; XVIII, 36 e s.; XXI, 288 e s.; XXII,
mythe lhe d'Antigone, ·Paris, 1974. 8 e s.; XXIV, 423 e s.; etc.; ZENOB., V., 71,
Antiloco: APOLLOD . , Bibl., '· 9, 9; HYG., Fab ., Antíope: APOLLOD., Bibl., III, 5, 5; PAUSAN., li, 6,
252; 81; 97; //., XV, 569 e s.; Od., III, 111 e s .; 2 e s.; IX, 17, 3 e s.; X, 32, 6; Hvc., Fab., 8 e 7. EuR .,
SoPH., Phil., 424 e s.; Od., XXIV, 72 e s.; PAUSAN., trag. perdida Antíope, Ov ., Mel., VI, 111. Cf. E. GRAF,
X, 30, '3 e s.; V. também Mémnon . Die Antiopesage bis zu Eurípides, Halle, 1884.
ÁPIS 32

Sícion, que tomou, matou Epopeu e recondu- dar asilo à infeliz. Foi nela que nasceu Apolo;
ziu Antíope, sob prisão, a Tebas. Foi durante reconhecido, o deus fixou a ilha no centro do
o regresso de Sídon a Tebas que ela deu à luz mundo grego e deu-lhe o nome de Delos, abri-
os seus dois filhos, em Elêuteras. Abandona- lhante. Aí, junto duma palmeira, a única ár-
dos na montanha, por ordem do tio-avô Lico, vore de toda a ilha, Latona aguardou o parto
as duas crianças foram recolhidas por pasto- durante nove dias e nove noites. Mas Hera re-
res (v. Anfíon). Em Tebas, Lico e a mulher tinha junto de si, no Olimpo, Ilítia, a deusa que
maltrataram Antíope. Mas uma noite, as ca- presidia aos partos bem sucedidos. Todas as
deias que prendiam a jovem quebraram-se por deusas, designadamente Atena, estavam junto
si mesmas e Antíope dirigiu-se imediatamente de Latona, mas nada podiam fazer sem o con-
para a choupana onde se abrigavam os seus sentimento de Hera. Elas decidiram, por fim,
filhos. Estes não a reconheceram logo e entre- enviar Íris a pedir-lhe que permitisse o parto,
garam-na mesmo a Dirce, que viera buscá-la. oferecendo-lhe, para mitigar a sua cólera, um
Mas o pastor que tinha recolhido os gémeos colar de ouro e de âmbar, com a espessura de
não tardou a revelar-lhes que Antíope era a sua nove côvados. Por este preço, Hera consentiu
mãe. Anfíon e Zeto libertaram-na imediata- que Ilítia descesse do Olimpo até Delos. La-
mente, castigando Dirce e Lico. Antíope foi , tona ajoelhou-se, junt9 da palmeira, e deu à
depois, atingida de loucura por Dioniso, irri- luz em primeiro lugar Artemis; depois, com a
tado com a morte de Dirce, e pôs-se a vaguear ajuda desta, deu à luz Apolo. No momento em
por toda a Grécia, até ser curada e desposada que o deus nasceu, voaram sobre a ilha cisnes
por Foco (v. Foco). V. também as variantes sagrados, dando-lhe a volta sete vezes, pois
da lenda no artigo Lico. estava-se no sétimo dia do mês. Zeus ofereceu
ÁPIS. (" Amç.)_Segundo a tradição referida de imediato presentes ao seu filho: deu-lhe uma
por Apolodoro, Apis é o fjlho de Foroneu que, mitra de oiro, uma lira e um carro puxado por
por sua vez, é filho de !naco. A sua mãe é cisnes. Ordenou-lhe depois que fosse a Delfos.
a ninfa Telédice. Do pai, herdou o poder so- Mas os cisnes conduziram primeiro Apolo ao
bre todo o PelopQneso, que, a partir dele, re- seu país, nas margens do Oceano, para lá da
cebeu o nome de Apia. Comportou-se, porém, pátria do Vento do Norte, entre os Hiperbó-
como um tirano e foi morto, segundo uns por reos, que vivem sob um céu sempre límpido e
Etolo, o herói epónimo da Etólia, segundo ou- que dedicaram a Apolo um culto que celebram
tros por Télxion e Telquis. Foi então divinizado continuamente. O deus permaneceu aí durante
e adorado com o nome de Serápis. A sua morte um ano, recebendo as homenagens dos Hiper-
foi vingada por Argos. Segundo Ésquilo, Ápis bóreos. Regressou depois à Grécia e chegou a
é um profeta-médico, filho de Apolo, vindo de Delfos em pleno Verão, por entre festas e cân-
Nàupacto para purificar o Peloponeso. ticos. Até a Natureza está em festa em sua
Uma versão diferente, referida por Pausã- honra: as cigarras e os rouxinóis cantam, as
nias, faz de Ápis o filho de Telquis de Sícion fontes são mais cristalinas. Todos os anos , em
e o pai de Télxion (v. quadro 24, p. 265). _T al Delfos, se celebrava deste modo a chegada do
como na versão precedente, diz-se que este Apis deus, mediante hecatombes.
reinou sobre todo o Peloponeso. Em Delfos, Apolo matou, com as suas fle-
chas, um dragão chamado Píton, ou então Del-
APOLO. ('AitóÀÀwv.) Apolo é um deus que fine, encarregado de proteger um velho orá-
pertence à segunda geração dos Olímpicos, fi - culo de Témis, mas que se entregava a toda a
lho de Zeus e de Latona e irmão da deusa Ár- espécie de depredações no país, sujando a água
temis. Hera, ciumenta de Latona, perseguira das nascentes e dos rios, assaltando os reba-
a jovem mulher à volta da Terra; cansada de nhos e os cidadãos, devastando a fértil planí-
caminhar, Latona procurava um local onde pu- cie de Crissa e assustando as Ninfas. Este
desse dar à luz a criança de que estava grávida, monstro saíra da terra. Conta-se ainda que
mas em todo o lado lhe negavam acolhimento, Hera o tinha encarregado de perseguir Latona
receando a cólera de Hera. Apenas uma ilha na altura em que esta estava grávida de Apolo
flutuante e estéril, chamada Ortígia (a ilha das e Ártemis. Apolo livrou o país da presença do
Codornizes), ou ainda Astéria, consentiu em monstro, mas, em recordação do seu feito (ou

Ápis: APOLLOO., Bibl., I, 7, 6; II, l, 1 e s.; TzETz., 5, 9; 5, 2; III, I, 2; 10, 1 e s.; 12, 5; Ep., VI, 3; III,
ad Lyc., 177; STEPH. BY2., s. u.; escól. ad 11.; 1, 22; 8; 25; TZETZ . , ad Lyc., 34. Cf. L. R. FARNELL, The
XIII, 2 18; ad APoL. RH., Arg., IV, 263; PAUSAN., II, cults ofthe Greek States, Oxford, 1907, IV, p. 98 e
5, 7; cf. AR N., Adv. Na/., 36 . ss.; K. KERENYI, Apollon, Vienne, 1937.
Sobre os desenvolvimentos romanos do culto
Apolo: CALLIM ., Hymn. hom. Apoll.; II., Vll, apolíneo, ver sobretudo J. CARCOPINO, La Basifi-
452 e s.; XXI, 441 e s. , etc.; PINO., Pyth., III, 14 e que Pythagoricienne .. . , Paris, 1943 (7. • ed.); J.
s.; e escól. ad loc .; fr . 87 e 88; AESCH., Supp., 260 GAGE, Recherches sur les Jeux Séculaires, Paris,
e s.; EuR., /phig. T., 1250; Ale., 1 e s.; e escól. ad 1934; lo., Apollon romain, Paris, 1955; Fr. Cu.
loc.; APOL. Rtt., Arg., II, 707 e s.; IV, 616 e s.; MONT, Symbolisme funéraire; P. LAMBRECHTS, La
SERV., ad VJRG., Aen., III, 73; VIII, 300; VI, 617; politique apollinienne d'Auguste ... in Nouvelle
Georg., 1, 14; STRAB., IX, 646; Pwr., Qu. Gr. 12; Clio V (1953), p. 65-82; K . LATTE, La montagne
HYG., Fab., 32, 53, 89, 93 , 140, 165 , 161, 202, 242; apollonienne à Delphes, Paris, 1955, M. S. Ru1PÉ-
Luc., De Sacr., 4; Ov., Mel., 1, 416 e s.; 452 e s.; REZ, «0o$oç 'A 1tóÀÀwv», Emerita, XXI (1953),
III, 534 e s.; VI, 382 e s.; X, 106 e s.; Fast., VI, 703 p. 14; M. DELCOURT, L'oracle de Delphes, Paris,
e s.; AEt., V. H., III, l; ANT., L1s., Transf , 20; 30; 1955; J. DEFRADAS, Les thémes de la propagande
APOLLOO ., Bibl., I, 4, 1 e s .; 3, 4 ; 7, 6 e s.; II , delphique, Paris, 1972 2.
33 APOLO

talvez para acalmar a cólera do monstro após Cassandra e, para a seduzir, prometeu ensinar-
a sua morte), instituiu em sua honra jogos fú- -lhe a arte da adivinhação. Cassandra recebeu
nebres, que se chamaram Jogos Píticos, cele- as lições mas, depois de bem instruída, recusou-
brados em Delfos. Apoderou-se, depois, do -se-lhe. Apolo vingou-se retirando-lhe o dom
oráculo de Témis e consagrou no santuário de inspirar confiança nas suas profecias. E era
uma tripode. A tripode é um dos símbolos de por isso que a infeliz Cassandra se esforçava
Apolo, e é sentado sobre a trípode que a Pito- em vão por fazer as profecias certas, mas nin-
nisa profere os seus oráculos. Os habitantes de guém a acreditava.
Delfos celebraram a vitória do deus e a tomada Foi talvez por esta altura que Apolo foi
do santuário por meio de cânticos de triunfo. amado por Hécuba, mãe de Cassandra e mu-
Eles cantaram pela primeira vez o Péan que é, lher de Príarno, que lhe deu um filho, Troílo.
na sua essência, um hino em honra de Apolo. Também em Cólofon, na Ásia, Apolo passava
Mas este teve de ir até ao vale de Tempe, na por ter um filho da adivinha Manto, o adivi-
Tessália, para se purificar da mácula deixada nho Mopso, que levou a melhor sobre o adi-
pela morte do dragão. De oito em oito anos, vinho grego Calcas, ou Calcante, num concur-
em Delfos, uma festa solene comemorava a so feito após a Guerra de Tróia (v. a sua lenda
morte de Píton e a purificação de Apolo . e a de Calcante). Na Ásia, Apolo teve ainda
Conta-se que, mais tarde, o deus teve ainda de um filho, chamado Milet9, duma mulher que
defender o seu oráculo, desta vez contra Hé- umas vezes designam de Aria e outras de Aca-
racles. Héracles viera, com efeito, interrogar cális ou Ácale (v. Acacális). Este Mileto fun-
o oráculo, e como a Pitonisa se recusasse a dou depois a cidade de Mileto.
responder-lhe, ele quis saquear o templo, le- Na própria Grécia, Apolo era geralmente
var a trípode e estabelecer um oráculo para si considerado como o amante de Ftia, o epó-
num outro local. Apolo assumiu a luta. Esta nimo da região da Tessália assim chamada, e
permaneceu incerta, pois Zeus separou os com- atribuiu-se a esta união o nascimento de três
batentes (que eram ambos seus filhos) lançando filhos: Doro, Laódoco e Polipetes, mortos por
entre eles um raio. O oráculo, porém, perma- Etolo. Finalmente, de Re9 ele gerou Ânio, que
neceu em Delfos (v. Hérac/es). reinou sobre Delos (v. Anio).
Apolo era representado como um deus muito A paternidade de Tenes, que foi morto por
belo, de elevada estatura, notável pelos seus Aquiles na ilha de Ténedo, e cuja morte pro-
longos cabelos negros, de reflexos azulados, vocou o encadeamento dos Destinos que acar-
como as pétalas da violeta. Também teve nu- retaram a própria morte de Aquiles, tanto é
merosos amores, com ninfas e com mortais. atribuída a Apolo corno a Cicno.
Foi assim que ele amou a ninfa Dafne, a fi - Apolo não limitou os seus amores às mulhe-
lha do deus-rio Peneu, na Tessália. Este amor res. Amou igualmente alguns jovens. Os mais
fora-lhe inspirado pelo rancor de Eros, irritado célebres são os heróis Jacinto e Ciparisso, cu-
com a troça de Apolo que escarnecera dele por jas mortes, ou antes, metamorfoses (o primeiro
se exercitar com o arco (era esta, na verdade, tornou-se um lírio martagão, ou um jacinto;
a arma por excelência de Apolo). A ninfa não o segundo, um cipreste), atormentaram pro-
correspondeu aos seus desejos. Fugiu para a fundamente o deus. Conta-se que, por duas ve-
montanha e, como o deus a perseguisse, no zes, Apolo sofreu urna provação curiosa e teve
momento em que estava prestes a ser alcan- de se colocar ao serviço dos mortais, feito es-
çada, dirigiu uma súplica a seu pai, para que cravo. A primeira vez foi no seguimento da
este a metamorfoseasse e lhe permitisse assim conjura que ele urdira com Posídon, Hera e
escapar ao abraço do deus. O pai anuiu ao pe- Atena para acorrentar Zeus com as suas ca-
dido da filha e transformou-a em loureiro (em deias de ferro e suspendê-lo no céu (v. Egéon).
grego: dafne), a árvore consagrada a Apolo. Após o fracasso desta conspiração, Apolo e
Com a ninfa Cirene foi mais feliz e dela nas- Posídon foram obrigados a trabalhar para o
ceu o semideus Aristeu. Com as Musas, cujo rei de Tróia , Laornedonte. Foram encarrega-
culto se ligava ao seu, teve igualmente aven- dos de construir as muralhas da cidade. Mas,
turas: de Tàlia, atribuiu-se-lhe a paternidade dos segundo alguns, só Posídon trabalhou na mu-
Coribantes, que eram divindades que integra- ralha, enquanto Apolo guardou os rebanhos
vam o cortejo de Dioniso. De Urânia, ele terá do rei no cimo do Ida. Acabado o tempo de
gerado Lino e Orfeu, que outros atribuem a serviço, Laomedonte recusou-se a pagar às
Eagro e à Musa Calíope. Urna das suas aven- duas divindades o salário acordado. E, como
turas, das mais célebres, é a que se refere ao eles protestassem, ameaçou cortar-lhe as ore-
nascimento de Asclépio (v . Asclépio), na qual lhas e vendê-los como escravos. Quando Apolo
foi vítima da infidelidade de Corónis. Um in- retomou a sua figura e o seu poder divino, en-
fortúnio análogo aconteceu-lhe com Marpessa, viou contra Tróia uma peste que devastou o
a filha de Eveno. Apolo amava a jovem, mas país (v. Hesfone e Héracles).
ela foi-lhe subtraída por Idas , o filho de Afa- A lenda de Apolo-pastor surge também na
reu, num carro alado, presente de Posídon a segunda experiência suportada pelo deus.
Idas. Este conduziu a donzela para Messena. Quando o filho de Apolo, Asclépio, instruído
Aí, Idas e Apolo bateram-se mas, urna vez na arte da medicina pelo Centauro Quíron, fez
mais, Zeus apartou os contendores. Foi dado tais progressos que chegou a ressuscitar os mor-
a Marpessa o direito de escolher um deles . tos, Zeus fulminou-o (v. Asclépio). Isto ma-
Decidiu-se pelo mortal, receando, diz-se, ser goou profundamente Apolo que, nâo podendo
abandonada na sua velhice caso desposasse vingar-se de Zeus em pessoa, matou com as
Apolo . Com Cassandra, a filha de Priano, o suas flechas os Ciclopes, artífices do raio. Para
seu amor nâo teve melhor sorte. Apolo amava o castigar, Zeus pensou por momentos preci-
APRIATE 34

pitá-lo no Tártaro mas, por intercessão de La- guns animais eram particularmente consagra-
tona, acedeu a atenuar-lhe o castigo, e orde- dos a Apolo: o lobo, que por vezes lhe era
nou que Apolo servisse um mortal, como oferecido em sacrifício, e cuja imagem se as-
escravo, durante um ano. Apolo dirigiu-se en- socia, frequentemente, à do deus nas moedas;
tão para a Tessália, para a casa do rei Admeto, o cabrito montês ou a corça, que figuram igual-
em Feras, e serviu-o como boieiro. Graças a mente no culto de Ártemis; entre as aves, o
si, todas as vacas tinham duas crias por parto cisne, o milhafre, o abutre e o corvo, cujo voo
e, de um modo geral, trouxe a prosperidade fornecia presságios. Por fim, entre os animais
àquela casa (v. Alceste). marinhos, o delfim, cujo nome lembrava o de
Apolo surgia também algumas vezes como Delfos, o santuário principal de Apolo. O lou-
pastor, mas por conta própria. Os seus bois fo- reiro era a planta apolínea por excelência. Era
ram roubados pelo jovem Hermes, ainda este uma folha de loureiro que a pitonisa mascava
andava de cueiros, demonstrando assim a pre- durante os seus transes proféticos.
cocidade do seu espírito. Apolo reencontrou São variadas as funções e os símbolos de
o seu gado sobre o monte Cilene. Mas conta- Apolo. O seu estudo pertence mais à história
-se que o pequeno Hermes havia inventado a das religiões dp que à mitologia. Foi assim que
lira e Apolo ficou de tal forma maravilhado Apolo se tornou, pouco a pouco, o deus da re-
com o invento que deixou Hermes na posse do ligião órfica e que se ligou o seu nome a todo
seu rebanho, em troca deste instrumento. um sistema meio religioso meio moral, que pro-
Tendo depois Hermes inventado a flauta, metia a salvação e a vida eterna aos seus ini-
Apolo comprou-lha pelo preço duma vareta de ciados (v. os artigos Zagreu e Orfeu). Apolo
ouro (o «caduceu» de Hermes) e, além disso, foi considerado o pai de Pitágo~as, a cujo
ensinou-lhe a arte da adivinhação. nome se ligaram, algumas vezes, doutrinas apa-
A flauta intervém ainda nas lendas apolíneas rentadas. Representava-se também Apolo (e
com a história de Mársias. Mársias, o sátiro , sobretudo Apolo Hiperbóreo) reinando sobre
filho de Olimpo, encontrara uma flauta arre- as Ilhas dos Bem-Aventurados, que são o Pa-
messada por Atena, que a experimentara mas raíso do Orfismo e do Neopitagorismo. É a este
logo desistira ao verificar que ela lhe defor- título que os mitos apolírleos surgem, com uma
mava a boca e dava ao seu rosto uma expres- certa persistência, nas paredes da Basílica da
são desagradável. Achando que a música que Porta-Maggiore, em Roma, bem como nos sar-
dela extraía era melodiosa, Mársias desafiou cófagos esculpidos pelos Romanos. Apolo foi
Apolo e pretendeu ser melhor músico com a ainda adoptado por Augusto, o primeiro im-
sua flauta do que o deus com a sua lira. Már- perador de Roma, como seu protector pessoal.
sias saiu vencido e Apolo esfolou-o, após o ter Augusto atribuí~ à iniciativa do deus a sua vi-
dependurado num pinheiro. · tória naval em Acio sobre António e Cleópa-
Era como deus da música e da poesia que tra, em 31 a. C ., e entre o povo era frequente
Apolo era representado sobre o monte Par- ouvir-se que Átia, a mãe de Augusto, o tinha
naso, onde presidia aos jogos das Musas. Os concebido por obra do deus, numa noite em
seus oráculos eram geralmente expressos em que dormira no seu templo. Augusto construiu
fórmulas versificadas, e passava por inspirar no Palatino, muito perto do seu palácio, um
ta-nto os adivinhos como os poetas. Partilha templo a Apolo e prestou-lhe um culto pessoal.
esta função inspiradora com Dioniso, mas a Foi sobretudo em honra de Apolo que se cele-
inspiração apolínea distingue-se da inspiração braram os Jogos Seculares de 17 a. C., onde
dionisíaca, pelo seu carácter mais equilibrado se cantou o Canto Secular de Horácio. Neste
(v. Dioniso). hino, Apolo e a sua irmã Ártemis surgem como
Deus da adivinhação e da música, deus pas- divindades intermediárias entre o povo romano
toral, cujos amores com as Ninfas e os ado- e Júpiter. São elas que transmitem e espalham
lescentes transformados em flores e árvores o as bênçãos celestes.
unem intimamente à vegetação e à Natureza, APRÍATE. ('A1tpuini.) Apríate, a «donzela-
Apolo era ainda um deus guerreiro, capaz de, -sem-resgate», é uma heroína de Lesbos,
com o seu arco e as suas flechas, enviar de amada por Trambelo, o filho de Télamon.
longe, tal como sua irmã Ártemis, uma morte Como ela, porém, não correspondesse ao seu
rápida e doce. Ele participa com ela no mas- amor o jovem decidiu raptá-la quando pas-
sacre dos filhos de Níobe, para vingar a honra seava com as suas companheiras numa proprie-
de Latona (v. Níobe). Envia aos Gregos, acam- dade pertença de seu pai. A jovem resistiu-lhe
pados diante de Tróia, uma peste que dizima e Trambelo, então, atirou-a ao mar (alguns di-
o seu exército, para forçar Agamémnon a en- zem que foi ela própria que se lançou ao mar),
tregar ao seu pai, Crises, a jovem Criseide, que Apríate afogou-se. Na mesma altura, o céu pu-
fora feita prisioneira. Massacrou também os niu Trambelo (v. Trombe/o).
Ciclopes, a serpente Píton, Tício, o Gigante.
Intervém na Gigantomaquia, ao lado dos APSIRTO. ("A~op~oç.) V. Argonautas.
Olímpicos. Na Ilíada, combate do lado dos
Troianos contra os Gregos; protege Páris no AQUELOO. (' AxtÀci>oç.) Aqueloo é o nome
combate, e é à sua intervenção, directa ou in- dum rio da Etólia, o maior da Grécia, e do deus
directa, que se atribui a morte de Aquiles . AI- deste rio. E::onsideravam-no filho do Oceano

Apríate: PARTH . , Erot., 26; cf. Fr. Hist. gr. (Mül- Aqueloo: HES., Theog ., 340; MAC ROB., Sal . , V,
ler), IV, 335, 2 a; TzETz., ad Lyc., 467. 18, 10; SERV., ad V1RG . , Georg. , 1, 8; MALAL.,
35 AQUILES

e de Tétis um dos pares mais antigos das teo- seu amante, a jovem foi transformada em ilha
gonias heiénicas (v.·Úrano). ~queloo_ser~a o por Posídon.
mais velho dos três mil deuses-nos seus 1rmaos. Hoje o rio Aqueloo tem o nome de Aspro-
Outras lendas consideram por vezes Aque- pótamo' (desagua no mar Jónio, à entrada do
loo como filho do Sol (um dos Titãs) e da golfo de Patras).
Terra ou ainda um dos filhos de Posídon, e
coma'.se então que o rio se chamava, inicial- AQUEMÉNIDES. ('Axa,µtvfó71ç.) Afastan-
mente, Forbas, mas que um dia, ao atravessá- do-se apressadamente do país dos Ciclopes,
-lo, Aqueloo foi ferido por uma flecha, que o ameaçado pelos rochedos que os Gigantes, ex-
vitimou. Caiu ao rio e este tomou o nome do citados por Polifemo, arremessavam contra as
herói. suas naus, Ulisses esqueceu-se de embarcar _um
Atribuem-se lhe diversos amores, ora com dos seus companheiros, chamado Aquemem-
Melpómene, de quem ele teria tido como fil~as des. Este, que conseguiu sobreviver, esco~den-
as Sereias, ora com outras Musas; era tambem do-se, foi mais tarde recolhido por Eneias.
considerado como o pai de várias nascentes,
como a de Pirene, em Corinto, a de Castália, AQUERONTE. (' Axlpwv.} É com a Odisse~a
em Delfos a de Circe em Tebas. Calírroe («a que surge uma descrição do mundo subterra-
Bela-Nasc~nte»), qu; desposou Alcméon, é neo dos Infernos mencionando o rio Aque-
considerada sua filha, mas a tradição não re- ronte, ao lado do Piriflegetonte e do Cocito.
fere a sua mãe (v. Alcméon e Acárnan). O Aqueronte é o rio que as almas devem atra-
vessar para chegar ao império dos Mortos. Um
Aqueloo está ligado ao ciclo d?s tra?'.11hos barqueiro, Caronte, tem a missão de as fazer
de Héracles: vizinho de Eneu, o rei de Cahdon, passar duma margem para a outra (v. Ca-
na Etólia ele pediu-lhe a mão de sua filha, De-
janira. Ora, como deus-rio, Aqueloo tinha o ronte). Este rio está quase esta~nado; as s~as
dom da metamorfose: podia revestir-se da margens estão embaraçadas de Juncos e cheias
de lodo.
forma que lhe agradasse, fosse ela ~ d~m Uma tradição considera-o um dos filhos da
touro, dum dragão, etc. Isto aterrou DeJamra, Terra (Geia), condenado a permanec~r sob a
que ficou apreensiva com o facto de vir a ~os- terra como um castigo de um antigo cnme: du-
suir um marido tão incómodo. Quando Hera- rante o combate entre os Olímpicos e os Gi-
eles se apresentou na corte de Eneu e lhe pe-
diu a sua mão, ela aceitou logo. Contudo, gantes, o Aqueronte consentira_ em ?ªr de be-
ber a estes, cheios de sede devido a luta.
Héracles teve de a conquistar a Aqueloo, que De Orfne a ninfa da Obscuridade, ou en-
não se resignou facilmente a deixar-se humi- tão de Górgira, Aqueronte ger!lra Ascálaf<?, o
lhar. Teve lugar um combate entre os dois pre- jovem transformado em coruJa por Demeter
tendentes. Aqueloo usou de todos os seus po- (v. a sua lenda).
deres, Héracles de toda a sua força. Duran~e Existia um rio chamado Aqueronte no
a luta Aqueloo transformou-se em touro; He- Epiro , na costa ocidental da Gréc~a continen-
racles' arrancou-lhe um dos chifres. Então, tal. Este rio atravessava uma reg1ao selvagem
Aqueloo deu-se por vencido e ren?e~-se. Ele e durante o seu trajecto, desaparecia numa
cedeu-lhe o direito de desposar DeJamra, mas f~nda profunda. Quando reaparecia, perto d_a
reclamou-lhe o seu corno. Em troca, deu-lhe foz formava um pântano insalubre, numa pru-
como presente um corno da cabra Amalteia, sag~m desolada. Uma falsa etimologia (que fa-
a ama de Zeus (v. Ama/teia), que derramav~ zia derivar o seu nome da palavra grega que
em abundância flores e frutos. Outros auto- significa «dor»), bem como as particularida-
res defendem que este corno maravilhoso é o
des do rio epirota, contribuíram cert!lment_e
corno do próprio Aqueloo. . . para fazer nascer a ideia de que este n o se h-
É à acção milagrosa do deus que se atnbm
gava aos Infernos e atribui-se ao mundo s_ub-
também a criação das Ilhas Equínades, que se terrâneo as características que se lhe conheciam
situam na embocadura do rio. Como quatro sobre a terra.
ninfas do país sacrificassem nas margens do Nas crenças místicas protegidas pelo Impé-
Aqueloo, entre os deuses invocados_, elas rio Romano, o Aqueronte era dado como
esqueceram-se do deus do rio . Encolenzado, situando-se nas vizinhanças do pólo austral, en-
este fez engrossar as suas águas e arrastou-as tre as constelações dos Antípodas.
para o mar, onde se transformaram em ilhas.
A quinta ilha do grupo , Perimele, e_ra uma J_o - AQUILES. ('Ax,Utúç.) A lenda de Aquiles
vem que o deus amara e à qual. ele tirara a vir- é uma das mais ricas da mitologia grega e uma
gindade. O pai de Perimele, Htpodamante, ir- das mais antigas. Ficou célebre principalmente
ritado com a filha, lançou-a ao no no mo_mento por causa da Ilíada, cuj<? assunto é, não a to-
em que ela ia dar à luz um filho. A pedido do mada de Tróia, mas a colera de Aqmles que,

p. 164; PROP., 11. 25, 33; Ov .. Mel., VIII. 550 e s.; Aqueronte: Od. , X, 513. EuR., Ale., 440; V1RG.,
li. , XXI, 194; APOLLOD., Bibl., [, 3, 4; 7, 10; III , 7, Aen., 295, etc.; Ov., Mel., V, 539; APOLLOD., B1bl.,
5; APOL. RH., Arg., [ V, 896; PAUSAN . , ll, 2, 3; X, l , 5, 3; HEROO. , V, 92, 7; PAUSAN., J, 17, 5_; V, 14,
8, 5; EuR., Bacch. , 519; APOLLOD., Bibl., I , 8, l; 2 e s.; X, 28, l e 4, V. F . CUMONT, Symbohsme fu -
SOPH. , Tr. , 9 e s .; 0100 S1c. , IV, 35. 3 e S.; DION. nér., p. 55 e s.; P. Foss1NG, in Mé/. Poulsen, Cope-
CttRvsos., Disc.• 60; Hvo. , Fab. , 31; Ov .. Mel., XI, nhague, 1941.
1 e s.; VIII, 577 e s.
Aquiles: Origem e infância. II., ll, 681-694i XI, 771- .
Aqueménides: V1RG., Aen., III, 614 e s .; Ov., -790; escól. a IX, 668; XVI, 37; XIX, 326; E usT., ad
Mel., XIV, 161. Hom. , p. 14; STAT., Achi/., ll, 382 e s.; APOLLOO.,
AQUILES 36

no decurso desta expedição, quase ia causando banhado por sua mãe na água do Estige, o rio
a perda do exército grego. Deste modo, o infernal. Esta água tinha o poder de tornar in-
poema épico mais lido de toda a Antiguidade vulnerável quem nela mergulhasse. Contudo,
contribuiu para a popularização das aventuras o calcanhar, pelo qual Tétis segurava o filho,
do herói. Outros poetas e as lendas populares não foi atingido pela água mágica e ficou vul-
apoderaram-se da sua personagem e tentaram nerável.
completar o relato da sua vida, inventando epi- No monte Pélion, Aquiles recebeu os cuida-
sódios para preencher as lacunas dos relatos dos da mãe do Centauro, Filira, e de sua mu-
homéricos. Desta forma, foi-se criando, pouco lher, a .ninfa Caricio. Já mais crescido, come-
a pouco, um ciclo de Aquiles, sobrecarregado çou a exercitar-se na caça e no adestramento
de incidentes e de lendas, frequentemente di- de cavalos, bem como na medicina. Além
vergentes, e que inspirou os poetas trágicos e disso, aprendia a cantar e a manejar a lira, e
os poetas épicos de toda a Antiguidade, até à Quíron exercitava-o na prática das virtudes dos
ópera romana. antepassados: o desprezo dos bens deste
A infância. - Aquiles era filho de Peleu, mundo, o horror à mentira, a moderação, a
que reinava sobre a cidade de Ftia, na Tessá- resistência às más paixões e à dor. Alimenta-
lia. Descende, em linha directa, da raça de vam-no exclusivamente de entranhas de leões
Zeus, pelo lado do pai, e a sua mãe é uma e de javalis, para lhe comunicar a força desses
deusa, Tétis, filha de Oceano, o deus do animais, de mel (que lhe devia conceder a do-
Oceano (v. quadro n. 0 31, p. 352). Sobre a sua çura e a persuasão), e de medula de urso. Foi
educação, as versões não coincidem. Umas ve- Quíron, ainda, quem lhe deu o nome de Aqui-
zes mostram-no-lo educado por sua mãe, na les; antes chamavam-lhe Ligiron.
casa paterna, entregue aos cuidados do precep- A partida para Tróia. - É na sequência
tor Fénix ou do Centauro Quíron, outras ve- dum convite pessoal feito na Tessália por Nes-
zes contam de que modo ele foi a causa invo- tor, Ulisses e Pátroclo que Aquiles decide par-
luntária duma zanga entre o seu pai e a sua ticipar na expedição de Tróia, conduzindo uma
mãe, e como, tendo esta abandonado o ma- frota de cinquenta naus, na qual navega um
rido, ele foi confiado ao Centauro Quíron, que batalhão de mirmídones. Ele próprio se faz
vivia no monte Pélion. Tétis, por ser uma acompanhar do seu amigo Pátroclo e do seu
deusa, estabelecera com o mortal Peleu uma preceptor Fénix (v. Fénix). No momento do
união que não podia ser duradoura. Demasia- embarque, Peleu promete consagrar ao rio Es-
das diferenças separavam os esposos. Aquiles perqueu (que banha o seu país) os cavalos de
terá sido o sétimo filho nascido deste casa- seu filho, se este regressar são e salvo da expe-
mento, e Tétis tentara eliminar, em cada um dição . Tétis, por seu lado, previne Aquiles do
deles, os elementos mortais transmitidos por destino que o espera: se ele for a Tróia, gozará
Peleu. Para isso, ela mergulhava-os no fogo, de grande nomeada, mas a sua vida será curta.
o que lhes provocava a morte. Porém, no caso Se, pelo contrário, permanecer no seu país, terá
do sétimo filho, Peleu acordou e viu Tétis pres- uma vida longa mas sem glória. Sem hesitar,
tes a consumar a sua perigosa experiência. Aquiles escolheu a vida breve e gloriosa. É esta
Arrebatou-lhe a criança, que apenas queimou a tradição homérica. Contudo, os poetas pos-
os lábios, bem como o pequeno osso do pé di- teriores, e sobretudo os trágicos, narram este
reito. Tétis, zangada, voltou à sua vida no mar, momento da partida de forma bem diferente.
com as suas irmãs, Peleu, tendo salvo deste Dizem que um oráculo revelara a Peleu (ou a
modo o filho, pediu ao Centauro Quíron, há- Tétis) que Aquiles devia morrer diante de
bil na arte da medicina, que substituísse o osso Tróia. Quando se tratou, para os Gregos, de
queimado. Para isso, Quíron desenterrou um partir para a Ásia, para atacarem a cidade de
gigante, Dâmiso, que em vida fora extrema- Príamo, Peleu (ou Tétis) pensou ocultar o jo-
mente veloz na corrida, e substituiu o osso em vem, revestindo-o de trajes femininos e
falta pelo osso correspondente do gigante. É fazendo-o viver na corte de Licomedes, o rei
isto que explica as qualidades de corredor que de Ciros, onde viveu na companhia das filhas
notabilizaram tanto Aquiles. Uma outra lenda, do rei. Teria permanecido aí nove anos.
ainda, afirma que, na sua infância, Aquiles foi Chamavam-lhe Pirra (isto é, «a Ruiva»), por

Bibl., III, 13, 6 e s.; Ep., III, 14; APOL. RH., Arg., IV, 257 e s.; Posth., 100 e s.; 395 e s. ; ad Lyc., 174; 999;
869e s.; escól. a 816; escól. ad ARISTOPH., Nu., 1068; Qu1NT. SM., Posth., Ili, 26 e s.; IV, 468 e s.; escól.
EuR ., trag. perdida das Escírias, NAUCK, .2.' ed., adTHEOCR., XVI, 49.; Ov., Mel., XII, 70-140; 597-
p. 574 e s.; PAUSAN., I, 22, 6; H YG., Fab., 96; cf. -609; D1cr. CR., li, 12; HYG., Fab., 107; 110; ViRG.,
SorH ., Fr. (Pearson), li, p. 191 e s.; Ov., Met., Xlll, Aen., VI, 56 e s.; SERV., ad V!RG ., Aen., VI, 57; es-
162 e s.; ProL. HEPH., West., p. 183; 195; Lvc., A/ex., cól. ad APOL. RH., Arg. , IV, 815; ad. EuR., Hec.,
178 e s.; TZETZ., ad Lyc., 178; ET. MAGN., s. V. 41; Tr., 16; LACT. Pt.AC'T., ad STAT. , Ach., l, 134;
Primeira expedição. li., XI, 625; PROCL., in Ep. NONN., West., p. 382, n. 0 62; PAUSAN., III, 19, 11
Gr. Fragm. (Kinkel), p. 18 e s.; escól ad 11., l , 59; e s.; 24, IO e s. V. A. DE ViTA, li mito di Achille, Tu-
APOLLOD., Ep., lll, 17; PHILOSTR., Her., III, 28 a 36; rin, 1932; A. R1v1ER, La vie d'Achi!le, illustré parles
D1cr. CR., 1, 16; II, 1 e s.; H YG., Fab., 10 1; PROP., vases grecs ... Lausanne, 1936; cf. A . PuECH,
li, 1, 63 e s.; Ov., Pont., li, 2, 6. V. Té/efo. L 'lliade d'Homi!re ... , Paris, et les ouvrages généraux
Segunda expedição. li., passim; Od., XI, 477 e s.; sur I' l!iade, not. CH . AuTRAN, Homere et les Origi-
XXIV, 39 e s.; PROCL., in Ep. Gr. Fragm. (Kinkel), nes sacerdotales de l'épopée grecque, Paris, 1938; P.
p. 33 e s.; PIND., 0/ymp., II, 147; APOLLOD., Ep., MAZON, éd. de 1' lliade, Paris, Belles Lettres, vol. 1
Ili, 22; 31 e s .; PLUT., Qu. Gr., 28; D10D. s,c., li, avec la Bibliographie; df. P. MfAUTIS, in Mythes in-
46; PHILOSTR., Her., XX, 16 e s.; TzETZ., Anteh., connus, Paris, 1949, p. 93-248.
37 AQUILES

causa dos seus cabelos, dum louro ardente. As- enviada pela deusa Ártemis. A deusa exigia o
sim disfarçado, ele uniu-se a Deidâmia, uma sacrifício da filha de Agamémnon, Ifigérúa (v.
das filhas de Licomedes, e dela teve um filho, Agamémnon). Agamémnon consentiu no sa-
Neoptólemo, que mais tarde haveria de rece- crifício e, para fazer chegar a sua filha até Áulis
ber o nome de Pirro. Contudo, este disfarce sem levantar suspeitas, nem a ela nem à sua
revelou-se inútil para enganar o destino. Ulis- mãe, Clitemnestra, imaginou para o seu pedido
ses soubera, pelo adivinho Calcas, que Tróia o pretexto de que a desejava dar em casamento
não poderia ser tomada sem a participação de a Aquiles. Este não estava ao corrente do es-
Aquiles. Pôs-se logo à sua procura e acabou tratagema do rei, Quando soube disso, já ajo-
por descobrir o local do seu refúgio. vem estava em Aulis e era tarde de mais para
Apresentou-se então na corte de Ciros disfar- agir. Ainda tentou opor-se ao sacrifício, mas
çado de mercador e, aí, penetrando nos apo- os soldados, tendo-se revoltado contra ele, tê-
sentos das mulheres, expôs a sua mercadoria. -lo-iam lapidado. Teve assim de se resignar ao
As mulheres escolheram objectos bordados e inevitável. Este episódio parece ter sido desen-
tecidos. Mas Ulisses tivera o cuidade de mis- volvido sobretudo pelos trágicos. Entretanto,
turar a estes objectos armas preciosas. Foi nes- surgem ventos favoráveis e o exército, condu-
tas que recaiu de imediato a escolha de «Pirra». zido por Télefo, chega à ilha de Ténedos. Ai,
Ulisses não teve grande trabalho em conven- durante um banquete, estala pela primeira vez
cer o jovem a revelar-se. Diz-se também que, uma disputa entre Aquiles e Agamémnon. Foi
para forçar o instinto guerreiro de Aquiles a também em Ténedos que Aquiles matou um
declarar-se, Ulisses imaginou um outro estra- filho de Apolo, Tenes, cuja irmã ele tentava
tagema: fez soar repentinamente a trombeta em raptar (v. Tenes). Dando-se conta demasiado
pleno harém de Licomedes. Enquanto as mu- tarde de que cumprira o oráculo contra o qual
lheres fugiram, apavoradas, Aquiles, sozinho, o prevenira sua mãe, fez a Tenes funerais
ficou onde estava e pediu que lhe trouxessem sumptuosos e matou, para castigar a sua ne-
armas, tão forte era nele o instinto guerreiro. gligência, a escrava que devia evitar este assas-
Tétis e Peleu tiveram então de se resignar ao sínio.
inevitável, e a vocação guerreira de Aquiles já Durante nove anos, os Gregos permanecem
não foi contrariada. À partida de Áulis, onde diante de Tróia, antes que se iniciem os acon-
se reurúra a frota grega, Tétis deu ao herói uma tecimentos relatados pela Ilíada. Estes nove
armadura divina, oferecida outrora por He- anos são preenchidos por façanhas, algumas
festo a Peleu, como presente de casamento. Ela . das quais são já conhecidas pelo poeta da
acrescentou a isso os cavalos que Posídon trou- Ilíada, enquanto outras foram elaboradas pos-
xera como presente, na mesma ocasião. Além teriormente. A Ilíada refere uma série de ope-
disso, e numa última tentativa de alterar o des- rações de pirataria e de banditismo contra as
tino, ela colocou junto do seu filho uma es- ilhas e cidades da Ásia Menor, designadamente
crava, cuja única função era impedi-lo, me- contra Tebas da Mísia, que foi tomada por
diante os seus conselhos, de matar um filho de Aquiles, e cujo rei, Eécion, o pai de Andró-
Apolo. De facto, um oráculo garantia que maca, foi morto por ele, que matou igualmente
Aquiles deveria morrer de morte violenta se os seus sete filhos. Raptou ainda a rainha.
matasse um filho de Apolo, sem explicitar qual. Insere-se aqui também a operação contra Lir-
A primeira expedição. - Na tradição da nesso, na qual ele tomou para si Briseide, en-
Ilíada, o exército grego chegou a Tróia vindo quanto Agamémnon se apoderava de Criseide
directamente de Áulis. Mas as lendas posterio- no ataque a Tebas. Com Pátroclo, Aquiles
res referem uma primeira tentativa de desem- tenta um ataque aos rebanhos de bois de Eneu,
barque que terá fracassado completamente. que pastavam no cimo do Ida . Outros episó-
A primeira vez que a frota deixou Áulis para dios foram ainda introduzidos durante estes
atacar Tróia, houve um erro na rota a tomar combates preliminares dos nove primeiros
e, em vez de desembarcarem na Tróade, os anos, nomeadamente as escaramuças do de-
Gregos desembarcaram muito mais ao sul, na sembarque, no decurso das quais os Troianos,
Misia. Supondo estarem na Tróade, prepara- · inicialmente vitoriosos, foram derrotados por
ram-se para devastar o pais. Mas Téfelo, fi. Aquiles, que matou Cicno, o filho de Posídon.
lho de Héracles e rei do país, veio ao seu en- Contava-se também que Aquiles, que não fi.
contro e deu-se um combate. No decurso gurava entre os pretendentes de Helena antes
da luta, Aquiles feriu Télefo com a sua lança. de Menelau ter sido escolhido como seu esposo,
Reconhecendo que se tinham enganado, os teve curiosidade em vê-la . Afrodite e Tétis ter-
Gregos reembarcaram e dirigiram-se a Tróia. -lhe-iam proporcionado um encontro num lo-
Porém, não chegariam lá, pois uma tempes- cal discreto. Mas não parece que alguma vez
tade dispersou-lhes a frota, e cada contingente tenham tentado representar um Aquiles apai-
foi parar ao seu país. Aquiles, nomeadamente, xonado por Helena.
foi atirado para Ciros , para junto de sua mu- Com o décimo ano da guerra, começam os
lher e de seus filhos. De novo os Gregos se reu- relatos propriamente homéricos, e a querela so-
niram, desta vez em Argos. Foi lá que Télefo, bre Briseide. Uma peste dizimava as fileiras
a conselho do oráculo de Delfos, veio pedir a gregas e Calcas revelou que o flagelo se devia
Aquiles que o curasse do ferimento que lhe fi. à cólera de Apolo, que o enviou a pedido do
zera, pois, dizia o oráculo, só a lança de Aqui- seu sacerdote, Crises, cuja filha Criseide fora
les podia curar as feridas que fizera (v . Télefo). raptada e entregue a Agarnémnon, como parte
A segunda expedição. - De Argos, a frota do despojo de Tebas . Aquiles convoca os che-
grega navegou até Áulis. Aqui, ficou imobili- fes para uma reunião e obriga Agamémnon a
zada por uma calmaria que Calcas dizia ter sido entregar a jovem. Porém, Agamémnon exige,
AQUILES 38

em compensação, que Aquiles lhe entregue Bri- gue o seu.ataque em direcção às portas, para
seide, que este obtivera como parte dos despo- cortar a retirada aos Troianos. É desviado do
jos. Aquiles retira-~e para a sua tenda e recusa- seu caminho por Apolo, que o desorienta na
-se a participar na luta contra os Troianos sua perseguição. Quando regressa a Tróia, é
enquanto lhe negarem a posse da jovem. demasiado tarde. Heitor está sozinho diante
Quanto os arautos lha vêm reclamar, ele das portas Ceias. Mas no momento de com-
entrega-a mas protesta solenemente contra tal bater, ao ver Aquiles aproximar-se, Heitor tem
acto, tão injusto para si. Depois, caminhando medo. E, por três vezes, à volta da cidade,
pela orla do mar, invoca Tétis que o aconse- Aquiles lança-se em sua perseguição, que só
lha a deixar que os Troianos ataquem até che- acabará quando Zeus, elevando as balanças do
garem às naus, a fim de a sua presença se re- destino, suspende a sorte de Aquiles contra a
velar imprescindível, pois só ele, e ela sabe-o de Heitor. O prato deste inclina-se para o Ha-
bem, inspira ao inimigo um terror suficiente des. Apolo abandona, então, Heitor. Atena en-
para o impedir de atacar eficazmente os Gre- tra em cena e inspira ao troiano o desejo fatal
gos. Tétis-, subindo ao Olimpo, procura Zeus de enfrentar Aquiles. Para isso, ele toma a
e pede-lhe que conceda a vitória aos Troianos forma de Deífobo, o irmão do herói. Heitor
enquanto Aquiles se mantiver afastado dos pensa que este vem em sua ajuda. Mas não
combates. Zeus concorda e, ao longo de nove tarda a aperceber-se do seu equívoco e morre,
~ias, as derrotas sucedem-se para os Gregos. · anunciando a Aquiles que a sua hora também
E em vão que Agamémnon envia uma embai- não está longe. Ao morrer, pede ao seu adver-
xada a Aquiles para o demover, e que lhe pro- sário que entregue o seu cadáver a Príamo.
mete entregar Briseide e um despojo magnífico, Aquiles recusa e arrasta o cadáver atrás do seu
bem como vinte das mais belas mulheres de carro, após lhe ter perfurado os calcanhares e
Tróia e uma das suas filhas em casamento. os ter ligado com uma correia de couro. En-
Aquiles permanece inflexível. A luta aproxima- tretanto, regressa ao acampamento e realizam-
-se do acampamento. Ele olha-a do alto da co- -se os funerais de Pátroclo.
berta da sua nau. Pátroclo, por fim, não con- Cada dia que pa$sa, Aquiles arrasta à volta
segue resistir e pede a Aquiles que o deixe ir de Tróia o cadáver do inimigo que lhe arreba-
em socorro dos Gregos, cujas naus vão ser tou o seu amigo Pátroclo, que ele chora. Ao
queimadas. Aquiles consente em emprestar-lhe fim de doze dias, Tétis é encarregada por Zeus
a sua armadura. Mas Pátroclo, após alguns êxi- de informar Aquiles de que os deuses estão in-
tos enquanto os Troianos julgaram tratar-se de dignados com a sua falta de respeito para com
Aquiles, não tardou a sucumbir aos golpes de os mortos. Príamo, vindo em embaixada
Heitor. Uma dor indizível apodera-se de Aqui- reclamar-lhe o corpo de Heitor, é bem recebido
les. Os seus gritos são escutados por Tétis, que por Aquiles, que lhe. entrega o filho em troca
acorre e lhe promete uma armadura nova, em dum forte resgate. E este o relato da Iliada.
troca da que Heitor acaba de recolher do ca- A Odisseia mostra-nos Aquiles entre os mor-
dáver de Pátroclo. Aquiles aparece sem armas, tos. Aí, ele percorre com rapidez a pradaria de
e a sua voz afugenta os Troianos que, em re- Asfódelos. À sua volta, juntam-se os heróis,
dor do corpo de Pátroclo, lutavam contra os seus amigos na guerra: Ajax, filho de Télamon,
Gregos pela posse do cadáver. Antíloco, Pátroclo, Agamémnon. É este que
Na manhã seguinte, Aquiles pede a Aga- conta a Ulisses a morte de Aquiles, mas não
mémnon que esqueça a querela. Ele está pronto diz quem o matou. Ele relata principalmente
a lutar a seu lado. Agamémnon, por sua vez, os jogos fúnebres que acompanharam os fu-
pede-lhe perdão e entrega-lhe Briseide, que res- nerais e a disputa, que se lhes seguiu, quanto
peitara. Aquiles regressa de imediato aos com- à atribuição das armas do herói (v. Ájax, fi-
bates, não sem que, todavia, o seu cavalo lho de Télamon, e Ulisses).
Xanto (o Alazão), a quem o dom da profecia Os relatos posteriores aos poemas homéri-
bem como o da palavra foram miraculosa- cos completam este ciclo. Surge em primeiro
mente concedidos naquele momento, lhe anun- lugar a luta contra a rainha das Amazonas,
cie a sua morte próxima. Aquiles despreza este Pentesileia. Esta, que vinha em socorro de
aviso, avança para o campo da batalha, pondo Tróia, chegou no momento dos funerais de
em fuga os Troianos. Apenas Eneias, inspirado Heitor. Começou por fazer recuar os Gregos
por Apolo, se dispõe a enfrentá-lo. A lança de até ao seu acampamento, depois Aquiles feriu-
Aquiles trespassa o escudo do seu adversário. -a mortalmente e, no momento de morrer, ela
Este arremessa-lhe uma enorme pedra, e nessa descobriu o rosto. Perante a sua beleza, ele fi.
altura Posídon afasta-os a ambos do perigo, cou transido de dor. Esta foi tão notória (Aqui-
envolvendo-os numa nuvem. Heitor tenta por les era incapaz de dissimular os seus sentimen-
várias vezes atacar Aquiles, mas em vão. Os tos) que Tersites troçou dele por causa do seu
deuses opõem-se a isso. Os destinos não que- amor para com uma morta. Aquiles matou-o
rem que os dois heróis se defrontem nesta al- com um murro.
tura. Aquiles continua a sua marcha em direc- Contava-se depois a luta contra o filho da
ção a Tróia. Passando a vau o Escamandro, Aurora, Mémnon, em presença das duas mães
aprisiona vinte jovens troianos· que reserva para (Eos, de Mémnon, e Tétis, de Aquiles). Por
sacrificar aos deuses sobre o túmulo de Pátro- fim, o amor por Políxena, uma das filhas de
clo. O deus do rio tenta deter a carnificina e Príamo. Tendo reparado em Políxena, na al-
matar mesmo Aquiles, cujas vítimas lhe entu- tura do resgate do corpo de Heitor, Aquiles
lham o leito. Engrossa, salta as margens e per- apaixonou-se por ela ao ponto de prometer a
segue os heróis. Mas Hefesto constrange o deus Príamo atraiçoar os Gregos e aliar-se-lhe caso
do rio a retomar o seu curso. Aquiles prosse- ele consentisse dar-lhe a jovem em casamento.
39 ÁRCADE

Príamo aceitou tais çondições e o tratado de- Príamo quando este lhe vem pedir o corpo de
,ia ser assinado no templo de Apolo Timbreu, seu filho. Ele mesmo, nos Infernos, se alegra
situado a pouca distância das portas de Tróia. ao saber que o seu filho Neoptólemo é cora-
Aquiles chegou ao local desarmado, e foi aí que joso. Venera os seus pais e, quando sabe qual
Páris, escondido atrás da estátua do deus, o é a vontade dos deuses, executa-a de imediato.
matou. Face a isto, os Troianos apoderam-se Apesar de todos estes traços humanos, Aqui-
do cadáver e exigem o mesmo resgate que eles les foi considerado pelos filósofos helenistas,
tinhaJ11 sido obrigados a pagar pela obtenção sobretudo pelos estóicos, como o tipo do ho-
do de Heitor. Esta versão romanesca do fim mem violento, escravo das paixões, e opunha -
do herói parece, contudo, tardia. Outros au- -se-lhe com agrado Ulisses, o sábio por exce-
tores referem que Aquiles encontrou a morte lência. Conhece-se também o culto votado por
em combate, numa altura em que, uma vez Alexandre a Aquiles, a quem ele tomava por
mais, ele tinha repelido os Troianos até às mu- modelo. Ambos morreram jovens.
ralhas da sua cidade. Apolo, erguendo-se na Aquiles inspirou um grande número de obras
sua frente, ordenara-lhe que se retirasse e, literárias antigas, desde a Ilíada até à Aquileida
como ele não obedecera, matou-o com uma fle- de Estácio. Figura em vári~s tragédias, nomea-
cha. Por vezes, o archeiro que lança a flecha damente na Ifigénia em Aulis, de Eurípides.
é Páris. Mas é Apolo quem a terá dirigido para ARACNE. ('Ap<Í)'.111'].) Aracne é uma jovem
o único ponto vulnerável do corpo de Aqui- da Lídia, cujo pai, ldmon, de Cólofon, era tin-
les, o seu calcanhar. tureiro. A jovem Aracne adquirira uma grande
Em redor do corpo travou-se então uma luta reputação na arte de tecer e de bordar. As ta-
tão cruel como a que havia assinalado a morte peçarias que desenhava eram tão belas que as
de Pátroclo. Ájax e Ulisses conseguiram, por ninfas dos campos mais próximos vinham
fi m, levá-lo para o acampamento, mantendo contemplá-las. A sua habilidade granjeava-lhe
os inimigos à distância. Os funerais foram ce- a fama de ter sido aluna de Atena, a deusa das
lebrados por Tétis e as Musas, ou as Ninfas. fiandeiras e das bordadeiras. Mas Aracne en-
Atena untou o corpo com ambrósia, para im- tendia que só a si própria devia o seu talento.
pedir a sua putrefacção. Desafiou a deusa, que aceitou o desafio e lhe
De seguida, após lhe ter sido levantado pe- apareceu disfarçada de velha. Atena limitou-
los Gregos um túmulo junto ao mar, diz-se que -se, inicialmente, a adverti-la, aconselhando-
Tétis conduziu o corpo até à embocadura do -lhe mais modéstia. Caso contrário, disse-lhe,
Danúbio, para a Ilha Branca, e que aí Aquiles deve ria recear a cólera da deusa. Aracne
continua a viver, de forma misteriosa. Os ma- respondeu-lhe com insultos. A deusa então
rinheiros, quando passavam perto desta ilha, abandonou o disfarce e o concurso começou.
escutavam, de dia, um tinido contínuo de ar- Palas representou sobre a tapeçaria os doze
mas e, de noite, o barulho de taças que se to- deuses do Olimpo em toda a sua majestade. E,
cavam e os cantos dum eterno banquete . Diz- para .aviso da sua rival, acrescentou nos qua-
-se também que, nos Campos Elísios, Aquiles tro cantos a representação de quatro episódios
se 1eria casado com Mçdeia, ou com lfigénia , mostrando a derrota dos mortais que tinham
com Helena ou com Políxena. Contavam ainda ousado desafiar os deuses. Aracne desenhou,
que, antes da partida dos Gregos, após a to- sobre o seu trabalho, os amores dos deuses,
mada de Tróia, uma voz saíra do túmulo de mas os amores que os não honram:.Zeus e Eu-
Aquiles e pedira que se sa~rificasse Políxena ropa, Zeus e Dánae, etc. O seu trabalho era
em memória do herói. perfeito, mas Palas, furiosa, rasgou-o e feriu
A lembrança de Aquiles permanecera muito a sua rival com a naveta. Ultrajada, Aracne
,·iva na imaginação popular dos Gregos, e o enforcou-se, desesperada. Atena não a deixou
seu culio estava muito difundido nas ilhas, tal morrer e transformou-a em aranha, que con-
como no continent~ asiático, palco das suas fa- tinua a fiar e a tecer na ponta do seu fio (v.
çanhas. uma outra tradição no artigo Falange).
O reirato de Aquiles traçado por Homero
é o de um jovem muito belo, de cabelos loi- ÁRCADE. (' Apxiiç.) Árcade é o filho _de
ros, olhos brilhantes e voz forte. O medo não Zeus e da ninfa caçadora, companheira de Ar-
1em poder sobre ele. A sua paixão mais forte temis, Calisto. Uma outra versão atribui-lhe
é a alegria de combater. É violento e ama a gló - como pai o deus Pã. Quando Calisto, amada
ria acima de tudo. Mas a sua natureza possui por Zeus (v. Calisto), morreu ou, segundo a
aspectos mais doces, quase ternos. Como mú- versão mais espalhada, foi transformada em
sico, ele consegue apaziguar as preocupações ursa, Zeus confiou o filho a Maia, a mãe de
por meio da lira e do canto. Ama o seu amigo Hermes, que o criou. Árcade, pelo lado da
Pátroclo e Briseide, com quem levava uma vida mãe, era net o do rei Licáon, que reinava so-
de amor partilhado. É cruel quando manda bre a região que mais tarde se havia de cha-
executar os prisioneiros troianos e exige, de- mar Arcádia. Um dia Licáon, a fim de pôr à
pois de morto, que ~e lhe sacrifiqu e Políxena prova a clarividência de Ze.us, ter-lhe-ia servido
sobre o seu túmulo. E hospitaleiro e chora com os membros do pequeno Arcade preparados e

Aracne: Ov., Mel., VI. 5 a t45; VIR<; .. Geor g .. Fab .• 224; Asrr.. li, 4; Ov., Mel., li, 496 e s.; Fasl.,
I\'. 246, e SERV. , coment. ad. /oc. li. 183 e s. ; N oNN. Dion .. XIII, 295 e s.; PAUSAN.,
VIII, 4, 1 e s.; 9, 3 e s.; 36, 8; X, 9, 5 e s .; ERP.-
Árcade: APou.ou .• Bibl.. Ili, 8, 2; 9, I; Hrn., TOSTH., Cal., I.
ARES 40

prontos para serem comidos. Zeus de modo ne- para realizar um sacrifício, quis tirar água desta
nhum se deixou ludibriar. Virou a mesa e atin- fonte, o dragão tentou impedi-lo. Cad mo
giu com o raio a casa de Licáon. Este ficou matou-o e, para expiar este crime, teve de ser-
transformado em lobo. Zeus juntou em seguida vir Ares durante oito anos na qualidade de es-
os membros de Árcade e restituiu-lhe a vida. cravo (v. Cadmo). Mas, no fim deste prazo,
Sendo Árcade já adulto, encontrou, um dia, os deuses casaram Cadmo com Harmonia, a
numa caçada, sua mãe disfarçada de ursa. filha de Ares e de Afrodite.
Perseguiu-a. O animal refugiou-se no templo A maior parte dos mitos em que intervém
de Zeus Lício. Árcade, no seu encalço, pene- Ares são, naturalmente, niitos guerreiros e re-
trou no recinto sagrado. Ora, uma lei do país latos de combates. Mas o deus está longe de
punia com a morte todo aquele que penetrasse ser sempre um vencedor. Pelo contrário, pa-
deste modo no templo. Mas Zeus compadeceu- rece que os Gregos, desde os tempos homéri-
-se deles e, para evitar que o matassem, cos, tiveram prazer em mostrar a força brutal
transformou-os em constelações: a Ursa e o seu de Ares contida ou ludibriada pela força mais
Guardião (Arcturo) . inteligente de Héracles ou pela sabedoria viril
Árcade reinou sobre os Pelasgos do Pelopo- de Atena. Num dia em que, no campo de ba-
neso, que a partir dele se chamaram Árcades. talha, diante de Tróia, ele combatia ao lado de
Sucedeu ao filho de Níctimo. Ensinou o seu Heitor, encontrou-se perante Diomedes. Ime-
povo a cultivar o trigo, arte que lhe fora ensi- diatamente o atacou, mas Aterra, ocultada pelo
nada por Triptólemo, a preparar o pão e a fiar capacete mágico de Hades, intervém de forma
a lã. Desposou Leanira, filha de Amiclas (v. a desviar o golpe da lança do deus e fere-o por
quadro 5, p. 90 e o artigo Crócon). Teve dela intermédio de Diomedes. Aquele solta um grito
dois filhos, Élato e Afidas (v. uma variante no horrível, que foi escutado por todo o exército,
artigo Crisope/eia)., Com a ninfa Érato, teve e foge para o Olimpo, onde Zeus ordena que
um terceiro filho, Azan. Foi por estes três fi- o tratem. Numa outra altura, ainda, na disputa
lhos que ele repartiu a Arcádia (v. quadro 10, dos deuses que teve lugar durante a Guerra de
p . 132). Tróia, Atena lutou com Ares e, também aqui,
a deusa levou a melhor aturdindo-o com uma
ARES. (" Ap11ç.) Deus da Guerra, identifi- pedrada. Mas não é só no ciclo troiano que se
cado com o itálico Marte. Era filho de Zeus manifesta esta oposição entre Ares e Atena.
e de Hera e, como Apolo, Hermes, etc., per- Quando Héracles combateu Cicno, o filho de
tence à segunda geração dos Olímpicos (v. qua- Ares quis defender o seu filho e Atena, em
dro 38, p. 452). Inclui-se entre os doze gran- nome da razão, convidou Ares, que não era se-
des deuses, a o contrário das suas irmãs Hebe não violência e cólera, a obedecer ao destino,
e Ilítia, que são divindades secundárias. Desde que ditava que Cicno fosse morto por Héra-
a época homérica, Ares surge como o deus da cles, sem que ninguém pudesse matar o herói.
Guerra por excelência. Representa o espírito Mas as suas palavras foram inúteis e Aterra teve
do Combate, que se compraz com a carnificina de interferir directamente para desviar a lança
e o sangue. Diante de Tróia, ele combate ge- do deus. Héracles, aproveitando uma falha na
ralmente ao lado dos troianos, mas preocupa- protecção do deus, feriu-o na coxa. Ares fu-
-se pouco com a justiça da causa gue apoia. giu vergonhosamente para o Olimpo. Era,
Pode também ajudar os Aqueus. É represen- aliás, a segunda vez que Héracles havia ferido
tado com couraça e capacete, armado com o Ares. A primeira fora em Pilo, e o herói tinha-
escudo, a lança e a espada. Tem uma estatura -lhe mesmo tirado as a rmas.
acima do normal e solta gritos terríveis. Com- Quando a Amazona Pentesileia, sua filha,
bate quase sempre a pé, mas vemo-lo também foi morta diante de Tróia por Aquiles, Ares
em cima dum carro puxado por quatro corcéis. quis vingar-se imediatamente, sem se preocupar
Acompanham-no deuses que fazem de seus es- com os Destinos. Zeus viu-se obrigado a detê-
cudeiros, Deimo e Fobo (o Medo e o Terror, -lo, lançando o seu raio.
que são seus filhos). Encontramo-lo também Finalmente, um outro infortúnio de Ares é
rodeado de Éris (a Discórdia) e Énio. a sua prisão pelos Aloídas, que o encerraram
Ares habita na Trácia, região semi-selvagem, durante treze meses, acorrentado, num pote de
de clima rude, rica em cavalos e invadida por bronze.
povos guerreiros. É ai também que habita, pelo É a um acto de violência de Ares que se liga,
menos segundo uma tradição, o povo das segundo a lenda, o nome do Areópago, a co-
Amazonas, que são filhas de Ares. Na própria lina onde, em Atenas, se reunia o tribunal en-
Grécia, prestam-lhe um culto particular em Te- carregado de julgar os crimes de ordem reli-
bas onde o consideravam como o antepassado giosa. Junto da colina havia uma fonte. Foi aí
do; descendentes de Cadmo. Era lá, com que um dia Ares surpreendeu Halirrótio, o fi-
efeito, que ele possuía uma fonte , guardada por lho de Posídon e da ninfa turite, a tentar vio-
um dragão, de quem era pai. Quando Cadmo, lentar Alcipe, a filha que ele tivera de Aglauro.

Ares://., II 512-515; V, 311-364; 385 e s.; 590- 28, 5; APOLLOD., Bib/., 1, 4, 4; 7, 4; 7; 8, 2; II, 5,
-909; XV, 110-142; XX, 32 e s.; XI 391-433; XIII, 8; 11; III, 4, 1 e s.; 14, 8; 2; Ov., Fast., V, 229 e
298-301; Od., 266 e s.; H Es., Theog. , 922 e s.; s.; SERV., ad V!RG., Ecl., X, 18; HYG., Fab., 159;
Seul., 109; 191 e s., 424 e s.; Hymn. hom. Ar. QUINT., SM., I, 675 e s.; V e s.; V, 340 e s; XIV, 47
(onde se descobrem numerosas infuências órficas); e s.; FR. ScHWENN, Ares, A. R . W., XX (1920-
HEROD., V, 5; EuR., lon , 1258 e s.; [ph. T., 945 e -1921), p. 229 e s.; XXI (1922), p. 58 e s.; XXII
s.; APOL. RH., Arg., II, 990; PAUSAN., ! , 21, 4 e s., (1923- 1924), p. 224 e s.
41 ARGO

Encolerizado, matou Halirrótio. Mas Posidon teve em partida a realeza sobre o Peloponeso,
fê-lo comparecer perante um tribunal com- a que ele chamou «Argos» (o nome permane-
posto por olímpicos, no cimo da mesma colina ceu na cidade assim chamada e na Argólida,
junto da qual se dera o crime. Os deuses ab- que a rodeia). Desposou Evadne, a filha de Es-
solveram o homicida. trímon e de Neera (ou então da Oceânide Pito)
A lenda atribuiu a Ares muitas aventuras e dela teve quatro filhos (v. quadro 20, p. 240,
amorosas. A mais célebre é, certamente, a que e, para uma outra tradição, o quadro 21,
o mostra unido clandestinamente à deusa Afro- p. 242). Argo passa por ter introduzido na Gré-
dite (v. Afrodite). Mas teve também muitos fi- cia a arte de lavrar e semear o trigo.
lhos das mortais. A maior parte destes foram 2. Mas o Argo mais célebre (geralmente de-
homens violentos, pouco hospitaleiros, que signado na sua forma latinizada, Argos) é o
atacavam os viajantes, os matavam ou se en- bisneto do precedente. Segundo uns, possuía
tregavam a diversos actos de crueldade. Assim, um só olho, segundo outr-0s teria quatro: um
de Priene teve três filhos: Cicno, Diomedes da par para ver de frente e o outro para olhar para
Trácia, cujas éguas devoravam carne humana trás. Outras versões atribuíam-lhe, finalmente,
e Licáon. Todos estes foram mortos por Hé- uma infinidade de olhos repartidos por todo
racles. Ou então são ainda heróis secundários o corpo. Dotado de uma força espantosa, li-
que desempenham um papel nos mitos guer- vrou a Arcádia dum touro que devastava a re-
reiros. Atribui-se-lhe também, por vezes, a pa- gião. Esfolou-o e revestiu-se com a sua pele.
ternidade de Meleagro e a de Driante, que par- Em seguida, matou um sátiro que causava es-
ticipou, como Meleagro, na caçada de Cálidon. tragos aos Arcádios e lhes roubava os reba-
Era Ares, finalmente, que passava por ter dado nhos. Matou ainda Equidna, a filha mons-
ao seu filho Enómao as armas com que este truosa do Tártaro e de Geia (a Terra), que se
deu a morte aos pretendentes à mão de sua fi- apoderava dos transeuntes. Surpreendeu-a en-
lha (v. Pélops e Hipodamia). quanto dormia e teve assim um pretexto (v.
Os animais consagrados a Ares são o cão e também Equidna). Hera encarregou-o, depois,
o abutre. de guardar a vaca lo, de quem tinha ciúmes
(v. lo): para isso, Argo prendeu o animal a uma
ARETUSA. (' Api8ouacx.) Ninfa do Pelopo- oliveira que crescia num bosque sagrado, em
neso e da Sicília (v. Alfeu, Náiades). Micenas. Graças aos seus múltiplos olhos, po-
ARGENO. (" Apytwoç.) Argeno ou Argino dia vigiá-la, pois só metade dos seus olhos é
era um jovem de grande beleza, filho de Pisí- que dormia: ele tinha sempre tantos olhos aber-
dice, a filha de Leucon (v. quadro 34, p. 392), tos como fechados. Hermes, porém, recebeu
que vivia na Beócia, nas margens do lago Co- de Zeus a ordem de libertar lo, sua amante.
pais. Um dia em que ele se banhava no Cesifo, Sobre a forma como Hermes se desembaraçou
Agamémnon, na altura em Áulis, aguardando da tarefa, as lendas variam: ora se conta que
ventos favoráveis para embarcar, viu-o e matou Argo com uma pedra, atirada de longe,
apaixonou-se por ele. O jovem fugiu, perse- ora que o adormeceu ao som da flauta de Pã,
guido por Agamémnon. Exausto, lançou-se no ou então que o mergulhou num mágico sono,
rio e afogou-se. Agamémnon fez-lhe um sump- graças à sua varinha divinal. Como quer que
tuoso funeral e fundou, em sua honra, um tem- seja, Hermes matou Argo. Hera, para imor-
plo de Ártemis- Argenis. talizar aquele que a servira, transferiu os seus
olhos para a plumagem do pássaro que lhe era
ÁRGIRA. ('Ap)'llpã.) Árgira, ninfa duma consagrado, o pavão.
fonte da Arcádia, amava um pastor jovem e 3. Um terceiro Argo é o filho de Frixo e de
belo, chamado Selemno. O amor durou en- Calcíope. Nascera na Cólquida e aí fora criado,
quanto Selemno foi jovem, mas quando per- mas deixou-a para vir reclamar a herança do
deu a beleza ela abandonou-o. Desesperado, seu avõ Átamas (v. Frixo). Um naufrágio
Selernno morreu e foi transformado em rio por lançou-o à ilha de Aria, onde foi recolhido pe-
Afrodite. Mas como, apesar da transformação, los Argonautas, assim como os seus irmãos
ele continuava a sofrer por causa do seu amor, Frôntis, Melas e Citissoro. Uma outra versão
Afrodite concedeu-lhe que esquecesse todos os coloca o encontro de Jasão e Argo em Acetes,
seus sofrimentos. É por essa razão que todos na Cólquida. Foi ele quem, por intermédio de
quantos se banham no Selemno, homens ou sua mãe, proporcionou o primeiro encontro de
mulheres, esquecem os seus desgostos amoro- Jasão e Medeia. Regressou com os Argonau-
sos. tas. Na Grécia, desposou a filha de Admeto,
ARGO. (" Apyoç.) 1. A lenda conhece um pri- Perimele, de quem teve um filho, Magnes (qua-
meiro Argo, filho de Zeus e de Níobe, quedes- dro 34, p. 392).
cendia, pelo lado da mãe, de Oceano e Tétis 4. O Argo que construiu a nau Argo (v. Ar-
(v. quadro 19, p. 239). Níobe foi a primeira das gonautas) e participou na expedição do velo
mortais a quem Zeus concedeu filhos. Argo ob- de oiro, é uma quarta personagem, umas ve-

Aretusa: Ov., Met., V, 576 e s. 5; Ili, 4, 1. 2) APOLLOD., Bib/. , II , 1, 2; HYG . ,


Fab., 145; MACROS., Sal., I, 19, 12; PROP., I, 3,
Argeno: ATHEN., Xlll, 603 d; PROP., III, 7, 31. 20; Ov., Met., 1 583-750. 3) HYG., Fab., 14; APOL.
RH., Arg., II, ll22 e s.; APOLLOD., Bibl., I, 8, 9.
Ágira: PAUSAN., VII, 23, 1-3.
4) Escól. ad APOL. RH., Arg. I, 4; PTOL. HEPH., 2;
Argo: 1) APOLLOD., Bib/., li, 1, 1 e s . ; HYG., APOL. RH., ib., !, 324 e s.; V. também in RosCHER,
Fab., 123 ; 145; 155; PAUSAN., li, 16, 1; 22, 6; 34, Lex., o art. Panopte.
ARGONAUTAS 42

zes distinta dos precedentes (e nesse caso é con- menos na lista apresentada por Apolónio, o lá-
siderado como filho de Arestor - filiação, pita Mopso (v. Mopso). Vinham depois os dois
aliás, atestada também por Argo, 2) e outras filhos de Bóreas, Zetas e Cálais, os dois filhos
vezes confundida com o filho de Frixo (supra, de Zeus e Leda, Castor e Pólux, e os seus dois
n. º 3). primos, os filhos de Afareu, Idas e Linceu.
O arauto da expedição era Etálides, um filho
ARGONAUTAS. ('Ap,ovo:uiiw:t.) Denomi- de Hermes. O seu nome é omitido por Apolo-
navam-se Argonautas os companheiros de Ja- doro. Todos estes heróis desempenham um pa-
são na sua busca do Velo de Oiro. Sobre as ori- pel activo nas aventuras da Argo. Os que sur-
gens desta expedição, v. Jasão . O nome de gem depois são geralmente meros figurantes.
Argonautas deriva do da nau que transportou São eles: Admeto, o filho de Feres; Acasto , o
os heróis, Argo, e que significa «rápido», além filho de Pélias, que acompanhara o seu primo
de lembrar igualmente o nome do seu constru- J asão, contrariando as ordens de seu pai; Pe-
tor, Argo (v. Argo). riclimeno, filho de Neleu; Astério (ou Astérion)
1. Os Argonautas. - «Catálogos» diferen- filho de Cometes, o lápita Polifemo, filho de
tes conservaram-nos a lista dos Argonautas que Élato; Ceneu, ou ainda o seu filho, Corono;
acorreram ao pregão do arauto que percorreu Êurito, filho jie Hermes e (segundo Apolónio)
a Grécia anunciando que Jasão organizava o seu i~mão Equion; Augeu, filho de Hélio , o
uma expedição à Cólquida. Estas listas dife- rei da Elide, irmão de Eetes, que participou na
rem bastante entre si e reflectem os diferentes expedição levado, diz-se, pelo desejo de ver o
tempos da lenda. Duas são, sobretudo, dignas irmão, que não conhecia; Cefeu, filho de Áleo,
de interesse, na medida em que se revelam in- e (apenas segundo Apolónio) o seu irmão An-
dependentes uma da outra, a de Apolónio de fidamante; Palemónio, filho de Hefesto, ou de
Rodes e a de Apolodoro. O número dos Ar- Etolo; Eufemo, filho de Posídon; Peleu e o seu
gonautas é relativamente fixo: entre cinquenta irmão Télamon, ambos filhos de Éaco; Ífito,
e cinquenta e cinco. A nau estava construída filho de Náubolo; Peante, o pai de Filoctetes.
para cinquenta remadores. Este é mencionado por Valério Flaco e Higino.
Há certos nomes que são comuns às duas lis- Depois vêm Í fiel o, o filho de Téstio e o seu so-
tas e que representam o fundo mais estável da brinho Meleagro; Butes, o filho de Téleon e
lenda. São eles, além de Jasão, que comandava (apenas na versão de Apolónio) o filho dum
a expedição, Argo, filho de Frixo (ou, segundo outro Téleon, Eribotes. Apolodoro e Apoló-
outros, de Arestor), construtor da nau , Tífis, nio coincidem na nomeação de Héracles, cujo
o filho de Hágnias, que o pilotava. Tífis acei- nome está ligado a um episódio de navegação,
tara estas funções por ordem de Atena, que lhe o rapto de Hilas, mas a propósito do qual a
ensinara a arte, ainda desconhecida, da nave- tradição está longe de ser unânime (v. Héra-
gação. Quando ele morreu, no país dos Ma- cles). Finalmente ambos incluem na sua lista
riandinos (v. infra, p. 44), foi substituído por Anceu, filho de Licurgo.
Ergino, filho de Posídon. Refere-se em seguida Os nomes seguintes não figuram na listlJ de
Orfeu, o músico trácio, cuja tarefa era mar- Apolodoro: os três filhos de Pero, Tálao, Ario
car a cadência dos remadores. Afirmava-se que e Leódoco (v. quadro l, p. 8); Íficlo, filho de
os deuses lhe haviam ordenado que embarcasse Fílaco; Euridamante, filho de Ctímeno; Falero,
na Argo para que os seus cantos servissem de filho de Álcon; um ateniense, Fliante (ou Flio),
antídoto contra as seduções das Sereias (v. in- fi lho de Dioniso (no lugar de Fliante, Apolo-
fra, p. 44) . A tripulação incluía vários adivi- doro nomeia outros dois filhos do mesmo deus,
nhos: Ídmon, filho de Abante, Anfiarau e, pelo Fano e Estáfilo); Náuplio, que Apolónio dis-

Argonautas: A. GENERALIDADES: PJND., Pylh., IV; d) Bébrices: APOLLOD., Bibl., 1, 9, 20; APOL. RH.,
APOLLOD., Bibl., 1, 9, 16 e s.; APOL. RH ., Arg.; VAL. II, 1 e s.; THEOCR., XIII, 27 e s.; VAL. FLAc., IV, 99
FLAC., Arg.; Argon. orph. D10D. SIC., IV, 40 e s.; e s.; HYG., Fab. , 17; LACT. PLAc., ad. SrAr., Th.,
TzETz., ad Lyc., 175; HYG., Fab., 12; 14 a 23; Ov., III, 353; SERV. ad. V!RG., Aen., V, 373.
Met., VII, 1 e s. CATÁLOGOS: PIND., ib .• 17 1 e s.; e) Fineu: AroLLoo., Bibl., I, 9, 21: APOL., RH .,
AroL. RH., ib., 1,- 23 e s.; cf. escól., I; 77, HYG., ib.,II, 176es.;escól.al77; 178; 18 l;escól.ad.Od. ,
Fab., 14; D10D. S1c., IV, 41; STAT., Theb., V, 398 XII, 69; VAL. FLAC., ib., IV, 422 e s.; HYG., Fab.,
e s; VAL. FLAc., ib., 1, 352 e s. (cf. ed. Burmann, ad. 19; SeRv., ad. VrRG., A en., Ili , 209; D10D. S1c., IV,
loc.); Arg. orph., 118 e s . V. O. JESSEN, Diss., Ber- 43 e s.; Cf. Fineu.
lin 1889. R. E. G., 1890, p. 207 e s.; PRELLER- f) Ciâneas: APOLLOO., Bibl., I, 9, 22; APOL. RH.,
. ROBERT, Myth., 11, p. 770 e s .; E. LI~N AR D, in La- II, 3 17 e s.; 549 e s .; VAL. FLAC., 561 e s.; HYG.,
tomus, 1938, p. 240-255. Fab., 19 .
B. NAVEGAÇÃO: a) Lemnos: Arouoo., Bibl., I, 9, g) C6/quida: A POLLOD., Bib/., I, 9, 23 e 24; APOL.
17; APOL. RH., Arg., 1, 607 e s.; escól. a 609; 615; RH., Arg., li, 720 e s.; III , 1 e s.; IV, I a 240 e es-
escól. ad. li., VII , 468 e s.; VAL. FLAC., II, 77 e s.; cól; VAL. FLAC., V, 1 e s. até VIII , 139; HYG., Fab .,
HYG., Fab., 15. Cf. Hipsípile; Toas. 14; 18; 23; T ZETZ., ad. Lyc., 890; D100. s,c., IV, 48;
b) Cízico: APOLLOD., Bibl., '· 9, 18; APOL. RH. , Ov., Mel., VII, 1-158; PINO., Pylh., IV, 394 e s . Cf.
Arg., l, 935 e s.; VAL. FLAC., II, 634 e s.; III, l e s.; Jasâo; Medeia .
HYG., Fab., 16. Cf. Cízico . h) Regresso: AroLLOD., Bibl., I, 9, 24 e s.; A roL.
e) Hilas: APOLLOD., Bibl., I, 9, 19; APOL. RH., RH ., ib., IV, 576 até ao fim; HYG . , Fab., 14; 23 ;
I, 1207 e s.; escól. a 1290; VAL. FLAC., III, 521 e D100. S1c., IV, 56. Cf. Talo; Medeia. Triião. Sobre
s.; THEOCR., XIII; ANT. LIB., Transf., 26; PROP., o conjunto da lenda, cf. E. DELAGE, La Géographie
!, 2?, 17 _e s.; HYG ., Fab., 14; STEPH.;B_:' 2 . , d_ans Jes Argonauliques d'Apo/1. de Rh., Paris-
s. u. Apt«:«. -!!o_r~e~ux, 1930, e a bibligraf.ia ~.itada.
-·•' ARGONAUTAS

:ingue, por razões de·cron9logia, do pai de Pa- zico, no país dos Dolíones, cujo rei se chamava
z:nedes; O ileu, o pai do Ajax <<O menor». En- Cízico. O povo recebeu-os hospitaleiramente.
~=e os parentes de Meleagro, aos nomes já O rei convidou-os para um banquete e deu-lhes
.:i:.ados, Apolónio acrescenta o filho de Por- muitas provas de amizade. Na noite seguinte,
:.aon. Laocoonte, que não figura em Apolo- os heróis partiram, mas sopraram ventos con-
::oro. Depois vêm Eurítion, filho de Iro; Clí- trários que, sem eles se terem apercebido, os
:io e Ífito, os filhos de Êurito; Canto, o filho fizeram aportar de novo à costa dos Dolíones ,
=-e Cáneto; Astério e Anfíon, filhos de Hipe- de madrugada. Estes, desconhecendo tratar-se
:-á..<io. dos hóspedes da véspera que regressavam,
.-\polodoro, pelo contrário, cita os seguin- tomaram-nos por piratas pelasgos, que viriam,
=~ heróis, que não são nomeados por Apoló- como de costume, atacar o seu país. Ao mo-
::.io: além de Fano e Estáfilo (v. supra), Actor, tim, acorreu o rei Cízico a dar apoio aos seus
:i!:lo de Hípaso, Laertes e o seu sogro, Autó- súbditos. Mas não tardou a ser morto pelo pró-
:o, Euríalo, filho de Mecisteu, que pertence prio Jasão, que lhe trespassou o peito com a
ao .:ido lroiano, tal como Peneleu, filho de Hi- sua lança. Os outros heróis levaram a cabo um
;:zmo, Leito, filho de Aléctrion, Atalanta, a grande massacre entre os inimigos . Porém,
=.ica mulher da tripulação, Teseu, em cuja quando o dia raiou, as duas partes reconhece-
.roda isto não passa dum episódio introduzido ram o seu erro e lamentaram-se profunda-
~jficialmente numa fase tardia, Menécio, fi- mente . Jasão organizou sumptuosos funerais
~o de Actor, que por sua vez é filho de Díon para o rei Cízico . Durante três dias, os Argo-
e &tinto do filho de Hípaso (v. supra) e, fi- nautas fizeram as lamentações rituais e orga-·
="''meme, dois filhos de Ares, Ascálafo e Iál- nizaram jogos em sua honra. Entretanto Clite,
=o. a jovem esposa de Cízico, enforca-se, deses-
.-\ fantasia dos diferentes escoliastas e a dos perada . As Ninfas choraram-na de tal modo
;:,oetas tardios acrescentou, por fim, à lista dos que das suas lágrimas se formou uma fonte,
.,,_..]tmautas nomes prestigiosos, que não foram que ficou a chamar-se Clite. Antes de partir,
~o~hidos nem por Apolónio nem por Apo- como uma tempestade os impedisse de retomar
,;x:o,o: por exemplo, Tideu, o médico Asclé- o mar, os Argonautas ergueram sobre o monte
;.o. o músico Filámon, Nestor, que só figura Díndimo, que domina Cízico, uma estátua de
~ ;><>ema de Valério Flaco, Pirítoo, o insepa- C ibele, a mãe dos deuses.
""E. e! companheiro de Teseu e cuja presença se A etapa seguinte conduziu-os mais para
::x.;,lica pela introdução deste na lenda, como leste, para a costa da Mísia. Os habitantes
;e explica pela de H éracles a menção de Hilo, acolheram-nos com presentes. Enquanto os he-
~.1 filho (que contradiz as cronologias habi- róis se ocupavam a preparar a refeição, Héra-
7:!almente estabelecidas), de Iolau, de Ífis, o cles, que tinha partido o seu remo durante a
~ o de Euristeu, e até, apenas segundo Hi- travessia, tal era a força com que remava,
p:;o, do irmão gémeo de Héracles, Ificles. Va- embrenhou-se na floresta vizinha, à procura
"ério Flaco nomeia um tal Clímeno, tio de Me- duma árvore apropriada para fabricar outro.
=gro, que é geralmente considerado como um Mas Hilas, um jovem que ele amava e que com
m:ião do herói (v. quadro 29, p. 298). Por fim, ele embarcara na Argo, fora enviado à procura
só Higíno nomeia Hipálcimo, filho de Pélops de água doce para preparar a refeição. Junto
! ::e Hipodamia (mas que não figura nas ge- duma fonte, encontrou as Ninfas a dançar .
::<2.logias habituais). Deucalião, o cretense, pai Maravilhadas com a sua beleza, estas atraíram-
:.e Idomeneu, e um herói cujo nome, mutilado, -no até à sua fonte onde ele se afogou . Poli-
;;::arece ser Tersanor, filho da Leucótoe que foi femo, um dos Argonautas, ouviu o grito do jo-
:..-ansforrnada em heliotrópio (v. Clítia). vem no mom ento em que ele desaparecia sob
LI. A navegação. - A nau foi construída em a água. Lançou-se em seu socorro e, no cami:
?2.gasa, que é um porto da Tessália, por Argo nho, encontrou Héracles que regressava da flo-
. . Argo, 4) , com a ajuda da deusa Atena . resta. Ambos se puseram à procura; erraram
-\ :;:iadeira veio do Pélion, excepto a peça da toda a noite pelo bosque e, quando a nau par-
;::oa, trazida pela deusa, e que era um pedaço tiu, antes da a urora, eles não se encontravam
::e canalha sagrado de Dodona. Foi ela pró- a bordo. Foi, pois, sem Héracles e Polifemo
,.. ia que a talhou e a dotou de fala, de tal forma que o s Argonautas tiveram de continuar a sua
::r-e a nau podia profetizar. viagem, pois não estava no plano dos Desti-
Os heróis lançaram à água a A rgo, na praia nos que os dois heróis participassem na con-
~ Págasa, com muito povo a assistir, e em- quista do Velo . Polifemo fundou, nos arredo-
:::2.rcararn após um sacrifício a Apolo. Os pres- res, a cidade de Cio e H éracles continuou
;;;ágios eram favoráveis. Interpretados por Íd- sozinho as suas façanhas (v. Hilas e Héracles).
::;on, eles indicavam que todos voltariam sãos A Argo alcançou depois o país dos Bébrices,
::: :12kos, com excepção do próprio Ídmon , des- o nde reinava o rei Âmico (v. a sua lenda). De-
ê::ado a morrer durante a viagem. pois de Pó lux ter derrotado Âmico, segundo
.-\ primeira escala foi na ilha de Lemnos . algumas tradições, travou-se uma luta genera-
.'.::ssa altura, só havia na ilha mulheres, pois lizada entre os Argona utas e os Bébrices. Es-
=s tinham matado todos os homens (v. Toas, tes sofreram muitas baixas e acabaram por dis-
H 1psípile, Afrodite, etc.) . O s Argonautas persar em debandada .
...::iram-se a elas e deram-lhes filhos. Depois de No dia seguinte, os Argonau tas retomaram
_, deixarem , navegaram em direcção à ilha da a viagem e , colhidos por uma tempestade, an-
~otrácia o nde, a conselho de Orfeu, se fi- tes de entrarem no Bósforo, foram obrigados
=2..'ll iniciar nos mistérios. Penetrando no He- faze r escala na costa da Trácia, ou seja, na
liõ;iomo, chegaram seguidamente à ilha de Cí- margem europeia do Helesponto, no país d e
ARGONAUTAS 44

Fineu. Este era um adivinho, cego, filho de Po- um campo e semear os dentes dum dragão
sídon, que fora castigado pelos deuses com (tratava-se do resto dos dentes do dragão de
uma singular maldição: sempre que lhe puses- Ares que Atena dera a Eetes; v. Cadmo e
sem à frente uma mesa cheia de iguarias, as Ares).
Harpias, que são uns seres meio mulheres Jasão perguntava a si próprio como pode-
meio pássaros, precipitavam-se sobre os ali- ria impor o jugo àqueles monstros, quando
mentos, comiam uma parte e, o que não po- Medeia, a filha do rei, que sentia por ele uma
diam levar, deixavam-no sujo dos seus excre- forte paixão, veio em sua ajuda. Obrigou-o pri-
mentos. Os Argonautas pediram a Fineu que meiro a prometer-lhe que a tomaria por esposa
os informasse sobre o êxito da sua empresa. se ela lhe fornecesse os meios de vencer as pro-
Mas o adivinho não lhes quis dar resposta an- vas impostas por seu pai e que a levaria para
tes que eles o tivessem livrado das Harpias. Os a Grécia. Jasão prometeu. Medeia deu-lhe en-
Argonautas disseram-lhe que se sentasse à mesa tão um bálsamo mágico (ela era perita em toda
e, quando as Harpias surgiram, Cálais e Zé- a espécie de artes ocultas), com o qual ele de-
tes, que eram alados por serem filhos dum deus veria untar o seu escudo e o seu corpo antes
do vento, lançaram-se em sua perseguição, até de enfrentar os bois de Hefesto. Este bálsamo
que as Harpias, esgotadas, prometeram pelo tinha a virtude de tornar invulnerável ao ferro
Estige não mais incomodar o rei Fineu. Liberto e ao fogo todo aquele que com ele se tivesse
desta maldição, Fineu revelou aos Argonautas untado, e a sua invulnerabilidade devia durar
uma parte do futuro que lhes era permitido co- um dia inteiro. Além disso, ela revelou-lhe que
nhecer. Pô-los de sobreaviso contra um perigo os dentes do dragão fariam nascer uma seara
que os iria ameaçar em breve pelo caminho: de homens armados que procurariam matar o
as Rochas Azuis (as Ciãneas), recifes móveis herói. Este apenas teria de lançar para o meio
que se entrechocam. Para saber se consegui- do bando, e de longe, uma pedra. Imediata-
riam passar por estes rochedos, Fineu mente os homens se virariam uns contra os ou-
aconselhou-os a enviar à sua frente um pombo. tros, acusando-se reciprocamente de terem lan-
Se este conseguisse transpor a passagem, eles çado a pedra, e matar-se-iam uns aos outros.
poderiam segui-lo sem perigo. Mas se os esco- Assim prevenido, Jasão conseguiu pôr o
lhos se fechassem sobre ele, nesse caso, então, jugo aos touros, atrelá-los à charrua, lavrar o
a vontade dos deuses ser-lhes-ia contrária e o campo e, por fim, a semear os dentes do dra-
mais prudente seria abandonar a empresa. gão. Depois, disfarçou-se e, de longe, apedre-
Deu-lhes depois algumas indicações sobre os jou os homens acabados de nascer daquela in-
principais passos da sua rota. sólita sementeira. Estes puseram-se a bater uns
Após este oráculo, os Argonautas continua- nos outros. Aproveitando a sua desatenção, Ja-
ram o seu caminho. Chegados diante das Ro- são massacrou-os.
chas Azuis, chamadas também Simplégades, Eetes, contudo, não cumpriu a sua palavra.
ou seja, rochas que se ferem, soltaram uma Tt'ntou incendiar a nau Argo e matar a tripu-
pomba que conseguiu franquear a passagem, lação. Mas, antes que tivesse tempo de reali-
mas os rochedos, fechando -se, apanharam-lhe zar o seu desígnio, Jasão, guiado por Medeia,
as penas mais longas da cauda. Os heróis es- apoderara-se já do Velo (os sortilégios de Me-
peraram que os rochedos se afastassem de novo deia tinham adormecido o dragão encarregado
e lançaram-se, então, em frente. O barco saiu de o guardar) e fugira.
são e salvo, mas a popa ficou ligeiramente da- Quando Eetes descobriu que Jasão havia fu-
nificada, como a cauda da pomba. Desde essa gido levando consigo o Velo e raptando a sua
altura as Rochas Azuis permaneceram imóveis, filha, lançou-se na perseguição da nau. Medeia,
pois era vontade do Destino que, assim que um que previra tudo isso, matou o irmão Absirto,
navio tivesse conseguido atravessá-las, o seu que levara consigo, e espalhou os membros
movimento acabaria. pelo caminho. Eetes perdeu tempo a recolhê-
Tendo assim penetrado no Ponto Euxino -los e, quando acabou, era demasiado tarde
- o Mar Negro - . os Argonautas chegaram para pensar em alcançar os fugitivos. Por isso,
ao país dos Marinheiros, cujo rei, Lico, os aco- levando consigo os membros do filho, alcan-
lheu favoravelmente. Foi aí que, no decurso çou o porto mais próximo, que era Tomos, na
duma caçada, morreu o adivinho Ídmon, fe- costa ocidental do Ponto Euxino, e ai o sepul-
rido por um javali. Foi aí também que mor- tou. Mas antes de voltar à Cólquida, lançou
reu o piloto Tífis. Anceu substituiu-o no leme. vários grupos de súbditos seus no encalço da
De seguida, ultrapassaram a foz do Termo- Argo, avisando-os de que, se não voltassem
donte (o rio em cujas margens se dizia que vi- com Medeia, seriam condenados à morte em
viam as Amazonas), depois ladearam o Cáu- vez dela.
caso e chegaram à Cólquida, à foz do Faso, Segundo uma outra versão, Absirto fora en-
onde terminava a sua viagem. Os heróis desem- viado por Eetes em perseguição da sua irmã,
barcaram e Jasão dirigiu-se junto do rei Eetes, mas Jasão tê-lo-ia morto à traição, com a ajuda
a quem expôs a missão que lhe fora confiada de Medeia, num templo consagrado a Ártemis,
por Pélias. O rei não recusou entregar-lhe o na foz do Danúbio (Istro). Os Argonautas
Velo de Oiro, mas pôs-lhe como condição co- prosseguiram o seu caminho em direcção ao
locar o jugo, sem a ajuda de ninguém , a dois Danúbio e subiram o rio até ao Adriático (na
touros de cascos de bronze, que expeliam fogo época em que foi elaborada esta versão da
pelas narinas. Estes touros monstruosos, pre- lenda, o Danúbio, ou Istro, era considerado
sentes de Hefesto a Eetes, nunca tinham co- como uma artéria fluvial, estabelecendo a co-
nhecido o jugo. Quando estivesse cumprida municação entre o Ponto Euxino e o Adriá-
esta primeira prova, Jasão deveria ainda lavrar tico). Zeus, irritado por causa do assassínio de
45 ARIADNE

Absirto, enviçm uma tempestade que afastou Pegava em rochedos enormes da margem e
a nau da sua rota. A nau então começou a fa- lançava-os, de longe, contra os navios que pas-
lar e revelou a cólera de Zeus, acrescentando savam, para os afastar da margem. Três vezes
que esta cólera não passaria antes de os Argo- ao dia, dava a volta à ilha. Este gigante era in-
nautas serem purificados por Circe. A nau su- vulnerável, mas tinha no tornozelo, sob uma
biu então o Erídano (o Pó) e o Ródano, atra- pele muito espessa, uma veia, a fonte da sua
vés do país dos Lígures e dos Celtas. Daí, vida. Se esta veia fosse aberta, Talo morreria.
alcançaram o Mediterrâneo, contornaram a Medeia levou a melhor sobre este gigante, pe-
Sardenha e atingiram a ilha de Eeia, o reino los seus encantamentos. Ela pô-lo furioso,
de Circe (sem dúvida a península do monte Cir- enviando-lhe visões enganadoras, e fê-lo de tal
ceu, no Norte de Gete, entre o Lácio e a Cam- modo que Talo rasgou a veia do tornozelo con-
pânia). Aí, a feiticeira, que, tal como Eetes, tra um rochedo. Morreu imediatamente. Os
era filha do Sol e, pór conseguinte, tia de Me- Argonautas acostaram e passaram a noite na
deia, purificou o herói e teve uma longa con- margem. No dia seguinte, levantaram um san-
versa com o jovem, mas recusou categorica- tuário a Atena Minóica e partiram de novo.
mente conceder hospitalidade no seu palácio No mar de Creta foram repentinamente en-
a Jasão. A nau retomou então o seu percurso volvidos por uma noite cerrada, misteriosa, que
errante e, guiada pela própria Tétis, por ordem os fez correr os maiores riscos. Jasão invocou
de Hera, atravessou o Mar das Sereias. Aí, Or- Febo, pedindo que lhes mostrasse o caminho
feu cantou uma melodia tão bela que os he- no meio daquela escuridão. Então, Febo-
róis não tiveram qualquer desejo de seguir o -Apolo atendeu a sua prece e lançou um dardo
apelo das Sereias (v. Sereias). Só um deles, Bu- inflamado, que lhes mostrou, muito perto da
tes, alcançou a nado o rochedo das feiticeiras, nau, uma pequena ilha das Espórades, onde
mas Afrodite salvou-o, arrebatando-o. e esta- QUderam lançar âncora. Chamaram a esta ilha
belecendo-o em Lilibeu (hoje Marsala), na Anafe (a Ilha da Revelação) e ergueram aí um
costa ocidental da Sicília. santuário a Febo, o Resplandecente. Mas fal-
Em seguida, a nau Argo encontra o estreito tavam as oferendas para celebrar condigna-
de Canbdis e Cila, depois as ilhas errantes (sem mente o sacrifício inaugural nessa ilha rochosa.
dúvida as ilhas Líparis), sobre as quais se ele- Por isso, fizeram libações rituais com vinho,
vava um fumo negro. Por fim, chegaram à em vez de água. Vendo isto, as criadas feáces,
Corcira (hoje Corfu), ao país dos Feaces, onde dadas por Arete a Medeia como presente de
reinava Alcínoo. Foi aqui que eles encontra- núpcias, puseram-se a rir e dirigiram gracejos
ram um grupo de cólquicos enviados em sua maliciosos aos Argonautas. Estes responde-
perseguição por Eetes. Pediram a Alcínoo que ram-lhes da mesma forma e seguiu-se uma cena
lhes entregasse Medeia. Alcínoo, após consul- divertida que todos os anos se repete nesta ilha,
tar a sua mulher, Arete, respondeu que con- sempre que aí se celebra um sacrifício em honra
sentiria se, examinada, Medeia fosse dada de Apolo.
como virgem; mas se ela fosse já mulher de Ja- Depois, os Argonautas fizeram escala em
são, então deveria permanecer com ele. Arete Egina e, navegando ao longo da Eubeia, che-
deu a conhecer a Medeia, em segredo, a deci- garam a Iolco, cumprindo o seu périplo em
são de Alcínoo, e Jasão apressou-se a cumprir quatro anos e trazendo consigo o Velo de Oiro.
a condição que deveria salvar Medeia. Alcínoo Jasão conduziu em seguida a nau Argo para
não teve outro remédio senão recusar a entrega Corinto, onde a consagrou a Posídon, como
da jovem mulher. Os cólquicos, sem coragem ex-voto.
de regresssar à sua pátria, estabeleceram-se no Esta lenda, muito complexa, é anterior, no
país dos Féaces e os Argonautas retomaram a seu núcleo original, à redacção da Odisseia,
navegação. que conhece as explorações de Jasào. Para nós,
Mal tinham deixado Corcira quando uma ela é célebre principalmente por causa do longo
tempestade os arrastou para as Sirtes, na costa poema erudito de Apolónio de Rodes, que a
Líbia. Aí, tiveram de transportar aos ombros narra em pormenor. Na Antiguidade, ela co-
a sua nau até ao lago Tritão. Graças a Tritão, nheceu uma grande popularidade; acaba por
o deus do lago, encontraram uma saída para constituir um ciclo ao qual se ligaram, duma
o mar e retomaram a viagem em direcção a forma ou doutra, um grande número de len-
Creta. Mas durante este episódio perderam dois das locais. Tal como dos Poemas Homéricos ,
companheiros, Canto e Mopso (que aliás, não também das aventuras da Argo se tiraram pe-
figuram em todas as listas dos Argonautas ças de teatro, poemas de toda a espécie. Oro-
transmitidas pela tradição, v. supra, p. 42). mance de Medeia, sobretudo, seduziu os poe-
Em Creta, no momento de desembarcar, de- tas (v. Medeia, Jasão).
param com um gigante, Talo, espécie de ro-
bot monstruoso, construído por Hefesto, e a ARIADNE.(' Ap,áÔvTJ.) Ariadne é a filha de
quem Mines confiara o encargo de defender Minos e de Pasífae (v. quadro 30, p. 312).
a: ilha contra qualquer desembarque (v. Talo). Quando Teseu chegou a Creta para lutar com

Ariadne: APOLLOD., Ep., l,9; PLUT ., Thes., 20; MARINI, // mito di Arionno ... , A. e R., 1932, p.
PAUSAN . ,1, 20, 3; X, 29, 4; CAT., LXIV, 116 e s; 60-97; 121- 142, CH. F. HERBERGER, The Threod of
Ov., Her. , X; Mel., Vlll,174 e s.; Hva ., Fab., 43; Ariadne, The tabyrinth of Calendar oj Minas,
cf. Od., XI, 321 e s.; PROP., 1,3,1 e s.; ERATOSTH., New York, 1972; R. E. E1SNER, Ariadne in religion
Cat., 5. Cf. A VoN SAus , Theseus und Ariadne, and myths, prehistory to 400 BC, bin. Stanford
Festschr. der Arch. Ges. zu Berlin, 1930; A. M. Univ ., 1971.
ARION 46

o Minotauro (v. Teseu), Ariadne viu-o e sen- ARÍON. ('Apíwv.) Aríon era um músico de
tiu por ele um violento amor. Para lhe permi- Lesbos, que obtivera do seu mestre Periandro,
tir descobrir o caminho no labirinto, onde se o tirano de Corinto, a permissão de percorrer
encontrava o Minotauro, deu-lhe um novelo a Magna Grécia e a Sicília, ganhando dinheiro
de fio, que ele desenrolou, e que lhe indicou a cantar. Ao fim de algum tempo quis regres-
o caminho do regresso . Depois, fugiu com Te- sar a Corinto. Os escravos e os marinheiros do
seu, para escapar à cólera de Minos. Contudo, navio que o conduzia decidiram matá-lo e
não chegou a Atenas. Tendo feito escala na ilha apoderar-se do dinheiro que levava consigo.
de Naxos, Teseu abandonou-a, adormecida, Apolo apareceu-lhe, então, em sonhos, vestido
junto do mar. As explicações que se dão desta como um citaredo, e disse.Jhe que se acaute-
traição variam segundo os autores. Ou terá sido lasse com os seus inimigos, prometendo-lhe
porque Teseu amava outra mulher que ele ajuda. Quando Aríon foi atacado pelos con-
abandonou deste modo Ariadne ou, então, terá jurados, pediu-lhes que lhe concedessem a
sido por ordem dos deuses, pois os destinos não graça de o deixarem ca11tar pela última vez, o
lhe concediam que a desposasse. Mas Ariadne, que lhe foi concedido. A sua voz acorreram os
quando acordou de manhã e avistou, desapa- golfinhos, que são os animais favoritos de
recendo ao longe, as velas da embarcação do Apolo. Então Aríon, confiado no deus,
seu amante, não se abandonou por muito lançou-se ao mar. Um golfinho recolheu-o e
tempo à sua dor. Logo de seguida , chegaram transportou-o sobre o dorso até ao cabo Té-
Dioniso e o seu séquito. Fascinado pela beleza naro. Uma vez em terra, dedicou um ex-voto
da jovem, o deus desposou-a e levou-a para o a Apolo e dirigiu-se para Corinto, onde con-
Olimpo. Como presente de núpcias deu-lhe um tou a sua história ao tirano. Entretanto, o na-
diadema de oiro, obra de Hefesto ... Este dia- vio dos seus assassinos chegava a Corinto. Pe-
dema tornou-se depois urna constelação (v. riandro perguntou aos marinheiros por Aríon
também Teseu). e estes responderam-lhe que ele morrera du-
De Dioniso, Ariadne teve como filhos Toas, rante a viagem. Aríon mostrou-se, então, e os
Estáfilo, Enópion e Peparetos. Uma outra tra- assassinos foram crucificados ou, segundo ou-
dição refere que Ariadne foi morta na ilha de tros, empalados. Apolo, para lembrar este
Dia (mais tarde identificada com Naxos), pela caso, transformou em constelações a lira de
deusa Ártemis, por ordem de Dioniso (v. ou- Aríon e o golfinho compassivo.
tras versões da lenda de Ariadne no art. Teseu).
ARÍSTEAS. ('Apuniaç.) O poeta Arísteas do
Proconeso, personagem meio mítica e meio his-
ARÍON. ('AptÍwv.) Aríon é o nome doca- tórica, morreu numa oficina de apisoador.
valo de Adrasto, na primeira expedição con- Quando os seus amigos chegaram para levar
tra Tebas. Graças a ele, Adrasto seria o único o seu corpo, ele tinha desaparecido e foi im-
a salvar-se entre os heróis que participavam na- possível reencontrá-lo. Certos viajantes, nesse
quela campanha. Após a derrota do exército mesmo dia, disseram, ao chegar à cidade, que
de Argos, Aríon conduziu rapidamente o seu tinham encontrado no cam inho Arísteas,
senhor para longe do campo. de batalha e dirigindo-se para Cízico. Reaparecia em oca-
depositou-o em segurança na Atica, perto de siões diversas e em locais diferentes. Sete anos
Colono. A rapidez de Aríon já se revelara nos mais tarde, Arísteas voltou e escreveu o seu
jogos fúnebres realizados em honra de Arqué- poema dos Arimaspos. Pensava-se que, du-
moro (v. Anfiarau). rante estes sete anos, teria acompanhado Apolo
Sobre a origem de Aríon, contava-se a se- ao país mítico dos Hiperbóreos. O poema que
guinte história: quando Deméter procurava por escrevera desapareceu de novo.
toda a parte a sua filha, raptada pelo seu tio,
Hades (v. Perséfone), Posídon, que a amava, ARISTEU. (' Ap,O'tcxtoç.) Filho da ninfa Ci-
seguia-a por todo o lado, na sua caminhada. rene, a filha do rei dos Lápitas , Hipseu, que
Para escapar às suas impertinências, Deméter por sua vez era filho da Náiade Creúsa e do
resolveu transformar-se em égua e esconder- deus-rio tessálio Peneu (v. quadro 25, p. 268).
-se no meio dos cavalos do rei Onco, em Tel- Um dia em que caçava num vale do Pélion,
pusa, na Arcádia. Mas Posídon não se deixou Apolo viu C irene e levou-a, no seu carro dou-
enganar. Tornou também a forma dum cavalo rado, até à Líbia (v. Cirene). Aí, ela deu à luz
e uniu-se assim disfarçado à deusa. Desta união um filho, Aristeu. Quando a criança nasceu,
nasceram uma donzela cujo nome era proibido Apolo confiou-a à sua bisavó Geia (Creúsa era
referir (chamavam-na a Senhora ou a Ama), filha de Geia e de Posídon) e às Estações (as
e um cavalo, Aríon. Este cavalo pertenceu pri- Horas). Segundo uma outra tradição, Aristeu
meiro a Onco, depois passou para Héracles, foi educado pelo Centauro Quíron. Em se-
que o montou na expedição contra Élis e na guida, as Musas completaram a sua educação
luta contra Cicno. ensinando-lhe a arte da medicina e da adivi-

Arfon: PAUSAN., VIII, 42, 1 e s.; VIII, 25, 7 e s.; Aristeas: Pun ., Qu. Rom., 28, cf. H cKOD., VI, 13 e s.
TzETZ., ad Lyc., 153; 766; li., XXIII, 346 e s .• cs- Aristeu : PAUSAN., VIII, 2, 4; X, 17, 3 a 5; 30, 5;
cól. ad toe.; APOLLOD., Bibl., Ili, 6, 8. NONN. Dion. , V, 229 e s.; XIII , 300 e s .; APOI. . RH. ,
Arion : SERV., ad V!R G., Ecl., VIII , 55; Ov., Arg., li, 500 e s., e escól. ad loc. ; H cs., Theog., 977;
Fast., II, 79 e s.; H vo., Astr. Poet. , II, 17; Fab., Ov., Pont .• IV, 2, 9 ; VIRO., Georg., IV, 317 e s.;
194; escól. ad ARAT .• p. 165 (Br.); cf. H EROD., 1, Clc:., De div. , I, 57. Cf., C. ÜPBEIM in Iowa Stud.
24. in Class. Philol., IV , 1936.
47 ÁRTEMIS

nhação. Elas confiaram-lhe o cuidado dos seus fio, donde se extrai um remédio e uma espe-
rebanhos de carneiros, que pastavam na pla- ciaria.
nície de Ftia, na Tessália. As Ninfas ensinaram- ARISTODEMO. {'Apl<nÓÔTJiJ.Oç.) Um dos
-lhe também a arte dos lacticínios e da apicul- Heraclidas, é filho de Aristómaco que, por sua
tura, bem como o cultivo da vinha. Ele, por vez é bisneto de Héracles (v. quadro !·8 ,
sua vez, ensinou aos homens o que aprendera p. 220). Tem como·irmãos Témeno e Cresfon-
das deusas. tes, os conquistadores do Peloponeso. Encon-
Desposou a filha de Cadmo, Autónoe, que trando-se com seu irmão Témeno em Nau-
lhe deu um filho, Actéon. Atribui-se-lhe ainda pacto, enquanto se faziam os preparativos na
uma série de invenções referentes à caça, de- frota e no exército que permitiriam a conquista,
signadamente os fossos e as redes. Tal como Aristodemo foi atingido por um raio, a pedido
ele, Actéon será um caçador, o que causará, de Apolo, que o queria punir por não ter con-
por fim, a sua ruína (v. a sua lenda). sultado o oráculo de Delfos . Uma outra tradi-
Virgílio refere como Aristeu tinha um dia ção pretendeu que ele teria sido morto pelos fi -
perseguido Eurídice, a mulher de Orfeu, ao lhos de Pílades e Electra, Medonte e Estrófio .
longo dum rio. Eurídice foi mordida por uma Finalmente, os Lacónios asseguravam que ele
serpente, enquanto fugia, e morreu. Esta morte não tinha sido morto, mas que participara na
excitou contra Aristeu a ira dos deuses, que o conquista com os seus irmãos, e obtivera como
castigaram lançando uma epidemia que dizi- quinhão a Lacónia, onde reinava, deixando
mou as suas ·abelhas. Desesperado, Aristeu so- após a sua morte o trono como herança aos
licitou ajuda a sua mãe, a ninfa Cirene, que seus filhos, Eurístenes e Procles, que ele tivera
habitava sob as águas do Peneu, num palácio de Autésio (v. Teras e quadro 37, p. 438).
de cristal. Levado à sua presença, ele escutou
de sua mãe preciosos conselhos. Cirene ARQUELAU. ('ApxiÀaoç.) Arquelau é filho de
informou-o de que só o deus marinho Proteu Témeno, e um dos descendentes de Héracles
lhe poderia dizer a causa da infelicidade que (v. quadro 18, p. 220). Banido da cidade de Ar·
o perseguia. Aristeu foi interrogar Proteu e gos pelos seus irmãos, dirigiu-se para a Mace-
surpreendeu-o repousando sobre um rochedo, dónia, para junto do rei Cisseu. E ste
no meio de um rebanho de focas que ele guar- encontrava-se nesse momento cercado de ini-
dava, por conta de Posídon. Aproveitando do migos e prestes a ser derrotado. Cisseu
sono de Proteu, Aristeu acorrentou-o e prometeu-lhe a sua filha e o reino se ele o con-
obrigou-o, deste modo, a responder-lhe, pois seguisse salvar daquela situação. Fiel ao exem-
Proteu não gostava de ser interrogado. Desta plo do seu antepassado Héracles, Arquelau,
vez, revelou a Aristeu que os deuses o castiga- num só combate, restabeleceu a calma e sal-
vam pela morte de Eurídice e deu-lhe conse- vou Cisseu. Mas este, influenciado por maus
lhos sobre a forma de procurar novos enxames. conselheiros, recusou-lhe a recompensa que
Conta-se também que Aristeu participou, à prometera e, para apagar qualquer vestígio da
frente dum exército da Arcádia, na conquista sua má-fé, deliberou matar Arquelau. Para
da Índia, ao lado de Dioniso . Numa ocasião isso, mandou abrir uma grande fossa, que en-
em que uma peste devastava as cidades, na es- cheu de carvões ardentes e cobriu-a com uma
tação em que a estrela Sírio traz os dias mais leve ramagem. A sua intenção era matar aí Ar-
quentes do ano, os habitantes pediram a Aris- quelau. Este, porém, avisado da armadilha por
teu que lhes desse um remédio para este fla- um escravo do rei, solicitou a Cisseu uma au-
gelo. Por ordem de seu pai, Aristeu acedeu a diência secreta e precipitou-o na fossa. De se-
socorrer os infelizes e estabeleceu-se em Ceos. guida, por ordem dum oráculo de Apolo, dei-
Elevou aí um altar a Zeus e ofereceu , todos os xou a cidade e seguiu uma cabra que encontrou
dias, sobre as montanhas, sacrifícios a Sírio e no caminho. A cabra conduziu-o até ao local
a Zeus. Este, tocado pelas suas preces, enviou da cidade de Ege, na Macedónia. Aí, Arque-
ventos etésios para refrescar a atmosfera e pu- lau fundou a cidade a que deu o nome de Ege,
rificar o ar. Desde então, todos os anos, este em honra da cabra que o conduzira (do grego
vento sopra na estação quente e purifica o ar alç). Arquelau passava por ser o antepassado
das cidades. directo de Alexandre da Macedónia .
Venera-se Aristeu na Arcádia, onde ele ti-
nha introduzido a criação de abelhas. Vene- ARQUÉMORO. V. o artigo Anfiarau.
ram-no também na Libia, na região de Cirene, ÁRTEMIS. (" Ap,tiJ.tç.) É identificada em
onde se dizia que tinha seguido a sua mãe e Roma com a Diana itálica e latina . Ainda que
plantado a preciosa planta que se chama s17- certas tradições façam dela a filha de Demé-

Aristodemo: APOLLOD., Bibl., II, 8, 2; PAUSAN ., 4.3; III , 4,3, 8, 2; etc., Od., V, 123 e s.; PAUSAN.,
li, 18, 7; Ili, l, 5; IV, 3, 4 ; HEROD., VI, 52; IV, 147. VIII, 27, 17, etc . ; EuR., lph. Taur., lph. Aul.;
V. Procles. CALL., Hymn. hom. Are., Cf. L. R. fARNELL, The
Cu/rsofrhe Greek Srares, Oxford, 1896, t. li, p. 425
Arquelau: H YG., Fab., 219; EuR., trag. perdida e s; Ch. P1cARD, Ephese er Claros, Paris, 1922; L.
Arque/au (v. Fragm. rrag. gr., ed. Nauck, p . 339 e CH1RASS1, Miei e cu/ri arcaici di Arremis... , Trieste,
s . ) . Cf. W. KLJNG ER, Essai d'une reconsrirurion 1964; K. HoENN, Arremis - Gesraltwa'!el einer Gor-
d'Archelaos, lragédie d'Euripide (V. B. A. P. C., tin, Zurich, 1946; M. S . Ru1 PÉREZ, «Arremis, divi-
1935, p. 99- 103). nidad dorio-ilinia, Etimologia y ex pansión», Eme·
rira, XV (1946), 1-60; C. L. TRACHY, The myrhology
Ártemis: //., XXI, 470-507; Hes., Theog., 918; of Arremis and her role in Greek popular religion,
Hym. hom. Are.; APOLLOD., Bibl., I, 4, I ; 6, 2 e 5; Din . Florida State Univ., 1977.
ASCÁLABO 48

ter, ela é geralmente considerada como a irmã lhe trazer o veado dos cornos de oiro, consa-
gémea de Apolo, como ele filha de Leto e de grado a Ártemis. Héracles, não querendo nem
Zeus. Ártemis nasceu em Delos, em primeiro ferir nem matar o animal, perseguiu-o durante
lugar e, uma vez nascida, ajudou sua mãe a dar um ano inteiro. Por fim, cansado, matou-o.
à luz o seu irmão (v. Apolo). Ártemis perma- De imediato, Ártemis e Apolo se lhe dirigiram,
neceu virgem, eternamente jovem, o tipo da pedindo-lhe contas. O herói conseguiu acalmá-
donzela selvagem que se compraz apenas na -los lançando sobre Euristeu a responsabilidade
caça. Tal como seu irmão, usa o arco como desta caçada (v. Héracles). O mesmo tema
arma. Serve-se dele contra os veados, que per- surge na história de Ifigénia: era já antiga a có-
segue em corrida, e também contra os huma- lera da deusa contra a família (v. Atreu), mas
nos. É ela que envia às mulheres que morrem ela foi despertada por uma frase infeliz de Aga-
de parto o mal que as vitima. As suas flechas mémnon que, tendo morto um veado durante
dão morte súbita, sobretudo as que não pro- uma caçada, na altura em que, em Áulis, ele
vocam qualquer dor. É vingativa e foram nu- esperava vento favorável para. partir para
merosas as vítimas da sua cólera. Um dos seus Tróia, exclamou: «Nem sequer Artemis o te-
primeiros actos foi, com seu irmão, executar ria conseguido matar desta forma!» Ártemis
os filhos de Níobe. Enquanto Apolo matava, enviou então uma calmaria que imobilizou
uns após outros, os seis rapazes durante uma toda a frota. Tirésias, o adivinho, revelou a
caçada no monte Citéron, Ártemis matava as causa daquele contratempo, acrescentando que
seis donzelas que tinham ficado em casa (v. o único remédio seria sacrificar a Ártemis Ifi-
Níobe). Este acto impusera-se às duas divin- génia, a donzela filha do rei. Mas a deusa não
dades por causa do seu amor para com a mãe, esteve de acordo com este sacrifício e, no der-
que Níobe havia insultado. Foi também para radeiro momento, substituiu a jovem por uma
defender Leto que as duas crianças recém- corça, arrebatando-a e levando-a para Táurica,
-nascidas mataram o dragão que as vinha ata- como sacerdotisa do culto que lhe prestavam
car (v. Apolo). Foi igualmente por causa dela nesse longínquo país (a Crimeia).
que eles atacaram e mataram Tício, que ten- Ártemis era honrada em todos os países
tava violar Leto (v. Tício). montanhosos e selvagens da Grécia: na Arcá-
Ártemis participou no combate contra os Gi- dia e na região de Esparta, na Lacónia, no
gantes. Era seu adversário o gigante Grácio, monte Taígeto; na Élide, etc. O seu santuário
que matou com a ajuda de Héracles. Provo- mais célebre no mundo grego era o de Éfeso,
cou ainda a morte de outros dois monstros, os onde Ártemis se substituíra a uma antiga deusa
Alóadas (v. a sua lenda). Atribuiu-se-lhe tam- asiática da fecundidade. Os antigos já interpre-
bém a morte do monstro Búfago (o Devora- tavam Ártemis como uma personificação da
dor de Bois) na Arcádia_. Lua, que vagueia nas montanhas. O seu irmão
Entre as vítimas de Artemis figura ainda Apolo era também habitualmente olhado como
Oríon, o caçador gigante. O motivo que a le- a personificação do Sol. Mas é certo que nem
vou a matá-lo diverge segundo as tradições: todos os cultos de Ártemis são cultos lunares,
nuns casos, Oríon incorreu na cólera da deusa e que no panteão romano a deusa ocupara o
ou porque a desafiou no disco, ou porque ten- lugar da Dama das Feras revelada pelos mo-
tou raptar uma das suas companheiras, Ópis, numentos religiosos cretenses. Ela assimilou
que ela mandara vir do país dos Hiperbóreos. igualmente cultos bárbaros, como o de Táu-
Noutros, ainda, Oríon terá ousado mesmo vio- rica, caracterizado por sacrifícios humanos (v.
lar Ártemis. Esta enviou-lhe um escorpião que A nfístenes).
o matou com a sua mordedura. Um outro ca- Considerava-se Ártemis como a protectora
çador, Actéon, filho de Aristeu, ficou a dever das Amazonas, como ela guerreiras e caçado-
também a sua morte à cólera de Ártemis (v. ras e, também como ela, libertas do jugo do
a sua lenda). Esteve igualmente na origem da homem. Sobre as suas relações com a magia,
caçada de Cálidon , que devia provocar o fim v. o artigo consagrado a Hécate.
de Meleagro, o Caçador. Foi por Eneu se ter ASCÁLAFO. ('Aaxá:Àcxj3oç.) Quando Demé-
esquecido de sacrificar a Ártemis, quando ofe- ter percorria .11 terra à procura de sua filha,
recia as primícias das suas colheitas a todas as
divindades, que ela assolou o seu país com a atravessou a Atica e, aí, teve muita sede. Uma
mulher, Misme, deu-lhe de beber e a deusa be-
presença assustadora dum javali de dimensões beu de um só trago, tão avidamente que fez
fora do vulgar (v. Meleagro). Uma das versões rir o filhinho de Misme, Ascálabo. Irritada, a
da lenda de Calisto atribui-lhe a morte da jo- deusa despejou-lhe em cima o resto da água e
vem, que ela matou com uma flecha, a pedido o pequeno tornou-se um lagarto sarapintado .
de Hera ou, então, para a punir por se ter dei-
xado seduzir por Zeus, quando ela se tinha ASCÁLAFO. ('Aaxá:Ãcxcpoç.) 1. Ascálafo era
transformado em ursa (v. Calisto). Todas es- o filho de uma ninfa do Estíge e do Aqueronte.
tas lendas são relatos de caça, que nos apre- Encontrava-se ele no Jardim de Hades quando
sentam uma deusa selvagem dos bosques e Perséfone comeu aí um grão de romã, inter-
montanhas, na companhia habitual de feras. rompendo deste modo o jejum e tornando im-
Um episódio dos trabalhos de Héracles conta possível, sem o saber, toda a esperança de vol-
como o herói recebera de Euristeu a ordem de tar a ver a luz do dia (v. Perséfone). Ascálafo

Asdlabo: ANT. LIB., Tr., 24; cf. Ov., M el., V, Ascálafo: 1) APOL LOD., Bibl .• !, s. 3; II, s. 12;
446 e s. Ov., Mel., V, 539. 2) PAUSAN., IX, 37, 7.
49 ASCLÉPIO

viu-a e denunciou-a. Furiosa, Deméter trans- encontrando-se grávida, refugiara-se na flo-


formou-o em coruja. Uma versão diferente re- resta, pois receava que o seu enteado desse a
fere que Ascálafo foi colocado pela deusa de- morte ao seu futuro filho. Refugiou-se junto
baixo de uma pesada pedra, pedra essa que de um pastor, Tirro, ou Tirreno, e foi aí que
Héracles deslocou quando desceu ao Hades. Só ela deu à luz um filho, chamado Sílvio. Tirro
então Ascálafo, num segundo castigo, foi excitou contra Ascânio a cólera do povo latino.
transformado em coruja. Depois da mo,rte de Ascânio, Sílvio sucedeu-
2. Para Ascálafo, filho de Ares, v. Iálmeno. -lhe no trono de Alba.
* ASCÂNIO. ('Aaxciv,oç.) Ascânio é o filho Ascãnio é frequentemente chamado fulo, e
de Eneias e de Creúsa. Pelo lado da mãe, é neto é este o nome que permitia à família romana
de Príamo, e pelo lado do pai, é neto de Afro- dos Iulii considerá-lo como seu antepassado
(v. Afrodite).
dite (v. Anquises e o quadro 35, p. 394). Uma
outra tradição atribui-lhe como mãe Lavínia, ASCLÉPIO. ('AaxÀTJmóç.) Asclépio, o Es-
a filha do rei Latino (v. Eneias). Segundo esta culápio dos Latinos, é simultaneamente o he-
tradição, Ascãnio teria nascido apenas depois rói e o deus da Medicina. É filho de Apolo,
da chegada de Eneias à Itália. mas as lendas respeitantes ao seu nascimento
A versão mais antiga da lenda conta como são bastante díspares. Muito frequentemente
Ascânio foi transportado por seu pai, junta- - e é esta a versão seguida sobretudo por Pín-
mente com Creúsa e Anquises, na altura da to- daro - conta-se que Apolo possuíra Corónis,
mada de Tróia. Depois, ele teria sido enviado a filha do rei Flégias, da Tessália (v. Flégias)
por seu pai para a Propõntide, onde reinou até e a deixara grávida. Mas enquanto guardava
regressar a Tróia com Escamândrio, o filho de a criança no ventre, Corónis cedera ao amor
Heitor, para restaurar a cidade. Uma outra de um mortal, Ísquis, filho de Élato. Avisado
tradição refere , pelo contrário, que Ascânio desta falta pela indiscrição de uma gralha (ou
acompanhou o seu pai à Itália, mas que, na ainda pela sua intuição), Apolo matou a infiel
sua velhice, Eneias voltou com ele à Ásia, rei- e, no momento em que o corpo de Corónis es-
nou em Tróia e, por morte, legou o reino ao tava colocado sobre a fogueira para ser quei-
filho. A tradição mais viva, todavia, a que se mado, Apolo arrancou-lhe do seio a criança
liga a lenda romana de Eneias, representa As- ainda viva. Foi deste modo que nasceu Asclé-
cânio fixado na Itália, onde deixou descen- pio. Segundo outra versão, destinada a expli-
dência. car por que razão Asclépio era o grande deus
Foi sobretudo a Eneida que desenvolveu a de Epidauro, no Peloponeso, Flégias, como
personalidade do pequeno Ascânio. Virgílio grande ladrão que era, chegara a esta região
mostra-o como um adolescente, ainda criança, para se inteirar das suas riquezas e dos meios
mas quase um homem. Ascânio participa nos para delas se apoderar. Vinha acompanhado
Jogos Troianos em honra de Anquises, após de sua filha. Esta, no decurso da viagem, fora
a morte deste. Caça nas florestas do Lácio e seduzida por Apolo e dera à luz em segredo um
desencadeia, pela sua imprudência ao matar filho, em terras de Epidauro, junto de uma
uma corça sagrada, as hostilidades com os montanha chamada Mírtio, onde o abando-
indígenas. Objecto de profunda afeição por nara em seguida. Mas uma cabra veio amamen-
parte de st:u pai, esperança dos Troianos pros- tar a criança, e um cão guardá-la. O pastor
critos, ele goza da excessiva indulgência de Arestanas, a quem pertenciam a cabra e o cão,
Vénus, sua avó. encontrou o menino e ficou espantado com o
Após a morte de Eneias, a lenda conta que brilho que o rodeava. Compreendeu que estava
Ascânio reinou sobre os Latinos. Mostram-no perante um mistério e não ousou recolher o
em luta contra os Etruscos, sobre quem teria bebé. Este prosseguiu sozinho o seu destino di-
obtido uma vitória nas margens do Numício. vino.
Trinta anos após a fundação de Lavínio por Uma outra versão apresentava como mãe de
Eneias, Ascânio fundou Alba Longa, a cidade- Asclépio Arsínoe, filha de Leucipo. Esta era
-mãe de Roma, no local onde outrora Eneias a tradição micénica que procurava harmonizar-
sacrificara uma javalina branca com as suas -se com as outras, assegurando que a criança
trinta crias. Foi forçado a isso pela hostilidade era filha de Arsíone, mas tinha sido alimentada
dos Latinos, que tomaram partido contra ele, por Corónis.
a favor da viúva de Eneias, a sua madrasta La- Asclépio foi confiado pelo pai ao Centauro
vínia. Esta, após o desaparecimento de Eneias, , Quíron, que lhe ensinou a medicina. Asclépio

Ascânio: VIRO., Aen., passim; not. VII, 483-492.; (inser. de Epidauro) = COLLITZ e BECHTEL, Samml.
L1v., I, 1 e s.; SERV., ad. VIRO., Aen., passim; D10N. der gr. Dia/. Jnschr., III, p. 162 e s.; n. 0 3342; Clc.,
HAL., 1, 53 e s.; CONON, Nar., 41 ; Hvo., Fab., 254; de nat. D., III, 22, 57, APOL. RH. , Arg., IV, 526 e
273; ARNOB., Adv. Nat., II, 71. V. J. PERRET, Les s.; LACT. PLAC. ad. STAT., Th., III, 506; Al'<T. L,e.,
origines de la /égende troyenne. Tr, 20; escól. ad EuR., Ale., 1; Ov., Fast., V, 735
e s.; ARNOB., Adv. Nat., !, 30; 36; 41 ; IV, 15. Cf.
Asclépio: Hym. hom. Asei., PINO., Pyth., III, e Fernand ROBERT, Time/e, Paris, 1939. R. HERZOG,
escól. a 14; 96; Hes., fr. 109; 110; 147; 148; APOL· Die Wunder heilungen von Epidauros, Philol. ,
LOD., Bibl., III, 10, 3 e s.; D100. s,c., IV, 71; V, 74; Suppl., 1931; E. e L. EDELSTEIN, Aselépios, Balti-
O v., Met., II, 535 e s .: SERv., ad V1Ro., Aen, VI, more, 1945; H. ÜR~GOIRE, R. ÜOOSENS, M. MA-
6 17; VII, 76 1; XI, 259; Hvo., Fab., 202; Astr. THIEU, Asklépios, Apollon Smintheus ... , Bruxelles,
Poet., II, 40; PAUSAN., II. 26, 3 e s.; IV, 3, 2; 32, 1950; E . H. AcKERKNECHT, Das Reich des Asklé-
12; cf. Rev. Arch., 1889, p. 70; Hym. hom. Asei. pios, Berne, 963.
ÁSIA 50

adquiriu rapidamente grande destreza nesta dade de Antíope, a mãe de Zeto e de Anfíon,
arte. Descobriu, inclusivamente, o meio deres- e a de Platea (v. também Ismene, 1, e, sobre-
suscitar os mortos. Na verdade, ele recebera tudo, Egina).
de Atena o sangue que escorrera das veias da
Górgona; enquanto as veias do lado esquerdo ÁSPALIS. ('AomxÀú;.) Militeu, o filho de Zeus
tinham espalhado um veneno violento, o san- e da ninfa Ótris, miraculosamente alimentado
gue do lado direito era benéfico e Asclépio sa- por um enxame de abelhas nos bosques onde
bia utilizá-lo para dar vida aos mortos. O nú- sua mãe o expusera, partira para a Tessália onde
fundou uma cidade, chamada Meliteia (v. Me-
mero de pessoas que ele ressuscitou deste modo
liteu). Reinou aí como tirano, raptando as don-
é considerável. Entre elas conta-se Capaneu,
Licurgo (provavelmente durante a guerra con- zelas e pondo-as ao seu serviço. Uma delas, Ás-
tra Tebas, em que figuraram entre as vitimas palis, filha de um tal Argeu, agradou-lhe e ele
ordenou que a trouxessem à sua presença. Ajo-
dois heróis com este nome), Glauco, o filho de
Minos, e, o mais comummente referido, Hi- vem enforcou-se antes da chegada dos solda-
pólito, filho de Teseu (v. Fedra). Zeus, perante dos, enviados para a levarem. O irmão, Astí-
estas ressurreições, receou que Asclépio alte- gites, vestiu a roupa da sua irmã, escondeu uma
rasse a ordem do mundo e fulminou-o. Para espada debaixo do vestuário e deixou-se con-
se vingar, Apolo matou os Ciclopes (v. Apolo). duzir como se fosse Áspalis. Depois, quando
Após a sua morte, Asclépio foi transformado se encontrou em frente do tirano, matou-o. Os
em constelação e tornou-se o Serpentário. habitantes da cidade lançaram o cadáver ao rio
Alguns te's temunhos tardios mostram Asclé- e concederam o poder a Astígites. Quando foram
pio participando na caçada de Cálidon e na ex- à procura do cadáver de Áspalis, aperceberam-se
pedição dos Argonautas. Mas, de um modo ge- de que ele desaparecera, e que, em seu lugar,
ral, permanece afastado dos ciclos lendários. os deuses tinham posto uma estátua de madeira,
Atribuem-se-lhe dois filhos, os dois· médicos a que se prestou culto.
Podalírio e Macáon, já referidos na Ilfada. Fa- ASSÁON. (' Aaaiwv.) Pai de Níobe, na ver-
ses posteriores da lenda atribuem-lhe, depois, são lidia da lenda. Como o seu genro, Filoto,
uma mulher, Epíone, e filhas: Aceso, !aso, Pa- tinha sido morto na caça, no cimo do monte
naceia, Egle e Hígia (v. estes nomes). O culto Sípilo, Assáon quis unir-se, criminosamente,
de Asclépio, que se verifica na Tessália, em à sua própria filha. Níobe recusou. Então, As-
Trica, donde é, talvez, originário, fixou-se prin- saón convidou os vinte filhos de Níobe para
cipalmente em Epidauro, no Peloponeso, onde um banquete e fê-los morrer a todos pelo fogo .
se desenvolveu uma verdadeira escola de me- Desesperada, Níobe atirou-se do alto de uma
dicina, cujas práticas eram sobretudo mágicas, falésia. Assáon, tendo enlouquecido, matou-
mas que preparou o advento de uma medicina -se igualmente.
mais científica. Esta arte era praticada pelos
ASTÉRIA. ('Acmp(a.) 1. Astéria é filha do
Asclepíades, ou descendentes de Asclépio.
O mais célebre é Hipócrates; cuja família se Titã Ceu e de Febe, a irmã de Leto, filha, como
ligava ao deus. ela, de Úrano (o Céu) e de Geia (a Terra).
Amada por Zeus, transformou-se em codor-
As insígnias usuais de Asclépio eram umas
niz para escapar às suas perseguições e lançou-
serpentes enroladas à volta de um pau, mas
-se ao mar, onde ficou sendo uma ilha, com
também pinhas, coroas de loureiros, eventual-
o nome de Ortígia (a Ilha das Codornizes),
mente uma cabra ou um cão.
aquela que, mais tarde, foi denominada De-
ÁSIA. ('Aa(a.) Ásia é a filha de Oceano e los, depois que Leto ai deu à luz os seus dois
Tétis (v. quadro 38, p. 452). Ela deu o nome filhos. De Perses, ela concebeu Hécate (v. qua-
ao continente asiático. Unida a Jápeto, gerou dro 33, p. 392).
Atlas, Prometeu, Epimeteu e Menécio. 2. Uma outra Astéria (ou Astérope), filha de
ASOPO. ('Aawn6ç.) Deus do rio homónimo. Dion e de Diomede. desposou Foco, filh o de
Segundo os autores, passa por ser o filho de Éaco. É a mãe de Panopeu e de Criso (v. estes
Posídon e de Pero, de Zeus e de Eurinome, ou nomes, e os quadros 22, p. 244, e 31, p. 352).
ainda, tal como todos os rios, de Oceano e Té- ASTÉRION. ('Acrttp(wv.) Astérion, ou As-
tis. Desposou Métope, a filha do rio Ládon, tério, filho de Téctamo ou de Doro, e de uma
e dela teve dois filhos, Ismeno e Pélagon, além filha de Creteu, era um rei de Creta, quedes-
de vinte filhas. Diodoro só nomeia doze: Cór- posou Europa, depois de esta ter sido seduzida
cira, Sálamis, Egina, Pirene, Cleona, Tebe, por Zeus. Astérion adoptou os filhos nascidos
Tânagra, Téspia, Asópis, Sinope, Énia (ou Ór- desta união divina: Minos, Sarpédon, Rada-
nia), Cálcis. Atribui-se-lhe também a paterni- mante (v. quadro 30, p. 312).

Ásia: Hes., Theog., 539; A POLLOO., Bibl., 1, 2, 2 Assáon: PARTH., Erot. , 33; cf. esc61. ad li .,
e 3. XXJV, 6 13 e 617; ad Eu R., Phoen., 159.
Asopo: APOLLOD., Bibl., III, 12, 6; D100. S1c., IV,
Asléria: 1) HES., Theog., 414 e s. ; A POLLOO.,
72; esc61. ad P IN O., Olymp., VI, 144; lsthm., VII,
Bibl. , I, 2, 2 e 4; Hvc. , Fab ., 53; SERV., ad V tHG.,
39; Ov., Am., III, 6, 3; esc61. ad li., VI, 153; EuR.,
Aen., III, 73. V. Latona e Apolo. Cf. Ov., Mel., V I,
lph. Aul., 697; ANT. Lrn., Transf., 38; Hvc., Fab., 108. 2) V. Criso.
52; PAUSAN., IX, 3, 3, cf. e. M . BoWRA, The daugh-
ters of Asopus Hermes, 1938, pp. 213-221. Astérion: APOLLOO., Bibl., III , 1, 2; D100. S1c .,
Áspalis: ANT. L,e., Transf., 13. IV , 60. 2) Esc61. ad ll., X II, 292.
51 ATALANTA

ASTÍANAX . .('Acrcoáva!;.) Filho de Heitor e colheram e criaram no seu meio. Tendo atin-
de Andrómaca, seu pai chamava-lhe Escamân- gido a idade núbil, Atalanta não se quis casar,
drio, por causa do nome do rio que banhava mas peJmaneceu virgem e, tal como a sua pa-
Tróia, mas o povo chamava-lhe Astíanax (o trona Artemis, entregou-se à caça nos bosques.
Príncipe da Cidade), como sinal de gratidão Os Centauros Reco e Hileu tentaram violá-la,
para com Heitor. Ainda criança, ao colo de sua mas ela matou-os com as suas flechas. Parti-
mãe, ele surge na cena de despedida de Andró- cipou na caça do javali de Cálidon e desempe-
maca e Heitor, brincando inocentemente com nhou aí um papel importante (v. Meleagro).
o penacho do elmo do pai. Após a morte de Nos jogos fúnebres celebrados em honra de
Heitor e a tomada de Tróia, Astíanax foi re- Pélias, ganhou o prémio da corrida e ainda o
clamado pelos chefes gregos, designadamente da luta, batendo-se com Peleu.
por Ulisses, que lhe deram a morte precipi- Atalanta náo queria casar-se, quer por uma
tando-o do alto de uma torre. Uma tradição questão de fidelidade a Ártemis quer porque
mais recente refere que Astíanax não foi morto, um oráculo lhe anunciara que, caso se casasse,
mas fundou uma nova Tróia (v. Ascânio). seria transformada num animal. Por isso, para
demover os pretendentes, ela anunciara que só
ASTIMEDUSA. (' AcrcoµÉooooa.) Astimedusa desposaria o homem capaz de a vencer na cor-
é a filha de Esténelo (v. quadro 32, p. 370). rida. Se ela saísse vitoriosa daria a morte ao
Desposada por Édipo (segundo uma obscura pretendente. Ora Atalanta era muito ágil e, na
versão da lenda de Edipo), depois da morte de corrida, muito veloz. Dizem que ela começava
Jocasta, teria caluniado junto do pai os seus por conceder um ligeiro avanço ao seu concor-
dois enteados, Etéocles e Polinices, alegando rente e perseguia-o, armada de uma lança, com
que eles lhe queriam mal. Édipo amaldiçoou que o trespassava no momento em que o al-
então os dois filhos. Terá sido esta a origem cançava. Muitos jovens tinham já encontrado
do litígio entre os dois príncipes. assim a morte, quando surgiu um novo preten-
dente, que tanto dizem chamar-se Hipómenes,
ASTREIA. ('Acr~pa,a.) Nome da Virgem (a filho de Megareu, como Melânion (ou Milâ-
constelação), do tempo em que ela reinava so- nion), filho de Anfidamante, e, portanto,
bre a Terra. Filha de Zeus e de Témis (a Jus- primo ge Atalanta (na versão em que esta é fi-
tiça), irmã do Pudor (Pudicitia), ela espalhava lha de !aso, v. quadro 28, p. 282). Este novo
entre·os homens os sentimentos de justiça e de recém-chegado trazia consigo umas maçãs de
virtude. Isto passava-se no tempo da Idade de oiro que Afrodite lhe dera. Estas maçãs eram
Ouro. Mas depois que os mortais degeneraram provenientes, ou de um santuário da deusa em
e a inclinação para o mal se espalhou pelo Chipre, ou do Jardim das Hespérides. Durante
mundo, Astreia subiu de novo ao céu, onde se a corrida, no momento em que iria ser alcan-
tornou a constelação da Virgem. Diz-se tam- çado, o jovem lançou para a frente de Ata-
bém que, antes de deixar a Terra, ela se demo- lanta, um a UJR, os frutos dourados. Atalanta,
rou ainda algum tempo entre os camponeses, levada pela curiosidade (ou talvez mesmo apai-
no campo (v. também Justiça). xonada pelo seu pretendente e bastante satis-
feita por poder ela própria viciar a competi-
ATALANTA. ('AcaÀáVTIJ.) Heroína que ora ção), deteve-se o tempo de os recolher e, deste
nos surge ligada ao ciclo arcádico ora rela- modo, Melânion, ou Hipómenes, recebeu,
cionada com as lendas beócias. Umas vezes, como vencedor, o prémio que fora acordado.
na verdade, é considerada como a filha de Íaso Mais tarde, no decurso de uma caçada, os
(ou Jásio), que é filho de Licurgo e descendente dois esposos entraram num santuário de Zeus
de Arcade (a sua mãe, neste caso, é Clímene, (ou mesmo de Cíbele) e aí se saciaram de amor.
filha de Mínias, o rei de Orcómeno); outras ve- Indignado com tal sacrilégio, Zeus transfor-
zes (segundo Eurípides, por exemplo), Atalanta mou-os ambos em leões (o que se explica pela
tem por pai Ménalo, o epónimo do monte Mé- crença de que os leões não se uniam entre si,
nalo; noutros casos ainda (e esta é a versão mas a leopa rdos). Na região de Epidauro
mais difundida depois de Hesíodo ), ela é a fi- chamava-se a atenção para uma fonte de Ata-
lha de Esqueneu, que é um dos filhos de Áta- lanta. Sentindo sede, durante a caçada, Ata-
mas e de Temisto (v. quadro 34, p. 392) e o Janta teria ferido o rochedo com a sua lança
epónimo da cidade beócia de Esqueno. e uma nascente teria jorrado.
Como o seu pai só queria rapazes, expôs a Atalanta teve do seu marido - ou de Ares
criança, aquando do seu nascimento, sobre o ou então de Meleagro - um filho, Parteno-
monte Parténio. Uma ursa alimentou-a até ao peu, que tomou parte na primeira expedição
dia em que apareceram uns caçadores que are- contra Tebas (v. Partenopeu).

Astíanax: //., VI, 400 e s.; XXIV, 734 e s.; EuR., Tr., 34; 65; escól. ad EuR., Phoen., 151; cf. Trag. Gr.
passim; PAUSAN., X, 25, 9; EuR., Andr., 10; Ov., Mel., Fragm., Nauck. p. 525 e s.; XENOPH. , Cyn., 1, 7;
X III, 415; Hva., Fab., 109; escól. ad li., XXIV, 735. APOL. RH., Arg., 1, 769 e s.; PROP., I, 1, 9 e s;
Astimedusa: Escól. ad li., IV, 376. Ov., Met., VIII, 316 e s.; X, 560 e s.; Ars. Am.,
li, 185 e s.; Am., Ili, 2, 29 e s.; SERV., ad V1RG.,
Astreia: Hva., Astr. Poet., li , 25; Ov., Mel. , 1,
Aen., Ili , 113; PAUSAN., III, 24, 2; V, 19, 2; VIII,
149; J uv .. Sat., VI, 19 e s.
35, 10; 45, 2; 6; HYG., Fab., 10; 99; 73; 74; 185;
Atalanta: APOLLOD., Bibl., l, 8, 2; Ili, 9, 2; 244; 270; AEL., VH, XIII, 1: PALEPH., lncr., 14.
CALLI M., Hymn . ad Art., 221 e s.; D100. S1c., IV , V. Meleagro.
ATAMAS 52

ÁTAMAS. ('A8iil,l1.1tç.) Rei beócio, que rei- mas, o seu casamento com a filha de Hipseu,
nava no país de Queroneia, ou e9tão, segundo Temisto. Nesta tragédia, Ino tinha partido (sem
outros, sobre Tebas. É filho de Eolo e neto de dúvida depois do frustrado sacrifício de Frixo)
Heleno (v. quadro 8, p. 116). A sua lenda foi para a montanha, para se juntar às Bacantes,
tema de várias tragédias e está cheia de episó- ao serviço de Dioniso. Atamas, supondo-a
dios complexos, por vezes contraditórios. Áta- morta, desposara Temisto, de quem teria tido
mas casou-se três vezes e é a história desses ca- dois filhos, Orcómeno e Esfíngio. lno, porém,
samentos que constitui o pretexto para os regressa secretamente e dá-se a conhecer a Áta-
desenvolvimentos romanescos dum mito bas- mas, que a introduz no palácio como escrava.
tante antigo. Temisto vem a saber que a sua rival não mor-
Na versão mais célebre, e que certamente rera, mas não conseguiu descobrir onde ela se
tem a sua orjgem no Frixo de Eurípides (que escondia. Tratou então de fazer desaparecer os
se perdeu), Atamas desposara, em primeiras filhos de Ino e, para isso, tomou como confi-
núpcias, Néfele, que lhe dera um filho, Frixo, dente a nova escrava. Ordenou-lhe que vestisse
e uma filha, Hele. Depois, ele teria repudiado de negro os filhos de Ino e os seus de branco,
Néfele e casado com a filha de Cadmo, Ino. a fim de os poder distinguir na escuridão.
Deste segundo casamento nasceram dois filhos, A pretensa escrava inverteu o vestuário, de tal
Learco e Melicerta. Ino, ciumenta dos filhos forma que Temisto matou os seus dois filhos,
do primeiro casamento, planeou matá-los e, enquanto que os de Ino ficaram ilesos. Ao co-
para isso, imaginou o seguinte estratagema: co- nhecer o seu erro, Temisto suicidou-se. É pro-
meçou por convencer as mulheres do país a tor- vável que esta lenda seja, em grande parte, in-
rar a semente do trigo. Os homens semearam venção do próprio Eurípides.
o trigo, mas nada germinou. Naturalmente Contava-se, com muita frequência. que a
que, perante este aparente prodígio, Átamas cólera de Hera se tinha abatido sobre Átamas,
mandou consultar o oráculo de Delfos. Ino su- após o sacrifício de Frixo, pois ele consentira
bornou os mensageiros que regressaram com em ocupar-se da educação do pequeno Dio-
a resposta de que para fazer cessar aquela es- niso, confiado por Zeus a Ino, que era a irmã
cassez de cereal, o deus exigia o sacrifício de de Sémele. Possuído de loucura'pela deusa, ele
Frixo. Este estratagema acabou por não resul- teria matado o pequeno Learco; Ino matara en-
tar. Já Frixo tinha sido conduzido para o al- tão Melicerta e atirara-se ao mar com o cadá-
tar (bem como a sua irmã, segundo algumas ver (v. Leucótea).
tradições) e ia ser imolado, quando Néfele lhe Banido da Beócia após este crime, Átamas
deu um carneiro com um velo de ouro, presente iniciou uma vida errante. Tendo interrogado
de Hermes, que arrebatou pelos ares os dois o oráculo sobre o local em que deveria fixar
jovens, livrando-os do perigo. Frixo teve a residência, foi-lhe respondido que deveria
sorte de alcançar a Cólquida, enquanto a sua deter-se no sítio em que os animais selvagens
irmã se afogava (v. Hele, Frixo). lhe dessem de comer. Quando cheiou à Tes-
Uma outra tradição afirmava que o mensa- sália, encontrou aí uns lobos ocupados em de-
geiro subornado por Ino ter-se-ia mesmo com- vorar o cadáver dum carneiro. À sua vista, os
padecido de Frixo e revelado o ardil a Átamas. animais fugiram, deixan_do-lhe a presa. Assim
Este, ao saber do crime de que sua mulher se se cumpriu o oráculo . Atamas fixou-se neste
tornara culpada, ordenou que a sacrificassem país, a que pôs o nome de Atamãnia, e onde
em vez de Frixo, conjuntamente com o seu fi. fundou a cidade de Álonc (ou Hálone). Foi aí
lho, o pequeno Melicerta. Mas quando os con- que desposou Temisto, a filha de Hipseu, de
duziam ao altar, Dioniso teve pena daquela que quem teve quatro filhos: Leuco, Eritreu, Es-
fora a sua ama de leite (v. infra); rodeou-a queneu e Ptóo (v. qu_adro 34, p. 392, e 25 ,
duma nuvem que a tornou invisível e lhe per- p. 268). Mais tarde, Atamas teria estado na
mitiu escapar-se com Melicerta. Em seguida, iminência de ser sacrificado pelos seus súbdi-
feriu Atamas de loucura. Atamas matou o seu tos, por ter infringido uma proibição religiosa,
filho mais novo, Learco, lançando-o num cal- quando foi salvo pelo seu neto, Citissoro (v.
deirão de água a ferver. Ino, por sua vez, este nome). Este último episódio da lenda de
suicidou-se com Melicerta (v. Leucótea). Esta Átamas foi levado à cena por Sófocles, na sua
versão é um arranjo «trágico» da lenda, des- tragédia Átamas Coroado, que se perdeu, e pa-
tinado a conciliar numa só narrativa dois epi- rece mesmo que o sacrifício do herói teria sido
sódios, o da ira de Ino contra os filhos de Né- urdido por Néfele, como vingança. Átamas te-
fele e o da sua própria morte. Estes dois ria sido salvo, não por Citissoro, mas por Hé-
episódios parecem ter sido, originariamente, racles.
independentes.
Eurípides tinha escrito uma outra tragédia, r
ATE. A't'I].) Personificação do Erro. Divin-
!no, em que tratava da terceira união de Áta- dade leve e ágil, seus pés só poisam sobre a ca-

Átamas: APOLLOD., Bibl., ,. 9, 1 e 2; III, 4, 3; ad li., VII, 86 e EusT., ad loc.; a ARJSTOPH., Nu.,
HvG., Fab., 1 a 4; Astr. poet., II, 20; TZETZ., ad 267; ad APOL. RH., Arg., 265; (, 763; SERV., od
Lyc., 22; 229; Ov., Met., IV, 481-542; XI, 195 e s.; V1RG., Georg., 1,219; cf. Ov., Fosl., li, 628 e s.; 111,
A ESCH. , trag. perdida Álamos; EuR., trags. perdidas 853 e s.; D100. S1c., IV, 47.
Frixo e !no; SorH., trag. perdida Á lamo; PAUNAN., Ate://,, IX, 503-512; X, 391; X I X, 85-138; Lvc.,
1, 24, 2; 44, 7; VI, 21, li; VII, 3, 6; IX, 23, 6; 24, l; A/ex., 29; TZETZ., ad loc., APOLLOD., Bibl., Ili, 12,
34. 5-8; escól. a IX, 23, 6; STRAB., IX, p. 433; escól. 3; STEPH . Bvz., s. u. "IÀ,ov.
53 ATENA

beça dos mortais, sem que eles se apercebam. vem neste encontro que lhe deverá proporcio-
Aquando do juramento de Zeus, em que este nar um barco para regressar à sua pátria. Além
se comprometeu a dar a supremacia ao «primei- diss~ intercede junto de Zeus a favor do he-
ro descendente de Perseu que ia nascer» e sub- rói. 1:. ela quem provoca a ordem dada a Ca-
meteu desse modo Héracles.a Euristeu, foi Ate lipso para que liberte Ulisses e lhe forneça
quem o enganou. Zeus vingou-se, precipitando- meios q ue lhe possibilitem retomar a navega-
-a do Olimpo. Ate caiu na Frígia, sobre uma ção. Esta protecção concedida a Ulisses e a Hé-
colina que recebeu o nome de Colina do Erro. racles simboliza a ajuda trazida pelo Espírito
Foi ali que Ilo construiu a cidadela de Ílion à força violenta e ao valor pessoal dos heróis.
(Tróia). Zeus, precipitando Ate do alto do céu, É por essa razão que Atena é geralmente con-
cortou-lhe para sempre a possibilidade de resi- siderada no mundo grego, e especialmente na
dir no Olimpo. É podsso que o Erro constitui sua cidade, Atenas, como a deusa da Razão.
a triste partilha da humanidade. É ela quem preside às artes e à literatura, fun-
ção em que tende a suplantar as Musas. Mas
ATENA. ('A8T)vii.) Deusa que em Roma é ela tem mais afinidade com a filosofia do que
identificada com Minerva, Atena é a filha de com a poesia e a música propriamente dita.
Zeus e de Métis. Esta estava grávida e prestes É também como deusa da actividade inteli-
a dar à luz uma filha.quando Zeus a engoliu. gente que ela protege as fiandeiras, as tecedei-
Fê-lo a conselho de Urano e de Geia, que lhe ras, as bordadeiras, etc. (v. a lenda de Aracne,
revelaram que se Métis tivesse uma filha, ela etc.). A sua habilidade, associada ao seu espí-
teria depois um rapaz que arrebataria a Zeus rito guerreiro, levara-a a inventar a quadriga
o império do céu. Quando da altura do parto, e o carro de guerra. Foi ela também quem di-
Zeus ordenou a Hefesto que lhe fendesse a ca- rigiu a construção da nau Argo, a maior nau
beça com uma machadada. Da sua cabeça sal- que se construíra até então (v. Argonautas).
tou uma menina completamente armada: era A sua habilidade tinha-se também aplicado
a deusa Atena. O lugar do seu nascimento é às artes da paz e, na Ática, reconhecia-se-lhe,
geralmente indicado como sendo a margem do entre o utros benefícios, a invenção do fabrico
lago Tritão, na Líbia. Ao saltar, ela lançou um do azeite e até a introdução da oliveira no país.
grito de guerra que abalou o céu e a terra. A oliveira era, dizia-se, o presente que ela fi-
Deusa guerreira, armada com a lança e a zera à Ática, para merecer ser reconhecida
égide (uma espécie de couraça de pele de ca- como a soberana da região. Posídon disputava-
bra), Atena desempenhou, naturalmente, um -lhe aí a soberania, e cada um tentou conse-
papel importante na luta contra os Gigantes . guir para a Ática o mais belo presente, a fim
Ela matou Palas e Encélado. Ao primeiro, de engrandecer os seus títulos. Posídon, com
esfolou-o e da sua pele fez para si uma cou- um golpe de tridente, fez brotar um lago de
raça. Quanto a Encélado, perseguiu-o até à Si- água salgada no cimo da Acrópole de Atenas.
cília e imobilizou-o lançando-lhe em cima a ilha Atena fez crescer aí uma oliveira. Os doze deu-
inteira. Na Ilíada, ela participa igualmente no ses, designados para árbitros, decidiram que
combate, ao lado dos Aqueus (desde que Pá- a oliveira era preferívlõ.l, e concederam a Atena
ris, sobre o Ida, lhe recusara o prémio da be- a soberania sobre a Atica.
leza, era hostil aos Troianos). Os seus favori- Atena era frequentemente acolhida pelas ci-
tos na Guerra de Tróia são Diomedes, Ulisses, dades como protectora e patrona . Além de
Aquiles, Menelau, etc . Do mesmo modo pro- Atenas, em relação à qual ela passava por lhe
tege Héracles no combate. Começou, aliás, por ter dado o seu nome, possuía templos na ci-
o armar no momento em que o herói estava dadela de cidades como Esparta, Mégara, Ar-
para começar os seus trabalhos. Foi ela tam- gos, etc. Em Tróia, recebia um culto especial
bém quem lhe deu as castanholas de bronze sob a forma duma estátua muito antiga, cha-
com que espantou os pássaros do lago Estín- mada Paládio. Esta estátua era considerada
falo, o que lhe permitiu abatê-los com as suas como a garantia da sobrevivência da cidade.
flechas . Em compensação, Héracles ofereceu- Ninguém poderia conquistar Tróia sem antes
-lhe as maçãs de oiro das Hespérides, quando se ter apoderado do Paládio. Foi por essa ra-
Euristeu lhas restituiu. Héracles combateu ao zão que Diomedes e Ulisses se introduziram de
lado de Atena contra os Gigantes . noite em Tróia e roubaram a estátua, retirando
_Atena ajudou igualmente Ulisses a regressar assim à cidade a sua protecção. Era precisa-
a !taca. Na Odisseia, a sua acção é constante mente este Paládio que, na época histórica, se
e ela intervém através de metamorfoses, sob conservava em Roma, no templo de Vesta,
a forma de diversos mortais, para prestar as- onde desempenhava idêntica função (cf. Pa-
sistência ao herói. Ela envia também sonhos, ládio).
como no caso de Nausícaa, para lhe sugerir que Atena permaneceu virgem. Conta-se, toda-
vá lavar a roupa ao rio, no dia em que sabe via, que teve um filho, do seguinte modo: ela
que Ulisses chegará à ilha dos Feaces. Acena fora visitar Hefesto à sua forja, a fim de se pro-
dota o seu protegido duma beleza sobrenatu- ver de armas. O deus, abandonado por Afro-
ral, para impressionar mais fortemente a jo- dite, apaixonou-se por Atena, logo que a viu,

Alena: HEs., Theog., 886 e s.; P1ND., 0/ymp., V1RG., Gearg., l, 12; 111, 113; escól. ad li., li, 547;
VII, 65e s.; EuR., lon. 454 e s.; APOLLOD., Bibl., 1, Asrr. poer . li, 13; PAUSAN., 1, 18, 2; Ov., Met.. II,
3, 6 e s.; 6, 1 e s. ; li, 4. 3; 4. -11; lll , 14, l; 6; 12, 552 e s.; D10N. HAL., I, 68 e s.; II, 66, 6; CoNoN,
3; V1RG., Aen, 111,578 e s.; HEROD., Vlll , 55; Ov., Narr ., 34; L. R. FARNELL, The Culrs of lhe Greek
Mer .• VI, 70 e s.; Hvc.. , Fab., 164; 166; SERV., ad Srares, Oxford, 1896, t. 1, pp. 258 e s.
ÁTIS 54

e começou a persegui-la. Ela fugiu. Ainda que carro de Cibele, percorrendo com ela as mon-
coxo, Hefesto logrou alcançá-la e tomou-a em tanhas da Frígia.
seus braços, mas ela não cedeu. Todavia, no
seu desejo, Hefesto molhou a perna da deusa. ATLÂNTIDA. ('AtÀavtú;.) Em dois dos seus
Enojada, a deusa limpou-se com lã e lançou diálogos, conta Platão que Sólon, aquando da
à terra a sujidade. Foi da terra assim fecun- sua viagem ao Egipto, interrogara os sacerdo-
dada que nasceu Erictónio, que a deusa con- tes e que um deles, que vivia em Sais, no delta
sidera como seu filho. Ela criou-o às escondi- do Nilo, lhe tinha dado a conhecer tradições
das dos outros deuses e quis torná-lo imortal. muito antigas relativas a uma guerra susten-
Meteu-o num cofre, guardado por uma ser- tada outrora por Atenas contra o povo dos
pente, e confiou-o às filhas do rei de Atenas Atlantes. Este relato, iniciado no Timeu, é re-
(v. Aglauro).
tomado e desenvolvido no fragmento que pos-
As insígnias de Atenas eram a lança, o ca- suímos do Crítias. Os Atlantes, referira o sa-
pacete e a égide. Ela possuía a égide em comum cerdote egípcio, habitavam uma ilha que se
com Zeus. Sobre o seu escudo fixou a cabeça estendia em frente das Colunas de Hércules,
da Górgona, que Perseu lhe dera, e que tinha à saída do Mediterrâneo, quando se entra no
a propriedade de transformar em pedra todo Oceano. Na altura em que os deuses partilha-
o ser que a olhava. O seu animal favorito era ram entre si a Terra, Atenas ficara a pertencer
a coruja; a sua planta, a oliveira. Grande, de a Aterra e a Hefesto, enquanto a Atlântida fi-
aspecto calmo, mais majestosa do que propria- cou sob o domínio de Posídon. Aí vivia Clito,
mente bela, Atena é descrita tradicionalmente uma donzela que perdera os seus pais, chama-
como a «deusa dos olhos garços». Sobre o seu dos Evenor e Leucipe. Posídon apaixonou-se
nome de Palas, v. Palas. por ela. Clito habitava na montanha central da
ilha. O deus rodeou o seu domicílio de uma
Á TIS. (" A-mç.) Átis é um deus frígio, com- muralha e um fosso que encheu de água e aí
panheiro de Cíbele, a Mãe dos Deuses, cuja viveu com ela durante muito tempo. Deu-lhe
lenda evoluiu com a difusão do culto no cinco pares de gémeos. O mais velho chamava-
mundo helénico e, depois, em Roma. Átis é -se Atlas, e foi a ele que Posídon concedeu a
considerado, originariamente, como o filho de supremacia. Dividiu todo o território da ilha
Agdístis e da ninfa (ou filha) do rio Sangário, em dez partes. Atlas reinou sobre a montanha
Nana. Sobre as circunstâncias deste nasci- central e, a partir daí, exerceu o seu poder.
mento, v. Agdístis. Átis foi então objecto do A ilha da Atlântida era extremamente rica,
amor de Agdístis, o ser hermafrodita, e por ele tanto pela sua flora como pelos seus tesouros
ferido de loucura. Foi num acesso de loucura minerais. Havia aí em abundância não somente
que ele se castrou, no decurso duma cena or- ouro, cobre, ferro, etc., mas também oricalco,
gíaca, levando os espectadores a mutilarem-se um metal que brilhava como o fogo. Os reis
igualmente. Este mito não é mais do que a da Atlântida construíram cidades esplêndidas,
transposição de cenas que se desenrolaram. de cheias de subterrâneos, de pontes, de canais,
facto no culto de Cíbele. Segundo a lenda, Atis de passagens complicadas, que facilitavam a
morre em resultado da sua mutilação. Mas defesa e o comércio. Em cada uma das dez cir-
mesmo morto, ele conserva uma espécie de vida cunscrições reinavam os descendentes dos dez
latente e, da sua sepultura, brotam flores (v. reis primitivos, filhos de Posídon e de Clito.
Agdístis). O descendente de Atlas era o seu suserano. To-
Ovídio apresenta uma versão bastante diver- dos os anos se reuniam na capital, para uma
gente da lenda de Átis: nos bosques da Frígia, cerimónia especial em que participavam numa
diz ele, havia um adolescente, muito belo, que caçada ritual ao touro e comungavam, bebendo
merecera ser amado por Cíbele, com uma pai- o sangue do animal que tinham degolado. Em
xão casta. Ela decidiu ligar-se-lhe para sempre, seguida julgavam-se uns aos outros, cobertos
fazendo-o guardião do seu templo, mas com com um grande vestido de cor azul-escura, sen-
a condição de ele conservar a sua virgindade. tados sobre as cinzas ainda quentes do sacrifí-
Átis não conseguiu, contudo, resistir à paixão cio, deI?ois de todas as lâmpadas se terem apa-
que lhe provocou a ninfa Ságaris (cujo nome gado. E neste ponto que acaba o fragmento
evoca o do rio Sangário). Cíbele, furiosa, der- conservado do diálogo.
rubou uma árvore à qual estava ligada a vida Estes Atlantes tinham tentado dominar o
da ninfa e fez enlouquecer Átis. Este, no meio mundo, mas foram vencidos pelos Atenienses,
duma crise violenta, castrou-se. Após a muti- nove mil anos antes do tempo de Platão. Se-
lação, Átis parece ter-se acolhido de novo ao gundo uma tradição, bastante diferente, refe-
serviço da deusa. Representavam-no sobre o rida por Diodoro da Sicília, os Atlantes eram

Átis: PAUSAN., VII, 17, 10; ARNOB., Adv. Nat., V, 5- Atlântida: PtAT., Ti., 21a e s.; Criti. , 108 e s.;
-7; Ov., Fast., IV, 223 e s.; 0100. S1c ., Ili, 58 e s.; P,w. PROCL., in Tim., 21a e s.; STRAB. , li, 102; XIII,
SAN., VII, 17.9 e s.; SERV., ad VIRO., Aen., VII, 761; Luc., 598; HEROD., IV, 184 (nomeia somente os Atlan-
Sacr., 1; H. HEPDING, AI/is, seine Mythen u. sein Kult, tes); 0100. S1c ., Ili, 54 e s. Cf. St. GSELL. , His.
Rei. Vers. u. Vorarb. I, 1903; V. GRAILWT, Le Cu/te de anc. de l'Alfr. du Nord, I, 1913; pp. 328 e s.; R.
Cybele... à Rome et dans l'empire romain, Paris, 1912; DEVIGNE, Un continent disparu, /'Atlantide, Paris,
CARCOPINO·, dans Aspects mystiques de la Rome 1924; cf. P. TERMIER, Buli. de l'lnst. Océanogr.,
pai'enne, Paris, 1942, p. 49 e s.; J. G. FRAZER, Atys et 1913; G. GAoow, Der Atlantis Streit. Zur meistdis-
Ossiris, Étude de religions Orientales comparées, trad. kutierten soge des Altertums, Frankfurt am Main,
H. ~ Ann. Mus. Guimet, XXXV, Paris, 1926. 1973.
55 ATREU

vizinhos dos Libios e tinham sido atacados pe- suas terras da Argólida, confiou a cidade e o
las Amazonas (v. o artigo Mirina). Para Pla- território de Mídea a Atreu e a Tiestes. Mais
tão, os Atlantes e a sua ilha haviam desapare- tarde, quando Euristeu morreu sem deixar fi.
cido para sempre, submergidos por um lhos, sob os golpes dos Heraclidas, um oráculo
cataclismo. aconselhou os habitantes de Micenas a tomar
como rei um filho de Pélops. Mandaram en-
ATLAS.(" A-.Àaç.) Gigante, filho de Jápeto tão chamar Atreu e Tiestes e cada um come-
e_ da Oceãnide Clímene (por vezes, da Oceânide çou a alegar as suas qualidades de realeza. Foi
Asia), é irmão de Menécio, Prometeu e Epi- nesta altura que veio ao de cima o seu ódio re-
meteu, os «homens violentos» (v. quadro 27, cíproco. De facto, Atreu encontrara em tem-
p. 280 e 38, p._ 452). Certas tradições dão-no pos, no seu rebanho, um cordeiro cujo velo era
como filho de Urano e, por conseguinte, irmão de oiro. Se bem que tivesse feito a promessa
de Crono. Atlas pertence à geração divina an- de sacrificar a Ártemis o melhor produto do
terior à dos Olímpicos, a dos seres monstruo- seu rebanho, nesse ano reservou para si este
sos e desproporcionados. Participou na luta cordeiro, cujo velo escondeu num cofre. Mas
dos Gigantes e dos Deuses e a punição que Zeus a sua mulher Aérope (v. Aérope), que tinha
lhe infligiu consistiu em sustentar sobre os seus Tiestes como amante, dera a este o extraordi-
ombros a abóbada celeste. Situam geralmente nário velo. Na disputa perante os Micénios,
a sua morada no Extremo Ocidente, no país Tiestes propôs que fosse escolhido para rei
das Hespérides. Por vezes, também o colocam aquele que pudesse apresentar um velo de oiro.
«entre os Hiperbóreos». Heródoto é o primeiro Atreu aceitou, pois ignorava o funo de Aérope.
a falar de Atlas como sendo uma montanha si- Tiestes exibiu então o velo e foi eleito. Mas
tuada no Norte de África. Terá sido Perseu Zeus mandou avisar Atreu, por intermédio de
quem, apos matar a Górgona, tranformara Hermes, para estabelecer com Tiestes que o
Atlas em rochedo, ao apresentar-lhe a cabeça verdadeiro rei seria designado por um outro
de Medusa (v. Perseu). prodígio: se o Sol alterasse o seu curso , seria
Atribuem-se-lhe vários filhos: de Plêione, Atreu que reinaria sobre Micenas ; caso con-
teve as Plêiades e as Híades; de Hespéride, as trário, Tiestes permaneceria na posse do cep-
Hespérides. Díone também é considerada sua tro. Tiestes aceitou, e logo o Sol teve o seu
filha. Como filhos teve Hias e Héspero. ocaso no Oriente. Deste modo, Atreu, objecto
As especulações tardias consideram Atlas evidente do favor divino, reinou defini tiva-
como um astrónomo que ensinou aos homens mente sobre a cidade. Preocupou-se de ime-
as leis do céu e que, por essa razão, foi divini- diato em expulsar Tiestes do reino. Mas tendo
z_ado. Por vezes, distinguem-se três Atlas: o da depois descoberto a intriga de Aérope com
Africa, um Atlas italiano e um Atlas da Arcá- Tiestes, fingiu reconciliar-se com ele e chamou-
dia, pai de Maia e, por conseguinte, avô de -o. Quando Tiestes chegou a Micenas, Atreu
Hermes. matou em segredo três filhos que Tiestes tivera
Em relação a Atlas, epónimo da Atlântida, duma Náiade, Aglau, Calilente e Orcómeno,
ver este nome. apesar de eles se terem refugiado como supli-
cantes junto dum altar de Zeus. Em seguida,
ATREU. ('A-.ptúç.) Atreu é o filho de Pélops ainda cortou em pedaços as três crianças,
e de Hipodamia. Tem como irmão mais novo cozinhou-as e apresentou-as como iguarias ao
Tiestes (v. quadro 2, p. 12). A sua lenda baseia- pai, durante um banquete. Quando Tiestes aca-
-se essencialmente no ódio dos dois irmãos e bou de comer, Atreu mostrou-lhe as cabeças
nas horríveis vinganças que levaram a cabo, um das crianças e revelou-lhe a natureza da sua re-
contra o outro. Este ódio, contudo, parece não feição. Depois, expulsou-o do país . T iestes
ser ainda conhecido dos Poemas Homéricos. refugiou-se em Sícion. Aí, seguindo o conse-
Atribuiu-se, por vezes, a sua origem a uma lho de um oráculo, gerou da sua própria filha,
maldição de Pélops: na verdade, juntamente sem ela o saber, um filho, Egisto. Esta filha
com sua mãe, Hipodamia, Atreu e Tiestes ma- de Tiestes, chamada Pelópia, casou-se de se-
taram o meio irmão Crisipo, que Pélops tivera guida com Atreu, seu tio. Egisto, cujo verda-
da ninfa Axíoque. Como punição, Pélops ba- deiro pai Atreu desconhecia, foi criado por este
niu os dois jovens, maldizendo-os. Estes refu- e, sendo já crescido, foi a ele que Atreu con-
giaram-se em Micenas, junto de Euristeu, de fiou a missão de matar Tiestes. Egisto, porém,
quem Atreu era tio, ou antes, segundo a ver- descobriu a tempo que ele era o seu pai e, re-
são mais corrente, em casa do pai de Euristeu, gressando a Micenas, matou Atreu e entregou
Esténelo. Quando este expulsou Anfitrião das depois o reino a Tiestes (v. Egisto).

Atlas: HEs ., Theog., 507 e s.; Od., 1, 52 e s.; VII, V, 3, 6; IX, 40, li; X, 26, 3; H YG., Fab., 85; 88;
245; A ESCH . , Pr., 348; 425 e s.; PINO., Pyth., IV, 288 APOLLOD., Bib/., 11, 4. 6; Ep., li, 10 e s.; EuR., E/.,
e s.; Eu•., Ion, 1 e s.; Herc. F., 402; escól. ad AeoL. 726es.; escól. adEuR ., Or.,41, 811,995,998; E/.,
RH., Arg., III, 106; 1,444; Ov. , Met., li, 296; VI, 699 e s.; D . CHRYSOST . , Disc., LXVI; SENEC ., Th.,
174; APOLLOD . , Bib/., 1, 2, 3; li, 5, li; HYG., Fab. 222 e s.; TzETz., Chi/., 1,425 e s.; Ov., Trist., li, 391
150; HEROD., IV, 184; SERV., ad V!RG., Aen ., VIII, e s.; Ars Am., I, 327 e s .; MART., lll, 45, 1 e s.;
134. V. também Héracles . A ESCH., A., 1583 e s.; PAUSAN ., 11, 16, 6; 18, I;
SERV., ad V!RG .• Aen., l, 568; XI, 262; V. também
Atreu: //., 11, 105 e s.; escól. a 107; e ibid., li, 106; os frs. das tr. gr. ed. Nauck, pp. 480 e s.; 632 e s.:
P1No., OI., 1, 144, e escól. ad loc., THUCYD., 1, 9; fr. de SOPH. (Atreu, Tiestes, em Sfcion), e de EuR.,
PAUSAN., li , 16, 6; 18, l; Ili, 1, 5; III,(, 5; 24, ((; Tyest.
AUCNO 56

Atreu tivera como filhos de Aérope Aga- exemplo, como filho do Lápita Forbas, ou de
mémnon e Menelau, apesar de estas crianças Posidon, ou de Elio, o herói epónimo da Élide.
serem, por vezes, atribuídas a Plístenes, que A sua mãe é Hirmine, filha de Neleu (v. qua-
seria um filho de Atreu que morrera jovem, dros 16, p. 202, e 25 , p. 268). Em todas estas
tendo os seus filhos sido recolhidos pelo seu genealogias tem como irmão Actor. Participou
avô (v. Plístenes, Aérope}. na expedição dos Argonautas com o fim, diz-
-se, de conhecer o seu meio-irmão Eetes, que
AUCNO. (Aucnus.) V. Ocno. nunca vira. Do seu pai, Augias conservava im-
AUGE. (Aü111-) Filha do rei da cidade arcá- portantes rebanhos, mas, por negligência, dei-
dia de Tégea, Aleo, e de Neera, a filha de Pe- xava que o estrume se amontoasse nos estábu-
reu (v. quadro 10, p. 132). A sua lenda está si- los, o que prejudicava a fertilidade das terras.
multaneamente ligada ao ciclo de Héracles e, Por isso, quando Euristeu ordenou a Héracles
através do seu filho Télefo, ao ciclo troiano . que limpasse os seus estábulos, Augias aceitou
Uma das mais antigas versões atestadas mos- de boa vontade, tanto mais que o herói lhe pe-
tra Auge vivendo na corte do rei de Tróia, Lao- diu como recompensa a décima parte dos seus
medonte, onde foi amada por Héracles, rebanhos, se conseguisse terminar aquele tra-
quando o herói conquistou a cidade (v. Héra- balho num só dia, o que considerou ser impos-
cles). Daí, não se sabe por que razões, ela sível. Héracles, porém, abriu uma brecha no
mudou-se para a corte do rei da Mísia, Teu- muro que rodeava os estábulos e fez aí entrar
tras. Mas a versão mais corrente é fornecida as águas do Alfeu e do Peneu, que corriam
pela Auge de Eurípides, bem como pelos Mí- peno um do outro. A água saiu pela outra ex-
sios e pelos Ateadas de Sófocles, e que é a se- tremidade do curral e arrastou todo o estrume.
guinte: Irritado por ver o herói conseguir aquilo de que
Um oráculo avisara Áleo que a sua filha ge- se gabara ser capaz de fazer, e alegando ou que
raria um filho que mataria os tios (os Aleadas) Héracles se fizera ajudar por Iolau ou que já
e reinaria em seu lugar. O rei consagrou então se encontrava ao serviço de Euristeu, Augias
a sua filha à deusa Atena e proibiu-a de casar, não lhe quis pagar o preço acordado. Chamado
sob pena de morte. Mas Héracles, passando a testemunhar, Fileu, o filho de Augias, afir-
por Tégea a caminho de Élis _onde ia comba- mou perante os juízes que o seu pai tinha
ter Augeu, foi acolhido por Aleo e aí, no se- mesmo prometido a décima parte dos seus re-
guimento de um grande banquete, em estado banhos a Héracles, em paga do seu trabalho.
de embriaguês, violentou Auge, ignorando ser Furioso, Augias baniu Héracles e Fileu do seu
ela a filha do rei. A violação terá acontecido reino, antes de ser dada a sentença. Mas, mais
ou no santuário de Atena ou junto de uma tarde, Héracles reuniu um exército de volun-
fonte próxima. Quando o rei soube que a fi- tários arcádios e marchou contra Augeu. Este,
lha estava grávida quis matá-la e, ou terá me- sabendo que o herói conduzia um grupo ar-
tido Auge e o seu filho num cofre que lançou mado contra si, encarregou os seus sobrinhos,
ao mar, ou, então, confiou-os ambos ao na- os dois filhos de Actor, os Moliónidas (v. Mo-
vegador Náuplio, para que ele os lançasse ao liónidas), de o defenderem. Tendo Héracles
mar. Náuplio , tal como fizera já em relação adoecido, os dois irmãos aproveitaram-se
a Aérope e à sua irmã (v. Aérope), salvou a do facto para derrotarem o herói. Mas, sem
jovem mãe e o seu filho, um rapaz, vendendo- perder tempo, no decurso duma cerimónia re-
-os a uns mercadores de escravos que os leva- li_giosa, Héracles matou os Moliónidas e tomou
ram para a Mísia. O rei do país, que não ti- Elis. Matou Augias e os filhos, e colocou no
nha filhos, desposou Auge e adoptou-Jhe o trono Fileu. Uma outra tradição diz-nos que
filho, o pequeno Télefo. Uma versão diferente Augias morreu muito velho, de morte natural.
contava que Auge tinha sido vendida após ter O seu povo ter-lhe-ia prestado honras divinas
dado à luz o filho, tendo este permanecido na (v . Héracles). Para a história do tesouro de Au-
Arcádia, e exposto no cimo duma montanha, gias, v. Agamedes.
onde uma corça o tinha alimentado com o seu
leite. Mais tarde, a conselho do oráculo de Del- AURA. (Aüpa.} Aura, cujo nome significava
fos, Télefo veio para a Mísia, para junto de «a Brisa», era a filha duma frígia, Peribeia, e
Teutras e reencontrou a sua mãe (v. Télefo, e do Titã Leiamo. Rápida como o vento, ela ca-
o relato romanesco do seu reconhecimento). çava no meio das companheiras de Ártemis.
Foi possuída por Dioniso, que procurou em
AUGEU. V. Augias. vão alcançá-la na corrida. Mais veloz, ela
AUGIAS. (Aúytíad Rei de Élis, no Pelopo- escapava-se-lhe sempre, até que Afrodite, a pe-
neso, é considerado, geralmente, como um fi- dido do deus, a fez enlouquecer de tal forma
lho do Sol (Hélio}, apesar de se atestarem igual- que ela se lhe entregou. Dioniso deu-lhe um par
mente outras genealogias. Dão-no, por de gémeos, mas, na sua loucura, ela esquarte-

Auge: Pap. Ox., X I, 1359; APOLLOD., Bibl., II, A ugias: P1N o. , OI. X, 26 e s.; escól. ao v. 40; //.,
7. 4 e s.; 111 ,9, 1; D100. s,c., (V,33; STRAB., XIII, XI, 701 ; escól. ad II, 629; XI, 700; AroL. RH., Arg.,
p. 6 15; PAUSAN., VIIl,4, 8-9; 47,2; 48,7; X, 28,8; 1, 172 e escól. ad toe.; 111, 362; APOLLOD., Bibl., 1,
H YG . , Fab., 99; 100; 101; 162; 252; TZETZ., ad 9 . 16; li, 5, 5; H YG., Fab., 14; 30; 157; PAUSAN. ,
Lyc., 206; Fr. tr. gr. (Nauck), p. 146 e s.; 436 e s.; V,1,9; 2,1 e s.; 3,7; D100. S1c., IV, 13, 3; 33, 1;
SOP H. e EuR., tr. perd.: Mísios, Aleadas, Auge, THEOCR., XXV,7; TZET., Chi/., ll,278.
Télefo; A LCID., Od.,14 a 16 (179 Blass); Anth. A ura: NONN., Dion., XLVIII, 242 e s.; cf. também
Pai., Ill,2; v. Télefo. Etym . Mag., s. v. llívÔufLOV.
57 AVÍLIO

jou-os e prc;cipitou-se no rio Sangário. Zeus Anticleia, ele é o avô de Ulisses (v. quadros 36,
transformou-a em fonte. Um dos gémeos era p. 422, e 39, p. 460). Do pai, Hermes, Autó-
Ínaco (v. Ínaco). lico conserva o dom de roubar sem nunca ser
surpreendido. Por tal razão, os seus furtos são
AURORA. V. Eos.
bastante numerosos. Roubou a Amintor um
ÁUSON. ('Aõawv.) Áuson é um filho gerado
elmo de coiro, que deu a Ulisses e que este usou
por Ulisses durante as suas viagens, ou de Circe na sua expedição nocturna com Diomedes con-
ou, segundo outros, de Calipso (v. quadro 39, tra Tróia. Depois.!,. apoderou-se furtivamente
p. 460). Atribuia-se-Jhe como irmão Latino e dos rebanhos de burito, na Eubeia. Roubou
igualmente, mas sem sucesso, uns animais a Sí-
como filho Líparo. Auson deu o seu nome ao sifo (v. Sisifo). Para eliminar qualquer vestí-
povo dos Áusones, os primeiros habitantes da gio dos seus roubos, usava de habilidade para
Itália, que também se chamava Ausónia. Foi
o primeiro a reinar sobre este território (v. tam- disfarçar os animais, tingindo, por exemplo,
bém o artigo Leucósia, e a tradição que fazia o pêlo dos bois. Segundo outros, ele possui
de Áuson o filho do rei Ítalo). mesmo o dom de os transformar.
Ensinou a Héracles a arte da luta. Quando
AUTOLEONTE. (AúwÀÉwv.) Quando os Sisifo se hospedou em sua casa, tentando reen-
Locrenses combatiam, deixavam nas suas fi- contrar os rebanhos roubados, Autólico uniu-o
leiras um espaço vazio, em honra do seu com- secretamente à filha Anticleia, enquanto a pro-
patriota Ájax, acreditando que o herói viria metia em casamento a Laertes.
lutar para o meio deles. Um dia em que com- Autólico participou na expedição dos Argo-
batiam contra os habitantes de Crotona, um nautas. Por vezes, apresentam-no como avô de
destes, Autoleonte, quis penetrar nas linhas lo- Jasão, tendo a sua filha Polimede desposado
crenses através desse espaço deixado vazio. Éson.
Mas foi ferido profundamente na coxa por um AUTOMEDONTE. (Aúwµlôwv.) Autome-
fantasma. A sua ferida não sarou. Interrogado
o oráculo, este ordenou-lhe que se dirigisse à donte é o condutor do carro de Aquiles e, como
Ilha Branca, na embocadura do Danúbio (v. tal, o seu companheiro de combate. Também
Aquiles), e aí oferecesse sacrifícios expiatórios era um chefe que chegara a Tróia à frente de
aos heróis e, designadamente, a Ájax da Ló- dez navios, com um contingente de ciros. De-
crida. Aí, viu Helena, que o fez portador duma sempenha um papel activo nos combates diante
mensagem para o poeta Estesícoro, atingido de de Tróia. Depois da morte de Aquiles conti-
nua a servir o filho deste, Pirro-Neoptólemo.
cegueira por ter falado mal dela num dos seus Participou na tomada da cidade.
poemas. Helena mandou dizer a Estesicoro que
ele recobraria a vista se cantasse uma «palinó- AUXÉSIA. (AóÇJJaía.) Auxésia e a sua com-
dia», o que aconteceu efectivamente. Esta é a panheira, Dâmia, eram duas jovens cretenses
versão de Cónon. Pausânias, que também re- que vieram a Trezena e aí, envolvidas aciden-
fere a anedota, chama ao herói Leónimo. talmente num motim, foram lapidadas pela
multidão. Em reparação, dedicou-se-lhes um
AUTÓLICO. (Aú,óÀuxoç.) Filho de Hermes culto e celebrou-se uma festa em sua honra.
e de Quíone, ou então de Estilbe, filha de Eós- Auxésia e Dâmia foram identificadas com De-
foro, é o irmão gémeo de Filámon (v. Dedá- méter e Perséfone.
lion e Quione, 3). Desposou Mnestra, filha de
Erisicton (q. v.). Mas trata-se, sem dúvida, • AVÍLIO. (Auilius.) Filho de Rómulo e de
duma tradição recente. Através da sua filha, Hersilia (v. Hersl1ia).

Áuson : EusT. , ad Od., p . 1379; 10; SERV., ad 243; cf. 14; SERV., ad ViRG., Aen. II, 79; Od., XIX,
VIRO.,Aen., VIII, 328, e III, 171; escól. ad ÀPOL. 394 e s .; XXI, 220; XXIV, 234; E uR ., drama sat.
RH., Arg., IV, 553; STEPH . Bvz., s. u. A11tápot; perdido de Aut6/ico. Ov., Mel., VIII, 738. V. Ulis-
TzETz., ad Lvc ., 44; V. J . BÉRARD, Colonisation, ses.
p. 337 e s. e p . 487. Automedonte: li., IX, 209; XV I, 145 e s.; XIX,
395 e s .; XXIII, 563 e s.; XXIV, 473; 574; 625; Ov.,
Autoleonte: CoNON, Narr., 18; cf. PAUSAN. , III, Ars Am., li, 738; HYG., Fab., 97; VIRG. , Aen., li,
19, 11-1 3. 476.
Autólico : li., X, 267 e escól. ad loc.; APOLLOD., Auxésia: PAUSAN., li, 30, 4; 32, 2; HEROD., V,82
Bibl., I, 9, 16; II; 4, 9; 6, 2; Hvo., Fab ., 200; 210; e s.
B
BÁBIS. (B<i~uç.) Bábis é o irmão do sátiro nia, uma irmã dos Titãs e de Reia, que esta edu-
frígio Mársias, que quis rivalizar com Apolo cou. Caracterizava-se pela prudência e pela
na arte da música (v. Mársias). Como o seu ir- inteligência. Desposou o irmão, Hiperíon, e
mão, Bábis toca flauta, mas flauta com um dele concebeu Selene (a Lua) e Hélio (o Sol).
único tubo, enquanto o irmão toca flauta du- Por despeito, os outros Titãs mataram o seu
pla. Bábis é um «inocente», que toca tão mal marido e afogaram Hélio no rio Eridano. Com
que isso lhe valeu incorrer na cólera do deus. a dor de ter perdido o irmão, Selene precipitou-
-se do cimo do telhado da sua casa. Hélio e Se-
BACO. (B<ixxoç.) V. art. Dioniso. Iene foram, então, transformados em astros.
BAIO. (Baioç.) Baio é um piloto de Ulisses, A sua mãe, entretanto, informada destes acon-
cujo nome não é citado na Odisseia, mas que, tecimentos por um sonho, ficou louca e, pe-
nos desenvolvimentos posteriores da lenda, gando num tamborim e nos címbalos que ti-
passa por ter dado o seu nome a vários luga- nham pertencido à filha , começou a percorrer
res: uma montanha na ilha de Cefalénia, no os campos , batendo no tamborim e tocando
mar J ónico, e a cidade de Baias, na Campâ- os címbalos, até que alguém, por piedade, a
nia. Baio, que pilotava o navio de Ulisses, en- deteve. Nesse momento, verificou-se uma
controu a morte durante a viagem pela Itália grande tempestade e Basileia desapareceu.
(v. Ulisses). Prestou-se-lhe um culto sob o nome de «A
Grande Mãe», o que a identifica com Cíbele.
BÁLIO. (BaÀfoç.) 1. Bálio é um dos cavalos
de Aquiles. Nasceu de Zéfiro e da Harpia Po-
O nome de Basileia é também o da Realeza
darge. Foi um presente dado por Posídon a Pe- personificada e divinizada.
leu aquando das bodas deste com Tétis.
Quando Aquiles morreu, Posídon recuperou BATO. (B<inoç.) 1. Bato é o nome de um ve-
o cavalo, que era imortal, tal como Xanto, o lho que representa um papel na história do
outro cavalo de Aquiles. roubo dos bois de Apolo por Hermes. Como
2. Bálio era também o nome atribuído a um Apolo, ocupado pelo amor do filho de Mag-
dos cães de Actéon. nes, Himeneu , negligenciasse a vigilância dos
seus rebanhos, Hermes roubou-lhe um certo
BASILEIA. (Bao,Àua.) Basileia, cujo nome número de animais, que conduziu até perto do
significa «A Rainha», é, numa tradição aber- monte Ménalo, no Peloponeso. Ai, encon-
rante, a filha mais velha de Úrano e de Titã- trando um velho que habitava na montanha,

Bábis: P, UT. , Prov. A /ex .• 2. Basileia : D100. S1c.. 111, 57.


Baio: STRAB., t , p. 26; V, p. 245; SERV ., ad V 1RG .• Bato: 1) ANT. Lrn .. Transf., 23, segundo Hesíodo
Aen., Ili , 441; VI, 107 . e Apolónio de Rodes; cf. Ov ., Met ., li, 676 e s.
2) PALI SAN., Ili , 14, 3;x. 15 , 6-7; Su,o., s.u.; HE-
Bálio: 1) //., XVI, 148 e s.; escól. a li. X IX, 400 ROU . , IV, 145 e s.; P1ND., Pyth., V, v. 37 e s., e es-
e s.; A1~ll l Oll., Bibl., III . 4, 4; 13, 5; D100. S1c .. VI, cól. ad loc. ; Pyth. IV, 1 e s.; JusnN., X!ll, 7: escól.
3. 2) APOI I.O D., Bibf.• Ili , 4, 4. C A LIM., Hymn., li, 65.
59 BELEROFONTE

receou que o seu roubo fosse revelado. Então, filho de Céleo e Metanira) (v. Triptólemo) e
prometeu uma bezerra a esse velho, chamado Eubuleu. As suas filhas eram Protónoe e Nisa.
Bato, caso ele concordasse em guardar silêQ-
cio. O velho anuiu, mas Hermes, depois de ter BÁUCIS. (Bocux[ç.) Báucis era uma mulher
posto os bois em segurança, transformou-se e frígia, casada com Filémon, um camponês
voltou a procurar Bato, fingindo andar em muito pobre. Um dia, acolheram na sua chou-
busca dos animais. Perguntou-lhe se não vira pana Zeus e Hermes, que percorriam a Frígia
passar um rebanho, prometendo-lhe uma re- sob a forma de dois viajantes. Os outros ha-
compensa se o ajudasse a encontrá-lo. Bato, bitantes da região recusaram-se a receber os
infiel ao seu juramento, falou. Hermes, indig- dois estrangeiros. Só Filémon e Báucis se mos-
nado, transformou-o em rochedo. traram hospitaleiros para com eles. Na sua có-
2. Bato é também o nome do fundador (mí- lera, os deuses enviaram um dilúvio que atin-
tico ou histórico, não se sabe) da colónia de giu toda a região, mas pouparam a cabana dos
Circne, na costa da Libia. Teve por pai Polim- dois velhos. Esta cabana foi transformada num
nesto, que descende do argonauta Eufemo templo. Como Filémon e Báucis tinham pedido
(v. este nome). Percente ao grupo dos «Mí- para acabar os seus dias juntos, Zeus e Her-
nias» (descendentes dos Argonautas; v. art. mes transformaram-nos em duas árvores, que
M(nias), que, emigrados de Lemnos para a La- se erguiam, lado a lado, diante do templo que
cedemónia, tiveram de abandonar esta para se fora outrora a sua cabana.
instalarem em Tera, seguindo o lacedemónio BELEROFONTE. (BtÀÀtpoq,óv1:1Jç.} Belero-
Teras. A sua mãe é Frónime (v. este nome) e fonte descende da casa real de Corinto. Filho
é originário de Creta. de Posídon, tem por pai «humano» Glauco,
A tradição mais frequente quer que Bato seja o filho de Sísifo (v. quadro 36, p. 422). A sua
apenas um cognome dado ao herói porque ele mãe é uma filha do rei de Mégara, Niso, de-
era gago; Heródoto, todavia, diz-nos que Bato nominada tanto Eurimedeia como Burínome.
significa «rei» na língua líbia. O nome verda- As suas aventuras começam pela morte aciden-
deiro de Bato seria, segundo uns, Aristóteles tal de um homem, a quem por vezes se chama
ou, segundo outros, Aristeu (talvez por con- Delíades, e que teria sido o seu próprio irmão,
fusão com Aristeu, filho da ninfa Cirene; v. es- , e outras vezes Piren (cujo nome está relacio-
tes nomes) . Segundo Pausânias, Bato, depois nado com o da fonte de Pirene, em Corinto,
de ter fundado Cirene, recuperou a fala. v. infra) ou Alcímenes ou, ainda, Belero (o que
dá a etimologia ao seu próprio nome: Belero-
BÁTON. (B,x:,wv.) Condutor do carro de fonte seria compreendido como significando
Anfiarau, o herói tebano (v. Anfiarau). Como «o Matador de Belero»), um tirano de Corinto.
ele, descende de Melampo. Diante de Tebas, Na sequência desta morte, Belerofonte teve dç
Báton partilhou o destino do seu amo e foi en- abandonar a cidade e foi para Tirinte, para
golido pela terra no momento em que ia ser junto do rei Preto, que o purificou. Estenebeia
atingido por um inimigo. Prestaram-lhe hon- (a quem Homero chama Anteia), a mulher de
ras divinas. Segundo uma outra tradição, Bá- Preto, enamorou-se de Belerofonte e pediu-lhe
ton, depois da morte de Anfiarau, retirou-se uma entrevista. Como Belerofonte a recusasse,
para uma cidade da Ilíria denominada Harpíia. ela queixou-se ao marido, dizendo que o jo-
vem tinha querido seduzi-la. Preto enviou ime-
BAUBO. (Bocupw.) Baubo é a mulher de Di- diatamente Belerofonte para junto do seu so-
saules, que habitava em Elêusis . Deméter pro- gro lóbates, o rei da Lícia, e deu-lhe uma carta,
curava a filha por todo o mundo grego e, na na qual pedia a lóbates que mandasse matar
sua busca, chegou a Elêusis. Era acompanhada o portador. Preto não quis matar ele próprio
pelo pequeno Iaco. Disaules e Baubo acon- Belerofonte porque este era seu hóspede e um
selharam-na com amizade e Baubo ofereceu- velho costume impedia que se matasse um ho-
-lhe, para a reconfortar, uma sopa, que a mem com o qual se tinha comido. Depois de
deusa, na sua dor, não quis aceitar. Então ter lido a carta, lóbates ordenou a Belerofonte
Baubo, para manifestar o seu descontenta- que matasse a Quimera, que era um ser mons-
mento ou para alegrar a deusa, levantou as ves- truoso, leão na parte da frente , dragão atrás,
tes e mostrou-lhe o traseiro. Vendo isto, Iaco com uma cabeça de cobra que soprava chamas.
aplaudiu. A deusa, divertida, começou a rir e Este monstro devastava a região, roubando os
aceitou a sopa. rebanhos. Ióbates pensava que Belerofonte
Disaules e Baubo tiveram como filhos Trip- nunca seria bem sucedido sozinho. Mas Bele-
tólemo (que se confunde muitas vezes com o rofonte montava o cavalo alado Pégaso, que

Báton: PAUSAN., Ili, 23, 2; V, 17, 8; X, IO, 3; APOLLOD., Bibl., 1, 9, 3; Ili, 3, 1 e ss.; TZETZ., ad
APOLLOD., Bibl., III, 6, 8; STEPH. Bvz., s. u., "Ap- Lyc., 17; Chi/., VII, 810 e s.; EuR., fr. d e Estene-
"""'; v. também Anfiarau. beia, trag. perdida; SoPH., id., lóbales; cf. Trag. Gr.
Baubo: CLEM . AL., Protr., p. 17; ARNOB., Adv. Fragm., Nauck 2 , p. 567 e s.; Hvu., fàb., 56; 157;
Nat., V. 25; PAUSAN ., 1, 14, 2; Su10., Lex., s. u . 243; 273; Aslr. Poet., li, 18, 13; PAUSAN .. 11, 2, 3-5;
4, 1-3; 27, 2; Ili , 18, 13; STRAB., VIII, p. 379; 0100.
Báucis: Ov. , Mel ., VIII, 616-715; LACT., Narrai., S1c., VI, 7; escól. ad STAT., Theb., IV, 589; PA-
VIII, 7-9. Cf. L . MALTEN , in Hermes, 1939, LEPH., lncr. , 29; App. Narr., West. , 82, p. 388;
pp. 176-200. HoR., Od., I V, 11 , 26 e ss. V. Quimera. Cf. L. MAL·
Belerofonte: //., VI, 155-205; 2 16-226; escól. a 155; TEN in Jahr. Deu/. Arch lnst., 1925, pp. 121 - 160;
191; HEs., fr. 245 = Pap. Ox., III, 421 ; Th. , 319e J. AYMARO M él. Er. fr .• 1925; W . NESTI.E, in
s.; P1No., 0/ymp., XIII, 87 e s.; lsth., VIII, 44 e s; A. R. W., 1936, pp. 248 e s.
BELO 60

tinha encontrado um dia a beber na fonte de BIA. (B(a .) Bia, cujo nome significa «a Vio-
Pirene, em Corinto (v. Pégaso), e, elevando- lência», personifica esta abstracção. É consi-
-se nos ares, abateu-se sobre a Quimera , que derada como a filha do gigante Palas e de Es-
matou com um só golpe. Ióbates, então, tigia. Na Gigantomaquia, luta ao lado de Zeus.
mandou-o combater os Sólimos, uma popula- Tem por irmã Nice (a Vitória) e por irmãos
ção vizinha particularmente belicosa e feroz. Zelo (o Ardor) e Crato (o Poder) (v. qua-
Ele derrotou-os igualmente. Ióbates enviou-o, dro 33, p. 388). Com eles, acompanha sempre
em seguida, combater as Amazonas, das quais Zeus. Ajudou a agrilhoar Prometeu ao Cáu-
matou um grande número. lóbates, por fim, caso.
reuniu um grupo dos mais bravos de entre os BIANA. (Bíawa.) Bianà é üma jovem que
Lídios e ordenou-lhes que preparassem uma dá o seu nome à cidade de Vienne, no Delfi-
emboscada para matar Belerofonte. Mas este nado (França). Era uma cretense ida para longe
abateu-os até ao último. O rei reconheceu en- da sua terra natal em consequência de uma
tão que o herói era de origem divina e, cheio fome que tinha expulso muitos cretenses. No
de admiração por todos o s seus feitos, decorrer de uma dança, a jovem tinha sido en-
mostrou-lhe a carta de Preto e convidou-o a golida por um abismo que se formara na terra.
ficar junto dele. Deu-lhe, ainda, em casamento, O seu nome foi dado à cidade construída pe-
a filha Filonoé (segundo outros, Anticleia) e, los imigrantes.
ao morrer, legou-lhe o seu reino. Para a vin-
gança de Belerofonte, v. Estenebeia. BIANOR. (B(avwp.) Herói de Mântua. Era
Da filha de Ióbates, Belerofonte teve dois fi- filho do Tibre e da ninfa Manto (v. Ocno) .
lhos, lsendro e Hipóloco, e uma filha, Laoda- Fundou a cidade de Mântua, à qual deu este
mia, que conceberá de Zeus o herói Sarpédon. nome em recordação de sua mãe. É , por ve-
Mais tarde, Belerofonte, cheio de orgulho, zes, considerado como idêntico a Ocno.
quis subir, com o seu cavalo , até à morada de BÍAS. (Bíaç.) Bías é o filho de Amiláon e de
Zeus. Zeus precipitou-o para a terra e ele mor- Jdómene, a filha de Feres. Tem como irmão
reu. Belerofonte era venerado como herói em Melampo, o adivinho, que está ligado às suas
Corinto e na Lídia. aventuras (v. quadro 23, p. 258). Bías, ao que-
A filada alude aos laços de hospitalidade que rer desposar a filha de Neleu, chamada Péro,
teriam existido entre Belerofonte e o rei de Cá- teve de se submeter a uma condição imposta
lidon, Eneu. pelo pai dela , que consistia em furtar os reba-
BELO. (BijÀoç.) Belo é um dos dois gémeos nhos de Fílaco. Estes bois eram bem guarda-
que a ninfa Líbia teve de Posídon, sendo o ou- dos por um cão feroz, mas Melampo concor-
tro Agenor (v. Agenor e quadro 3, p. 66). En- dou em roubá-los em lugar do seu irmão
quanto Agenor se dirigiu à Síria, Belo ficou no (v. Melampo) e, quando obteve de Neleu a
Egipto, onde foi rei, e desposou Anquínoe, a mão de Péro, cedeu-a a Bías.
filha do deus Nilo. Teve como filhos dois gé- Em seguida, enquanto curava da sua loucura
meos, Egipto e Dánao, aos quais se acrescenta, os filhos do rei Preto, obteve um terço do reino
por vezes, Cefe u e Fineu. deste para Bías, que aí se instalou (v. Preto,
Melampo e Anaxágoras). De Bías, Péro con-
Os autores conhecem também diversos he- cebeu Tálo, o pai de Adrasto (v. quadro l,
róis assírios e babilónios com este nome. Um p. 8), Perialce, Laódoco, Areo, Alfesibeia.
deles figurava na genealogia da rainha Dido de Mais tarde, instalado em Argos, no reino de
Cartago. Preto, desposou uma filha deste, Lisipe. É, sem
* BELONA. (Bellona.) Como deusa romana dúvida, com ela que gerou a sua filha Anaxi-
da guerra, Belona, durante muito tempo uma bia, desposada, mais tarde, por Pélias, segundo
simples potência mal definida, foi, pouco a certas tradições.
P.Ouco, identificada com a deusa grega Enio. BÍBLIS. (Bu~À(ç.) Bíblis é, pelo lado do pai,
E, por vezes, considerada como a mulher do Mileto, a bisneta de Minos (v. Acacális) ou,
deus Marte. É representada, também, como a segundo outras versões, a sua neta (v. M ileTO
condutora do seu carro, sob traços aterrado- e quadro 30, p. 312). Sobre o nome da sua
res: segura na mão uma tocha ou um gládio mãe, as tradições variam: é, por vezes, apon-
ou uma lança. Assemelha-se muito à represen- tada como sendo Ciânee, filha de Meandro;
tação tradicional das Fúrias. outras vezes, como Tragasia, filha de Celeneu,

Belo: AESCH., Supp., 3 12 e s.; APOLLOD., Bibl. , li, Bianor: S ER\"., ad VIRG., Ecl .• IX. 60. Cf. GRE-
l . 4; escól. APOL. RH., Arg., lll, 1186; escól. a EuR., NIER. toe. cir. (s. v. Aucnus).
Phoen., 5, 158, 291, 678; T zETZ., Chi/., V il, 349 e Bías: Od., XV, 242-256: escól. a XI. 287; Eusr.,
s.; HEROD., Vil, 61; H,c., Fab .• 31; 106; 15 1; Cf. ad Hom . , p. 1685; escól. a P1ND., Nem., IX. 30; a
SeRv., ad V1RG., Aen., 1. 620 e ss.; e SERV. , ad toe.• ; AESCH., Supp .. 569; a E u R., Phoen .. 173; H EROD.,
Ov., Metam .• IV, 213; PAUSAN., IV, 23, 10; Vil. 21, IX, 34; escól. a T EOCR., III, 45: a APOL. R H., .4rg.•
13. 1. 18; PROP., ll , 3, 51 e ss.; PAUSAN., II, 18, 4; 21 ,
Belona: A. GELL .• N. A ., XII I, 23 e ss.; AUGUST. , IV. 34, 4; 36. 3; APOLLOD .• Bibl., I. 9, 10 e ss.; li,
Civ. D., VI, 10; P LAUT. . Amp.• 42; STAT., Theb., V, 2, 2. V. Melampo.
155, etc . Bíblis: NONN., Dion., X111, 518 e ss.; PARTH . •
Bia: Hes.• Theog., 283 e s.• APOLLOD., Bibl., 1, 2, Eror., ll: ANT . L1e., Transf., 30; Ov., Mer. , IX, 451
4; AESCH., Prom., prólogo. e s.; CONON., Narrar .• 2; escól. a TH EOCR., Vil, I 15;
Bia'na: STEPH. Bvz., s. u., Bh.vvoç. PAUSAN .• VIII. 5. 10; STEPH . BY2., s. u.
61 BORÉADAS

ou, ainda, i:omo Idótea, filha do rei Êurito. Ti- Roma, a Bona Dea tinha o seu santuário junto
nha ur.1 irmão gémeo chamado Cauno, que ela ao Aventino e era aí que, num bosque sagrado,
amou com uma paixão incestuosa. Horrori- as mulheres e as jovens celebravam, todos os
zado com a irmã, Cauno fugiu de Mileto, a sua anos, os mistérios da «Boa Deusa», de que os
pátria, e fundou a cidade de Cauno, na Cária. homens eram excluídos. Hércules, que também
Bíblis enlouquece devido à dor e erra através fora excluído deles, tinha, corno vingança, ins-
de toda a Ásia Menor. No momento em que tituído, no seu Grande Altar, cerimónias nas
se vai precipitar do alto de um rochedo, e as- quais as mulheres não podiam participar
sim acabar os seus dias e as suas penas, as Nin- (v. Hércules).
fas, que tiveram piedade dela, transformaram- BORÉADAS. (Boptáoo:t.) Os Boréadas são,
-na numa fonte inesgotável, como as lágrimas de um modo geral, os filhos de Bóreas, o Vento
de uma donzela. do Norte. Designam-se mais particularmente
A esta opõe-se uma outra tradição, segundo sob este nome os seus dois filhos gémeos, Cá-
a qual teria sido Cauno a conceber o amor cri- lais e Zetes, que teve de Oritia, a filha de Erec-
minoso pela irmã. Esta teria sido a razão pela teu, raptada pelo deus nas margens do Ilisso
qual Bíblis abandonara a casa paterna e se en- (v. Bóreas e Oritia; quadro 12, p. 144). Estes
forcara. O seu nome foi dado a duas cidades: dois jovens eram alados: segundo alguns au-
Bíblis da Cária e Bíblis da Fenícia. tores, as suas asas uniam-se aos calcanhares;
BIZAS. (Bú(o;ç.) Bizas (ou Bizante) é o filho segundo outros, saíam dos flancos, como as
de Posídon e de Ceroessa. A sua mãe era filha dos pássaros. Tal corno o pai, são génios dos
de lo e de Zeus e tinha nascido próximo do lo- ventos, cujos nomes eram relacionados pelos
cal onde se situa a cidade mais tarde chamada Antigos com o verbo que significa «soprar».
Bizâncio. Fundou esta cidade de Bizâncio, as- Cálais era «O que sopra docemente» e Zetes era
sim denominada segundo o seu nome, e «O que sopra com força». Tal como o pai, ha-
fortificou-a com a ajuda de Apolo e de Posí- viam nascido na Trácia. A sua característica
don. Tendo Herno, tirano da Trácia, atacado essencial era a rapidez. Tornaram parte na ex-
a cidade, Bizas venceu-o em combate singular pedição dos Argonautas e representaram nela
e perseguiu os inimigos em fuga até ao inte- um papel importante, em particular durante a
rior da Trácia. Na sua ausência, contudo, a ci- escala no território do rei Fineu (v. Argonau-
dade foi atacada pelo rei da Cítia, Odrise, que tas), na perseguição das Harpias que tiraniza-
a cercou. Mas Fidalía, a esposa de Bizas, sal- vam este rei. Sobre este ponto, contudo, as tra-
vou a cidade com a ajuda das outras mulhe- dições diferem: tanto libertam Fineu obrigando
res, lançando para o campo inimigo numero- as Harpias a voarem - e obrigando-as a pro-
sas serpentes. Fidalía salvou a cidade urna meterem que, no futuro, deixariam Fineu em
segunda vez, quando dos ataques do seu cu- sossego-, como matam duas em cada três,
nhado, Estrornbo. como, por fim, sem que haja uma intervenção
das Harpias, castigam Fineu, que tinha cegado
* BONA DEA. (Bona Dea.) Bona Dea, a as filhas que tinha tido da irmã Cleópatra
Boa Deusa, é urna divindade romana ligada ao (v. Fineu).
culto de Fauno. A sua lenda, bastante sumá- As tradições também diferem sobre a sua
ria, tem por fim explicar particularidades do morte: segundo alguns autores, eles não pude-
culto. Numa primeira versão, Bona Dea é fi- ram capturar as Harpias e morreram no re-
lha de Fauno. Amada pelo pai, não quis ce- gresso; mas, segundo a versão mais divulgada,
der aos seus desejos e ele não obteve o que pre- participaram em toda a expedição dos Argo-
tendia, mesmo quando a embriagou com nautas e encontravam-se presentes nos jogos
vinho. Fauno castigou-a, então, com vergas- fúnebres em honra de Pélias (v. Pé/ias e Ja-
tas de rnurta (isso explica que a murta tenha são), onde ganharam os prémios da corrida.
sido excluída do seu templo). Transformando- Mas, pouco depois, foram mortos por Héra-
-se, por fim, em serpente, conseguiu unir-se a cles, que não lhes perdoou o terem aconselhado
ela. Uma outra versão faz de Bona Dea a es- os Argonautas a abandonarem a Mísia quando
posa de Fauno, urna mulher muito hábil em ele se tinha atrasado em busca de Hilas (v. Ar-
todas as artes domésticas, tão pudica ao ponto gonautas e Hilas). Quando regressavam dos fu-
de não sair do seu quarto e de não ver outro nerais de Pélias, o herói descobriu-os, na ilha
homem além do marido. Um dia, encontrou de Tenos, e matou-os. Erigiu-lhes duas este-
um jarro com vinho, bebeu-o e embriagou-se. las que vibravam todas as vezes que o vento
O marido deu-lhe um tal correctivo, com ver- do Norte soprava sobre a ilha.
gàstas de murta, que ela morreu. Com remor- Bóreas teve ainda duas filhas, Cleópatra, que
sos, Fauno concedeu-lhe honras divinas. Em casou com Fineu, e Quíone (v. também Butes).

Bizas: 0100. S1c., IV, 49; STEPH. Bvz., s. u.; p. 227 e ss.; G. PI CCALUGA, in Studi e Materiali. .. ,
TzETZ., Chi/., II, 40. 1964, p. 195-237.
Boréadas: APOL. RH., Arg ., I, 211 e ss.; II, 273 e
Bona Dea: MA CR., 1. 12, 24 e s.; SERV., ad V1Rc., s; 1, 1298-1308; e escól. ad APoL. RH., II, 178; es-
Aen., VIII, 314. VAR., RR, II, 1, 5; PROP., IV, 9; cól. ad Od., XIV, 533; XII, 69; Hvo. , Fab., 14; 19;
Ov., Fast.; V, 148 e ss.; LACT ., Div. lnst., I, 22; 273; APOLLOD., Bibl., III , 15, 2 e s.; 1, 9, 21 ; Ov.,
TERT. , ad Nat., II, 9; ARNOB., ad Nat., V, 18. Cf. Mel., VI, 711 e s.; SERV., ad ViRG., Aen., III, 209;
A. GR ElfENHAGEN, Bona Dea, Rom. Mitt . , 1937, escól. ad PINO., Pyth., IV, 181.
BÓREAS 62

BÓREAS. (Bopfo:ç .) Deus do Vento do BRANCO. (Bpáyxoç.) Filho de um herói ori-


Norte. Habita na Trácia, que é, para a Gré- ginário de Delfos denominado Esmicro (v. este
cia, a região fria por excelência. É represen- nome), que se estabelecera e casara em Mileto.
tado como um demónio alado, com uma Antes do seu nascimento, a mãe tivera uma vi-
grande força física, barbudo e normalmente são em que lhe parecia ter visto o Sol entrar-
vestido com uma túnica curta plissada. Numa -lhe pela própria boca, passar através de todo
representação, vê-mo-lo, como o Jano ro- o seu corpo e sair-lhe pelo ventre. Os adivinhos
mano, provido com dois rostos opostos, que interpretaram isso como um presságio favorá-
personificavam, sem dúvida, o vento duplo que vel. O filho que deu à luz foi chamado Branco,
soprava sobre a Europa, o Bóreas e o Antibó- isto é, «brônquio», porque foi pelos brônquios
reas. Mas esta concepção é excepcional. que a sua mãe tinha sentido o Sol descer den-
Bóreas é filho de Eos (a Aurora}, e de As- tro dela. Um dia em que guardava os rebanhos
treu, o filho de Crio e de Euríbia. E irmão de na montanha, o jovem, que era muito belo, foi
Zéfiro e de Noto (v. quadro 16, p. 202). Per- amado por Apolo. Erigiu um altar a Apolo
tence, por consequência, à raça dos Titãs, os Amical e, inspirado pelo deus, que lhe conce-
seres que personificavam as forças elementa- deu o dom da adivinhação, fundou um oráculo
res da natureza. Entre outros actos violentos, em Didime, a sul de Mileto. Este oráculo foi
é-lhe atribuído o rapto de Oritia, a filh a do rei considerado até à época histórica quase como
de Atenas Erecteu, quando aquela brincava equivalente ao de Delfos. Era servido pelos
com as suas companheiras nas margens do Branquides ou descendentes de Branco. Este
Ilisso. Levou-a para a Trácia, onde ela lhe deu contava entre os seus antepassados paternos,
dois filhos, Cálais e Zetes (v. artigo prece- dizia-se, Macareu, o homem que tinha morto
dente). Uma variante desta lenda situava o Neoptólemo em Delfos .
rapto durante uma procissão que subia a Acró-
pole em direcção ao templo de Atena Políade. BRANGAS. (Bpán~-) Brangas é o filho do
Atribui-se, por vezes, a Bóreas o castigo de Fi- deus-rio da Trácia, Estrímon, e irmão de
neu (v. este nome). Com as éguas de Erictó- Olinto. Como este tivesse sido morto, na caça,
nio, Bóreas procriou, diz-se, sob a forma de por um leão, Brangas enterrou-o no lugar em
um cavalo, doze potros, tão rápidos que ases- que tinha morrido e denominou O linto a cidade
pigas não se curvavam sob o seu peso quando que construiu nas proximidades.
corriam sobre um campo de trigo e, quando BRISEIDE. (Bp,<11J(ç.) Briseide, de seu ver-
corriam sobre a superfície do mar, não o en- dadeiro nome Hipodamia, é a filha de Briseu,
crespavam. Com uma das Erínias e, em se- um sa cerdote da cidade de Lirnesso, conquis-
guida, com uma das Harpias , Bóreas gerou tada e pilhada por Aquiles (v. este nome). Bri-
também cavalos velozes. seu é o irmão de Crises, o pai de Criseide. Hi-
Para Bóreas, «rei dos Celtas», v. Ciparissa. podamia , denominada Briseide a partir do
BORMO. (Bwpµoç.) Filho de Tícia (ou de Tí- nome do seu pai, era casada com Minês, que
cio), um mariandino. Era um jovem muito belo. foi morto por Aquiles. Este levou-a consigo e,
Um dia, em que tinha ido a uma fonte buscar para a consolar, Pátroclo prometeu-lhe que ar-
água para os ceifeiros, foi raptado pelas Nin- ranjaria as coisas de modo a que Aquiles ades-
fas (v. Hilas). Conta-se também que foi morto posasse e, com efeito, ela tornou-se a escrava
na caça. A sua morte era celebrada todos os favorita, ternamente amada pelo he r ó i.
anos, na altura das colheitas, com lamentações Quando a Assembleia dos Gregos forçou Aga-
acompanhadas pelo som de uma flauta. mé mnon a entregar Criseide ao seu pai e
quando o rei exigiu como compensação que
BOTRES. (Bó,(»'lç.} Botres era um tebano, Aquiles lhe desse Briseide, Aquiles, colérico
filho de Eumelo. Eumelo venerava o deus e magoado, recusou-se a combater (v. a sua
Apolo. Um dia, quando lhe oferecia um sacri- lenda). É ela que Agamémnon promete devol-
fício, seu filho Botres encontrava-se junto a si, ver em primeiro lugar quando da embaixada
assistindo-o. Mas Botres repartiu os miolos da que envia a Aquiles para tentar acalmá-lo. É
vítima, um carneiro, antes de o ter colocado ela, enfim, e apenas ela, que Aquiles aceita no
sobre o altar para a oferenda. Irritado, o pai momento da sua reconciliação com o Atrida.
pegou num tição da fogueira sagrada e bateu A tradição posterior a Homero apresentava
na criança, que morreu imediatamente. Perante Briseide como uma mulher alta , com capelos
o desespero do pai e da mãe, Apolo transfor- castanhos, de o lhos brilhantes, tez clara, as so-
mou Botres em pássaro, denominado Aérope, brancelhas unidas e vestindo-se com gosto. Pa-
isto é, o pássaro com o olhar triste, que faz o rece que também foi ela quem prestou as hon-
seu ninho sob a terra e esvoaça sem cessar. ras fúnebres a Aquiles.

Bóreas: HES., Theog., 378; cf. 869; H EROD., VII, Branco: CONON, Narr., 33; escól. ad PAUSAN., V,
189; Mel . , VI, 685 e s.; Trist. , Ili, IO, 45; //., XX, 8, 8; S TRAB., p. 421; 634.
22 1 e ss.; Qu1NT . SM., VIII , 242; NONN., Dion.,
XXXVI, 155; PLAT., Phdr., 229B; PAUSAN., V, 19, Brangas: CoNON, Narr., 4.
1; APOLLOD., Bibl., Ili , 15, 1 e 2; escól. Od., XIV,
533; v. Annali deli' lnsli/uto, XXXII, L e M. Briseide: //. , I, 318 e s.; II , 688 e ss; e escól.; X IX,
291 e s.; QUINT. SM., III , 552 e s.; escól. ad li., I,
Bormo: A THEN., XIV, 3, p. 620 A ; cscól. ad 392; EusT., ad Hom. , 77, 30; TZETZ., ad Lyc., 345;
APOL. RH. , Arg., 1, 11 26; 11, 780. Anteh., 350 e s.; P AUSAN ., V , 24, 11 ; X , 25, 3; Ov .,
Doires: ANT. L1e., Transf. , 18. Her., 3.
63 BUSIRIS

BRJSEl}. (Bpía-riç.) Briseu é o pai de Briseide vem acabou por confessar a verdade. Amea-
(v . este nome). Tanto é apresentado como rei çados pelo pai de Eunosto, os irmãos fugiram
dos Léleges, na Cária, como -e é a maior e Ocna suicidou-se.
parte dos casos- é considerado, tal como o
irmão Crises, como um sacerdote de Apolo na BÚFAGO. (Bou<p<iyoç.) Búfago (literalmente
cidade de Lirnesso, que foi pilhada pelos Gre- «O Comedor de Bois») é um herói arcádio.
gos durante a Guerra de Tróia. Além de sua É filho de Jápeto e de Tórnax. Com sua mu-
filha Hipodamia, chamada geralmente Bri- lher, Promne, recolheu, durante a guerra con-
seide, tinha um filho, Etion (distinto do herói tra Augias, Íficlo, que tinha sido ferido (v. Hé-
homónimo, rei de Lirnesso e pai de Andró- rac/es); tratou dele .até à. morte e, depois,
maca). Quando Aquiles, durante o saque, des- sepultou-o. Mais tarde, fÓi morto por Ártemis,
truiu a sua casa, Briseu enforcou-se. que se sentia importunada pelo seu amor in-
sistente, quando a perseguia no monte Fóloe,
BRITE. (Bpú't7J.) A lenda de Bri~e. filha de na Arcádia.
Marte (Ares) e seguidora da deusa Artemis em
Creta, é uma repetição da de Britomártis. BÚLIS. (BouÀíç.) V. Eg(pio.
Amada por Minos, Brite lançou-se ao mar e
o seu corpo foi encontrado numa rede de pes- HUNO. (Boüvoç.) Buno é um herói coríntio,
cadores. Declarou-se uma peste e o oráculo res- filho de Hermes e de Alcidâmia, que recebeu
pondeu que, para a debelar, era necessário de Eetes, quando este trocou Corinto por'Cfil-
prestar honras divinas a «Diana Dictina», a Ár- cos, o trono de Corinto, com a obrigação de
temis da rede. o conservar até ao seu regresso ou ao de um
BRITOMÁRTIS. (Bpt~óµocp·tLç.) Britomártis
dos seus descendentes. Depois da morte de
é uma deusa cretense cujo nome signifjcava, Buno, é Epopeu de Sícion quem lhe sucede.
segundo a tradição, «a Virgem Doce». E filha V . Epopeu.
de Zeus e de Carme. Era,, parece, uma ninfa
virgem, companheira de Artemis em Gortina BUSÍRIS. (Boúatptç.) Busíris é, na lenda
(Creta). Minos apaixonou-se por ela e, na sua grega, um rei do Egipto. Na realidade, não fi-
paixão, perseguiu-a durante nove meses pelos gura em qualquer das dinastias faraónicas, mas
montes e vales da ilha . Um dia, ao fim desse talvez seja uma deformação do nome do deus
tempo, ela apercebeu-se de que ia ser alcan- Osíris. Busíris era um rei muito cruel. A sua
çada; saltou, então do alto de uma falésia para tirania tinha obrigado Proteu a fugir do Egipto
o mar. Foi recolhida numa rede de pescado- (v. Proteu). Tinha também projectado enviar
res e salva, o que lhe valeu o epíteto de Dic- uma expedição de bandidos para raptar as Hes-
pérides, que eram afamadas pela sua beleza.
tina («a jovem da rede»).
Uma outra versão, menos maravilhosa, ex- Héracles encontrou-as no seu caminho quando
plica o mesmo epíteto fazendo remontar a Bri- comoia procurar as maçãs de ouro e matou-as, tal
tomártis a invenção das redes para a caça. Diz- efeito, tinha morto o próprio Busíris. Com
uma série de más colheitas abatera-se
-se, também, que, no decorrer de uma caçada, sobre o Egipto e Frásio, um adivinho oriundo
Britomártis ficou presa na rede e, salva por Ár-
temis, teria recebido honras divinas sob o nome de Chipre, aconselhara o rei a sacrificar a Zeus
de Dictina. um estrangeiro, todos os anos, a fim de apla-
Como Ártemis, é representada rodeada por car o deus e recuperar a prosperidade. Foi o
cães, vestida como uma caçadora, fugindo dos que fez Busíris, começando por sacrificar o
próprio Frásio. Quando Héracles passou pelo
homens e amante da solidão. Egipto, Busíris prendeu-o, atou-o com faixas ,
BÚCOLO. (BouxóÀoç.) Búcolo, cujo nome coroou-o com flores e conduziu-o ao altar
significa «O Boieiro», era o fi lho de ,Colono, como vítima. Mas Héracles desatou os nós,
de Tânagra, na Beócia, e irmão de Equemo, matou Busíris, o seu fiho Ifidamante (ou An-
de Leone e de Ocna, a única filha. Esta, apai- fidamante), o arauto Calves e todos os assis-
xonada por Eunosto, foi por ele repudiada. Ao tentes.
ver-se desprezada, a jovem acusou-o perante Busíris era filho de Posídon e de Lisianassa
os irmãos de ter querido violentá-la. Os jovens (v. quadro 3, p. 66) e tinha sido colocado no
mataram Eunosto, mas, com remorsos, ajo- trono do Egipto pelo rei Osíris, quando este

Briseu: li., li, 689; escól ad li., XIX, 29 1; EusT., Búfago: P AUSAN. , VIII, 14, 9; 27, 17.
ad Horn ., 77, 30; D1crvs, II, 17; TzETz., An1eh., 349 Búlis: AN·1. Lrn., Transf., 5.
e s.; PROP., E/., II, 9, 9-16.
Buno: PAUSAN., Jl, 3, 10; THEOMP., r. 340;
Brite: Mylh. Vai., II, 26. TzETZ., ad Lyc., 174.
Busíris: D10D. S1c., 1, 17, 45; IV, 18, 27; Aro1..
Britomártis: SOLIN., XI, 8; PAUSAN., II, 30, 3; III , LOD., Bib/., li , 5, 11; HEROD., 45 A. GEJ.L., II, 6;
14, 2; cf. IX, 40, 3; D100. S1c., V, 76; CALLJM., MACR., Sal., VI, 7; V1RG., Georg., Ili, 5; SERV., ad
Hymn. ad Art., 189 e s.; P s. -VJRG., Ciris, 301; Am. /oc.; H vG. , Fab., 31; 56; 157; Ov., Mel ., IX, 183;
L,e., Transf., 40; escól. ad ARISTOPH . , Ra., 1356; es- Et. Magn., s. u.; EuR., drama satírico Bus1fis, per-
cól. ad EuR. Hipp .• 146. Cf. R. H OLLAND, «Brito- dido; sobre Busíris = Bu-as-iri: «o lugar de Isis», cf.
martis», Hermes, 1925, pp. 59-65 . A. W1EDEMANN, Herodols Zweiles Buch., Leipzig,
1890; FRAZER, ed. de APOLLOD., Bibl. , 1, pp. 224
Búcolo: PLUT., Qu. Gr., 40. e ss.
BUTES 64

partira para a suá grande expedição à volta da mela e Procne e por irmão Erecteu. Após a
Terra. morte de Pandíon, a herança foi dividida en-
BUTES. ·(Bo6-r!J~-) 1. O primeiro herói com tre os filhos e Erecteu obteve o trono, enquanto
este nome é um f!lho de Bóreas e meio-irmão Butes ficou com o sacerdócio de Atena e de Po-
sídon. Desposou a filha de Erecteu, Ctónia
de Licurgo. Butes e Licurgo nasceram de mu- (mas v. também Erecteu). Era a ela que pre-
lheres diferentes, nenhuma delas Oritia, a es-
posa legítima do deus (v. Bóreas). Butes pro- tendia remontar a farmlia sacerdotal dos Eteo-
curou matar o seu meio irmão Licurgo. Mas, butadas, de Atenas.
como os seus propósitos tivessem sido desco- 3. Para Butes, o argonauta que fundou a ci-
bertos, teve de fugir com os seus partidários dade de Lilibeia, na Sicília, v. Argonautas e
e foi estabelecer-se em Naxo, o nde viveu da pi- Érix.
lhagem e da pirataria. No decurso de uma das BÚZIGES. (BouÇúY')d Búziges, «o que co-
suas expedições, atacou a Ftiótide, na Tessá- loca os bois sob o jugo», é a figura mítica do
lia, para raptar mulheres. Depararam-se-lhe as inventor do jugo, aquele que imaginou o modo
adoradoras de Dioniso. A maior parte escapou, de domesticar os touros e de os atrelar, bem
mas a ama do deus, Corónis, foi raptada e como de os utilizar no trabalho e cultivo dos
dada a Butes. Devido às súplicas da jovem, Bu- campos. Também era considerado como um
tes foi levado à loucura por Dioniso. Lançou- dos primeiros legisladores. Atribui-se-lhe a
-se num poço e morreu. proibição, frequentemente mencionada na An-
2. O segundo herói chamado Butes é o fi- tiguidade, de matar os bois ou os touros de-
lho do rei de Atenas Pandíon e de Z-euxipe vido aos serviços que prestavam à agricultura.
(v. quadro 12, p. 144). Tem por irmãs Filo- V. também o artigo Paládio.

Bules: t) 0100. S1c., V, 50. 2) A POLLOD., Bibl., 1 Búziges; SERV., ad VJRG., Georg., 1, 19; PuN., N. H.,
m. 14, 8. VII, 57; escól. ad li., XVIII, 483; HESYC., s. u.
e
CAANTO. (Kcfo:v9od Filho de Oceano. rios lugares, mesmo, segundo Heródoto, em
Como, próximo de Tebas, nas margens do rio Mênfis no Egipto. Os mitógrafos antigos in-
Ismeno, a ninfa Mélia, sua irmã, tivesse sido terpretam de diversos modos a sua origem e
raptada por Apolo, seu pai ordenou que ele a a sua natureza. Na maior parte das versões,
fosse procurar. Caanto encontrou Mélia e o é Hefesto que aparece como pai deles ou, pelo
deus, mas não conseguiu separá-los. Por isso, menos, como seu antepassado divino. Segundo
enraivecido, deitou fogo ao santuário de Acusilau, Hefesto tivera um filho de Cabiro
Apolo, o que lhe custou a vida, porque o deus (mãe dos Cabiros) a quem fo i dado o nome
matou-o com uma flecha. Dizia-se que o seu de Cadmilo, o qual, por sua vez, teria gerado
túmulo se encontrava em Tebas, junto da fonte três Cabiros. Estes eram os pais das ninfas Ca-
de Ares. bírides. Segundo Ferecides, os Cabiros eram
CABARNO. (KcxPocpvoç.) Quando Deméter
filhos de Hefesto e de Cabiro, filha de Pro-
andava em busca de sua filha, que tinha sido teu. Nestas versões, as ninfas Cabirides, em
número de três, eram irmãs dos Cabiros (que
raptada por Hades, um habitante da ilha de também eram três). Outros autores pretendiam
Paros, de nome Cabarno, indicou-lhe quem ti- que havia sete Cabiros e que o seu pai tinha
nha sido o autor do rapto. A deusa, em recom- sido o fenício Sidice tinham, portanto, Asclé-
pensa, confiou a Cabarno o encargo de velar pio como irmão. Uma tradição que remonta
pelo seu culto, a ele e a todos os seus descen- a Mnáseas de Pátaros menciona quatro Cabi-
dentes. É uma lenda exclusiva de Paros. ros: Axíero, Axioquersa, Axioquerso e Cad-
CABÍRIDES. (Koc~up1ôtç.) Três ninfas, ir- milo, identificados, respectivamente, com De-
mãs dos Cabiros (v. este nome). méter, Perséfone, Hades e Hermes, e, às vezes,
CABIRO. (Kocpupw.) Filha de Proteu e de
entre os Romanos, com Júpiter, Mercúrio,
Juno e Minerva; mas esta hipótese não explica
Anquinoe. Oriunda de Lemnos, que tem He- qual era a sua genealogia. Nesta versão, Ca-
festo como deus, foi por este amada e deu-lhe biros seria apenas um nome mísiico, funcio-
vários filhos, os Cabiros e as Cabírides (v. Ca- nal, das divindades invocadas. E assim que,
biros). às vezes, os Cabiros aparecem identificados
CABIROS. (KciPtcpot.) Misteriosas divinda- com lásion e Dárdano (v. estes nomes), filhos
des cujo principal santuário se encontrava na de Zeus e Electra, os quais também são he-
Samotrácia, mas que eram adoradas em vá- róis da Samotrácia.

Caanto: PAUSAN., IX, 10, 5-6. Cabiros: STRAB ., X, 3, 19 e s.; escól. ad APOL.
RH., Arg., l, 917 : AEL. ARIST .. li. 469 (Keil);
Cabarno: STEPH. Bvz., s. u. Kci~apvo<. PHI L. B YBL.. 1, 8; NONN., Dion; XIV. 22 e s.; He.
ROD., Ili, 37; VAR .• LL, V, 58; SERL, ad VJRG .•
Cabírides: STRAB., X, 3, 21.
Aen., III, 12; 264: VIII, 679, V. F. CHAPOUTHI ER,
Cabiro: STRAB., X, 3. 21; STEPH . Bv z., s. u., Les Dioscures au ser vice d'une déesse, Paris, 1935;
K«~up(a. BENGT HEMBERG, Die Kabiren, Upsal, 1950.
Zeus,..-., lo Nilo
1 1
Épafo ,....., Mênfis

Lisianassa ,...., Posídon Tebe Libia ,_, Posídon


(v. quadro 8, p.

1
Busíris Agenor ,.._, Telefassa (ou Argíope) Belo " ' Anquíone

.._~ - ·\ frocite

1 1
1 1
Fénix Cálice Taso Europa ,..-., Zeus e Astério Dánao Cefeu Egipto

Minos Sarpédon Radamante cinquenta filhas cinquenta fi lhos

1
"- OOOC ,.._ Aristeu !no ,.._, Atamante Agave ,...,,, Écion Sémele ,.._, Zeus Polid oro ,.._, Nicteide Ilírios
(Leucótea)
1
1
Aaéon Learco Melicerta (Palémon) Penteu Dioniso Lábdaco Hémon
(v. quadro 34, p. 392 1
Laio ,.._, Epicasta (Jocasta)
1
Édipo
(v. quadro 9, p. 128, e 37, p. 438

Quadro genealógico n. 0 3
67 CADMO

Como os Cabiros-são divindades dos misté- seja, travou-se uma luta entre Caco e Hércu-
rios, náo podiam ser nomeados impunemente. les. Caco tinha três cabeças e cuspia fogo pe-
Na maioria dos casos chamava-se-lhes Gran- las três bocas. Mas Hércules não tardou a
des Deuses. Ao lado dos nomes acima referi- vencê-lo com a sua maça. Outra versão mos-
dos, uma glosa menciona Álcon e Eurime- tra Caco, fechado na gruta, a amontoar rochas
donte, um par de cabiros, filhos de Cabiro e diante da entrada, desafiando por este meio os
Hefesto. Na época romana, os Cabiros são, a ataques de Hércules. Mas este, subindo à co-
maior parte das vezes, considerados como uma lina, arrancou os rochedos que formavam o
tríade que tem subjacentes três divindades ro- tecto da gruta, conseguindo assim atingir o seu
manas: Júpiter, Minerva e Mercúrio. inimigo e matá-lo . Depois, em reconhecimento
Sobre os Cabiros quase não existem mitos. pela vitória alcançada, sacrificou a Júpiter In-
Dizia-se que tinham assistido aos nascimento ventor, e o rei Evandro, que então reinava em
de Zeus na Acrópole de Pérgamo. Isso corres- Palanteu, futura Roma (nessa época simples
ponde à sua natureza de divindades integradas aldeia de pastores, próxima daquele local, no
no séquito de Reia. São servos da deusa, e, por cimo do Palatino, v. Evandro) agradeceu-lhe
este motivo, são muitas vezes confundidos com por ter libertado o território de um ladrão
os Coribantes e os Curetes (v. estes nomes). como Caco e prometeu-lhe que o céu o havia
Desde o fim da época clássica, apareciam, so- de recompensar concedendo-lhe honras divi-
bretudo, como protectores da navegação, com nas.
a mesma importância que os Dioscuros, com Há uma versâo obscura da lenda de Hércu-
os quais têm algumas afinidades. les que substitui Caco por um salteador de
nome Garano, ou Recarano, o qual, no en-
* CACA. (Caca.) Caca é uma divindade ro- tanto, desempenha o mesmo papel que Caco
mana amiquíssima, que era considerada irmã (v. Recarano).
do salteador Caco (v. este nome). Teria traído Segundo um antigo historiador romano,
seu irmão, denunciando a Hércules o escon- Caco era companheiro do rei Mársias, que ti-
derijo onde Caco tinha escondido os bois rou- nha vindo da Frígia para invadir a Itália. Már-
bados ao herói. Caca recebeu um culto em re- sias tinha-o mandado numa embaixada ao rei
compensa, e em sua honra mantinha-se um Tárcon da Etrúria, mas este fê-lo prisioneiro.
fogo perpétuo, como para a deusa Vesta. Caco evadiu-se e regressou para junto de Már-
* CACO. (Cacus.) Caco, talvez um deus do sias. Mársias e Caco ocuparam então a Cam-
fogo, talvez simples numen de um lugar, é um pânia, à volta do Volturno, e atacaram a re-
herói local de Roma, cujo mito anda associado gião de Roma, onde se havia instalado uma
ao mito de Hércules. Era considerado filho de colónia arcádica. Hércules, nessa altura, fez
Vulcano. Vivia numa gruta do Aventino e, uma aliança com Tárcon e esmagou os inva-
quando Hércules voltou da sua expedição ao sores.
Ocidente mediterrânico, trazendo consigo os Finalmente, Diodoro refere um certo Cácio
bois roubados a Gérion (v. Hérac/es), e os dei- ( Kaxíoç), homem excepcionalmente valente,
xou a pastar em liberdade no sítio do futuro que vivia no cimo do Palatino e que tinha re-
Forum Boarium enquanto descansava na mar- cebido Hércules hospitaleiramente. Foi o nome
gem do Tibre, Caco, não podendo roubar toda deste Cácio que ficou associado a uma «su-
a manada como era seu desejo, levou apenas bida» do Palatino, as scalae Caci, nas redon-
alguns animais (quatro vacas e quatro bois, diz- dezas da sua casa (atrium Cac1).
-se), que escondeu na sua gruta. Para não CADMO. (Kciõµoç.) Cadmo é um herói do
deixar rasto, arrastou os animais pela cauda, ciclo tebano, mas a sua lenda, como a de Hé-
obrigando-os a caminhar às arrecuas. Assim , racles , expandiu-se um pouco por todo o
as pegadas pareciam orientar-se para fora da mundo mediterrâneo, da Ásia Menor à Ilíria
gruta e não em direcção a ela. Quando Hér- e à África (Líbia). Cadmo é filho de Agenor
cules acordou e contou a manada, deu conta e de Telefaassa (ou, segundo outras tradições,
do roubo. Partiu à procura do que lhe perten- de Argíope) (v. Agenor e o quadro 3, p. 66).
cia, e teria sido enganado pela artimanha de É irmão de Cílix e de Europa (se bem que, às
Caco se, segundo alguns, os animais, ao sen- vezes, Fénix seja considerado seu pai, bem
tirem os seus congéneres, não tivessem mugido, como de Europa) (v. Europa). Finalmente,
revelando deste modo a sua presença, ou, se- uma tradição beócia tardiamente testemunhada
gundo outros, se não tivesse sido avisado por tinha-o na conta de filho do herói tebano au-
Caca, irmã do próprio Caco. Como quer que tóctone Ógigo (v. este nome).

Caca: LACT., Div. lnsl. , I , 20, 36; SERV., ad THEOGN., 15-18; H1G., Fab., 6; 178; 179; PINO.,
VrRC., Aen. , VIII, 190; Mylh Vai., II , 153; III,
13.
Pylh .• lll, 152 e s.; º'·· II, 38 e s.; APOL. RH.,
Arg., IV, 516 e s.; escól. a Ili, 11 86, EuR., Phoen.
930 e s.; 822 e s.; Bac ., 1330 e s.; escól. ad EuR.,
Caco: V1RG., Aen., V III, 190 e s., e SERV., ad
Phoen. , 683; ad AESCH. , Th., 469; APOLLOD.,
loc.; Liv., I, 7, 3 e s.; D10N. H AL., l, 39 e s.; Ov .,
Bibl., Ili, 1, I; 4, I; 5, 2; 5, 4 e s.; Ov., Mel., Ill ,
Fasl., ' · 543, e s.; V, 643 e s.; VI, 79 e s.; PROP., V, 6 e s.; IV, 563 e s.; PAUSAN., Ill, 1, 8; 15, 8; 24, 3;
9, 1 e s.; TZETZ., Hisl., V, 21, VERRIUS FLACCUS, in
IV, 7, 8; VII, 2, 5; IX , 5, 1 e s .; 10, 1; 12, 1 e s.;
SERV., ad Aen., VIII, 203; SOLJN., '· 8; D100. S1c.,
IV, 21; J. BAYET, Origines... , p. 145 e s. 16, 3 e s.; 26, 3-4; X, 17, 4; 35, 5. STRAB., '· 46; 7,
326; ATH EN. , X I, 426 B; TZETZ., Chi/., IV, 393 e
Cadmo: HEs., Theog., 935 e s.; Od., V, 333 e s.; NoNN., Dion., I, 140 e s.; 350 e s., etc.; STEPH.
s.; escól. ad li., II, 494, HEROD., IV, 147; D100. Bvz. s. u. BouOóTJ; F. V1AN, Les origines de Thebes,
S1c ., IV, 2, 1 e s.; V, 47 e s.; 48; 49; V, 59, 2 e s.; Paris , 1963.
CAFAURO 68

Após o rapto d~ Europa, Agenor mandou De Harmonia teve Cadmo várias filhas
os seus filhos procurá-la e intimou-os a que não -Autónoe, !no (que após a sua deificação
aparecessem diante dele sem a trazerem de passou a chamar-se Leucótea), Agave e
volta. Juntou-se-lhes sua mãe, e juntos deixa- Sémele- e um filho, Polidoro.
ram a região de Tiro, onde reinava Agenor. Quando o fim da vida se aproximava,
Mas bem depressa os jovens se deram conta de Cadmo e Harmonia abandonaram Tebas em
que vã era a sua busca, e, ao passo que seus condições misteriosas, deixando o trono a Pen-
irmãos se instalam em diversas regiões, Cadmo teu, seu neto, filho de Agave e de Equíon. Fo-
e sua mãe vão para a Trácia, onde são recebi- ram para a Ilíria, para junto dos habitantes de
dos favoravelmente pelos seus habitantes. Enquélias. Tendo estes sido atacados pelos llí-
Morta Telefaassa, Cadmo foi consultar o orá- rios, um oráculo prometeu-lhes a vitória, se
culo de Delfos, que lhe ordena que deixe de fossem comandados por Cadmo e Harmonia.
procurar Europa e funde uma cidade. Mas, E, de facto , realizada esta condição, saíram
para escolher o local, deveria seguir uma vaca vencedores. Cadmo reinou então sobre os Ilí-
até que esta caísse por terra, esgótada de can- rios e teve um filho a quem deu o nome de
saço. Para cumprir o oráculo, Cadmo pôs-se Ilírio. Pouco depois, porém, tanto ele como
a caminho e, ao atravessar a Fócida, viu, en- Harmonia foram transformados em serpentes
tre as manadas de Pélagon, filho de Anfída- e alcançaram os Campos Elísios. O seu túmulo
mas, uma vaca com o sinal da Lua em cada era conhecido na Ilíria (v. também Agave).
flanco (um disco branco que fazia lembrar a Uma lenda, referida por Nono de Panópo-
Lua cheia). Seguiu-a e a vaca levou-o através lis, mas que provavelmente não passa de uma
da Beócia. Por fim, deitou-se no local da fu- invenção de poeta tardio, conta como Cadmo
tura cidade de Tebas. Cadmo viu então que o seguiu as pegadas do touro que tinha raptado
oráculo se tinha cumprido e quis oferecer a sua irmã e foi incorporado por Zeus na expe-
vaca em sacrifício a Atena. Com esse fim, man- dição contra o gigante Tífon. Com esse fim,
dou alguns dos seus companheiros buscar água tinha vestido um traje de pastor, que lhe fora
a uma fonte próxima, chamada fonte de Ares. dado pelo deus Pã, seu companheiro. E,
Mas um dragão, que, segundo alguns autores quando Tífon roubou os tendões de Zeus, foi
era descendente do próprio Ares, guardava a Cadmo quem o encantou com uma lira e con-
fonte e matou a maioria dos homens que seguiu que aquele restituísse os tendões do
Cadmo lá tinha enviado. Cadmo veio em so- deus, sob o pretexto de que com eles faria cor-
corro dos companheiros e matou o dragão. das para a sua lira. Cadmo devolveu os ten-
Apareceu-lhe então Atena que o aconselhou a dões a Zeus que, graças a isso, conseguiu ob-
semear os dentes do animal. Foi o que Cadmo ter a vitória. Em recompensa, Cadmo recebeu
fez; imediatamente, surgiram da terra homens a mão de Harmonia (v. Tffon).
armados, que foram chamados Spartoi (ou Em Tera, Rodes, Samotrácia, Creta e em
seja, homens semeados). Estes homens prodi- muitos outros sítios, contava-se que Cadmo,
giosos eram ameaçadores. Cadmo teve então quando andava à procura de Europa, tinha lá
a ideia de atirar pedras para o meio deles. Os fundado cidades.
Spartoi, ignorando quem os atingia, acusaram-
-se reciprocamente e massacraram-se uns aos CAFAURO. (Ká.~upoç.) Líbio, filho de An-
outros. Apenas cinco sobrev~veram: Equíon fítemis (também chamado Garamante) e de
(que casou em seguida com Agave, uma das uma ninfa do lago Tritão. Era, pois, neto de
filhas de Cadmo), Udeo, Ctónio , Hiperenor, Acacális e de Apolo. Um dia em que andava
Peloro. Cadmo teve, todavia, de expiar a morte a guardar rebanhos de ovelhas na Líbia, não
do dragão, servindo Ares durante oito anos longe do lago Tritão, um argonauta, de nome
como escravo. Mas, acabada a penitência, Canto, tentou roubar-lhe uma parte do gado
Cadmo tornou-se rei da região de Tebas, gra- para dar de comer aos seus companheiros es-
ças à protecção de Atena. E Zeus deu-lhe por fomeados. Cafauro matou-o, mas não tardou
esposa uma filha de Ares e Afrodite, a deusa a sucumbir, por sua vez, às mãos dos Argo-
Harmonia. nautas (v. também Cefálion).
O casamento de Cadmo com Harmonia foi CÁFENE. (Kotq,ivT).) Cáfene é uma jovem
celebrado com grandes festejos, nos quais par- da cidade de Criasso, na Cária. Uma colónia
ticiparam todos os deuses e as musas cantaram. de gregos de Meios, que se instalara na região
Desceram do céu e vieram à Cadmeia (cidadela sob o comando de Ninfeu, cresceu rapidamente
de Tebas), levando presentes. Os principais fo- e tornou-se poderosa. Os habitantes de Criasso
ram para Harmonia: um vestido maravilhoso ficaram preocupados e decidiram aniquilar os
tecido pelas Cárites e um colar de ouro, obra seus incómodos vizinhos. Projectaram convi-
do deus ferreiro, Hefesto. Segundo alguns, este dar todos os gregos para uma festa e matá-los
colar teria sido dado a Cadmo pelo próprio He- quando estivessem todos juntos, mas Cáfene
festo, mas, segundo outros, teria sido um pre- estava enamorada de Ninfeu e revelou-lhe o
sente de Europa para o irmão. Ela própria plano. Quando os cários foram convidar os
tinha-o recebido de Zeus. O colar e o vestido gregos, estes aceitaram , mas disseram que o
desempenharam mais tarde um papel impor- costume da sua terra exigia que as suas mulhe-
tante na expedição dos Sete contra Tebas res também fossem convidadas para o ban-
(v. Anflarau, Erifile e Alcméon). quete. E assim se fez. Os homens foram para

Cafauro: APOL. RH., Arg., IV, 1494 Cáfene: PLUT ., de mui. vir., VII, 304.
69 CALCAS

a festa desarmados, mas as mulheres levavam dia ambos se banhavam no Menandro, Cálamo
cada uma sua espada escondida debaixo da tentou ultrapassar a nado o seu amigo, mas
roupa. Durante o banquete, dado o sinal, os Carpo afogou-se durante esta competição. Cá-
cários atiraram-se aos gregos, mas estes Iamo, de dor, fico u tão seco que se transfor-
anteciparam-se e mataram-nos a todos. Arra- mou numa cana da margem do rio. Carpo
saram a cidade de Criasso e construíram ou- (cujo nome significa «fruto») transformou-se
tra, a que puseram o nome de Nova Criasso. em «fruto dos campos», que morre e nasce to-
Cáfene casou com Ninfeu e concederam-lhe dos os anos.
grandes honras.
CALCANTE. V. Calcas.
CAFIRA. (Kotiptlpot.) Cafira é filha de CALCAS. (KáAxotç.) Calcas é um adivinho
Oceano. Na ilha de Rodes, juntamente com as de Micenas, ou de Mégara, o mais hábil do seu
Telquines, educou Posídon, que lhe fora con- tempo na interpretação do voo das aves e o que
fiado por Reia. melhor conhecia o passado, o presente e o fu-
*CAIETA. (Caieta.) A lenda da cidade de turo. Apolo dera-lhe o dom da profecia. Cal-
Caieta (a actual Gaeta, não longe de Terracina, cas era filho de Testor e, através dele, descen-
na costa meridional do Lácio) contava que a dia de Apolo. Foi o adivinho titular da
cidade tinha sido fundada em memória de expedição dos Gregos contra Tróia. Nos mo-
Caieta, ama de Eneias (segundo outros, ama mentos mais importantes da guerra e da sua
de Ascânio, ou até de Creúsa, mulher de preparação, há sempre uma profecia de Cal-
Eneias). Ora se dizia que Caieta tinha sido se- cas. Quando Aquiles tinha nove anos, foi ele
pultada neste lugar, ora que aí tinha sido im- quem anunciou que Tróia só podia ser conquis-
pedido o incêndio que ameaçara a frota de tada se o jovem participasse na luta, levando
Eneias. Havia, finalmente, outra tradição que com isso Tétis a dissimular o filho entre as fi -
ligava o nome de Caieta a Eetes, pai de Me- lhas do rei Ciro (v. Aquiles). Em Áulis, inter-
deia, que teria vindo a esta região em perse- pretou o presságio da serpente que devorava
guição de sua filha (v. Argonautas e Eetes). Se- as aves em cima do altar do sacrifício, e de-
gundo esta versão, o primeiro nome da cidade clarou que a cidade seria tomada no décimo
teria sido Eeta, mais tarde convertido em ano da guerra (v. Agamémnon). Após o de-
Caieta. sembarque mal sucedido na Mísia, quando Té-
lefo consentiu conduzir a frota para a Tróade,
CAÍRA. (Kát,pot.) Caíra é filha de um oleiro Calcas, com as suas predições, confirmou as
de Mileto que aparece na lenda de Neleu, fi- indicações de Télefo (v. Aquiles). É ele quem
lho de Codro (v. Neleu e Codro) . Devendo em Áulis, aquando da segunda partida, revela
Neleu abandonar a sua pátria, perguntou ao que a calmaria que retém a frota se deve à ira
oráculo onde devia fixar-se. O oráculo respon- de Ártemis e que esta ira não pode ser apla-
deu-lhe que encontraria uma nova pátria no sí- cada senão com o sacrifício de lfigénia (v. Ifi-
tio onde uma jovem lhe desse terra misturada génia e Agamémnon). Mais tarde, após a
com água. Neleu, errante, chegou um dia a Mi- morte de Aquiles e o suicídio de Ájax, filho
leto e pediu a Caíra que lhe desse barro mole de Télamon, anunciou aos Gregos que a cidade
para gravar a impressão de um selo. Caíra não podia ser tomada se não se obtivesse o arco
aquiesceu. Tinha-se cumprido o oráculo. Ne- de Héracles. Deste modo, Calcas está na ori-
leu apoderou-se então do poder em Mileto e gem da missão de Ulisses junto de Filoctetes
fundou três cidades nos arredores. (v. Ulisses e Filoctetes). Quando Heleno, após
CAÍSTRO. (Káua-tpoç.) Caístro é o deus de a morte de Páris, se refugiou nas florestas do
um rio da Lídia com o mesmo nome. Diz-se Ida, Calcas aconselhou os Gregos a que o fi-
que é filho de Aquiles e da Amazona Pentesi- zessem prisioneiro, porque só ele poderia
revelar-lhes como tomar a cidade (v. Heleno).
leia e Éfeso, fundador da cidade de Éfeso, era É, finalmente, quem, ao ver que a força de
seu filho. Era também pai de Semíramis, nas- nada serve, sugere a construção de um cavalo
cida de Dérceto (v. Semíramis). de madeira, graças ao qual os combatentes po-
CÁLAMO. (Ká).otµoç .) Cálamo, cujo nome derão introduzir-se na cidade e ele próprio es-
significa «cana», era filho do deus-rio Menan- teve. entre os guerreiros encerrados no cavalo.
dro na Frígia. Unia-o o amor a um jovem de No momento da partida, anunciou aos Gregos
rara beleza, de nome Carpo, que era filho do que o regresso de cada um não seria fácil por
deus Zéfiro e de uma das Horas. Quando um causa da ira de Atena, descontente com a in-

Cafira: D100. S1c., V, 55, 1. Calcas://., I, 69, 92; II, 300 e s.; escól. ad //,, II,
Caieta: VIRG., Aen., VII, 1 e s.; e SERV., ad 135; ad APOL. RH., Arg., I, 139; ad Od., Xlll,
toe.; Ov. , Mel., XIV, 441 e s.; STRAB: , V, p. 233; 159; PAUSAN., I, 43, l; HYG., Fab., 97; 128; 190;
SOLIN. , li, 13; AUR. V1CT., Orig., 10; DION. HAL., APOLLOD., Bibl. , III, 13, 18; Ep. , III, 15; 21 e s.;
I, 72; D100. S1c., IV, 56 (citando Timeu). V, 8 e s. ; V, 2 e s.; P AUSAN., I, 43, I; VII, 3, 1;
IX , 19, 6; Ov., Mel., VII, 1 I e s.; STRAB. , XIV,
Caíra: TzETz., ad Lvc., 1379. 462 e s.; SERV., ad VJRG., Ecl., VI, 72; Aen., II,
166; III, 322; CONON, Narr., 34; 6 ; QUJNT. SM. ,
Caístro: SERV., ad V1Rc., Aen., XI, 661; STRAB,,
VI, 61; XII, 3 e s.; V1RG., Aen ., li, 185; TZETZ.,
XIV, 650; PAUSAN., VII, 2, 7; Elym. Magn., s. u.
Poslh ., 645; ad Lyc., 427; 938 e s.; 1047 e s.; V. J.
Káuo,poç.
BÉRNARD, La Colonisa1ion grecque ... , pp. 394 e
Cálamo: SERV., ad VIRG ., Ecl., V, 48; NONN., s.; e J . PERRET, «Calchas et les bergers .. .», Rev.
Dion., XI, 370-481. Arch., 1937, pp. 181 e s.
CALCÍOPE 70

justiça de que fora vítima o seu protegido, ris teria sido morto por Héracles, com um
Ájax, filho de Télarnon (v. a sua lenda). Por murro. É difícil ligar estas várias lendas entre
tal motivo, Calcas, sabendo que a armada não si (v. também Calco).
chegaria a bom porto, não quis partir na sua
companhia. Embarcou com outro adivinho, CALCÍOPE. (XaÃx,mni.) Calcíope é o nome
Anfíloco, filho de Anfiarau {v. a sua lenda), de várias heroínas.
levando consigo os heróis Leonteu, Podalírio I. Urna é filha de Eurípilo, rei da ilha de
e Polipetes. O navio qu_e os transportava foi Cós. Da sua união com Héracles nasceu Tés-
atirado para a costa da Asia Menor, em Cólo- salo (quadro 18, p. 220).
fon (segundo outros, foram a pé até lá). Ora, 2. Outra é filha de Eetes, rei da Cólquida.
um oráculo, provavelmente urna profecia de Casou com Frixo, do qual teve quatro filhos:
Heleno, tinha anunciado a Calcas que ele mor- Argo, Melas, Frôntis, e Citissoro (v. quadro
reria no dia em que encontrasse um adivinho 34, p. 392).
mais hábil do que ele. Em Cólofon, encontrou
3. A terceira é filha de Rexenor (ou de Cal-
o adivinho Mopso. J unto da casa de Mopso codonte ! ) . Casou com Egeu, rei de Atenas,
havia uma figueira. Calcas perguntou: «Quan- de quem foi segunda mulher, já que a primeira
tos figos tem ela?» E Mopso respondeu: « Dez tinha sido Meta, filha de Hoples. Não podendo
mil e um rnoios e sobra um figo.» E, fe itas as ter filhos dela, Egeu foi a Delfos e, no regresso,
contas, verificou-se que Mopso tinha razão. ao passar por Trezena, gerou Teseu, unindo-
Havia também uma porca prenha. Mopso per- -se a Etra (v. Egeu e Teseu) .
guntou a Calcas: «Quantas crias tem ela e den- CALCO. (KciÀx.oç .) Calco é um rei dos Dáu-
tro de quanto tempo vai parir?» Calcas respon- nios, população antiquíssima do Sul da Itália,
deu que ela tinha oito crias . Mopso fez-lhe que estava enamorado da feiticeira Circe, no
notar que estava enganado e acrescentou que tempo em que ela recebeu a visita de Ulisses .
a porca tinha, não oito, mas nove crias, todas Mas Circe, apaixonada por Ulisses, rejeitou o
machos, e que ia parir no dia seguinte, à sexta amor de Calco . Mas como este insistia, ela
hora. E foi o que aconteceu. Calcas, então , ofereceu-lhe um banquete, durante o qual o
morreu de desgosto; outros dizem que se sui- rnetarnorfeseou em porco, encerrando-o de se-
cidou. Enterraram-no em Notion, perto de Có- guida numa pocilga . Vendo que o seu rei não
lofon . Cónon dá outra versão da rivalidade en- voltava, os Dáunios foram buscá-lo à força .
tre os adivinhos: o rei da Lícia estava a Circe consentiu em restituí-lo, sob a sua fo rma
preparar uma expedição. Mopso aconselhou- humana, mas com a condição de que ele não
-o a que a não levasse por diante, dizendo-lhe voltasse a pôr os pés na sua ilha, nem para lhe
que seria vencido. Calcas, pelo contrá rio , fazer declarações de amor, nem por outro mo-
garantiu-lhe a vitória. O rei, tendo partido para tivo, fosse ele qual fosse.
a guerra, foi vencido. Este facto fez subir are-
putação de Mopso, mas fez com que Calcas se CALCODONTE. (XcxÀxwôwv.) 1. Calco-
suicidasse de desespero. donte é um herói de Eubeia, filho de Abas,
Contava-se a inda outra história a respeito da epónimo dos Abantes, e pai do herói Elpenor
sua morte. Calcas tinha plantado urna vinha que participou na Guerra de Tróia (v. Elpe-
no bosque de Grínio, na Mísia, bosque consa- nor). Foi morto por Anfitrião durante uma ex-
grado a Apolo . Um profeta da vizinhança pedição levada a cabo pelos Tebanos contra os
predisse-lhe então que jamais beberia do vinho Eubeus, para se libertarem de um tributo q ue
da sua vinha . Calcas riu-se dele. A vinha cres- estes lhes haviam imposto. Mostrava-se o seu
ceu, produziu frutos, depois vinho, e, no dia túmulo não longe de Cálcis. Calcodonte teve,
em que se devia beber do vinho novo, Calcas além de Elpenor, urna filha, Calcíope, que ca-
convidou as pessoas da vizinhança, incluindo sou com Egeu em segundas núpcias (v. Cal-
o adivinho que lhe tinha feito a predição . No dope).
momento em que a taça já estava cheia e Cal- Com o mesmo nome são mencionados ou-
cas se preparava para beber, o rival repetiu-lhe tros heróis:
que ele não provaria deste vinho. Calcas pôs- 2. Um companheiro de Héracles na expedi-
-se a rir com tanta força que sufocou e mor- ção contra a Élide.
reu sem ter podido levar a taça aos lábios 3. Um dos pretendentes de H ipodam ia
(v. Antfnoo). morto por Enómao (v. Hipodamia) .
As lendas da Itália meridional fa lam de um 4. Finalmente, um dos defensores de Cós
Calcas, também adivinho, cujo túmulo era co- contra Héracles, aquando do ataque dirigido
nhecido em Síris, no golfo de Tarento. Havia pelo herói contra Eurípilo (v . Eurfpilo e Hé-
também um Calcas a cujo santuário as pessoas racles). Calcodonte foi ferido por Héracles e
iam dormir, para conhecerem o futuro pelos só conseguiu salvar-se graças à intervenção de
sonhos. Este santuário ficava na região do Zeus, que o tirou a tempo do campo de bata-
monte Gargano, no Adriático. O Calcas de Sí- lha.

Calcíope: l) A POLLOD., Bibl., (( , 7. 8; //., li, Calco: PARTH ., Erot., 12.


676 e s.; e escól. ad loc.; PLuT., Qu. Gr., 58; Calcodonle: 1) APOLLOD., Bib/., lll , 10, 8; li.,
HYG., Fab ., 254; cf. 97 . 2) APOLLOO., Bibl., (, 9, li , 54 1; IV, 464; e escól. ad li., li, 536; EusT., ad
!; H1G ., Fab., 3; 14; APOL. RH., Arg., li , 1140 e s. Hom., p . 281, 45 ; TZETZ ., ad Lyc., 1034; PAU·
e escól. ad loc.; TZETZ., ad Lyc., 22. 3) APOLLOD., SAN., V III , 15, 6-7; IX, 17, 3; 19, 3. 2) PA USAN. ,
Bibl., III, 15, 6; T ZETZ., ad Lyc., 454; ATHEN., Vlll, )5, 6 . 3) PAUSAN ., VI, 21, 7. 4) A POLLOD.,
XIII, 556 F . Bibl., li, 7, I; Ptur., Qu. Gr., 58.
71 CALÍRROE

CÁLCON . (Xáhwv.) 1. Cálcon é um herói árbitro entre Perséfone e Afrodite, na querela


natural de Ciparisso, no monte Parnasso. Um que tiveram a propósito de Adónis.
oráculo aconselhou Nestor que desse Cálcon
a seu filho Antiloco como conselheiro e escu- CALÍPOLIS. (KcxHí1toÀ,ç.) Filho de Alcá-
deiro . Quando se deu o combate entre Aqui- too, foi morto pelo próprio pai por ter pertur-
les e Pentesileia, rainha das Amazonas, Cál- bado a celebração de um sacrifício. Em Mé-
con, que a amava, correu a ajudá-la, mas foi gara, mostrava-se o sítio onde ficava o seu
morto por Aquiles. O cadáver foi suspenso túmulo (v. Alcátoo).
numa cruz pelos Gregos, para castigar a sua CALIPSO. (KcxÀvq,w.) 1. Calipso é, segundo
traição. alguns, uma ninfa filha de Atlas, ou, segundo
2. Existe outro Cálcon, filho de Metíon outros, filha do Sol (Hélio) e de Perseide (o que
(v. Abas). faria dela irmã de Eetes e de Circe; v. as suas
CALÍDICE. (Kw,ô(xT).) Calídice é uma rai- lendas). Vivia na ilha Ogígia, que os autores
nha dos Tresprotas, desposada por Ulisses situam no Mediterrãneo ocidental e que, sem
quando ele, depois de regressar a Ítaca, teve dúvida, se identifica com a península de Ceuta,
de voltar a partir, conforme o que predissera em frente de Gibraltar. Calipso, «aquela que
Tirésias. Ulisses teve dela um filho de nome Po- esconde», albergou Ulisses quando náufrago.
lipetes, que reinou no seu território à morte de A Odisseia conta como ela o amou e o guar-
sua mãe, enquanto Ulisses voltava para Ítaca . dou consigo durante dez anos (sete, dizem ou-
(V. Ulisses e quadro 39, p. 460). tros, ou até um ano), oferecendo-lhe em vão
a imortalidade. No fundo do coração, Ulisses
CALIDNO. (KáÀvÔvoç.) Filho de Úrano, é acalentava o desejo de regressar a Ítaca e não
considerado por algumas tradições como rei de se deixou seduzir. Calipso morava numa gruta
Tebas, predecessor de Ógigo. Era a ele que se profunda, com várias salas, que dava para uns
atribuía, em alguns casos, a construção das jardins naturais, um bosque sagrado com ár-
muralhas e das torres da cidade, enquanto a vores enormes e fontes que corriam por entre
tradição mais divulgada fazia de Anfíon e Zeto a relva. Passava o tempo a fiar, a tecer, com
os autores de tais obras (v. Anfíon). as suas servas, que também eram ninfas e que
CÁLIDON. (KcxÀvowv.) 1. Herói epónimo iam cantando enquanto trabalhavam. A pe-
da região de Cálidon, na Etólia, a norte do dido de Atena, Zeus mandou Hermes ter com
golfo de Corinto. É filho de Etolo e de Pró- Calipso para lhe ordenar que libertasse Ulis-
noe (v. Etolo e quadro 26, p. 272). Casou com ses. Calipso, contra a vontade , deixou partir
Eólia, filha de Amitáon, da qual teve duas fi- aquele que amava. Deu-lhe madeira para fa-
lhas, Epicaste e Protogenia. zer uma jangada e provisões para a viagem.
2. Há outras tradições que fazem de Cáli- Indicou-lhe também por que astros devia orien-
don filho de Téstio. Quando este, após uma tar a sua navegação.
longa estada, voltou de Sícion, encontrou Cá- As lendas posteriores à Odisseia atribuem a
lidon deitado ao lado de sua mãe. Pensando, Ulisses e a Calipso um filho, de nome Latino
erradamente, que estavam a cometer incesto, (na maior parte dos casos tido por filho de
matou-os. Mais t~rde, reconhecendo o engano, Circe); às vezes, conta-se que tiveram dois fi-
atirou-se ao rio Axeno, que a partir de então lhos: Nausítoo e Nausínoo, cujos nomes evo-
ficou a chamar-se Téstio, antes de ter, defini- cam a palavra navio (Ncxü,;). Finalmente, é-lhes
tivamente, o nome de Aqueloo. Dizia-se ainda ainda atribuído O).ltro filho, Áuson, epónimo
que Cálidon era filho de Ares e de Astínome. da Ausónia (v. Auson e Ulisses; quadro 39,
E como tinha visto· Ártemis a banhar-se, foi p . 460).
transformado num rochedo, numa serra cha- 2. Calipso é também o nome de uma das fi-
mada Cálidon, junto do Aqueloo (v. também lhas de Tétis e Oceano.
Aqueloo). CALÍRROE. (KcxU,ppÓT).) Calírroe, que sig-
CALÍOPE. (KcxÀÀ,ó1tT).) Uma das Musas. nifica «belo regato», é nome de várias heroí-
Ainda que a princípio as suas funções, tal como nas.
as das suas irmãs, não estivessem especifica- 1. A primeira é filha de Oceano e de Tétis.
das, a partir da época alexandrina é-lhe atri- Foi ela que, unida a Crisaor, filho da Górgona
buído como seu domínio a poesia lírica. Às ve- (ou Górgone), deu à luz os monstros Gérion
zes, é considerada mãe das Sereias (também e Equidna (quadro 33, p. 388). Com Posídon
Sirenes ou Sirenas), de Lino e de Reso (v. es- teve Mínias; com Nilo, Quíone; e com o pri-
tes nomes). Figura ainda em certas lendas como meiro rei da Lídia, Manes, gerou Cótis.

Cálcon: 1) Eusr., ad Hom. , p. 1697, 54. 2) V. Calípolis: PAU SAN., 1, 42, 7; 43, 5.
Abas 1.
Calipso: 1) APO LLOD., Epit., VII, 24; Od., V,
Calídice: APOLLOD . • Ep., VII , 34; cf. Ep. Gr. 13-281; VII, 243- 166; H va., Fab., 125; JoH. Lvo.,
Fragm. (ed. Kinkel). p. 57 e s. De mens., l, 13; Eusr., ad Hom., p . 1796; Tzerz.,
Calidno: Tzerz., ad Lyc., 1206; 1209; STEPH. ad Lyc., 174. Cf. P_Ror., I, 15, 9; Ov., Ars am.,
Bvz., s. u. K,Huôva. li , 125; v. também Auson. V. BÉRARD, Les naviga-
tions d'U/ysse, t. lll, pp. 213 e s.; A . M E1LLET, in
Cálidon: 1) APOLLOD., Bibl., I, 7, 7 . 2) Ps. - Rev. des Et. e,.. 1919, pp. 384 e s. ROHDE,
-PLUT., De fluu., 22, 1 e 4. Griech. Roman, Leipzig, 1934, p. 2; A. FERRA-
Calíope: H va., Astr. Poet., II , 7; escól. ad II., BINO, Kalypso, Turim, 1914, pp. 257 e s . 2) Hes.,
X, 435 ; APOLLOD., Bib/., [, 3, 4. Theog., 369.
CALISTO 72

2. Há oÚtra Calírroe, filha do deus-rio Uniu-se a ela, tornando a forma de Árternis,


Aqueloo. Casou-se com Alcrnéon, de quem porque Calisto fugia de todos os homens. Se-
teve dois filhos: Anfótero e Acárnan (quadro gundo outros, tornou a forma de Apolo, deus
1, p. 8). Depois de o marido ter sido morto pe- arcádio, irmão de Ártemis. Com ele, gerou Ár-
los filhos de Fegeu, foi amada por Zeus, a cade. Estava Calisto grávida de Árcade
quem pediu que fizesse crescer imediatamente quando, um dia, Árternis e suas companhei-
os seus dois filhos e lhes desse força para vin- ras resolveram banhar-se numa fonte. Calisto
garem o pai. Zeus satisfez-lhe o pedido e foi teve de se despir e a sua falta foi revelada. Ár-
assim que ela se vingou (v. Acárnan). Estas ternis, muito zangada, expulsou-a e transfor-
desgraças sucederam porque Calírroe cobiçara mou-a em ursa. Diz-se também que esta trans-
o colar e a veste de Harmonia (v. Cadmo), pre- formação se deveu ao ciúme de Hera, ou ainda
sentes divinos a que andava ligada urna mal- a urna precaução tomada por Zeus, que quis
dição. disfarçar a sua amante e, com este disfarce,
3. O deus-rio Escarnandro tinha urna filha poupá-la à vingança da sua esposa. Hera, to-
também chamada Calírroe. Casou-se com davia, conseguiu descobri-la e convenceu Ár-
Trós, de quem teve quatro filhos: Cleópatra, ti;mis a matá-la com uma flecha; ou, então, foi
Ilo, Assáraco e Ganimedes (v. quadro 7, Artemis que tomou a iniciativa de a matar,
p. 112). Relaciona-se com a Tróade urna Ca- para a castigar por ela não ter guardado a vir-
lírroe, talvez idêntica à precedente; era uma gindade. Zeus transformou-a numa constela-
ninfa amada de Páris no tempo em que ele ção, a Ursa Maior (v. ainda outras variantes
guardava rebanhos no Ida, antes da sua aven- da lenda, a propósito de Árcade, quadro IO,
tura com Helena. Por Helena, Páris deixou Ca- p. 132).
lírroe, que, diz-se, chorou muito tempo o seu Atribuem-lhe alguns um segundo filho, o
amor perdido. deus Pã, irmão gémeo de Árcade.
4. Outra Calírroe é urna filha do rei da Lí- 2. Sobre outra Calisto, irmã de Ulisses, v.
bia, Lico. Após a G uerra de Tróia, Diornedes quadro 39, p. 460.
foi atirado pela tempestade para as costas do
seu reino. Lico fê-lo prisioneiro e ia sacrificá- CAMBLES. (Káµ~ÀYJç.) Cambies era um rei
-lo a Ares, quando Calírroe, enamorada do he- da Lídia, tão ávido de comida que devorou a
própria esposa. Em seguida, matou-se de des-
rói , o libertou. Mas este abandonou-a. Levada
gosto. Em vez de se chamar Cambies, este rei
pelo desespero, enforcou-se.
aparece às vezes com o nome de Camblete (v.
5. Calírroe é ainda o nome de urna fonte também lárdano) .
perto de Calídon. Contava-se que era urna ra-
pariga que tinha rejeitado o amor de um sa- CAMBLETE. V. Cambies.
cerdote de Dioniso, chamado Coresso. Este
queixou-se do seu insucesso a Dioniso, que es- • CAMENAS. (Camenae.) Em Roma, as
palhou pela região urna epidemia de loucura. Camenas são as ninfas das fontes . Tinham um
Os habitantes consultaram o oráculo de Do- santuário num bosque sagrado não longe da
dona, que revelou que, para aplacar o deus, Porta Capena (um pouco a sul do Célio), no
lugar onde havia também um templo de Egé-
era preciso oferecer em sacrifício a jovem, ou
ria (v. Egéria). Estas ninfas foram desde an-
outra pessoa que a substituísse, no altar em que
Coresso oficiava. No momento em que Co- tiga data assimiladas às Musas.
resso ia sacrificar Calírroe, voltou a apoderar- • CAMERTE. (Camers.) Carnerte é um rei
-se dele o amor que por ela sentia, não teve lendário de uma cidade mítica, chamada Ami-
força para o fazer e matou-se. Calírroe, de ver- clas, situada entre Terracina e Caieta. É filho
gonha, suicidou-se junto de urna fonte que pas- de Volscente. A sua cidade tinha desaparecido
sou a ter o seu nome. na época clássica, devido a uma invasão de ser-
CALISTO. (KcxÀÀ,cr,:w.) 1. A lenda de Ca- pentes.
listo é um mito arcádio: Calisto, segundo cer- • CÂMESES. Cârneses é o nome de um rei
tos autores, era uma ninfa dos bosques, se- antiquíssimo que, segundo uma tradição muito
gundo outros era filha do rei Licáon, ou ainda obscura, teria reinado no Lácio no tempo em
de Nicteu . Jurara manter-se virgem e passava que o deus Jano lá chegou, vindo exilado da
os seus dias nos montes a caçar, com as com- Tessália, sua pátria. Câmeses deu guarida ao
panheiras de Árternis. Zeus viu-a e amou-a. fugitivo e partilhou com ele o seu reino. Ou-

Calfrroe: 1) HEs., Theog., 288 e s.; Hymn. 155 e s.; SERV ., ad V!RG., Georg., [, 138; PAUS., [,
hom. Dem. , 419; T ZETZ., ad Lyc., 651; 874; Hvo:, 25, I; VIII, 3, 6 e s.; 4, 1; X, 9, 5; cf. TZETZ., ad
Fab., 111; APOLLOD. , Bibl., II, 5, 10; SERV., ad Lyc. , 478; 481 ; cscól. ad EuR., Rh ., 36; ad
V!RG., Aen. , IV, 250; DION. HAL., [, 27. 2) V. THEÓCR., ], 3. 2) V. Ulisses.
Alcméon e Acárnan; APOLLOD., Bibl., III, 7, 5; Cambies: ATEN., X, 416 C; cf. AEL., VH, I, 27;
PAUSAN., VIII, 24, 9. 3) APOLLOD., Bib/., III, 12, N1c. DAM., in Fragm. Hisl. gr. (Müller), III,
2; escól. ad li., XX, 232; a PtRSIO, [, 134; p. 372, 28.
4) PLUT., Parai. Grg. el Rom ., XXIII; S) PAU-
SAN., VII, 21 , 1. Camenas: SER V., ad V!RG., Ecl., VII, 21 (ci-
tando VARRÃo); L1v ., 1, 21, 3; PLUT., Num., 13.
Calisto: 1) ERATOSTH., Cal. 1 e s.; Vlll; APOL- Camerte: PuN ., N. H ., lll, 59. VIII , 109;
LOD., Bibl., III, 8, 2; escól. Ven. ad II., XVIII, SERV., ad V1Rc., Aen., X, 564; cf. X, 561 e s.
487; CALfM., Hymn. Z., 40; CATUL., LXVI, 66;
THEOCR,. [, 125; HYG., Aslr. Poel. , II, l; Fab., Câmeses: PLuT., Qu. Rom., SERV., ad V1RG .,
155; 176; 177; Ov., Mel., II, 409 e s.; Fasl., II, Aen., VIII, 330.
73 CAPANEU

rante algum tempo, ambos reinaram em con- çada, a feiticeira Circe repara em Pico e fica
junto, mas, quando Câmeses morreu, Jano rei- por ele apaixonada. Para o afastar da comi-
nou sozinho. tiva que o acompanhava, Circe transforma-o
em javali, tencionando restituí-lo depois à sua
* CAMILA. (Camila.) A lenda de Camila forma normal. Mas Pico, separado da mulher,
é uma lenda virgiliana, narrada na Eneida e,
definha, e, quando Circe lhe faz a declaração
sem dúvida,"baseada em contos populares itá-
de amor, repele-a. Então ela, enraivecida,
licos e também imitada da história de Harpá-
transforma-o em ave (em picanço). Entretanto,
lice (v. este nome). Camila era filha de Métabo,
Canente desespera. Anda de um lado para o
rei dos Volscos de Privemo. Expulso da sua outro durante seis dias e seis noites à procura
cidade pelos seus inimigos após a morte de sua
de Pico, e acaba por se deixar cair esgotada nas
mulher Casmila, Métabo, perseguido por sol-
dados armados, fugiu com sua filha ainda pe- margens do Tibre. Aí, canta pela última vez,
quenina, mas, no momento em que ia escapar- dissolvendo-se no ar.
-lhes, deparou com a torrente do Amaseno, CANOPO. (Kávw-n:oç.) Canopo é o herói que
pequena ribeira do Lácio. Então, para salvar deu o nome a uma cidade egípcia e a um braço
a filha, teve a ideia de a amarrar a uma haste de rio da foz do Nilo (Canopo), perto de Ale-
resistente que tinha consigo, de maneira a po- xandria. Oriundo de Amiclas, era o piloto de
der atirá-la para a outra margem. E fez voto Menelau, quando este, após a queda de Tróia,
a Diana de lhe consagrar a filha se esta se sal- foi para o Egipto com Helena (v. as suas len-
vasse. A criança atingiu a margem oposta. Ele das). Canopo era um jovem de rara beleza.
passou a ribeira a nado, e ambos viveram du- Teónoe, filha de Proteu, rei do Egipto (v. este
rante muito tempo nos bosques, sós. A rapa- nome), amou-o, mas não foi correspondida.
riga acostumou-se a esta existência a ponto de Um dia em que Canopo foi a terra, foi picado
não poder suportar a vida nas cidades. Caçava, por uma serpente e morreu. Menelau e Helena
exercitava-se na guerra e tomou parte na luta enterraram-no e construíram-lhe um túmulo na
contra Eneias, durante a qual cometeu nume- ilha de Canopo. Das lágrimas choradas por
rosas proezas, semelhantes às das Amazonas Helena nessa altura nasceu uma planta, o he-
gregas. Mas foi morta pelo herói Arrunte. lenion.
Outra tradição faz de Canopo piloto do deus
CAMPE. (Káµlt7).) Campe era um ser mons- egípcio Osíris. Teria sido também piloto da nau
truoso do sexo feminino, a quem Crono con- Argo, e tanto o piloto como a nau foram ele-
fiara a guarda dos Ciclopes e dos Hecatonqui- vados à categoria de constelações.
ros, que ele havia encerrado nos Infernos.
Zeus, quando um oráculo lhe prometeu a vi- CÁON. (Xáwv.) Cáon é o herói epónimo da
tória contra Crono e os Titãs, se tivesse a ajuda Caónia, uma região do Epiro. Era irmão (ou
dos Ciclopes, matou Campe e libertou-os. amigo) de Heleno, com quem foi levado para
o Epiro por Neoptólemo (v. Heleno). Tendo
CÂNACE. (Kixváx11.) Cànace é uma das fi- Cáon morrido num acidente de caça, Heleno,
lhas de Éolo e Enarete (v. Éolo e quadro 8, que após a morte de Neoptólemo se tornara rei
p. 116). Ovídio (seguindo, sem dúvida, Eurí- daquela região, deu, em memória de Cáon, o
pides) conta que ela teve um filho de Macareu, nome dele a uma parte do seu reino. Segundo
seu irmão. Preparava-se a ama para levar a outras versões, Cáon sacrificou-se pelos seus
criança do palácio, a fim de a expor, dissimu- compatriotas, oferecendo-se como vítima vo-
lada debaixo de uns objectos sagrados, como luntária aos deuses, durante uma epidemia .
se fosse celebrar um sacrifício. Foi então que
a criança deu um grito, revelando assim a sua CAOS. (Xáoç.) Caos é a personificação do
presença a Éolo. Este atirou a criança aos cães Vazio primordial, anterior à criação, no tempo
e mandou uma espada a sua filha, com a or- em que a ordem a inda não tinha sido imposta
dem de que se suicidasse. Cànace teve de Po- aos elementos do mundo. Gerou Érebo e a
sídon vários filhos (v. quadro 11, p. 142). Noite (Nyx), e depois o Dia (Hémera) e o Éter.
Às vezes, pelo contrário, é apresentado como
* CANENTE. (Canens.) Canente é uma filh~ do Tempo (Crono) e irmão de Éter.
ninfa do Lácio que personifica o Canto. Está
casada com o rei Pico, que reina sobre os Lau- CAPANEU. (Kixrcixvtúç.) Capaneu é um dos
rentes (a sul de Óstia), e ambos se amam ter- príncipes de Argos que marcharam contra Te-
namente. Mas um belo dia, durante uma ca- bas, aquando da expedição dos Sete (v. Anfia-

Camila: V1RG., Aen., XI, 531 e s.; 641 e s.; 759 1'<au~~. p. 291 e s .); Ov. , Her ., XI; cf. L. S~CHAN,
e s.; 838 e s.; HlG., Fab .• 252; SERV . , ad VIRG ., Études, pp. 233 e s.
Aen., 1, 317. Canente: Ov., Mel., XIV, 320 e s. V. também
Campe: APOLLOD., Bibl., 1. 2. l; N O NN., Dion.,
Pico.
XVlll, 237 e s.; D100. S1c.• III , 72; cf. Ov ., Fast .• Canopo: CoNON, Narr., 8; TAC., Ann., li, 60;
III, 799 e s. STRAB. , XVII, 801; SERV., ad V!RG., Aen., XI,
263; Georg., IV, 287; Hvc., Astr. Poel., II, 32;
Cinace: APOLLOD., 1, 7 , 3; D10 0. S1c., V, 61; E usT., Cat. , 37.
CALIM ., Hymn. Dem., 99; HYG . , Fab., 238; 242;
Cáon: SERV., ad VIRG . , A en., III, 297; 334; 335.
243; Ov., Her., l l; Srne., Flor., 64, 35; SERV., ad
VJRG., Aen., 1, 75; escól. ad ARISTOPH, Nu .• 1371; Caos: HES., Theog., 116 e s.; PLAT., Smp. , 178
R. 849; PLUT., Parai/. min .• 312 e; EURfP. , Trag. B; VIRG., Geórg. , IV, 347; Ov .• Met., 1, 7; H YG.,
Éolo, perdida, sobre este assunto (Fr. Tr. Gr. , ed. Fab . , pr.
CÁRCABO 74

rau, Adrasto). É filho de Hipónomo. É um ho- levou-o para o céu, para o meio das constela-
mem violento, de estatura gigantesca; não teme ções: é o signo de Câncer.
os deuses e, no primeiro ataque à cidade, lança- Na interpretação evemerista do mito de
-se, resolvido a incendiá-la, mas um raio de Lema, imaginou-se que Cárcino era um chefe
Zeus detém-no no momento em que ele vai es- militar que foi em socorro do rei Lemo, ata-
calar a muralha de Tebas e mata-o. Evadne, cado por Héracles, e que foi morto pelo herói
sua mulher, atirou-se à fogueira em que o (v. Lerno e Héracles) .
corpo dele era incinerado.
CÁRIA. (Kcxpúcx.) Cária é uma donzela da
Esténelo, que participou na guerra contra
Lacónia que foi transformada em noz (Carya,
Tróia, era filho de Capaneu (v. sua lenda).
em grego, significa «noz») (v. Di'on).
• CÁPIS. (K,hruç.) 1. A //{ada menciona um Há outra lenda que considera Cária uma Ha-
Cápis entre os antepassados de Eneias. Era fi- madríade, nascida do incesto de Óxilo, filho
lho de Assáraco e teve de T emiste dois filhos: de Orio, e de sua irmã Hamadríade.
Ilo e Anquises (v. quadro 7, p. 112). As len-
das posteriores atribuem a Eneias um compa- CARÍBDJS. (Xápu~81,.) No rochedo que,
nheiro com o mesmo nome, que teria fundado perto de Messina, se estende ao longo do es-
a cidade de Cápua, na Campânia, mas também treito que separa a Itália da Sicília, vivia ou-
trora um monstro de nome Caríbdis. Era uma
se dizia que Cápua tinha sido fundada por
filha da Terra e de Posídon. Durante a sua vida
Romo, um dos filhos de Eneias, e que ele lhe como ser humano, tinha-se revelado de uma
tinha posto este nome em memória do bisavô voracidade extrema. Quando Héracles passou
(v. também Egetes).
nesta região , levando consigo os rebanhos de
Cápis, companheiro de Eneias, é também
Gérion, Caríbdis roubou-lhe alguns animais e
considerado fundador da cidade de Cáfias, na devorou-os. Zeus castigou-a, fulminando-a
Arcádia. com um raio e precipitando-a no mar, onde se
2. Há também autores que dizem que o fun- transformou em monstro. Caríbdis absorvia
dador de Cápua não foi um troiano, mas sim três vezes por dia uma grande quantidade de
um samnita homónimo. Na verdade, parece
água do mar, arrastando para as suas fauces
que o nome de Cápua deriva de uma palavra
tudo o que flutuava. Deste modo, engolia os
etrusca que significa Falcão e, de um modo ge- navios que se encontravam nestas paragens.
ral, todos os animais «que têm garras». Depois, expelia a água que tinha absorvido.
CÁRCABO. (Kcxpxá~oç.) Cárcabo é filho de Quando Ulisses passou o estreito de Messina,
Tríopas, rei dos Perrebos, que reinava no None da primeira vez escapou ao monstro; mas de-
da Grécia entre a Macedónia e a Trácia. Trío- pois do naufrágio que se seguiu ao sacrilégio
pas era um tirano cruel e seu filho matou-o cometido contra os bois do Sol (v. Ulisses), foi ·
· para libertar a pátria, mas, após o parricídio, arrastado, sobre o mastro do navio naufra-
exilou-se voluntariamente e foi purificado por gado, pela corrente de Caríbdis. Teve, toda-
Trós, rei de Tróade, junto do qual tinha pro- via, a habilidade de se agarrar a uma figueira
curado exílio. Este, além disso, outorgou-lhe que crescia à entrada da gruta onde o mons-
um território, no qual ele fundou a cidade de tro estava escondido. Depois, quando o mas-
Zelia. Pândaro, seu descendente, combatia do tro, vomitado por Caríbdis, voltou a sair, Ulis-
lado dos Troianos. ses agarrou-se a ele e prosseguiu a viagem.
A um tiro de arco de Canbdis, do outro lado
· CÁRCINO. (Kcxpx(soç.) Cárcino, cujo nome do estreito, havia outro monstro à espreita dos
em grego significa «caranguejo», é um caran- navegantes: era Cila (v. a sua lenda).
guejo que vivia no pântano de Lema. Durante
a luta de Héracles com a hidra, mordeu o he- CARICLO. (Xcxp,xÀw.) I. Caricio é uma fi-
rói no calcanhar. Héracles, furioso, esmagou- lha de Apolo (segundo outros, de Oceano) que
-o. Mas Hera, para recompensar Cárcino por casou com o Centauro Quíron. Foi ela quem
ter contribuído para a perseguição de Héracles, educou Jasão e Aquiles.

Capaneu: //., li, 564, !V, 403; STAT., Teb., l!I, Cárcabo: Escól. ad li., 1V, 88.
604; !V, 176; V[, 731 e s.; x. 827 e s.; AESC I<.,
Th., 422 e s.; SorH., Oed. Col., 1319; Ant., 134 e
Cárcino: ERATOSTH., Cal., x i; P ALEPH . ; lnc.,
39; T ZETZ., Chi/., li, 239.
s.; EuR., Phoen., 1191 e s.; 1202; Supp., 496 e s .;
fph . Aul., 246; P AUSAN . , IX, 8, 7; APOLLOO., Cária: SERV., ad VJRG., Ecl., VI!!, 30; ATEN.,
Bibl., !li, 6, 3; 6, 7; 1; H YG . , Fab., 10; 71; Ov., 111 , 78 b; E usT. , ad. Hom .. p. 1964, 15.
Mel., IX, 404; 0100. S1c., IV, 65, 8. Cf.. Ctt. PI - Caríbdis: Od., XII, 73 e s.; 104 e s.; 234 e s.; 430
CA RD, «Les büchers sacrés d'Eleusis». Rev. Hist. e s.; APOL. RH., Arg., [V, 789; 825 (e escól. ad.
Rei., 1933, pp. 137 e s.; w. NESTLE, in A. R. w., loc.); APOLLOO . , Bibl., l, 9, 25; Ep., VII, 23 e s.;
1936, pp. 248 e s. H rG., Fab., 125; 199; SERV., ad V1RG. , Aen., 111,
Cápis: li. , XX, 239; APOLLOD., Bibl. , 111, 12, 2; 420; TzETz., ad Lyc., 45; 743; 818; Ov., Mel.,
HECAT., ap. Fragm. Hist. gr., ! , p. 18 (Jac.); Vil, 63; V1RG., Aen . , 111, 4 18 e s.; 555 e s.;
DION. H AL., ! , 71, 1 e s.; 83, 3; STRAB., VII[, 608; STRAB., V[, 268. V. 8ÉRARI), Navig. d'Ulysse, t.
VrRG . , Aen., !, 183; X, 145; SERV., ad V1R G., IV, pp. 390-405.
Aen ., !, 2 e 242; 272; 284; li, 35; X, 145; STAT.,
Silv., III, 5, 77; Ov., Fast. IV, 34, TzETZ., ad Caricio: 1) PIND., Pyth., IV, 181 e escól.; APOL.
Lyc., 1232; L,v., IV, 37. Cf. J. BÉRARD, Colonisa- RH., Arg., I, 564 e escól., IV , 8 13; Ov., Mel., li,
tion, p. 380; J. H EURGON, Capo ue pré-romaine, 636. 2) Pt.u-r •• Thes., 10. 3) APOf.1 .01)., Ili, 6, 7;
pp. 144 e s. C A I.IM., B. Pai., 57 e s.
75 CARMENTA

2. Há outra Caricio, filha de Circeu, rei bros. Duas delas olham numa direcção , a do
de Salamina. Tendo casado com Ciro, rei de meio olha na direcção contrária. Têm Zeus
fylégara, teve uma filha, Endeis, que casou com como pai, e como mãe Eurínome, filha de
Eaco. Oceano, mas, às vezes, a sua mãe é Hera em
3. Finalmente, é conhecida uma ninfa Ca- lugar de Eurínome.
ricio, mãe do adivinho Tirésias. Esta Caricio Atribui-se às Graças toda a espécie de in-
era uma das companheiras favoritas de Atena, fluências nos trabalhos do espírito e nas obras
que a deixava subir para o seu carro. Um dia de arte. Foram elas que teceram a veste de Har-
em que as duas divindades se banhavam na monia (v. Cadmo). Acompanham de bom
fonte de Hipocrene, no monte Hélicon, Tiré- grado Atena, deusa dos lavores femininos e da
sias, que andava à caça nas proximidades, tam- actividade intelectual e também fazem compa-
bém veio à fonte , onde viu Atena completa- nhia a Afrodite, a Eros e a Dioniso.
mente nua. A deusa cegou-o imediatamente. CARMANOR. (Kapµcivwp .} Carmanor era
Como Caricio lhé censurasse a crueldade para um sacerdote de Creta, pai de Êubolo I! de Cri-
com o seu filho, Atena explicou-lhe que todo sótemis (v. Carme e Crisótemis). Foi ele quem,
o mortal que visse um imortal contra a von- contavam os Cretenses, acolheu Apolo e Ár-
tade dele devia perder o uso da vista, mas, para temis, após o assassínio de Píton, e os purifi-
a consolar, concedeu a Tirésias dons maravi- cou . Acobertou também em sua casa os amo-
lhosos. Em primeiro lugar, deu-lhe um bastão res de Apolo e Acacális (v. Acacális).
de cerejeira brava, graças ao qual podia
orientar-se tão bem como se tivesse vista; de- CARME. (KcipµTj.) Carme é o nome da mãe
pois, «purificou-lhe» os ouvidos, de tal sorte de Britomártis, que gerou de Zeus, em Creta
que ele compreendia a linguagem das aves. Foi (v. Britomártis). É considerada fi lha de Êu-
assim que adquiriu o dom da profecia. Além bolo, filho de Carmanor (v. Carmanor).
disso, prometeu-lhe que, depois da morte, con- Segundo outros autores, Carme é filha de
servaria no Hades todas as suas faculdades in- Fénix, um dos filhos de Agenor (v. quadro 3,
telectuais e, sobretudo, a faculdade de profe- p . 66); sua mãe é Cassiopeia. Contava-se que,
tizar (v. Tirésias). já velha, tinha sido levada como prisioneira
para Mégara e dada por ama a Cila, filha do
CÁRILA. (Xap[Àa.) Cárila era uma orfãzi- rei Niso (v. Cita).
nha que vivia outrõra em Delfos. Durante um
período de carestia provocada pela seca, Cá- • CARMENTA. (Carmenta.) Na lenda ro-
rila foi pedir à porta do rei a esmola de um pu- mana, Carmenta é mãe de Evandro. Chegara
nhado de trigo, mas o rei, em vez de lhe dar com ele da Arcádia, quando Evandro foi exi-
o que ela pedia, escorraçou-a brutalmente com lado deste país e teve de procurar refúgio no
um pontapé na cara. Cárila, desesperada, Ocidente (v. Evandro). O nome Carmenta não
enforcou-se. Então, a seca intensificou-se. é, segundo se diz, o que ela usava na Arcádia.
O oráculo, interrogado, respondeu que, para Tanto se diz que o seu primitivo nome era Ni-
acabar com a seca, era preciso expiar a morte cóstrata, como Témis, Timandra (ou ainda Tel-
de Cárila . Por isso, de nove em nove anos, pusa). Dizia-se que era uma ninfa, filha do rio
celebrava-se em Delfos uma festa expiatória , Ládon e teria sido em Roma que lhe deram o
durante a qual se procedia a uma distribuição nome de Carmenta, porque possuía o dom da
de trigo, e, em procissão, se enterrava, numa profecia (de carmen, «canto mágico»). Foi o
campa cavada na serra, uma boneca com uma conhecimento que tinha dos oráculos e dos des-
laçada de junco ao pescoço, à qual se punha tinos que lhe permitiu escolher o sítio «feliz»
o nome de Cárila. entre todos os lugares de Roma para instalar
o filho. Quando Hércules foi a Palanteu, ao
CÁRITES. (Xcipmç.) As Cárites, em latim regressar da expedição contra Gérion (v. Hé-
Graças (Gratiae), são divindades da Beleza e racles), Carmenta profetizou-lhe o destino que
talvez, na origem, forças da vegetação. São elas o esperava (v. Caco). Viveu uma longa vida,
que espalham a alegria na natureza e no cora- pois morreu com cento e dez anos. O seu fi -
ção dos homens e até no dos deuses. Moram lho sepultou-a no sopé do Capitólio, não longe
no Olimpo, na companhia das Musas, com as da Porta Carmental, assim chamada em me-
quais, às vezes, formam coros. Fazem parte do mória da profetisa.
séquito de Apolo, o deus músico . Geralmente, Contava-se que Carmenta não era mãe de
são representadas como três irmãs que têm os Evandro, mas sim sua mulher, e, para expli-
nomes de Eufrósina, Talia e Aglaia, três don- car a exclusão das mulheres do culto de Héra-
zelas nuas agarradas umas às o utras pelos om- cles na Ara Maxima, dizia-se que ela, tendo

Cárila: PLUT., Qu. Gr., 12. Carmanor: P ALISAN ., li, 7, 7; 30, 3; X, 7, 2; 16, 5.
Cárites: li., V, 338; XVIII, 382; XIV, 267; Od., Carme: PALIS AN.,30, 3: D100. SK .. V, 76; ANT.
V III , 362 e s.; XV III. 192 e s.; H ES., Theog., 64; 907 Lrn .. Transf., 40; Ps.- V1RG ., Ci'ris. 220.
e s .; H vG., Fab., pref.; PA USAN ., IX, 35, 5; APOL-
1.01)., Bib/., 1, 3, I; P1NI)., 0/., X IV, 13; THEOCR., Carmenta: P AU SAN., VIII , 25, 2; V1RG., Aen. VIII,
/d., XV I, 108; SAPH., /r. 65 (Bergk); A POL. RH., 333 e s.; e S ERV . • ad loc. , 336; cf. 130; 269; º"··
Fasr. , 1, 461 es.; L,v. , 1, 7; D 10N . HAL., 1, 31; PLUT. ,
Arg ., IV, 424 e s. Cf. SEN., De Ben., 1, 3. Cf. T h.
ZIELINSKI., «Charis and Chari1cs», C/. Qu., 1924, Q11. Rom .• 56; 60; Ro11111/., 21; SOLIN., l, 10; 13;
pp. 158- 163; A. H . KRAPPE., «Les Chariles». R. E. Hn; ., Fab., 277 . V. Evandro e J. BAYET., Origi-
G., 1932, pp. 155-162; M. N1 ETZKI., «Die Charilen», nes... ; R. PETTAZZONI. . «Carmema», S. M. S. R.,
Fest. K. Wit. Gym., S1e11in, 1930, pp. 73-85. 194 1, p. 1-16.
I
IACO. ("Icxxxoç.) laco é o deus que dirige minosos, encarregou Apoio de reunir no Par-
misticamente a procissão dos iniciados nos Mis- naso os membros espalhados do filho e,
térios de Elêusis. O seu nome parece não ser quando Atena lhe trouxe o coração da criança
mais que o grito ritual «Iacche» emitido pelos que ainda palpitava, engoliu-o. Em seguida, re-
fiéis. Esse grito tornou-se um nome sob o qual generou Zagreu, que tomou o nome de laco.
se criou um deus. As tradições variam quanto Outras vezes, laco é considerado o marido
à personalidade de laco. Geralmente, porém, de Deméter, ou então o filho que Dioniso teve
laco, cujo nome lembra um dos que é usado da ninfa Aura (v. este nome), na Frígia. Aura
por Dioniso - Baco - pode considerar-se tivera dois filhos gémeos de Dioniso mas, num
como o intermediário entre as deusas eleusi- acesso de loucura, devorara um. O segundo,
nas e Dioniso. o pequeno laco, foi salvo por outra ninfa que
Por vezes, diz-se que é filho de Deméter e o deus amava e confiado às Bacantes de Elêu-
que acompanhou a mãe na busca de Perséfone sis, que o criaram. Diz-se que a própria Atena
(v. Deméter). Foi ele quem, com o seu riso face o amamentou, enquanto Aura se lançou ao rio
aos gestos de Baubo, alegrou a deusa (v. Sangário (o mesmo que desempenha um pa-
Boubo). pel na lenda de Agdístis e de Atis) e se tornava
Mais frequentemente, laco é considerado fi- uma fonte.
lho de Perséfone e não de Deméter. Nesse caso, Finalmente, laco é por vezes identificado
não seria mais que a reencarnação de Zagreu com Baco e, nesse caso, afirma-se que essa dua-
(v. este nome), filho de Perséfone e Zeus. De !idade é um mistério.
facto, Hera, cheia de ciúmes provocados pe- Representa-se laco como uma criança aca-
los amores do marido e não podendo vingar- bada de entrar na adolescência, que transporta
-se nele, levou os Titãs a atacarem o pequeno um archote e guia a procissão de Elêusis dan-
Zagreu, filho da rival, enquanto ele brincava. çando.
Zagreu tentou escapar-se e transformou-se de
várias maneiras. Por fim, quando assumira a IÁLEMO. ('1~ÀEf.lOç.) lálemo é filho de
forma de um touro, foi apanhado pelos seus Apoio e Calíope e irmão de Himeneu e Orfeu
perseguidores, que o esquartejaram, lhe puse- (numa versão da lenda deste último; v. Orfeui.
ram os membros num caldeirão e começaram Assim como Himeneu personifica o canto do
a cozê-lo. Zeus acorreu em socorro do filho, casamento, lálemo personifica o canto triste,
mas era tarde de mais. Fulminou os Titãs cri- o lamento pelos seres que morrem jovens.

laco: 0100. SIC., Il l, 64, 1 e s.; Lucs .• IV, 1160; STRAB., X, 3, 10, p. 468; Hymn. hom. Cer.; SERV., ad
ARNOB., Adu. Pag., Hl, 10; V. 25; escól. ad ARIS· VIRG., Georg., I, 166; cf. HEROO., VlIl, 65.
TOPH., Ra., 324; ad EUR., Tr., 1230; TZETZ., ad Lyc.,
355; PROCL., in Ti., 200 d; PAUSAN., vm, 37, 5; I, 37, láIemo: PINO., citado in escól. ad EUR., Rh., 892;
4; HESYCH., S.U. !:"~<ÍCIOÇNONN., Dion., XLVIII, 870 escól. ad EUR., Or., 1375; Supp., 281; escól. ad
e S.; XXXI, 66 e S.; Eusr. ad Hom., 629, 30; 962, 60; PINO., Pyth., IV, 313; ad Aroi.. RH., IV, 1304.
lÁ LISO 238

É-lhe atribuída a criação desse género. Ou en- noite à margem do Alfeu e invocou seu pai
tão identifica-se com Lino, que morreu jovem Apoio e seu avô Posídon. Apoio respondeu-
e sobre quemse cantou esse género de lamento. -lhe e mandou-o seguir a sua voz. Conduziu-o
assim até ao sítio de Olímpia e disse-lhe que
lÁLISO. ('1<iÀuaoç.) láliso é o herói epónimo se estabelecesse ali, à espera de que Héracles
da cidade de láliso em Rodes. Pelo lado do pai, fosse fundar os Jogos que mais tarde haveriam
Cércafo, descendente do Sol (Hélio) e da ninfa de se tornar célebres. Ensinou-lhe também a
Rode (v. Cércafoi, Casou-se com Dótis e dela compreender a linguagem das aves e a inter-
teve uma filha, Sime, epónimo da ilha homó-
pretar os presságios fornecidos pelas vítimas.
nima entre Rodes e Cnido.
lÁLMENO. ('1<iÀiJ.tvoç.) Iálmeno e seu irmão IANISCO. ('I<ivtaxoç.)1. Em certas tradi-
Ascálafo são filhos de Ares; sua mãe é Astío- ções, lanisco é filho de Asclépio e, por isso,
que, filha de Actor (quadro 34, p. 392). Iál- irmão de Macáon e Podalírio. E originario da
meno e Ascálafo reinaram em Orcómeno, na Tessália, do país dos Perrebos. .
Beócia; durante o seu reinado, os Mínias par- 2. Outro lanisco é um descendente do ate-
ticiparam na expedição contra Tróia com um niense Clítio, que deu sua filha, Feno, em ca-
contingente de trinta navios. samento ao rei de Sícion, Lamedonte. Mais
Depois da queda de Tróia, Iálmeno regres- tarde, quando Adrasto, um dos sucessores de
sou com os seus navios mas, em vez de voltar Lamedonte, deixou o trono de Sícion (v.
para a sua pátria, estabeleceu-se na costa do Adrasto), lanisco foi chamado a reinar e veio
Ponto Euxino onde fundou uma colónia da Ática. Quando morreu, sucedeu-lhe Festo
aqueia a que, no tempo de Estrabão, se cha- (v. este nome).
mava ainda «os Aqueus do Ponto» e reivindi- IANTE. ('lv91'J.)1. O nome de lante (a Jo-
cava Orcómeno como metrópole. vem das Violetas) é usado por uma Oceânide.
lálmeno e seu irmão figuram também entre 2. É também o nome de uma heroína cre-
os Argonautas: Iálmeno conta-se entre os pre- tense, mulher de Íris (v. este nome).
tendentes de Helena e, respeitando o juramento
colectivo, teve de participar na guerra com o lÁPIGE. V. Iápix.
objectivo de a reconquistar (v. Helena). IÁPIX. ('I<i7tuç.)Iápix é o herói que deu
lAMBE. ('1<iiJ.~1'J.)
lambe, filha de Pã e da nome aos Iapígios, na Itália meridional. A sua
ninfa Eco, servia em Elêusis em casa de Céleo lenda varia consoante as fontes. Diz-se por ve-
e Metanira quando Deméter por lá passou em zes que é filho de Licáon e irmão de Dáunio
busca de Perséfone. lambe recebeu-a e fê-Ia rir (ou Dauno) e de Peucécio. Outros autores
com os seus gracejos. Por vezes, este papel é consideram-no natural de Creta, filho de Dé-
atribuído não a lambe mas a Baubo (v. este daio e de uma mulher cretense; dizem que foi
nome). para a Sicília e, em seguida, para a Itália me-
ridional, no seguimento dos acontecimentos
ÍAMO. ("I"iJ.Oç.)Íamo é um herói de Olím- que acompanharam a morte de Minos (v. Dé-
pia, antepassado mítico da família sacerdotal dalo e Minos). lápix passava por ter sido o
dos lâmidas. É a seguinte a sua ascendência di- chefe dos Cretenses que haviam seguido Mi-
vina: Pítane, filha do deus-rio Eurotas, teve de nos quando, após a morte deste, tentaram em
Posídon uma filha, Evadne, que foi criada por vão voltar à pátria. Uma tempestade arrastou-
Épito , seu pai «humano» (v. Épito, 3, e -os para a região de Tarento onde se fixaram.
Evadne, 1). Evadne foi amada por Apoio e dele Uma variante desta tradição diz simplesmente
concebeu um filho. Envergonhada por ter sido que lápix, um cretense, irmão de Icádio (v. este
seduzida, Evadne expôs a criança; no entanto, nome), foi para a Itália meridional enquanto
duas serpentes vieram alimentá-Ia com mel. seu irmão era levado por um delfim até junto
Deste modo, Evadne encontrou-o um dia mi- do Parnaso, onde fundou Delfos.
lagrosamente salvo, deitado entre violetas em
flor. Por isso, deu-lhe o nome de Íamo (o Me- IARBAS. (Iarbas ou Hiarbas.) larbas é um
nino das Violetas). Épito consultou então o rei indígena africano, filho de Júpiter Ámon
oráculo de Delfos e o deus respondeu-lhe que e de uma ninfa do país dos Garamantes. Era
o pequeno Íamo seria um adivinho célebre e rei dos Getulos. Foi ele quem cedeu a Dido o
o pai de uma longa linhagem de sacerdotes e território em que ela fundou Cartago (v. Dido).
adivinhos. Quando cresceu, ramo foi uma No entanto, apaixonado pela rainha e com ciú-

láliso: PINO., Olymp.; VII, 136; escól. ad 0100. lanisco: I) Escól. ad ARISTOPH., PI., 701.
SIC., V, 57; TZETZ. ad Lyc., 923. 2) PAUSAN., lI, 6, 6.
lálmeno: 11., lI, 511 e s. e Eusr., ad loc.; PAUSAN., Iante: 1) HES., Theog., 349; PAUSAN., IV, 3D, 4;
IX, 37, 7; HYG., Fab., 97; 159; TZETZ., Posth., 87; HYG., Fab., pr. 6 (Rose). 2) Ov., Met., IX, 666 e s.
STRAB., IX, 2, 42 p. 416; ApOLLOO., Bibl., 1,9, 16; Iápix: ANT. LIB., Transf., 31; STRAB., VI, 3, 2, p.
III, 10, 8. 279; PUN., N. H., IlI, li, 16; HEROD., VII, 170; So-
lambe: Hymn. hom. Cer., 195 e S.; ApOLLOO., UN., lI, 7; SERV., ad V,RG., Aen., IlI, 332 (citando
Bibl., I, 5, I; 0100. SIC., V, 4; Etym. Magn. s.u. CORNIFIClUS LONGUS) e XI, 247. V. 1. BÉRARD, Co-
'IÓ:"'~TJ· lonisation, p. 449 e s.
larbas: VIRG., Aen., IV, 36; 196; 326; SERV., ad
Íamo: PAUSAN., VI, 2, 5; PINO., Olymp., VI, 46 VIRG., Aen., I, 367; IV, 36; Ov., Her_, VII, 125;
e s.; e escólios. Fast., III, 552; JUST., XVIII, 6.
239 íASO

Inaco e-> Melia

Fegeu Agialeu Foroneu --- Teledice


(morto sem filhos)
I I
I
Prónoo Agenor Ápis Caria Níobe, Zeus
(ou Témeno) (ou Axíon) morto sem filhos)
Argos
I
I
Peirasos Forbas ,-., Eubeia
I
I
Messénia Tríopas --- Sosis (ou Sóis)

Pelasgo I Íaso,-., Lêucame Agenor Messenerw Licáon


I I I
Posídon ,-., Larissa 10 Crotopo
I

Pelasgo 11 Eco Ptio Esténelo Psâmate I' Apoio


I

Gelanor Uno

Quadro genealógico n. o 19 (segundo PAUSÂNIAS)

mes de Eneias, mais venturoso que ele, atacou Harmonia. Foi iniciado por Zeus nos mistérios
a recém-criada cidade donde, após a morte de da ilha e iniciou ele próprio, por seu turno,
Dido, expulsou Ana (v. Ana). muitos heróis. Aquando das bodas de sua irmã
com Cadmo, encontrou Deméter que se apai-
IÁRDANO. ('Iápo"voç.) Iárdano, ou Iárda- xonou por ele e lhe ofereceu a semente do trigo.
nas, é um rei da Lídia, pai de Onfale. Uma tra- Mais tarde, Iásion casou com Cíbele, de quem
dição dá-o como sendo um mago que, com os teve um filho, chamado Coribante, epónimo
seus feitiços, levou o rei Camblites (ou Cam- dos Coribantes.
bies), seu inimigo, a devorar a própria mulher,
tal foi a fome insaciável que lhe despertou. ÍASO. ("I""oç.) Íaso, ou Iásio, é o nome de
muitos heróis.
IÁSION. ('I""Lwv.) Iásion é um filho de Zeus 1. Um deles é rei de Argos; no entanto, as
e Electra (v. quadro 7, p. 112, e 27, p. 280). tradições não coincidem quanto ao nome de
Pelo lado da mãe, descende de Atlas. Vivia seu pai. Ora se diz que Íaso é um dos filhos
com o irmão, Dárdano, na Samotrácia, se bem de Tríopas (v. quadro 19, p. 239), ora que é
que, em certas lendas, se diga que é de origem filho de Argo e neto de Agenor (v. quadro 20,
cretense. Um aspecto comum a todas as tradi- p. 240). Em ambas as tradições se considera
ções é o amor de Iásion por Deméter. Por ve- que é pai de 10, a amante de Zeus.
zes, porém, esse amor não é correspondido e Na tradição que o dá como filho de Trío-
Iásion tenta violentar a deusa (ou então um si- pas, Íasorpartilha com os irmãos o território
mulacro; cf. Ixiom, o que imediatamente atrai do Peloponeso. Obteve para si a região oeste,
sobre ele a cólera de Zeus, que o fulmina. Mais enquanto Pelasgo recebia o território a este e
frequentemente, os autores coincidem em di- fundava Larissa do Peloponeso. Quanto a
zer que esse amor foi correspondido e que lá- Agenor, herdou a cavalaria de seu pai, com a
sion se uniu a Deméter «sobre um alqueive três qual não tardou a desapossar os seus dois ir-
vezes renovado». Aí, teve da deusa um filho, mãos.
Pluto (a Riqueza), que percorreu a Terra es- 2. Outro Íaso é um filho do rei Licurgo. Per-
palhando por toda a parte a abundância. tence à dinastia arcádia, visto que é neto de Ar-
Diodoro conta que, na Samotrácia, Iásion cade (v. quadro 28, p. 282). Sua filha é Ata-
era irmão não só de Dárdano, mas também de lante (v. este nome).

lárdano: ApOlLOD., Bibl., 11,6,3; NIC'OL. DAM., APOlLOD., Bibl., 111, 12, I; TZETZ., ad Lyc., 29; VIRO.,
in Fragm. Hisl. gr., m, 372, 28 (Müller). Aen., 111, 167, e SERV., ad loc.; DIOD. SI('., V, 48 e s.
Íaso: I) PAUSAN., li, 16, I; escól. ad EUR., Or.,
920; escól. ad li., 111, 75; ApOlLOD., Ribl., 11, I, 3.
lásion: oa; V, 125 e s. e escól. ad loe.; OV., Met., 2) ApOllOD., RiM., m, 9, 2; Hvc., Fab., 70; 99; es-
IX, 422; Am., 111, 10, 25; HES., Theog., 969 e s.; es- cól. ad EUR., Phoen., 150.3) Od., XI, 281 e s.; PAU·
cól. ad Ai-oi.. RH., Arg., 1,916; STRAB., VII, fr. 50; SAN., IX, 36, 8; X, 29, 5.
IASO 240

Níobe ,..." Zeus Neera e-- Estrímon

Pelasgo ,..." Melibeia (ou Dejanira) Argo ,..." Evadne

Licáon Ébaso Pira Epidauro Críaso e-« Melanto


I I
I I
50 filhos Calísto Agenor Forbas Cleobeia
I
Argo '"""' Ismene
I
Íaso
I
10

Quadro genealógieo n. o 20 (segundo ApOLODORO)

3. O mesmo nome é usado por um beócio, de uma ninfa chamada Bátia. Este Hipocoonte,
pai de Anfíon, rei de Orcómeno, e casado com com a ajuda do filho expulsou-os da Lacede-
Perséfone, filha de Mínias. Note-se que a mu- mónia. Refugiaram-se então em Plêuron, junto
lher do Íaso precedente, Clímene, mãe de Ata- de Téstio, onde ficaram até que Héracles ma-
lante, era também filha de Mínias. tou Hipocoonte e os filhos (v. Hérac/es e Ce-
Finalmente, Íaso ou lásio confunde-se fre- leu). Tíndaro voltou então para Esparta, onde
quentemente com o nome de lásion (v. este retomou o poder, enquanto lcário permanecia
nome.) na Acarnãnia. Aí, casou com Policaste, filha
IASO. ('Ia,,';'.) laso, a Cura, é considerada de Ligeu, de quem teve três filhos: uma filha,
como filha de Asclépio, deus da Medicina, e Penélope, e dois filhos, Alízeu e Leucádio, epó-
irmã de Higia. Tinha um santuário em Oropo. nimo da ilha de Lêucade. Outra tradição diz
que lcário regressou à Lacedemónia com seu
ICÁDlO. ('lxáow,.) lcádio é filhõae Apoio irmão e casou com uma Náiade chamada Pe-
e da ninfa Lícia. Nascido na Ásia, deu ao país ribeia, de quem teve cinco filhos (Toas, Dama-
em que nascera o nome de sua mãe (a Lícia) sipo, lmeusimo, Aletes, Perileu) e uma filha,
e nele fundou a cidade de Pátaros, bem como Penélope (v. quadro 21, p. 242). Conta-se que
o oráculo de Apoio da referida cidade. Quis lcário deu sua filha como prémio numa corrida
em seguida ir para Itália, mas naufragou e um em que participaram os pretendentes à mão da
delfim levou-o até junto do Parnaso, onde fun- jovem. Ulisses saiu vencedor; mas diz-se tam-
dou uma cidade a que chamou Delfos, em me- bém que foi o pai de Helena e tio de Penélope,
mória do «delfim» (em grego OtÀcp(,) que o sal- Tíndaro, quem conseguiu esse casamento. Tín-
vara. daro obteve para Ulissesa mão da sobrinha, para
Conta-se também que este lcádio era um cre- o recompensar do bom conselho que elelhe havia
tense, irmão de Iápix, epónimo dos lapígios dado, sugerindo-lhe que vinculasse por um ju-
(v. Iápix).
ramento os pretendentes à mão de Helena, na
ICÁRIO. ('lxápLOç.)1. O primeiro herói com esperança de assim evitar toda e qualquer con-
este nome é um ateniense, pai de Erígone, de testação quando ela tivesse escolhido marido.
quem se diz que divulgou a videira na Grécia Depois do casamento, lcário pediu a Ulisses que
(v. Erígone), quando o rei Pandíon reinava em se instalasse junto dele com a mulher. O herói
Atenas. recusou. E, como Icário insistisse, Ulisses disse
2. Outro lcário é filho de Perieres e, por isso, à mulher que escolhesse entre o pai e o marido.
descendente do herói Lacedémon. As tradições Penélope nada respondeu, mas corou e, por pu-
variam quanto a seu pai. Diz-se frequentemente dor, cobriu o rosto com o véu. Icário compreen-
que é Ebalo (v. quadro 5, p. 90), em vez de Pe- deu que a filha fizera a sua escolha, afastou-se
rieres. Nesta versão, Perieres é pai de Ébalo e e erigiu um santuário ao Pudor no local onde
filho de Eolo (v. quadro 8, p. 116, e Perieres). esta cena se desenrolara.
lcário e Tíndaro, seu irmão, tinham um Uma tradição local lacedemónia dizia que
meio-irmão, Hipocoonte, que foi o pai tivera Icário tomara partido contra seu irmão Tín-

laso: PAUSAN., I. 34, 3; ARISTOPH., PI., 701, e es- ad l/., XXII, 29; SERV., ad VIRG., Georg., I, 67; 218;
cól.; HESYCH., S. u. 11, 389; Ov., Met., VI, 126; X, 451. 2) ApOLLOD.,
Bibl., I, 9, 5; I1I, 10, 3 e s.; TZETZ., ad Lyc., 511; es-
Icádio: SERV., ad VIRG., Aen., m, 332. V. lápix. cól. ad EUR., Or., 457; PAUSAN., I1I, I, 4; 12, I; 20,
leário: 1) ATHEN., XIV, 10; AEL., NA, VII, 28; Lu- 10 e S.; VIII, 34, 4; STRAB., X, 2, 9, p. 452; 24, p, 461;
CIAN., Salt., 40; HYG., Astr. Poet., 11, 4; Fab., 130; Od., 11, 52; XV, 15, e escól. ad loc. ATHEN., XVIII,
Arot.ton., Bibl., m, 14,7; PAUSAN., I, 5, 2-4; escól. 597 e.
241 IDADE DE OURO

daro ao aliar-se a Hipocoonte, e que ajudara ICTIOCENTAUROS. CIx9uoxÉ\l'totUpOl.) Os


este a expulsá-Io da Lacedemónia fomentando Ictiocentauros ou «Centauros-Peixes» são se-
uma revolução. Tíndaro ter-se-á então refu- res marinhos que parece não terem tido qual-
giado em Pelene (v. Tíndaro). quer existência nos contos populares, mas que
ÍCARO. ("lXotpoç.)1. Ícaro é o filho de Dé- são um tema bastante divulgado na plástica he-
dalo e de uma escrava de Minos chamada Náu- lenística e romana. O corpo é de homem até
crate. Quando Dédalo ensinou a Ariadne a à cintura, como nos Centauros. A parte de
forma de Teseu encontrar o caminho no labi- baixo é de peixe. Estes seres têm frequente-
rinto (v. Ariadne) e este matou o Minotauro, mente as patas semelhantes às de um leão. Fi-
Minos, furioso, encarcerou Dédalo e o filho guram no cortejo das divindades marinhas, ao
no labirinto. Dédalo, porém, a quem não fal- lado dos hipocampos, dos cavalos marinhos,
tavam recursos, fabricou para Ícaro e para si etc.
mesmo umas asas que colou com cera aos seus IDA. ("lOTl.)1. Ida é o nome de uma das fi-
ombros e aos do filho. Em seguida, ambos le- lhas de Melisseu que, com sua irmã Adrasteia,
vantaram voo. Antes de partir, Dédalo reco- criou Zeus em Creta, quando o deus era
mendara a Ícaro que não voasse nem muito criança. É também o nome de uma montanha
baixo nem muito alto. Ícaro, porém, orgu- cretense onde decorreu a infância do deus (v.
lhoso, não deu ouvidos aos conselhos do pai Zeus e Amalteia).
e elevou-se nos ares, aproximando-se tanto do 2. Ida é também uma filha de Coribante, que
Sol que a cera derreteu e o imprudente caiu no casou com o rei de Creta, Licasto, e lhe deu
mar que, a partir desse momento, se chamou um filho, Minos o Jovem.
Mar Icário (o que circunda a ilha de Samos).
Outra versão contava que Dédalo fugira de IDADE DE OURO. Hesíodo, em Os Tra-
Atenas depois de ter morto seu sobri nho e dis- balhos e os Dias, refere um mito relativo às di-
cípulo Talo (v. Dédalo). Quanto a Icaro, foi ferentes raças que se sucederam desde o co-
banido e empreendeu a busca do pai. No en- meço da humanidade. Inicialmente, diz ele,
tanto, naufragou junto de Samos e o mar to- havia uma «raça de ouro». Era no tempo em
mou um nome derivado do seu (como na ver- que Crono reinava .ainda no céu. Os homens
são mais comum). O seu corpo foi atirado pelas viviam então como os deuses, livres de preo-
vagas para a costa da ilha de Icária, onde Hé- cupações e ao abrigo dos sofrimentos e da mi-
racles o sepultou. séria. Não conheciam a velhice, mas passavam
Dizia-se também que Ícaro e Dédalo haviam o tempo numa eterna juventude, em banque-
fugido de Creta cada um em seu barco à vela. tes e festas. Quando chegava o momento de
Dédalo acabara de inventar o uso das velas. morrer, eles adormeciam serenamente. Não es-
Ícaro, porém, não soube governar o seu barco tavam sujeitos à lei do trabalho. Todas as
e naufragou. Ou então, ao abordar a ilha de riquezas Ihes pertenciam espontaneamente.
Icária, saltou desajeitadamente do barco e A terra produzia, por si própria, abundantes
afogou-se. Todas estas variantes têm como ob- frutos e eles viviam em paz no meio dos cam-
jectivo atenuar o carácter maravilhoso da aven- pos. A partir do momento em que, com o rei-
tura, suprimindo o episódio das asas. nado de Zeus, esta raça desapareceu da Terra,
Mostrava-se o túmulo de Ícaro num cabo do eles permanecem, todavia;como bons génios,
mar Egeu. Contava-se também que Dédalo eri- guardiões dos mortais e dispensadores das ri-
gira nas ilhas do Âmbar duas colunas, uma em quezas. Tal é, na sua versão mais antiga, a
honra de seu filho e outra com o seu próprio lenda da Idade de Ouro.
nome, e ainda que gravara com as suas mãos, Bem depressa, este mito tornou-se um lugar
nas portas do templo de Cumas, o triste fim comum da moral que se comprazia em apre-
de seu filho. sentar os primórdios dahumanidade como o
Ícaro é por vezes considerado o inventor do reino da Justiça e da Boa Fé. Em Roma, onde
Crono era identificado com Saturno, colocava-
trabalho em madeira.
2. A lenda conhece outro Ícaro, rei de Cá- -se a Idade de Ouro no tempo em que este deus
reinava sobre a Itália, que se chamava ainda
ria, que teve como amante Teónoe, filha de
Testor e irmã de Calcas (v. Teónoe). Auxónia. Os deuses viviam na intimidade dos
mortais. Ainda nâo tinham sido inventadas as
IÇMÁLIO. ('Ixll.~Àwç.)Icmálio é o artesão portas porque o roubo não existia e os homens
de Itaca que fabricou o «di vã» de Penélope e nada tinham a esconder. Estes alimentavam-
o enriqueceu com marfim e prata. -se exclusivamente de legumes e de frutos, por-

Ícaro: 1) 11., 11, 145 e escól. ad loe.; Ar-oi.ton., Ida: 1) ApoLLOo., Bibl., I, 1,6; PLUT., Q. Symp.,
Ep., I, 12; STRAB., XIV, 1, 19, p. 639; LUCIANEN., 3,9, 2, 2. 2) 0100. SIC., IV, 60.
Gal/., 23; ARR., An., VII, 20, 5; X., Mem., IV, 2,
33; 0100. SIC., IV, 77, 9; TZETZ., Chil., 1,498 e Idade de Ouro: HES., Op., 106 e s.; CATUL., 64,
5.; SEVER., Narr., 5 (in WESTERMANN, Myth., p. 384 e 5,; TIB" I, 33, 35; VIRG., Ecl., IV, passim, e
373); Ov., Met., VIII, 183 e s.; HVG., Fab., 40; o comentário de SERV.; Ov., Fast., I, 193; Met., I,
SERV., ad VJRG., Aen., VI, 14; PAUSAN., IX, 11,4 89-112; Am., III, 8, 35-44; MAcRoB., Sat., I, 7, 51;
e s.: STEPH. Bvz., S.U. 'HÀ<xtp(8<, u;jaot;PUN., N. HOR., Epod., XVI, v. 41 e s.; PAUSAN., V, 7, 6. Cf.
H., VII, 56, 168; SUET., Ner., 12. 2) HVG., Fab., J, CARCOPINO,Virgile et le mystêre de Ia IV Eclogue,
190. Paris, ed. rev., 1942; E, MEvER, in Mel. C. Robert,
Icmálio: Od., XIX, 57; EUST., 1855, 16 e s. 1910, pp. 157-187; W. HARTMANN,disso Fribourg
Ictiocentauros: TZETZ., ad Lyc., 34; 886; CLAUO.,' (AI!.), 1915; R. REITZENSTEIN,in sua. der Biblio-
Fese., 144 e 5. thek Warburg; VII (1926).
IDAS 242

que ninguém pensava em matar. A civilização


o deu então os seus primeiros passos: Saturno in-
Õ troduziu o uso da foice (a foice figurava como
...u ..:
c.
o
'õ.
um distintivo nas representações deste deus) .
:e
.2
.... Ele ensinou os homens a utilizarem melhor a
-ü fertilidade espontânea da terra. Contava-se em
ii: ... ~ Roma que ele reinava no cimo do Capitólio,
c
,~ no local onde mais tarde se levantou o templo
.:;: de Júpiter-Muito-Bom, Muito Grande. Ele
o
c. fora acolhido no país pelo deus Jano, que aí
'0 reinava, e que consentiu em partilhar o seu
..."
...I reino com o recém-chegado .
><
Os poetas rivalizaram no tratamento deste
e.."
:c; tema. Eles mostravam a lâ revestindo-se espon-
taneamente das cores mais vivas no dorso dos
... carneiros, os silvados produzindo deliciosos
.o frutos, a terra gozando duma Primavera cons-
Sl
o:: ~ tante. O mito da Idade de Ouro figura tam-
bém na mística neopitagórica.
IDAS. ("Ioaç.) Idas, o mais forte e ousado
dos homens, segundo a Ilíada, pertence, pelo
os
c "cu... i3 lado de seu pai Afareu, à família de Perieres.
e
-e :.:i ~
u
o
t;o Sua mãe é Arene, filha de Ébalo. Tem dois ir-
...os mãos, Linceu e Piso (v. quadro 21, p. 242).
Idas é primo dos Dioscuros, bem como das
..." ~
E "::;;;
Leucípides, Hilaíra e Febe, e de Penélope.
...cl Idas e Linceu participaram na expedição dos
M ~
'"
M
ci.
..:~ ...c. :r: Argonautas, ao lado de Jasão. Durante a via-
.: ~ .52
~ gem, Idas desempenhou por duas vezes um pa-
..:
o
-5
::;;;

E -
...• pel de relevo: no território dos Mariandinos,
na corte do rei Lico, quando o adivinho Ídmon
foi morto por um javali, Idas vingou o seu
os os
:3 ••...c. ci
e..." -c
.-
<O companheiro matando o animal. Em seguida
os
...c. O 'õO tentou, em vão, apoderar-se do trono do rei
~
c
-o
'""5
.o
o
:iJ
-e
....
õi da Mísia, Teutras. Foi vencido por Télefo (v.
Auge e Télefo).
e.. c
bI)

i3 ...
e.. '00" Idas e Linceu contam-se igualmente entre os
O
..•i: caçadores do javali de Cálidon, o primeiro na
sua qualidade de sogro de Meleagro (que ca-
2 ...
c
co
=
O' sou com sua filha Cleópatra Alcíone).
o'" o .2
-"
os'"
ii: :5
Idas raptara Marpessa, filha de Eveno, fi-
,~-~
e..
e.. lho de Ares, num carro alado presente de Po-
:::
sídon. Eveno perseguiu-o, mas não conseguiu
o
os
apanhá-I o e matou-se (v. Eveno). Idas voltou
...c tranquilamente para a Messénia, sua pátria. No
"'" entanto, Apoio amava Marpessa e quis roubá-
"
Ü
:r: ~ -la ao marido. Idas defendeu-se e ameaçou o
deus. Zeus interveio, separou os dois oponen-
o
tes e deu à jovem mulher liberdade de amar
E aquele que escolhesse. Marpessa escolheu Idas
:;; ,S
c"E :l... (v. ApoIo). Uma tradição um pouco diferente
diz que ApoIo roubou Marpessa ao marido e
.~ ~E a conservou durante algum tempo «sem que
O ela protestasse». No entanto, Idas acabou por
os
...
"O
...I o
reconquistá-Ia .
>< .~ Na lenda, o rapto de Marpessa por Idas é
::> os por vezes substituído por uma corrida de car-
:c;
c, E
os ros em que a jovem era o prémio (compare-se
o
~
"O
O

'"
1= i3
:;;
os Idas: 11., IX, 553-564 e escól.; Eusr., p. 776, 12;
U ~
o ApOLLOO., Bibl., I, 8, 2; 9, 16; 1,7, 8 e s; I1I, li,
f- 2; Aroi.. RH., Arg., I, 151 e S.; lI, 817 e S.; HVG.,
os
Fab., 14; 80; 100; Ov., Mel., VIII, 305; Fast.; V,
-5 699-714; PROP., I, 2, 17; PINO., O/ymp., I, 109 e
c
os S.; Nem., X, 60 e s. e escól.; BACCH., Dith., XX;
E SIMON., fr. 216; PAUSAN., I1I, 13, I; IV, 2, 6 e S.;
1= 3, I; V, 18, 2 (inscrição do cisto de Cípselo);
THEOCR., XXII, 137-211; CLEM. AL., Protr., 9, 32.
243 íOMON

com a lenda de Penélope e a de Hipodamia). IDEIA. ('Ioata.) O nome Ideia, que signi-
Eveno matava os concorrentes que vencia. fica «a que vem do Ida» ou «a que vive no
Idas é também célebre por causa da luta com Ida», pertence a várias heroínas:
seus primos Castor e Pólux. Esta luta apresenta 1. Uma ninfa que, unindo-se ao deus-rio Es-
dois episódios distintos, que surgem ora iso- camandro, dele teve um filho, Teucro, que foi
lados ora mais ou menos relacionados entre si. rei dos Teucros, na costa da Ásia frente à Sa-
Castor e Pólux haviam organizado com Idas motrácia (v. quadro 7, p. 112).
e Linceu uma incursão de pilhagem na Arcá- 2. Tinha também este nome uma das filhas
dia.idonde trouxeram rebanhos. A partilha do de Dárdano e, por isso, uma bisneta da Ideia
saque foi confiada a Idas. Este matou um boi, precedente. Casou com Fineu, rei da Trácia,
dividiu-o em quatro quartos e decidiu que de quem foi a segunda mulher. Foi ela a res-
aquele que comesse a sua parte em primeiro lu- ponsável das desgraças que se abateram sobre
gar teria metade dos despojos; aquele que ter- Fineu (v. a sua lenda), ao caluniar os filhos que
minasse em segundo ficaria com o resto. Em ele tivera da primeira mulher, Cleópatra, filha
seguida, devorou imediatamente a sua parte do de Bóreas (v. Boréadas).
boi e comeu, sem interrupção, a de seu irmão. IDEU. ('Iocxroç.) Ideu é o nome de vários he-
Deste modo, apropriou-se de todo o produto róis relacionados quer com o Ida de Creta quer
do roubo. Descontentes, os Dioscuros ataca- com a da Tróade. Com esse nome conhece-se
ram a Messénia, o país dos primos, levaram concretamente:
os bois que eram objecto de disputa e outros 1. Um filho de Príamo.
ainda. Seguidamente prepararam uma embos- 2. Um filho de Páris e Helena.
cada a Idas e ao irmão. Este, porém, com o 3. Um condutor do carro de Príamo.
seu olhar penetrante, viu Castor escondido na 4. Um filho do herói troiano Dares.
cavidade de um velho carvalho. Mostrou-o a 5. Um Coribante.
Idas, que o matou com um golpe de lança. PÓ- 6. Em uma versão obscura da lenda de Dár-
lux perseguiu-os e matou Linceu, mas Idas dano, este, casado com Crise, teve dois filhos,
atacou-o com uma enorme pedra arrancada, Dimas e Ideu. Este Ideu fixou-se na costa frí-
segundo se diz, do túmulo de seu pai Afareu gia, junto da montanha que, depois dele, se
e deixou-o caído sem dar acordo. Zeus veio en- chamou Ida. Foi ele quem introduziu nessa re-
tão em socorro de seu filho, fulminou Idas e gião o culto da Mãe dos Deuses (Cíbele), en-
levou Pólux para o céu. quanto Dárdano se estabelecia na Tróade.
Outro episódio da luta liga-se ao rapto das
Leucípides. Linceu e Idas estavam noivos das IDIA. ('loura.) Idia é uma Oceãnide que
primas, Hilaíra e Febe, filhas de Leucipo. Cas- Eetes, rei da Cólquida, desposou em segundas
tor e Pólux, porém, raptaram as jovens (v. núpcias e que é a mãe de Medeia. Na maior
Dióscoros). Idas e Linceu decidiram vingar-se parte dos casos, não se considera a mãe de Ap-
e Castor foi morto por Linceu. Por seu turno, sirto, mas certas versões dão-na como primeira
Pólux matou Linceu e Idas estava quase a mulher de Eetes e, assim, como mãe dos seus
matá-lo quando Zeus pôs fim ao combate dois filhos (v. Eetes).
como no episódio anterior. Outras versões con- ÍDMON. nOiJ.Wv.} Ídmon é um dos Argo-
tam de forma diversa o combate: Castor e Lin- nautas: é o adivinho encarregado de interpre-
ceu decidiram resolver o diferendo através de tar os presságios para a expedição. Conside-
um combate singular. Foi Castor quem ven- ram-no filho de Apoio, mas seu pai «humano»
ceu e matou o seu adversário. Idas quis vin- é Abante, filho de Melampo (quadro I, p. 8).
gar o irmão e, quando estava prestes a matar Sua mãe é Astéria, ou Cirene. Por vezes, Íd-
Castor, Zeus fulminou-o. Pólux não desempe- mon identifica-se com Testor, filho de Apoio
nha qualquer papel nesta versão. e de Laótoe, e pai de Calcas. Assim, Ídmon
Por seu turno, Higino conta que Linceu foi seria apenas um epíteto relacionado com a raiz
morto por Castor e que, quando Idas o quis que significa «vem. De facto, Ídmon quer di-
enterrar, Castor tentou impedi-lo sob pretexto zer «o Clarividente».
de que Linceu não mostrara coragem na luta As suas aventuras com os Argonautas são
e «morrera como uma mulher». Indignado, contadas de diferentes formas. Ora se admite
Idas agarrou na espada que Castor trazia à cin- que chegou a Cólquida, ora se diz que foi
tura e trespassou-lhe a virilha. Ou então morto por um javali aquando da escala no país
esmagou-o debaixo da coluna que erigia sobre dos Mariandinos. Idmon previra a sua própria
o túmulo de Linceu. Ele próprio não tardou, morte mas não hesitara em se juntar à expedi-
por sua vez, a ser morto por Pólux. ção (v. Argonautas).

Ideia: 1) ApOLLOO., Bib/., nr, 12, I; 0100. SIC., XXIV, 325; VIRG., Aen., VI, 485. 4) li., V, 11.
IV, 75; TZETZ., ad Lyc., 29; SERV., ad VIRG., Aen., 5) NONN., Dion., XIV, 34. 6) DION. HAL., I, 61.
Ill, 109.2) Escól. ad Aeot., RH., Arg., lI, 178 (ci- Idia: HES., Theog., 352; 959; Aroi.. RH., Arg., rn,
tando SOPH., na tragédia perdida Fineu; Trag. Gr. 242 e escól. ad /oc.; escól. ad IV, 323; ApOLLOD., I,
Fragm. NAUCK, p. 226); SOPH., Anl., 980; 0100. 9,23; HVG., Fab., 25; TZETZ., ad Lyc., 174; 798; 1024.
SIC., IV, 43, Ov., Rem., 454.
Ídmon: Ar-ot.. RH., Arg., I, 142 e S.; lI, 315 e S.;
844 e S.; escól. ad 485; escól. ad I, 139; lI, 815; m,
Ideu: 1) PTOL. HEPH., 5, p. 192 (West.). 525; 1372; IV, 76; HVG., Fab., 14; 18; 248; ApOL·
2) TZETZ., ad Lyc., 851; Hom., 166; 311. 3) li., LOD., Bib/., I, 9, 23; Ps-Ov., [bis, 506.
IDOMENEU 244

IDOMENEU. ('I8oIiEVEÓÇ.) Idomeneu é um


rei de Creta, filho de Deucalião e neto de
Minos (v. quadro 3D, p. 312). É meio-irmão
de Molo, filho de Deucalião e de uma concu-
bina. Molo é o pai do seu companheiro de ar-
mas Meríones (v. este nome), de quem Idome-
neu é, assim, tio.
Idomeneu figura entre os pretendentes de
Helena. Vinculado pelo juramento comum,
teve de participar na Guerra de Tróia, onde se
distinguiu entre os heróis de primeiro plano.
Comandava o contingente cretense, com oi-
tenta navios, e representava seis cidades:
Cnosso, Gortina, Licto, Mileto, Licasto, Festo,
Rítio. Foi um dos nove chefes que se apresen-
taram para lutar em duelo contra Heitor,
quando se julgou poder resolver desse modo
a luta entre Troianos e Aqueus.
São inúmeras as vítimas que fez no campo
de batalha; distinguiu-se igualmente na defesa
dos barcos. O seu principal adversário foi Deí-
fobo; em seguida, defrontou Eneias. Durante
os combates em torno do corpo de Pátroclo,
tinha a intenção de atacar Heitor, mas fugiu
... quando este, carregando sobre ele, matou o
~" condutor do carro de Meríones, Cérano. Ido-
meneu procurou refúgio no acampamento.
l--,~
.-~os ..,..'" Posteriormente aos acontecimentos narrados
na Ilíada, Idomeneu conseguiu uma vitória no
"s
e pugilato durante os jogos fúnebres em honra
.5 :.Q de Aquiles; foi um dos heróis que entraram na
O -e cidade dentro do cavalo de madeira e figura
entre os juízes encarregados de atribuir as ar-
mas de Aquiles.
Segundo a Odisseia, o regresso de Idome-
neu foi um dos mais felizes. No entanto, se bem
que se mostrasse o seu túmulo em Creta, a
lenda refere outros acontecimentos que mar-
caram dramaticamente o fim da sua vida.
Uma primeira versão conta como sua mu-
lher, Meda, foi levada por Náuplio a ceder ao
amor de Leuco, um filho de Talo que fora ex-
posto ao nascer, mas que Idomeneu criara e
e
'" a quem confiara a sua casa enquanto estava au-
sente. Contudo, Leuco matou depois Meda,
N__
1 .-oo
';:l bem como a filha desta e de Idomeneu, Clisi-
f-o tera; a ambas juntam-se, por vezes, dois filhos,
Íficlo e Lico. Quando regressou, Idomeneu ce-
gou Leuco e reapoderou-se do trono. Outros
autores, porém, diziam que foi Leuco quem o
0-;;' expulsou e forçou a exilar-se.
c o
.8".c
2
Outras versões contam que, durante a via-
gem de Tróia para Creta, a frota de Idomeneu
~e foi acometida por uma tempestade. Então, o
o~ rei prometeu sacrificar a Posídon o primeiro
ser humano que encontrasse no seu reino, se

Idomeneu: 11., lI, 645 e 5.; 111, 230 e 5.; IV, 263 e
5.; VII, 161 e 5.; XIII, 307 e 5.; 445 e 5.; 500 e 5.; XVI,
345; XVII, 605 e 5.; XXIII, 450 e 5.; Od., 111, 191;
XIII, 259 e 5.; Lvc., Alex., 431; PAU5AN., V, 25, 9;
ApOLWD., Bibl., 111, 3, I; Ep., 111, 13; VI, 10; Hvo.,
Fab., 81; 97; 270; QUINT. SM., I, 247; IV, 284; V, 134
e 5.; XII, 320; TZETZ., ad Lyc., 384 e 5.; VIRO., Aen.,
111, 121 e 5.; 400 e 5.; XI, 264 e 5.; SERV., ad VIRO.,
Aen., 111, 121; XI, 264; Myth. Vat. (Bode), I, p. 59;
145 e 5.; DIOD. SIC., V, 79; VAR., ap. PROBoad VIRO.,
Ecl., VI, 51; Prot., HEPH., Nov. hist., 5.
Idótea: 1) DION. PER., 259; Od., IV, 365-440;
NONN., Dion., I, 37; 43; 102; Anth., IX, 474.
245 IFICLO

para lá voltasse são e salvo. Ora, o primeiro 2. Uma das filhas de Agamémnon, na forma
ser humano que viu ao abordar foi o próprio mais antiga da lenda (v. Agamémnon e qua-
filho (ou a filha). Respeitando a promessa, Ido- dro 2, p. 12). Inicialmente distinta de Ifigénia,
meneu sacrificou-o. Alguns autores afirmam acabou por se confundir com ela.
que apenas simulou esse sacrifício. Seja como 3. Ifianassa é também o nome da mulher de
for, não tardou a grassar uma peste, que as- Endímion e mãe de Etolo.
solou Creta; para apaziguar os deuses, Idome-
ÍFICLES. CleptxÀ1jç.) Íficles é filho de An-
neu, cujo acto cruel provocara a cólera divina,
fitrião e Alcmena (quadro 32, p. 370). A sua
foi banido. Dirigiu-se então à Itália meridio-
ascendência é puramente humana. Seu irmão
nal e fixou-se em Salento, onde erigiu um tem-
gémeo, Héracles, é que é filho de Zeus e Ale-
plo a Atena.
mena. Esta diferença revelou-se aquando da
Também a propósito de Idomeneu, conta-
primeira prova que Héracles teve de enfren-
-se o seguinte episódio: Tétis e Medeia discu-
tar. Duas serpentes, enviadas por Hera, intro-
tiam entre si qual era mais bela e escolheram
duziram-se no quarto onde repousavam as
Idomeneu como árbitro. Este pronunciou-se a
duas crianças ainda de tenra idade. Ao ver os
favor de Tétis. Encolerizada, Medeia declarou
animais, Íficles encheu-se de medo e pôs-se a
que «todos os cretenses eram mentirosos» e
gritar. Héracles, por seu lado, agarrou nas
amaldiçoou a raça de Idomeneu, condenando-a
duas serpentes e sufocou-as ao mesmo tempo.
a jamais dizer a verdade. É essa a origem de
Mais tarde, Íficles acompanhou Héracles em
um provérbio que diz que todos os cretenses
alguns dos seus trabalhos. Lutou a seu lado
são mentirosos.
contra os habitantes de Orcómeno, o que lhe
IDÓTEA. (E1809&a.) Várias heroínas têm o valeu como recompensa, por parte do rei
nome de Idótea. Creonte, casar-se com a filha mais nova deste,
1. Uma é a filha de Proteu. Foi ela quem enquanto Héracles desposava a mais velha,
aconselhou Menelau a consultar seu pai, no Mégara. Para contrair este casamento teve de
Egipto (v. Menelau e Helena). abandonar a primeira mulher, Automedusa,
2. Outra é a filha de Êurito, rei de Cária, e que lhe dera um filho, lolau (v. este nome).
mulher de Mileto, fundador da cidade de Mi- Num ataque de loucura, Héracles matou não
leto. Foi mãe de Cauno e Bíblis (v. Cauno). só os filhos que tivera de Mégara mas também
3. Finalmente, Idótea é o nome da segunda dois dos filhos de Íficles. Este conseguiu sal-
mulher do rei cego Fineu. Era irmã de Cadmo. var do massacre o filho mais velho, lolau, bem
Sobre o ódio que sentia pelos enteados e o seu como Mégara.
castigo, v. Fineu. Por vezes, a segunda mulher Euristeu, que tratava cruelmente Héracles,
de Fineu tem o nome de Eurítia ou de Ideia, mostrava-se benevolente com Íficles, que tam-
em vez de Idótea. bém estava obrigado a servi-I o (v. Euristeu).
Um passo de Hesíodo dá mesmo a entender
lERA. ("Iatpa.) lera é o nome de uma Ne-
que Ificles se pôs voluntariamente do lado de
reide. Em Virgílio é também o nome de uma
Euristeu e abandonou Héracles, enquanto 10-
Dríade do Ida da Frígia, que teve de Alcanor
lau se manteve fiel ao tio.
dois gémeos, Pãndaro e Bícias, que se conta-
Íficles estava junto de Héracles na expedi-
vam entre os companheiros de Eneias.
ção contra Tróia; figura igualmente na lista dos
IEUD. Clwú8.) Em uma lenda fenícia, leud caçadores de Cálidon. Morreu na guerra con-
é o filho mais velho ou, então, o filho único tra os filhos de Hipocoonte, ao lado de seu ir-
de Crono. Sua mãe é uma ninfa chamada Ano- mão. Conta-se também que pereceu em con-
bret. Durante uma guerra que assolava o país, sequência de um ferimento sofrido durante a
Crono sacrificou o filho, revestido dos orna- luta contra os Moliónidas (v. esta lenda; v.
mentos reais, como oferenda para a salvação também Búfago). Mostrava-se o seu túmulo
do Estado. em Fémeo, na Arcádia, para onde o haviam
transportado depois de ser ferido e onde mor-
IFIANASSA. Cleptávaaaa.) Ifianassa é o
rera.
nome de várias heroínas:
1. Uma filha do rei de Argos, Preto, enlou- ÍFICLO. ("leptxÀoç.) 1. Íficlo é o filho de Fí-
quecida juntamente com a irmã e curada por laco, rei de Fi/acas, na Tessália. Pelo lado
Melampo (v. Prétides e quadro 1, p. 8). do avô paterno, Díon, pertence à raça de

2) ANT. LIS., Transf., 30.3) Escól. ad SOPH.,Anl., Íficles: Arou.oo., Bibl., 11,4, 8 e 5.; 11, 7, 3; I,
972; ad Aeoi.. RH., Arg., 11, 178; 0100. SIC., IV, 8,2; escól. ad Od., XI, 266; 269; ad 11., XIV, 323;
43; ApOLLOO.,Bibl., III, 15,3; escól. ad Od., XII, TZETZ.,ad Lyc., 33; 38; 839; HES., Scut., 48 e S.; 87
70. e 5.; THEOCR.,Idyl., 24; NICOL.DAM., fr. 20; 0100.
SIC.,V, 33 e 5.; 48, PAUSAN.,VIII, 14,9 e 10.
lera: HVG., Fab., Pr., 8 (ROSE); tt., XVIII, 42;
VIRG., Aen., IX, 673. Ífido: 1) ApOLLOO.,Bibl., 1,9, 12; m, 10, 8; Ep.,
III, 13; Od., XI, 287 e 5.; escól, ad loc., e 292; Eusr.
Ieud: Eus., Prep. Ev., I, 10, 30; IV, 16, II (ci- ad Hom., p. 1685. Aeoi.. RH., Arg., 1,45 e 5. e es-
tando PH. Bvai..). cól. ad loe; HVG., Fab., 14; 103; 251; PAU5AN.,IV,
36,2 e 5.; V, 17, 10; X, 31, 10. Cf. MANNHAROT, An-
Ifianassa: 1) ApOLLOO.,Bibl., 11, 2, 2; escól. ad tike Wald-und Feldkulte, p. 30 e 5. 2) Azor.. RH.,
Od., XV, 225. 2) lf., IX, 145; 287; SOPH., EI., 157 Arg., 1,190 e 5. e escól. ad 1,201; ApOLLOO.,Bibl.,
e escól.; LUCR.,De Nat. Rer., I, 85. 3) ApOLLOO., 1,9, 16; HVG., Fab., 14.3) TZÉTZ.,ad Lyc., 1218.
Bibl.; I, 7, 6. 4) ATHEN.,VIII, 360 (citando ERGlASde RODES).
IFIDAMANTE 246

Deucalião e de Éolo (v. quadro 22, p. 244 e IFIDAMANTE. V. Ifídamas.


quadro 8, p. 112); .
É o herói de um episódio curioso: quando IFÍDAMAS. ('Iep,OcX!l-a,.)1. Ifídamas é um
era jovem, sofria de impotência; seu pai con- dos filhos do Troiano Antenor (v. este nome)
sultou o adivinho Melampo, seu primo, que se e de Teano, filha de Cisseu, rei da Trácia. Foi
encontrava em seu poder (v. Me/ampo e Bias), criado por este e casou com uma de suas filhas
sobre o remédio a dar a tal enfermidade. Me- que era, por isso, sua tia. Pouco depois do ca-
lampo sacrificou dois touros, que cortou em samento, partiu para Tróia com doze navios.
pedaços e expôs às aves de rapina. Em seguida, Foi morto por Agamémnon e seu irmão mais
ficou no local a escutar as conversas dos abu- velho, Crono, tentou vingá-lo, mas não con-
tres que devoravam os cadáveres. Estes diziam seguiu mais que ferir o rei que se afastou mo-
que outrora, enquanto castrava um carneiro, mentaneamente da luta. E também ele acabou
Fílaco pousara o cutelo ensanguentado junto por ser morto sobre o cadáver do irmão.
de Ifielo e que a criança, atemorizada, se apo- 2. Ifídamas é também o nome de um filho
derara da arma e a cravara num carvalho sa- do rei Busíris, que Héraeles matou juntamente
grado. A casca crescera em torno da lãmina e com o pai sobre o altar de Zeus (v. Busíris).
escondera-a completamente. Os abutres acres-
centaram que, se se encontrasse o cutelo e se IFIGÉNIA. ('IqHy€vE,a.) Ifigénia é uma das
preparasse uma bebida com a ferrugem que o filhas de Agamémnon e Clitemnestra (v. qua-
cobria, Ificlo ficaria curado se a tomasse dez dro 2, p. 12), mas não aparece, pelo menos
dias a fio. Teria então um filho. Melampo en- com esse nome, na epopeia homérica (v. Aga-
controu o cutelo, preparou a bebida prescrita mémnon). É apenas com as epopeias cíelicas
e Ificlo teve um filho que se chamou Podarces. que a sua lenda se desenvolve e sobretudo com
Ífielo era famoso pela sua rapidez; conseguia os tragediógrafos que lhe dedicaram numero-
correr sobre uma seara de trigo sem dobrar as sas obras. Agamémnon provocara a cólera de
espigas. Assim, ganhou o prémio da corrida Ártemis e a armada aqueia estava retida em
nos jogos fúnebres dados em honra de Pélias. Áulis por uma prolongada calmaria. Consul-
Tomou parte na expedição dos Argonautas tou-se o adivinho Calcas e este respondeu que
com seu sobrinho Jasão (v. quadro 22, p. 244). a cólera da deusa só podia ser aplacada se Aga-
Talvez tenha sido confundido com: mémnon consentisse em lhe sacrificar sua fi-
2. Outro Ífido, filho de Téstio e irmão de lha Ifigénia que, na altura, se encontrava com
AIteia (v. quadro 26, p. 272) que participou na a mãe em Micenas. Primeiramente, Agamém-
caçada de Cálidon e na expedição dos Argo- non recusou, mas, pressionado pela opinião ge-
nautas. ral e sobretudo por Menelau e Ulisses, teve de
3. Ífielo é também um filho de Idomeneu, ceder. Mandou vir a filha sob pretexto de a ca-
rei de Creta. Na ausência deste, foi morto por sar com Aquiles e ordenou a Calcas que a ofe-
Leuco (v. Idomeneu). recesse em sacrifício no altar de Artemis. No
4. O mesmo nome aparece igualmente numa derradeiro momento, porém, a deusa apiedou-
lenda ródia, referido a um chefe dos invaso- -se da jovem e colocou em seu lugar, como ví-
res dó rios que pôs fim ao domínio fenício da tima, uma corça. Levou-a para Táurica (na pe-
seguinte forma: os Fenícios haviam perdido nínsula da actual Crimeia) onde a tornou sua
quase toda a ilha e restava apenas uma guar- sacerdotisa. É esta a lenda na sua forma mais
nição na cidadela de Iáliso, sob as ordens do simples e mais conhecida. Um grande número
príncipe fenício Falanto. Um oráculo garan- de variantes vieram, todavia, sobrepor-se-lhe
tira a este último que não seria obrigado a re- e, por vezes, alterar-lhe o sentido.
tirar da sua posição enquanto os corvos fos- O local do sacrifício mudou: não seria Áu-
sem negros e não houvesse peixes }"Iaágua da lis, mas um lugar chamado Bráuron, na Ática,
cisterna donde bebiam os sitiados. Ifielo soube e seria um urso e não uma corça a vítima que
desse oráculo e decidiu abalar a confiança dos a deusa substituiu. A própria Ifigénia, no mo-
inimigos. Subornou um servo de Falanto (em mento do sacrifício, se teria transformado em
outras versões diz-se que a filha deste, Dórcia, touro, ou em vitela, ou em ursa, ou então
se prestou a fazê-lo por amor a Í ficlo) e man- numa velha mulher e sob essa forma desapa-
dou largar sobre a fortaleza corvos a que em- recera. Explica-se este desaparecimento pelo
branquecera as asas com gesso; em seguida, facto de todos os que assistiam ao sacrifício te-
mandou secretamente introduzir peixes na cis- rem desviado os olhos porque não queriam ver
terna. Ao ver tudo isto, Falanto perdeu a co- consumar-se um crime tão horrível. Uma ver-
ragem e capitulou. Foi esse o fim da hegerno- são «racionalista» diz que o sacrifício foi in-
nia fenícia na ilha de Rodes. terrompido pelo súbito aparecimento de um

lfídamas: 1) PAUSAN., IV, 36, 4; V, 19,4; 11., XI, 26, 5; IX, 19, 6; ANT. LIB., Transf., 27; SERV., ad
221 e s.: Eusr. ad Hom., p. 840, I. 2) ApOlLOD., VIRG., Aen., I, 116; XI, 267; LUCR., I, 85 e S.; Crc.,
Bibl., 11, 3, 11; escól. ad Asoi., RH., Arg., IV, 1396. Ofl, 111, 25; AESCH., tragédia perdida Ifigenia,
Nauck, Trag. Gr. Fragm., p. 229; STEPH. Bvz., s.u.
lfigénia: ApOlLOD., Ep., 11,21 e S.; PROCL. ap. XpUoó1toÀ,e;; Etym. Magn., s.u. "Iep'e;; DIOD. SIC., IV,
Ep. Gr. Fragm. (Kinkel), p. 19 (Cantos Cíprios): 44; HERoD., IV, 104. Cf. P.E. AR IAS, «I monumenti
EUR.,/ph. Aul.; /ph. T; TZETZ., ad Lyc., 103; 143; dell'lfigenia in Aulide»: Bol/. delt'Ist. naz. dei
183; 194; 1374; Anleh., 191; escól. ad 11., 1,108; Dramma antico (1930), pp. 89-96; S. FAZIO, Ifigenia
XIII, 626; HYG., Fab., 98; 120 e S.; 238; 261; Ov., nella poesia..., Palermo, 1932; L. SECHAN, in R. E. G.
Mel., XII, 24-38; DICT. CR., Bell. Tr., I, 19-22; PAU· (1931) 368-426; P. ClEMENT, in A.C. (1934) 393-409;
SAN., I, 33, I; 43, I; 11,22, 7; 35, I; 111, 16,7; VII, A. B.A<r.''''<O"F, in B. A. G. B. (1939), 3-21.
247 íFIS

animal, touro, vitela, corça, etc., ou então de IFIMEDIA. ('I<pLfL&1lôLcx.)É filha de Tríopas,
uma velha mulher; face a tal presságio, o sa- da raça de Cânace (v. quadro li, p. 142). Ca-
cerdote declarou que o sacrifício não era ne- sou com seu tio Aloeu e dele teve três filhos:
cessário e que os deuses não o aceitariam. Ifi- dois filhos chamados Alóadas, Efialtes e Oto
génia foi assim salva. (v. estes nomes) e uma filha, Pâncratis. Ifime-
Na Táurica, lfigénia permaneceu longos anos dia estava enamorada de Posídon e ia frequen-
ao serviço da deusa. A sua função era sacrifi- temente junto ao mar onde derramava água no
car todos os estrangeiros que aportavam ao país seio, até que, por fim, Posídon a satisfez e lhe
em consequência de naufrágios. Isso aconteceu deu os dois filhos cujo pai «humano» era
até ao dia em que reconheceu, em dois estran- Aloeu. Segundo outros autores, os Alóadas ha-
geiros que lhe traziam para serem sacrificados, viam de facto nascido da Terra, como a maio-
seu irmão Orestes e Pílades, que o oráculo de ria dos gigantes, e Ifimedia fora apenas sua
Delfos enviara a Táurica em busca da estátua ama.
de Ártemis de quem ela era a sacerdotisa. Aban- Um dia em que Ifimedia e sua filha Pâncra-
donou então o seu sacerdócio, entregou-lhes a tis celebravam as festas de Dioniso no monte
estátua e fugiu com eles para a Grécia. Drios, na Acaia, foram raptadas por dois pi-
Na viagem de regresso situa-se um episódio ratas da ilha de Naxos (na altura denominada
desenvolvido por Sófocles na sua tragédia Cri- Estrôngile), de origem trácia, chamados Escelis
ses, hoje perdida. lfigénia e o irmão, junta- e Cassameno, ou então Sícelo e Hegétoro (v.
mente com Pílades, abordaram a cidade de Es- Pâncratis). Por amor às duas mulheres,
minte, na costa da Tróade, onde Crises era bateram-se e mataram-se um ao outro. O rei
sacerdote de Apoio. Crises tinha consigo um de Naxos, Agassámeno, deu lfimedia a um dos
filho de sua filha Criseida e de Agamémnon, seus amigos e ficou com Pâncratis para si.
nascido enquanto a mãe estava cativa no acam- Aloeu enviou seus dois filhos à procura da sua
pamento dos Gregos (v. Crises e Criseida). Esse filha e da mulher. Os dois gigantes atacaram
filho tinha o mesmo nome que o avô e rece- a ilha de Naxos, expulsaram os Trácios que lá
bera o direito de sucessão como sumo pontí- se haviam estabelecido e reinaram na ilha.
fice. Dizia-se que era filho de Apoio. Quando Mostrava-se o túmulo de Ifimedia em Anté-
os fugitivos chegaram, perseguidos por Toas, dono
rei da Táurica, Crises prendeu-os e preparava-
ÍFIS I. CI<pLÇ.)1. Ífis é o nome de um herói
-se para os entregar a Toas quando o avô lhe
revelou o segredo do seu nascimento. Então, argivo, filho de Alector; era pai de Etéocles
Crises matou Toas e seguiu os irmãos até Mi- (quadro 13, p. 152), um dos Sete Chefes que
cenas. Outra versão chega mesmo a referir Ifi- atacaram Tebas, e de Evdane, mulher de Ca-
génia como filha de Criseida e não de Clitem- paneu. Segundo outra tradição referida por
nestra. Teria sido raptada por piratas citas, Pausânias, Ifis era filho de Alector e irmão de
durante a viagem de regresso, quando Aga- Capaneu. Os seus dois filhos, assim como Ca-
mémnon voltava à Grécia após a tomada de paneu, tiveram um fim trágico: Etéocles mor-
Tróia. O jovem Crises terá morrido na Bitínia, reu diante de Tebas; Evadne lançou-se à pira
em Crisópolis, cidade assim denominada em fúnebre de seu marido, que um raio atingira
sua memória. no momento em que tomava de assalto a rnu-
Outra variante extremamente aberrante faz ralha (v. Capaneu). Através de seus filhos, Ifis
de Ifigénia a filha que Teseu teve de Helena foi assim castigado porque outrora aconselhara
quando a raptou (v. Teseu e Helena) antes do Polinices a corromper Erifile, mulher de An-
seu casamento. Salva pelos Dióscoros seus ir- fiarau, dando-lhe o colar de Harmonia (v. Eri-
mãos, Helena jurou-lhes que continuava vir- file). Como não tinha outros filhos, ao mor-
gem. Na realidade, porém, dera clandestina- rer, legou o reino ao filho de Capaneu,
mente à luz uma menina, Ifigénia, que confiou Esténelo.
a sua irmã Clitemnestra. E esta criou-a como 2. Ífis é também o nome de outro argivo, fi-
se fosse sua filha. lho de outro Esténelo, filho de Perseu (quadro
Ora se dizia que Ifigénia morreu elT!Mégara, 32, p. 370) e irmão de Euristeu, que participou
onde tinha um santuário, ora que Artemis a na expedição dos Argonautas.
3. Ifis é também o nome do amante de Ana-
tornara imortal, identificando-se com a deusa
Hécate, ou ainda que vivia uma vida miste- xárete, a jovem de Salamina de Chipre que
riosa, casada com Aquiles, na Ilha Branca (v. Afrodite transformou em pedra (v. a sua
Aquiles), na foz do Danúbio. Assim se encon- lenda).
trava consumada a união de Ifigénia e Aqui- ÍFIS 11. ('I<pLç.)1. Como nome feminino,
les, projectada por Agarnémnon, primeira- Ífis refere-se a uma das filhas de Téspio que
mente como pretexto, mas depois desejada por se uniu a Héracles (v. este nome).
Aquiles e talvez mesmo pela jovem, que o sa- 2. É também o nome de uma cativa de Ci-
crifício, porém, viera impedir. ros que Pátroclo amou.

Ifimedia: Od., XI, 305 e S.; PINO., Py/h., IV, 156; Aroi.. RH., Arg., IV, 223, 228; Dioo. SIC., IV, 28;
escól. ad Asoi.. RH., Arg., 1,482; ad 1/., V, 385; VAL. FLAC., Arg., I, 441; VII, 423. 3) V. Anaxá·
HVG., Fab., 28; Dron, SIC., V, 50 e S.; PARTH., rete.
Ero/., 19. Íris 11: 1) ApOLLOO., Bibl., li, 7, 8. 2) 1/., IX,
Íris I: 1) PAUSAN., li, 18,5; X, 10,3; ApOLLOO., 667; PAUSAN., X, 25, 4. 3) OV., Met., IX, 666 e s.
Bibl., Ill, 6, 3; AESCH., Th., 458 e S. 2) Escól. ad V. Jante.
iFITO 248

3. Finalmente, Ífis era a filha de Ligdo racles roubara, ou que Autólico roubara e con-
e Teletusa, dois cretenses de Festo. Antes de fiara a Héracles. Este recusou-se a devolver os
o filho nascer, Ligdo ordenara a Teletusa que animais e matou Ífito. Outra versão conta que
o expusesse se fosse uma menina. Quando Héracles era apenas suspeito do roubo e que
estava prestes a dar à luz, ela teve uma visão Ifito veio pedir-lhe ajuda para recuperar o seu
em que Ísis lhe apareceu e a mandou criar o património. Héraeles prometeu, mas ficou
filho, qualquer que fosse o seu sexo. Assim, louco, como já lhe acontecera anteriormente,
quando nasceu uma menina, ela decidiu fazê- e atirou o jovem do alto dos muros de Tirinto.
-Ia passar por um rapaz. Chamou-lhe Ifis, que Para expiar este assassínio, Héraeles teve de ser
é um nome ambíguo, e vestiu-a como se fosse vendido c0I!l0 escravo (v. Õnfales.
um rapaz. Mas depressa se apaixonou por Ifis 3. Outro Ifito é a vítima morta por Copreu,
uma jovem chamada Iante, que partilhava do arauto de Euristeu (v. Copreu).
erro comum e pensava que se tratava de um 4. No limite entre os tempos mitológicos
jovem. As duas donzelas foram prometidas em e os tempos históricos, conhece-se outro Ifito,
casamento uma à outra. A mãe de Ifis estava rei de Élide, contemporâneo de Licurgo, o le-
bastante embaraçada; fez adiar o casamento gislador de Esparta, que reorganizou os Jogos
sob diversos pretextos, mas acabou por não po- Olímpicos caídos em desuso depois da sua cria-
der retardá-I o mais. Pediu então a Isis que a ção por Héracles e da morte do rei Óxilo (v.
livrasse de apuros. A deusa apiedou-se dela e este nome). Ifito, que fora pedir ao oráculo de
transformou Ífis em rapaz; e o casamento Delfos um remédio contra os diversos flage-
realizou-se (v. também Caloteia, 2). los, epidemias e divisões políticas que na altura
assolavam a Grécia, recebeu como conselho
ÍFITO ("Iqll~oç.) 1. O primeiro herói com
que restaurasse os jogos de Olímpia. Ao
este nome é filho de Náubolo, príncipe da Fó-
mesmo tempo, persuadiu as populações de
cida. É pai de Esquédio e Epístrofo, chefes do
Élide a prestarem um culto a Héraeles, que
contingente focense no cerco de Tróia. Parti-
sempre haviam considerado como inimigo. Es-
cipou com Jasão na expedição dos Argonautas.
tabelecendo um acordo com Licurgo, de Es-
2. O herói mais conhecido com o nome de
parta, Ifito levou a cabo um começo de união
Ífito é o filho de Êurito. Pertence ao ciclo de
pan-helénica aquando das paregírias de Olím-
Héracles; a sua lenda é complexa e formada
pia, o que constituía um primeiro remédio con-
por diferentes estratos. Por vezes figura entre
tra a divisão política de que a Grécia sempre
os Argonautas, com Clítio (v. este nome).
sofreu.
Como filho de Êurito, rei de Ecália, é um ar-
cheiro célebre (v. Êurito). Conta a Odisseia UNGE. V. Íinx.
que, depois da morte de seu pai, herdou o arco
divino, presente de Apoio de que seu pai se ser- Í1NX. ("Iuyç.) Íinx é a filha de Pã e da ninfa
via, e ofereceu-o a Ulisses. Foi um penhor de Eco. Diz-se que foi ela quem provocou o amor
hospitalidade que os dois heróis trocaram em de Zeus por 10, dando a beber ao deus um fil-
Messene, onde se haviam encontrado, em casa tro de amor. Como castigo, Hera transformou-
de Orsíloco. Por seu lado, Ulisses deu a Ífito -a ou em estátua de pedra ou numa ave cha-
uma espada e uma lança. Foi com esse arco que mada «íinx» que era utilizada nos sortilégios
Ulisses, no seu regresso de Tróia, matou os pre- amorosos.
tendentes de Penélope.
Nesta versão da lenda, Êurito morreu antes * ILHA TlBERINA. (Insula Tiberina.) Em
de seu filho, morto por Apoio, com quem qui- Roma, contava-se que, quando os Tarquínios
sera rivalizar em destreza no manejo do arco. foram expulsos, a parte dos seus domínios que
Por vezes atribui-se a morte de Êurito a Héra- ficava a norte da cidade foi consagrada a Marte
eles, aquando da tomada de Ecália (v.lole); e tornou-se o Campo de Marte. No entanto,
Héraeles teria morto ao mesmo tempo Eurito como se estava na altura da ceifa e essa planí-
e seus quatro filhos, entre os quais se contava cie se encontrava coberta de trigo maduro,
Ífito. No entanto, conta-se também que Ifito decidiu-se atirar ao rio esse trigo que, consa-
foi o único dos irmãos que tomou o partido grado ao deus, não podia ser consumido sem
de Héraeles e foi de opinião que se lhe desse incorrer em sacrilégio. O nível das águas estava
a mão de Íole, que o herói ganhara no concurso baixo e os molhos do cereal ficaram presos em
de tiro ao arco. Este comportamento explica bancos de areia, dando origem à Ilha Tiberina,
que tenha escapado ao massacre quando a ci- junto ao Palatino.
dade foi tomada. No entanto, nem por isso dei- Segundo outra versão, o Campo de Marte
xou de morrer às mãos de Hérac1es. Quando não pertencia aos Tarquínios, mas fora volun-
Ulisses o encontrou, em Messene, Ífito andava tariamente consagrado pela sua proprietária,
em busca das éguas (ou então dos bois) que Hé- a Vestal Tarquínia.

Ífito: 1) ApOLLOO., 1,9, 16; li., li, 518, e escól. Tr., 266; 0100. SIC .• IV, 31; escól. ad li., lI, 336; V,
ad v. 517; XVII, 306; Ar-or., RH., Arg., I, 207 e S.; 392; PAUSAN. X, 13, 8. 3) ApOLLOO., lI, 5, I.
IV, 529 e S.; 1547 e S.; PAUSAN., X, 4, 2; 36, 10; 4) PAUSAN., V, 4, 4 e S.; cf. PLUT., Lyc., 1; 23 e S.;
HVG., Fab., 14; 97. 2) ApOLLOO., Bibl., li, 6, 1 e Eus., Cron. cf. I, p. 192 f.
S.; Ar-oi.. RH., Arg., I, 86 e S.; lI, 114; HVG.,
Íinx: SUID., s.u. ,urç; escól. adTHEocR., 11,17; ad
Fab., 14; Od., VIII, 226 e S.; XXI, 11 e S.; escól.
PINO., Nem., IV, 56.
ad v. 22; SOPH., Tr., 270-273; TZETZ., Hom., 11,
417-423; escól. ad EUR., Hipp .• 545; ad SOPH., Ilha Tlherina: LIV., 11,5; PLUT., Popl., 8.
249 lLO

* ÍLIA. ('IÀla.) Ília é o nome com que se de- e Calírroe (v. o mesmo quadro): Cleópatra, 110,
signa frequentemente Reia Sílvia, mãe de Ró- Assáraco e Ganimedes. Casado com Eurídice,
mulo e Remo. Certos mitógrafos antigos que Apolodoro diz filha de Adrasto, teve um
esforçaram-se por distinguir, nas versões da filho, Laomedonte, que por sua vez teve cinco
lenda da fundação de Roma, aquelas em que filhos, entre os quais se contava Podarces, cha-
a mãe de Rómulo se chamava Reia e as outras mado Príamo, e três filhas, sendo uma delas
em que se denominava Ília (o que quer dizer Hesíone. Além de Laomedonte, 110teve uma
«a Troiana», «a mulher de Ílio»). Segundo es- filha, Temiste, que casou com Cápis (filho de
ses mitógrafos, o nome de Ília estaria reservado Assáraco) e, por isso, foi a avó de Eneias. Este
às lendas em que a mãe de Rómulo é a filha 110é o antepassado comum entre o ramo de
de Eneias e Lavínia. No entanto, a lenda é a Príamo e o de Eneias, aos quais pertenceu su-
mesma qualquer que seja a filiação. Reia-Ília cessivamente o poder real em Tróia.
é sempre amada por Marte, que lhe dá gémeos, 110fundou a cidade de Tróia (Ilio), nas se-
e Amúlio, rei de Alba, que a condenara a ser guintes circunstãncias: oriundo da Tróade, fo-
Vestal por medo dos filhos que ela poderia ter ram à Frígia participar em jogos organizados
se casasse, ou a mantém prisioneira, ou a por um rei desse país. Aí, conquistou o pré-
manda lançar ao Tibre. Conta-se que o deus mio constituído por cinquenta jovens escravos
do rio conseguiu a sua divinização e a despo- de ambos os sexos. Por indicação de um orá-
sou (v. Reia). culo, o rei acrescentou a este prémio uma vaca
malhada e aconselhou-o a que se estabelecesse
ILÍONA. V. Jlíone. no sítio onde ela parasse e aí fundasse uma ci-
ILÍONE. ('IÀ,óY1).)lIíone é a filha mais ve- dade. A vaca dirigiu-se para norte e parou
lha de Príamo e de Hécuba e mulher de Poli- numa colina da Frígia chamada a colina de
mestor (v. Deípilo e Polimestor). Ate. Aí caíra Ate (o Erro), lançado do céu por
Zeus (v. Ate). 110construiu no local uma ci-
ILIONEU. ('IÀLOy&úç). Ilioneu é o nome dade a que chamou Ílio (a futura Tróia) e que
usado: 1. pelo filho mais novo de Níobe e An- se erguia na planície do Escamandro, perto de
fíon; 2. pelo filho do Troiano Forbas; 3. por Dárdano, a cidade do monte Ida fundada por
um companheiro de Eneias; 4. finalmente, por Dárdano (v. Dárdano). •
um velho troiano massacrado por Diomedes Algum tempo depois da fundação de lIio,
durante o saque da cidade.
Zeus, a pedido de 110,enviou-lhe um sinal para
ILÍRIO. ('IÀÀúpLOç.) lIírio é o filho mais lhe testemunhar o seu favor e confirmar a sua
novo de Cadmo e Harmonia, que estes tiveram escolha do local. Uma manhã encontrou de-
aquando da expedição contra os I1írios. Foi ele fronte da sua tenda uma estátua que descera
quem deu o nome a essa região (v. também Ga- milagrosamente do céu, o Paládio, que tinha
lateia). três côvados de altura e cujos pés estavam jun-
tos; na mão direita segurava uma lança, na es-
ILITIA. (ED-dSu,a.)I1itiaé o génio feminino querda uma roca e um fuso (v. Paládio). Re-
que preside ao parto. É filha de Zeus e Hera, presentava a imagem da deusa Atena, Palas.
e irmã de Hebe, Ares e Hefesto. Fiel servidora 110construiu um templo para receber a está-
de sua mãe, é também instrumento dos seus tua que foi o grande templo de Atenas em
ódios. Tenta, por exemplo, impedir o parto de Tróia. Em outras tradições, a estátua caiu pelo
Leto (v. este nome) e o de Alcmena (v. Galín- tecto do templo quando este não estava ainda
tias).
concluído e tomou ela própria o lugar ritual.
Por vezes, os poetas falam de I1itias, conce- Outra versão conta ainda que, durante o in-
bidas neste caso como uma pluralidade de gé- cêndio que atingiu o templo, 110salvou a es-
nios. tátua retirando-a das chamas; mas cegou, pois
ILO. ("iÀoç.) O nome de 110surge por duas não Iher era permitido ver essa imagem divina.
vezes na família real de Tróia. No entanto, Atena deixou-se mover pelas suas
1. O primeiro herói assim chamado é um dos oraçôes e devolveu-lhe a vista, já que o sacri-
quatro filhos de Dárdano (v. quadro 7, p. 112). légio cometido tinha justificação.
Morreu sem descendência. Segundo alguns autores, 110combateu con-
2. O nome reaparece duas gerações mais tra Tântalo e Pélops, responsáveis pelo rapto
tarde, referindo um dos quatro filhos de Trós de seu filho Ganimedes, e baniu-os.

Ília: VIRO., Aen., I, 274; VII, 659; SERV., ad IIírio: ApOLLOO., Bibl., I1I, 5, 4; STEPH. Bvz., s.u.
VIRO., Aen., I, 273; I1I, 333; VI, 778; Hvo., Fab., 'IÀÀúp,,,,; cf. STRAB., VIII, 7, 8, p. 326.
252; FESTUS, p. 267 M; PWT., Qu. Rom., 3; CONON, Ililia: 11., XI, 271; XIX, 119; HES., Theog.,.922;
Narr., 48; AEL., VH, VI, p. 510 e s.; DION. HAL.,
PINO., Nem., VII, 2; ApOLLOO., Bibl., I, 3, 1; 0100.
Anl. Rom., 1,73; Crc., I, 20, 40; PORPH., ad HOR., SIC., V, 72; Ov., Mel., IX, 285 e s.; ANT. LIB.,
O., I, 2; Ov., Fast., lI, 598; cf. os artigos Romulo Transf., 29; Hymn. Hom., DeI., 98 e s.
e Reia Süvia.
110: 1) ApOLLOO., Bibl., III, 12, 2. 2) ApOLLOO.,
Ilíone: VIRO., Aen., I, 653; SERV., ad VIRO., Aen., ibid.; 11., XX, 215 e S.; 232 e s.; STEPH. Bvz., s.u.
III, 15; 49; I, 653; Hvo., Fab., 90; 109; 240; 243; 'A,,6Ào'l'oç e "IÀLOv; Lvc., Alex., 29; TZETZ., ad loc.;
254; HOR., S., lI, 3, 61, e escól. 0100. SIC., IV, 74 e S.; PWT., Parall. min., 17; PAU·
Itíoneu: 1) Ov., Mel., VI, 261. 2) 11., XIV, 489 e SAN., lI, 22, 3. 3) Od., I, 259; lI, 328; e EUST., so-
s. 3) VIRO., Aen., I, 120; 521; IX, 501. 4) QUINT. bre ambos os passos; cf. STRAB., VIII, 3, 5, p. 338
SM., XIII, 181. (sobre a cidade de Éfira).
IMBRASO 250

3. Um terceiro herói de nome 110é citado na de Ínaco. Ou então, Zeus fulminou-o, o que
Odisseia como pertencendo à raça de Jasão.É fez com que o leito de Ínaco secasse.
geralmente referido como filho de Mérmero e
* ÍNCUBOS. (lncubi.) Os Íncubos são gé-
neto de Feres lI, filho de Jasão e Medeia. Nesta
nios do folclore romano; dizia-se que vinham,
versão da lenda, Mérmero e Feres não são os
de noite, pousar sobre o peito das pessoas que
dois filhos de Medeia mortos pela mãe (ou pe-
dormiam, a quem causavam pesadelos. Por ve-
los Coríntios), aquando do assassínio de Glauce
zes, uniam-se às mulheres adormecidas.
(v. Medeia e Jasão, e quadro ~3, p. 258).
Representam-se estes demónios com um bar-
Este 110 reinava em Efira de Elide e herdara
rete de forma cónica na cabeça, que, de vez em
da sua antepassada Medeia o segredo de vene-
nos infalíveis. Antes de partir para Tróia, o quando, perdiam nos seus folguedos. Quem
encontrasse um desses barretes adquiria ime-
próprio Ulisses lhe foi pedir um veneno para
diatamente o poder de descobrir tesouros es-
impregnar as suas flechas, com o objectivo de
condidos.
as tornar mais certeiramente mortais. 110, po-
rém, por temor das leis divinas, recusou-lho. * INDÍGETES. (lndigetes.) Em Roma, os
«deuses indígetes» são uma categoria de divin-
ÍMBRASO. nll~p<xaoç.) 1. Ímbraso é um
dades extremamente numerosas, que com-
rio da ilha de Samos, cujo deus, homônimo,
preende todas aquelas cuja função se limita à
é filho de Apoio e da ninfa Ocírroe. 2. E tam-
realização de um determinado acto e que, ge-
bém o nome de um chefe trácio cujo filho, Pí-
ralmente, não têm existência para além desse
roo, intervém na Iliada.
acto. São, por exemplo, os «poderes» que
ÍNACO. ("Iv<xxoç.) Ínaco é um deus-rio da acompanham o ser humano desde o seu nas-
Argólida. Diz-se que reinava outrora em Ar- cimento (e mesmo desde a concepção) até à
gos e que teve de Mélia, filha de Oceano, dois morte, de Conseuius (o deus da concepção) a
filhos: Foroneu e Egialeu (v. quadro 19, Nenia (a deusa do lamento fúnebre). Há uma
p. 239). É filho de Oceano e de Tétis; diziam divindade que ensina a criança a andar,
os Argivos que vivia desde antes da criação da Abeona, que lhe guia os primeiros passos longe
raça humana e que seu filho Foroneu fora o da casa da família e Adeona que a traz de
primeiro homem. Em outras versões da lenda, volta. Potina é a deusa que a faz beber, etc.
era contemporâneo de Erictónio e de Eumolpo Existe igualmente toda uma série de «deuses
(v. estes nomes) que viviam em Atenas e Elêu- rústicos» que presidem às diferentes fases da
siso Ou então, terá reunido os homens depois cultura e da vegetação: Segetia (de segetes,
do Dilúvio de Deucalião e estabeleceu-os na ceifa), Lacturnus, que faz subir o «leite» na
planície do rio homónimo, a que foi dado o espiga em formação, etc. Algumas dessas di-
seu nome em memória desse benefício. Quando vindades, como Flora e Proserpina, adquiri-
Hera e Posídon disputaram entre si a sobera- ram pouco a pouco uma personalidade mais
nia do país, Ínaco foi escolhido como árbitro marcada, particularmente sob influência da mi-
do diferendo, juntamente com Cefiso e Asté- tologia helénica (v. Flora e Prosérpina-
rion. Tomou o partido da deusa e Posídon, en- -Perséfoney. Outras divindades «indígetes» es-
furecido, amaldiçoou-o; por isso, o leito de tão relacionadas com lugares: Ianus com as
Ínaco mantém-se seco durante todo Verão e só portas, Cliuicola com as ruas em declive; Car-
se enche na altura das chuvas. Ínaco (ou seu dea com os gonzos (cardines) das portas. Ha-
filho Foroneu) foi o primeiro a erigir um tem- via deuses desta espécie em todos os lugares:
plo a Hera Argiva. nas cozinhas, nas prisões e em outros sítios.
Além de Foroneu e Egialeu, atribui-se-lhe Outras encarregavam-se de guiar o viajante,
uma filha, Micena, epónimo da cidade de Mi- impedindo-o de tomar um caminho errado. No
cenas e, por vezes, outros dois filhos, Argos dizer dos Padres da Igreja, que sobretudo nos
e Pelasgo (v. quadro 19, p. 239, que dá a fi- conservaram a memória dos deuses «indíge-
liação mais corrente de ambos), bem como tes», tratava-se de uma «poeira de deuses», de
Caso (v. Ãmice). Mais frequentemente (e é essa uma multidão inumerável que eles considera-
a versão preferida pelos tragediógrafos), vam aviltante para a majestade divina. Com
atribui-se-lhe a paternidade de 10, considerada os deuses indígetes está-se ainda muito perto
também como filha de Íaso (v. /0). As aven- da «mentalidade mágica» que exige a presença
turas da filha causaram-lhe grande tristeza. de um princípio sobrenatural eficaz em cada
Diz-se mesmo que tentou perseguir Zeus, que acto que se realiza. Na época clássica, isso
a raptara. O deus enviou contra ele uma Erí- constitui apenas uma sobrevivência no direito
nia, Tisífone, que o atormentou a tal ponto que essencialmente conservador dos Pontífices e
ele se atirou a um rio até aí chamado Haliác- objecto de interesse para os historiadores como
mon e que, a partir dessa altura, tomou o nome Varrão, cujas obras são fonte dos autores cris-

Ímbraso: 1) ATHEN., VII, 283 e. 2) II., IV, 520. Íncubos: HOR., Ep., V, 95 e S.; TERT., Anim., 44;
Ínaco: ApOLLOD., Bibl., li, I, 1e S.; PAUSAN., li, MACROB., Somn., I, 3, 7; PETRON., Sat., 38; PUN.,
15, 4 e s.; TZETz., ad Lyc., 178; HVG., Fab., 124; N. H., XXV, 4, 29; XXX, 10, 84; AUGUST., Civ. D.,
XV, 23.
143; 145; 155; 235; 274; OV., Met., I, 583; AESCH.,
Pr., 590; 636; 663; 705; SOPH., drama satírico per-
dido, v. NAUCK, Trag. Gr. Fragm., p. 149 e S. e re- Indígetes: AUGUST., Civ. D., IV, 8; VI, 1 e S.;
ferências; PLUT., De Fluv., XVIII, p. 1032. V. tam- TERT., Nat., li, 1 e S.; CENS., De Civ.D. nat., li, 2
bém 10 e Foroneu. e S.; SERV., ad VIRG., Georg., I, 21, ele.
251 IÓBATES

tãos. O seu estudo releva mais da história das guarda. Com um toque da sua varinha mágica,
religiões que da mitologia. Hermes adormeceu cinquenta olhos de Argo,
I~DO. ('Ivõóç.) 1. Indo é o herói epónimo enquanto os outros cinquenta dormiam de um
da India; filho da Terra, foi morto por Zeus; sono natural. Em seguida, matou-o com a sua
trata-se, porém, de uma lenda tardia e artifi- faca. Todavia, a morte de Argo não libertou
cial. É também uma construção recente a lenda 10, a quem Hera enviou um moscardo para a
segundo a qual a mesma personagem, marido atormentar. O insecto agarrou-se-Ihe aos flan-
da ninfa Caláuria, era o pai do rio Ganges (v. cos e enfureceu-a. Então, 10 lançou-se por toda
Egipto e Nilo). a Grécia. Começou por percorrer as costas do
2. Outro Indo é um jovem indiano de grande golfo que, por sua causa, recebeu o nome de
beleza que violou a filha do rei Oxialces e, em golfo Jónico; atravessou o mar no estreito que
seguida, fugiu ao castigo lançando-se ao rio separa a costa da Europa e a da Ásia e deu-
Mausolo que, a partir de então, se chamou -lhe o nome de Bósforo, «Passagem da Vaca».
Indo. Na Ásia vagueou também longamente e aca-
bou por chegar ao Egipto onde foi bem rece-
3. Higino atribui a um rei da Cítia chamado
Indo a invenção do dinheiro, cujo uso teria sido bida e deu à luz o filho que concebera de Zeus,
introduzido na Grécia por Erecteu. o pequeno Épafo (v. este nome e quadro 3,
p. 66) que deu origem a uma raça numerosa
INO. ('Ivw). V. Leucótea. a que pertencem as Danaides. Retomou a sua
10. ('Iw.) 10 é uma jovem de Argos, sacer- primitiva forma e, depois de uma última prova
dotisa de Hera Argiva e que Zeus amou. As para reencontrar o filho, raptado pelos Cure-
tradições diferem quanto a seu pai, mas coin- tes a mando de Hera, voltou para reinar no
cidem todas em dá-Ia como princesa da estirpe Egipto onde foi adorada sob o nome de Ísis.
Na Antiguidade, os historiadores procura-
real de Argos e descendente do filho de ram interpretar historicamente a lenda e expli-
Oceano, Ínaco. Seu pai ora era Íaso (v. qua-
dro 19, p. 239) ora é o próprio Ínaco, O deus- caram que 10 era filha do rei Ínaco e tinha sido
-rio (v. a sua lenda) - esta é a versão prefe- raptada por piratas fenícios e levada para o
rida pelos tragediógrafos. Finalmente, seu pai Egipto; ou então era a amante do capitão do
pode também ser Píren (provavelmente o ir- barco fenício e fugiu de livre vontade. Dizia-
mão de Belerofonte; neste caso, 10 perteceria -se também que 10, raptada por piratas e le-
à casa real de Corinto). Quando se diz ser fi- vada para o Egipto, tinha sido comprada pelo
lha de Ínaco, sua mãe é Mélia; como filha de rei do país quecomo compensação, enviara ao
pai da jovem, Inaco, um touro, conduzido por
laso, tem por mãe Lêucane.
O amor de Zeus por 10 deve-se quer à be- embaixadores. Quando estes chegaram à Gré-
leza da jovem quer aos feitiços de linx, filha cia, Ínaco morrera. Não sabendo o que haviam
de Eco (v. a sua lenda). Contava-se que um so- de fazer ao touro, os embaixadores mostraram-
nho levara 10 a dirigir-se às margens do lago -no a troco de dinheiro à população do país,
que nunca vira tal animal. Depois da sua vida
de Lema e a entregar-se aí aos abraços de Zeus. terrena, 10 foi transformada em constelação.
10 contou o seu sonho ao pai, que consultou
Na origem das narrativas concementes a 10 e
os oráculos de Dodona e Delfos. Ambos lhe à sua descendência, encontrava-se uma epopeia
disseram que obedecesse se não queria ser ful- hoje perdida, a Danaide.
minado com toda a sua família. Zeus uniu-se
à jovem e, pouco depois, Hera desconfiou da IÓBATES. ('Io~á~Tjç.)lóbates é um rei da
aventura. Então, para salvar 10 dos ciúmes da Lícia, que desempenha um importante papel
mulher, Zeus transformou-a numa vitela ma- na lenda de Acrísio e na de Belerofonte. Acrí-
ravilhosamente branca. E jurou a Hera que ja- sio expulsara seu irmão gémeo, Preto, do reino
mais amara esse animal. Hera exigiu que lho de Argos (v. Acrlsio). Preto refugiu-se na Lí-
oferecessem e 10 achou-se assim consagrada a cia, na corte de lóbates, que acabou por lhe
- sua rival que a confiou à guarda de Argo dos dar em casamento sua filha.Anteia, também
Cem Olhos (v. Argo), parente da jovem. chamada Estenebeia (v. este nome) e por or-
Começaram então as provas de 10. Vagueou ganizar com ele uma expedição com o fim de
pelos arredores de Micenas e depois por Eu- lhe devolver o reino. Assim, Acrísio reinou em
beia. E por onde quer que passasse a terra fa- Argos e Preto em Tirinto. Entretanto, Preto
zia nascer plantas novas para ela. Zeus julgou que Belerofonte quisera seduzir-lhe a
compadeceu-se da sua amante (a quem, diz-se, mulher e enviou-o a lóbates, pedindo-lhe se-
se juntava por vezes sob a forma de um touro) eretamente que o matasse. No entanto, Bele-
e encarregou Hermes de a arrebatar ao seu rofonte triunfou facilmente das provas a que

Indo: 1) NONN., Dion., XVIII, 21; PLUT., De 47,4; HEROO., I, 1; u, 41; HVG., As/r. Poe/., n, 21.
Fluv., 4. 2) PLUT., ibid., 25.3) HVG., Fab., 274. Cf. A. SEVERYNS,«Le cycle épique et l'épisode d'Io»:
Mus. Be/ge (1926), 131 e S.; Ch. JOSSERANO,in An/.
10: ApOLLOO., Bibl., 11,1,3 e S.; PAUSAN., 11,16,
Class. (1937), p. 259; U.PESTALOZZA, ar/o cito no art.
1; Iíl, 18, 13; cf. 1,25, 1; LUCIAN., D. Deor., I1I;
Hera; cf. J.BERARO, in Syria, 1952.
Ov., Met., I, 583 e S.; HVG., Fab., 145; 149; 155;
AESCH., Supp., 41 e S.; 291 e S.; 556 e S.; Pr., 589
e S.; 640 e S.; SUID., s.u. 'Icú e "Iciç; escól. ad Asot., Ióbates: ApOLLOO., Bib/., 11, 2, 1 e S.; I/. , VI, 169,
RH., Arg., n, 168; escól. ad Od., n, 120; PUN., N. e escól. ad v. 155; OIOD. SIC., VI, 7, 8; HVG., Fab.,
H., XVI, 239; HES., f. 47; 0100. SIC., 1,13,5; I, 25; 57; SOPH., tragédia perdida com esse nome (Nauck,
rn, 74; v, 60; PARTH., Erot., 1; MART., Epigr., XI, frags. 275 e s.).
IOBES 252

o rei o submeteu (v. Belerofontei e casou com (eAmor da Abandon~d~»), as~ilI! d~nomina_da
a segunda filha de lóbates, chal!lada Fil?n~e, sem dúvida em memorra do divórcio da mae.
ou Cassandra, ou Alcímene ou ainda Anticleia. lolau, companheiro das vitórias, é também
Ao morrer, lóbates legou o seu reino a Bele- companheiro no exílio imposto a Héracl~s.por
rofonte. Euristeu e com ele deixou a Cidade de Tirinto
para se refugiar na Arcádil'; (v. Héra~/es).
ÍOBES. ('16~1)<;).Íobes é um dos filhos que
Seguiu-o também quando Heracles SUbiU ao
Héracles teve de uma filha de Téspio, de nome
Eta, para o sacrifício fi~al e a apoteose.
Certe. Depois da morte de Heracles, ajudou os He-
IOCASTO. V. Jocasto . raclidas e esforçou-se por Ihes encontrar um
local onde se estabelecessem. Levou muitos de-
IODAMA. ('loMfJ.O<). lodama é filha de
les para a Sardenha, particularmente a maior
Itono e, por isso, neta de Anfíction, da raça
parte dos netos do rei T.éspio (v. Heraclid.a~ e
de Deucalião (v. quadro 8, p. 116). Era sac~r-
dotisa de Atena Itónia, na região de Coroneia,
Téspia) e também atemenses: Fundou van~s
cidades nomeadamente Ólbla. Mandou vir
na Beócia. A deusa apareceu-lhe uma noite, re-
Dédalo: que construiu grandes e.difícios que
vestida com a égide, e foi transformada em pe- subsistiam ainda no tempo de Diodoro. Ora
dra. Tinha um altar no templo e, ainda no se diz que morreu na Sardenha ora que voltou
tempo de Pausânias, todos .os dias uma mu- a fixar-se na Sicília, onde fundou um grande
lher repetia três vezes, reavivando o fogo n-
número de santuários em honra de Héracles di-
tual: «Iodama está viva e pede fogo.»
vinizado. Ele próprio recebeu' culto na Sarde-
lodama foi amada por Zeus, que lhe deu
nha e em outros locais e as populações que es-
uma filha chamada Tebe (v. este nome); Zeus
tabelecera na ilha receberam o nome de loleus.
deu a filha em casamento a Ógigo,
Na sua velhice (ou mesmo depois da sua
Uma lenda curiosa transmitida por Tzetzes morte, pois ressuscitou com o propósito ~x-
faz de lodama a irmã de Atena. A deusa, de presso de realizar esse feito), C~Stlgou Eun~-
carácter belicoso, matou acidentalmente essa teu, que perseguia com o seu ódio os Herach-
irmã, quando se exercitava no manejo das ar- das' diz-se inclusivamente que o matou. A seu
mas (compare-se com a lenda de Palas). pedido, Zeus e Hebe haviam-lhe devolvido por
IOLAU. ('16Ào<oç.)lolau é sobrinho de H~- um dia a força e a juventude.
racles. É filho de Íficles, meio-irmão do herói, ÍOLE. ('16À1).) Íole é a filha do rei de Ecá-
e de Automedusa, filha de Alcátoo (v. quadro
lia, Êurito. Seu pai oferecera-a como prémio
32, p. 370). Acompanhou duran.te toda a vida de um concurso de tiro ao arco, que foi ganho
o tio nos seus trabalhos e conduzia-lhe o carro. por Héracles (v. Êurito e Hé!acles); no e~-
Interveio, por exemplo, no combate contra a
tanto não a concedeu ao herói, porque temia
hidra de Lema e, em seguida, na luta contra que eie enlouquecesse, como já lhe acontecer~,
Cicno, filho de Ares. Ajudou Héracles a des- e matasse os filhos que pudesse ter de sua fi-
pojar Cicno das suas armas. Acompanhou-o lha. Héracles teve de tomar pela força a cidade
na expedição destinada a apoderare~.-se dos de Ecália e apoderar-se da jovem, que levou
bois de Gérion, no ataque contra Tróia e, de prisioneira. Ao sabê-lo, Dejanira enviou a Hé-
um modo geral, mesmo quando os testemu- racles a túnica fatal (v. Dejanira) e, deste
nhos literários não referem a sua presença em
modo, Íole foi indirectamente a causa da m?rte
qualquer dos episódios do ciclo de Héracles, do herói. Na pira fúnebre, Héracles confiou-
os monumentos representativos não deixam de
-a a seu filho Hilo.
o mostrar ao lado de Héracles (por exemplo, Certas versões apresentam Íole resistindo ao
no país das Hespérides, na luta com Anteu, na amor de Héracles vitorioso e preferindo vê-I o
busca de Cérbero, nos Infernos, etc.). Estava massacrar seus pais sob os seus próprios olhos
também com ele entre os Argonautas e é refe- a ceder-lhe. Noutras versões, tenta suicidar-se
rido entre os caçadores de Cálidon. Por fim, durante a tomada da cidade, atirando-se do alto
obteve o prémio da corrida de carro,s c~m o da muralha. Os seus amplos vestidos, porém,
tiro do herói, nos primeiros Jogos Olímpicos, sustêm-na e ela cai sem lhe acontecer qualquer
quando Héracles os instituiu, bem como ,~os mal. Héracles envia-a então a Dejanira, como
jogos fúnebres celebrados em honra de Pehas cativa, mas esta, ao ver uma jovem tão bela,
(v. Glauco, 3). , sente o ciúme despertar e prepara o filtro mortal.
Quando Héracles quis casar com lole, cedeu
sua esposa Mégara ao sobrinho, que a ~e~po- ÍON. ("Iwv.) Íon é o herói que deu o nome
sou e lhe deu uma filha chamada Leipéfile aos Iónios. Pertence à estirpe de Deucalião e

Íobes: ApOllOO., Bibl., 11,7, 8. lonísation, p. 434 e S.; G.PICARO, Hannibal, Paris,
1967, p. 32 e s.
lodama: PAUSAN., IX, 34, 1 e S.; TZETZ., ad Lyc.,
355; 1206; STEPH. Bvz., s.U. 'hwv\Ç. V. Itono, iol.: APOLLOO., Bibl., 11,6, 1; 7, 7; HVG., Fab., 31;
35; 36; SoPH., Tr., passim, e esc61.; 01.00. SIC., IV, 31;
1018U: AP.olLOO., Bibl., 11,4, lI; 5, 2; 6, I; PAU· ATHEN., XIII, 560 c; PWT., Parall. mm., 308.
SAN., 1,19, 3; 29, 5;44,10; V, 8, 3es.; 17, 11; VII,
2,2; VIII, 14,9; 45, 6; IX, 23, 1; 40, 6; X, 17,5; ion: HEROO., VII, 94; IX, 44; Ar-ou.oo., Bibl., I,
HES., Scut., 74 e S.; Theog., 317; TZETZ., ad Lyc., 7,3; esc61. ad 11., I, 2; STRAB., VIII, 7, 1, p. 383; IX,
830; 01.00. SIC., IV, 24; 29; 30; 31; 33; 38; V, 15; 1,18, p. 397; PAUSAN., I, 31, 3; 11, 14,2; 26,1; VII,
PINO., Nem., in, 36; I., I, 14; HVG., Fab., 14; 173; 1,2 a 2,3; 4, 2; 25, 8; EUR., Ion, passtm; esc61; ad
273; STRAB., V, 2, 7, p. 225; EUR., Hercl., 843 e S.; ARISTOPH., Nu., 1468; Av., 1527; SOPH., tragédia
esc61. ad PINO., Pyth., IX, 137; cf. J. BÉRARO, Co- perdida Creúsa, Trag. Gr. Fragm. (Nauck), p. 164.
253 (RIS

é sobrinho de Doro e de Éolo e filho de Xuto na guerra contras os descendentes de Caleo-


e Creiísa, filha de Erecteu (v. quadro 8, p. 116 donte. Esta união, porém, era estéril; por isso,
e 12, p. 144). Xuto e Creúsa foram a Delfos pedir conselho
Xuto, pai de Íon, fora expulso da Tessália ao oráculo. Este disse a Xuto que adoptasse
por ,seus dois irmãos, Eolo e Doro. Fixara-se como filho a primeira criança que visse ao en-
na Atica, em Atenas, e aí casou com Creúsa. trar no templo. Essa criança era o filho de
Quando morreu o sogro, Erecteu, foi expulso Creúsa, Obedecendo ao deus, Xuto adoptou-
da Atica e estabeleceu-se na costa norte do Pe- -o, mas Creúsa não quis receber aquela criança
loponeso (no país de Egíalo, que mais tarde se· que lhe era estranha e que não reconheceu.
tornou a Acaia) (v. infra). Depois da sua Pensou mesmo em envenená-lo; finalmente,
morte, seus dois filhos, Aqueu e Íon, graças ao cesto em que haviam encontrado o
separaram-se. Aqueu regressou à Tessália, en- menino e a sacerdotisa conservara, Creúsa aca-
quanto Íon se preparava para atacar os Egia- bou por reconhecer o filho em quem revi via o
leus. Ora, o rei desse país, Selino, deu-lhe em sangue dos Erectidas.
casamento sua filha única, Hélice, e designou-o
IÓNIO. ClóvLOç.) 1. Iónio é o epónimo do
como seu sucessor. Quando Selino morreu, Íon
mar Jónio (cujo nome é mais frequentemente
tomou o poder e fundou uma cidade a que cha-
atribuído à passagem de 10, particularmente
mou Hélice, por causa do nome da mulher, e
por Esquilo; anteriormente, o golfo jónio
baptizou como «Iónios» os habitantes do seu
chamar-se-ia «mar de Crono e de Reia»). Ió-
reino. Entretanto, os Atenienses, que estavam
nio é filho de Adrias, rei da Ilíria, que deu
em guerra comas populações de Elêusis, pe-
nome ao mar Adriático.
diram ajuda a Ion e nomearam-no seu chefe.
2. Diz-se também que Iónio era filho de Dír-
Íon respondeu ao apelo, mas morreu .na Atica.
raco, epónimo da cidade de Dirráquio (hoje em
Os seus descendentes conservaram o poder em
dia Durazzo). Dírraco sofria o ataque de seus
Egíalo, até ao dia em que os descendentes de
irmãos quando Héracles passou no país e o so-
Aqueu, regressados da Tessália, de lá os expul-
correu. No combate, porém, o herói matou aci-
saram e deram ao país o nome de Acaia. Essa
dentalmente o filho do seu aliado. O cadáver
é a versão referida por Pausânias. Estrabão
foi atirado ao mar, que tomou então o nome
transmitiu-nos uma versão ligeiramente dife-
de mar Jónio.
rente, que explica igualmente as diversas mi-
grações das raças helénicas, Depois do seu ca- ÍOPE. C IÓ1tTj.}1. Conhece-se uma Íope, re-
samento com a filha de Erecteu, Xuto fundou ferida como filha de Íficles, irmão gémeo de
na Ática a Tetrápole, composta pelos quatro Héracles, e que foi mulher de Teseu. Ignora-
burgos de Énoe, Maratona, Probalinto e Tri- -se, porém, a sua lenda. Trata-se talvez de uma
corinto. Um dos seus filhos, Aqueu, cometeu tentativa de relacionar os dois heróis matado-
involuntariamente um assassínio e fugiu para res de monstros através de um qualquer laço
a Lacedemónia: deu aos povos dessa região o de parentesco.
nome de Aqueus, enquanto Íon submetia os 2. Numa forma obscura da lenda, Íope é
Trácios que combatiam sob as ordens de Eu- também o nome de uma filha de Éolo, casada
molpo (v. este nome), Tal feito valeu-lhe uma com Cefeu, pai de Andrómeda, A maior parte
reputação que levou os Atenienses a fazerem- das vezes, a mãe de Andrómeda chama-se Cas-
-no seu rei. Íon dividiu a Ática em quatro tri- siopeia. Neste caso, porém, Cefeu é rei da Fe-
bos e organizou politicamente o país que, nícia e não da Etiópia (v. Andrómeda). Íope
quando ele morreu, tomou o seu nome. Mais é o epónimo da cidade de Íope.
tarde, os Atenienses enviaram uma colónia
IOXO. ("Iwçoç.) Ioxo é um neto de Teseu
para Egíalo e impuseram a esse país o nome
e filho de Melanipo e Perigune, a filha do ban-
de Iónia. No tempo dos Heraclidas, porém, fo-
dido Sínis. Os descendentes de Ioxo conside-
ram expulsos do território pelos Aqueus que ravam a pimpinela e o aipo como plantas sa-
lhe chamaram Acaia.
gradas dado que, outrora, no momento em que
Eurípides escreveu uma tragédia sopre Íon
Teseu matou Sínis, Perigune fugiu e escondeu-
que romanceia estes dados lendários: Ion não
-se em moitas dessas plantas e prometeu-lhes
é filho de Xuto mas sim de Apoio e Creúsa,
que, se a escondessem bem, jamais lhes faria
filha mais nova de Erecteu. Uniram-se em uma mal.
gruta da Acrópole e foi também lá que o filho
nasceu. Creúsa, porém, não quis criá-Io. Mas ÍRIS. ('Iptç.) Íris é filha de Taumas e Elec-
nasceu, expuseram-no num cesto no meio das tra; pertence à raça de Oceano simultanea-
rochas, pensando que Apoio saberia tomar mente peJo lado paterno e pelo materno, Por
conta dele. E foi precisamente isso que acon- isso, é irmã das Harpias (v, quadro 33, p, 388).
teceu. Hermes levou a criança para Delfos e Simboliza o arco-íris e, de um modo geral, a
confiou-a à sacerdotisa do templo. união entre a Terra e o Céu, entre os deuses
Mais tarde, Creúsa casou com Xuto, para e os homens, que o arco-íris torna visível.
lhe agradecer a ajuda que dera à sua família A maior parte das vezes, representa-se alada

Iónio: 1) Escól. ad Ar-or.. RH., Arg., IV, 308; Ioxo: PllIT., Thes.• 8.
T/ETZ., ad Lyc ., 630; escól. ad PINO .. Pyth., lll, Íris: HES .• Theog., 266; 780; 784; ALC., fr. 13 B
120; SERV., ad VIRG., Aen., 111, 211. 2) ApPIAN., (Bergk); li., lll, 121; VIII, 397 e s.; XVIII, 166;
seu. Cin., 11, 39. XXIV, 77 e s.; XV, 143 e s.; Hymn. hom. Apoll.,
102; VIRG., Aen., IV, 694 e s.; IX, 5-20; EUR .• Herc.
Íope: 1) PI.UT., Thes., 29. 2) STEPH. BYl., S.U. F.. 822 e s.; CALLlM., Dei., 22 e s.; THEOCR., XVII,
'ló1tTj; D. P., fr. 910; CONON, Narr., 40. 134.
IRO 254

e revesti da de um véu ligeiro que. ao sol. ad- do século II d. C .• pelo menos no que con-
quire as cores do arco-íris. Por vezes. diz-se que cerne às divindades femininas.
é mulher de Zéfiro e mãe de Eros.
Como Herrnes, Íris tem a incumbência de le- ISMENA. V. Ismene.
var as mensagens. ordens ou conselhos dos ISMENE. CIcr!i~VT).)1. Uma primeira Isme-
deuses. Está mais estreitamente ao serviço de ne é a mãe de Iaso, na genealogia que o faz fi-
Zeus e. sobretudo. de Hera. de quem surge lho de Argo (v. quadro 20. p. 240). É filha de
quase como uma serva. Outras divindades re- Asopo.
correm por vezes aos seus serviços. 2. Outra Ismene é a irmã de Antígona, tam-
IRO. ('Ipoç.) 1. lro é filho de Actor, rei de bém ela filha de Édipo e Jocasta (quadro 9.
Opunte, e pai dos argonautas Eurídamas e Eu- p. 128). Segundo uma tradição obscura. Ismene
rícion (v. também Euricion filho de Actor). era amada por Teoclímeno, um jovem tebano;
Quando Peleu matou acidentalmente Eurfcion, durante um encontro entre ambos. foi morta
com cuja filha casara. ofereceu carneiros e bois por Tideu, instigado por Atena (v. Tideu).
a Iro para o compensar. Iro, porém. não acei- ISMENO. ('lcr!iYJvóç.)1. Ismeno é o deus do
tou. Um oráculo aconselhou então Peleu a dei- rio hornónímo, na Beócia. Como todos os rios.
xar esses rebanhos em liberdade. Um lobo é filho de Oceano e de Tétis. Por vezes. diz-se
atacou-os e devorou-os. Por intervenção di- que é filho de Asopo e Metope,
vina. esse lobo foi transformado em pedra e 2. A lenda refere outro Ismeno (ou Isrnénio),
esta estátua mostrava-se na fronteira entre a igualmente tebano, filho de Apoio e da ninfa
Lócrida e a Fócida. Mélia (v. este nome). Teve dois filhos. Dirce
2. lro é também o mendigo desavergonhado e Estrófia, duas fontes de Tebas.
referido na Odisseia e contra quem Ulisses teve 3. Ismeno é. finalmente. o nome do filho
de lutar para divertimento dos pretendentes (v. mais velho de Níobe e Anfíon. Foi morto jun-
Ulisses). tamente com os Nióbidas pelas flechas de
Apoio. Ao morrer. lançou-se ao rio que tomou
ÍSIS. ('Icr,ç.) Se bem que Ísis, deusa egíp- o nome do jovem.
cia. não pertença à mitologia helénica nem à
mitologia romana. o seu culto e os seus mitos ÍSQUENO ("Icrx<voç.) Ísqueno é um habi-
espalharam-se de tal modo no mundo greco- tante de Olírnpia, filho de gigante que era. por
-romano desde o começo da nossa era que se seu turno. filho de Hermes e Híerea. Durante
torna impossível não a mencionar. um período de fome. o oráculo indicou como
No panteão egípcio. Ísis é a mulher de Osí- remédio o sacrifício de um nobre do país.
ris e mãe do deus-sol Horo. Set, deus da Som- Ísqueno ofereceu-se voluntariamente como ví-
bra. mata Osíris e. no dia seguinte. Horo vinga- tima. o que lhe valeu grandes honras. Enter-
-o. Durante a noite. têm lugar a busca de Osíris raram-no na colina de Crono, perto do está-
por Ísis (v. Némanus) e as suas lamentações até dio de jogos. Em sua honra celebraram-se
conseguir a vingança. Como mãe dos deuses. jogos fúnebres.
como vencedora dos poderes da noite. Ísis de- Após a sua morte. a população de Olímpia
pressa possuiu mistérios e foi sob este aspecto deu-lhe o cognome de Taraxipo, «Excita-
que se prestou a diversas identificações na re- -cavalos». pois era sempre perto do seu túmulo
ligião helénica. Liga-se ao seu mito (o da pro- que. nas corridas. os cavalos se enfureciam.
cura de Osíris) e à sua iconografia (Ísis era fre- Atribuía-se tal facto à sua influência oculta.
quentemente representada sob a forma de uma ou ainda à sombra de um loureiro que o acaso
vaca. segurando o símbolo da Lua). a história aí fizera nascer e que. agitando-se no solo. as-
de 10 (v. este nome). Foi assimilada a Demé- sustava os animais (v. também Taraxipo).
ter que igualmente procurara sua filha raptada Í~QUIS. ("Icrxuç.) Ísquis é umarcádio neto
por Hades, o deus dos Infernos e do mundo de Arcade, pelo lado de seu pai. Elato (v. tam-
da Noite. Essa assimilação deu-se ainda mais bém Lápitas). Casou com Corónis, filha do rei
facilmente porque Deméter também é uma Flégias, quando ela já estava grávida de As-
Mãe e possui mistérios. Tal como surge. por clépio, filho de Apoio (v. Asclépio). Por causa
exemplo. no tempo de Apuleio, Ísis é um prin- desse delito. Ísquis foi morto pelo deus. assim
cípio feminino universal: reina sobre o mar. so- como a mulher. Por vezes. o amante de Coró-
bre os frutos da terra. sobre os mortos; deusa nis chama-se Alcioneu e não Ísquis.
da magia. preside às transformações das coi-
sas e dos seres. aos elementos. etc. É em torno ISSA. ("Icrcro:.) 1. Issa é uma jovem de Les-
de Ísis que se formou o sincretismo religioso bos, cujo pai se chamava Macareu. Deu o

Iro: 1) Arot.. RH .• Arg .• 1.72 e escól.; TZETZ .• ad L1M.• Dei .• 76. 3) ApOLLOO., Bibl., II1, 5, 6; Ov .•
Lyc., 175; escól. ad !I., XXIII, 88; ANT. LIS., 38. Met., VI, 224; HVG., Fab., 11; PLUT., De Fluv., 2.
2) Od., XVIII, 1 e S.; HVG., Fab., 126. Ísqueno: TZETZ .• ad Lyc .• 38; 42-43; PAUSAN .• VI.
Ísis: V. PLUT., de I. et O.• passim; ApuL.. Met., 20,8.
XI, Cf. Fr. CUMONT, Le symbolisme funéraire ...• Ísquis: PINO., Pyth., I1I, 8 e S.; e escól. ad 14 e S.;
ind., s.u. 60; Ov., Mel .• 11, 542 e S.; ANT. LIS., Transf'., 20;
Ismene: 1) APOLWO., Bibl., li, 1,3.2) SOPH., Anl., v. Asclépio, Cf. Crc., Nat., I1I, 22.
passim; ApOLWO .• Bibl .• III. 5. 8; SOPH .• Arg. Anl. Issa: 1) STEPH. Bvz .• S.U.; TZETZ .• ad Lyc .• 219;
Ismeno: 1) HVG .• Fab .• pr.; ApOLLOO .• Bibl .• lII. Ov .• Met., VI. 124.2) PTOL. HEPH., Nov. hist., 1
12.6; 0100. SIC .• IV. 72. 2) PAUSAN •• IX. 10.5; CAL· (WESTERMANN. p. 183).
255 IULO

nome à cidade de Issa, na sua pátria. Foi nome). A confusão destas lendas é enorme.
amada por um deus, ou por Hermes, ou por Ítalo relaciona-se também com o ciclo de Ulis-
Apoio, ou talvez mesmo por ambos. Atribui- ses e Circe: seria um filho de Penélope e Telé-
-se a Hermes a paternidade de seu filho Prílis, gono (v. Circe, Ulisses e Leucária).
um adivinho de Lesbos (v. Pn7is).
2. Isso é igualmente o nome de Aquiles en- ÍTILO. ("huÀoç.) Na lenda do rouxinol (v.
tre as filhas do rei Licomedes, em Siros (v. a Aédon) segundo a versão tebana, Ítilo é o fi-
sua lenda). Durante esse período da sua exis- lho de Aédone do Tebano Zeto. Foi morto por
tência, em vez de Issa, chamava-se-lhe por ve- sua mãe que julgava matar Amaleu, filho mais
zes Pirra, ou ainda Cercísera. velho de sua cunhada Níobe, de quem tinha
ciúmes porque tinha muitos filhos enquanto ela
ISTMÍADES. ('I"ef.L,áoT]ç.)Istmíades é o tinha apenas dois, Ítilo e Neide.
marido de Pelarge, filha de Potneu. Como o
culto dos Cabiros se desorganizara por causa ÍTIS. ("huç.) Ítis é o nome do filho de
da expedição dos Sete Chefes contra Tebas, foi Procne na fase mais recente da lenda do rou-
ele quem, juntamente com a mulher, o restau- xinol, tal como surge sobretudo nos tragedió-
rou na Beócia. Quando Pelarge morreu, um grafos. Seu pai não é Zeto, como na versão
oráculo de Dodona ordenou que lhe concedes- precedente (v. Íti/o), mas Tereu, rei da Trácia,
sem honras divinas por causa do seu zelo para que casara com Procne, filha de Pandíon, rei
com os deuses. de Atenas. Com ele, a lenda deixa de ser te-
bana e torna-se ática (v. Tereu). Depois de
ISTRO. ("I,,~poç.) Istro é a personificação morto e de a sua carne ter sido servida como
do rio com o mesmo nome (hoje em dia, o Da- repasto a Tereu, Ítis foi transformado em ave
núbio). Como todos os rios, é filho de Oceano (um faisão").
e Tétis. Dois dos seus filhos, chamados Héloro Finalmente, há uma lenda milésia muito se-
e Acteu, combateram na Mísia, ao lado de Té- melhante, cuja heroína é Aédon (v. este nome).
lefo aquando do desembarque grego. Nesta versão, Aédon transforma-se em rouxi-
ÍTACO. ne<xxoç.) Ítaco é o herói epónimo nol, mas seu filho, Ítis, parece que não teve
da ilha de Ítaca. É filho de Ptérelas e de Anfi- idêntica sorte.
mede e pertence à raça de Zeus. Tem dois ir- ITOME. ('lewf.LT].)Itome é uma ninfa da
mãos, Nérito e Polictor, que com ele emigra- montanha do mesmo nome, na Messénia. Se-
ram de Corfu e fundaram a cidade de Ítaca, gundo uma lenda local, fora encarregada de
na ilha do mesmo nome. Devia-se-lhe em par- criar Zeus na sua infãncia, juntamente com ou-
ticular, a ele e aos irmãos, a instalação e con- tra ninfa chamada Neda; ambas tinham o cos-
sagração da fonte a que os habitantes de Ítaca tume de o banhar na fonte Clepsidra, que fi-
iam buscar água. cava perto. Havia um santuário de Zeus
ÍTALO. ('h<xÀóç.)Ítalo é o herói epónimo Itomas, a que se levava todos os dias água da
de Itália. As tradições diferem quanto às suas fonte Clepsidra, em recordação desse costume.
origens e à sua pátria. Por vezes, considera-se Zeus ltomas formulava oráculos.
que é o rei de um território situado no extremo ITONO. ("húlVO-.)Itono é um filho de An-
meridional do Brutium (Abruzos). Nesta ver- fíction (v. quadro 8, p. 116) e, por isso, per-
são, ÍtaIo era de origem enótria. Reinou no país tence à raça de Deucalião. Da ninfa Melanipe
com tanta justiça e sensatez, dando ao seu povo teve três filhos: Beoto, Crómia e lodama. Atri-
leis e civilização, que, em sinal de reconheci- bui-se-lhe, por vezes, a criação do culto de
mento, deram ao reino o nome de !ta/ia. Este Atena Itónia (v. Iodama).
nome alastrou depois progressivamente a todo
a zona meridional da Península (até então cha- * IULO. (lu/us.) lulo (em latim Iu/us) é ou-
mada Ausónia) e, a breve prazo, à totalidade tro nome do filho de Eneias, Ascânio (v. este
da península. nome). É a ele que se vai buscar a origem do
Segundo outros autores, o bom rei Ítalo era nome da família dos Iulii, à qual pertenciam
de origem sícula, ou então da Lucãnia, ou da César e, por adopção, Augusto. lulo fundou
Ligúria, ou de Corcira, ou, finalmente, era no Lácio a cidade de Alba, a metrópole de
neto de Minos, filho de sua filha Satíria (v. este Roma.

Istmíades: PAUSAN., IX, 25, 7 e 5. v. NAUCK, Trag. Greg. Fragm., fr. 519 e 5.; Ov.,
151ro: HES., Theog., 339; TZETZ., Anreh., 274.
st«: VI, 411 e S.; ApOLLOO., Bibl., m, 14, 8; ce.
NON, Narr., 31; escól. ad VIRG., Ec/., VI, 78; Myth
Ítaco: Od., XVII, 207 e S.; escól. ad loc.; Eusr ., VaI., ed. Bode, I, 4, 2; p. 217.
ad Hom., 1817,43.
[talo: DION. HALL., I, 12; 35; 73; STRAB., VI, I, Itome: PAUSAN., Hl, 26, 6; IV, 12,7 e S.; 33, 2 e s.
4, p. 254; THUC., VI, 44, 2; ARIST., Pol., VII, 9, 2;
TZETZ., ad Lyc., 1232; SERV., ad VIRG., Aen., I, 2; lIono: PAUSAN., IX, I, I; 34, I; V, 1,4.
533; HVG., Fab., 127.
Iúlo: VIRG., Aen., I, 288; IV, 274; VI, 364; 789;
itilo: Od., XIX, 518 e S.; escól. ad loc.; EUST., p. ,SERV., ad VIRG., Georg., Il l, 35; SUET., Coes., 81;
1875, 15; PAUSAN., IX, 5, 9; X, 32, li; HES., Op., Juv., Sat., XII, 70; DION. HAL., I, 70, 4 e 5.;
568 e 5.; AEL., VH, XII, 20. PHAEST., p. 340, an. Si/vi; Eus., Chron., r, p. 389;
Íti5: AESCH., Supp., 57 e 5.; A., 141 e 5.; HVG., De orig. genro rom., p. 155; cf. RIBEZZO, Riv, I. G.
Fab., 45; 239; 246; SOPH., tragédia perdida de Tereu, I., 1930, p, 74.
IxloN 256

Explica-se assim a origem deste nome: du- Ixíon atirou-o traiçoeiramente para um fosso
rante os combates quê se seguiram ao desapa- cheio de brasas. Desse modo, tornou-se cul-
recimento de Eneias, Ascânio tomou o co- pado não apenas de perjúrio, mas também de
mando do exército confederado do povo latino assassínio na pessoa de um membro da sua fa-
(formado por aborígenes e por soldados troia- mília; antes dele, ninguém ousara cometer tal
nos) e garantiu a vitória sobre os Rútulos e seus crime, pois um assassínio desse tipo é um du-
aliados etruscos (v. Mezênciov. Como recom- plo sacrilégio: de facto, os membros de uma
pensa, foi-lhe concedido o cognome de Iobum mesma família estão unidos por um vínculo re-
(talvez se deva ler Iolum ou Iovlom), diminu- ligioso e oferecem sacrifícios às mesmas divin-
tivo de Júpiter. Ascânio ter-se-ia, pois, tornado dades protectoras. O horror provocado por
«o Pequeno Júpiter». Esta etimologia é refe- esse crime foi tal, que ninguém consentiu em
rida já por Catão na sua obra Origines. Note- purificar Ixíon conforme era costume. De to-
-se que se dizia que o rei Latino, depois de mor- dos os deuses, apenas Zeus teve piedade dele
rer, se identificara com o deus da confederação e o purificou, libertando-o assim da loucura
latina, Júpiter Lacial (v. Latino). que o acometera após o seu crime. Ixíon, po-
Por vezes, distingue-se Iúlo de Ascânio e diz- rém, mostrou-se de uma extrema ingratidão
-se que é neto e não filho de Eneias, sendo, para com o seu benfeitor. Ousou enamorar-se
nesse caso, filho do próprio Ascânio. Depois de Hera e tentou violentá-Ia. Zeus (ou mesmo
da morte de seu pai, terá sido afastado do Hera) moldou uma nuvem semelhante à deusa.
trono de Alba por Sílvio, seu tio, filho de Ixíon uniu-se a esse fantasma e com ele gerou
Eneias e Lavínia, que o fez sacerdote. um filho, Centauro, pai dos Centauros, ou en-
tão os próprios Centauros. Face a este novo
IXIÃO. V. Ixion,
sacrilégio, Zeus decjdiu castigar Ixíon.
IXÍON. ('Ie(wv.) Os autores divergem gran- Amarrou-o a uma roda em chamas que girava
demente quanto à genealogia de Ixíon. Na sem cessar e atirou-o pelos ares. E, uma vez
maior parte dos casos, dizem-no filho de Flé- que Zeus, quando o purificara, o fizera pro-
gias e, por isso, irmão de Corónis (v. este var ambrósia, que torna os homens imortais,
nome). Por vezes, diz-se que é filho de Ares, Ixíon teve de suportar o seu castigo sem espe-
ou de Eton, ou de Ântio, ou de Pision. Sua rança de que alguma vez tivesse fim. A sua in-
mãe é Perimele (v. quadro 25, p. 268). gratidão transformou desse modo a bondade
Ixíon é um tessálio, rei dos Lápitas. Casou do seu benfeitor em pena agravada.
com Dia, filha do rei Dioneu. Quando pediu Muitas vezes, o castigo de Ixíon localiza-se
a este a mão da jovem, fez-lhe grandes promes- nos Infernos, no Tártaro, junto dos grandes
sas. No entanto, quando, depois do casamento, criminosos.
o sogro reclamou os presentes combinados, Ixíon é o pai de Pirítoo, amigo de Teseu.

Ixíon: ApOLLOO., Ep., I, 20; PINO., Pyth., li, 39 1185; Ar-ot.. RH., Arg., 111, 62 e escól.; VIRG.,
e S.; e escól.; AESCH., Eu., 440; 718; tragédia perdida Georg., IV, 484; STRAB., IX, 5, 19, p. 439. V. tam-
de lxion (Nauck , TGF, p. 22); SOPH., Phil., 679 e S.; bém Centauros e G. DUMEZIL, op. cit., ad loc.; J. L.
escól. ad li., I, 268; EUR., tragédia perdida Ixion, BOYLE., lxion Origins and meaning of a myth, Diss.
Nauck , ibid., p. 389 e S.; escól. ad EUR., Phoen., Chapel Hill, 1974.
J
JACÍNTIDES. ('YaxLV6(3tç.) Chamava-se Ja- tores) (v. Perieres e Ébalo). Mas os poetas con-
cíntides, em Atenas, às jovens que tinham sido sideraram-no, por vezes, como filho de Ébalo.
oferecidas em sacrifício para assegurar a sal- Uma tradição isolada, referida por Atenódoro,
vação da pátria. Existem duas tradições a seu considera Jacinto filho da Musa Clio e de Píero,
respeito: sendo este filho de Magnes. Foi por amor dele
A primeira diz que elas eram filhas do La- que Tâmiris, filho de Filãmon e duma ninfa cha-
cedemónio Jacinto (v. Jacinto), que se estabe- mada Argíope, teria inventada a pederastia.
lecera em Atenas, e eram quatro: Anteíde, Jacinto era dotado de grande beleza e Apolo
Egleite, Lítea e Órtia. Durante a guerra sus- apaixonou-se por ele. Um dia em que todos os
tentada por Minos contra a Atica, uma peste deuses lançaram o disco, o vento desviou-o, ou
e uma fome assolaram a região (v. Minos e An- então o disco bateu contra um rochedo e res-
drogeu). De acordo com um antigo oráculo, saltou de tal forma que atingiu Jacinto na ca-
os Atenienses sacrificaram as jovens. Mas isso beça, matando-o imediatamante. Apolo sofreu
não deu qualquer resultado e os Atenienses um grande desgosto e, para imortalizar o nome
viram-se obrigados a aceitar as condições de do seu amigo, transformou o sangue que cor-
Minos (v. Teseu). rera da ferida numa nova flor, o «jacinto» (tal-
Outros mitógrafos identificavam as Jacín- vez o lírio martagão) cujas pétalas apresenta-
tides com as filhas de Erecteu, Protogenia e vam marcas evocando quer o grito de
Pandora, que se tinham oferecido como víti- lamentação do deus (AI), quer a inicial do
mas expiatórias quando o exército dos Eleusi- nome do adolescente (Y).
nos, comandados por Eumolpo, se aproximava Segundo alguns autores, o verdadeiro res-
de Atenas (v. Erecteu, Eumolpo). Chamava- ponsável do triste acontecimento seria Zéfiro,
-se-lhes Jacíntides porque o sacrifício rival infeliz de Apolo junto de Jacinto. Ele te-
efectuava-se sobre uma colina chamada Ja- ria desviado propositadamente o disco para se
cinto. vingar de ambos. Este acto é também atribuído
a Bóreas que, diz-se, estaria apaixonado pelo
JACINTO. ('YáXLV6oç.) Jacinto é geralmente belo Jacinto.
considerado como filho de Amiclas e de Dió- Jacinto, o lacedemónio, pai das Jacíntides,
mede e neto paterno de Lacedémon e de Es- de que fala Apolodoro, não deverá ser identi-
parta (v. quadro 5, p. 90). Nesta genealogiaele ficado com o herói amado por Apolo. Ele é,
é tio de Ébalo (ou de Perieres, conforme os au- aliás, desconhecido.

Jacíntides: ApOLLOO., Bib/., 1lI, 15,8: Dron. SIC, Chi/., I, 239 e S.; Ov., Mei., X, 162 a 219; HYG.,
XVII, 15,2; HYG., Fab., 238; HARPOCR., Lex., s. 11.; Fab., 271; SERV., ad VIRe., Ec/., 1lI, 13; Aen.,
DEMOSTH., LX, 27, p. 1397; SUID., s. u. nap6iYol. XI, 18; PALEPH., 47; NONN., Dion., 1lI, 155 e S.;
NIC, Ther., 901 e s.; e escól. a 902; LUClAN., D.
Jacinto: ApOLLOf1., Bib/., I, 3, 3; 1lI; 10,3 e S.; Deor. 14. Cf. M. J. MELLlNCK, Hyakinthos,
PAUSAN., 1lI. 1, 3; 19. 4 e S.; TZETZ., ad Lyc., Utrecht , 1943.
JANO 258

* JANO. (Ianus.) Jano é um dos mais anti-


gos deuses do panteão romano. É representado
com dois rostos que se opõem, um olhando
para a frente, outro para trás. As lendas so-
bre Jano são unicamente romanas e ligadas às
das origens da cidade.
Segundo alguns mitógrafos, Jano era indí-
gena de Roma, onde teria outrora reinado com
Câmeses, um rei mítico de quem nada se sabe
além do nome. Segundo outros, Jano era um
estrangeiro, originário da Tessália e exilado em .
Roma, onde teria sido recebido favoravelmente
por esse Câmeses, que teria partilhado o seu
reino com ele. Jano teria então construído uma
cidade sobre a colina, que teria tomado o nome
de Janículo, com base no nome do deus. Tendo
vindo para Itália com a mulher, de nome Ca-
mise, ou Camasena, teria tido filhos, em par-
ticular Tiber, o epónimo do Tibre. Mais tarde,
depois da morte de Câmeses, reinou sozinho
no Lácio e foi ele quem acolheu Saturno, ex-
pulso da Grécia por seu filho Júpiter (v. Crono
e Zeus). Enquanto Jano reinava no Janículo,
Saturno governava Satúrnia, urna povoação si-
tuada no cimo do Capitólio.
Atribuem-se ao reinado de Jano as habituais
características da Idade de Ouro: completa ho-
nestidade dos homens, abundância, paz pro-
funda, etc. Teria sido Jano quem inventou o
.., o..
M
00
uso dos barcos, para ir da Tessália para Itá-
lia; também teria sido ele o inventor do di-
nheiro. Com efeito, as mais antigas moedas ro-
manas em bronze tinham numa das faces a
efígie de Jano e o reverso representava a proa
de um barco. Teria sido Jano quem (benefí-
cio atribuído também a Saturno) teria civili-
zado os primeiros habitantes do Lácio, os Abo-
rígenes. Estes levavam, antes de Jano, uma
vida indigna e não conheciam nem as cidades,
nem as leis, nem o cultivo do solo. Jano
ensinou-Ihes tudo isso.
Depois de morrer, Jano foi divinizado e à
sua personalidade divina agregam-se outras
lendas, aparentemente sem relação com as an-
o teriores. Atribui-se-Ihe particularmente um mi-
u
oS lagre que salvou Roma da conquista sabina.
~E No tempo em que Rómulo e os seus compa-
'0
~ nheiros tinham raptado as mulheres sabinas,
Tito Tácio e os Sabinos atacaram a nova ci-
dade. Ora, uma noite, Tarpeia, filha do guarda
do Capitólio (v. Tarpeia), entregou a cidadela
aos Sabinos. Estes escalaram o Capitólio e es-
tavam prestes a cercar os defensores quando
Jano fez brotar diante dos assaltantes uma nas-
cente de água quente que os atemorizou e pôs
em fuga. Para comemorar esse milagre,
decidiu-se deixar sempre aberta, em tempo de
guerra, a porta do templo de Jano, para que
8 o deus pudesse, em qualquer momento, vir em

~
o
~ "
.~
Jano: VAR., LL, v, 156; VII, 27; MACROB., SaI.,
1,9,17; Ov., Met., XIV, 778 e 5., Fast., I, 259 e 5.;
õ
c, VIRG., Aen., VIII, 319 SS., e 358; PLUT., Qu. Gr., 41;
o SERV., ad VIRa., Aen., VIII, 319; AUGU5T., Civ. D.,
L-:g VII, 4; SOLlN., lI, 5 e 5.; LYD., De Mens., 2. Cf.
P. GRIMAL, Le dieu Janus et les Origines de Rome,
~ Lettres d'Humanité, IV; L. A. HOLLAND, Janus and
lhe bridge, Am. Acad. in Rome, 1961.
259 JASÃO

socorro dos Romanos. Essa porta só era fe- uma lança em cada mão e, sobretudo, o pé es-
chada se a paz reinava nos domínios de Roma. querdo estava descalço. Foi com este trajo que
Jano passava também por ter casado com chegou à praça pública de Iolco, no momento
a ninfa Juturna, cujo santuário e fonte não fi- em que seu tio Pélias se preparava para cele-
cavam longe do seu próprio templo, no Forum brar um sacrifício. Vendo-o, e embora não o
romano. Teria tido dela um filho, o deus Fons reconhecesse, Pélias sentiu medo, pois um orá-
ou Fontus (v. Fonte), deus das fontes. culo aconselhara-o a «desconfiar do homem
No seu poema burlesco sobre a transforma- que tivesse apenas um pé calçado». Jasão per-
ção do imperador Cláudio em abóbora (a Apo- maneceu cinco dias e cinco noites em casa do
colocynthosis), Séneca conta que Jano, hábil pai. No sexto dia apresentou-se a Pélias e re-
orador, como frequentador do Forum e mes- clamou o poder, que lhe pertencia legitima-
tre na arte de ver para a frente e para trás (isto mente. Pélias pediu-lhe então que trouxesse o
é, examinar as questões em todos os seus as- velo do carneiro que tinha levado Frixo pelos
pectos), tinha intercedido em favor de Cláu- ares. Era um velo de ouro, consagrado por
dio. Mas trata-se evidentemente de uma fan- Eeta, o rei da Cólquida, a Ares, e que estava
tasia literária e irónica sobre a personalidade guardado por um dragão. Pélias pensava que
de um deus e que já não é tomada a sério. Jasão nunca regressaria de tal expedição. Se-
JÁPETO. ('I"",.~óç.) Jápeto é um dos Titãs, gundo outra versão: foi o próprio Jasão quem
filho de Úrano (o Céu) e de Geia (a Terra) se decidiu a enfrentar essa prova. Com efeito,
(v. quadro 6, p. 105). Pertence, pois, à pri- quando se apresentou a Pélias, este, aperceben-
meira geração divina e é um dos irmãos mais do-se de que apenas um dos pés de J asão es-
velhos de Crono. Segundo Hesíodo, casou com tava calçado, compreendeu que o perigo anun-
Clímene, uma das filhas de Oceano e de Té- ciado pelo oráculo estava iminente. Mandou
tis, de quem teve quatro filhos: Atlas, Mené- que Jasão se aproximasse e perguntou-lhe que
cio, Prometeu e Epimeteu. E, pois, a ele, por castigo imporia a alguém que conspirasse con-
intermédio de Prometeu, que se liga Deucalião, tra o seu rei. Jasão respondeu que o enviaria
o pai da raça humana, depois do dilúvio uni- à conquista do velo de ouro. Resposta que se
versal (v. quadros 6, p. 105, 14, p. 182; 38, virou contra ele, pois Pélias apressou-se a or-
p. 452). Segundo outras versões, a sua mulher denar que o fizesse. Os poetas pretendem que
é Ásia, outra das filhas de Oceano. É referida a ideia de tal prova teria sido sugeri da a Jasão
também Asópide, filha de Asopo e neta de por Hera, que desejaria encontrar uma maneira
Oceano, ou mesmo Líbia. de fazer vir Medeia da Cólquida, para que ela
Juntamente com os outros Titãs, Jápeto foi matasse Pélias, com quem estava descontente;
lançado por Zeus no Tártaro. pois ele não lhe rendia as homenagens a que
ela julgava ter direito.
JÁPIGE. V. Iápix. Assim enviado à conquista do velo de ouro,
JÁPIX. V. Iápix. Jasão pediu a ajuda de Argo, o filho de Frixo
e, a conselho de Atena, Argo construiu o na-
JARBAS. V. Iarbas.
vio Argo, que conduziria Jasão e os seus com-
JASÃO. ('Icxawv.) Jasão é o filho de Éson panheiros à Cólquida.
(v. este nome). É originário de Iolco e per- Regressado daCólquida, com o velo de ouro
tence aos descendentes de Éolo (v. quadro 23, e casado com Medeia (v. Argonautas e Me-
p. 258 e quadro I, p. 8). As versões variam deia), Jasão entregou o velo a Pélias e, a par-
quanto ao nome da mãe: a maior parte das ve- tir desse momento, as versões diferem. Umas
zes é designada Alcímede, filha de Fílaco, ou vezes ele reina no lugar de Pélias, outras vive'
ainda Polimedes, filha de Autólico e, portanto, tranquilamente em Iolco, dando a Medeia um
tia de Ulisses. Em Iolco, segundo a lenda ge- filho, chamado Medeio; outras vezes ainda,
ralmente aceite, Éson, a quem pertencia legi- Medeia, com os seus encantamentos, provoca
timamente o poder, teria sido expulso por seu a morte de Pélias, persuadindo as filhas deste
meio-irmão Pélias, filho de Tiro e Posídon. a fazê-lo ferver num caldeirão, sob o pretexto
Ou, noutra versão, conta-se que Éson teria de o rejuvenescer (v. Medeia e Pelíades). To-
confiado o poder a Pélias até que seu filho atin- das as filhas de Pélias, excepto Alceste, a mais
gisse a maioridade. Ele foi criado pelo Cen- nova, participaram nessa morte. A morte de
tauro Quíron que lhe ensinou a ciência da me- . Pélias é apresentada como a vingança de J a-
dicina, como fazia a todos os seus pupilos. são, seja devido à usurpação de que fora
Quando chegou à idade adulta, Jasão deixou vítima, seja pela morte de Éson, de que Pélias
o Pélion, onde morava o Centauro, e regres- fora o causador (com efeito, tinha-o obrigado
sou a Iolco. O seu vestuário era estranho: a suicidar-se; v. Eson). Depois da morte de Pé-
cobria-se com uma pele de pantera, empunhava lias, Medeia e Jasão foram expulsos de Iolco

Jápeto: 11., VIII, 479; HES, Theog., 18; 134; 507; FLAC., Ar;g., passim; APoLLOD., Bibl., I, 8, 2; I, 9, 16;
HYG., Fab., Praef., 4 e II (R05e); ApOLLOD., Bibl., 18; 9, 23; 2455.; Il l, 13, 7 55.; DIOD. SIC., IV, 40 e 5.;
I, 2, 3; escól. ad Lvc., Alex., 1283; PROCL. ad HES., PAUS., lI, 3, 8 e 5.; V, 17, 9 e 10; LYc., Alex., J3J0;
Op., 48; STEPH. Bvz., S. u. 'ArxláÀ'1; TZETZ., ad TZETZ., ad Lyc., 175; HYG., Fab., 12 e 13; Ov., Her., VI;
Lyc., 1283. XII; SERV., ad VIRG., Ecl., IV, 34; STAT., Theb., tu, 516;
v. também as referências dos artigos Ar;gonau/as, Me-
Jasão: HES., Theog., 992 e S.; PIND., Pyth., IV, pas- deia. Cf. W. DEONNA, in Rev. Hist. Rei., 1935, pp. 50-
sim e escól., Arot. RH., Arg., de I, 5 ao fim; VAL. -72; G. DUMÉZIL, op. cit., no artigo Hipsípile.
JOCASTA 260

e constrangidos a refugiar-se em Corinto. Lá, * JÚLIA LUPERCA. (Iulia Luperca.) Tzet-


viveram felizes e trariquilos durante dez anos. zes conta, a propósito do sacrifício de Ifigé-
Mas Jasão cansou-se de Medeia. Ficou noivo nia, que houve em Roma um milagre análogo.
de Glauce (ou Creúsa), a filha do rei Creonte. ao que, no último minuto, salvou a jovem. Jú-
Medeia tomou como testemunhas os deuses em lia Luperca é a heroína deste episódio. Era uma
nome de quem Jasão lhe tinha outrora jurado jovem romana que estava para ser sacrificada
fidelidade, e enviou como presente a Glauce como vítima expiatória, num sacrifício oficial.
um vestido nupcial que lhe espalhou nas veias No momento em que o sacrificador levantava
um violento fogo. Creonte foi igualmente atin- o cutelo sobre ela, uma águia precipitou-se so-
gido pelo mal e todo o palácio real ardeu, bre o sacerdote, arrancou-lhe o cutelo e deixou-
enquanto Medeia matava os dois filhos que -o cair sobre uma vitela que pastava perto do
tinha tido de Jasão e fugia num carro maravi- templo. Sacrificou-se imediatamente a vitela e
lhoso, presente do Sol, que a levou pelos ares. respeitou-se Júlia Luperca, que foi salva.
Entretanto, Jasão queria voltar a Iolco, onde
reinava Acasto, o filho de Pélias. Para isso, es- JULO. V. Iúlo.
tabeleceu aliança com Peleu, que tinha razões
de queixa de Acasto (v. Peleu) e, com a ajuda * JUNO. (Iuno.) Juno é a deusa romana as-
dos Dioscuros, assolou a cidade. Em seguida, similada a Hera. Na origem, e na tradição ro-
Jasão, ou então seu filho Téssalo, reinou em mana, ela personifica o ciclo lunar e figura na
Iolco. Tríade inicialmente honrada no Quirinal, de-
Considera-se também Jasão entre os caça- pois no Capitólio, e que englobava Júpiter,
dores que participaram na caça de Cálidon Juno e Minerva. Mas, para além disso, a deusa
(v. Meleagro). tinha outros santuários; particularmente com
JOCASTA ('Ioma-tTj.)Jocasta ~ o nome que, o epíteto de Moneta, isto é, a «deusa que ad-
nos trágicos, se dá à mulher de Edipo. A tra- verte», ou «aquela que faz lembrar», recebia
dição homérica dá-lhe o nome de Epicasta. culto na cidadela, a Arx (o cume nordeste do
É a filha do Tebano Meneceu e irmã de Hipo- Capitólio). É a Juno Moneta que se atribui a
nome e de Creonte. Tinha casado em primei- salvação de Roma aquando da invasão gaulesa,
ras núpcias com Laio, de quem tivera Édipo em 390 a. C. Foram os gansos que se criavam
(v. este nome). Mais tarde, sem reconhecer o no recinto do seu santuário que deram o alerta,
filho e sem que este a reconhecesse, casou com e permitiram a Mânlio Capitolino salvar a co-
Édipo, a quem deu vários filhos (v. quadro 3, lina e repelir a tempo o invasor.
p. 66). Logo que tomou conhecimento do seu Juno era venerada também sob outros epí-
incesto, enforcou-se. tetos: como Lucina, preside ao nascimento das
Outra versão conta que J ocas ta teve de crianças; nesse aspecto, lembra mais a Arte-
Édipo dois filhos, Frastor e Laonito, que fo- mis grega que Hera (v. no entanto, na lenda
ram mortos na guerra contra Orcómeno e os de Héracles, uma conspiração de Hera para re-
descendentes de Mínias. Depois da morte de tardar o parto de Alcmena). Não se devia as-
Jocasta, Edipo teria casado com Euriganeia sistir às oferendas feitas a Juno Lucina a não
(v. este nome). ser com todos os nós desatados, pois a presença
de um laço, cinto, nó, etc., no corpo das par-
JOCASTO. ('IóxOta~oç).Jocasto é um filho ticipantes, podia impedir o bom sucesso do
de Éolo, quer este seja o senhor dos Ventos parto da mulher em favor de quem se oferecia
quer o filho de Ame (Éolo, 2 e 3), que reinava o sacrifício.
em Itália. Jocasto passa por ter fundado a ci- Juno era, de uma forma geral, a protectora
dade de Régio, na Calábria. No entanto, ou- das mulheres e, mais particularmente, daque-
tra tradição refere que a cidade foi fundada por las que tinham um estatuto jurídico reconhe-
um grupo de calcidenses, expulsos do seu país cido na cidade, as mulheres legitimamente ca-
por um período de fome, e que se estabelece- sadas. Celebrava-se em sua honra uma festa,
ram «junto do túmulo de Jocasto», mais pre- as Matronalia, no dia das Calendas de Março
cisamente num local onde, como o oráculo lhes (dia 1 de Março). A data dessa festa explicava-
indicara, haviam visto «uma fêmea abraçando -se de diversas formas. Ora se considerava
um macho», isto é, uma videira enroscando- como o aniversário de Marte, o deus da Guerra
-se numa azinheira Jocasto morreu mordido (o Ares grego, filho de Hera), filho de Juno,
por uma serpente. ora como o aniversário do restabelecimento da
paz entre Romanos e Sabinos. Esta ocasião re-
JÓNIO. V. Iónio. cordava, com efeito, o papel desempenhado
JOPE. V. Íope. pelas mulheres sabinas, lançando-se entre seus

Jocasta: Od., XI, 271-280e ese61.; ApOLLOO., Júlia Luperca: TZETZ., ad Lyc., 183 (fim).
Bibl., m, 5, 7-9; SOPH., O. T., passim e ese61.; Juno: VAR., LL, V, 158;Ov., Fast., 111,177e S.;
EUR., Phoen., 1-62;ese61. VV. 53; 1760;0100. SIC., VI, 183;MACROB., Sat., I, 12, 30; LIV., VII, 28, 7;
IV, 64; PAUSAN., IX, 2, 4; 5, 10 e S.; X, 5, 3 e S.; SERV., ad VIRO., Aen., VIII, 638;652; IV, 518;Crc.
HVG., Fab., 66 e 67. de nato D., II, 27, 69; PROP., Eleg., V, 8, 3 e S. (Juno
de Lanuuium). ef. AEL., Hist. An., XI, 16; PLlN.,
Jocasto: TZETZ., ad Lyc., 45;738 (citando CALLlM.); N. H., li, 16;SENEC.,ad Luc., 110;C. I. L., VI, VI,
HERACLlO.LEMB.,De re pub. 25 (Fragm. Hist. gr., lI, 2099. Cf. BASANOFF,«Junon falisque et ses eultes à
p. 219);0100. SIC., V, 8; ese61. ad Od., Il, 2 e 6. Rorne», R. H. R., 1941,pp. 110-141.
261 JÚPITER

pais e seus novos maridos, e restabelecendo a nos estavam em vantagem e repeliam os Ro-
concórdia entre os dois povos. manos do Forum. Então Rómulo, levantando
Enquanto cada homem tinha o seu Genius, as armas em direcção ao céu, prometeu a Jú-
cada mulher tinha a sua Iuno, verdadeiro «du- piter erigir-Ihe um templo no exacto local em
plo» divino que personificava a sua feminili- que se encontrava, se conseguisse suster o ini-
dade e a protegia. As próprias deusas tinham migo. Este começou imediatamente a recuar e
a sua Juno: há inscrições que citam uma Iuno foi expulso. Rómulo cumpriu a sua promessa.
Deae Diae, uma Juno da deusa Virtus, etc. O templo de Júpiter Stator (qui sistit, que pára)
Finalmente, Juno desempenha um papel na elevava-se no sopé do Palatino, no local onde,
lenda dos Horácios. Foi a ela, enquanto Iuno mais tarde, se havia de construir o Arco de
Sororia, protectora da irmã de Horácio, que Tito. Uma lenda análoga é divulgada em data
este ofereceu um sacrifício de purificação de- posterior: teria sido Marco Atílio Régulo quem
pois do assassínio (v. Horácio). teria feito uma promessa semelhante à que se
atribui a Rómulo, durante um combate con-
* JÚPITER. (Iuppiter.) Júpiter é o deus ro- tra os Samnitas (em 294 a. C.).
mano assimilado a Zeus. É por excelência o Como deus do raio, Júpiter é invocado sob
grande deus do panteão romano. Surge como o epíteto de E/icius (do verbo elicere, atrair).
a divindade do céu, da luz divina, das condi- É ele quem atrai o raio do céu e, sobretudo,
ções climatéricas, e também do raio e do tro- quem permite ao feiticeiro fazê-Io descer. E a
vão. Em Roma, reina sobre o Capitólio, que Numa, o rei mágico, que se atribui a introdu-
lhe é especialmente consagrado, e mais parti- ção deste culto.
cularmente sobre o seu cume sudeste (o Capi- Com o desenvolvimento e fortalecimento das
tolium propriamente dito). Virgílio conta estruturas políticas da cidade romana, Júpiter
como, outrora, esse lugar estava coberto de ocupou um lugar cada vez mais importante na
carvalhos (árvore especialmente consagrada a religião romana. Ele surge como o poder su-
Júpiter) e como os pastores sentiam confusa- premo, o «presidente» do Concílio dos Deu-
mente uma presença divina nesses rochedos. ses (os Dii Consentesy, aquele de quem emana
Antes do predomínio de Roma, todavia, o toda a autoridade. E possível que esta concep-
culto principal da confederação latina era di- ção, que deve muito à sua assimilação com
rigido a Júpiter «Latial», cujo santuário não Zeus, tenha sido influenciada, na sua origem,
estava em Roma, mas no cume do actual monte pelas ideias religiosas etruscas. Esta proeminên-
Cavo, uma montanha arborizada que domina cia de Júpiter tem o seu correlativo na catego-
o sistema de lagos albanos (lago de Nemi e lago ria reconhecida ao seu sacerdote, o flâmine
de A1bano). Júpiter Capitolino é, em larga me- Dialis, cuja mulher é a flaminica de Juno.
dida, o herdeiro deste Júpiter mais antigo, deus O casamento do flâmine e de sua mulher sim-
supremo da confederação das cidades latinas boliza a união do casal divino; deve ser cele-
(v. também Latino). brado segundo os ritos mais solenes e não pode
No Capitólio romano, Júpiter tinha vários ser dissolvido pelo divórcio. Coberto de hon-
cultos: o mais célebre, aquele que acabou por ras, o flâmine Dialis está limitado por toda
fazer desaparecer os outros, o culto de Júpi- uma série de interdições muito complexas que
ter Optimus Maximus, não é o mais antigo. Foi provam a antiguidade da sua função.
transportado, em data relativamente tardia, do Deus do Capitólio, Júpiter é, durante a Re-
Quirinal para o Capitólio, simultaneamente pública, a divindade a quem o cônsul, quando
com as duas outras divindades da Tríade, Juno entra em funções, oferece antes do mais as suas
e Minerva. Anteriormente, havia no Capitó- orações. É a ele que os triunfadores trazem em
lio um santuário de Júpiter Ferétrio, atribuído procissão solene a sua coroa triunfal, é a ele
a Rómulo e onde se consagravam os despojos que consagram as vítimas rituais (touros bran-
«opimos», as armas de cada chefe inimigo cos). Júpiter é o garante da fidelidade aos tra-
morto em combate pelo chefe romano. O tem- tados; ele preside às relações internacionais por
plo de Júpiter Ferétrio era tido como um dos intermédio do Colégio dos Feciales (Feciais).
mais antigos, se não mesmo o mais antigo de Na concepção que se fazia dele, cada vez se tor-
Roma. Dizia-se que tinha sido Rómulo quem nam menos sensíveis as suas antiquíssimas atri-
nele consagrou os primeiros despojos opimos: buições «rneteorológicas», cuja recordação se
os do rei Ácron; guardou-se depois a lem- conserva apenas em algumas expressões como
brança de uma segunda consagração, a que sub dio, «ao ar livre», etc.
Aulo Cornélio Cosso fez, em 426 a. C., dos Com o Império, os imperadores colocam-se
despojos do rei de Veios, Tolúmnio. de bom grado sob a protecção de Júpiter, e al-
Atribui-se também a Rómulo a fundação de guns querem mesmo passar por ser uma incar-
outro santuário de Júpiter, no qual o deus era nação do deus. Augusto, por exemplo, o pri-
invocado sob o epíteto de Stator. Explicava- meiro imperador, pretendia ter sonhos
-se esse nome através de uma lenda de forma enviados directamente pelo deus e contava de
histórica. Durante a batalha que põs em con- .boa vontade como tinha sido milagrosamente
fronto os Romanos de Rómulo e os Sabinos, protegido da queda de um raio, aquando da
cujas mulheres tinham sido raptadas, os Sabi- guerra que mantinha em Espanha contra os

Júpiter: VARR., LL, V, 52; FEST., p. 189; Liv., I, PLlN., N. H., nr, 69; DION. HAL., lI, 50; VIRG.,
10,4 e S.; 12,3; IV, 20; X, 37, 14; XLI, 16 e S.; Ov., Aen., Ill, 679; VlII, 346 SS.; SERvo ad VIRG., Aen.,
Fast., Ill, 283 SS.; VI, 793 SS.; PLUT., Num., 15; XII, 135; VI, 855; a Georg., Ill, 332; SUET., Aug.,
JUSTiÇA 262

Cântabros: o pequeno escravo que caminhava nha sido erigido em sua honra um templo no
à frente da sua Iíteíra, com um archote na mão, Campo de Marte, numa região pantanosa e im-
tinha morrido, enquanto ele próprio, no inte- pregnada de água, antes de os trabalhos de
rior da liteira, tinha sido poupado. Como agra- Agripa, no tempo de Augusto, a terem secado.
decimento, Augusto tinha mandado erigir no Os poetas da época imperial fazem de Ju-
Capitólio um templo a Júpiter Tonante. Mais tu ma a filha do rei mítico Dauno e a irmã de
tarde, Calígula arrogou-se o direito aos dois Turno, o inimigo de Eneias. Virgílio mostra-a
sobrenomes de Júpiter Capitolino, Optimus participando na luta ao lado do irmão. Outrora
Maximus, o Melhor e o Maior, e ligou, atra- amada por Júpiter, recebeu como recompensa
vés de uma passagem directa, o seu palácio do o dom da imortalidade e reina sobre as fontes
Palatino ao santuário capitolino do deus. e cursos de água do Lácio
Em cada cidade de província, o primeiro cui- Ovídio faz alusão à mesma lenda dos amo-
dado dos arquitectos romanos era erigir um Ca- res de J úpiter e J uturna, a propósito da histó-
pitólio semelhante ao de Roma, onde instala- ria de Lara e dos Lares (v. Lara). O poeta
vam a Tríade, no centro da qual imperava Júpiter, conta como a ninfa se dissimulava de mil ma-
Assim, o deus representava o laço político en- neiras para escapar ao amor do deus. De tal
tre a cidade-mãe, Roma, e as cidades-filhas, que maneira que, por fim, Júpiter reuniu todas as
eram a sua imagem em ponto pequeno. ninfas do Lácio e pediu-lhes que o ajudassem
a apanhar a fugitiva.
* JUSTIÇA. (Justitia.) Era, em Roma, a Enfim, Juturna passa, numa lenda obs-
personificação da Justiça. Todavia, não é o cura, por ter sido mulher do deus Jano e mãe
equivalente da Témis grega (v. este nome), mas de Fonte, o deus das fontes (v. Jano e
sim de Dice e também de Astreia, que desem- Fonte).
penha um papel na lenda da Idade de Ouro
(v. esta lenda). Quando os crimes da humani- * JUVENTUDE. (Juuentus.) Juventude é a
dade puseram Justiça em fuga e a obrigaram deusa da juventude e, mais particularmente, a
a abandonar a terra, onde vivia familiarmente protectora dos adolescentes, no momento em
com os mortais, ela refugiou-se no céu, e que, tomando a toga viril, deixam de ser crian-
tornou-se a constelação da Virgem. ças para se tornarem homens. Juventude tinha
uma capela na cella de Minerva, no tempo da
* JUTURNA. (Juturna.) Juturna, cujo Tríade capitolina. Essa capela, anterior à in-
nome, em época recuada, tinha a forma Diu- trodução da Tríade no Capitólio, mostra a an-
turna em vez de Iuturna, é uma ninfa das fon- tiguidade do culto de Juventude em Roma.
tes que, na origem, era venerada na margem Mais tarde, Juventude assimilou-se mais ou
do Numício, não longe de Lavínio. Depois, o menos rigorosamente a Hebe (v. este nome),
seu culto transitou para Roma, com a hegemo- mas conservou sempre as características pro-
nia da cidade e a decadência da liga latina, e priamente romanas. Sob o Império, o culto de
deu-se o nome de «Lago de Juturna» a uma Juventude serviu para formar associações de
fonte situada no Forum romano, não muito jovens, os «colégios de jovens», formações pré-
longe do templo de Vesta e perto do templo -militares nas quais se apoiava a política im-
de Castor e Pólux, de quem ela seria irmã. Ju- perial.
tu ma era tida por uma divindade que curava, Quando um jovem tomava a toga viril, ofe-
como a maior parte das deusas das fontes. Ti- recia uma moeda à deusa.

29. Cf. C. KOCH, Der rõmische Juppiter, Franco- VAR., LL, V, 71; VIRO., Aen., XII, 134 e s.; 222 e
forte, 1937; G. DUMEZIL, Juppiter, Mars, Quirinus, s.; 446 e S.; 843 e s.; ARNOB., Adu. Gent., 3,29.
Paris, 1941.
Justiça: Ov., Fast., I, 249 e s; Met., I, 150; VIRG., Juventude: DION. HAL., 111,69; LIV., V, 54, 7;
Georg., 11,474; HYG., Fab., 130; Astr. Poet., 11,25. FLOR., 1m I; AUGUST., Civ. D., IV, 23 e S.; VI, I;
Juturna: CIC., Pro Cluent., 101; SERVo ad VIRG., Cic., de nato D .. , I, 112; OV., Pont., I, 10, 12; cf.
Aen., XII, 139; Ov., Fast., 1,463 e s.; 11,583 e S.; Fast., VI, 65 ss. (assimilação a Heabe).
L
LÁDDACO. (Aá~OOt)(Oç.) Lábdaco, filho de Lacedémon casou com Esparta, a filha do rei
Polidoro e neto de Cadmo (v. quadro 3, p. 66, Eurotas. Este morreu sem filhos varôes e
e 9, p. 128) é.jielo lado da mãe, Nicteide, neto deixou-lhe o reino. Lacedémon deu o seu nome
de Ctónio, um dos homens nascidos dos den- ao povo dos «Lacedemónios» e o da mulher
tes do dragão morto por Cadmo (v. este nome à cidade de Esparta, sua capital.
e o artigo Espartos). Como seu pai, Polidoro, Foram seus filhos Amiclas, que reinou de-
tinha morrido deixando-o apenas com um ano, pois dele em Esparta, e Eurídice, mulher de
a regência foi assegurada por seu avô, Nicteu. Acrísio. Acrescentam-se a estes, por vezes,
Quando este morreu, a regência passou para Ásine e Hímero. Este teria violado a irmã e,
o irmão de Nicteu, Luco, e, por fim, o poder com o remorso, ter-se-ia lançado ao rio Má-
veio para as mãos de seu filho Laio, pai de raton que tomou então o nome de Hímero, an-
Edipo (v., todavia, Laio). tes de se chamar Eurotas.
O reinado de Lábdaco foi marcado por uma
LACESTADES. (AOtXtatáoTJç.) Quando Fal-
guerra contra o rei de Atenas, Pandíon, por uma
ces, filho de Témeno, se apoderou de Sícion,
questão de fronteiras. Foi durante essa guerra
o rei desta cidade, Lacestades, que até então
que Tereu, rei da Trácia, foi em socorro de Pan-
era, como tinha sido seu pai, Hipólito, vassalo
díon (v. a sua lenda). Segundo uma tradição re-
de Argos, reinou conjuntamente com ele (v.
ferida apenas por Apolodoro, Lábdaco pereceu
Témeno e Heraclidas).
como Penteu, despedaçado pelas Bacantes, e,
como ele, por ter combatido o culto de Dioniso. LACÍNIO. (AOtXLVWÇ.) Lacínio é o herói epó-
nimo do cabo Lacínio, no território da coló-
LADRANDO. (Aá~pOtvooç.) Labrando é um
nia grega de Crotona, na Itália meridional.
dos Curetes. Acompanhado pelos seus cama-
Umas vezes passa por ser um rei da região,
radas Panamoro e Palasco foi para Cária e, aí,
vindo de Córcira, que tinha acolhido Cróton
passou a primeira noite na margem do rio que
quando este vagueava, exilado; outras vezes,
se chamou, por isso, Hendono (do verbo OÜOUV,
por ser um malfeitor, filho da ninfa Cirene, que
que significa «dorrnir»).
havia tentado roubar bois a Héracles, quando
LACEDÉMON. (AOtXWOtLllwv.) Filho de Tal- o herói regressava de Eritia com os rebanhos
gete e de Zeus (v. quadro 5, p. 90, e 27, p. 280), de Gérion (v. Héracles). Depois da morte de

Lábdaco: SOPH., Oed. Col., 221; Ant .• 594; HE· Bibl., lI, 2, 2; Il l, 10,3; STEPH. Bvz., s.u. 'Aa,VTJ e
ROD., V, 59; PAU5AN .• lI, 6, 2; IX, 5, 4 e 5.; EUR., A"xt3"'llwV; HYG., Fab., 155; TZETZ., ad Lyc., 219;
Phoen., 8; HYG., Fab., 76; ApoLLoD .• Bibl., Hl, NONN., Dion., XXXII, 66; PS.-PLUT., de flor., 17.
5, 5.
Labrando: Etym. Magn., p. 390, 1. Lacestades: PAU5AN., 11,6, 7.
Lacedémon: E5CÓl. ad li., XVIII, 486; a Od., VI, Lacinio: STEPH., Bvz., S.U.; TZETZ. ad Lyc., 856;
103; a EUR., Or., 615; a PIND., Pyth., m, 14; a 1106; SERV., ad VIRG., Aen., Ill, 552; Etym. Magn.,
Aroi.. RH., Arg., IV, 1901; PAU5AN., m, 1,2 e 3; 555, 17; escól. ad THEOCR., IV, 33; OIOD. SIC., IV,
13,8; 18,6; 20, 2; VII, 18,5; IX, 35, 1; ApoLLOD., 24. Cf. J. BERARD, Colonisation ... , p. 428.
LÁCIO 264

Lacínio, vítima do herói, este fundou um tem- campo, na sua propriedade, não intervém nos
plo em honra de Héra, o templo de Hera La- acontecimentos que têm lugar junto de Pené-
cínia, no promontório homónimo. Diz-se, por lope. Acompanham-no apenas uma velha
vezes, também que o templo foi erigido pelo criada, o marido desta, chamado Dólio, e os
próprio Lacínio, com a intenção de insultar filhos de ambos. É lá que Ulisses o foi encon-
Héracles, honrando a inimiga do herói. trar quando regressou. Atena rejuvenesceu
Laertes, por meio de um banho mágico, e deu-
LÁCIO. (Mxwç.) Lácio e seu irmão Anti-
-lhe força para ajudar o filho a rechaçar os pa-
femo tinham recebido do oráculo de Delfos or-
rentes dos pretendentes mortos. É ele quem
dem de partirem, um em direcção ao levante,
mata com um dardo Eupites, o pai de Antínoo.
outro em direcção ao ocidente, e fundarem
Do casamento de Laertes e Anticleia nasceu,
uma cidade. Antifemo fundou Gela, na Sicí-
além de Ulisses, uma filha, de nome Ctímene
lia; Lácio fundou Fasélis, na fronteira da Li-
(v. este nome), ainda que, por vezes, Ulisses
cia e da Panfília. Comprou o terreno necessá-
seja referido como «filho único» de Laertes.
rio para a sua cidade com peixe salgado (v.
Ci/abras). LAETUSA. Na versão transmitida por Hi-
gino do mito de Tereu e de Procne, Laetusa
LÁCON. (A<ixwv.) Aqueu e seu irmão Lá-
é a mulher do rei da Trácia, Linceu, a quem
con eram filhos do rei Lápato, que, ao mor-
Tereu confiara Filomela, sua cunhada. Lae-
rer, dividiu o reino por ambos. Uma das par-
tusa, amiga de Procne, revelou-lhe o crime do
tes recebeu o nome de Lacónia, outra de Acaia.
marido e esteve na origem da vingança de
Lácon teve como descendente, algumas gera-
Procne (v. Tereu e Procne).
ções mais tarde, o rei Téspio (v. este nome).
LAIO. (Mwç.) Filho de Lábdaco, rei de Te-
LÁDON. (Mowv.) 1. Ládon é o deus do rio
bas, e bisneto de Cadmo, Laio é o pai de Édipo
homónimo, na Arcádia. Como a maior parte
(v. quadro 3, p. 66, e 9, p. 128). Uma vez que
dos rios, é filho de Oceano e de Tétis. Casado
Lábdaco tinha morrido quando Laio era ainda
com Estinfálide, teve duas filhas, Dafne (v. a
jovem, foi Lico, irmão de Nicteu, quem se en-
sua lenda) e Métope, a mulher do deus-rio
carregou da regência (v. também Lábdaco).
Asopo (v. este nome). Diz-se também que
Mais tarde, Lico foi morto por Zeto e Anfíon
Dafne não é filha de Estinfálide, mas de Geia
que vingavam sua mãe Antíope (v. Antiope e
(a Terra).
Anj{on) e se apoderaram do reino de Tebas.
2. Ládon é também o nome do dragão, fi-
Laio fugiu e procurou refúgio junto de Pélops.
lho de Fórcis e de Ceto, que guardava as ma-
Aí, apaixonou-se pelo jovem Crisipo, filho de
çãs de ouro das Hespérides. Segundo outras
Pélops, inventando assim (pelo menos na opi-
tradições, este dragão era filho de Tífon e de
nião de alguns) os amores contranaturais. Rap-
Equidna, ou ainda da Terra. Tinha cem cabe-
tou o jovem e Pélops amaldiçoou-o. Conta-se
ças. Depois de ter sido morto por Héracles,
também que Édipo e ele amaram ambos Cri-
Hera incluiu-o no número das constelações.
sipo e o disputaram entre si. Teria sido no de-
LAERTES. (Acxi.p~1jç.) Laertes é célebre so- curso dessa rivalidade que Édipo matou Laio
bretudo porque era o pai de Ulisses. E filho (v. infra), primeira manifestação da maldição
de Arcísio e de Calcomedusa (v. quadro 39, de Pélops, ou consequência da cólera de Hera
p. 460) e pertence, por isso, à raça de Deuca- perante esses amores criminosos.
lião, por intermédio do seu antepassado Déion. Quando Anfíon e Zeto desapareceram por
A sua família é originária de Cefalénia; seu avõ seu turno, Anfíon depois da catástrofe dos
é Céfalo, o epónimo da ilha (v. Céfa/o). Laer- Nióbides, Zeto de desgosto pela morte de seu
tes casou com Anticleia, filha de Autólico (v. filho, Laio foi chamado de novo a ocupar o
Anticleia), embora esta se tenha unido ante- trono dos Tebanos.
riormente a Sísifo, o que permite por vezes con- Segundo a tradição, atribui-se a Laio, como
siderar Ulisses como filho deste último e não mulher, a filha de Meneceu, Jocasta (ou Epi-
de Laertes (v. Ulisses). casta), ou a filha de Ecfante, Euricleia, que se-
Durante a ausência de Ulisses, Laertes, de- ria a mãe de Édipo. Nesta última versão, ele
sesperado, teve uma velhice triste. Retirado no teria casado com Jocasta em segundas núpcias

Lácio: STEPH. Bvz.. s.u. rü",; Etym. Magn., p. Cato m., XV, 54; Ovo Her., I, 98; 113; HYG.,
225; ATHEN., VII, 297 e s. Fab., 173; escól. ad Od., XVI, 118; XXIV, 270;
Lácon: JOÃo DE ANTIOQUIA, ap. MÜllER, Fragm. Eusr., p. 1796, 34.
Hist. gr., IV, p. 549. Laetusa: HYG., Fab., 45 (Rase corrige para La-
Ládon: 1) HES., Theog., 344; ApOlLOD., Bibl., tusa).
III, 12,6; DIOD. SIC., IV, 72; PAUSAN., VIII, 20, I;
Laio: HEROI)., V, 59 e S.; EUR., Phoen., passim; es-
X, 7, 8; escól. a P,ND., 01., VI, 140; 143 e S.; SERvo
cól, aos vv. 13, 26, 39, 66, 1760, etc.; AESCH., trilo-
ad VIRG., Aen., li, 513; 111, 91; EcI., 111, 63; TZETZ., gia parcialmente perdida de Laio, Édipo, Sept, drama
ad Lyc., 6 escól. ad 11., 1,'14.2) HES., Theog., 333
satírico. A Esfinge (v. NAUCK, Trag. Gr. Fragm., p.
e S.; escól, ad Aroi.. RH., Arg., IV, 1396; ApOllOD.,
28); SOPH., o. T., passim; HYG., Fab., 9; 66; 76; APOL-
Bibl., li, 5, 11; HYG., Fab., 30; Astr. Poet., li, 3. IDD., Bibl., 111, 5, 5; 7 e s.; PAUSAN., IV, 8, 8; IX, 2,
Laertes: 11., li, 173; 111, 200 (nos dois passos 4; 5; 6-12; 15; 26, 3-4; X, 5, 3-4; IX, 5,2; 3; 5; 6; N,·
surge apenas o patronímico de Ulisses: Laercíada); COL. DAM., Fr. 14 e 15 (MÜllER, F. H. G., 111, p. 365
Od., I, 189 e s.; xr, 187 e s.; XVI, 138 e 5.; XXIII, e 5.; cF. IV, p. 545); ATHEN., XlII, 603 a; Piur., Pa-
359 e S. e XXIV, 205 e S.; DIOD. SIC., IV, 48; OC., ral/. min., 33; STAT., Theb., V li, 354 e S.
265 LÂMIA

Egialeu
I
Europa
I
Télquis
I
Ápis
1
Telxion
I
Egiro
1
Turímaco
I
Leucipo
I
Calquínia r-v Posídon
I
Pérato
I
Plemneu
I
Ortópolis
I
Cri sorte "-' Apoio
I
Carona Clítio Erecteu

I I
Córax Lamedonte ~ Feno Métion
Arenrea 1".1 Dioniso
I I
Zeuxipo ew ----- Sícion
(quadro 22, p. 245) !
Fliante ~ ---- Ctonófile ---- "J Hermes
I I
Androdamante Pólibo
I
Lisianassa ,..-....;Tálao
(v. quadro I, p. 8)

Quadro genealógico n. o 24 segundo a tradição de Sicion (PAUSÂNIAS, lI, 5,6)

e, assim, Édipo teria casado com a madrasta de Córax. Córax tinha morrido sem filhos e o
e não com a sua verdadeira mãe (v. Edipo). Tessálio Epopeu sucedera-lhe no trono de Si-
Como mãe de Édipo e mulher de Laio, refe- cion. Mas Epopeu tinha sido mortalmente fe-
rem-se ainda Euriganeia, filha de Hiperfante, rido no combate que sustentara contra Nicteu.
Eurianassa, igualmente filha de Hiperfante, e por causa de Antíope (v. este nome). Quando
finalmente Astimedusa, filha de Esténelo (v. morreu, foi o irmão de Córax, Larnedonte,
Euriganeia, Astimedusa, Epicasta, Euricleia). quem lhe sucedeu. Com Lamedonte termina a
Sobre as condições da concepção e do nas- linha directa de Egialeu em Sícion. Ele deu em
cimento de Édipo, v. este nome. Laio não pôde casamento a filha Zeuxipe a Sícion, que havia
escapar ao oráculo que predizia que seria morto chamado para o socorrer contra os Aqueus (v.
por seu filho. Laio foi morto por Edipo não Sicion). Ele próprio tinha casado com Feno,
longe de Delfos, na encruzilhada entre o ca- uma ateniense, filha de Clítio, e isso explica que,
minho de Dáulis e o caminho de Tebas. mais tarde, o Ateniense lanisco, descendente
A tradição refere que Laio foi consultar o de Clítio, tenha reinado em Sícion (v. lanisco).
oráculo de Delfos e que estava acompanhado
LÂMIA. (AafLla.) 1. Lãmia, filha de Posí-
por seu amigo Náubolo quando foi morto por
don, teve de Zeus a Sibila Líbia (v. Sibila).
Édipo, O mesmo tendo acontecido a Náubolo.
2. Designava-se também por Lãmia um
LAMEDONTE. (AafL€owv.) Lamedonte é monstro feminino que se dizia que roubava
um rei de Sícion, descendente de Egialeu (v. crianças e servia às amas de «papão».
quadro 24, p. 265). É filho de Corono e irmão Contavam-se diversas lendas a seu respeito.

Lamedonte: PAlISAN.• 11. 5. 8; 6. 3 e s. TOPH.• Pax, 758; v.. 1035; Eq., 693; 0100. SIC., XX.
41; STRAB.• I, 2, 8, p. 19; PHILOSTR., V. Apoll., IV,
Umia: I) PAUSAN., X, 12, I; PLUT., de Pyth. r., 9. 25; ANT. LIB., Transj., 8; escól. ad THEOCR., XV,
2) Escól. ad Ar-or.. RH., Arg., IV. 828; ad ARIS· 40; SUID. e HESYCH., S.U.
LAMO 266

Por exemplo, Lâmia era uma jovem origi- LAMPO. (AáiJ.1<oc;.) Lampo é um filho do
nária da Líbia, filha-de Belo e de Líbia. Zeus Troiano Laomedonte e é o pai de Dólops.
enamorara-se dela e unira-se-lhe. Mas, de cada E o herói epónimo da cidade de Lampónia, na
vez que ela dava à luz uma criança, Hera, cheia Tróade.
de ciúmes, arranjava forma de a fazer perecer.
Por fim, Lâmia foi esconder-se numa caverna LÂMPSACE. (AIXiJ.~áxT).) Lâmpsace é a fi-
isolada e, de desespero, tornou-se um mons- lha do rei dos Bébrices, Mândron, que reinava
tro invejoso das mães mais felizes que ela, a na cidade então chamada Pitiúsas. Na ausên-
quem tirava e devorava os filhos. Hera, para cia do rei, colonos focenses que ele aí recebera
mais a perseguir, privara-a do sono até ao mo- quase foram massacrados pelos habitantes, que
mento em que Zeus, apiedando-se dela, lhe tinham organizado contra eles uma conspira-
concedeu o dom de tirar os olhos e de os vol- ção. Mas Lâmpsace conseguiu preveni-Ios a
tar a pôr quando quisesse. Havia, por isso, mo- tempo, em segredo, de tal modo que os colo-
mentos (particularmente quando tinha bebido nos mataram todos os indígenas e apoderaram-
muito vinho) em que Lâmia dormia, tendo co- -se da cidade. Entretanto, Lâmpsace morreu.
locado os olhos num recipiente perto dela. En- Os colonos concederam-lhe honras divinas e
tão, nada havia a temer da sua parte; mas, ou- deram o seu nome à cidade que, depois disso,
tras vezes, ela vagueava noite e dia sem dormir se passou a chamar Lâmpsaco.
e espreitava as crianças para as devorar. LAOCOONTE. (Aeoxóccv.) 1. Laocoonte,
Chamavam-se também Lâmias uns espíritos
femininos que se agarravam aos jovens e lhes filho de Cápis (segundo uma conjectura pouco
sugavam o sangue. verosímil), ou então de Antenor (segundo o tes-
A lenda de Alcioneu (v. este nome) refere um temunho de Tzetzes), é o sacerdote de Apoio
Tímbrio, em Tróia. Tem por esposa Antíope.
monsto chamado Lâmia que vivia nas monta- Esta deu-lhe dois filhos, Etrón e Melanto, ou
nhas vizinhas de Delfos. Além disso Lâmia é
então Antifante e Timbreu. Laocoonte atraiu
também o nome do monstro Gelo (v. este
nome). sobre si a cólera do seu deus, ao unir-se à mu-
lher diante da estátua consagrada, o que cons-
LAMO. (AáiJ.oc;.) 1. Lamo é um rei dos Les- tituía um sacrilégio.
trígones (v. este nome), o povo antropófago Aquando do desembarque dos Gregos em
que, segundo a Odisseia, habitava a costa de Tróia, os Troianos tinham lapidado o sacer-
Itália, nos arredores de Fórmias. A família dos dote de Posídon, sob pretexto de que ele não
Aelii Lamia, em Roma, pretendia que a sua no- tinha sabido assegurar a protecção do deus por
breza remontasse a este rei. meio de sacrifícios e, assim, impedir a chegada
2. Lamo é também o nome de um filho de da armada inimiga. Quando os Gregos simu-
Héracles e de Ônfale, epónimo da cidade grega laram o reembarque, deixando um cavalo de
de Lâmia. madeira na costa, os Troianos encarregaram
Laocoonte de oferecer um sacrifício a Posídon,
LAMPÉCIA. (AIXiJ.1<''''T).) 1. Hélio tinha pedindo-lhe que multiplicasse as tempestades
tido da ninfa Neera duas filhas, Lampécia e na viagem de regresso da armada inimiga. Mas,
Faetusa (v. quadro 16, p. 202). As duas jovens
guardavam os rebanhos do pai na ilha de Tri- quando o sacerdote se preparava para imolar
nácia (a Sicília). Foram elas que revelaram ao um enorme touro em honra de Posídon, duas
grandes serpentes saíram do mar e envolveram
Sol (Hélio) que os companheiros de Ulisses lhe
tinham morto e comido os bois (v. Ulisses). os seus dois filhos. Laocoonte foi em seu so-
2. Uma tradição isolada fazia de Lampécia corro, mas os três pereceram, asfixiados pelos
a mulher de Asclépio e a mãe de Macáon, Po- animais, que, em seguida, se foram enrolar no
dalírio, laso, Panaceia e Egle. pedestal da estátua de Atena, no templo da ci-
dadela. Perante este prodígio, os Troianos
3. Finalmente, Lampécia é também o nome lembraram-se de que Laocoonte se tinha
de uma das Helíades, segundo algumas versões oposto à entrada na cidade do cavalo deixado
(v. Helíades).
pelos Gregos, tinha aconselhado que ele fosse
LÂMPETO. (AáiJ.1<'''oc;.) Lâmpeto é um he- queimado e tinha mesmo lançado contra ele
rói de Lesbos, filho de lro. Foi morto, por um dardo, que fizera ressoar o ventre da está-
Aquiles, juntamente com Hicetáon e Hipsípilo, tua e revelara que era oco. Supuseram então
os filhos de Lepetimno, aquando da tomada que Laocoonte havia sido atacado em castigo
de Metimna. dessa acção sacrílega (enquanto, na verdade-

Lamo: 1) Od., X, 81; e escól. ad loc.; EUST., Lampo: 11" XV, 256; XX, 238; Eusr., ad Hom.,
1649, 10; Ov., Met., XIV, 233; HOR., O., m, 17; 1030,22; cf. MÜLLER, Fragm. Hist. gr., I, 14,210.
escól. ad ARlsToPH., Pax, 758; HESVCH. e SUID., Lâmpsace: STEPH. Bvz., s.U. AáfLq,O<XOÇ; PLUT., de
S.U. 2) Ov., Her., IX, 54; STEPH. Bvz., s.U.
mult. virt. p. 255a e S.; MULLER, Fragm. Hist. gr.,
AO<fL'O<' I, 33, 6.
Lampécia: 1) Od., XII, 132; 375; Eusr , ad Laocoonte: 1) ACTIN. (fr. 49 ap. KINKEL, EGF)
Hom., 1717,27 e 34; TZETZ. ad Lyc., 740; escól. DION. HAL. 1,48,2; QUINT. SM., Posth., XII, 449 e
ad ARlsToPH., PI., 701; NONN., Dion., XXVII, S.; ApOLLOD., Ep., 4, 17 e S.; TZETZ., ad Lyc., 347;
198; XXXVIII, 170. 2) HVG., Fab., 154; 156; VIRG., Aen., 11, 199 e s. e SERV., ad v. 201; HVG.,
Ov., Met., lI, 349; escól. ad Od., XVII, 208. Fab., 135; cf. MACROB., Sat., V, 2, 4; PETRON., Sat.,
89; cf. E. BICKEL in Rh. Mus., 1942, p. 19-27. 2)
Lâmpeto: PARTH., Erot., 21. HVG., Fab., 14; escól. a ApOLL. RH., Arg., I, 191.
267 LAOMEDONTE

mas não podiam sabê-lo - era ApoIo quem 3. Laodamia é também o nome de uma fi-
vingava um outro sacrilégio, a profanação do lha de Alcméon.
seu templo). Os Troianos não hesitaram mais
LAÓDlCE. (Acxo/Hx7J.) 1. Entre as diferen-
em consagrar o cavalo à divindade e essa foi,
tes Laódices referidas nas lendas, uma é a mu-
como se sabe, a causa da ruína da cidade.
lher de Élato (v. este nome) e filha do rei de
A tradição conservou o nome das duas ser-
Chipre, Cíniras.
pentes: chamar-se-iam Porce e Caribeia.
2. Outra Laódice está igualmente ligada à
2. Existia outro Laocoonte, irmão de Eneu
ilha de Chipre. É a filha do Arcádio Agape-
de Cálidon, filho de Portáon e de uma criada.
nor, que fundara a cidade de Pafo, em Chi-
Acompanhou Meleagro na expedição dos Ar-
pre, para onde tinha sido atirado na sequên-
gonautas (quadro 29 p. 298, e 26, p. 272).
cia de um naufrágio, no regresso de Tróia.
LAODAMANTE. V. Laódamas. Laódice havia enviado um vestido, de Chipre
para Tégea, sua cidade natal, como oferenda
LAÓDAMAS. (AcxoMfLCXÇ.) Laódamas, filho
para Atena. Em Tégea, ela fundou também um
de Etéocles, pertence à geração dos Epígonos
templo de Afrodite Páfia.
(quadro 37, p. 428). Depois da regência de
3. Entre as filhas de Agamémnon e Clitem-
Creonte, tornou-se rei de Tebas e foi ele quem
nestra, figura uma Laódice, que, nos tragedió-
susteve o ataque da segunda expedição contra
a cidade (v. Alcméon). Uma tradição conta que grafos e nas versões mais recentes da lenda, é
substituída por Electra (v. este nome e quadro
pereceu na batalha de Glissas, depois de ter
2, p. 12).
morto Egialeu, filho de Adrasto. Outra versão
4. Laódice é igualmente o nome da «mais
refere que fugiu da batalha durante a noite,
bela das filhas de Príamo e Hécuba». É casada
com parte do exército tebano, e se refugiou na
com Helicáon. Os autores posteriores a Ho-
lIíria.
mero contam que, sendo ainda donzela,
LAODAMIA. (AcxoMfLõtCX.) Várias heroínas apaixonou-se por Ácamas, um dos filhos de
tinham o nome de Laodamia. Teseu, quando ele veio em embaixada a Tróia,
1. Uma delas é filha de Belerofonte. Teve de reclamar uma primeira vez Helena (v. Aca-
Zeus um filho, Sarpédon - pelo menos na tra- mas). Ela teve um filho, Múnito. Mais tarde,
dição homérica (quadro 36, p. 422), pois, ge- depois da tomada de Tróia, Laódice, fugindo
ralmente, Sarpédon é tido como filho de Zeus diante dos vencedores, foi engolida pela terra.
e de Europa (v. quadro 30, p. 312, e Sarpé-
LAÓDOCO. (Aexóooxoç.) Entre outros he-
don). Morreu jovem, atingida por uma flecha
róis com este nome, o mais célebre é um dos
de Artemis, indignada com ela.
três filhos de ApoIo e Ptía, irmão de Doro e
2. Outra Laodamia, filha de Acasto, é a mu-
de Polipetes. Reinava com eles no país dos Cu-
lher de Protesilau (v. este nome), o primeiro
retes, a norte do golfo de Corinto. Os três ir-
herói grego a perecer diante de Tróia. Tinha
mãos acolheram Etolo, que havia sido expulso
acabado de se casar quando o marido partiu,
de Élide, mas, mal recompensados da sua hos-
e tinha por ele um profundo amor. Ao rece-
pitalidade, foram todos mortos por Etolo, que
ber a notícia da sua morte, pediu aos deuses
se apoderou do reino.
que lho restituíssem por apenas três horas. Por
seu turno, Protesilau havia expressado o LAOMEDONTE. (AexofL&owv.) Laorne-
mesmo desejo. Quando Protesilau, devolvido donte, um dos primeiros reis de Tróia, é filho
à vida pelo tempo estabelecido, teve de partir de 110 e de Eurídice (v. quadro 7, p. 112). Teve
de novo para o Hades, Laodamia suicidou-se vários filhos, entre os quais Príamo, primei-
nos seus braços. ramente chamado Podarces, e Hesíone (v. este
Conta-se também que Laodamia tinha feito nome). As versões variam quanto ao nome de
um boneco de cera retratando o morto e que sua mulher: Estrimo (ou Estrimón), Reo, PIa-
costumava abraçá-lo secretamente. Mas seu pai da, Toosa, Leucípe, Zeuxipe. Sucedeu a seu
apercebeu-se disso e atirou o boneco para o pai 110 no trono de Tróia. Foi ele quem man-
fogo. Laodamia seguiu-o e morreu queimada dou construir as muralhas da cidadela e, para
viva. Eurípides tratou, numa tragédia que se isso, recorreu a duas divindades, ApoIo e Po-
perdeu, o «romance» de Laodamia e Protesilau. sídon, que foram ajudados, segundo se diz, por

Laódamas: ApOLLOO., Bibl., 1I1, 7, 3; PAUSAN., I, Laódice: 1) ApOLLOO., Bibl., tu, 9, I. 2) PAUSAN.,
39,2; IX, 5, 13; 8,6; 9, 5; 10, 3; cf. HEROO., V, 61. VIII, 5, 3; 53, 7. 3) li., IX, 145, e escól. ad loc.; 287.
4)li., III, 124; VI, 252; HVG., Fab., 90; 101; ApOL·
LOO., Bibl., m, 12,5; Ep., V, 23; PARTH., Erot., 16;
Laodamia: 1) 11., VI, 197 e s. e escól.; ApOLLOO., TZETZ., ad Lyc., 314; 447; 495; Posth., 736; PLUT.,
Bibl., 11I, I, 1; SERV., ad VIRa., Aen., I, 100; Thes., 34; Cim., 4; PAUSAN., X, 26, 3; QUINT. SM.,
NONN., Dion., VII, 127; 0100. SIC., V, 79 (com uma Posth., XIII, 544 e s.
variante quanto ao nome). 2) li., 698 e s. e Eusr.,
Laódoco: ApOLLOO., Bibl., I, 7, 6.
p. 325; Ov., Her., XIII; Ars am., III, 17; Trist., I,
6,20; Pont., III, I, 110; Rem., 723; HVG., Fab., 103; Laomedonte: li., VI, 23; XX, 237; XXI, 441-447;
104; 243; 251; 256; TZETZ., Anteh., 227; 246; Chil., PINO., Olymp., VIII, 41, e escól. ad loc.; 0100. SIC.,
lI, 52; SERV., ad VIRa., Aen., VI, 447; ApOLLOO., IV, 35 e sobretudo 49; ApOLLOO., Bibl., lI, 6, 4; m,
Ep., nr, 30; LUCIAN., D. Mort., 23; tragédia perdida 12,3 e 8; SERV., ad VIRa., Aen., lI, 241; Ov., Met.,
de EUR., cf. NAUCK, Trag. Gr. Fragm., 2.' ed., XI, 696; STRAB., XIII, I, 32, p. 596; escól. adEuR.,
p. 563 e S.; escól. ARISTID., p. 671 e s. 3) Escól. ad Tr., 822; Or., 1391; TZETZ., ad Lyc., 34; 523; 1341;
li., XVI, 175. SOPH., Aj., 1302.
LAONITO 268

Peneu '" Creúsa (ou Filira)

Eurínomo Apoio '""" Estilbe Hipseu '" Trica (ou Clidánope) Andreu

I
Orsínome Lápita Eneu (1) Centauro Astiageu Cirene ~ Apoio Temisto
I (v. quadro 34, p. 392)

Forbas Périfas '""" Astíage Triopas Aristeu

~
Augias Actor ,..."."Perimela Eurigania Outros seis filhos
I
lxíon ~ Día
I
Pirítoo ,...",.,Hipodamia
I
Polipetes

Quadro genealógico n. o 2!'i

um mortal, Éaco (v. a lenda que se lhe refere nheiros, a procura do velo de ouro. Esta ver-
e Apoio). são é aberrante, já que, geralmente, os auto-
A lenda de Laomedonte é a história dos seus res localizam a tomada de Tróia numa
perjúrios. Recusou pagar a quantia estabele- expedição independente da dos Argonautas (v.
cida às divindades a quem tinha recorrido. Isso Héracles).
atraiu sobre o seu país todo o género de cala- O túmulo de Laomedonte encontrava-se em
midades (v. Hesíone). Em seguida, como Hé- Tróia, diante da Porta Escea, e um oráculo di-
racles tinha morto o monstro marinho enviado zia que a cidade não podia ser tomada en-
como castigo por Posídon, e assim havia liber- quanto o túmulo se conservasse intacto.
tado Hesíone, Laomedonte recusou dar-lhe Considerava-se, por vezes, Laomedonte
como pagamento os cavalos divinos que pos- como pai de Ganimedes. Teria sido para o
suía e que lhe tinha prometido. Héracles regres- compensar do rapto do filho que Zeus lhe dera
sou à frente de um exército, tomou Tróia, com um pé de vinha em ouro, ou cavalos divinos -
a ajuda de Télamon, e matou não apenas Lao- precisamente aqueles que tinha oferecido em
medonte, mas também todos os seus filhos, ex- recompensa a Héracles (v. Ganimedes).
cepto Príamo (v. Héracles).
Uma versão mais recente, referida por Dio- LAÓNITO. (Acx6wtoç.) Alguns mitógrafos
doro Sículo, conta que Héracles tinha enviado atribuem a Édipo e Jocasta dois filhos, cha-
Télamon e Íficlo como embaixadores a Lao- mados Laónito e Frastor. Ambos pereceram
medonte, para lhe pedir Hesíone e os cavalos na luta entre os Tebanos e os Mínias e seu rei
prometidos. Mas Laomedonte encarcerou os Ergino (v. este nome). Nesta versão, Édipo te-
enviados de Héracles e tentou fazer perecer os ria tido uma segunda mulher, Euriganeia, que
Argonautas, entre os quais se encontrava en- lhe teria dado Etéocles e Polinices, Antígona
tão Héracles. Todos os seus filhos entraram e Ismene. Teria depois tido ainda uma terceira
nesta conjura, excepto Príamo (podarces), que mulher, Astimedusa.
se opôs a este projecto e declarou que era ne- LAÓNOME. (Acxov6J.LT).) 1. Numa versão
cessário mostrarem-se equitativos para com os obscura da lenda de Héracles, o herói tinha
hóspedes. Mas ninguém seguiu esta opinião. uma irmã, de nome Laónome, filha de Ale-
Então, Príamo enviou duas espadas para a pri- mena e Anfitrião. Casou com um Argonauta,
são onde se encontravam Télamon e Ificlo e umas vezes chamado Eufemo, outras Poli-
pô-los ao corrente dos projectos de Laome- femo.
donte. Assim armados, os dois prisioneiros de- 2. Por vezes, dá-se ainda o nome de Laó-
golaram os guardas e reuniram-se aos Argo- nome à mãe de Anfitrião. Seria a filha de Gu-
nautas. Estes atacaram Tróia e Héracies neu.
assegurou a vitória com prodígios valorosos.
Matou Laomedonte, tomou a cidade, matou LÃPITAS. (Acx1tí9cxl.) Os Lápitas são um
os seus inmigos e colocou no trono o jovem povo da Tessália que pertence simultaneamente
Príamo. Depois retomou, com os seus cornpa- à história e à mitologia. Na origem, habitavam

Laónito: Escól. ad EUR., Phoen., 53, citando PHE· Lápitas: 11., 11,738 e S.; XII, 128 e S.; XXIII, 836
REC. e S.; PINO., Pytb., IX, 25 e escól.; ApOLLOO., Bibl.,
Laónome: 1) Escól. ad PINO., Pyth., IV, 76; I, 8, 2; escól. ad ll., I, 266; Ov., Met., VIII, 303 e
TZETZ.,ad Lyc., 8, 86; escól. ad ApOLLOO. RH., S.; XII, 250e S.; HYG., Fab., 173; fonte principal:
Arg., I, 1241. 2) PAUSAN., VIII, 14, 2; ApOLLOO., Dton, SIC., IV, 69 e S.; V, 81. V. também os artigos
Bibl., lI, 4, 5; escól. ad 11., XIX, 116. citados no texto.
269 LATINO

os maciços de Pindo, do Pélion e de Ossa, de * LARES. (Lares.) Como deuses romanos


onde expulsaram os Pelasgos, que eram os pri- (sem dúvida de origem etrusca) encarregados
mitivos habitantes. Os Lápitas encontram-se de velar pelas encruzilhadas e pelos recintos do-
ainda referidos em Óleno e em Élis, em Rodes mésticos, os Lares não possuem mitologia pro-
e em Cnido. priamente dita. A lenda do seu nascimento, tal
Os Lápitas, ou pelo menos a mais impor- como é transmitida por Ovídio (v. Lara), que
tante família de entre eles, passam por ter como os dá como filhos de Mercúrio, significa sim-
antepassados o deus-rio da Tessália, Peneu, e plesmente que os Lares têm funções análogas
a ninfa Creúsa (ou Fílira). Peneu havia tido às de Mercúrio-Hermes, deus das encruzilha-
dois filhos, Hipseu e Andreu, e uma filha que, das, deus, também, da prosperidade. Dizia-se
unindo-se a Apoio, dera à luz Lápita, o epó- também que o Lar Fami/iaris (protector de to-
nimo dos Lápitas. Ele, por seu turno, tinha ge- dos os habitantes de cada casa) era o pai do
rado Forbas, Périfas, Tríopas e Lesbo (se a rei Sérvio Túlio. Um dia em que uma escrava
lenda que diz respeito a este último, tal como de Tanaquil, a mulher de Tarquínio, estava
é transmitida por Diodoro Sículo, não foi al- junto ao fogo, um falo formado de cinza
terada). Seria de Périfas que descendia Ixíon levantou-se da lareira. Da sua união com a es-
(v. este nome). Mas, mais frequentemente, crava nasceu aquele que, mais tarde, seria o rei
Ixíon liga-se a uma outra família lápita, a de Sérvio (v. Sérvio).
Flégias. Os Lares eram representados sob a forma de
Pertencem igualmente aos Lápitas Ceneu (v. adolescentes, tendo na mão um corno de abun-
este nome) e seu filho Corono. Ceneu tinha um dância e rodopiando sobre a ponta do pé.
irmão, Ísquis, tal como ele filho de Élaco (qua- O seu vestuário é curto, como convém a deu-
dro 10, p. 132). Estes. nomes encontram-se nas ses ágeis.
lendas arcádias (v. Isquis e Corono).
LARINO. (A&:PLVOç.) Larino é um pastor do
Os Lápitas intervêm num certo número de
Epiro que, quando Héracles passou pela região
lendas; a principal de entre elas conta a luta que
com os bois de Gérion, recebeu do herói, como
sustentaram contra os Centauros (v. este nome).
presente, um certo número desses bois (ou en-
Héracles combateu-os igualmente, por conta de
tão terá conseguido roubar-lhos). Depois, terá
Egímio, inimigo daqueles (v. Héracles). Os mi-
conservado essa raça, que era ainda famosa na
tógrafos referem lápitas entre os caçadores de
época clássica.
Cálidon (v. Meleagro) e entre os Argonautas
(particularmente Ceneu, Corono, Mopso, Pi- LARlSSA. (A&:p\aacx.) Larissa é uma heroína
rítoo - o amigo de Teseu -, Astérion, Poli- que é tida tanto como argiva como por tessá-
femo, Leonteu, Polipetes e Falero). lia. O seu nome destina-se a explicar a homo-
nímia das cidades da Tessália denominadas La-
* LARA. (Lara.) Lara é, segundo Ovídio, rissa e da cidadela de Argos. Por vezes, é
uma ninfa do Lácio que, diz o poeta, se cha-
considerada como mãe de Pelasgo, fruto da sua
mava na realidade Laia, isto é, «a Tagarela».
união com Zeus, ou com Posídon. Outras ve-
Como Júpiter amava Juturna e esta procurava
zes, é tida como filha de Pelasgo (quadro 19,
por todos os meios fugir-lhe, o deus reuniu to-
p. 239). No primeiro caso, teve como filhos,
das as ninfas da região e pediu-lhes que o aju-
além de Pelasgo, Aqueu e Ftio, que emigraram
dassem nos seus amores. Elas deveriam reter
da Argólida para a Tessália (v. também Píaso).
a irmã e impedi-Ia de mergulhar na água
quando ele a perseguisse. Todas deram o seu LÃS. (Aaç.) Lás é um herói local muito an-
assentimento, mas Lara divulgou por toda a tigo da península de Taígeto, no Peloponeso.
parte as intenções de Júpiter, preveniu Juturna Os habitantes contavam que ele tinha sido
e contou tudo à própria Juno. Encolerizado, morto por Aquiles (ou por Pátroclo), quando
Júpiter arrancou-lhe a língua e confiou-a a este tinha vindo ao país pedir a Tíndaro a mão
Mercúrio, para que este a conduzisse aos In- de sua filha Helena (mas, na versão mais di-
fernos, onde seria ninfa das águas do reino dos vulgada, Aquiles não figura no número de pre-
mortos. No caminho, Mercúrio violou-a e deu- tendentes de Helena).
-lhe dois gémeos, que são os deuses Lares
(v. este nome).
* LATINO. (Latinus.) Na tradição romana,
Latino, rei dos Aborígenes (a mais antiga po-
* LARÊNCIA. (Larentia.) V. Aca Larência. pulação da Itália), é o herói epónimo dos La-

Lara: Ov., Fast., lI, 583 e S.; LACT., Div. Inst., Lás: PAUSAN., nr, 24, 10.
1,20,35.
Latino: HES., Theog., 1011 e S. (passo interpo-
Lares: PLIN., N. H., XXXVI, 204; VAR., LL, V, lado); escól. ad Aroi.. RH., Arg., 111, 200; STEPH.
61; ARNOB., Adv. Gent., V, 18; cf. LIV., I, 39. Cf. Bvz., S.U. IIpalvt01;oç; DION. HAL. I, 43 e s.; 57 e S.;
E. TABELING, Mater Larum, Frankfurt, 1932; R. 72; PHAEST., p. 194; 209; 220. S.U. Qu. Roman,
VALLOIS, in Rev. Areh., 1924, pp. 21-36. Palatium; Hvo., Fab., 127; PLUT., Qu. Rom., 2;
Larino: ATHEN., IX, 376b e S.; escól. ad PINO., LIV., I, I, 6 e s.; VIRG., Aen., VII e S., passim;
SERV., ad VIRO., Aen., I, 2; 6; 84; 267; 273; III,
Nem., IV, 82; ad ARISTOPH., Pax, 925; Av., 465;
148; IV, 620; VI, 760; VII, 58; 659; 678; X, 76; XI,
TZETZ., Hom., VIII, 270; SUIO. e PHOT., S.U. Acpwcí
Bótç. 743; 316; XII, 164; TZETZ., ad Lyc., 1232; 1254;
VAR., LL, V, 144; SoLIN., n, 14; AUGUST., Civ.
Larissa: PAUSAN., lI, 24; escól. ad Arot.. RH., D., XVIII, 16; escól. Bob. in OC., Pro Plane.,
Arg., 1,40 (citando HELLANICUS); SERV., ad VIRO., p. 256. V. a discussão sobre as fontes in J. PER-
Aen., lI, 192; STEPH. Bvz., S.U. <l>6(a; D. H., I, 17. RET, Légende troyenne, p. 526 e S.
lATINO SílVIO 270

tinos. A sua lenda foi desde muito cedo hei e- turno, Eneias é convidado pelos seus próprios
nizada e ligada ao ciclotroiano, aquando da Penates a fazer um tratado com Latino. As-
constituição do mito romano de Eneias (v. este sim, de manhã, a aliança fica decidida. Os
nome). Todavia, certos mitógrafos, e sobre- Aborígenes concedem um território aos Troia-
tudo Virgílio, esforçaram-se por lhe conservar nos. Em troca, eles comprometem-se a ajudá-
o seu carácter autóctone. Estão, por isso, ates- -Ios contra os Rútulos. Eneias casa com Laví-
tadas duas tradições distintas sobre a origem nia e dá à sua nova cidade o nome de Lavínio.
de Latino: a tradição «helenizante» dá-o como Mas este casamento provoca uma guerra con-
filho de Circe e de Ulisses, ou então neto de tra Turno que, nesta versão, não é um rútulo
Ulisses (seu pai, neste caso, é Telémaco e a mãe mas, segundo parece, um tirreno, sobrinho da
Circe) (v. Telémaco). A tradição latina, pelo rainha Amata, mulher de Latino. No decurso
contrário, dá-o como filho do velho deus in- da luta que se seguiu, Latino é morto, bem
dígena Fauno e da deusa de Minturnas, Ma- como Turno, e Eneias, como marido de Laví-
rica. Finalmente, com o desenvolvimento da nia, torna-se rei dos Aborígenes. O novo povo
lenda de Hércules, uma outra genealogia veio toma, como na versão precedente, o nome de
ainda sobrepor-se às outras duas: quando Hér- Latino.
cules vinha de junto de Gérion, trouxe consigo Na Eneida, Virgílio apresenta uma versão
uma jovem hiperbórea, que recebera do pai que combina as duas variantes. Nela, Eneias
como refém. Ao passar pela Itália, deu-a em é bem recebido por Latino, a quem os adivi-
casamento ao rei Fauno, que governava os nhos aconselharam que desse sua filha em ca-
Aborígenes. A jovem chamava-se Palanto. É, samento a um herói estrangeiro. Quando os en-
evidentemente, considerada como o epónimo viados de Eneias chegam à capital, o rei
do Palatino, ou de Palanteu (a primitiva compreende que o oráculo tem de se cumprir
Roma, a aldeia palatina fundada, segundo se e oferece espontaneamente a mão de Lavínia
diz, por Evandro). Quando casou com Fauno, ao estrangeiro. Mas, antes de a aliança entre
Palanto estava grávida de Hércules. Teve um Latino e os Troianos poder ser solenemente fir-
filho, que foi o rei Latino. Há variantes que mada, ocorre um incidente. No decurso de uma
apresentam Hércules gerando Latino com a caçada, Ascânio, o filho de Eneias, mata um
mulher do rei Fauno, ou então com a filha veado domesticado, acontecimento que pro-
deste. voca um combate entre os troianos que acom-
A tradição não é menos complexa no que diz panham o jovem e os pastores aborígenes in-
respeito às aventuras de Latino. Há dois siste- dignados com essa morte. Amata, que queria
mas lendários que se encontram em confronto. dar a mão de Lavínia a Turno, rei dos Rútu-
Num, Latino acolhe Eneias com hospitalidade, los, bem como o próprio Turno, incitam La-
quando este desembarca na costa do Lácio; tino à guerra contra os Troianos. Latino recusa
noutro, combate-o. Contava-se, por exemplo, e fecha-se nos fundos do seu palácio, enquanto
que ele fizera espontaneamente uma doação de a própria Juno abre as portas do templo da
terras aos imigrantes (de 680 hectares, a fazer guerra (o templo de Jano que, em Roma, se
fé num fragmento de Catão conservado por conservava fechado em tempo de paz e se abria
Sérvio no seu comentário à Eneida). Para além apenas com o início das hostilidades - Virgí-
disso, concedera a Eneias a mão de sua filha lio transpõe assim para a cidade de Latino um
Lavínia. Mas os Troianos teriam feito razias uso romano) e Turno, subindo à cidadela, iça
no território circundante e, assim, Latino teve o estandarte que chama o povo às armas. Du-
de os combater. Para esse efeito, ter-se-ia rante a guerra que se segue, Latino mantém-
aliado ao rei dos Rútulos, Turno. No decurso -se afastado, limitando-se a mandar pedir aos
de uma batalha decisiva, Turno e Latino teriam Troianos tréguas para enterrar os mortos, e
ambos perecido, a capital dos Aborígenes, de- tentando demover Turno da sua intenção de
nominada nesta versão Laurolavínio, teria sido desafiar Eneias para um combate singular. De-
tomada, e Eneias tornou-se rei. Os dois povos, pois da morte de Turno, Latino firma a paz
Aborígenes e imigrantes troianos, unem-se num com os Troianos.
só, tomando o nome de Latino, em memória Dois testemunhos fazem-nos conhecer uma
do rei. lenda segundo a qual o rei Latino desapareceu
No segundo sistema, Eneias abordava a durante um combate contra Mezêncio, o rei de
costa latina dois anos depois da tomada de Cere, e se tornou o deus Júpiter Latino, cujo
Tróia e assumia imediatamente o dever de culto era, na época histórica, celebrado pela
construir uma cidade. O rei da região, Latino, confederação latina na montanha que domina
que já estava em guerra com os Rútulos, to- o lago de Nemi.
mou a peito a obrigação de impedir a instala-
ção da colónia troiana no seu território. De * LATINO SÍLVIO. (Latinus Siluius.) Na
noite, chegou junto do acampamento troiano. dinastia dos reis de Alba, Latino Sílvio é o
Vendo os companheiros de Eneias armados à quarto rei depois de Ascânio. Tem como pai
maneira grega e preparados para a batalha, de- Eneias Sílvio, como avõ Póstumo Sílvio e como
cidiu adiar o confronto para o dia seguinte. bisavô Ascânio. Latino Sílvio reinou durante
Mas, durante a noite, vê em sonhos uma di- cinquenta anos e fundou um determinado nú-
vindade indígena que o avisa de que seria de mero de cidades que figuravam na confedera-
seu interesse aliar-se aos estrangeiros. Por seu ção latina.

Latino Sílvio: Ov., Met., XIV, 611; Fast., IV, TZETZ., ad Lyc., 1232; SERV., ad VIRG., Aen.,
41 e 5.; D/ON. HAL., I, 71; D/DD. S/C., VII, 17; VI, 767.
271 LEOA

* LAUSO. (Lausus.) Lauso é filho de Me- Leucípedes. Como o oráculo de Delfos lhes havia
zêncio (o rei de Cere) que combateu ao lado de aconselhado que dessem ao Paládio, como
Turno contra Eneias. Foi morto por este último guarda, um daqueles que o tinham roubado, eri-
(v., no entanto, Mezênciov. O nome encontra- giram a seu lado um templo a Ulisses, que para
-se na crónica dos reis de Alba. Foi usado por eles era quase um herói nacional, por causa das
um filho de Numitor, que matou Amúlio. origens de Penépole (v. Penépole e Paládio).
* LAVÍNIA. (Lauinia.) Lavínia é a filha do LEANDRO. (Ai",vôpoç.) Leandro era um jo-
rei Latino e de Amata. Estava noiva de Turno vem de Abido, amante de uma sacerdotisa de
antes da vinda de Eneias para o Lácio. Foi en- Afrodite, de nome Hero, que vivia em Sesto,
tão dada ao Troiano por seu pai (v. Latino e a cidade situada do outro lado do Helesponto,
Eneias). Em sua honra, Eneias deu o nome de em frente de Abido. Todas as noites, atraves-
Lavínio à cidade que fundou. Do seu casa- sava a nado o estreito, guiado por uma luz que
mento com Eneias nasceu Ascânio, segundo Hero acendia no alto da torre, na casa em que
uma das versões. Mas, na Eneida, Ascânio é vivia. Mas, numa noite de tempestade, a chama
seu enteado, já grande aquando da vinda de apagou-se e Leandro não conseguiu encontrar
Eneias. A Eneida não refere nenhum filho de a costa no meio das trevas. No dia seguinte,
Lavínia e Eneias, mas os mitógrafos contam o mar devolveu o seu cadáver junto da torre
que, depois da morte do herói, Lavínia deu à de Hero. Esta precipitou-se no vazio, não que-
luz um filho de ambos, Sílvio (v. Ascânio), rendo sobreviver ao seu amante.
junto do pastor Tirro ou Tirreno. Ascânio ce-
LEARCO. (M"'pxoç.) Learco e Melicertes
deu então a cidade de Lavínio a seu meio-irmão
são os dois filhos de Ino e de Atamas. Quando
e partiu para fundar Alba. Porém, como As-
Hera enlouqueceu Átamas, querendo desse
cânio morreu sem filhos, chamou Sílvio para
modo puni-Io por ter criado em segredo o pe-
lhe suceder.
queno Dioniso, ele matou Learco com uma fle-
A versão «abreviada» da fundação de Roma
cha, tomando-o por um veado. Ou, então,
(que suprime os reinados intermédios entre
tomou-o por um leão jovem e lançou-o, de um
Eneias e Rómulo) faz de Lavínia a mãe de uma
rochedo. Uma outra versão diz que Atamas
Aemilia que teve de Marte um filho, Rómulo. sou be do crime de Ino contra os filhos que ele
Finalmente, uma lenda de inspiração pura-
tinha tido de Néfele, Frixo e Hele, e que, que-
mente grc;ga conta que Lavínia era filha do sa-
rendo matá-Ia, matou por engano Learco (v.
cerdote Anio (v. a sua lenda), que seguira
Átomos, quadro 3, p. 66, e 34, p. 392). Eurí-
Eneias como profetisa na sua viagem para o
pides escreveu uma tragédia sobre este tema.
ocidente e tinha morrido no local onde o he-
rói fundou a cidade de Lavínio. [Esta lenda as- LEBÉADO. (AE~i",ôoç.) De todos os filhos
senta sem dúvida num jogo de palavras, asso- de Licáon, apenas Eleutério e Lebéado não
ciando o nome de Lauinia a uinum (vinho) e participaram na impiedade do pai, que deu a
relacionando-o com o nome de Oeno, no qual comer a Zeus a carne de uma criança, para pôr
se encontra a raiz grega com o mesmo signifi- à prova a sua clarividência. Depois da catás-
cado. As três filhas de Ânio chamavam-se, trofe, fugiram para a Beócia, onde fundaram
como se sabe, as Enotrofoi, as Vinhateiras.) as cidades de Lebadeia e de Elêuteras. Foi a
(V. o art. cit.) origem da antiga aliança existente entre os Ar-
cádios e os habitantes destas duas cidades.
LEAGRO. (AE<ÍYPOÇ.) Leagro é um aliado
do Heraclida Témeno. Ajudado por seu amigo LEOA. (Aijô",.) Segundo a tradição mais
Ergieu, descendente de Diomedes, e instigado corrente, Leda é filha do rei da Etólia, Téstio,
por Témeno, roubou o Paládio que se conser- e de Eurítemis. Descende, portanto, de Etolo
vava em Argos. Em seguida, tendo brigado e, pelo lado paterno, de Cálice, uma das filhas
com Témeno, foi oferecer a estátua aos reis de de Éolo. Pertence à raça de Deucalião (v. qua-
Lacedémon, que aceitaram de bom grado a re- dros2,p. 12; 15,p. 200;21,p. 242;26,p. 272).
líquia, cuja posse garantia a segurança da ci- Suas irmãs são Alteia, mãe de Meleagro, e Hi-
dade em que se encontrava. Colocaram-na permestra. Outras versões atribuem-lhe como
perto da cidade, na vizinhança do santuário dos irmãs Clitia e Melanipe. Contava-se também

Lauso: VIRO. Aen., VII, 649; X, 426; 790 e S.; escól. ad Arot.. RH., Arg., 11, 1144; Hvo., Fab., 1
DION. HAL., I, 65 (ef. MÜLLER, Fragm. Hisl. gr., m, e 2; Ov., Met., IV, 512 S.; Fast., VI, 489 e S.; SERV.,
p. 174); Ov., Fasl., IV, 54. ad VIRG., Aen., V, 241; LACT., ad STAT., Theb., I,
12.
Lavínia: TIT. LIV., 1, 1,3; DION. HAL., Anl.
Rom., I, 59; 60; 70; VIRO. Aen., VI, 764; VII, 52 e
Lebéado: PLUT., Qu. Gr., 39.
S.; XII, 194; ov., Mel., XIV, 449; 570, TZETZ., ad
Lyc., 1232; SERV., ad VIRG., Aen., I, 2; 259; 270; VI, Leda: APOLLOD., Bibl., I, 7, 10; m. 10, 5 e S.; PAU·
760; VII, 51; 484; PLUT., Rom., 2; AEL., NA, XI, 16; SAN., 111, 1,4; 13, 8; 16, 1; 21, 2; SERV., ad VIRG., Aen.,
STRAB., V, p. 229. V 111, 130; escól. ad Aroi.. RH., AIg., I, 146; a EUR.,
Leagro: PLUT., Qu. Gr., 48. Or., 447; STRAB., X, p. 461; HYG., Fab., 77; Od., XI,
298 e S.; PROP., I, 13, 30; João de Antioquia, fr. 20;
Leandro: Ov., Her., XVlII; XIX; MUSEU, Hero.,
TZETZ., ad Lyc., 88; 511; EUR., Iph. Aul., 49 e S.; Me-
ed. Ronge, Munique, 1939; Anth; V, 231; 263; IX,
lanipp., 17 e S.; 214; 257; 1149; Or., 1387; escól. ad
215; 387; VIRO., Georg., m, 258. PINO., Nem., X, 150. Cf. M. DELLA CORTE, «Leda e
Learco: ApOLLOD., Bibl., 1,9, 1 e S.; m, 4, 3; PAU· Latona», A.A.N. XlII (1933-1934), p. 325-337; G. CA.
SAN., 1,44,7; IX, 34, 7; TZETZ., ad Lyc., 21; 229; TINELLA, 11mito di Leda..., Bari, 1937.
Cálice "'" Êtlio

Endímion ,-.,...;uma Náiade Forbo (ou Forbas)

Epeu Péon Eurícide Etolo ~


I
Prónoe

Doro Amitáon

Xantipa Pleurón Cálidon '" Eólia

I
Agenor "'" Epicaste Estérope I Estratónice Laofonte Epicaste (v. Agenor)
,.0.0"""1 Ares

uma escrava
1 Ares Úxilo

1
Demónice

~- --\grio Alcátoo MeIas Leucopeu Estérope li Laocoonte


I
Eveno Molo Pilo Téstio ,...".,Eurítemis
- -- =.:s..: (quadro 27. p. 280)
I
I
Marpessa Alteia Leda Hipermestra Íficlo Evipo Plexipo Eurípilo

Quadro genealógico n, o 26
273 LEONTEU

que Glauco, filho de Sísifo, passou por Lace- Lacónia e tinha «nascido do solo». Teve dois
démon, procurando os cavalos que perdera. Aí, filhos, Miles e Policáon. O filho mais velho,
uniu-se a Pantidía, que em seguida casou com Miles, sucedeu-lhe no trono de Lacónia, que
Téstilo e lhe deu uma filha, Leda, que se jul- legou em seguida ao seu próprio filho, Euro-
gou ser filha de Téstio (a relacionar com a lenda tas (o deus-rio com esse nome). Policáon, o
do nascimento de Ulisses, que seria fruto dos mais novo, casou com Messene, filha do rei de
amores furtivos de Sísifo) (v. Ulisses). Argos, Tríopas, e obteve o reino de Messénia,
Quando Tíndaro, expulso de Lacedémon por que 'assim denominou com base no nome de
Hipocoonte e seus filhos (v. a sua lenda), se sua mulher (v. Messene).
refugiou na Etólia, na corte de Téstio, este Outra tradição faz de Lélex o pai e não o avô
acolheu-o e deu-lhe a mão de sua filha Leda. de Eurotas.
Mais tarde, ela acompanhou o marido no re- Lélex é também considerado como um he-
gresso a Lacedémon, quando HéracJes repôs rói de Lêucade, avô de Teléboas (o epónimo
Tíndaro no trono (v. Héracles). dos Teléboas) (v. Anfitrião).
Leda teve muitos filhos de Tíndaro: Timan- O mesmo nome aparece igualmente nas len-
dra, que casou com Équemo (v. a sua lenda); das de Mégara, nas quais Lélex é considerado
Clitemnestra, mulher de Agamémnon (v. C/i- como filho de Posídon e de Líbia, vindo do
temnestra); Helena e os Dioscuros (v. estes no- Egipto para reinar em Mégara. Teve um filho,
mes). Alguns destes filhos (aos quais os trage- Cléson, cujas filhas, Cléso e Tauropolis, reco-
diógrafos acrescentam Febe), foram gerados por lheram o corpo de Ino quando o mar o trouxe
Zeus, que tomara a forma de um cisne para se para junto de Mégara, após o suicídio da jo-
unir a ela. Mas contava-se também que Helena vem (v. Pa/émon).
era, na realidade,filha de Zeuse Némesis.A deusa Lélex teve também outro filho, Bias, que foi
tentara fugir ao amor do pai dos deusese tinha-se morto por Pilas (v. este nome).
transformado em gansa para lhe escapar. Ime-
diatamente Zeus se transformou em cisne e uniu- * LÉMURES. (Lemures.) Os Lémures são,
-se a ela. Némesis pôs em seguida um ovo que em Roma, os fantasmas dos mortos, que se es-
abandonou. Um pastor encontrou-o e levou-o conjuram na festa dos Lemuria, celebrada to-
a Leda, que o guardou preciosamente num co- dos os anos em 9 de Maio e nos dois dias ímpa-
fre. Quando Helena saiu dele, ela fê-Ia passar res seguintes (lI e 13). Esta festa celebrava-se
por sua filha, pois era uma menina muito bela. de noite: descalço, o chefe de família saía de
Mais frequentemente, e sobretudo a partir casa, lavava as mãos em água de uma fonte e,
de Eurípides, admitia-se que era a própria Leda voltando a cabeça, lançava feijôes (ou favas)
quem, dos seus amores com Zeus, tinha posto para a noite, dizendo: «Com estas favas eu me
um ovo (ou então dois), donde tinham saído resgato, a mim e aos meus.» Pronunciava esta
os dois casais: Pólux e Clitemnestra, Helena fórmula nove vezes, sem olhar para trás, en-
e Castor (v. Dioscuros). Em Esparta, no tem- quanto os Lémures, segundo se cria, apanha-
plo dos Leucípides (v. este artigo), mostravam- vam os grãos. Então, o celebrante purificava urna
-se as cascas de um ovo gigante, que passava vez mais as mãos e batia em bronze, gritando:
por ser o ovo posto por Leda. «Sombras dos meus antepassados, ide-vos em-
bora.» Podia então olhar para trás: os Lému-
LEIPÉFILE. (AwtE<flÀ7].) V. quadro 32, res, satisfeitos, tinham partido por mais um ano.
p. 370, que mostra como Leipéfile é filha de Sobre a origem do nome Lemuria, Ovídio
Iolau, sobrinho de Héraeles e como, pelo seu conta que a festa se chamava inicialmente «Re-
casamento com Filas, filho de Antíoco, por sua rnuria» e era celebrada em honra dos Manes
vez filho de Héraeles, uniu na pessoa de seu de Remo, morto por Rómulo. Mas é, eviden-
filho, Hípotes, uma dupla ascendência hera- temente, uma hipótese com fundamento num
eleia (v. Hipotes e A/etes). trocadilho etimológico.
LEITO. (A~·('toç.) Leito é um chefe tebano, LEONASSA. (A&WY<xaa<x.)Leonassa, a Leoa,
filho de Aléctrion (ou de Alector), que coman- é a neta de Hilo, numa tradição obscura. Te-
dava um destacamento de tropas no cerco de ria casado com Neoptólemo e ter-lhe-ia dado
Tróia. A Iliada mostra-o matando o Troiano vários filhos: Argo, Pérgamo, Pãndaro, Do-
Fílaco e sendo ele próprio ferido por Heitor. rieu, Génoo, Euríloco e Dánae, todos heróis
Foi ele quem trouxe de Tróia as cinzas de Ar- e heroína que têm, geralmente, outras ascen-
cesilau. Figura igualmente entre os Argonautas. dências (v. quadro 18, p. 220).
LÉLEGE. V. Lé/ex. LEONTEU. (Aeovreúç.) Leonteu é um chefe
LÉLEX. (Mhl;.) Lélex, ou Lélege, é o he- lápita, filho de Corono e neto de Ceneu (qua-
rói epónimo de Léleges. Foi o primeiro rei de dro 10, p. 132). Acompanhou um outro lápita,

Leipéfile: HES., fr. 54, ap. PAUSAN., IX, 40, 6. Lémures: Ov.. Fasi., V, 419 e 5.; SERV., ad Aen.,
1,271; 292; PERS., Sat., V, 185 e escól. Cf. E. JOBBE-
Leito: li., 11,494; VI, 35-36; XVII, 601-604: EUR., -Oll\'AI, Les morts malfaisants .... Paris, 1924.
lph. Au/., 259 e S.; HVG., Fab., 97; 113; PAUSAN., Leonassa: Escól. ad EUR., Andr., 24; cf. 32.
IX, 39, 3; Ar-ot.t.ou., Bib/., 1,9, 16.
Leonteu: li., Il, 738 e 5.; XII, 130 e S.; XXIII, 837
Lélex: PAUSAN., I, 39, 6; 42, 7: 44, 3; 111, I, I; 12, e S.; HI'G., Fab., 81; 97; 114; Q. S., VII, 487; XII,
5; IV, 1,2; STErH. Bvz., s.u. A",xt8""IlTjV; escól. ad 323; TZETZ., Poslh., 646; ad Lvc ., 427; 980: 1047;
Eu •. , Or., 615; Ar-ot.r.ou., Bib/., 111, 10,3; STRAB., ApOLLo!)., Bibl., III, 10, 8; Ep., VI, 2; OIOD. s«,
VlI, p. 322. IV, 53; STEPH. Bvz.. S./I. <tJtÀOtl8"'t.
LEONTICO 274

Polipetes, filho de Pirítoo, à Guerra de Tróia. LÉPREO. (As1tpwç.) A lenda de Lépreo está
Por essa razão, é nomeado várias vezes na ligada ao ciclo de Héracles e, mais particular-
Iliada. Figura entre os guerreiros que tomaram mente, à aventura do herói junto de Augias.
lugar no cavalo de madeira. Os mitógrafos Lépreo é filho de Cáucon e de Astidameia (ela
incluem-no também na lista dos pretendentes própria filha de Forbas e, consequentemente,
de Helena. irmã de Augias) (v. quadro 34, p. 392). Ele ti-
Depois da tomada de Tróia, acompanhou nha aconselhado Augias a que não pagasse a
Calcas no caminho por terra (v. Calcas). Héracles o salário convencionado pela limpeza
Quando Calcas foi morto, voltou a Tróia e, de dos estábulos do rei (v. Héracles); acrescentou
lá, regressou à sua pátria. que ele deveria carregar o herói de correntes
Os mitógrafos citam um irmão de Leonteu, e prendê-lo. Assim, quando Héracles regres-
Andrémon, que casara com uma das filhas de sou para se vingar de Augias, apresentou-se
Pélias, de nome Anfínome, e ainda uma irmã, junto de Cáucon para também punir Lépreo.
Líside. Mas deixou-se vergar pelos rogos de Astida-
meia, e contentou-se em organizar um con-
LEÔNTICO. (AtóV'tLXOç.) Leôntico e Rádine curso entre Lépreo e ele (concurso de comida,
são os heróis de uma história de amor contada de bebida, de lançamento do disco). Lépreo foi
por Estesícoro. Rádine era uma jovem de Sa- completamente batido. Então, encolerizado,
mos de Trifília, que estava noiva de um tirano empunhou as armas e ambos se bateram até
de Corinto. Mas ela amava um jovem da sua que Lépreo morreu.
terra, chamado Leôntico. Quando partiu por
mar, para casar com o noivo, Leôntico seguiu- LESBO. (AÉO'~oç.) Lesbo é o filho de Lápita
-a por terra. Mas o tirano matou os dois e man- (v. quadro 25, p. 268). Por ordem de um orá-
dou de volta, num carro, os cadáveres. Toda- culo, exilou-se na ilha de Lesbos, onde casou
via, arrependeu-se da sua crueldade e com Metimna, filha do rei da região, Maca-
enterrou-os num recinto que lhes consagrou. reu (ou Mácar) (v. este nome). Foi ele quem
Os amantes desiludidos iam lá, ainda na época deu o nome à ilha.
de Estrabão, pedir felicidade para os seus amo- LESTRÍGONES. (AaL~pUr?Vtç.) Seis dias
res. depois de ter sido repelido por Eolo, o deus dos
ventos, Ulisses aportou no país dos Lestrígo-
LEONTÓFONO. (Awv~o'Póv9Ç.) Depois do nes. Este povo era formado por gigantes an-
massacre dos pretendentes, em Itaca, contava- tropófagos que devoravam os estrangeiros. Ha-
-se que Ulisses, acusado pelos parentes dos bitavam uma cidade que se dizia ter sido
mortos, tinha submetido o caso ao arbítrio de fundada por um certo Lamo. Ulisses, ao che-
Neoptólemo, e que este o condenara ao exílio. gar, entrou com os seus navios num porto am-
Ulisses retirou-se, então, para a Etólia, para plo e seguro, onde a armada ancorou. Ulisses
junto de Toas, filho de Andrémon, cuja filha foi a terra, e enviou dois companheiros a fa-
desposou. Deste casamento nasceu Leontó- zer o reconhecimento da região. Pouco depois,
fono, o Matador de Leões, um herói sobre os dois marinheiros encontraram, às portas de
quem não possuímos nenhuma outra informa- uma cidade, uma jovem que tirava água. Per-
ção. Uma outra lenda refere um filho de Ulis- guntaram-lhe quem era o rei do país. A jovem
ses, Leôntofron, que o herói havia tido de conduziu-os à sua própria casa e chamou o pai,
Evipe (quadro 39, p. 460). Antífates, que acorreu vindo da praça, onde
LEOS. (AÉwç.) Leos é um dos heróis epóni- se encontrava, e matou imediatamente um dos
mos das tribos áticas (o seu nome corresponde dois marinheiros. Depois, gritou a todos os
ao da tribo Leôntica). Era filho de Orfeu e ti- seus companheiros que viessem. Estes acorre-
nha ele próprio um filho, Clianto, e três filhas, ram ao porto e puseram-se a lançar enormes
Pasítea, Téope, e Eubule. Num momento em rochedos sobre os navios, que ficaram todos
que uma grande fome grassava, deu esponta- esmagados, excepto o que levava Ulisses, que
neamente as suas três filhas, ainda virgens, conseguiu pôr-se em fuga.
como vítimas expiatórias, pois o oráculo de É verosímil que o país dos Lestrígones se
Delfos tinha ordenado que se imolassem víti- possa identificar com a região de Fórmias, a
mas humanas para fazer voltar a abundância. sul do Lácio, no limite da Campânia.
Os Atenienses erigiram um santuário no Ce- LETE. (A,,91).) Lete, o Esquecimento, é fi-
râmico, em honra das três jovens filhas de lha de Éris (a Discórdia) e, segundo uma tra-
Leos. dição, mãe das Cáritas (as Graças). Deu o seu

Leôntico: STRAB., VIII, 3, 20, p. 347 iSTESICHO. Lesbo: Dioo. SIC., V, 81.
RUS, fr. 44); PAUSAN., VII, 5, 13.
Lestrígones: Od., X, 81-132; 199; XXIII, 318 e S.
Leontófono: ApOLLOD., Ep., VII, 40; Eusr ., e ese61. ad X, 81, 82, 86, ete.; HE5YCH., S.U. AcXlloç;
p. 1796, 51. A. GEL., N. A .. XV, 21; Lvc., Alex., 662 e TZETZ.,
Leos: PAUSAN., I, 5, 1 e 2; X, 10; 1; SUID. e PHOT., ad loc.; OV., Met., XIV, 233 e S.; HYG., Fab., 125.
s.u. l1t(~w!J.me J\.twxÓp~ov e HESYCH., neste último vo- Lete: HES., Theog., 227 e S.; esc61. ad 11., XIV,
cábulo; esc61. ad THUC., I, 20; AEL., VH, XII, 28;
276; ad Od., XI, 51; ANTH. PAL., VII, 25; PLAT.,
DIOD. SIC., XVII, 15; ARISTID., Or., XIII, p. 191 e Rep., X, 621; VIRG., Aen., VI, 705; 715; Ov., Pont.,
esc61., p. 111 e S.; Cic., de nato D., I1I, 19, 50.
lI, 4, 23; PAUSAN., IX, 39, 8. Cf. M. P. NILS50N,
Lépreo: Esc6J. adCALLlM., Hymn. Z., 39; ATHENO· «Die Quellen der Lethe», Eranos, 1943, pp. 1-7; cf.
DOR.,X, 411 C e 5.; AEL., VH, I, 24; ef. P AUSAN.,V, 5, 4. G. NARDUCCI, in Cirenaica illustrata, 1932, p. 6-7.
275 LEUCATAS

nome a uma fonte, a Fonte do Esquecimento, pelas deusas como mensageira e, prometendo
situada nos Infernos, de que os mortos bebiam a Ilitia um colar de ouro e de âmbar com o
para esquecer a sua vida terrena. De igual comprimento de nove côvados, convenceu-a a
modo, na concepção dos filósofos, de que Pla- vir assistir à infeliz. Assim puderam nascer as
tão se fez eco, antes de regressar à vida e de duas crianças divinas.
retomar um corpo, as almas bebiam desse lí- Contava-se também que, para escapar a
quido, que Ihes tirava a memória do que ti- Hera, Leto havia tomado a forma de uma loba
nham visto no mundo subterrãneo. e tinha fugido de junto dos Hiperbóreos, povo
Perto do oráculo de Trofónio, em Lebadeia, com quem costumava viver. Isso explicava o
na Beócia, existiam duas nascentes, donde de- epíteto bizarro de «Licógenes», Nascido do
viam beber os que o consultavam: a Fonte do Lobo, aplicado por vezes a Apoio.
Esquecimento (Lete) e a Fonte da Memória É na Lícia, o «país dos Lobos», que igual-
(Mnemósine). mente se localiza um outro episódio relativo
Lete transformou-se numa alegoria, o Es- ao mesmo nascimento. Com os seus dois
quecimento, irmã da Morte e do Sono. E a esse recém-nascidos, Leto teria ido para a Lícia e,
título que ela é frequentemente mencionada pe- lá, parou junto de uma nascente, ou de um
los poetas. lago, para lavar as crianças. Mas os pastores
da vizinhança impediram-na de se aproximar
LETEIA. (A7J9,,«a.)Segundo uma referência
da água. A deusa, então, transformou-os em
de Ovídio, parece que Leteia foi, numa fábula
rãs.
hoje perdida, a mulher de Óleno. Ela preten-
Leto, mais tarde, foi uma mãe muito amada
dera rivalizar em beleza com uma deusa, e seu
por seus filhos, que se esforçaram por defendê-
marido tentou livrá-Ia do castigo, chamando
-Ia por todos os meios. Foi por ela que eles
a si a responsabilidade da falta. Mas ambos fo-
massacraram os filhos e as filhas de Níobe (v.
ram transformados em estátuas de pedra.
este nome). Mataram o gigante Tício, que ti-
LETO. (A7J~w.) Leto, mãe de Apoio e Árte- nha tentado violá-Ia (v. Ttcioi. Finalmente, foi
mis, que concebeu de Zeus, pertence à primeira porque a serpente Píton a ameaçara que Apoio,
geração divina. É, com efeito, filha do Titã Ceu pouco depois de nascer, a matou, em Delfos
iíh ~itânid.r",li'p...
""", ~ .....~p. ••.'11~"'",QJ11a,lr~TJ1ãa,s ~.sjfJ'..ia. (~.. h;Nn),.
e Ortígia (v. quadro 38, p. 452).
Contava-se que, quando Leto estava grávida LEUCÁDIO. (AEUXáolOÇ.) Segundo uma tra-
dos dois gémeos divinos, Hera, enciumada, dição transmitida por Estrabão, Leucádio, Ali-
proibira todos os lugares da Terra de lhe da- zeu e Penélope eram todos filhos de Icário e
rem guarida para que ela pudesse dar à luz os de Policaste (v. outra versão no quadro 21,
seus filhos. Assim, Leto vagueava sem nunca p. 242, e no artigo Penélope). Icário tinha sido
poder parar. Por fim, Delos, que era até en- expulso por Hipocoonte de Lacedémon, onde
tão uma ilha errante, estéril e que nada tinha reinava com seu irmão Tíndaro (v. Jcário). Mas
a temer da cólera de Hera, consentiu em quando Hérades reconduziu este último no po-
acolhê-Ia. Como recompensa, a ilha ficou fixa der sobre Lacedémon, Icário permaneceu na
Acarnânia, onde tinha constituído um pequeno
no fundo do mar por meio de quatro colunas,
que a mantiveram solidamente. Mudou tam- Estado. Seu filho Leucádio deu o nome do pai
bém de nome (pois chamava-se primeiramente à cidade de Lêucade e Alizeu o seu à de Alízia.
Ortígia, nome que tinha entre os Imortais) e, LEUCÁ~IA. (AEUxap(a.).Leucária é a mu-
uma vez que o deus da luz tinha visto o dia no lher do rei Italo, e mãe de Auson, o epónimo
seu solo, foi denominada Delos, a Brilhante. da Ausónia (antigo nome de Itália). Em outras
Segundo outra lenda, Hera havia jurado que versões considera-se que é a mãe de Romo, o
Leto não poderia dar à luz em nenhum local epónimo de Roma. Seria a filha do rei Latino
sobre o qual brilhassem os raios do Sol. Por e teria casado com Eneias (é, consequente-
ordem de Zeus, Bóreas levou então a jovem a mente, indêntica a Lavínia; v. este nome).
Posídon, que, levantando as ondas do mar, fez
uma espécie de abóbada líquida sobre a ilha. LEUCÁSPIS. (A.úxaaTCLç.)Leucáspis é um
Assim abrigada do sol, Leto pôde pôr no príncipe sícano que travou combate com Hé-
mundo os seus filhos, apesar do juramento da racles, quando este atravessou a Sicília vindo
sua inimiga. da terra de Gérion. Foi morto, bem como
As dores do parto duraram nove dias e nove grande número de outros nobres seus compa-
noites. Todas as deusas tinham vindo dar as- triotas, na luta contra o herói. Foram-lhe pres-
sistência a Leto. Todas, menos Hera e Ilitia, tadas honras divinas.
a deusa dos nascimentos, que tinha ficado no LEUCATAS. (AEUxá~aç.) Jovem amado por
Olimpo; era a sua ausência que impedia que Apoio e que, para escapar à perseguição do
o parto se realizasse. Por fim, Íris foi enviada deus, se' lançou ao mar do alto de uma falé-

Iaeia: LAcr. PLAC, Fab.,X. 1; cf. Ov., Met., X. 68 e s. Leucádio:STRAB., X, 452; 461.
Leto: HES., Theog., 404 e S.; Hymn. hom., 1,62; Leucária: TZETZ. ad Lyc., 702; PLUT., Qu. Rom.,
Aeot.i.on., Bibl., I, 2, 2; escól. ad Asoi.. RH., Arg., 2; DION. HAL., I, 72.
I, 308; CALL., Dei., passim; PINO., fr. 87; HYG.,
Fab., 40; LIB., Narr., XIX; ANT. LIB., Transf., 25; Leucáspis: Droo, SIC., IV, 23.
Ov., Met., VI, 313 e s. Cf. U. PESTALOZZA, Pagine
di religione mediterranea, Milano, 1942. Leucalas: SERV., ad VIRO., Aen., 111,271.
LEUCE 276

sia, na ilha de Lêucade, e deu o seu nome à re- Nas versões mais recentes da lenda, as Leu-
gião. cípides estavam noivas dos dois filhos de Afa-
reu, e teriam sido raptadas pelos Dioscuros.
LEUCE. (AtlÍxTj.) 1. Leuce, a Branca, é uma
Esta versão é mais favorável a Castor e Pólux
ninfa, filha de Oceano e de Tétis. Foi amada
do que uma outra segundo a qual teria sido no
por Hades, que a raptou e levou para os In-
decurso do casamento de seus primos com as
fernos. Mas Leuce não era imortal. Na data
Leucípides que eles as raptaram, violando as-
fixada, morreu, e Hades, para a imortalizar,
sim as leis da hospitalidade.
transformou-a num choupo branco, que se er-
Uma tradição local, referida por Pausânias,
guia nos Campos Elísios. Foi dessa árvore que
fazia das Leucípides filhas de Apoio. Leucipo
Héracles colheu a coroa com que cingiu a ca-
não seria, então, mais que o seu pai «humano».
beça quando regressou dos Infernos.
Note-se que a outra irmã, Arsínoe, teve como
2. Leuce é também o nome da Ilha Branca,
amante o próprio deus e que Idas, um dos fi-
no Ponto Euxino, na embocadura do Danú-
lhos de Afareu, entrou em rivalidade com ele
bio. Era lá que Aquiles, rodeado de uns tan-
por causa de Marpessa (v. Apoio e Idas).
tos heróis, levava, com Helena (ou Ifigénia, ou
As Leucípides possuíam um santuário em
Medeia), uma vida de festas e combates (v.
Esparta.
Aquiles).
LEUCIPO. (AtlÍxt1t1tOç.) 1. Este nome é
LEUCIPE. (Atux(1t1tTj.) Leucipe é o nome de
usado por grande número de personagens mí-
várias heroínas, entre as quais se podem refe-
ticas, sendo a mais célebre o pai das Leucípi-
rir quatro:
des, Hilaíra e Febe (v. art. precedente e qua-
1. Em certas tradições, é a mulher de Lao-
dro 21, p. 242). E filho de Perieres (ou de
medonte, e a mãe de Príamo (v., por outro
Ébalo, consoante as versões) e de Gorgófone,
lado, quadro 7, p. 112).2. Outras vezes, é a
uma das filhas de Perseu (v. quadro 32,
mulher do rei Téstio e a mãe de Ificlo (v. este
p. ~70). Tem por mulher Filódice, uma filha
nome). 3. É igualmente a filha de Testor e irmã
de Inaco. Além de Hilaíra e Febe, tem como
de Calcas e de Teónoe (v. este nome). 4. É, fi- filha Arsínoe que, segundo uma tradição, foi
nalmente, a mãe de Euristeu. amante de Apoio, a quem deu Asclépio (v. Co-
LEUCÍPIDES. (Awx(1t1uoOtt.) As Leucípides rónis). Leucipo reinava em Messénia.
são as filhas de Leucípo, irmão de Tíndaro, de 2. Um outro Leucipo é um filho do rei de
Icário e de Afareu (v. quadro 21, p. 242). Na Pisa, Enómao. Enamorado de Dafne, disfar-
verdade, Leucipo tinha três filhas, Hilaíra, çou-se de rapariga, mas o ardil causou a sua
Febe e Arsínoe, mas dá-se o nome de Leucípi- desgraça (v. Dafne).
des apenas às duas primeiras, que casaram, res- 3. Um terceiro Leucipo é filho do rei de Sí-
pectivamente, com Castor e Pólux, seus pri- cion, Turímaco. Teve uma filha, chamada CaI-
mos direitos (visto serem filhos de Tíndaro) (v. quínia, a quem Posídon deu um filho, Pérato,
Dioscuros). que Leucipo adoptou, pois não tinha filhos,
Toda a história das Leucípides se resume à e que fez seu sucessor no trono de Sícion.
luta que, por sua causa, opõs os Dioscuros a 4. Leucipo é também o nome de um filho do
dois dos filhos de Afareu, Idas e Linceu. Esta herói Naxo, epónimo da ilha de Naxo. Teve
lenda apresenta formas muito variadas, pare- como filho Esmérdio, que era rei quando Te-
cendo ser mais antiga a seguinte: aquando do seu abandonou Ariadne (v. Ariadne e Teseu).
festim oferecido em Esparta pelos Dioscuros 5. Finalmente, um outro Leucipo é o herói
a Eneias e Páris, que tinham vindo visitar Me- de uma história de amor referida por Parténio,
nelau (com o objectivo secreto de raptar He- segundo Hermesíanax. Este Leucipo era filho
lena), os filhos de Afareu, excitados pelo vi- de Xântio, um descendente de Belerofonte. Era
nho, censuraram seus primos Castor e Pólux muito vigoroso e um excelente guerreiro, e a
por terem casado com suas mulheres sem an- sua fama tinha-se espalhado por toda a Lícia.
tes terem pago o dote a Afareu. Castor e Pó- Mas a cólera de Afrodite abateu-se sobre ele
lux, assim insultados, responderam, e a discus- e ele apaixonou-se pela irmã. Durante algum
são degenerou em briga. Um dos Dioscuros foi tempo, conteve a sua paixão, mas em breve se
morto; mas Idas e Linceu pereceram também. apercebeu de que não a podia vencer. Foi en-
Sobre os pormenores do combate, no decurso tão procurar sua mãe, e pediu-lhe que tivesse
do qual os Dioscuros se esconderam na con- piedade dele e o ajudasse a satisfazer o seu de-
cavidade de um carvalho, v. Dioscuros e so- sejo; de outro modo, lançar-se-ia sobre a sua
bretudo Idas. espada. A mãe consentiu e em breve Leucipo

Leuce: 1) SERV., ad VIRG., Ecl., VII, 61. 2) PINO., TZETZ., Chil., 11,48; PAUSAN., m, 16, I; Ov., Fast.,
Nem., IV, 79; STRAD., lI, 125; VII, 306; escól. ad V, 699 e S.; PROP .• I, 2. 15 e S.; HYG., Fab., 80.
EUR., Iph. T., 436; STEPH. Bvz., S. U. AX(UEWÇ
Leucipo: 1) ApOLLOO., Bibl., I, 9, 5; I1I, 10, 3 e
8p6!J.oç; TZETZ., ad Lyc., 186; 188; ANT. LID., S.; TZETZ., ad Lyc., 511; PAUSAN., 1,18, I; I1I, 12,
Transf., 27; CONON, Narr., 18; POMP. MELA. lI, 7. 8; 17,3; 18, 11; 26, 4; IV, 2, 4; 3, 2; 31, 6; 9; 12;
Leucipe: 1) ApOLLOO., Bibl., 111, 12, 3; TZETZ., ad HYG., Fab., 80; Ov., Fast.; V, 702; THEOCR., Id.,
Lyc., 18.2) HYG., Fab., 4. 3) HYG., Fab., 190.4) E5- XXII, 137 e 5.; escól. ad 11., I1I, 243. 2) PAUSAN.,
cól. ad //., XIX, 116. VIII, 20, 2; PARTH., Ero/., 15.3) PAUSAN., lI, 5, 5;
P,ND., Olymp., VI, 46 e s. e escól.; cf. HVG., Fab.,
Leucípides: PINO., Nem., X, 55 e S.; escól. ao 157.4) DIOD. SIC., V, 52. 5) PARTH., sroi., 5. Cf.
v. 114; LYc., Alex., 549; 562 e s. e escól. ao v. 535; HERN, Die Gründungsgeschichte von Magnesia am
APOLLOO., Bibl., m, 11,2; THEOCR., XXII, 137 e S.; Mainandros, Berlin, 1894.
277 LIBERDADE

se tornou amante da irmã. Estes amores du- filhas, Evipe, mulher de Andreu, e Pisídice, a
raram até ao dia em que alguém os denunciou mãe de Argino (v. quadro 34, p. 392).
ao noivo da jovem. Este dirigiu-se então a Xãn-
LEUeÓSIA. (Awxó'rlcx.) Leucósia é uma das
tio, acompanhado pelo próprio pai e por ho-
Sirenes que deu o seu nome a uma ilha situada
mens ilustres do seu país, e revelou-lhe que a
em frente do golfo de Pesto.
filha tinha um amante, sem todavia especifi-
car que esse amante era Leucipo. Xãntio LEUeÓTEA. (A.uxo9Écx.) Leucótea é o nome
deixou-se tomar por uma violenta cólera e de Ino, a filha de Cadmo, depois da sua trans-
jurou que castigaria o amante da filha se o con- formação em deusa marinha (v. quadro 3,
seguisse surpreender em flagrante. Responde- p. 66). Estava casada com Átamas, de quem
ram-lhe que nada era mais fácil e conduziram- era a segunda mulher. Atamas tinha, com
-no ao quarto da jovem. Esta, vendo-o entrar, efeito, casado em primeiras núpcias com Né-
escondeu-se, de tal modo que Xãntio julgou fele. Sobre o ciúme de Ino em relação aos dois
tratar-se do culpado e feriu-a com a sua espada, filhos de Néfele, Frixo e Hele, e as suas aven-
sem a reconhecer. Com a dor a jovem deu um turas com Temisto, a terceira mulher de Áta-
grito. Leucipo precipitou-se e, não reconhe- mas, v. Átamas.
cendo também no agressor o seu próprio pai, Mais tarde, depois da morte de Sémele, sua
matou-o. Na sequência deste assassínio, Leu- irmã (v. Dioniso), lno convenceu Átamas a re-
cipo teve de abandonar o país e, à cabeça de colher o pequeno Dioniso, e a educá-Io junta-
uma colónia tessália, foi instalar-se em Creta. mente com os filhos de ambos, Learco e Meli-
Mais tarde, expulso pelos seus companheiros, certes. Mas Hera, encolerizada, e para os
regressou à Asia Menor, onde fundou a cidade castigar por terem. recolhido um filho dos amo-
de Cretineu, na região de Mileto. res adúlteros de Zeus, enlouqueceu Átamas e
Dizia-se que foi por amor por este Leucipo Ino. Esta lançou o filho mais novo, Melicer-
que Leucófrina, a filha de Mandrólito, traiu tes, para dentro de; um caldeirão com água a
a sua própria cidade, Magnésia de Meandro, ferver, enquanto Atamas matou Learco com
em favor dos inimigos que eram comandados um venábulo, tomando-o por um veado. Ino
por Leucipo. lançou-se ao mar com o cadáver de Melicer-
teso As divindades marinhas apiedaram-se dela
LEueo. (A.üxoç.) Leuco é um cretense, fi- e transformaram-na numa Nereide, enquanto
lho de Talo, que, ao nascer, foi exposto pelo a criança se tornava o pequeno deus Palémon.
pai. Idomeneu recolheu-o e criou-o como fi- Ino, tornada Leucótea, a Deusa Branca, a
lho. Quando Idomeneu partiu para a Guerra deusa da bruma, e seu filho Palémon são be-
de Tróia, confiou o reino e a sua família a néficos para os marinheiros, que guiam na tem-
Leuco, prometendo-lhe a mão de sua filha Cli- pestade. Sísifo instituiu os Jogos Istmicos em
sitera. Mas Leuco deu ouvidos a Náuplio, que honra de Melicertes (v. também Melicertes e
procurava vingar-se de todos os chefes gregos Pa/émon).
por causa da morte de seu filho Palamedes (v. Em Roma, Leucótea foi identificada com
Náuplio) e seduziu a mulher de Idomeneu, Mater Matuta, cujo templo se encontrava no
Meda, que em seguida matou, bem como to- Forum Boarium, não muito longe do porto de
dos os filhos de Idomeneu. Depois usurpou- Roma. Palémon foi identificado com o deus
-lhe o lugar no trono da ilha. Quando Idome- Portuno, o deus dos portos, que tinha o seu
neu regressou, Leuco expulsou-o e forçou-o a santuário no mesmo bairro.
exilar-se (v. ldomeneu). Existia uma outra Leucótea, igualmente
LEUeÓFANES. (Awxo'l'ávT}ç.) Leucófanes deusa marinha, de origem ródia (v. Há/ia).
é filho do Argonauta Eufemo e, por isso, an- LEUeÓTOE. (A.uxo9óTj.) Leucótoe é por ve-
tepassado dos Batíadas de Cirene (v. Eufemo). zes o nome dado a Leucótea (v. artigo ante-
rior). É também o nome da rival de Clítia, a
LÊUeON. (Aeúxeov.) Lêucon é um dos filhos
amante do Sol. Foi transformada em heliotró-
que Átamas teve do seu terceiro casamento
pio (v. Clüia).
com Temisto, filha de Hipseu (v. Átamas).
Eram seus irmãos Erítrio, Esqueneu e Ptoo. * LmERDADE. (Libertas.) Liberdade é, em
Ele próprio teve um filho, de nome Eritras, que Roma, a personificação da Liberdade. Pura
fundou a cidade hornónimà, na Beócia, e duas abstracção política, não possui qualquer mito.

Leuco: TZETZ., ad Lyc., 384; 431; 1093; 1218; Met., IV, 539 e 5.; Fasl., VI, 480; HES., Theog.,
1222; escól, ad li., li, 649, ad Od., XIX, 174, EUST. 976; PINO.,Pyth., XI, 3; O, lI, 28; escól, ad
p. 1860, 39. EUR., Med., 1282 e 5.; EUR., tragédia perdida
Leucófanes: E5Có!. ad PINO., Pytb., IV, 455; [no; 0100. SIC., IV, 2; TZETZ., ad Lyc., 107; 229-
TZETZ., ad Lyc ., 886.
-231; PAUSAN., I, 44, 7; lI, 1,3; IX, 5, 2; SERV.,
ad VIRG., Aen., V, 241. Cf. TH. ZIELlNSKI, «Fle-
Lêucon: ApOLLOO., Bib/., I, 9, 2; escól, ad Aroi.. bilis Ino», Eos, XXXII (1929), p. 121 e 5.; G.
RH., Arg., li, 1144; NONN., Dion., IX, 312 e 5.; PAU· MEAUTIS, «Sappho et Leucothéa», R. E. A.,
SAN., VI, 21, 11; IX, 34, 5. XXXII (1930), p. 333-338.
Leucósia: STRAB., VI, 252; 258; TZETZ., ad Lyc .,
Leucótoe: V. C/iria.
722.
Leucótea: Od., V, 333 e 5., e escól. ao V. 334; Liberdade: OC., de nato D~, li, 61; OV., Fast., IV,
escól, ad li., VIII, 86; HH1.. Fab., 2; 4; 5; OV., 623 e 5.
LIBERO 278

* LÍBERO. (Liber.) Libero é o Dioniso itá- cion de Imbros resgatou-o e fê-lo regressar se-
lico, com quem se identificou em tempos re- eretamente a Tróia. Doze dias depois do seu
cuados. O seu nome, que significa «livre» em regresso, encontrou Aquiles no campo de ba-
latim, foi efectivamente relacionado com um talha, na margem do Escamandro. Em vão su-
dos epítetos habituais de Dioniso: Lieu, o li- plicou ao herói que aceitasse um resgate. Aqui-
bertador, ou «aquele que desata». Celebravam- les matou-o sem piedade.
-se em sua honra as Liberalia. Como a maior 2. Um outro Licáon, mais célebre que o an-
parte das divindades rústicas latinas muito an- terior, é um herói arcádio, filho de Pelasgo.
tigas, Libero não tem mitologia que lhe seja Sua mãe é uma Oceânide, Melibeia, ou, se-
específica. Nos poetas, surge simplesmente gundo outros, a ninfa Cilene (v. quadro 19,
como um equivalente de Dioniso. p. 239, e 20, p. 240). Licáon sucedera a seu pai
Libero tinha um paredro, Libera, frequen- no trono da Arcádia. Teve, de um grande nú-
temente associada a Ceres. Os mitógrafos la- mero de mulheres, cinquenta filhos. Os mitó-
tinos identificavam-na com Ariadne divinizada grafos não estão de acordo quanto aos nomes
(v. Ariadne). e o exacto número desses filhos. Pausânias e
Apolodoro fornecem listas sensivelmente dife-
. LÍBIA. (A,~ú1J.) Líbia é a ninfa epónima da rentes. Por exemplo, segundo Pausânias, Níc-
Africa do Norte (abrangendo a Cirenaica).
timo é o mais velho; para Apolodoro, é o mais
Liga-se geralmente a 10, de quem seria neta. novo. O mais velho é, neste caso, Ménalo.
É, com efeito, filha de Epafo, por sua vez fi-
Eis a lista dada por Apolodoro: Ménalo,
lho de 10 e de Zeus (v. Io e quadro 3, p. 66). Tesproto, Hélice, Níctimo, Peucécio, Cáucon,
Unindo-se a Posídon, teve como filhos Age-
Mecisteu, Hopleu, Macareu, Mácedon, Horo,
nor e Belo, os dois heróis míticos da Fenícia Pólico, Aconteu, Evémon, Ancion, Arquéba-
e do Egipto. É a ela, por intermédio de Age- tes, Cartéron, Egéon, Palas, Coreto, Prótoo,
nor, que se liga Cadmo (v. o mesmo quadro). Lino, Coréton, Teléboas, Físio, Faso, Ftio, Li-
Existem algumas variantes introduzidas cio, Halífero, Genetor, Bucolion, Socleu, Fi-
nesta genealogia: por vezes, fazem-na filha, e neu, Eumetes, Harpaleu, Porteu, Platon, Hé-
não neta, de 10. Com Posídon, teria gerado, mon, Cineto, Leonte, Harpálico, Hereeu,
para além de Belo e Agenor, Eniálio (que não Titanas, Martinoo, Clitor, Estínfalo, Orcó-
é mais que um epíteto de Ares), Busíris, o ti-
meno.
rano egípcio (v. a sua lenda), Lélex e Fénix (ge- Vê-se que, a maior parte das vezes, os filhos
ralmente considerado como seu neto, filho de de Licáon são os heróis epónimos de um
Agenor), e mesmo Atlas (o gigante com esse
grande número de cidades do Peloponeso.
nome que sustentava o céu sobre os seus om- Pausânias refere: Ménalo, Helison, Níctimo,
bros) (v. Atlas). Uma tradição recente de ca- Macareu, Palas, Lício, Aúfero, Hereeu, Man-
rácter racionalista faz de Líbia filha de Oceano tineu, Orcómeno, Oresteu, Fígalo, Trapezunte,
e irmã de Ásia, Europa e Trace. Daséatas, Ácaco, Tocno, Hipsas, Tegeates,
* LIBITINA. (Libitina.) é a deusa romana Cromo, Carísio, Tricolono, Péretos, Aséatos,
encarregada de vigiar as homenagens que se Sumateu, Enotro.
prestavam aos mortos. Tinha o seu santuário Dionísio de Halicarnasso cita ainda Peucé-
num bosque sagrado, situado muito provavel- cio que, com seu irmão Enotro, passou em Itá-
mente a sul de Roma, na região do Aventino. lia, onde deram o seu nome aos dois povos de
Era aí que se reuniam os organizadores dos fu- nome Enótrios e Peucécios. Dionísio de Hali-
nerais (libitinaril). Por uma falsa etimologia, carnasso distingue, aliás, dois heróis de nome
relacionando Libitinacorn Libido (a Paixão), Licáon, um deles filho de Écio e pai da Deja-
esta deusa muito antiga foi assimilada a Vé- nira. Esta Dejanira teria casado com Pelasgo
nus, e o nome de Libitina tornou-se um sim- e tido o segundo Licáon, pai dos cinquenta ra-
ples epíteto desta deusa. Não possui qualquer pazes que lhe teria dado a ninfa Cilene. Como
lenda. todas as lendas genealógicas, esta é muito com-
plexa e parece ter variado conforme as épocas
LICÁON. (Aux.xwv.) 1. Licáon é um dos fi- e as cidades, segundo a necessidade de expli-
lhos de Príamo, que ele teve de Laótoe (qua- cações e os dados locais.
dro 35, p. 394). Primeiramente, foi feito pri- Licáon era, na opinião de alguns, um rei de
sioneiro por Aquiles, numa noite em que grande piedade, como seu pai Pelasgo, e era
cortava ramos de árvores no pomar de Príamo. frequentemente visitado pelos deuses. Mas os
Aquiles vendeu-o então em Lernnos. Mas Eé- seus filhos quiseram saber se os estrangeiros

Libero: CIC., de nato D., 11, 62; PAULUS, p. 115; Licáon: 1) 11., I1I, 333; XX, 81; XXI, 34 e s.;
VAR., citado por AUGUST., Civ, D., VII, 21; OC., XXII, 46 e s.; XXIII, 746 e s.; ApOLLOO., Bibl., I1I,
Verr., V, 187; OV., Fast., V, 187; HVG., Fab., 224. 12,5; KINKELL, Ep. Gr. Fragm., p. 20. 2) HES., fr.
71; STRAB., V, p. 221; ApOLLOO., Bibl., I1I, 8, I e s.;
Llbia: AESCH., Supp., 319; HEROO., IV, 45; ApOL· escól. ad EUR., Or., 1642; 1648; PAUSAN., VIII, 2,
LOO., Bibl., 11, 1,4; PINO., Pyth., IV, 25; escól. aos I e s.; Drox. HAL. ,I, li, 13; HVG., Fab., 176; 225;
VV. 24 e 25; escól. ad 11., 1,42; EUST., ad Od., 1485 Astr. Poet., 11, 4; OV., Met., 1,196 e s.; TZETZ., ad
7; HVG., Fab., 149; 157; 160; PAUSAN., IV, 23, 10; Lyc., 482; Nrc, DAM., fr. 43; SUID., S. U.; NONN., D.,
escól. ad EUR., Phoen., 5; 158; TZETZ., Chil., VII, XVIII, 20 e s.; ERATOSTH., Cat., 8. Cf. J: BERARO,
350; ad Lyc., 894. 1283; PUN., N. H., VII, 56. Colonisation ... , p. 459 e S.; KRETSCHMER,in Glotta
XXI, p. 241 e s.; G. PICCA LUGA, Lykaon. Un tema
Llbitina: PLUT., Num., 12. mitico, Roma, 1968.
279 LíCIO

que viam junto do pai eram realmente deuses. tradição, filho de Minos I e de ltoré, filha de
Mataram uma criança e misturaram-lhe a carne Lictio.
com a da vítima preparada para o banquete. 2. Um outro Licasto é filho de Ares e de Fi-
Horrorizados, os deuses enviaram uma tempes- lónome. Esta, filha de Níctimo, tivera-o secre-
tade que fulminou os culpados. Mas, com tamente, ao mesmo tempo que a um outro fi-
maior frequência, Licáon e seus filhos são apre- lho, Parrásio, e tinha exposto as duas crianças
sentados como ímpios. Zeus desejou um dia no monte Erimanto, porque tinha medo de seu
assegurar-se ele próprio do alcance dessa im- pai. Eles foram criados por pastores e, mais
piedade e, sob a forma de um camponês, veio tarde, reinaram na Arcádia .
.pedir hospitalidade ao rei. Este recebeu-o mas, 3. Quanto a um outro herói com o mesmo
querendo saber se o seu hóspede era realmente nome, v. Eulímene.
um deus, serviu-lhe a carne de uma criança, ou LICÍMNIO. (ALXÚllvtQÇ.) Licímnio é filho de
a carne de um refém que tinha na sua corte, Eléctrion (um dos filhos de Perseu) e de uma
ou mesmo a de u,m dos seus filhos, Níctimo, escrava frígia, de nome Média (v. quadro 32,
ou do seu neto, Arcade, filho de Calisto e de p. 370). E, por conseguinte, meio-irmão de
Zeus (v. Calisto). Zeus, indignado com uma Alcmena, e tio de Héracles. A sua lenda per-
tal refeição, derrubou a mesa, exprimindo a sua tence ao ciclo de Héracles.
cólera, e fulminou Licáon e os filhos, um após Licímnio passou a infância em Micenas,
outro. Geia (a Terra) interveio a tempo de sal- junto do pai. Aquando da guerra movida pe-
var o mais novo, Níctimo. Foi ele quem suce- los Táfios contra Eléctrion, Licímnio, que era
deu ao pai no reino. Ainda segundo outras len- ainda pequeno, foi o único dos filhos que es-
das, Licáon foi transformado em lobo. capou ao massacre. Com a morte de Eléctrion,
Esta última versão deve relacionar -se com o morto acidentalmente por Anfitrião (v. este
costume dos sacrifícios humanos celebrados em nome), Licímnio acompanhou este último no
honra de Zeus Lício, na Arcádia. Aí, com seu exílio, em Tebas, bem como a irmã, Ale-
efeito, imolava-se uma vítima humana e os as- mena. Aí, casou com Perimede, irmã de An-
sistentes «comungavam» devorando-lhe as en- fitrião. Teve muitos filhos: Eono [que foi, mais
tranhas. Transformavam-se então em lobos e tarde, morto pelos filhos de Hipocoonte, em
conservavam essa forma durante oito anos, Esparta, e foi, pela sua morte, a causa da ex-
após o que retomavam a forma humana se, du- pedição empreendida por Héracles contra esta
rante todo esse tempo, não tivessem comido cidade (v. Héractesú, Argeu e Meias, que
carne humana. acompanharam Héracies contra Ecália (v.
3. Existia ainda um outro Licáon, filho de ibid.) e caíram em combate. Héracles, que ju-
Ares e de Pirene, que foi morto por Héracles rara a Licímnio que lhe traria de volta o filho,
(v. Héracles). cremou o cadáver de Argeu e, para respeitar
LICAS. (AlXaç.) Licas é o companheiro de o seu juramento, trouxe-lhe a urna que conti-
Héracles que o acompanhou até à morte, no nha as cinzas.
Eta. Tinha-lhe servido de arauto durante a Depois da morte de Héracles, Licímnio par-
guerra contra Ecália (v. Héracles) e Héracles tilhou da sorte dos outros Heraclidas.
encarregara-o de ir ao encontro de Dejanira, Refugiou-se em Tráquis e participou na bata-
depois da vitória, para lhe pedir uma túnica lha contra Euristeu (v. Heraclidas). Mais tarde,
nova com que pudesse oferecer dignamente um juntou-se a Hilo, aquando da primeira e de-
sacrifício a Zeus. Ao mesIllo tempo, segundo sastrosa expedição contra o Pe!oponeso. Mas
certas versões, Licas levava Iole, a cativa, a De- os habitantes de Argos convidaram-no, bem
janira, ou, então, contava-lhe que o marido es- como a Tleptólemo, um dos filhos de Héracles,
tava apaixonado por Íole. Foi a ele que Deja- a vir morar na sua cidade. Aí, numa disputa,
nira deu a túnica embebida no sangue de Licímnio foi morto por uma paulada de Tlep-
Nesso. Quando Héracles vestiu esta túnica en- tólemo. Ou então, foi morto acidentalmente
venenada, virou-se primeiramente contra Li- quando Tleptólemo ia bater num escravo (ou
cas e, agarrando-o por um pé, lançou-o pelos num boi) com um ramo de oliveira. Compare-
ares. Licas foi transformado em pedra, e -se com a morte de Eléctrion, morto da mesma
tornou-se as Ilhas Lícades (isto é, as Ilhas das maneira por Anfitrião (v. supra).
Conchas), de que é; além disso, o epónimo. LÍCIO. (AÚXLOÇ.) Lício (cujo nome é um epí-
LICASTO. (Aúxaa~oç.)1. Licasto é um he- teto de Apoio) é o filho do Babilónio Clínis,
rói cretense, numa tradição transmitida parti- que foi transformado em corvo por ter, con-
cularmente por Diodoro. É o pai de Minos II tra a vontade de Apoio, sacrificado um burro
(v., sobre esta distinção entre os dois Minos, no seu altar, como era costume dos Hiperbó-
um, filho de Zeus e de Europa, outro, filho de reos. A princípio, o corvo era branco, mas
Licasto, o artigo Minos, em nota), que teve de tornou-se negro por causa da sua indiscrição
Ida, filha de Coribante. Ele próprio é, nesta (v. Clínis e Corónis).

Licas: SOPH., Tr., passim; escól. ad Asoi.. RH., Licímnio: 11., lI, 662 e S.; escól. ad loe.; PINO.,
Arg., I, 1213; Arcu.oo., Bibl., lI, 7, 7; 0100. SIC., Olymp., VII, 27 e s. e escól. aos vv. 46, 419; 0100.
IV, 38; STRAB., IX, 426; Ov., Met., IX, 211 e S.; SIC., IV, 38; 57; 58; Arou.oo., Bibl., 11,4, 5 e s.;
HYG., Fab., 36; SENEC., Here. Oe., 817 e s. 7,3 e 7; 8, 2; EUST., p. 316, 1; STRAB., XIV, 2, 6,
p. 653; TZETZ., ad 11., p. 103.
Licasto: 1) STEPH. BYz., s. u. EUST., ad Hom.,
p. 313; 0100. SIC.,V, 60. 2) PLUT., Parall. min., 36. Lido: ANT. LIS., Transf'., 20.
LICO 280

LICO. (Aúxoç.) Existem vários heróis com


este nome. Três de entre eles pertencem à raça
N
e de Atlas e das Plêiades (v. quadro 27, p. 280).
01 1. O primeiro é filho de Celeno e de Posí-
l-
os
ê
:I:
dono Foi levado por seu pai para a Ilha dos
Bem-Aventurados.
•••::E 2. O segundo é, numa outra tradição, filho
da mesma Celeno e de Prometeu, e irmão de
Quinereu (v. este nome e quadro 38, p. 452).
~ Ô Foi ao levar uma oferenda ao túmulo de Qui-
il c: '"'
o c,. nereu e de Lico que Menelau se tornou hós-
N E • pede de Páris.
,,'"
2- ~U"" 8 3. O herói mais célebre de todos os que têm
os os o nome de Lico foi um neto da Plêiade Alcíone
" ....l"
e de Posídon (v. quadro 27, p. 280). É filho
"
,~
C'

I- i, de Hirieu e da ninfa Clónia e, pelo menos na


versão mais corrente, tio de Antíope. Uma ver-
são diferente fazia de Nicteu e de Lico filhos
de Ctónio, um dos Espartos, isto é, dos guer-
reiros nascidos dos dentes do dragão morto por
<:" o
os Cadmo (v. este nome). Finalmente, Antíope é
E
i -: '0
c:
por vezes considerada como filha de Lico e não
c,
Ltl como sua sobrinha. Terá sido para vingar o
" rapto de Antíope que Lico tomou a cidade de
.~ Sícion. Todavia, a mesma expedição é mais fre-
U1 quentemente explicada de forma diferente:
o
c: Lico tê-Ia-ia empreendido para vingar a morte
os
"E de seu irmão (v. Antíope).
-ee
e O~ Apolodoro conta que Nicteu e Lico tiveram
N de fugir de Eubeia, sua terra, porque tinham
ci. morto o filho de Ares e Dotis, Flégias.
2 '"
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0":- Refugiaram-se em Híria, na Beócia, e de lá fo-
e ê e ram para Tebas, onde o rei Penteu os acolheu.
ti
.!! ::t:"'""'" Penteu confiou mesmo a Lico o cargo de po-
Ltl
o- " lemarco, isto é, de chefe do exército. Quando
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c: ,;
Penteu morreu; Lico terá tomado o poder. Ou-
tra tradição contava que Lico tinha assegurado
a regência aquando da morte de Lábdaco, por-
c:
o
que o filho deste, Laia, era ainda muito novo
para reinar (v. Laio).
~
c, Há finalmente uma lenda, referida por Hi-
gino, recolhida num poeta trágico recente (tal-
l--.§ ....l
vez numa tragédia latina), que faz de Lico o
marido de Antíope. Lico tinha-a repudiado
porque ela se tornara amante de Epafo e, de-
pois, tinha sido amada por Zeus. Por seu lado,
Lico casara com Dirce (como na tradição mais
ci.
~ o vulgar), que teve ciúmes de Antíope, descon-
;f, o
~ fiando que ela não rompera todas as relações
o ê com o primeiro marido. Mandou-a então en-
0-0
~os :i" carcerar. Mas, por ordem de Zeus, Antíope foi
~g. os
milagrosamente libertada das suas amarras e
li, '2
-o
fugiu para o Citéron, onde deu à luz dois fi-
lhos, Anfíon e Zeto. Mais tarde, ambos casti-
Ü
"c, garam Dirce e Lico.
."
8 2 Aquando dessa vingança de Anfíon e Zeto,
~ ""
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conta-se quer que os dois jovens mataram Lico
c:
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o
-e Lico: 1) Escól. ad li., XVIII, 486; ERATOSTH.,
Õ
'§ p. Cat., 23; ApOLLOD., Bibl., m, 10, I; HVG., Astr., 11,
o.. « 21. 2) Lvc., Alex., 132, e TZETZ., ad loc.; escól. ad
11., V, 64; EUST., ad Hom., p. 521,27.3) ApOLLOD.,
l l-- ~ Bibl., m, 5, 5; 10, I; cf. HVG., Fab., 157; Astr., 11,
iil
"c: ~ 21; escól. ad Arot.. RH., Arg., IV, 1090; HVG., Fab.,
.2 Llí" 7 e 8; EUR., tragédia perdida Antiop.; PROP., IV, 15,
12; escól. ad STAT., Theb., IV, 750; PAUSAN., 11,6,
~ 1·3; IX, 5,4·8; 16,7; cf. o art. Lamedonte. 4) EUR.,
Herc. F., e SENEC., Herc. F.; SERV., ad VIRO., Aen.,
VIII, 300. 5) DIOD.SIC., V, 56; HESYCH., s. u.;
281 LICOPEU

quer que, por ordem de Hermes, se contenta- Iírroe, se apiedou do prisioneiro e o libertou.
ram em privá-I o do seu reino. Mas Diomedes não correspondeu ao amor da
4. No Héracles Furioso, de Eurípides, o jovem. Fugiu, e ela, abandonada, enforcou-se.
poeta introduz uma personagem igualmente
chamada Lico que, durante a ausência de Hé- LICO. (Auxw.) Era uma das duas irmãs de
raeles, se apoderara do reino de Tebas, donde Cária, filha do rei Díon da Lacedemónia. Tal
se preparava para expulsar Mégara quando o como as irmãs, tinha recebido de Apoio o dom
herói regressou. Esse usurpador tinha vindo de da profecia. Mas tentou contrariar os amores
Eubeia, e era descendente do filho de Nicteu, de Cária e Dioniso e, por isso, foi transformada
seu homónimo. É provável que Eurípides te- em rochedo (v. Díon).
nha imaginado inteiramente esta personagem
LÍCOFRON. (Auxóq>pwv.) Filho de Mestor.
tomando como modelo Lico, tio de Antíope.
Após cometer um assassínio, teve de deixa! Ci-
5. Um outro Lico é um dos Telquines, os
tera, sua pátria, e, como companheiro de Ajax,
primeiros habitantes da ilha de Rodes. Tendo
filho de Télamon, seguiu para a Guerra de
o pressentimento da ameaça do Dilúvio (no
tempo de Deucalião), Lico fugiu com os ir- Tróia. Foi morto por Heitor.
mãos. Aportou na Lícia, onde introduziu o LICOMEDES. (AuXOIl"ÍjOT]ç.) Licomedes era
culto de ApoIo Lício, no vale do Xanto.
o rei dos Dólopes, na ilha de Ciros. Reinava
6. Lico é ainda o nome de um dos quatro na época da Guerra de Tróia, e foi junto dele
filhos de Pandíon. E irmão de Egeu. que Tétis escondeu Aquiles para o arrancar ao
Aquando do regresso a Atenas dos filhos de seu destino, já que ela sabia que, se ele par-
Pandíon, Lico obteve uma parte da Ática, tisse para a guerra contra Ilion, aí morreria.
mas em breve foi expulso por Egeu e Licomedes escondeu-o no seu harém, entre as
refugiou-se em Messénia. Era um sacerdote e suas filhas, depois de o ter vestido com rou-
um adivinho afamado. Atribui-se-lhe a cria- pas de mulher. Aquiles apaixonou-se por uma
ção do culto de Apoio Lício. Iniciou Afareu das filhas do rei, Deidamia, e deu-lhe um fi-
nos mistérios dos Grandes Deuses. Segundo lho, Neoptólemo, chamado Pirro (v. Neoptá-
outra versão, emigrou para a Lícia e a ele de- lemo). Entre as mulheres, Aquiles era conhe-
veria esse país o nome. cido pelo nome de Pirra, Issa ou entào
7. Lico era também um rei dos Mariandinos, Cercisera. Sobre a embaixada de Diomedes e
na costa ocidental da Ásia Menor. Acolheu Ulisses para descobrir Aquiles na corte de Li-
hospitaleiramente os Argonautas, aquando da comedes, v. Aquiles.
sua passagem. Era filho de Dáscilo e, por isso, Licomedes desempenha igualmente um pa-
neto de Tãntalo, o que explica a sua simpatia pel na lenda de Teseu. Quando Teseu se refu-
pelos Gregos. Concedeu funerais magníficos giou no seu reino, depois do assassínio dos Pa-
a dois Argonautas que tinham acabado de mor- lântidas - ou depois da morte de Hipólito, ou
rer, Tífis e Ídmon. E, para guiar o navio Argo, ainda por outras razões, consoante os auto-
deu-lhes o seu próprio filho Dáscilo. Lico, que res - Licomedes teve medo de que o
tinha tido muitos problemas com os seus vizi- recém-chegado conquistasse a afeição e a ad-
nhos Bébrices, estava agradecido aos Argonau- miração dos seus súbditos e, desse modo, lhe
tas por estes terem morto Âmico, rei desse roubasse o reino. Ou então, não terá querido
povo (v. Argonautasi, e tanto mais que Âmico devolver-lhe bens que tinha à sua guarda. Sob
lhe havia morto o irmão, Otreu, e ele próprio um pretexto de amizade, levou-o consigo até
estava empenhado numa expedição de repre- ao alto de uma falésia e de lá o atirou (v. Te-
sália quando os Argonautas o desembaraçaram seu).
do inimigo.
Para além disso, Héraeles, regressando da LICOPEU (.6.UXW1ttúç.) Licopeu é um dos fi-
expedição que o havia levado ao país das Ama- lhos de Ágrio. É o irmào de Tersites, On-
zonas (v. Hérac/es), apoiou Lico numa,.guerra questo, Prótoo, Celeutor e Melanipo (quadro
contra os Bébrices, matou o irmão de Amico, 26, p. 272; 29, p. 298). Participou com eles na
Mígdon, e deu a Lico uma parte do país dos expedição contra Eneu, a quem arrebataram
Bébrices. o reino de Cálidon. Mais tarde, foi morto por
8. A lenda conhece finalmente um Lico, fi- Diomedes, vindo de Argos para ajudar Eneu
lho de Ares, rei da Líbia, que tinha o costume (v. Diomedes).
de sacrificar os estrangeiros a seu pai. Diorne- Segundo uma outra tradição, Licopeu foi
des, no regresso de Tróia, foi lançado à costa morto ao mesmo tempo que Alcátoo, seu tio,
por um naufrágio. Lico fê-lo prisioneiro e es- por Tideu que, em consequência desse assas-
tava prestes a sacrificá-lo quando sua filha, Ca- sínio, teve de fugir da Etólia para Argos.

TZETZ., Hom., VII, 124; XII, 836. 6) STRAB., IX, Lico: SERV. ad VIRO., EcI., VIII, 29.
392; SOPH., fr. 872; ApOlLOD., Bib/., Hl, 15, 5 e S.;
escól. ad ARISTOPH., V., 1223; ad Lyc., 58; HEROD., Licofron: /1., XV, 429 e s.
I, 173; VII, 92; STEPH. Bvz., S. u. Aux<",; PAUSAN.,
I, 19,3; IV, 1,6-9; 2, 6; 20, 4; X, 12, 11.7) Aeoi.. Licomedes: ApOllOD., Bib/., III, 13, 8; PTOL.
lOD., Bib/., I, 9, 23; lI, 5, 9; ApOlL. RH., Atg., lI, HEPH., Nov. hisi., I; SOPH., Phil., 243; PlUT.,
720 e S., e escól. aos VV.758; 780; 789; V AL. FlAC., Thes., 35; PAUSAN., I, 17,6; TZETZ., ad Lyc., 1324.
Arg., IV., 733 e S.; HYG., Fab., 14; 18; TZETZ., Hom.,
111, 806 e s. 8) JUBA, ap. Fragm. Hist. gr., 111, 472, Licopeu: ApOlLOD., Bibl., I, 8, 6; Hyo., Fab.,
23=PLUT., Para/o min., 23. 175; DIOD. SIC., IV, 65; EUST.~ ad Hom., 971, 7.
LICOREU 282

i.icurgo 1 ,....,., Cleófile (ou Eurínome) Mínias


I (v. quadro !O, p. 132)
I I
Anceu ,...,..""10 Époco Anfidamante Íaso f"-trtJ Climene

Agapenor Melânion Antímaca Euristeu Atalanta __ Melânion


(v. quadro 32, p. 370) I
Partenopeu

Quadro genealógico n. o 28

LICOREU. (Aux",p.úç.) Licoreu é filho de Licurgo atingiu-o com um machado e matou-


ApoIo e da ninfa Corícia (a que tinha dado o -o. Consumado o assassínio, recuperou a ra-
seu nome a uma gruta situada no Parnaso, zão. Mas a terra ficou estéril e um oráculo re-
acima de Delfos). Licoreu era rei de uma ci- velou aos habitantes do país que o único meio
dade chamada Licoreia, situada no cume do de lhe restituir a fecundidade era esquartejar
Parnaso, e de que era fundador. Licurgo. Isso mesmo se fez no monte Pangeu,
Teve um filho, Íamo, cuja filha, Celeno, deu onde os seus súbditos o amarraram a quatro
a Apoio um filho chamado Delfo (v. Íamo e cavalos, que o despedaçaram.
Delfo). A lenda referida por Higino diverge substan-
cialmente da versão anterior: Licurgo tinha ex-
LICURGO. (AuxOÜPiOÇ.) 1. Entre os heróis pulsado Dioniso do seu reino, contestando a
de nome Licurgo, um era descendente de Ar- sua divindade. Em seguida, tendo bebido vi-
cade. Era filho de Áleo e de Neera (v. quadro nho, tentou, embriagado, violar a própria mãe.
10, p. 132). Quando o pai morreu, sucedeu-lhe Para impedir a repetição de tais acções vergo-
no trono da Arcádia e viveu até avançada nhosas, tentou arrancar todas as videiras, mas
idade. Através de seu filho laso, é avô de Ata- Dioniso acometeu-o de loucura e matou-lhe a
lante, pelo menos numa das versões da sua mulher e o filho. Depois, Dioniso expô-lo às
lenda, e de Melânion, que conseguiu casar com panteras no monte Ródope e (mas Higino não
a jovem (v. quadro 28, p. 282). o diz) foi provavelmente esfacelado pelas feras.
2. Um homónimo do anterior é um rei da Diodoro conhece uma versão evemerista da
Trácia, que intervém na lenda de Dioniso. lenda. Para ele, Licurgo é o rei da parte da Trá-
A Iliada dá-o já como exemplo dos castigos cia que confina com o Helesponto. Como Dio-
que recaem sobre quem desafia os deuses. Li- niso tinha o projecto de passar com o seu exér-
curgo, rei da Trácia, expulsou Dioniso que cito da Ásia para a Europa, fizera um tratado
viera para o seu país, na companhia das amas. de aliança com Licurgo. Ao abrigo desse tra-
Causou um medo tão grande ao deus que este tado, as Bacantes atravessaram o estreito e en-
atirou-se ao mar, onde Tétis o recolheu. Mas traram na Trácia. Mas, de noite, Licurgo or-
os deuses castigaram-no. Zeus cegou-o. Nesta denou aos seus soldados que matassem as
versão, Dioniso é ainda uma criança tímida, Bacantes e o próprio Dioniso. Um certo Cá-
rapidamente aterrorizada pela violência de Li- rops (v. este nome) revelou ao deus o que se
curgo. . preparava. Este, assustado, decidiu manter o
Nos tragediógrafos, e desde Esquilo, na sua grosso das tropas na costa asiática e voltou a
tetralogia consagrada a Licurgo hoje perdida, atravessar o estreito. Na sua ausência, Licurgo
Dioniso aparece já adulto. Vemos Dioniso atacou as Bacantes e matou-as. Mas Dioniso
encarregar-se ele próprio da sua vingança, ao regressou em força e derrotou o exército trá-
mesmo tempo que se torna mais precisa a per- cio. Aprisionou Licurgo, vazou-lhe os olhos e
sonalidade de Licurgo que, rei dos Edonos, na fê-lo morrer na cruz depois de o ter torturado
Trácia, é dado como filho de Drias. Quando de mil maneiras. Diodoro acrescenta que este
Dioniso quis atravessar a Trácia para atacar episódio é por vezes situado não na Trácia, mas
os Indos, Licurgo negou-lhe a passagem. Cap- em Nisa, na Arábia (sobre este país, v. Dio-
turou as Bacantes que acompanhavam o deus, niso).
bem como os Sátiros do seu cortejo. O pró- Nono, nas suas Dionisiacas, desenvolveu ex-
prio Dioniso teve de se refugiar no mar, junto cessivamente o episódio de Licurgo, a contas
de Tétis, filha de Nereu. Mas as Bacantes fo- com as Bacantes e particularmente com uma,
ram milagrosamente libertadas das suas amar- Ambrósia, que se transformou em videira para
ras e Licurgo foi acometido de loucura. Jul- o enlaçar e asfixiar. Hera teve de o libertar,
gando que seu filo Drias era um pé de videira, brandindo sobre as Bacantes a espada de Ares.

Licoreu: PAUSAN., X, 6, 2; .5CÓI. ad Asoi., RH., HYG., Fab., 132; SOPH., Anl., 955 e 5.; SERV. ad
Arg., 11, 711; EUR., Ba., 559; STEPH. Bvz., S. u. VIRO., Aen., I1I, 14; AESCH., tetralogia perdida in-
i\uxWP''''; Etym. Magn., p. 571,47, HYG., Fab., 161. titulada Lícurgia; v. NAUCK, fr. 56 e 5.; HYG., Fab.,
132; ov., Met., IV, 22; 0100. SIC., I, 20; I1I, 65;
Licurgo: 1) Il., VII, 142 e 5 .• escól. ad 11,209 e NONN., Dion., XXI, I .5. 3) HYG., Fab., 15; 74;
VII, 8; PAUSAN., VIII, 4, 10.2) li., VI, 129 e 5. e .5- 273; Arou.oo., Bibl., 1,9, 14; m, 6,4; PAUSAN., lI,
cÓI.; APoLLOO., Bibl., I1I, 5, 1; TZETZ., ad Lyc., 273; 15,3; ur, 18, 12; STAT., Theb., V, 660.
283 LlNCEU

3. Outro Licurgo, também chamado por ve- ram para o PeIoponeso, para o reino de Te-
zes Lico, era rei de Némea. Era filho de Feres geates. Aí, foram acolhidos por um dos filhos
(ou então de Prónax, v. este nome) e tinha tido do rei, Escefro, que falou em privado ao deus.
de Anfítea, ou de Eurídice, um filho chamado Foi visto por um dos seus irmãos, Límon, que
Ofeltes. Este, que estava à guarda da ama, Hip- pensou que o irmão o caluniava junto do deus.
sípile (v. este nome), foi estrangulado por uma Encolerizado, matou-o. Mas Ártemis trespas-
serpente, perto de uma nascente (v. Anfiarauy. sou-o com uma flecha. Quando souberam que
Mostrava-se o túmulo deste Licurgo em Né- as divindades estavam entre eles, Tegeates e
mea, no bosque sagrado de Zeus. Mera, sua mulher, ofereceram-Ihes sacrifícios.
4 .. Licurgo, o legislador de Esparta, não per- Mas Apoio e Ártemis não se demoveram. Afas-
tence ao domínio da lenda, mas ao da história. taram-se, atingindo o país com a fome. Inter-
LIDO. (Auoóç.) Lido é o epónimo dos Lí- rogado o oráculo de Delfos, este respondeu que
dias, na Ásia Menor. Passava por ser filho de era preciso prestar honras fúnebres a Escefro.
Ãtis, que era, por sua vez, filho de Manes. Instituiu-se então, em Tégea, uma festa anual
E esta a versão seguida por Heródoto. Dioní- em sua honra, no decurso da qual se mimava
sio de Halicarnasso atribui-lhe uma genealo- a perseguição de Limon pela sacerdotisa de Ár-
gia mais complicada: de Zeus e Geia teria nas- temis.
cido Manes. Este, unindo-se à Oceãnide
LIMONE. (A~'flWV'l}.) Limone é a heroína
Calírroe, teve um filho, Cótis, que casou com
duma lenda ateniense obscura. Era filha de Hi-
Halia, filha do autóctone Tulo. Este Cótis teve
dois filhos, Adies e Átis. Átis casou com Calí- pómenes, um ateniense nobre, talvez mesmo
tea, de quem teve Lido e Tirreno. o rei da cidade. Como seu pai se tivesse aper-
cebido de que ela não havia guardado a vir-
Lido reinava no país antes da chegada dos
gindade, e tinha um amante antes de se casar,
Heraclidas. Tinha como irmão Tirreno, o he-
encarcerou-a, sem comida e em companhia de
rói epónimo dos Tirrenos (ou Etruscos) (v. Tir-
reno). um cavalo, numa sala isolada. Lá, o cavalo
enfureceu-se e, levado pela fome, devorou a
Em certas versões, Lido pertencia à dinas-
jovem.
tia dos Heraclidas, isto é, dos descendentes de
Héracles e de uma criada de Ônfale, que to- LINCEU. (Auyx~óç.) Há dois heróis com
maram o poder depois da dinastia de Manes. este nome: o primeiro é um dos filhos de
LÍGIS -.(Myuç.) Lígis é o herói epónimo dos Egipto, o outro é filho de Afareu.
Lígures. E o irmão de Alébion. Quando Hé- 1. Linceu, filho de Egipto, casou com Hi-
racles, regressado da ilha de Gérion, atraves- permestra, uma das Danaides, e é o único dos
sou o Sul da Gália, Lígis tentou apoderar-se filhos de Egipto que foi poupado ao massacre
do rebanho que o herói levava consigo. Lígis pela noiva (v. Danaides e Hipermestra e qua-
dro 32, p. 370).
e os Lígures, seus companheiros, atacaram Hé-
racles. As flechas acabaram por faltar ao he- As tradições variam quanto à razão dessa
clemência: ou Hipermestra teve repugnância
rói. Prestes a ser vencido pelos adversários, di-
rigiu uma prece a seu pai, que lhe enviou uma pelo assassínio, ou estava apaixonada por Lin-
chuva de pedras, com as quais Héracles não ceu, ou estava-lhe reconhecida por ele ter res-
teve qualquer dificuldade em rechaçar os ini- peitado a sua virgindade. Como consequência
migos. A planicie de Ia Crau documenta, ainda da sua desobediência, Hipermestra foi levada
hoje, este acontecimento na quantidade de ro- à justiça por Dánao mas, graças à ajuda de
chedos e pedras que tem implantadas (v. Hé- Afrodite, foi ilibada. Em sinal de reconheci-
racles) .. mento, consagrou uma estátua à deusa. Mos-
trava-se também, perto de Argos, uma colina
LILEU. (AíÀo<wç.) Lileu é um pastor do na qual Linceu se teria refugiado depois de ter
Indo. De todas as divindades, apenas reconhe- sido poupado pela noiva, enquanto esperava
cia Selene (a Lua). As outras, irritadas com ele, por saber se poderia voltar em segurança para
atiçaram dois leões que o devoraram. Mas Se- a cidade. Hipermestra deu-lhe o sinal de re-
Iene transformou-o em montanha, o monte Li- gresso com um archote. Em memória desse
leu. facto, os Argivos celebravam uma festa dos ar-
LIMO. (AíflOç.) Limo é a personificação da chotes nessa colina, chamada Lirceia (do nome
fome. Passava por ser filha de Eris. Simples de Lirco, o filho de Linceu; v. também Lirco,
abstracção, não possui nenhuma lenda. 2).
Mais tarde, Linceu reconciliou-se com o so-
LÍMON. (A~'flwv.) Quando Apoio e Árte- gro e manteve-se casado com Hipermestra. Su-
mis quiseram vingar as recusas recebidas por cedeu a Dánao no trono de Argos. Teve de Hi-
sua mãe Leto, quando ainda estava grávida de- permestra um filho, Abas, pai de Acrísio e de
les e ninguém no mundo a queria receber, vi e- Preto (v. Acrísio).

Lido: HEROO., I, 7 e 94; DION. HAL., I, 27 e 5.; Limone: AESCHIN., in Tim., i82 e escól,; CALL., fr.
STRAB., V, 219; TZETZ., ad Lyc., 1351. 457.
Lígis: EU5T., ad Dion. Perieg., 76.
Linceu: I) ApOLLOO., Bibl., lI, I, 5; PINO., Nem.,
Lileu: PS-PWT., Fluv., XXIV, 4. X, 6, escol. ao v. 10; AESCH., Pr., 865 e 5.; Ov.,
Limo: HEs., Theog., 227; Ov., Mel., VIII, 790 e s. Her., XIV, 49; 129 e 5.; SERV., ad VIRG.,Aen., X,
498; PAUSAN., lI, 16, I; 19,6; 20, 7; 21, I; 25; 4;
Limon: PAUSAN., VIII, 48, 4; 53, I e 5. AESCH., trilogia perdida, cf. NAUCK, p. 11 e 5.; es-
LINCO 284

Numa outra tradição, Linceu mata o sogro. cavam-se os câes que se encontravam na rua
Linceu tinha o seu túmulo em Argos. ou na praça.
2. O outro Linceu, irmão de Idas, é filho de 2. Uma outra lenda, tebana, referia um se-
Afareu (v. quadro 21, p. 242). Pelo lado de sua gundo Lino, filho de Anfímaro e de uma Musa
avó, Gorgófone, pertence à raça dos Perseidas. (geralmente Urânia, por vezes Calíope ou Ter-
Linceu partiu para a caça de Cálidon (v. Me- psícore), que era um músico notável (tinha, por
leagro), na expedição dos Argonautas, onde se exemplo, imaginado substituir as cordas de li-
tornou útil pela sua vista penetrante (via, por nho, utilizadas até então nas liras, por cordas
exemplo, através de uma prancha de carvalho) de tripa). Mas pretendeu rivalizar com o pró-
(cf. Argonautas). Os seus feitos mais célebres prio Apoio na arte de cantar. Apoio, indig-
relacionam-se com a luta contra os Dioscuros, nado, matou-o.
por causa das Leucípides (v. Dioscuros, Leu- Atribuía-se a este Lino a invenção do ritmo
cipides, Idas). e também da melodia. Por vezes, dizia-se ainda
Os mitógrafos imaginaram uma interpreta- que ele tinha aprendido com Cadmo o alfabeto
ção evemerista da lenda de Linceu: ele teria fenício, mas que tinha dado a cada letra o seu
sido o primeiro mineiro: escavara o solo e, com nome e traçado definitivos.
a ajuda de uma lanterna, seguiu os filões do Uma tradição fazia deste Lino (ou ainda de
metal. Em seguida, trouxe o mineral para a luz um outro com o mesmo nome) o mestre de Hé-
do dia e isso ter-lhe-ia valido a fama de ver racles, a quem tinha por missão ensinar mú-
mesmo debaixo da terra. sica. Mas Héracles era pouco sensível, e o seu
LINCO. (Aú,xoç.) Linco é um rei da Cítia. espírito só muito dificilmente se habituava à
Triptólemo, enviado por Deméter para espa- música. Assim, Lino batia frequentemente no
lhar por toda a parte a cultura do trigo, parou seu aluno, até ao dia em que ele, cansado dos
em sua casa. Durante a noite, Linco, invejoso, castigos, agarrou numa grande pedra e matou
tentou matá-Io. Mas Deméter transformou o o mestre. Dizia-se também que o tinha morto
rei em lince e salvou Triptólemo. com o plectro (o instrumento que servia para
percutir as cordas da lira) (v. Hérac/es).
LINDO. (A(vooç.) Herói epónimo da cidade Na época clássica, citavam-se os «escritos de
de Lindo, em Rodes (v. Cércafo).
Lino», diversos tratados filosóficos e místicos
* LINFAS. (Lymphae.) As Linfas são divin- que corriam sob o seu nome.
dades das nascentes, na mitologia popular la- Á medida que a personalidade de Lino evo-
tina. Cedo foram identificadas com as Ninfas luía, modificava-se a sua genealogia. Fizeram-
(v. este nome). Pensava-se que estas divinda- -no, por exemplo, filho de Hermes (porque
des acometiam de loucura todo aquele que as Hermes é o deus da ciência, particularmente
visse. Daí resultou a expressão latina Iympha- da ciência da linguagem), ou ainda filho de Ea-
tus, significando «louco». gro, o que lhe dava como irmão Orfeu, com
LINO. (Alvoç.) Há várias lendas relaciona- quem tendia cada vez mais a identificar-se.
das com Lino, tendo todas elas como traço co- LíPARO. (A(1tcxpoç.) Líparo é um dos filhos
mum o facto de fazerem do herói um cantor de Áuson, o rei mítico da Itália. Expulso do
ou o objecto de uma canção célebre. seu país pelos irmãos, fugiu com alguns guer-
1. A primeira lenda conta que Psâmate, fi- reiros e desembarcou na ilha a que deu o nome
lha de Crotopo, rei de Argos, tinha tido um de Lípara, ao largo da Sicília. Fundou aí uma
filho de Apoio (quadro 19, p. 239). Essa colónia que prosperou. Mais tarde, acolheu
criança, de nome Lino, fora exposta logo que Éolo, quando este veio para a sua ilha; deu-
nasceu e, depois, criada por pastores. Mas, ou -lhe em casamento sua filha Cíane. Em troca,
Crotopo tinha sabido do sucedido e tinha feito Éolo proporcionou-lhe os meios para regres-
com que a criança fosse devorada por cães, ou sar a Itália, que ele desejava vivamente rever.
então os cães dos pastores haviam-na morto Líparo aportou na costa de Sorrento, onde foi
acidentalmente. Seja como for, Psâmate foi acolhido como rei pelos habitantes. Quando
morta por seu pai, e Apoio, irritado, enviou morreu, os seus novos súbditos concederam-
um monstro, Poine, assolar o país (v. Crotopo -lhe honras divinas.
e Corebo). A conselho do oráculo, foi criado
um culto em honra de Psâmate e Lino, e LlRCO. (Aúpxoç.) 1. Lirco é o herói de uma
instituiu-se o costume de cantar um lamento aventura referida por Parténio, segundo Nicé-
(um treno), celebrando a triste história de Psâ- neto e Apolónio de Rodes. Era um filho de Fo-
mate e Lino. No decurso desta festa, sacrifi- roneu e, com outros jovens, foi enviado por

cól. ad EUR., Hec., 886; HVG., Fab., 168.2) PINO., 154; CONON, Narr., 19 (= CALL., fr. 11); AEL., VH,
Nem., X, 62, e s. e escól. ao v. 112; Ar-ot.. RH., XII, 34; STAT., Theb. I, 562 e S.; SERV., ad VIRG.,
Arg., I, 53 e S.; ApOI.LOD., Bib/., II1, 10, 3; HVG., EcI., IV, 56. 2) PAUSAN., VIII, 18, I; IX, 29, 6 e S.;
Fab., 14; TZETZ., ad Lyc., 553; PALEPH., Incr., 10. HES., fr. 97; escól. ad EUR., Rh., 347; HVG., Fab.,
Linco: Ov., Met., V, 650 e S.; SERV., ad VING.,
161; ApOLLOD., Bibl., I, 3, 2: 0100. SIC., nt, 67;
Aen., I, 323; cf. HVG., Fab., 259. THEOCR., Id., XXIV, 103; AEL., VH, m, 32; TAc.,
Ann., XI, 14.
Lindo: PIND., Olymp., VII, 137; OIOD. SIC., V,
57; STEPH. Bvz., S. u. Líparo: OIOD. SIC.,V, 8; STEPH. Bvz., S. u. A",ó:pcx;
PUN., N. H., 111, 14,93.
Linfas: VAR., LL, V, 71; VII, 87; RR, I, 1,6.

Lino: 1) PAUSAN., 1,43, 7; 1/., XVIII, 570, e es- Lirco: I) PARTH., Era/., I. 2) PAUSAN., 11, 25, 5;
cól. ao v. 569; Ps.-Ov., Ibis, 478; Anth, Pai., VII, HESVCH., S. u. AupxtiouS~IlOÇ.
285 LOCRO

Ínaco em busca de 10, quando ela foi raptada É também este o nome da mulher com quem
por Zeus. Como não a encontrou e não se atre- casou Céfalo, em Cefalénia (v.Céfa/o).
via a regressar a Argos, fixou-se em Cauno,
LITIERSES. (t..l~oipaTj<;.) Litierses é um fi-
onde o rei Egíalo lhe deu a mão da filha, Hi-
lho do rei Midas. E o Ceifeiro por excelência.
lébia, e uma parte do reino. Hilébia, que o ti-
Acolhia os estrangeiros que atravessavam os
nha visto, apaixonara-se epedira ao pai que
seus domínios e convidava-os a ceifar com ele.
a unisse a ele. Lirco ficou em Cauno durante
Se eles recusavam, matava-os, ou então
muito tempo, com a mulher, mas o casamento
obrigava-os, à pancada, a trabalhar para ele.
era estéril. Finalmente, foi procurar o oráculo
Depois, à noite, quando eles tinham terminado
de Dodona e perguntou-lhe que devia fazer
o seu trabalho, cortava-lhes a cabeça e escon-
para assegurar a sua descendência. O oráculo
dia o corpo num feixe de cereal. Ou então,
respondeu-lhe que a primeira mulher a quem
forçava-os a competir com ele, para ver quem
ele se unisse lhe daria um filho. Feliz, Lirco
ceifava mais depressa. Saía sempre vencedor
partiu, pensando que a predição se referia à
e cortava a cabeça do adversário. Héracles,
mulher. Mas, na viagem, fez escala em Bibasto,
quando estava ao serviço de Ônfale, passou nos
na corte do rei Estáfilo, filho de Dioniso. Aí,
domínios de Litierses, aceitou o desafio do mal-
embriagou-se no banquete de boas vindas e,
feitor e, tendo-o adormecido com um canto,
de noite, o rei Estáfilo pôs junto dele uma das
cortou-lhe a cabeça. Conta-se que Héracles ti-
suas filhas, Hemítea, pois soubera da história
nha decidido, deste modo, livrar o mundo de
do oráculo e desejava ardentemente assegurar
Litierses, porque este tinha com ele, como es-
uma descendência masculina. A lenda conta
cravo, o belo pastor Dáfnis, que para ali tinha
que Reo e Hemítea, as duas filhas de Estáfilo,
ido quando 'corria o mundo em busca da
tinham discutido sobre qual das duas passaria
amante, Pimpleia, que os piratas tinham rap-
a noite com o hóspede, a tal ponto Lirco era
tado (v, Ddfnisv.
belo e Ihes havia agradado a ambas. Mas foi
Os ceifeiros da Frigia (o país de Litierses) ti-
Hemítea quem ganhou. No outro dia de ma-
nham o costume de cantar, enquanto trabalha-
nhã, Lirco apercebeu-se do que tinha feito e
vam, um canto consagrado à história de Litier-
censurou duramente Estáfilo, acusando-o de
ses, no qual gabavam a sua perícia a ceifar,
o ter enganado. Finalmente, deu o seu cinto
Este canto tinha o nome de Litierse.
a Hemítea, para que ela o confiasse ao filho
que lhe nascesse, como sinal para um futuro LOCRO. (Aoxpóç), 1. Locro é o nome de
reconhecimento. Em seguida, partiu para dois heróis lendários, Um é o filho de Zeus e
Cauno. Aí, o rei Egíalo levou muito a mal a Mera, ela própria filha do rei de Argos, Preto,
aventura e exilou Lircos. Daí resultou uma e de Anteia. Mera era uma das companheiras
guerra civil entre os partidários de um e de ou- de Ártemis. Após os seus amores com Zeus,
tro. Hilébia tomou partido contra o pai e a fa- foi morta com uma flecha pela deusa irritada.
vor do marido, e ajudou grandemente Lirco Locro construiu Tebas em companhia de An-
a obter a vitória final. Muito mais tarde, o fi- fíon e de Zeto (v. a lenda de ambos),
lho de Hemítea e de Lirco, que se chamava Bá- 2. O outro Locro é o epónimo dos Locros.
silo, veio ao encontro do pai em Cauno e A sua genealogia é diversamente referida pe-
sucedeu-lhe no poder. los autores, Por vezes, fazem dele filho de Fisco
2. Lirco era também o nome de um filho de e, por conseguinte, neto de Etolo e bisneto de
Linceu (filho de Egipto), que se fixou junto do Anfíction. Outras vezes, é considerado filho do
pai na localidade de Lirceia (v. Linceu, 1). Em próprio Anfíction e, por isso, neto de Deuca-
certas tradições, este Lirco era não o filho de lião (v. quadro 8, p. 116). Era o rei dos Léle-
Linceu, mas um bastardo do rei Abas. ges e tinha-lhes dado o nome de Locros.
Sobre a mulher de Locro, as tradições não
LISÍmCE. (AoalilíxTJ.) Lisídice é a filha de
são menos variadas. Conta-se, por exemplo,
Pélops. Casada com Mestor, deu-lhe Hipótoe.
que Opunte, um rei da Élida, tinha uma filha
Outra tradição fá-Ia mulher de Alceu e mãe de
Anfitrião (mais vulgarmente, a mulher de Al- de admirável beleza, de nome Cabia. Zeus
raptou-a e uniu-se a ela, no monte Ménalo.
ceu chama-se Astidameia, ou Laónome; v.
Quando ela ficou grávida, Zeus levou-a para
quadro 32, p. 370). Outra versão fá-Ia ainda
junto de Locro, que não tinha filhos, e deu-
mãe de Alcmena e, por conseguinte mulher de
-lha como mulher. Locro criou o filho que en-
Eléctrion.
tão nasceu e a quem chamou Opunte, como seu
LISIPE. (Aoaí1t1tTj.) Lisipe é uma das Préti- avô, Frequentemente atribui-se a Locro, como
des, as filhas de Preto que foram acometidas mulher, Protogenia, a filha de Deucalião. Pro-
de loucura pela divindade. Tal como as irmãs, togenia gerou de Zeus o herói Étlio, de quem
foi curada por Melampo (v. este nome.) Locro era o pai «mortal».

Lisídice: ApOI.I.OD., Bibl., 11, 4, 5; TZETZ., ad 5; SERV., ad VIRC., Ecl., VIlI, 68 escól. ad THEOCR.,
Lyc., 932; PAlISAN., vm, 14,2; PL.lIT., Thes., 7; es- X, 41; HES"CH., s. u. J'''''\lipo~.
cól. ad PIND., O/ymp., VII, 49.
Locro: I) Escól. ad Od., XI, 325; EUST., p. 1688,
Lisipe: AI>OI.I.OLJ.,Bib/., li, 2, 2; escól. ad Od .. 64. 2) HES., ap. STRAB., VII, 322; PIND., Olymp.;
XV, 225; SERV., ad VIRO., Ec/ .. VI. 48. IX, 68 e S., e escol. ad Arot . RH., Arg., IV, 1780;
Llríerses: POI.L., Onom., IV, 54; AmEN., X, ElIST., ad 11., li, p. 277, 17; PLUT., Qu. Gr.. 15;
p. 415; TZETZ., Hom., li, 595; WESTERMANN,p. 346, STEPH. Bvz., S. u. <l>úcrxoç.
LÓTIS 286

Locro entrou em conflito com seu filho * LUA. (Lua.) Lua é uma divindade romana
Opunte, e decidiu deixar-lhe o poder, indo ele muito antiga, que é associada a Saturno numa
próprio, com alguns dos seus súbditos, fixar- fórmula de «devotio» dos despojos inimigos.
-se noutras paragens. Perguntou ao oráculo Parece ser uma divindade da «peste» ou, de
para onde devia ir, e o oráculo respondeu-lhe forma mais geral, uma «nódoa» mágica com
que parasse no sítio «onde fosse mordido por que se desejava ver atingidos os inimigos.
uma cadela de madeira". Quando chegou às
encostas do lado oeste do Parnaso, pisou por * LUA. (Luna.) Lua é a deusa romana da
descuido um espinho de roseira brava (em Lua. Tinha um templo em Roma, no Aventino,
grego «espinha de cão») e teve de deixar de an- mas parece nunca ter sido considerada mais do
dar durante vários dias. Compreendeu que o que uma divindade secundária. Cedo foi assi-
oráculo se cumprira e fixou-se nessa região, que milada a Diana, cujo santuário ficava próximo.
tomou o nome de Lócrida. Esta lenda destina- Não possui qualquer lenda. Onde quer que o
va-se a explicar, entre outras coisas, a existên- seu nome apareça, em especial nos poetas, tra-
cia de duas Lócridas, uma a este e outra a oeste duz simplesmente Selene (v. este nome).
do Parnaso.
LÓTIS. (Aw·dç.). Lótis é uma ninfa * LÚCIFER. (Lucifer.) Nome latino de Fós-
amada por Priapo. Ela recusava obstinada- foro (v. este nome).
mente o amor do deus e, mais de uma vez,
ele quase a conseguira agarrar; mas Lótis
conseguira sempre fugir. Uma noite, dormia
* LUPERCOS. (Luperci.) Os Lupercos são
uma confraria de sacerdotes que celebravam,
ela entre as Ménades, companheiras de Dio-
em Roma, o culto de Fauno Luperco, aquando
niso, e Priapo, que pertencia ao mesmo
das festas chamadas Lupercalia: era uma pro-
grupo, tentou aproximar-se dela e apanhá-Ia
cissão, que tinha lugar todos os anos em 15 de
de surpresa. Mas, quando já lhe tocava, o
Fevereiro, e no decurso da qual os Lupercos,
burro de Sileno pôs-se a zurrar tão alto que
nus, davam a volta ao Palatino, flagelando,
todos acordaram; Lótis escapou-se, dei-
com correias cortadas da pele de uma cabra que
xando Priapo completamente confundido,
tinham acabado de imolar, as mulheres que en-
enquanto todos os que assistiram riam do
contravam no caminho. Pensavam, desse
seu infortúnio.
modo, torná-Ias fecundas. Antes da procissão,
Mais tarde, Lótis desejou ser transformada
o sacerdote, depois de ter imolado a cabra, to-
em planta, e tornou-se um arbusto (a juju-
cava na testa dos Lupercos com a sua faca en-
beira"), de flores encarnadas, chamado látus
sanguentada e a marca deixada era então limpa
(v. também Dríope).
com um floco de lã embebido em leite. Os Lu-
LOTÓFAGOS. (Aw~o'l'<i"yo,).Os Lotófagos percos deviam, nesse momento, fazer ouvir
são um povo a cuja terra Ulisses acostou, de- uma gargalhada ritual. O sacrifício compreen-
pois de ter sido desviado da sua rota por um dia também a imolação de um cão.
violento vento do Norte, que o levou até ao Sul O santuário de Fauno Luperco era a gruta
da ilha de Chipre. Acolheram hospitaleira- do Lupercal, situada nas encostas a noroeste
mente o herói, e deram-lhe a comer um fruto do Palatino. Era lá que, segundo a tradição,
que eles próprios consumiam: o fruto do ló- a loba tinha amamentado Rómulo e Remo.
tus, que fazia perder a memória. Em breve os Essa gruta sagrada, berço de Roma, estava à
companheiros de Ulisses perderam o desejo de sombra de uma figueira, a Figueira Ruminal
regressar a Ítaca, e Ulisses teve de os obrigar (v. no entanto Rómulo), e dela brotava uma
a retomar o mar. nascente. Foi «restaurada» por Augusto, ao
É possível que o país dos Lotófagos deva ser mesmo tempo que o culto dos Lupercos era
procurado na costa da Cirenaica. reorganizado (v. também Hirpos Soranos).

Létis: Ov., Met., IX, 340 e s.; Fast., I, 415 e s.; Lua: VAR., LL, V, 74; AUGUST., Civ D., IV, 23;
SERVo ad VIRG., Georg., lI, 84. DION. HAL., 11, 50; OC., de nato D., 11, 27.
Lotófagos: Od., IX, 82-104; HVG., Fab., 125; Lupercos: OV., Fast., lI, 381421; DION. HAL., I, 22,
PUN., N. H., V, 28; HEROO., IV, 177. Cf. V. BÉ· 4; VIRG., Aen., VIII, 343 e SERV., aos vv. 90 e 343;
RARO, Navigations d' Ulisse, IV, p. 93 e S. SUET., Aug., 31; PWT., Qu. Rom., 21; Res Gestae Diui
Aug., 19, 1; cf. A. M. FRANKLlN, The Lupercalia, New-
Lua: Lrv., XLV, 33,1; SERV., ad VIRO., Aen., -York, 1921; 1. CARCOPINO, La Louve du Capitole, Pa-
III, 139. Cf. G. DUMÉZIL, op. cit S. U. Mater Matu- ris, 1924; G. DUMÉZIL, Mitra-Varuna, p. 13, H: 1. ROSE,
ta. in Mnem., LX, p. 385402.
M
MACÁON. (McxXcXwv.) Macáon é o filho de nio. Tinha, com seu irmão Podalírio, um
Asclépio e o irmão de Podalírio. Geralmente, cenotáfio em Trica.
sua mãe é denominada Epíone, filha de Mé- Macáon era casado com Anticleia, filha de
rops. Mas as tradições referem também: Arsí- Díocles. Teve dois filhos, Nicómaco e Górgaso.
noe, Xante, Lampécia, a filha de Hélio, ou Conhecem-se ainda como filhos de Macáon:
mesmo Corónis. Macáon figura entre os pre- Alexanor, Polemócrates, Ésfiro, Álcon.
tendentes de Helena e, a esse título, participou A tradição apresenta Macáon sobretudo
na Guerra de Tróia. Com seu irmão Podalí- como um cirurgião, enquanto Podalírio seria
rio, reinou sobre três cidades tessálicas: Trica, o médico. Mesmo o seu nome, talvez relacio-
!tome e Ecália. Comandava trinta navios. Em nado com o da faca (em grego IlcXXCXlpCX),explica
Tróia, com Podalírio, consagrou-se à medi- esta opinião.
cina, dom que recebera de seu pai. Tornou-se
tão útil aos combatentes que cedo foi dispen- MÁCAR. (Máxcxp.) Mácar é, na Ilíada, um
sado de toda a actividade militar. Mantinham- rei da ilha de Lesbos. As tradições divergem
-no na retaguarda, pois a sua vida era dema- sobre a sua figura: umas vezes é considerado
siado preciosa para ser exposta a perigos. Entre como um dos filhos de Hélio e de Rodo (v. He-
outras curas, atribui-se-lhe a da ferida de Té- líades), que fugiu de Rodes depois do assassí-
lefo (v. este nome) e a de Menelau, atingido nio de seu irmão Ténages e se refugiou em
por uma seta de Pãndaro. Ele próprio foi fe- Lesbos. Alguns autores dão-lhe o nome de
rido por uma flecha de Páris e levado para uma Macareu em vez de Mácar. Outras vezes, con-
tenda de Nestor, onde foi tratado por Heca- sidera-se filho de Crínaco, filho de Zeus, e diz-
mede, a cativa anteriomente obtida por Aqui- -se que era originário de Óleno, na Acaia. De-
les, em Ténedo, e depois atribuída a Nestor. pois do Dilúvio de Deucalião, foi para a ilha
Mas a cura mais célebre foi a de Filoctetes (v. de Lesbos, comandando um grupo de iónios
este nome), sarando-o de uma chaga causada e de outros colonos de diversas regiões. A co-
por uma flecha de Héracles. lónia de Mácar prosperou e, pouco a pouco,
Macáon figura na lista dos guerreiros que se submeteu ao seu poder as ilhas vizinhas, que
esconderam no cavalo de madeira. Conta-se eram desertas nessa época. Na mesma altura,
que Macáon foi morto ou pela Amazona Pen- chegou a Lesbos o filho de Lapites, Lesbo (v.
tesileia, ou por Eurípilo, filho de Télefo (v. Eu- este nome), que, para obedecer a um oráculo
rípilo). Nestor levou as suas cinzas para Geré- da Pítia, foi, com alguns companheiros, fixar-

Mscáon: Il., li, 729 5.; IV, 193 e 5. e escól. 263; ApOLLOO., Bib/., li, 10, 8; Ep., V, I;
ao v. 195; XI, 506 e 5.; XIV, 2 e 5.; escól, ad TZETZ., ad Lyc., 911; Posth., 520 e 5.; PROP.,
PINO., Py/h.; I1I, 14; I, 109; Hyc. .• Fab., 81; E/., lI, I, 59.
97; 108; 113; escól. ad ARI5TOPH., PI., 701.
0100. SIC., IV, 71; SOPH., Phíl.; PAU5AN., lI, li, Mácsr: E5CÓl. ad PINO., Olymp., VII, 135; 0100.
5; 23, 4; 38, 6; III, 26, 9 e 5.; IV, 30, 3; er. WES- SIC.,V, 56 e 5.; 81 e 5.; NONN., Dion., XIV, 44. 1/.,
TERMANN, Myth., p. 128; QUINT. SM., VI, 406 e XXIV, 544, e escól.; STRAB., VIII, 356; PAUSAN., X,
5.; OICTYS, lI, 6 e 5.; SERV., ad VIRG., Aen., lI, 38, 4; OION. HAL., I, 18.
MACAREU 288

-se na ilha de que Mácar era o rei. Aí, casou outras vezes como irmão de Magnes, filho de
com a filha deste, Metirnna, e os dois povos, Zeus e de Tia, ou como um dos dez filhos de
o que viera com o Tessálio Lesbo e os Iónios Éolo, ou como filho de Licáon, ou ainda como
de Mácar, habitaram em conjunto a ilha, a que companheiro do deus Osíris, que foi feito rei
Lesbo deu depois o seu nome. da Macedónia por seu pai, quando Osíris con-
Mácar teve, além de Metimna, uma outra fi- quistou o mundo. Nesta última tradição, trans-
lha, Mitilene. Ambas deram nome a cidades mitida por Diodoro, Mácedon é o irmão de
de Lesbos. Anúbis; está revestido de uma pele de lobo e
Outra tradição fazia de Mácar um filho de tem sobre o rosto, como uma máscara, a ca-
Éolo (v. Macareu). Uma das suas filhas, de beça desse animal.
nome Anfissa, era o epónimo da cidade de An-
fissa, na Lócrida. Foi amada por Apoio. MACELO. (M<xxtÀÀ';'.) Macelo é a heroína
de uma lenda obscura, provavelmente ródia.
MAÇAREU. (M<xx<xptúç) 1. Macareu é o fi- Ela e outra mulher (sua mãe, ou mais prova-
lho de Eolo que se uniu, num amor incestuoso, velmente sua irmã Dexítea) tinham recebido à
a sua irmã Cânace (v. este nome). Quando se sua mesa Apoio, Zeus e, segundo parece, tam-
soube da sua paixão, suicidou-se. Este Maca- bém Posídon. Quando este deus (ou então
reu, filho de Éolo, foi por vezes confundido Zeus) destruiu os Telquines (se é realmente de-
com Mácar (ou Macareu), rei de Lesbos (v. les que se trata nesta história), por terem en-
Mácar). venenado a semente do trigo com a água do
2. Macareu é também o nome de um sacer- Estige, poupou as duas mulheres e não as atin-
dote de Dioniso, em Mitilene, que foi atingido giu com o seu tridente. Talvez não se trate dos
por uma série de catástrofes, como castigo de Telquines, mas dos Flégias, de que Sérvio fala
um sacrilégio. Um estrangeiro confiara o seu no seu comentário a Virgílio, e que teriam tido
ouro ao deus e depositara-o no templo; mas uma sorte semelhante.
Macareu apoderou-se do tesouro. Como o es- Macelo e Dexítea eram, diz-se, filhas de um
trangeiro reclamasse os seus bens, ele matou- certo Dámon. Dexítea casou com Minos e deu-
-o no próprio templo. Ora, aconteceu que, -lhe um filho, Euxantio, que fundou, no local
pouco depois da celebração da festa das Trie- onde Macelo e a irmã tinham recebido os deu-
térides, os dois filhos de Macareu brincavam ses, a cidade de Coreso, a «Cidade das Jo-
e divertiam-se imitando o sacrifício que o pai vens».
acabara de oferecer. O mais velho pegou no MACISTO. (McixL<nOç.) Macisto é o irmão
punhal sagrado e trespassou o pescoço do ir- de Frixo, tal como ele filho de Atamas. Fun-
mão; depois, apesar dos seus gritos, queimou-o dou a cidade de Macisto, em Élide da Trifília.
no altar ainda quente. Encolerizada, a mãe
matou-o à pancada. Macareu matou a mulher MÁCRIS. (Méxpiç.] Mácris é uma filha de
com um golpe de tirso, completando assim a Aristeu. Juntamente com seu pai, educou, em
série de assassínios desejados pela divindade. Eubeia, o pequeno Dioniso, que lhes fora con-
fiado por Hermes. Quando Hera, que era rai-
MACÁRIA. (M<xx<xpt<x.) Macária, a Bem- nha da ilha, expulsou o deus, este refugiou-se
-Aventurada, é a única filha que nasceu de Hé- na ilha de Corcira (Corfu), que se chamava en-
racles (v., no entanto, Mirto). Sua mãe é De- tão «Mácris», e aí viveu numa gruta de duas
janira. Foi ela quem extinguiu a píra de seu pai entradas, precisamente aquela em que, mais
no Eta. Mais tarde, foi refugiar-se com os ir- tarde, Jasão e Medeia consumaram a sua união
mãos em Tráquis, e depois em Atenas; como (v. Jasão e Alcínoo).
o oráculo decretara que a vitória sobre Euris-
teu só seria possível pagando o preço de uma MAGNES. (Mci'(V!1ç.) Magnes é um herói tes-
vítima humana, Macária ofereceu-se volunta- sálio, epónimo de Magnésia, cuja genealogia
riamente para o sacrifício, assegurando assim difere consoante os autores. Na maior parte das
a vitória (v. Heraclidas). Em sua memória, ha- vezes, é dado como filho de Éolo e Enáreta (v.
via, perto de Maratona, na Ática, uma fonte quadro 8, p. 116). Unindo-se a uma Náiade,
chamada Macária. teve dois filhos, Polidectes e Díctis, que inter-
vieram na lenda de Perseu (v. Dânae e Perseu).
MÁCEDON. (M<xxiõwv.) Mácedon é o he- Diversas tradições atribuem-lhe outros filhos:
rói epónimo da Macedónia. A sua genealogia Eioneu, Alector, Eurínomo, Píero.
é transmitida pelos mitógrafos de formas muito Outros mitógrafos dão-no como filho de
diferentes. Por vezes, dão-no como autóctone, Zeus e Tia, e irmão de Mácedon (v. este nome).

Macareu: 1) ApÓLLOO., Bibl., I, 7, 3; SERVo ad Macelo: BACCH., I (JESS, ed. 1905, p. 443 s.);
VIRG., Aen., 1,75; HVG., Fab., 238; 243; EUR., fr. NONN., Dion., XVIII, 35 e s.; escól. ad Ov., [bis,
trago perdida É% (NAUCK, fr. 14 a 42); OV., Her., 475; SERV., ad VING., Aen., VI, 618. V. art. Te/qui-
XI;PLuT., Para". min., 28); STOB., LXIV, 35. nes.
2) AEL., VH, 13, 2. Macisto: STEPH. Bvz., S. u.
Macária: Escól. ad PLAT., Hi. Ma., 293 a; PAU. Mácris: Asot.. RH., Arg., IV, 1131, e escól. aos
SAN., I, 32, 6; EUR., Hercl., 474 e s.; ARISTOPH., Eq., vv. 1131; 1138.
1151 e escól.; Eusr., ad Hom., 1405, 36.
Magnes: ApOLLOO., Bib/., 1,7,3; 9, 6; HVG., Astr.
Mácédon: STRAB., VII, 329, fr. 11; HES., fr. 29 Poet., 11, 2; PAUSAN., VI, 21,11; EUST., ad Hom.,
(LEHRS); STEPH. Bvz., S.U. M",xtôov(~; escól. ad 11., p. 338, 21; escól. ad EUR., Phoen., 1760; STEPH.
XIV, 226; Eusr., ad DION. ·PERIEG., 427; Dion. SIC., Bvz., S.U. MatXtôov(a; ANT. LIS., Transj., 23; TZETZ.,
I, 18; AEL., NA, X, 48. ad Lyc., 831.
289 MANES

Hesíodo, segundo diz Antonino Liberal, merte Mamerco. Apaixonou-se pela filha de
(Antoninus Liberalis), considera-o filho de um certo Tuscino, que foi depois morto pelo
Argo e Perimele, uma das filhas de Admeto seu pai «humano», Septírnio. Como, numa ca-
(quadro 34, p. 392). Seria, nesse caso, o pai de çada, Mamerte Mamerco abatera um javali
Himeneu. Finalmente, afirmava-se por vezes monstruoso enviado por Ceres, deu à sua
que Magnes teve como filho não Himeneu, mas amada as presas e a cabeça do animal. Mas os
o pai deste, Píero. dois irmãos de sua mãe, Escímbrates e Mutias,
indignados, tomaram esses troféus. Em face
MAGNETE. V. Magnes. disso, Mamerco matou os tios. Para o casti-
MAlA. (Metc.) 1. Maia é uma filha de Atlas gar, Sílvia queimou a lança e Mamerco pere-
e mãe de Hermes (v. quadro 27, p. 280) - ceu.
sendo a sua mãe Plêione, e figura entre as * MAMÚRlO. (Mamurius.) Quando o Céu,
Plêiades. Mas existe uma tradição segundo a como penhor de vitória da cidade de Roma,
qual sua mãe é Estérope. enviou um escudo sagrado ao rei Numa, este,
Maia era uma ninfa do monte Cilene, na Ar- para impedir qualquer tentativa de roubo,
cádia, e foi lá que se uniu a Zeus para gerar mandou fabricar onze escudos semelhantes,
Hermes. A sua lenda é extremamente pobre. que confiou aos Sálios. O artesão encarregado
A não ser na genealogia de Hermes, intervém desse trabalho foi um osco de nome Marnúrio,
apenas como ama de Árcade, depois da morte que apenas pediu, como salário, que o nomeas-
de Calisto (v. Árcade). sem no canto que os Sálios entoavam durante
* 2. Existia, em Roma, em tempos muito an- a procissão solene dos escudos (os «ancis»).
tigos, uma deusa Maia que, sem dúvida, não E Numa concedeu-lho.
teve na origem qualquer relação com a Maia Havia em Roma uma festa durante a qual
grega. Aparece por vezes como paredro de Vul- se batia com varinhas brancas num velho, que,
cano, o deus do fogo. O mês de Maio era-lhe para a ocasião, se baptizava com o nome de
especificamente consagrado. Após a introdu- Mamúrio e se expulsava da cidade: eram as
ção do helenismo, foi identificada com a sua Mamuralia, que se celebravam a 14 de Março.
homónima, e tornou-se a mãe de Mercúrio.
*MAMÚRRIO. V. Mamúrio.
MALCANDRO. (M<iÀ~exvopoç.) Malcandro
é um rei de Biblo de quem Isis foi escrava. Com MÂNDILAS. (MexvoúÀexç.) Mândilas é um
efeito, foi ama ao serviço da rainha de Biblo, pastor de Dodona que roubara o mais belo dos
de nome Astarte, Saosis, ou então Nemanuo, carneiros pertencentes a um dos pastores da vi-
durante a procura do corpo de Osíris. zinhança e o escondera num estábulo. A ví-
tima, que procurara o carneiro por toda a
* MAMERCO. (Mamercus.) Marnerco é um parte, não o encontrou, e acabou por consul-
nome latino, no qual se encontra o nome itá- tar o deus (Zeus, o deus de Dodona). O car-
lico de Marte: Marnerte (cf. Mavorte). Há duas valho sagrado fez, pela primeira vez, ouvir uma
lendas em que intervém um herói com este voz para lhe responder, e disse-lhe que o cul-
nome. pado era o mais jovem dos pastores da região.
1. A primeira conta que Mamerco era um Assim, Mândila, que era, de facto, o mais jo-
filho de Pitágoras. Deram-lhe o sobrenome de vem dos pastores, foi descoberto. Teve de de-
Aemilius (isto é, o Afável), por causa da deli- volver o carneiro mas, indignado com o orá-
cadeza dos seus modos. Este Mamerco Emí- culo, dirigiu o machado contra o carvalho
Iio seria o antepassado da Gens Aemilia. Uma sagrado. Todavia, uma pomba saiu da árvore
variante dá-o não como filho de Pitágoras, mas e dcmoveu-o do seu intento.
do rei Numa, de quem se conhecem as relações
MANES. (M<iv'l}ç.) Manes é um rei lendário
com Pitágoras e o pitagorismo (v. Numa).
da Frigia, filho, segundo certas tradições,
2. A segunda lenda é transmitida por Plu-
de Zeus e de Geia (a Terra). Unindo-se a Ca-
tarco e inspira-se visivelmente no mito de Me-
Iírroe, gerou Átis, Cótis e Ácmon (v. Lido e
leagro. Marte, sob a forma de um pastor, fez
Tirreno).
engravidar Sílvia, mulher de Septímio Marcelo,
e deu-lhe uma lança à qual estava ligado o des- * MANES. (Manes.) Os Manes são, nas cren-
tino da criança que ia nascer. Quando este fi- ças romanas, as almas dos mortos. Designarn-
lho veio ao mundo, recebeu o nome de Ma- -se por antífrase (como as Erínias), uma vez

Maia: 1) Od., XIV, 435; HES., Theog., 948; DION. HAL., 11,71; LYD., de Mens., IV, 3, 6; SERV.,
SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 130; escól. ad PIND., ad VIRG.,Aen., VII, 188; G. DUMÉZll, Tarpéia, Pa-
Nem., 11, 16; AEscH., Ch., 813; DIOD. SIC., m, 60; ris, 1947; J. LOICQ, «Marnurius Veturius ... », in
Asot.i.oo., Bibl., III, 10, I e 2. CL L. RADERMA- Hommages à Jean Bayet ; p. 401-426.
CHER, Nordische und hellenische Sage, F. und F.,
1938, p. 39. 2) A. GEL., N.A., XIII, 23, I e S.; Mândilas: Escól. ad Od., XIV, 327.
CENS., de d. nai., XXII, 12; MACRoB., SaI., I, 12,
19; LYD., De Mens., IV, 52. Manes: HEROD., 1,94; IV, 45; STEPH. Bvz., s.u.
AXI-'ovia; DION. HAL., I, 27.
Malcandro: PlUT., de I. et O., 15 e s.
Mamerco: I) PlUT., Aen., 2; PAUL., p. 23, s.u. Manes: VAR., LL, VI, 2; IX, 61; MACROB., SaI.,
Aemiliam; DION. HAL., 11, 76. 2) PlUT., Parall. 1,3, 13; 7, 34 e S.; SERV., ad VIRG.,Aen., I, 139; 11,
min., 26. 268; m, 63; Ov., Fast., lI, 523 e S.; CIC., in Pis., VI,
Mamúrio: PlUT., Num., 13; FESTUS-PAUlUS, 16;in Vat., 14. CL J. P. JACOBSEN,Les Manes, trad.
p. 131. 11; Ov., Fast., III, 389; VAR., LL, VI, 45; francesa, Paris, 1924.
MANIA 290

que manes era um antigo vocábulo latino que Apoio), o adivinho Mopso, célebre pela sua ri-
significava os «Benevolentes». Assim, torna- validade com Calcas (v. Calcas e Mopso).
vam-nos favoráveis apenas pelo facto de os no- Uma tradição diferente apresenta Manto
mearem, numa inocente lisonja. unida a Alcméon e dando-lhe um filho, Anfí-
Os Manes eram objecto de um culto. loco, o Jovem (com o mesmo nome que seu
Ofereciam-lhes vinho, mel, leite, etc., e flores. tio; v. quadro I, p. 8, e Anfi7oco). Mas Manto,
Eram sobretudo duas as festas que Ihes esta- mulher de Alcméon, não seria a filha de Tiré-
vam consagradas: as rosaria (ou violaria), em sias. Seria uma outra Manto, filha de Políido.
que se enfeitavam os túmulos com rosas ou vio- Finalmente, Vírgilio refere uma outra
letas, e as parenta/ia, celebradas de 18 a 21 de Manto, epónimo da cidade italiana de Mân-
Fevereiro. Considerava-se que o costume das tua (v. Aucno e Bianor).
parentalia tinha sido introduzido em Itália por
MAQUEREU. (MexXexlP.úç.) Maquereu, o
Eneias, que o tinha instituído em honra de seu
«Homem da Faca», é um sacerdote de Delfos,
pai, Anquises. Contava-se também que, em
filho de Daitas, que matou Neoptólemo, por-
dado ano, em Roma, se deixara de celebrar essa
que este protestara contra o costume dos sa-
festa dos mortos. Estes vingaram-se, invadindo
cerdotes de Delfos de tomarem a carne das ví-
a cidade. Abandonaram os túmulos e espalha-
timas que se sacrificavam a Apoio (v.
ram-se por toda a parte, só se acalmando com
a celebração dos ritos.
Neoptólemo e Orestes).
Por vezes, atribuía-se aos Manes uma ante- MÁRATO. (Mápex9oç.) Um herói de nome
passada comum, a deusa Mânia, ou Mãe dos Márato era um arcádio que acompanhou Eque-
Manes. Esta divindade, muito imprecisa, per- demo na expedição dos Dioscuros contra a
tencia à categoria dos génios populares. Ática (v. Dioscuros). Márato sacrificou-se vo-
Prestava-se-Ihe culto nas Compitalia, aquando luntariamente porque um oráculo exigira uma
da festa dos Lares das encruzilhadas. vítima humana para assegurar a vitória aos as-
saltantes. O seu nome foi dado ao demo de Ma-
MANIA. (Mcvíc.) Mania é a personificação ratona.
da loucura. É análoga às Erínias e a todos os
génios infernais, em parte divindades, em parte MÁRA TON. (Mexpex9wv.) Máraton é o filho
simples abstracções (como Ate, o Erro, etc.), de Epopeu (v. quadro 11, p. 142), rei de Sícion.
que são os agentes da cólera divina. É, por Em vida de seu pai, deixou Sícion, expulso pela
exemplo, enviada àqueles que não respeitam injustiça e violência de Epopeu. Refugiou-se na
os ritos e perturba-Ihes o espírito. E ela que os Ática, onde instituiu as primeiras leis. Quando
conduz às catástrofes, aos assassínios, e nisso seu pai morreu (v. Epopeu), voltou para a pá-
o homem sensato vê a mão da divindade (v., tria. Reuniu sob o seu poder os territórios de
por exemplo, Orestes, Héracles, etc). Sícion e Corinto. Teve dois filhos, epónimos
destas duas cidades, Sícion e Corinto.
MANTO. (Mex\l"tw.) Manto, cujo nome evoca Máraton é o herói do demo ático de Mara-
a ideia de adivinhação, é a filha de Tirésias. tona. V. também Márato.
Tem, como seu pai, o dom da profecia. A len-
MARIANDINO. (MexplexIlOUVÓÇ.)Mariandino
da mostra-a guiando o pai, cego, pelos cami-
é o rei e o herói epónimo dos Mariandinos,
nhos da Beócia, depois da tomada de Tebas pe-
povo que habitava a Bitínia. Era de origem eó-
los Epígonos. Mas Tirésias morreu em
lica. Reinou também sobre parte da Paflagó-
Haliarto, antes de chegar a Delfos, para onde
nia, e anexou o país dos Bébrices. Dão-no
ia Manto. De facto, os Argivos vitoriosos ti-
como filho de Fineu (v. este nome, 3), sendo,
nham votado a Apoio, antes de tomarem a ci-
assim, um trácio. Sua mãe seria Idesa. Mas
dade, «o que houvesse de mais belo entre os
também o diziam filho de Cimério, ou de
despojos», e Manto foi escolhida como ofe-
Frixo, ou simplesmente filho de Zeus.
renda ao deus. Ficou durante muito tempo em
Delfos, aperfeiçoando-se na arte da adivinha- *MARICA. (Marica.) Marica é uma ninfa
ção e desempenhando o papel de Sibila, até ao de Minturnas, no Lácio, onde tinha um bos-
dia em que o deus a enviou para a Ásia Me- que sagrado. Virgílio fá-Ia mãe do rei Latino
nor, onde fundou a cidade de Claro. Aí, ca- e mulher do deus Fauno.
sou com o Cretense Racio. Teve um filho (que Marica parece não ter sido mais que Circe
alguns mitógrafos dizem que era filho de divinizada.

Mania: li., XXII, 460; QUINT. SM. V, 451 e S.; Márato: PLUT., Thes., 32; SUID., S.U. MapaeÓlV.
PAUSAN., VllI, 34, I; PLAT., Phdr., 265 a.
Manto: Esc61. ad Aroi.. RH., Arg., I, 308; EUR.,
Máraton: PAUSAN., I, 15,3; 32, 4; 11, I, I; 6, 5.
Phoen., 834; 953; PAUSAN., VII, 3, I e S.; IX, 10,3;
33,2; VIRG., Aen., X, 199; Ov., Met., VI, 157; IX,
285 e S.; HYG., Fab., 128; ApOLLOO., Bibl., III, 7, Mariandino: STEPH. Bvz., S.u. MOtplOt\l8uvlCX; EUST"
4 e 7; Ep., VI, 3; 0100. SIC., IV, 66 (que lhe chama ad Dion. Per., p. 787,791; STRAB., XII, 545; escól.
Dafne); CONON, Narr., VI. CL Ch. PICARO, Ephése ad Aroi.. RH., Arg., 11, 181; 140; I, 1126; 11, 723;
et Claros; A. MOMOGLlANO, «Manto e l'oroculo di 780; escól., ad AESCH., Pers., 941.
Apollo Clario», R.F.I.C., 1934, p. 313-321.
Maquereu: PINO., Nem., VII, 62 e escól, ad loc; Marica: SERV., ad VIRG., Aen., VII, 47; XII, 164;
escól, ad EUR., Or., 1654; STRAB., IX, 421; ApOL· LACT., Div. Inst., I, 21; 23. CL W. BORGEAUD,«Ma-
LOO., Ep., VI, 14. rica», R. E. L., 1947, p. 85 e s.
291 MARTE

MÁRMAX. (M.xpfJ.aç.) Mármax é um dos quando tocava, atirou-a para bem longe de si.
pretendentes de Hipodamia. Foi morto por Uma variante da lenda dizia que a deusa fa-
Enómao (v. Hipodamia) e enterrado com os bricara a primeira flauta com ossos de veado,
seus dois cavalos, Parténios e Erifas. durante um banquete dos deuses. Mas Hera e
Afrodite, vendo-a soprar, troçaram do aspecto
MÁRON. (Mépeov.) Na Odisseia, Máron, fi-
que esse gesto lhe dava ao rosto, levando Atena
lho de Evantes, é um sacerdote de Apoio da
a ir imediatamente para a Frígia, para se olhar
cidade trácia de Ísmaro. Uma vez que Ulisses
num rio. Aí, apercebeu-se de que as duas deu-
o protegera do saque, bem como à sua famí-
sas tinham razão, e atirou para longe a flauta,
lia, deu-lhe de presente um vinho doce extre-
ameaçando com os maiores castigos quem quer
mamente forte e precioso. E foi com esse vi-
que a apanhasse. Ora, Mársias apanhou-a e o
nho que Ulisses conseguiu embriagar o Ciclope
castigo foi-lhe infligido por Apoio.
Polifemo e, por fim, escapar-se-Ihe (v. Po/i-
Orgulhoso da sua descoberta, e achando que
femo e U/isses).
a música da flauta era a mais bela do mundo,
Máron, filho de Evantes, era, pelo lado do
Mársias desafiou Apoio a que, com a sua lira,
pai, neto de Dioniso. Eurípides dá-o mesmo
como filho do deus e companheiro de Sileno. criasse uma música semelhante. Apoio aceitou
Em Nono, a assimilação ao ciclo dionisíaco é o repto, com a condição de que o vencedor ti-
vesse liberdade de infligir ao vencido o trata-
ainda mais completa: é filho de Sileno e com-
panheiro de Dioniso na expedição contra o mento que desejasse. Uma primeira tentativa
não teve qualquer resultado. Mas Apoio de-
Indo. Aparece no poema como um velho de
safiou o adversário a tocar o seu instrumento
membros trémulos, que apenas recupera o vi-
ao contrário, como fazia com a sua lira. Pe-
gor para beber e cantar louvores a Dioniso e
rante esta perfeição da lira, Mársias foi decla-
canções báq uicas.
rado vencido, e Apoio, pendurando-o de um
Máron, o tipo acabado do beberrão, figu-
pinheiro (de um plátano, diz Plínio), esfolou-
rava numa fonte, em Roma, no pórtico de
-o. Em seguida, porém, arrependeu-se da sua
Pompeio.
cólera e quebrou a lira. Terá ainda transfor-
MARPESSA. (Mapmí""a.) Marpessa é filha mado Mársias em rio.
de Eveno e neta de Ares. Sua mãe é Demonice. O suplicío de Mársias é um tema frequente
Diz-se, por vezes, que é filha de Enómao e AI- da arte helenística.
cipe. Quando estava noiva de Idas, foi raptada No que concerne a um irmão de Mársias, v.
por Apoio; mas Idas atacou o deus e os dois Bábis.
adversários só se separaram por intervenção de
• MARTE. (Mars.) Marte é o deus romano
Zeus (v. Apoio e Idas). Marpessa teve a pos-
identificado ao Ares helénico. Mas é muito an-
sibilidade de escolher qual dos dois pretenden-
tigo nas religiões itálicas, e já existia antes da
tes preferia. Escolheu Idas, porque teve medo
introdução de Ares. Naturalmente, a maior
de ser abandonada por Apoio, quando enve-
parte das lendas em que intervém, na literatura
lhecesse (cf'. Coránis, I).
clássica, não são mais que transposições dos
Idas e Marpessa tiveram uma filha, Cleópa-
mitos gregos. Os amores de Marte e Vénus por
tra, a quem deram o nome de Alcíone, em me-
exemplo, por Lucrécio no princípio do seu
mória do rapto de Marpessa (v. quadro 21,
poema De natura rerum, derivam da aventura
p. 242, e Meleagro).
amorosa de Afrodite e Ares, tal como é con-
MÁRSIAS. (Mapcruaç.) Mársias é um sileno tada por Homero (v. Afrodite). O mesmo se
cuja lenda se situa na Frígia. E geralmente con- passa quanto à lenda que faz de Marte filho
siderado o inventor da flauta de dois tubos (por de Juno, tal como Ares o é de Hera. Uma tra-
oposição à siringe, a flauta de Pã). A esse tí- dição curiosa, transmitida por Ovídio, faz com
tulo é, por vezes, contado entre os seguidores que Juno tenha concebido Marte sem o con-
de Cíbele que tocavam também flauta e tam- curso de Júpiter, mas sim graças a uma flor
boril. mágica, de virtudes fecundantes, que Flora lhe
Os pais de Mársias são Hiágnis e Olimpo (ou dera (v. Flora).
então Eagro). Em Atenas, contava-se que, na É difícil reconhecer vestígios de lendas pro-
verdade, a flauta tinha sido inventada pela priamente itálicas. A sua aventura com Ana
deusa Atena, mas que esta, ao ver num riacho Perena (v. este nome) está, talvez, em relação
como ficavam deformadas as suas faces com a lenda de Mamúrio Vetúrio, personifi-

Mármax: PAUSAN., VI, 21, 7 elO; escól. adPINo., Mus., 5 e 7; A/cib., 2; Ov., Met., VI, 383 e S.; Fast.,
0/., I, 114. VI, 696 e S.; PALEPH., Incr., 48; HYG., Fab., 165; es-
cól. ad AESCH., Pers., 917; TZETZ., Hom., I, 15;
Máron: Od., IX, 197 e S.; escól. ad v. 197; Eusr.,
ApOLLOO., Bibl., 1,4,2. Cf. S. REINACH, in Cultes,
ad Hom., IX, 30; STRAB., VII, fr. 44 e 44 a; EUR.,
Mythes et Religions, IV, p. 29-44.
Cyc., 141 e s; NONN., Dion., XV, 141 e S.; XIX, 167
e S.; 293 e S.; XXlll, 209 e S.; XXXVI, 290 e S.; Marte: Ov., Fast., IIl, 525 e S.; V, 251 e 5.;
XLIII, 75; ATHEN., I, 26 a, 33 d; HVG., Fab., 116; Trist., lI, 296; A. GEL., N.A., XIII, 23; nioo.
125; Dion. SIC., 18 e 20. HAL., I, 16; 31; FEST., p. 379; STRAB., V, 4, 12,
p. 250; VIRG., Aen., IX, 516 e SERV., ad loco Cf. J.
Marpessa: ApOLLOO., Bib/., I, 7, 7 e S.; PLUT., Pa-
CARCOPINO. Louve du Capitote; AL THEIN, Terra Ma-
rall. min., 40; 1/., IX, 557 e S.; PAUSAN., IV 2, 7. ter e Die Gr. Gotter; G. HERMAN5EN, Studien über
Mársias: HEROO., VII, 26; Droo. SIC., Ill , 58 e S.; den Italischen und der Rômischen Mars, Cope-
PAU5AN., 1,24, I; lI, 7, 9; 22, 9; X, 30, 9; PLUT., De nhaga, 1940.
MATER MATUTA 292

cação do ano «velho», o que se vai embora Além dos Romanos, outros povos tinham o
quando o ano novo' começa (no mês de Março, deus como seu «antepassado»: os Marsos (po-
no antigo calendário romano). Tratar-se-ia, as- pulação sabélica contra a qual Roma teve de
sim, de uma simbolização de crenças e ritos lutar durante muito tempo), os Marrucinos os
propriamente itálicos. Mamertinos, etc., cujos nomes indicam osIa-
Na época clássica, Marte surge em Roma ços que os unem ao deus.
como o deus da Guerra. Mas essa não é a sua
única atribuição. As festas, geralmente concen- * MATER MATUTA. (Mater Matuta.) Ma-
tradas no mês que lhe está consagrado, apre- ter Matuta, a deusa da manhã, ou da aurora
sentam traços evidentemente agrários, o que era objecto de culto em Roma. A sua fest~
levou um determinado número de mitógrafos celebrava-se em 11 de Junho, o dia das Ma-
a supor que, primitivamente, Marte era um tralia. Neste culto eram admitidas as mulhe-
deus da vegetação. Essa tese, por mais enge- res casadas uma única vez e que tivessem o ma-
nhosa que seja, está todavia longe de ser aceite rido ainda vivo. As mulheres escravas estavam
de forma unânime. Marte, deus guerreiro, é severamente excluídas.
também o deus da Primavera, porque a época O templo de Mater Matuta encontrava-se no
da guerra começa com o fim do Inverno. Forum Boarium, junto do porto de Roma e
E o deus da Juventude, porque a guerra é ac- a lenda sugeria que a deusa não era outra ~e-
tividade da juventude. É ele quem guia não Ino-Leucótea (v. este nome), que arribara
aquando das «Primaveras sagradas», os joven~ a Roma depois do seu suicídio e transforma-
que emigram das cidades sabinas, para fundar ção em deusa marinha. Ovídio conta que, à sua
novas cidades e encontrar novos locais para se chegada, Mater Matuta encontrou Bacantes
estabelecerem. De facto, havia entre os Sabi- que celebravam os ritos dionisíacos no bosque
nos o costume de consagrar a Marte uma sagra~o de Estimula (identificada com Sémele).
«classe» dajuventude. Os jovens assim desig- Mas, instigadas por Juno (Hera era inimiga de
nados emigravam, como um enxame deixando Ino, que fora ama de Dioniso, em criança, v.
um velho cortiço, e iam procurar a sorte em Ino), as Bacantes lançaram-se sobre ela e ten-
um outro local: chamava-se a esse costume taram fazer-lhe mal. Alertado pelos gritos, Hé-
«ver sacrum», a Primavera sagrada. Frequen- racles, que se encontrava justamente na vizi-
temente, estes emigrantes eram guiados no seu nha~ça, acorreu e libertou-a. Em seguida,
caminho por um animal: o picanço, ou o lobo, confiou-a .a Carmenta, mãe de Evandro, que
por exemplo, dois animais consagrados a lhe anunciou que receberia culto em Roma,
Marte. E talvez essa a explicação do papel de- bem como seu filho, que seria honrado sob o
sempenhado pela loba, animal de Marte, no nome de Portuno.
mito da primitiva Roma (v. Rómula). Teria MEANDRO. (M<x(<xvõpoç.) Meandro é o deus
sido com esses dados que os mitógrafos anti- do rio homónimo, na Asia Menor. Como to-
go.s construíram a história dos dois gémeos, dos os rios, é filho de Oceano e Tétis. Atri-
Romulo e Remo, que o deus teve da sua união buem-se-lhe várias filhas: Sâmia, epónimo da
com Reia (v. este nome). As duas crianças, ex- ilha de Samos, que se encontrava não muito
postas de ime~iato na montanha (neste caso, longe da sua foz, Ciânee, mãe de Cauno e de
o monte Palatino), como acontece tantas ve- Bíblis, e CaIírroe; e filhos, entre os quais fi-
zes nas lendas gregas, foram alimentadas por guram por vezes Mársias e seu irmão Bábis.
uma loba, o animal sagrado enviado por seu
pai (v., por exemplo, Télefo alimentado por MECISTEU. (M1)XL<TttÚÇ.) Mecisteu (v. qua-
uma corça, etc.) e recolhidas por pastores. As- dro I, p. 8) é um dos filhos de Tálao e Lisí-
sim se explicava que à «juventude romúlida» maque. Por isso, é irmão de Adrasto. Seu fi-
se pudesse chamar «filhos da Loba» ou «filhos lho é Euríalo (v. este nome). Figura por vezes
de Marte». Demonstrou-se que estas lendas se entre os Sete, enquanto seu filho é um dos Epí-
desenvolveram em torno de uma estátua muito gonos. Mecisteu foi morto por Melanipo, em
antiga, representando a Loba, debaixo da qual Tebas.
se encontrava a imagem de dois pequenos ho- MÉCON. (M~xwv.) Mécon é um ateniense
mens, simbolizando, consoante as épocas, ora amado por Deméter, que o transformou numa
a raça sabina e a raça latina (os dois elemen- dormideira (sabe-se que a dormideira estava
tos étnicos combinados na Roma primitiva, se- consagrada a Deméter).
gundo os historiadores romanos) ora o povo
romano e o povo campano, depois da aliança MEDEIA. (M~ÔtL<X.) Medeia é a filha do rei
de Roma e de Cápua contra as populações itá- Eetes (v. este nome), da Cólquida. É, por isso,
licas do interior. neta do Sol (Hélio), e sobrinha da feiticeira

Mater Matuta: PRISCILL., lI, 53; PAUL., p. 122; Meandro: HES.• Th .• 339; PAUSAN.• VII. 4.1; Ov .•
125; PHAEST., 158; 161; PLUT; Qu. Rom, 16; 17; Met .• IX. 450; STEPH. Bvz .• S.u. ·AÀ<i~cxvôcx.
Ov., Fast .• 473 e S.; Cic .• Tusc .• 1.28; de nato D .•
Mecisteu: ApOLLOO.• Bibl .• I. 9. \3 e 16; III. 7. 2;
III. 48; SERV.• ad VIRG .• Aen .• V. 241; ad Georg .•
li.• 11. 565-566; XXIII. 677-678; PAUSAN.• I. 28. 1;
1.437; AUGUST.• Civ. D .• 18. 14; LACT.• Div. Inst .•
1.21; 23; HVG.• Fab .• 2; 125; 224. Cf. HALBERSTAOT.
HEROO.• 1. 67.
Mater Matuta, Francoforte, 1934; L. CURTIU5. in Mécon: SERV.• ad VIRG.• Georg .• I. 212.
Rõm. Mitt .• 1925. p. 479-489; H. J. Ross, in CI.
Qu .• 1934. p, 156-158; M. MARCONI. Riflessi medi- Medeia: HES.• Theog .• 956 e 5.; PINO.• Pyth .• IV.
terranei ...• CO. R. Univ. Milão. 1939; G. DUMÉZIL. 15 e s.; escól. ad PINO.• O/ymp .• XIII. 74; HEROO.•
Déesses latines et mythes védiques, Bruxelas. 1956. VIII. 62; EUR.• Med .• passim e escól.; cf. SENEC.•
293 MEDEIA

Circe. Sua mãe é a Oceãnide Idia, mas, por ve- a salvar (v. Alcínoo e Argonautasi, na gruta
zes, atribui-se-lhe como mãe a deusa Hécate, de Mácris.
patrona de todas as feiticeiras. A tradição se- Há uma tradição muito tardia, segundo a
guida por Diodoro faz de Hécate mulher de Ee- qual Jasão se teria casado na Cólquida, onde
tes, e de Medeia irmã de Circe. teria permanecido durante quatro anos, antes
Na literatura alexandrina e em Roma, Me- de realizar os feitos por que tinha vindo para
deia tornou-se o protótipo da feiticeira. É um o país. Medeia, sacerdotista (como lfigénia na
papel que desempenha já na tragédia ática e Táurica) de Ãrtemís-Hécate, teria sido encar-
na lenda dos Argonautas. regada de matar todos os estrangeiros que
Sem Medeia, Jasão não teria podido con- abordassem a Cólquida. Mas, ao ver Jasão, foi
quistar o velo de ouro: é ela quem lhe dá o un- tomada de um amor súbito (inspirado direc-
guento destinado a protegê-lo das queimadu- tamente por Afrodite), e a cena do sacrifício
ras dos touros de Hefesto (v. Argonautas) e terminou num casamento. Esta versão, inspi-
adormece o dragão com os seus encantamen- rada, como é óbvio, pela história de lfigénia
tos. Uma tradição tardia, referida por Dio- e Orestes, não parece primitiva.
doro, diz-nos que Medeia era, de facto, uma Hesíodo refere um filho de Jasão e Medeia,
princesa cheia de humanidade, que se opunha Medeio (v. este nome). Outros autores referem
frontalmente à política do pai, que consistia uma filha, Eriopis. Mais tarde, na tradição trá-
em matar todos os estrangeiros que chegassem gica, atribuem-se-lhes dois filhos, Feres e Mér-
ao país. Irritado com esta surda oposição, Ee- mero. Finalmente, Diodoro nomeia Téssalo,
tes encarcerou-a numa prisão, da qual ela não Alcímenes, Tisandro.
teve qualquer dificuldade em fugir. Isso acon- Regressando a 1010, com Jasão, Medeia co-
teceu precisamente no dia em que os Argonau- meçou por se vingar de Pélias, que tentara fa-
tas desembarcaram na costa de Colcos. Medeia zer perecer Jasão, impodo-lhe a procura do
uniu imediatamente o seu destino ao deles, fa- velo de ouro (v. Pélias e Jasão). Persuadiu as
zendo Jasão prometer que a desposaria se ela filhas do rei de que, se quisesse, era capaz de
lhe garantisse o sucesso da sua empresa e o tor- rejuvenescer qualquer ser vivo, fazendo-o fer-
nasse senhor do velo de ouro, que viera pro- ver num preparado mágico de que possuía o
curar tão longe. Jasão prometeu e, aprovei- segredo. Sob os olhos das jovens, fez em pe-
tando o seu conhecimento da região, ela fez daços um velho carneiro, deitou os bocados
com que lhe abrissem o templo onde se con- num grande caldeirão que pusera sobre o fogo
servava a preciosa pele, enquanto os Argonau- e, no instante seguinte, tirou dele um cordeiro
tas atacavam os soldados e os punham em bem vivo e satisfeito. Convencidas, por esta de-
fuga. Esta tradição, de inspiração evemerista, monstração da sua arte, as filhas de Pélias des-
não é mais que a interpretação «racional» dos pedaçaram o pai e deitaram os bocados num
diferentes episódios da lenda: os touros so- caldeirão fornecido por Medeia; mas Pélias
prando fogo tornam-se soldados originários da nunca voltou a sair de lá. Na sequência deste
Táurica, etc. A pele do carneiro é o despojo assassínio, Acasto, filho de Pélias, baniu Ja-
de um certo Carneiro, preceptor do jovem são e Medeia do seu reino. Uma variante da
Frixo, filho de Átamas, que errara até aquele mesma lenda (destinada a explicar que o re-
local. gresso de Jasão, que Pélias jugava ter enviado
Seja como for, uma vez conquistado o velo para uma morte certa, não tenha levantado
de ouro, Medeia fugiu com Jasão e os Argo- desconfianças), refere que Medeia deixou so-
nautas. Todas as lendas coincidem neste ponto. zinha a nau Argo e foi para lolco, disfarçada
Ele prometera-lhe casamento, e todos os cri- de sacerdotisa de Ártemis. Depois de consu-
mes posteriores de Medeia são desculpados ou, mado o crime e de as Pelíades se terem posto
pelo menos, explicados pelo perjúrio de Jasão. em fuga, horrorizadas com o que haviam feito,
Para o seguir e lhe dar a vitória, Medeia não Medeia fez regressar Jasão. Este deu o reino
só traiu e abandonou seu pai, como tomou a Acasto, filho de Pélias, que, contra vontade
como refém o seu próprio irmão, Apsirto, que do pai, o acompanhara na procura do velo de
não hesitou em matar e despedaçar para atra- ouro. Em seguida, e tal como na versão ante-
sar a perseguição de Eetes (v. Argonautas). rior, Jasão e Medeia vão viver para Corinto.
O casamento de Jasão e Medeia não foi ime- Corinto era o país de origem de Eetes (v. este
diatamente celebrado na Cólquida. Foi adiado nome). Aí existia um culto dos «filhos de Me-
até fazerem escala no país de Alcínoo e, de deia» que pode ter dado lugar ao episódio se-
certo modo, imposto a Jasão e Medeia por guinte da lenda. Jasão e Medeia viveram algum
Arete, a mulher do rei dos Feaces: Alcínoo de- tempo em Corinto, até que o rei Creonte quis
cidira efectivamente entregar Medeia aos en- dar a sua filha em casamento ao herói. Baniu
viados de Eetes, que a reclamavam para a cas- Medeia, mas ela conseguiu adiar a partida por
tigar do seu crime, mas apenas se ela ainda um dia, que aproveitou para preparar a sua
fosse virgem. Arete preveniu secretamente Me- vingança. Embebendo em veneno uma túnica,
deia da decisão do rei, e Jasão uniu-se-lhe, para adornos e jóias, fê-los chegar às mãos da feliz

Med.; Asoi.. RH., Arg., passim; esc61. ad I, 1289; 16; 23 e s.; Ep., V, 5; PAUSAN., 11,3, 6-11; 12, 1; V,
m, 342; IV, 223; 814; PLUT., Thes., 12; 0100. SIC., 18,3; VIII, 11,2; ORACONTIUS, in Poet. lat, (Baeh-
IV, 45 e s.; TZETZ., ad Lyc., 175; 1315; 1318; HYG., rens), V, 192 e s.; L. SECHAN, «La légende de Me-
Fab., 25; 26; 27; 239; STEPH. BYz., s. u. ~OlLtÚÇ;Ov., dée»: R. E. O., XL (1927), p. 234 e s.; R. JEFFERS,
Met., VII; I e s.; Her., XII, ApOLLOO., Bibl., I, 9, Medea, Nova Iorque, 1946.
MEDEIO 294

rival, por intermédio dos filhos. Mal ela os pôs, encarregou-o. Entretanto, a penúria abateu-se
foi envolvida por um fogo misterioso, o mesmo sobre o país. E Medeia, chegando junto de
acontecendo a seu pai, que viera socorrê-Ia. Perses com o seu carro puxado por dragões,
Também o palácio foi invadido pelo fogo. En- fez crer ao tio que era uma sacerdotisa de Ar-
tretanto, Medeia matou os próprios filhos no temis e que viera libertar o país da escassez que
templo de Hera, e voou para Atenas num carro o atormentava. O rei, sem desconfiar, revelou-
com cavalos alados, presente do seu antepas- -lhe que tinha preso Hípotes, filho do rei de
sado Sol (v. Creonte). Diz-se que foi Euripi- Tebas. Medeia pediu-lhe que lho entregasse e,
des o primeiro a fazer com que os filhos de Me- quando o viu, reconheceu o seu próprio filho.
deia tenham sido mortos pela mãe. Na versão Então, chamou-o à parte e deu-lhe uma arma,
anterior, eram lapidados pelos Coríntios, que com que Medo matou Perses. Em seguida, rei-
os castigavam por terem levado a túnica e as nou em seu lugar.
jóias a Creúsa (v. também Mérmero). Para Medo, filho da ninfa Alfesibeia, v. este
Dizia-se que Medeia fugira para Atenas por- nome.
que tinha garantido a ajuda de Egeu, antes de
MEDONTE. (Miowv.) 1. Medonte é o filho
cometer o crime contra seus filhos. Afirmara-
natural de Oileu e Rene. Natural de Ftiótide,
-lhe que seria capaz de lhe dar filhos, se ele ca-
teve de se exilar depois do assassínio de um dos
sasse com ela (v. Egeu). Tentou, em vão, fa-
zer perecer Teseu, quando ele se deu a conhecer pais de sua madrasta, Eriópis. Quando Filoc-
tetes foi abandonado, doente, na ilha de Lern-
a seu pai. Foi então banida de Atenas. Voltou
nos, foi ele quem tomou o comando do con-
para a Ásia, acompanhada por seu filho Medo,
tingente de Metone, Taumácia, Melibeia e
que tivera de Egeu, e que é o epónimo dos Me-
Olízon. Foi morto por Eneias, em Tróia.
dos. Em seguida, regressou à Cólquida, onde
2. Um outro Medonte era o arauto dos pre-
Perses destronara Eetes, e fez com que o ma-
tendentes em Ítaca. Quando estes decidiram
tassem para devolver o reino ao pai.
preparar uma armadilha a Telémaco, para o
Havia uma tradição segundo a qual Medeia
momento em que ele regressasse de procurar
não morreu, mas foi levada para os Campos
Ulisses, Medonte revelou o plano a Penélope.
Elísios, onde se uniu a Aquiles (tal como, de
Por isso, Ulisses poupou-o aquando do mas-
resto, Ifigénia, Helena e Políxena).
sacre dos pretendentes. Ovídio e Apolodoro
MEDEIO. (Mf}otloç.) Medeio, filho de Ja- citam-no entre os próprios pretendentes. As
são e Medeia, foi criado por Quíron. Não sa- duas versões, de resto, não são incompatíveis.
bemos mais nada sobre a sua lenda. 3. Medonte era também um filho de Pílades
e Electra, irmão de Estrófio (v. quadro 31,
MEDO. (M7jooç.) Medo é um filho de Me-
p. 352).
deia. Segundo a tradição mais divulgada, seu
pai era Egeu (v. Medeia). Mas, por vezes, é * MEFÍTIS. (Mephitis.) Mefítis é, em Roma
dado como filho de um rei do interior da Ásia, e em certas cidades da Itália, a divindade fe-
com quem Medeia teria casado quando foi ex- minina que preside às emanações sulfurosas,
pulsa de Atenas, após o regresso de Teseu. Em tão abundantes em Itália. Julgava-se que es-
ambas as versões, Medo é um epónimo dos tas emanações causavam pestes e outras epi-
Medos. demias, de modo que Mefítis é considerada por
Os tragediógrafos áticos complicaram a vezes como a deusa da peste. Tinha um tem-
lenda de Medo. Adoptando a tradição que o plo em Roma, no Esquilino.
fazia filho de Egeu, supuseram que Medo fu-
MÉGACLO. (MtycxxÀw.) Mégaclo é uma das
gira de Atenas com a mãe, mas ficara para trás
filhas do rei Mácar, de Lesbos. Como ele, vio-
por causa de uma tempestade e fora atirado
lento e carrancudo, maltratava frequentemente
para a costa do reino de seu tio-avô Perses. Este
a mulher, Mégaclo tomou como criadas as Sete
fora avisado por um oráculo de que devia des-
Musas de Lesbos (as Sete Virgens de Lesbos),
confiar dos descendentes de Eetes. Sabedor
a quem ensinou a cantar com acompanha-
deste pormenor, Medo escondeu de Perses a
mento de lira. Depois de ensinadas, as jovens
sua verdadeira identidade, quando foi condu-
deram concertos para Mácar, que viu o seu ca-
zido junto dele pelos soldados que o prende-
rácter tornar-se doce e acabou por tratar a mu-
ram. Disse ao rei que era Hípotes, filho do rei
lher humanamente.
de Tebas, Creonte, e que procurava Medeia
para a castigar da morte de Creonte e Creúsa. MEGAPENTES. (Meycx1tiv6rjç.)1. Megapen-
Perses não acreditou na sua palavra e, espe- tes (cujo nome significa: o Grande Desgosto)
rando uma investigação complementar, é um filho natural de Menelau, que ele teve de

Medeio: HES., Th., 1000 e S.; PAUSAN., lI, 3,9. Mefítis: VAR., LL, V, 49; PHAEST., p. 451; SERV.,
ad VIRG., Aen., VII, 84; PLlN., N. H., lI, 208.
Medo: ApOLLOO., Bibl., 1,9,28; 0100. SIC., IV,
Mégaclo: CLEM. AL., Protr., XI, 24.
55 e 56; STRAB., XI, 13, !O, p. 526; PAUSAN., lI, 3,
8; EUST., ad Dion. Per., 1017; HVG., Fab., 27; 244; Megapentes: 1) Od., IV, 10-12; XV, 100 e S.;
STEPH. Bvz., S. u. MTjô(o<. EUST., ad Hom., 99, 13; 1480; I; ApOLLOO., Bibl.,
m, li, I; ATHEN., I, 18 b; IV, 180 c; PAUSAN., lI,
Medonte: 1) 11., 11,716 e S.; Xl l l, 693 e S.; XV, 18,6; 111,18,13; 19,9.2) ApOLLOD., Bibl., lI, 2, 2
332 e S.; XVII, 216 e S.; EUST., ad Hom., 328,28. e 4; EUST., ad Hom., 1481,4; DIDD. SIC., IV, 68;
2) Od., IV, 677 e S.; XXII, 357 e S.; cf. Ov., Her., PAUSAN., lI, 16, 3; 18,4; TZETZ., ad Lyc., 838; es-
1,91; As-ot.i.oo., Ep., 27. 3) PAUSAN., lI, 16,7. cól. ad EUR., Phoen., 180.
295 MEGES

uma escrava chamada Piéris, segundo uns, ou Totalmente aberrante é a versão segundo a
Terídae, na opinião de outros (v. quadro 15, qual os filhos de Héraeles e de Mégara foram
p. 200). Durante a ausência de Helena, Mene- mortos por Lico, que seria, nesse caso, o pai
lau casou-o ao mesmo tempo que Hermíone. de Mégara, e que Hera enlouquecera para o pu-
Deu-lhe por esposa a filha de Alector, de Es- nir de ter dado a filha em casamento ao herói.
parta. Em Tebas, mostrava-se o túmulo dos filhos
Por ser bastardo, Megapentes foi excluído de Mégara, e prestava-se-Ihes culto. 'Consoante
pelos Lacedemónios dos direitos de sucessão os autores, o seu número varia entre três e oito.
de Menelau. Esse direito coube a Orestes. Em Os nomes diferem igualmente: Terímaco, Dei-
outra tradição, depois da morte de Menelau e coonte, Greontíades (v. quadro 17, p. 219), ou
quando Orestes ainda vagueava, perturbado ainda Onites, Oxeu, Aristodemo, Clímeno,
pelas Erínias (v. Orestes), Megapentes e seu Gleno, Polidoro, Aniceto, Mecistófono, Pá-
meio-irmão Nicóstrato (o filho de Menelau e troeles, Tóxóelito, Menebrontes, Quersíbio -
Helena; v., todavia, Menelau) expulsaram He- estando estes diferentes nomes diversamente
lena, que se refugiou em Rodes, junto de Po- agrupados consoante as tradições.
lixo (v. Helena). 2. Uma lenda isolada e tardia refere uma ou-
2. Megapentes é também o nome do filho de tra Mégara, mãe de Ixíon, que foi morta por
Preto, que o teve durante a loucura das filhas. Forbas e Polimelo, porque repelia os seus avan-
Segundo as tradições, era pai de Anaxágoras ços. Ixíon, mais tarde, vingou a sua morte.
e de Ifianira. Reinou primeiramente sobre Ti-
rinte, sucedendo a seu pai, Preto; mas Perseu, MEGAREU. (M.')'<xp.úç.) Megareu, epónimo
depois da morte de Acrísio, trocou o reino de da cidade de Mégara, era filho de Posídon e
Argos pelo de Tirinte (v. Perseu, cf. quadro Enope, filha de Epopeu (v. quadro 11, p. 142).
13, p. 152). Era natural da cidade de Onquesto, na Beó-
cia. Por vezes, consideravam-no filho de
MÉGARA. (Mi')'<xp<x.) 1. A mais célebre he- Apoio, ou então de Egeu,
roína com este nome é a filha de Creonte, rei Tinha vários filhos: o mais velho, Timalco,
de Tebas, que o pai casou com Héracles para foi morto por Teseu durante a expedição dos
o recompensar da vitória sobre os Mínias de Dioscuros contra a Ática: o mais novo, Evipo,
Orcómeno (v. Héracles). Mas esse casamento foi morto pelo leão de Citéron e, para o vin-
acabou de forma trágica, já que Héraeles, aco- gar, Megareu ofereceu a mão de sua filha
metido de loucura por intervenção de Hera, Evecme, bem como o direito de lhe suceder,
matou os filhos que tivera de Mégara. A ver- ao herói que vencesse o monstro. Alcátoo (v.
são de Eurípides sobre este assassínio (tratada este nome) apresentou-se e matou o leão.
no Héracles Furioso e retomada por Séneca Alguns autores atribuem-lhe como mulher
sob o mesmo título) tornou-se clássica. Eurí- Mérope, e um terceiro filho, Hipómenes, o
pides conta que, durante a ausência de Héra- vencedor de Atalante (v. Hipómenes).
eles, que fora aos Infernos procurar Cérbero Quando Minos pôs cerco ao rei Niso, na sua
a mando de Euristeu, um certo Lico veio de cidade, que se chamava na altura Nisa, este pe-
Eubeia para destronar Creonte e matou-o. Pre- diu auxílio a Megareu, que morreu na batalha,
parava-se também para matar Mégara e seus combatendo pelo seu aliado. Mais tarde,
filhos, quando Héraeles voltou. O herói come- quando o seu sucessor, Alcátoo, reconstruiu
çou por matar Lico, mas Hera enlouqueceu-o a cidadela de Nisa, deu-lhe o nome de Mégara,
e ele trespassou os próprios filhos, bem como em homenagem ao sogro.
Mégara, com as suas flechas. Quando ia dar Uma outra tradição, de origem megarense,
o mesmo destino a Anfitrião, Atena interpôs- referia que a cidade jamais fora tomada. Me-
-se e mergulhou-o num sono profundo. gareu teria sucedido a Niso porque casara com
Esta versão não é, todavia, a única conhe- Ifínoe, sua filha. E Alcátoo sucedera natural-
cida pelos mitógrafos. A maior parte deles não mente a Megareu, de quem era também genro.
admite que Mégara tenha sido morta no mas-
sacre. Dizem que Héraeles quis romper o ca- MEGES. (Mi')'Tj<X.) Meges é o filho de Fileu
samento, que manchara com sangue, e que ca- e de Ctímene, filha de Laertes e, por isso, ir-
sou Mégara com Iolau, seu sobrinho (v. mão de Ulisses. Pelo lado do pai, descende de
Héracles); ou então que, depois do massacre, Augias (v. Fi/eu). Outros autores atribuem-lhe
Héraeles fugiu de Tebas para um exílio que du- como mãe Timandra, uma irmã de Helena e
rou um ano. Ao fim desse ano, foi mandado de Clitemnestra, filha de Tíndaro (v. quadro
voltar por Íficles e Licímnio, mas não o quis 21, p. 242). Figura entre os pretendentes à mão
fazer. Então, Ifieles e Licímnio partiram a de Helena e participou, a esse título, na Guerra
procurá-Io, acompanhados por Mégara. Aca- de Tróia. Comandava o contingente de Dulí-
baram todos por se encontrar em Tirinte. quio e das Equínades. Em Tróia, matou Pe-

Mégara: 1) Od., XI, 269 e 5.; escól, ad loc.; EUST., Megareu:.PAUSAN., 1,39,5 e 6; 41, 3; 42, 1;
Da HDm., p. \683.38; P\ND., Isr., lV, 6\ e 5.; escót. H~G., FaD., \57; \85; S'EI'H. Bvz., S.U. N\~",(", e
ad IV, 104; PAU5AN" 1,41, I; IX, lI, I, 1-2; X, 29, Miy<xp<x; Ov., Mei., X, 605 e 5.; PLUT., Qu. Gr.,
7; EUR., Herc. F., passim; SENEC'., Herc. F" passim; 16.
ApOIHlIl., Bibl., lI, 4, 11 e 5.; lI, 6, 11; OIOD. SIC.,
IV, 10 e 5.; 31; escól., ad STAT., Theb., IV, 570; X, Meges: 11., lI, 625 e 5.; V, 69; X, 110; XlII, 691
986; HYG., Fab., 31; 32; 72; 241; TZETZ., ad Lyc ., e 5.; XV, 519 e 5.; XVI, 313; Eusr., ad Hom.,
3,38; SERV., ad VIRG., Aen., VlII, 299; NICOL. OAM., p. 305, 15; HESCH., s.u.; HYG., Fab., 97; ApOLLOD.,
fr. 20; MOSCH., Id., IV. 2) Anthol Pai., lII, 12. Bibl., lII, 10, 8; OICT. CR., lII, 10.
MEGETE 296

deu, Cresmo, Ânficlo. Ele próprio terá sido quase um ano quando ouviu os vermes que
morto em Tróia, mas a Ilíada não fala da sua roíam a madeira perguntarem-se, numa viga
morte. A tradição seguida por Polignoto, no do tecto, quanto tempo aguentaria ainda a viga
grande fresco de Delfos, coloca-o entre os gre- antes de desabar. E um deles respondeu que
gos que regressam de Tróia; mas admitia-se que a madeira estava tão fina que não tardaria a
fora ferido e morrera talvez durante a viagem. ceder. Melampo pediu imediatamente que o
MEGETE. V. Meges. pusessem em outra prisão e, de facto, pouco
depois de ter partido, o tecto da cabana desa-
MELÂMPIGO. (MEÀcXf1.1tUyoç.) Melâmpigo, bou. Assim, Fílaco reconheceu que tinha, na
.o «Homem do Rabo Negro», é o nome de um pessoa do seu prisioneiro, um notável vidente,
homem misterioso contra quem a mãe dos Cer- e recorreu a ele para curar a impotência de seu
copes os tinha posto de sobreaviso. Acontece filho Íficlo; em recompensa, deu-lhe os reba-
que este homem não era outro senão Héracles nhos que ele desejava e que Melampo condu-
(v. Cercopes). ziu até Pilo, onde Neleu deu a Bias a mão de
Péro. Outra tradição, conhecida apenas atra-
MELAMPO. (MEÀcXf1.1tOUç.) Melampo, o Ho- vés de Propércio, faz com que Melampo tenha
mem dos Pés Negros (porque, diz-se, mal aca-
ele próprio amado Péro.
bou de nascer, a mãe pô-Io à sombra, mas,
inadvertidamente, deixou-lhe os pés expostos Mais tarde, Melampo foi chamado pelo rei
ao sol), é filho de Amitáon e de Idómene. Per- de Argos, Preto, para sarar suas filhas, atin-
tence à raça de Creteu e de Tiro (v. quadro 23, gidas por uma loucura colectiva (v. Prétides).
p. 258; I, p. 8). Casou com uma das filhas de Elas vagueavam por todo o Peloponeso e
Preto (v. infra) e teve filhos: Mântio, Antífa- julgavam-se transformadas em vacas. Me-
lampo prometeu ao pai que as curaria se ele
tes, Abas; e filhas: Prónoe e Manto. Diodoro lhe desse em pagamento um terço do seu reino.
afirma que, na realidade, ele casou com Ifia-
mira, filha de Megapentes, filho do rei Preto Preto recusou, e a doença agravou-se. Preto
(v. Megapentes, 2).
teve de pedir ajuda a Melampo, pela segunda
Na infância, Melampo adquirira do seguinte vez. Mas, desta vez, ele pediu um terço do reino
modo o dom da adivinhação: encontrando para si e outro terço para o seu irmão. Preto
aceitou estas condições. Então, Melampo ex-
uma serpente morta, fez-lhe funerais numa
pira. Os filhos do animal (que era uma fêmea), pulsou as raparigas da montanha, com a ajuda
reconhecidos, e também porque ele os criara, de jovens que dançavam e gritavam, e forçou-
purificaram-lhe as orelhas com a língua, de -as a voltarem para Sícion. Aí, purificou-as
modo que, a partir de então, ouviu a lingua- com ritos mágicos. Todas se curaram. Apenas
a mais velha, Ifínoe, morreu, de cansaço. Preto
gem dos pássaros e de todos os animais em ge-
deu em casamento as suas outras duas filhas,
ral (v. Polífates). Melampo era não só um adi-
vinho, mas também um médico, ou antes, um Ifianassa e Lisipe, a Bias e Melampo, e pro-
meteu, a cada um, um terço do seu reino. E foi
sacerdote capaz de purificar os doentes e de as- assim que os descendentes de Amitáon acaba-
sim Ihes devolver a saúde. Conhecia igualmente ram por reinar na Argólida. Quanto às conse-
as ervas mágicas e medicinais. quências desta partilha do reino, v. Adrasto.
Melampo e seu irmão Bias deixaram a pá-
tria, a Tessália, e foram para junto de Neleu, MELANCRERA. (MEÀcXyXpO<LpO<.) «Cabeça
seu tio, em Pilo, em Messénia. Aí, Bias quis Negra» (Melancrera) é o epíteto da Sibila de Cu-
casar com Péro, filha de Neleu. Mas este con- mas. Explicava-se este epíteto de diversos mo-
sentiu em dar-lha apenas se ele trouxesse como dos: ou se tratava de uma alusão às revelações
presente de casamento os rebanhos de Fílaco obscuras da Sibila, ou à sua melancolia, ou tra-
(segundo outras versões, de Ificlo, mas este é duzia uma característica física: cabelos negros,
filho de Fílaco e tem um papel distinto na ou pele escura e enrugada pela velhice, etc.
lenda; v. infra e também Íjiclo). Estes reba-
nhos encontravam-se em Fílace, na Tessália, MELANEU. (MEÀotVEÚç.) Melaneu é um ar-
e estavam ferozmente guardados por um cão cheiro célebre, filho de Apoio. Teve de Ecália
de que nem os homens nem os animais se po- um filho, Êurito (v. este nome). Fundou a ci-
diam aproximar. Não podendo roubar ele pró- dade de Ecália, em Messénia, num terreno con-
prio os rebanhos, Bias pediu a Melampo que cedido por Perieres.
o ajudasse. Este concordou, predisse que o Havia também uma lenda eubeia de Mela-
conseguiria fazer, mas que seria apanhado e neu, que o dava como filho de Arcesilau e fun-
só obteria o rebanho depois de ter estado preso dador da cidade de Erétria, que primeiramente
durante um ano. Em seguida, dirigiu-se a Fí- se terá chamado, por sua causa, Melaneia.
lace e, como previra, foi apanhado em fla- Antonino Liberal refere que um certo Me-
grante e aprisionado numa cabana. Passara lancu, filho de Apoio e pai de Êurito e Am-

Melâmpigo: HEROD., VII, 216; TZETZ., ad Lyc., Id., 111,43; THEOPHR., n», IX, 10,4; PUN., N. H.,
91. XXV, 5, 21; PAUSAN., IV, 36, 3; ATHEN., XI, 498;
HEROD., IX, 34; PROP., El., 11, 3, 51-54.
Melampo: Od., XI, 287 e S.; XV, 225 e S.; escól.
Melancrera: Ps. ARIST., De miro ouse., 95; Lvc.,
ad li., XIII, 663; ad Od., XI, 290; XV, 225, ad
Alex., 1278-1280, e TZETZ., ad v. 1464.
AESCH., Th., 569; ad PIND., Nem., IX, 30; ad Arot..
RH., Arg., I, 118; 121; 143; SERV., ad VIRO., Ecl., Melaneu: PAUSAN., IV, 2, 2; 33, 5; escól. ad
VI, 48; ApOLLOD., Bibl., I, 9, 11; 11,2,2; OIOD. SIC., SOPH., Tr., 354; STEPH. Bvz., s.u. Ep.'p'ot;STRAB.,
IV, 68; STAT., Theb., VIII, 277; escól. ad THEOCR., X, 447 e S.; ANT. LIB., Transf., 4.
297 MELANTO

brácia (epónimo da cidade de Ambrácia), era Clístenes, transportou as cinzas de Melanipo


rei dos Dríopes e se apoderara do Epiro, onde de Tebas para Sícion, onde foram colocadas
reinava. no lugar das de Adrasto.
MELANIPE. (MtÀlXv(1t1tTj.) 1. Numa tradi- , 3. Outro Melanipo figura entre os filhos de
ção, Melanipe é o nome da filha do primeiro
Agrio, que destronaram Eneu, em Cálidon (v.
Eolo, filho de Hélen (v. quadro 8, p. 116, no Diomedes).
qual, todavia, Melanipe não figura entre os fi- 4. Melanipo é também o nome de um filho
lhos de Eolo mas, em conformidade com a tra- que Teseu teve de Perigune, filha de Sínis (v.
dição citada por Pausânias, como nora de An- este nome), Conta-se entre os vencedores dos
fíction; v. infra). , Jogos Nemeus, no tempo dos Epígonos.
Teve dois filhos de Posídon, Beoto e Eolo Il, S. Finalmente, vários troianos de nome Me-
e é a heroína de duas tragédias perdidas de Eu- lanipo caíram em combate pela cidade.
rípides (v. Éolo): Melanipe Acorrentada e Me- 6. V. também Cometo, 2.
lanipe Filósofa. MELÂNTIO. (Müáv8lOÇ.) Melântio é um
Outra tradição mencionada por Pausânias cabreiro de Ítaca, filho de Dólio e irmão da
faz de Melanipe uma ninfa, que casou com criada Melântio (v. Melanto, 2). Como sua
Itono, filho de Anfictíon. Deu-lhe um filho, irmã, traiu os interesses dos seus verdadeiros
Beoto. patrões, ,Penélope e Ulisses. Quando Ulisses
A mãe de Melanipeé Hipe, filha de Quíron, chega a Itaca, disfarçado de mendigo, encon-
que foi seduzida por Eolo no monte Pélion (v. tra Melântio, que se mostra insolente para com
Hipe). ele e toma o partido dos pretendentes. Durante
2. Na lenda existe outra Melanipe, filha de o massacre, tenta trazer armas aos pretenden-
Ares e irmãda rainha das Amazonas, Hipó- tes, mas em vão. Foi fechado na dependência
lita. Foi capturada por Héracles, mas Hipólita onde se encontravam as armas e, uma vez en-
libertou-a, aceitando as condições do vencedor forcadas as criadas, foi levado para o pátio,
(v. Hérac/es). Todavia, no combate que se se- onde lhe cortaram o nariz e as orelhas, que fo-
guiu à ruptura do armistício, enquanto Hipó- ram dadas a comer aos cães; em seguida,
lita era morta por Héracles, Melanipe tombou cortaram-lhe as mãos e os pés e deixaram-no
sob os golpes de Télamon, companheiro do he- morrer.
rói.
MELANTO. (MiÀlXv8oç.) O herói Melanto é,
MELANIPO. (M.ÀávlltltOÇ.) 1. O primeiro por parte de seu pai Andropompo, um descen-
herói com este nome é filho de Ares e da deusa dente de Neleu, rei de Messénia. Foi expulso
Triteia, filha do deus Tritão. Fundou a cidade de Pilo, sua terra natal, pela vinda dos Hera-
de Triteia, na Acaia, a que deu o nome de sua clidas e, a conselho do oráculo, fixou-se na
mãe. Ática, onde foi acolhido como cidadão e par-
2. Outro é um tebano, filho de Ástaco, um ticipou nas magistraturas. Na altura, reinava
dos guerreiros nascidos dos dentes do dragão na Ática um descendente de Teseu, de nome
de Cadmo (v. este nome). Combatia ao lado Timetes, e os Atenienses estavam em guerra
dos Tebanos na guerra dos Sete Chefes. Ma- com os Beócios, com quem disputavam a posse
tou Mecisteu, irmão de Adrasto, e feriu mor- da cidade de Énoe. Como a contenda parecia
talmente Tideu antes de ser morto por Anfia- não se resolver, foi decidido pôr termo ao di-
rau. Este cortou a cabeça ao cadáver e levou-o ferendo através de um combate singular entre
a Tideu moribundo, que abriu o crânio do seu os reis das duas regiões. O rei de Atenas, po-
inimigo e devorou o cérebro. Com tal gesto, rém, teve medo de defrontar Xanto, o rei de
Atena, que tinha pensado conceder a imorta- Tebas. Fez então saber que estava disposto a
lidade a Tideu, ficou horrorizada e renunciou abdicar do seu poder real em favor de quem
ao seu projecto. Anfiarau previra o que se ia conseguisse vencer o rei de Tebas em combate
passar e, por isso, levara a cabeça de Melanipo singular. Melanto aceitou a proposta e o com-
a Tideu, conhecedor que era da sua crueldade. bate teve lugar. Quando estava prestes a co-
Anfiarau era hostil a Tideu porque este o le- meçar, por detrás de Xanto apareceu a figura
vara a empreender aquela expedição, que ele de um guerreiro armado com uma égide negra.
sabia que ia ser desastrosa (v. Anfiarau). Era Dioniso Melanégida, mas Melanto tomou-
Mostrava-se em Tebas o túmulo de Melanipo -o por um combatente. Então, acusou Xanto
mas, na época histórica, o tirano de Sícion, de violar as condições de duelo e de ter recor-

Melanipe: 1) 0100. SIC., XIX. 53; IV, 67; ERA1DSTH., Thes., 8; PAUSAN., X, 25, 3. 5) Cf.,II., XV, 546-581;
Cal., 18; HVG., Fab., 157; 186; 252; Asrr. Poer., li, 18; vm, 276; XVI, 695; TzETZ .• Posrh., 554.
NONN., Dion., VIII, 236; escóI. ad AR., Lys., 139; PAU·
SAN., IX, I, I; GREG. COR., Trop., VII, p. 1313; OION. Melântio: Od., XVII, 216 e S.; XVIII, 321 e S.;
HAL., Rh., IX, II (voI. V., p. 355). 2) APoL. RH., Al)(., XX, 173 e S.; XXII, 135 e S.; 182 e S.; 474 e S.;
Il, 966; JuST .• li, 4, 23-25; 0100. SIC., IV, 16; TZETZ. ATHEN., XII, 549 a; HVG., Fab., 126; TZETZ., ad
ad Lyc., 1329 escóI. ad 11., nt, 189. Lyc ., 776; escól. ad ARISTOPH., PI., 312; ad
Melanipo: 1) PAUSAN .• VII, 22, 8. 2) ApOLLOO., THEOCR., ldy/., V, 150; ov., Her., 1,95.
Bibl., I, 8, 6; m, 6,8; AESCH., Th., 388 e S.; PINO.,
Nem., XI, 47 e s. e escól. ad loc.; escól. ad 11., V, Melanlo: PAUSAN .• VII, I. 9; VIII, 18, 7 escól., ad
126; XVII, 40; TZETZ ad Lyc., 1066; PAUSAN., IX, PLAT., p. 376; HELLAN., fr. \O; HEROO., V, 65; STRAB.,
18, I; STAT., Theb., VIII, 717 e S.; Ov., lbis, 427 e VIII, 359; IX, 393; CONON, Narr., 39; escóI. ad ARIS·
S.; 515 e S.; 3) ApOLLOO., Bib/., I, 8, 6. 4) PLUT., TOPH., Ach., 146; ad Pax, 890; ATHEN., I1I, 96 e s.
MELANTO 298

rido a uma ajuda exterior. Surpreendido,


Xanto voltou-se para ver quem vinha em seu
socorro, e Melànto aproveitou o momento para
:>
o trespassar com um golpe de lança. Tendo as-
- ~E sim assegurado a vitória aos Atenienses,
.ri tornou-se rei. Os Atenienses erigiram um san-
tuário a Dioniso, cuja ajuda tão eficaz fora.
:> Existe uma outra tradição, que conhecemos
através de Ateneu: Melanto, expulso de Pilo,
r-- ~:>
•..
..J o
recebera da Pítia o conselho de se estabelecer
o. no local onde lhe oferecessem uma cabeça e uns
~ -E.", pés para comer. Ao chegar a Elêusis, os sacer-
r;;'" ---------1 x dotes ofereceram-lhe tudo quanto restava da
::;:
vítima do sacrifício que acabavam de celebrar:
o
o. a cabeça e os pés. Melanto compreendeu en-
•..o. tão que o oráculo se cumprira e fixou-se em
-~ o Elêusis.
~ -.5 Melanto é também o epónimo de um demo
ático e o irmão de Codro (v. este nome).

MELANTO. (MtÀcxv9w.) 1. Em uma tradi-
o
o ção, Melanto é o nome de uma filha de Deu-
r~ á:l calião. De Posídon, que a ela se uniu sob a
:;;: "O
forma de um delfim, concebeu o herói epó-
- E:> nimo de Delfos, Delfo. Outras tradições dão
t.U
à filha de Deucalião o nome de Melântia, e não
o
o Melanto, e fazem dela a avó de Delfo e não
-<i sua mãe. Nesse caso, teria concebido, do deus-
o':
o -rio Cefiso, ou de Híamo (v. este nome), uma

r--~
o
- .gc filha chamada Melena, ou Melénis, ou ainda
Celeno, que seria a mãe de Delfo (v. Delfo e
C' ..:
o c quadro 8, p. 116).
I-'~- o 2. Melanto é também a criada que Penélope
'..: acarinhou na infância, mas que tomou o par-
tido dos pretendentes. Foi amante de Eurí-
:>
maco. Como as outras criadas, foi enforcada
r-"E'"o. depois do massacre dos pretendentes. Era irmã
:r do cabreiro Melântio (v. Melântio).
3. Outra Melanto é a mulher de Críaso e mãe
de Forbas e Cleobea (v. quadro 20, p. 240).
•..
"O o
MELAS. (M'ÍjÀcxç.)1. Meias, filho de Héra-
l- oE r-~
:>
eles e de Ônfale, é um duplo de Hegéleo. Tal
como ele, diz-se que introduziu o uso da trom-
t.U
Õ beta de guerra, aquando da expedição dos He-
raclidas contra o Peloponeso, sob o comando
•.• 2 de Témeno (v. Hegéleo).
2. Um outro Meias (MiÀcxç)é filho de Frixo
s ~'" ~
v
'-~
:>
e de Calcíope.
<UJ -e ~ •..•...
l- ~
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•..:» (-
-'~
-
'"
MELEÁGRIDES. (MóÀEcx"(p[oóç.) As Meleá-
grides são jovens mulheres transformadas em
pintadas. Na maior parte dos casos, são con-
~
o.. •.•
g sideradas como irmãs de Meleagro, denomina-
das Gorge, Eurímede, Dejanira, Melanipe.
E
-o
o Choraram tanto a morte do irmão (v. Melea-
g gro) que Ártemis, compadecida, as transfor-
'"
..J mou em aves. A pedido de Dioniso, duas de-
las, Gorge e Dejanira, conservaram a forma

o
c
r-- .§
ü Melanto: I) TZETZ" ad Lyc. , 208; Ov., Met., VI,
120; escól., ad AESCH" eu., 2. 2) Od., XVIII, 321
e S.; XIX, 65; DIUG. LAERT., 11, 8, 4, 79; PAUSAN.,
X, 25, L 3) escól. ad EUR., or., 932.
Meias: EscóL ad 11., XVIII, 219.
Meleágrides: ANT. LIB., Transj., 2; SOPH., ap,
PUN., N. H., XXXVII, 40 e S.; AEL., NA, IV, 42;
V, 27; Ov., Mei., VIII, 532 e 5.; HVG., Fab" 174;
299 MELEAGRO

humana; ou, então, Dioniso devolveu-a às duas mãe, que se lhe lançaram aos pés, das suas ir-
jovens depois da metamorfose. Ártemis trans- mãs em lágrimas, e, finalmente, dos amigos
portou as novas aves para a ilha de Leros. mais queridos. A situação arrastou-se até a ci-
Os mitógrafos aumentaram o número das dade começar a arder e o inimigo se preparar
Meleágrides. Além das quatro já referidas, ci- para lhe pilhar a casa. Sua mulher, Cleópatra
tam, por exemplo, Febe, Eurídice, Menescte, Alcíone, filha de Idas e Marpessa, procurou
Érato, Antíope, Hipodamia. refúgio junto dele, e fez-lhe ver qual seria a
Sobre a origem das Meleágrides, existia ou- sorte dos sitiados se os inimigos conseguissem
tra tradição, de que se conservaram apenas ves- a vitória. Face ao quadro triste que ela lhe apre-
tígios: segundo uma informação de Suídas, pa- sentou, Meleagro comoveu-se finalmente e re-
rece que uma lenda de Leros considerava as vestiu a armadura. Não teve qualquer dificul-
pintadas como companheiras de Iocális, uma dade em virar de novo a situação a seu favor,
divindade local, análoga a Ártemis. Em qual- mas, segundo parece, morreu em combate.
quer dos casos, as pintadas eram criadas, como Mais tarde, esta lenda evoluiu e complicou- -
aves sagradas, em volta do templo de Artemis -se com incidentes dramáticos. A guerra con-
em Leros. tra os Curetes passou para segundo plano e foi
Pensava-se que as lágrimas das Meleágrides, a caçada que se tornou o episódio principal.
como as das Helíades, formavam gotas de âm- Dizia-se que Meleagro era filho, não de Eneu,
bar. mas sim do deus Ares. Quando tinha sete dias,
as Meras apresentaram-se junto de sua mãe,
MELEAGRO. (M&Àto('ypo.;.) Meleagro é o fi- Alteia, e predisseram que a sorte da criança es-
lho de Eneu, rei dos Etólios de Cálidon, e de tava ligada à do tição que ardia na lareira. Se
Alteia, uma irmã de Leda (v. quadro 26, p. 272 o tição se consumisse inteiramente, Meleagro
e quadro 29, p. 298). É o herói do episódio co- morreria. Alteia apressou-se a tirar o tição e
nhecido pelo nome de «Caça de Cálidon». Este a apagá-Io; em seguida, conservou-o num co-
episódio já está na Iliada, onde Fénix, para co- fre cuidadosamente escondido (v. A/teia).
mover Aquiles e o fazer reconsiderar a sua de- Mais tarde, quando cresceu, Meleagro
cisão de não participar no combate, conta a sentiu-se no dever de livrar o país do mons-
triste aventura de Meleagro, que se mostrara truoso javali enviado por Ártemis. Para o con-
igualmente obstinado: o rei de Cálidon, Eneu, seguir, reuniu grande número de heróis, cuja
oferecera depois da colheita u~ sacrifício a to- lista de nomes os mitógrafos conservaram. São:
das as divindades, excepto a Artemis. Então, Drias, filho de Ares, Idas e Linceu, os dois fi-
a deusa enviou contra Cálidon um javali de lhos de Afareu, vindos de Messene; Castor e
prodigioso tamanho que assolou os campos. Pólux, os Dióscuros, de Esparta (que são pri-
Para o vencer, Meleagro, filho do rei, reuniu mos de Meleagro); Teseu, de Atenas; Admeto,
vários caçadores vindos de todas as cidades da de Feras, na Tessália; Anceu e Cefeu, filhos
vizinhança. O animal matou muitos deles, até do Arcádio Licurgo; Jasão, de Iolco; Íficles,
cair sob os golpes do jovem. Mas Artemis, cuja o irmão gémeo de Héracles, vindo de Tebas;
cólera não se acalmara ainda, provocou uma Pirítoo, filho de Ixíon e amigo de Teseu, vindo
disputa entre Etólios e Curetes (pois os caça- de Larissa, na Tessália; Télamon, filho de
dores que haviam participado na caçada per- Éaco, de Salamina; Peleu, seu irmão, vindo de
tenciam a ambos os povos), por causa da pele Ftia, que, durante a caçada, matou o sogro,
e da cabeça do javali. Enquanto Meleagro Eurítion, filho de Actor; Anfiarau, filho de
combateu ao lado dos seus compatriotas Etó- Ecles, vindo de Argos, bem como os filhos de
lios, estes levaram vantagem. Porém, na ba- Téstio, os tios de Meleagro (v. quadro 26,
talha, Meleagro matou os irmãos da mãe, que p. 272). Havia também uma caçadora, Ata-
o amaldiçoou, invocando contra ele a cólera lante, filha de Esqueneu, vinda da Arcádia. Em
dos deuses infernais, com as mais violentas im- casa de Eneu, durante nove dias, todos os ca-
precações. Então, Meleagro, temendo as con- çadores se entregaram a festejos. No décimo
sequências da maldição da mãe, e receando que dia, partiram ao encontro do javali, embora
as Erínias o atingissem se continuasse a com- alguns oferecessem resistência, pois rejeitavam
bater, retirou-se em sua casa e recusou-se a a presença de uma mulher entre eles. Mas Me-
apoiar os seus. Imediatamente a vitória pen- leagro conseguiu convencê-Ios, pois estava
deu para o lado dos Curetes. Os Etólios foram apaixonado por AtaIante, de quem desejava ter
obrigados a recuar para dentro dos muros de um filho, embora fosse casado com Cleópa-
Cálidon, e cercados de pronto. Os Etólios mais tra (v. supra).
idosos vieram então suplicar a Meleagro que Quando o animal se sentiu acossado, matou
voltasse à luta, mas em vão. Ele resistiu suces- Hileu e Anceu, e Peleu atingiu acidentalmente
sivamente aos pedidos dos mais importantes sa- Eurítion com um dardo, matando-o. Foi Ata-
cerdotes da cidade, do seu próprio pai e da lante quem primeiro atingiu o javali, ferindo-

STAT., Theb., IV, 103. e LACT .• ad loc.; SUID. e 31,3: CALL., Dian., 260 e 5.: ANT. LI a. , Transf'., 2;
PHOT., S.U.; Eusr., ad HOI11., X, 544; cf'.. anónimo Asou.oo., Bibl., I, 8, I e S.; LACT., ad STAT., Theb.,
ap. WESTERMANN, p. 345, 12 e S.; ATHEN .• XIV, 655 Il, 481; EUR. e SOPH., tragédias perdidas, cf', NAUCK,
e; STRAU., V, 215. Trag, Gr. Fragm., 2.' ed., p. 219 e 525 e S.; ATHEN.,
lll, 95 d; IV, 172 e; IX, 402 e; SENEC'., Med., 64~ e
Meleagro: 11., IX, 529 e S.; HH;., Fab., 173; er. S.; 779 e s. Cf. 1. TH. KAKRIDIS, MtÀaP'Y"a,
14; BA('('H., Epinic.; V, 93 e S.; OIOD. Stc., IV, 34; Phil., 1935 pp. 1-25; E. HOWAlD, in Rh. Mus.,
48; Ov., Met.; Vlll, 270; PAlISAN., VIll, 45, 6; X, LXXlll,. pp. 402-425.
MELES 300

-o com uma flecha. Em seguida, Anfiarau e Téraro. Recebia culto no templo de Apoio
espetou-lhe outra flecha num olho. Por fim, Isménio, perto de Tebas. Em Tebas, havia uma
Meleagro acabou de o matar com um golpe de fonte com o seu nome.
adaga no flanco e, por isso, teve direito aos des- 2. Havia outra filha de Oceano, chamada
pojos do animal. Imediatamente os deu a Ata- Mélia, que casou com Ínaco, a quem deu três
lante, em preito de homenagem. Mas os filhos filhos: EgiaIeu, Fegeu e Foroneu (v. quadro 19,
de Téstio, tios de Meleagro, ficaram indigna- p. 239).
dos com taI gesto. Diziam que, se Meleagro não
estava interessado nos despojos, estes deviam MELÍADES. (MtÀ(cxotç.) As Méliades, ou
reverter a seu favor, já que, de todos os caça- ninfas dos freixos, nasceram das gotas de san-
dores, eram os parentes mais próximos. Enfu- gue derramadas por Úrano, quando foi muti-
recido, Meleagro matou os tios, e assegurou lado por Crono (v. quadro 14, p. 182). Em me-
assim a posse dos despojos reclamados a Ata- mória do seu nascimento sangrento, a madeira
lante. Indignada com este assassínio, Alteia, das lanças assassinas provém das árvores que
a mãe de Meleagro, atirou imediatamente para habitam, os freixos. Foi igualmente dos frei-
o fogo o tição mágico, e Melagro morreu. Mas, xos que nasceu a raça de bronze, a terceira que
quando caiu em si e se apercebeu do que fizera povoou a Terra, raça aguerrida e cruel.
num momento de cólera, Alteia enforcou-se, MELIBEIA. (MtÀ(~OLCX.) 1. Melibeia é o
o mesmo fazendo Cleópatra, mulher do herói. nome de uma filha de Oceano, que casou com
Contava-se também que Meleagro era invul- Pelasgo, de quem concebeu Licáon (v. quadro
nerável e que tinha sido morto por uma flecha 20, p. 240).
do próprio Apoio. Esta versão liga-se à de Ho- 2. Uma outra Melibeia conta-se entre os fi-
mero. Apoio teria efectivamente combatido ao lhos de Níobe. Com seu irmão Amiclas, esca-
lado dos Curetes e, por isso, teve de matar o pou ao massacre dos Nióbides (v. Níobe), a pe-
campeão dos Etólios. dido de Leto, e refugiou-se em Argos. Arniclas
Entre outras façanhas atribuídas a Meleagro, e ela construíram um templo em honra de Leto.
refere-se uma vitória nos jogos fúnebres cele- Mas como, durante o massacre, Melibeia em-
brados em honra de Pélias; na versão seguida palidecera de terror, tomou o nome de Clóris
por Diodoro, luta ao lado dos Argonautas, na (a Verde), que conservou durante toda a vida.
Cólquida, e mata Eetes. 3. Uma terceira Melibeia é a heroína de uma
Sobre o encontro de Meleagro e Héracles nos história de amor. Tratava-se de uma rapariga
Infernos, V. Héracles e Dejanira. que prometera casamento a um jovem que
MELES. (MÉÀ1}d Meles era um jovem ate- amava e que lhe correspondia, chamado Alé-
niense amado por um estrangeiro chamado Ti- xis. Todavia, os pais prometeram-na a outro
mágoras e que vivia em Atenas. Porém, Me- noivo e, desesperado, Aléxis exilou-se. No dia
. les, correspondia a essa paixão com o desprezo. do casamento, Melibeia lançou-se do telhado
Obrigava-o a suportar-lhe todos os caprichos de sua casa. Queria suicidar-se, mas nada so-
e, por fim, desafiou-o a atirar-se do alto dos freu, e fugiu imediatamente para o porto. Aí,
rochedos da Acrópole. Sem hesitar, Timágo- tomou um barco cujas velas se desfraldaram
ras saltou e matou-se. Desesperado com o que sozinhas e que logo se fez ao largo. O barco
fizera, Meles lançou-se também do alto do ro- levou-a até um local onde encontrou o seu
chedo e Timágoras foi vingado. Erigiu-se um amado, que preparava um banquete com ami-
altar a Ânteros (o Amor Partilhado), para re- gos. Casaram-se e, cheios de reconhecimento
cordar o episódio. Os estrangeiros domicilia- para com os deuses, erigiram em Efeso um san-
dos em Atenas celebravam no local um culto tuário em honra de Artemis, sob os nomes de
que lhes era específico. Autómata e de Epidiaita, porque o barco se pu-
Numa outra versão referida por Suídas, Ti- sera sozinho em marcha (Autómate), e porque
mágoras é o amado e Melito (em vez de Me- ela chegara no momento de se sentar à mesa
les) o amante repelido pelo objecto do seu (significado do nome Epidiaita).
amor. Desesperado, Melito lançou-se do cimo MELIBEU. (MtÀ(~o<oç.) Melibeu é o nome
de um rochedo. Timágoras seguiu-o e suicidou- de um pastor que encontrou o pequeno Edipo
-se sobre o seu corpo. exposto na montanha e o criou (v. Edipo).
MELETE. Ver Meles. MELICERTA. V. Melicertes.
MÉLIA. (MtÀ(cx.) A lenda refere várias he- MELICERTES. (MtÀLXipnjç.) Melicertes é o
roínas de nome Mélia. filho mais novo de Ino, precisamente aquele
1. Uma delas é filha de Oceano e irmã de Is- que ela arrastou consigo ao atirar-se ao mar.
meno. Unindo-se a Apoio, concebeu Isménio Enquanto ela se tornava a deusa Leucótea, Me-

Meles: PAUSAN., I, 30, I; SUIO., S.U. Mo.«oç. Melibeia: 1) ApOLLOD., Bibl., Jll, 8, I; TZETZ., ad
Mélia: 1) PAUSAN., IX, 10, 5; 26, I; escól. ad Lyc., 481. 2) ApOLLOD., Bibl., m, 5, 6; PAUSAN., li,
PIND., Pyth., XI, 5; TZETZ., ad Lyc., 1211; STRAB., 21, 10.3) SERVo ad VIRO., Aen., 1,720.
IX, 413; CALL., Dei., 80. 2) Escól. ad Od., n, 120; Melibeu: SUIO., S.U. O1Il(1touç.
ApOLLOD., Bibl., lI, I, I; escól. ad li., I, 22; ad
Melicertes:; ApOLLOD., Bibl., I, 9, I e s.; m, 4, 3;
EUR., or., 920; 1239; TZETZ. ad Lyc., 177.
Argum., ad PIND., Isth., IV; PAUSAN., I, 44, 7;
Meliades: HES., Theog., 176 e s.; e escól. ao v. 187; EUST., ad Hom., p. 1543, 20 e s.; OV., Met., IV,
Seul.,420; Op., 145; 11.,XVI, 143, escól. ao v. XXII, 506-542; Fast., VI, 485; HVG., Fab., 2; 4; TZETZ., ad
127; cf. PALEPH., Incr., 36; EUST., ad Hom., XIX, 321. Lyc., 21; 107; 229;.escól. ad Od., V, 334; SERV., ad
301 MELO

licertes transformou-se no deus Palémon (v. o assassino do filho. A miséria e várias epide-
Leucótea, quadro 3, p. 66; 34, p. 392). mias abateram-se então sobre Corinto. Ár-
Havia várias versões sobre a morte de Meli- quias, comandando uma delegação, foi inda-
certes e da sua divinização. Ora se contava que gar as causas a um oráculo, que lhe revelou que
seu pai, Átamas, o tinha atirado para dentro os deuses castigavam desse modo a cidade pelo
de um caldeirão com água fervente, donde a assassínio do jovem Actéon. Arquias, para pu-
mãe o retirou antes de se suicidar com ele, ora rificar a cidade da mácula com que a atingira,
se dizia que a própria Ino o metera no caldei- exilou-se voluntariamente e fundou a cidade de
rão, lançando-se em seguida ao mar com o ca- Siracusa.
dáver nos braços. Contava-se ainda que ela fu-
gira com a criança viva e se afogara juntamente MÉLITA. V. Mélite.
com ela. Os Jogos Ístmicos celebravam-se em MÉLITE. (MtÀlnj.) Entre outras heroínas
honra de Palémon-Melicertes. com este nome, tem-se conhecimento de uma
A este respeito, contava-se que, no local ninfa de Corcira, que se uniu a Héracles
onde Ino se lançara à água, entre Mégara e Co- quando o herói aí se encontrava exilado, de-
rinto, o corpo de Melicertes foi trazido por um pois de ter assassinado os filhos. Deu-lhe um
delfim, que o pendurou num pinheiro. Sísifo, filho chamado Hilo (v. este nome).
irmão de Átamas, que ao tempo era rei de Co-
rinto, encontrou o cadáver e enterrou-o. Por MELITEU. (MEÀmúç.) Meliteu é o filho da
ordem de uma Nereide, fez com que lhe pres- ninfa Ótris e de Zeus. Com medo da cólera de
tassem culto sob o nome de Palémon, e insti- Hera, sua mãe abandonou-o nos bosques logo
tuíu os Jogos Ístmicos como jogos fúnebres em que nasceu. Mas Zeus fez com que fosse ali-
sua honra (v. também Palémon). mentado por abelhas e, por intermédio de um
oráculo, ordenou a um pastor, de nome Fagro,
MELISSA. (MtÀ~""cx.) Existiam várias heroí- filho da mesma ninfa e de Apoio, que criasse
nas com o nome de Melissa (a Abelha). a criança que ia encontrar e que viria ser ali-
1. Uma é, por exemplo, a irmã de Amalteia, mentada por abelhas. Fagro obedeceu; reco-
que alimentou o pequeno Zeus, no Ida de Creta lheu o bebé, criou-o, e ele tornou-se um herói
(v. Melisseu). vigoroso, que submeteu os povos em volta e
2. Outra era uma velha sacerdotisa de De- fundou a cidade de Mélita, na Tessália (v. a
méter, que a deusa iniciara nos seus mistérios. continuação da sua lenda no artigo Áspalis).
As vizinhas quiseram fazê-Ia revelar o que vira
durante a sua iniciação; mas Melissa nada MELO. (Mi'jÀoç.) Meio era um jovem de De-
disse, e as outras mulheres despedaçaram-lhe los, que deixou a pátria para ir para a ilha de
o corpo. Deméter então enviou uma peste e fez Chipre, no tempo em que aí reinava o rei Cí-
nascer abelhas do corpo da morta. niras, pai de Adónis (v. este nome). Cíniras deu
Meio como companheiro a Adónis e, porque
MELISSEU. (MtÀ~""tÚç.) 1. Melisseu é um
o jovem lhe parecia dotado de uma bondade
rei de Creta, que reinava na altura em que Zeus
natural, casou-o com uma parente sua, de
nasceu. Tinha duas filhas, Amalteia e Melissa,
nome Pélia. Desse casamento nasceu uma
a quem Reia confiou a missão de criar o pe-
criança a quem deram o nome de Meio, como
queno deus, que havia escondido numa caverna
seu pai. Afrodite, que amava Adónis, mostrou-
do monte Ida. Melisseu foi o primeiro homem
-se benevolente para a criança e tomou-a sob
que ofereceu sacrifícios aos deuses. Fez de sua
a sua protecção, fazendo com que a criassem
filha Melissa a primeira sacerdotiza de Reia.
no templo. Mas Adónis foi ferido pelo foci-
2. Melisseu é também o nome de um dos Cu-
nho de um javali e morreu. Desesperado, Meio,
retes (os génios que rodearam o berço do pe-
o pai, enforcou-se numa árvore, que tomou o
queno Zeus).
nome de «rnélos» (macieira, em grego). Pélia
3. Finalmente, Melisseu é o nome de um rei
enforcou-se na mesma árvore. Afrodite,
de Quersoneso, na Cária, que acolheu Tríopas,
apiedando-se deles, transformou Meio no fruto
filho de Hélio, e o purificou do assassínio de
homónimo (a maçã), e Pélia, sua mulher, em
seu irmão Ténages.
pomba (o seu pássaro sagrado). Quando a
MELISSO. (MEÀ~""OÇ.) Melisso é um argivo deusa viu que Meio, o filho, se tornara um ho-
que fugiu para Corinto por causa da tirania do mem e era o único sobrevivente da raça de Cí-
rei de Argos, Fídon. Melisso tinha uIIl filho, niras, ordenou-lhe que voltasse para Delos. Aí,
Actéon, que um Heraclida de nome Arquias Meio apoderou-se do poder e fundou a cidade
quis raptar à força. Mas Actéon morreu du- de Meios. Foi ele o primeiro que ensinou a tos-
rante o incidente, e Melisso suicidou-se, invo- quiar a lã dos carneiros e a dela fazer roupa.
cando a protecção dos deuses e amaldiçoando Por isso, os carneiros tomaram o nome de

VIRG., Aen., v, 241; PLUT., Qu. Rom., 16; PAUSAN., Melisso: PLUT., Narra. am., li, p. 772; DIOD. SiC.,
1,44,11; escól., ad Arot . RH., Arg., II1, 1320; ad VIII, 10; escól. ad Aroi.. RH., Arg., IV, 1212.
EUR., Med., 1274.
Mélile: Aroi.. RH., Arg., IV, 538; escól. ad v. IV,
Melissa: 1) LACT., Div. Inst., I, 22. 2) SERV., ad
524; 1125; 1149; escól. ad SOPH., Tr., 53; STEPH.
VIRG., Aen., 1,430.
Bvz., s. u. '1"ÀÀ"ç.
Melisseu: 1) Cf. Ch. PiCARD, Mé/. Radet, 1940,
p. 270-284; APOLLOD., Bib/., I, I, 6; LACT., Div. Inst., Meliteu: ANT. LIB., Transj., 13.
I, 22; HYG., Astr., 11, 13; DIOD. SIC., XVII, 7.
2) NONN., Dion., XIII, 145 e s; ele. 3) DIOD. SIC., V, 61. Meio: SERV., ad VIRG., Ecl., VIII, 37.
MELPÓMENE 302

méla» (que é o nome que têm em grego). As- se dividiam em dois grupos, que lutavam en-
sim, com uma única história, explicavam-se tre si, e a luta só terminava quando metade de-
três etimologias. les perecia.
As tradições divergem quanto à pátria de
MELPÓMENE. (MEÀ1tOIlÉVTj.) É uma das
Mémnon. Por vezes, refere-se a Síria, outras
Musas (v. este nome).
vezes a região de Susa e a Bactriana, na Ási,!
MEMBLÍARO. (Mtll~À(OtPOç.) Memblíaro é interior, outras vezes ainda o Egipto ou Tebas.
o nome de um fenício que acompanhou Cadmo Esta última localização levou a dar o nome de
na busca de sua irmã Europa. Cadmo deixou- «colosso de Mérnnon» a uma das estátuas co-
-o na ilha de Tera (que se chamava então Ca- lossais erigidas por Aménotep III e acreditava-
liste, a Muito Bela), dando-lhe a chefia de uma -se que, quando os raios da Aurora tocavam
colónia que aí fundou. A ilha de Ânafe, vizi- essa estátua, ela emitia uma música melodiosa,
nha de Tera, é por vezes referida pelo nome como que saudando a luz de sua mãe (v. tam-
de Memblíaro, que, diz-se, recebeu do herói. bém Têutamo).
MÉMNON. (MÉllvwv.) Mémnon é o filho de MÉNADES. (MOttváotç.) As Ménades (isto
Eos (a Aurora) e de Titono, um dos filhos de é, ás «Mulheres Possuídas») são as Bacantes
Laomedonte e irmão de Príamo (v. quadro 16, divinas, seguidoras de Dioniso. Representam-
p. 202 e 7, p. 112). Aquando da Guerra de -se nuas, ou vestidas com véus ligeiros que mal
Tróia, Mémnon veio socorrer o tio. Criado pe- Ihes dissimulam a nudez; estão coroadas de
las Hespérides, era rei dos Etiópios. hera, trazem na mão um tirso, por vezes um
As suas façanhas, em Tróia, e a sua morte, cântaro, ou então tocam flauta de dois tubos,
eram contadas nas /lias Parua e no poema ou percutem um tamboril, entregando-se a uma
Etiopida. Mémnon lutara com Ájax, mas, tal dança violenta.
como no combate entre este e Heitor, a sorte As Ménades personificam os espíritos orgiás-
do combate não se decidiu. No campo de ba- ticos da Natureza. Na lenda, as primeiras Mé-
talha, defrontou Antíloco, filho de Nestor, nades foram as ninfas que alimentaram o deus
quando este, ameaçado por Mémnon, chamou (v. Dioniso). Possuídas pelo deus, que Ihes ins-
o filho em seu socorro. Morrendo, Antíloco pira uma loucura mística, erram pelos campos,
salvou a vida de Nestor. Mas Aquiles acorreu bebendo das nascentes e julgando que delas re-
a vingar a morte do amigo (v. Antiloco). cebem leite e mel. São os seus jogos que as Ba-
O combate trava-se entre Mémnon e Aquiles, cantes humanas, as mulheres que se entregam
o filho da Aurora e o filho de Tétis. As duas ao culto de Dioniso, imitam. Têm poder so-
deusas, preocupadas com a sorte dos respecti- bre as feras: por vezes, vêem-se levadas por
vos filhos, dirigiram-se rapidamente a Zeus. panteras, com pequenos lobos nos braços, etc.
O deus pesa então os destinos dos dois heróis, As Ménades intervêm em um determinado
e é o de Mémnon que pesa mais na balança di- número de lendas: as de Licurgo, de Orfeu, de
vina (v. também uma «pesagem de almas» se- Penteu, das Miníades, etc. (v. estes artigos).
melhante no artigo Heitor). Aquiles não tar-
MÉNALO. (MOt(v.xÀoç.) Ménalo, o herói epó-
dou a obter a vitória, mas Aurora conseguiu
nimo da montanha da Arcádia com o mesmo
de Zeus a imortalidade de seu filho, e voou
nome e da cidade de Ménalo, é o filho mais
para lhe recolher o cadáver e o transportar para
velho de Licáon (v. Licáon). Segundo a tradi-
a Etiópia. As lágrimas que Aurora chorou são
ção, foi ele quem aconselhou seu pai a ofere-
as gotas de orvalho que se vêem de manhã nos
cer a Zeus os membros de uma criança prepa-
campos.
rados como carne vulgar, para pôr o deus à
Outra tradição situa o túmulo de Mémnon
prova. Foi fulminado juntamente com o pai.
na foz do rio Esopo, nas margens do Heles-
Outra tradição referia Ménalo não como fi-
ponto. Aí se reuniam todos os anos pássaros
lho de Licáon, mas de Árcade, rei da Arcádia,
que choravam a morte do herói: esses pássa-
e irmão de Atalante (v. este nome).
ros, denominados memnónídes, eram conside-
rados como companheiros de Mémnon, trans- MENECEU. (MtVOLXtÚç.) 1. Um primeiro
formados após a sua morte, ou mesmo como herói com este nome é, pelo lado de seu pai,
as suas cinzas, que desse modo haviam ganho Óclaso, neto de Penteu. É o pai de Creonte e
a imortalidade. Todos os anos esses pássaros de Jocasta (v. Édipo e quadro 9, p. 128).

Memblíaro: HEROO., IV, 147; PAUSAN., I1I, 1,7; NH, X, 74; XXXVI, 58; MOSCH., 41 e S.; DION.,
eseól. ad PINO., Pyth., IV, 88; STEPH. Bvz., S.U. CHRYS., XI, 117.
M.iJ.~À(lXpoç e AV<Íq>1). Ménades: EUR., Ba., passim; SOPH., Ant., 1150;
Mémnon: Od., IV, 187 e S.; XI, 522; HES., ATHEN., V. p. 198; DIOO. SIC., 11,64; IV, 3;- NONN.,
Theog., 984 e S.; Ep. Gr. Fragm. ed. KINKEl, p. 33 Dion., passim; ete.
e S.; AlcID., fr. 68; PINO., O/ymp., lI, 38; P., VI, Ménalo: ApOlLOO., Bib/., I1I, 8, I; PAUSAN., VIII,
28 e S.; Isth., V, 41; VIII, 58 e s.: Nem., I1I, 62 e S.; 3, I; eseól. ad Ar-oi.. RH., Arg., I, 168; 769; ad
VI, 48 e S.; Arcu.oo., Bib/., I1I, 13, 3; Ep., V, 3; THEOC., Id., I, 129; TZETZ. ad Lyc., 481.
QUINT. SM., Posth., lI, 100 e S.; 235 e S.; 452 e S.; Meneceu: 1) Escól. ad EUR., Phoen., 942; SOPH.,
652 e S.; TZETZ., Posth., 234; DIET. CR., IV, 6; PAU· Ant., 156; 211; 1098; Arou.oo., Bibl., I1I, 6, 8;
SAN., I1I, 18, 12; V, 19, I; eseól. ad n., VIII, 70; DIOO. SIC., IV, 67. 2) EUR., Phoen., 769; 911 e S.;
Lxcr., Arg. Fab., XIII, 3; Ov., Met., XIII; 576 e S.; 1090 e S.; PAUSAN., IX, 25, I; Asoi.i.oo., Bibl., 111,
SERVo ad VIRO., Aen., I, 489; 751; STRAB., XV, 728; 6,7; PLUT., Pelop; 21; OC., Tusc., I, 48, 116; Juv.,
PlUT., De aud. poet., XVII a (citando uma tragédia Sat., XIV, 240; STAT., Theb., X, 774 e s.; cf'. WES·
perdida de Ésquilo intitulada Mémnon); SOPH., tra- TERMANN, Myth., p. 377,48; eseól. ad EUR., Phoen.,
gédia perdida Mémnon; TAC., Ann., lI, 61; PLIN., 1010; LUCIAN., Salt., 43.
303 MENELAU

2. Outro Meneceu, mais célebre que o an- MENELAU. (MóvÉÀaoç.) Menelau é o irmão
terior, é o seu neto e filho de Creonte. Aquan- de Agamémnon e marido de Helena. Na ver-
do da expedição dos Sete Chefes contra Tebas, são mais corrente (a que é seguida na /líada),
Tirésias anunciou que a vitória só caberia a Te- Menelau é filho de Atreu, rei de Micenas, e per-
bas se Meneceu, filho do rei, fosse sacrificado. tence à raça de Pélops (v. quadro 2, p. 12). Sua
Creonte, dividido entre o amor paternal e o de- mãe é a Cretense Aérope (v. este nome), filha
ver para com a pátria, aconselhou o filho a fu- de Catreu, levada por Náuplio para Micenas,
gir, sem lhe revelar o motivo desse conselho. quando o pai a expulsou porque se entregara
Mas Meneceu descobriu por que razão o pai a um escravo.
queria afastá-Io, e ofereceu-se espontanea- Uma tradição mais recente não fazia de
mente para o sacrifício. Essa é, pelo menos, Atreu pai de Agamémnon e Menelau, mas sim
a versão «trágica», tal como surge em As Fe- Plístenes, filho de Atreu (v. Atreu e Plístenes).
nicias de Eurípides. Noutras tradições, Mene- Porém, mesmo os autores que referem Plíste-
ceu foi devorado pela Esfinge, ou então o pró- nes como seu pai concordam em dizer que este
prio Creonte o sacrificou. Foi perto do seu morreu jovem e que Menelau e o irmão foram
túmulo que Etéoeles e Polinices se defronta- criados por Atreu.
ram no duelo fatal. Sobre o túmulo de Mene- Na juventude, Agamémnon e Menelau fo-
ceu nasceu uma romãzeira, cujos frutos têm ram mandados por Atreu em busca de Tiestes.
a cor do sangue. Encontraram-no em Delfos e trouxeram-no
para Micenas. Atreu encarcerou-o e quis fa-
MENÉCIO. (Mó\lO(~toç.) 1. Existia um gigante zer com que Egisto o matasse; mas este reco-
de nome Menécio, filho de Jápeto e da Oceã- nheceu a tempo o pai, e foi Atreu quem ele
nide Clímene e que era, por isso, irmão de Atlas, matou (v. Egisto). Então, Agamémnon e Me-
Prometeu e Epimeteu (quadro 38, p. 452). Por nelau tiveram de deixar Micenas, expulsos
causa do seu orgulho e da sua brutalidade, foi por Egisto, e refugiaram-se em Esparta, junto
fulminado por Zeus e afundado no Tártaro. de Tíndaro. Aí, casaram com as duas filhas de
Em outra tradição, este Menécio não era fi- Tíndaro: Agamémnon com Clitemnestra, e
lho de Clímene, mas de Ásia. Menelau com Helena. Sobre as condições em
2. O herói mais conhecido com o nome de que se realizou este último casamento, v. He-
Menécio é o pai de Pátroelo. É filho de Actor lena. Menelau foi escolhido entre os pretenden-
e de Egina (v. estes dois nomes e quadro 31, tes, ou por Tíndaro, ou pela própria Helena.
p. 352). Egina casou com Actor depois de ter Todos os pretendentes se comprometeram sob
dado a Zeus seu filho Éaco, antepassado de juramento a socorrer aquele que fosse esco-
Aquiles, o que estabelece um parentesco entre lhido de entre eles, se alguém lhes disputasse
Pátroelo e o seu amigo Aquiles. a posse de Helena. Finalmente, depois da
Menécio vivia em Opunte, e enviara seu fi- morte dos Dióscoros, Tíndaro legou o seu reino
lho para junto de Peleu quando Pátroelo, du- a Menelau. É essa a razão pela qual, no mo-
rante um jogo de dados, matou acidentalmente mento em que começa a Guerra de Tróia, Me-
um dos seus camaradas, de nome Clitónimo. nelau era rei de Esparta, onde Páris foi raptar
A mãe de Pátroelo e mulher de Menécio é Helena,
Esténele, filha de Acasto. Por vezes, não é Es- Do casamento de Helena e Menelau nasce-
téncle quem é referida como sua mãe, mas Pe- ram Hermíone (que a /líada e a Odisseia refe-
riópis, filha de Feres, ou ainda Polimele, filha rem como filha única) e um filho, Nicóstrato
de Pe1eu (o que tornava Aquiles e Pátroelo pri- (v. quadro 15, p. 200). Os autores tardios re-
mos direitos). ferem ainda outros filhos: Etiolau, Trónio,
Menécio figura na lista dos Argonautas, mas Morráfio, Plístenes, o Jovem, e uma filha, Mé-
não desempenha qualquer papel na lenda. Con- lite. De todos estes filhos, Nicóstrato e Etio-
ta-se também que, em Opunte, foi ele o pri- lau recebiam culto em Lacedémon na época
meiro a prestar honras divinas a Héraeles. histórica. Durante a ausência de Helena, Me-
Dizia-se ainda que uma filha de Menécio, nelau teve um filho, Megapentes (v. este
chamada Mirto, deu a Héraeles uma filha, Eu- nome), de uma escrava, a quem deu esse nome
eleia, que era venerada Qe10sBeócios e pelos devido ao seu «grande desgosto» por ter sido
Locros sob o nome de Artemis Euc1eia. abandonado pela mulher. Finalmente, de uma

Menécio: 1) HES., Theog., 510; ApOLLOO., Bibl., e S.; SOPH., Aj., 1295; EUR., Or., 16; Hei., passim;
1,2,3.2) li., 1,307, etc.; XI, 765; XII, I; e eseól.; ApOLLOO., Bibl., lII, 10, 8 e S.; li, 2; Ep., li, 15 e
XVI, 13 e S.; e eseól. ad loc.; XVlII, 326; XXlII, 84 S.; V, 21 e S.; VI, 29; eseól. ad 11., I, 7; li, 249; lII,
e S.; e eseól. ad 86 e 87; Ov., Fasi., li, 39; PINO., 175; IX, 150; ad Od., IV, lI; 12; lII, 267; HVG.,
Olymp., IX, 67 e s. e eseól. ad v. 104; 109; ApOL· Fab., 78; 88; 95; 97; 108; TZETZ. ad Lyc., 103; 132;
LOO., Bibl., I, 9, 4; lII, 13, I; 8; HVG., Fab., 97; 136; 149; 202; 851; Anteh., 154 e S.; Posth., 729 SS.;
Aeoi.. RH., Arg., I, 69 e S.; eseól. ad v. 72; VAL. argum., ad THEOCR., li., XVlII e eseól. ad v. 51; es-
FLAC., Arg., I, 407; VI, 343; Dron. SIC., IV, 39; eól. ad SOPH., EI., 539; VIRG., Aen., VI, 494 e S.;
PLUT., Arisl., 20; PAUSAN., IX, 17, I. SERVo ad VIRG., Aen., 1,651; ATHEN., VI, 232 e S.;
EUR., Tr., 864 e S.; PAUSAN., I, 33, 8; li, 13,3; 17,
Menelau: li., li, 581 e S.; ll l, 21-120; 203 e S.; 310- 3; 18,6; 22, 6; lII, 1,5; 12,6; 14,6; 18, 13; 16; 19,
-382; IV, 7 e S.; 93-187; V, 49 e S.; 561-579; VI, 37- 9; 22, 2; 10, IV, 1,4; V, 8, 3; 18,3; 22, 2; VI, 25,
-65; VII, 94-122; X, 25 e S.; XI, 459 e s.; Xlii, 581 3; VII, 21, 8; VIII, 23, 4; 53, 5; X, 16,4; 25, 2 e S.;
es.; XIV, 516-519; XV, 540-545; XVI, 311 es.; XVII, 26,3; 7; 8; 33, 2; OV., Mel., Xlii, 198 e S.; QUINT.
1-60; 89-122; 246-255; 553-581; 656-699; 700 e S.; SM., XIII, 293; DICT. CR., I, 4; 6-11; 11,20; 26; HE·
XXlII, 262-652; Od., lII, 286 e S.; IV, 271 e S.; 351 ROO., li, 112-120; eseól ad ARISTOPH., V., 714.
MENELAU 304

escrava chamada Cnóssia (sem dúvida uma cre- Ténedo, Menelau e Ulisses deslocaram-se como
tense, cujo nome evocá a cidade de origem, embaixadores a Tróia, para reclamar Helena
Cnosso), teve um outro filho, Xenodamo. Al- e os tesouros levados por Páris, e tentar resol-
guns autores não consideram Nicóstrato filho ver pacificamente o diferendo. Aí, foram re-
de Helena, mas um bastardo, como Megapen- cebidos por Antenor, que os conduziu à As-
tes e Xenodamo. É provavelmente a esta tra- sembleia do povo de Tróia. Mas Páris e os seus
dição que se liga a lenda do banimento de He- companheiros fizeram com que qualquer hipó-
lena por Nicóstrato e Megapentes depois da tese de entendimento fosse rejeitado; Antí-
morte de Menelau (v. Megapentes e Helena). maco, um dos amigos de Páris, por ele subor-
Durante vários anos (pelo menos nove, ou nado, provocou mesmo o povo para que
mesmo mais, já que, segundo se diz, Herrníone matasse MeneIau. No entanto, Antenor con-
tinha nove anos quando Helena foi raptada), seguiu salvá-Io e fazê-lo sair da cidade. Toda-
Menelau e Helena viveram tranquilamente em via, a partir de então, a guerra era inevitável.
Esparta, entre as riquezas de uma corte hos- Logo no começo da Iliada, tem lugar um
pitaleira. Esta felicidade foi destruída pela che- duelo entre Páris e Menelau. Este fere o seu
gada de Páris, durante a ausência de Menelau inimigo e Afrodite, para salvar Páris, cobre-o
em Creta, para assistir aos funerais de seu avô com uma nuvem e leva-o para junto de si. Aga-
Catreu (v. Catreu). Uma tradição fazia com mémnon faz ver aos Troianos, espectadores do
que o próprio Menelau tivesse atraído a des- combate, que a vitória pertence, sem sombra
graça sobre a sua casa. De facto, uma epide- de dúvidas, a seu irmão, e pede-lhes que cum-
mia e a esterilidade da terra haviam atingido pram as condições estabelecidas antes do duelo,
Esparta; a conselho do oráculo, Menelau foi segundo as quais Helena pertenceria ao ven-
a Tróia oferecer um sacrifício sobre o túmulo cedor. Mas, como os Troianos hesitavam, Pân-
dos dois filhos de Prometeu, Lico e Quimereu daro lançou uma flecha contra Menelau e feriu-
(v. Lico). Aí, foi hóspede de Páris. Mais tarde, -o ligeiramente. Entâo, a luta generaliza-se.
por causa de um homicídio involuntário, Pá- Pouco depois, Menelau matou Escamândrio e
ris teve de deixar Tróia e procurar refúgio na defrontou Eneias, embora sem resultado.
corte de Menelau, que o purificou e lhe retri- À noite, Heitor desafia para o combate qual-
buiu a hospitalidade. E foi durante a ausência quer um dos Gregos. Menelau avança e vai
do rei que Páris fugiu com Helena. Sobre ou- aceitar, quando é impedido por Agamémnon
tras versôes deste rapto, v. Helena. e pelos outros chefes.
Menelau foi avisado por Íris da sua desgraça, Durante o combate junto dos barcos, Me-
e apressou-se a deixar Creta e a voltar a Es- nelau fere Heleno e mata Pisandro, Hiperenor,
parta. Seguidamente, convocou todos os che- Dólops e, finalmente, Toas. Após a morte de
fes que tinham feito o juramento de Tíndaro. Pátroclo, Menelau é o primeiro a vir comba-
Pediu a ajuda do irmão, de Nestor, de Pala- ter pela posse do seu cadáver. Mata então Eu-
medes, de Ulisses (v. Ulisses, sobre as condi- forbo e Podes. É ele quem manda Antíloco dar
ções em que ele concedeu essa ajuda). Foram a Aquiles a notícia da morte do seu amigo, e
procurar Aquiles, que Diomedes e Ulisses des- leva o cadáver de Pátrocio para longe do
cobriram no harém do rei Licomedes, em Siro campo de batalha. Depois, quase não volta a
(v. Licomedes). Em seguida, Menelau e Ulis- intervir nos últimos cantos da Iliada, em que
ses foram a Delfos interrogar o oráculo sobre só participa nos jogos fúnebres em honra de
a oportunidade de empreenderem uma expe- Pátroclo, ao disputar a corrida de carros.
dição contra Tróia, O oráculo ordenou-Ihes Nos acontecimentos posteriores à Iltada,
que oferecessem primeiramente a Atena Pro- volta a encontrar-se Menelau. Quando Páris
neia um colar que Afrodite dera a Helena; en- foi morto por uma flecha de Filoctetes, Me-
tão, Hera tomou o partido de Menelau e não nelau ultrajou o cadáver. Por fim, figura en-
se poupou a esforços para reunir todos os gre- tre os guerreiros que se esconderam dentro do
gos contra Páris, seu inimigo pessoal. cavalo de madeira. Quando a cidade foi to-
Menelau participou na expedição com ses- mada, Menelau precipitou-se para a casa de
senta navios. No entanto, não foi ele quem ob- Deífobo, onde sabia que Helena se encontrava
teve o comando supremo. Essa honra coube (de facto, após a morte de Páris, ela casara com
ao irmão (sobre as condições em que Agamém- Deífobo - v. Deifobo e Helena). Aí, teve
non foi escolhido pelos Gregos reunidos em ainda de enfrentar um violento combate, mas
Áulis, v. Agamémnon). Menelau era tímido, acabou por matar Deífobo e entrar dentro de
menos dado a honrarias que Agamémnon; em- casa. Sobre o encontro de Menelau e Helena
bora fosse um guerreiro valente e capaz de re- existem várias versões. Segundo Virgílio, por
sistir às mais duras provas, ficava sempre em exemplo, foi a própria Helena quem chamou
segundo plano. Era também menos violento Menelau e Ulisses para dentro de casa; escon-
que muitos dos heróis que se aliaram contra deu todas as armas, abriu a porta e, desse
Tróia e os inimigos troçavam frequentemente modo, garantiu a vitória ao primeiro marido.
dele, censurando-lhe que levasse a brandura até Mas também se dizia que, depois de ter morto
à moleza. Essa bonomia de Menelau está pa- Deífobo, Menelau entrou precipitadamente
tente no perdão que acaba por conceder a He- dentro de casa, agarrou Helena pelos cabelos
lena, depois de a ter querido matar (v. infra); e arrastou-a como prisioneira para os barcos.
o amor que lhe tinha foi mais forte e ele não Ulisses, porém, interpõs-se e Helena foi salva.
pôde resistir quando a viu, quando a encon- Uma versão ainda mais dramática dizia que
trou depois de tantos anos de ausência. Helena se refugiara junto do altar doméstico
Assim que os Gregos desembarcaram, ou, e que Menelau avançou contra ela brandindo
segundo outras versões, aquando da escala em a espada. Todavia, ao ver-lhe o seio, desco-
305 MÊNFIS

berto entre a desordem do vestuário, de novo os Campos Elísios, sem ter niorrido, honra que
foi tomado pelo amor e fez as pazes com a mu- Zeus lhe concedeu por ter sido seu genro.
lher (v. Helena). Uma lenda tardia e completamente inven-
Depois da vitória, Menelau apressou-se a re- tada contava que Menelau e Helena tinham ido
gressar à pátria, enquanto o irmão permane- procurar Orestes a Táurica, onde foram sacri-
cia em Tróia, para oferecer um sacrifício a ficados por lfigénia no altar de Ártemis.
Atena, de quem temia a cólera, por causa do No tempo de Pausânias, mostrava-se ainda,
episódio de Cassandra (v. este nome). Mene- em Esparta, a casa onde outrora vivera Mene-
lau dirigiu-se a Ténedo, depois a Lesbos; em lau. Prestava-se-lhe culto como a um deus. Os
seguida, atravessou o mar até Eubeia, e nave- homens vinham pedir-lhe vigor na guerra, en-
gou em direcção ao cabo Súnio. Morreu en- quanto as mulheres se dirigiam a Helena para
tão o seu piloto, Frôntis, e Menelau voltou obter beleza e graça.
atrás para lhe realizar os funerais, enquanto MENESTEU. (MEvEa9Eúç.) Menesteu per-
Nestor e Diomedes, que o haviam acompa-
tence à família dos Erectidas. De facto, seu pai,
nhado, seguiam viagem. Quando Menelau re-
Péteo, é neto do rei Erecteu. Estava exilado
tomou o mar e chegou junto do cabo Maleia,
aquando da expedição dos Dióscoros contra a
foi surpreendido por uma tempestade que o ar-
Atica, enquanto Teseu se encontrava nos In-
rastou para Creta, onde a maior parte dos bar-
fernos com Pirítoo (v. Teseu). Os Dióscoros
cos encalhou. Ele continuou o seu caminho até
trouxeram-no de volta e deram-lhe o trono de
ao Egipto onde, segundo reza a Odisseia, fi-
Atenas. Depois do regresso de Teseu, Menes-
cou cinco anos e conquistou grandes riquezas.
teu retirou-se para Siro.
Ao deixar o Egipto, Menelau ficou retido na
Havia ainda outras tradições: o «Catálogo
ilha de Faros, na foz do Nilo, por uma calma-
das Naus», na I1íada, dá-o como chefe do con-
ria que o impediu de prosseguir viagem e du-
tingente ateniense. Contava-se entre os guer-
rou vinte dias. Passado esse lapso de tempo, a reiros que se esconderam no cavalo de madeira.
fome começou a tornar-se uma ameaça. Então, Depois da queda de Tróia, foi para Meio, onde
a divindade marinha Idótea (v. este nome), fi-
foi rei, após a morte do rei Polianacte. Atribui-
lha do deus marinho Proteu, apareceu-lhe e
-se-lhe também a fundação de Cilécio, entre
aconselhou-o a ir consultar seu pai sobre a ma-
Crotona e Caulónia, na costa do Brútio. Na
neira de voltar a Esparta. Proteu ordenou-lhe
costa da Bética, perto de Gades, Estrabão cita
que voltasse ao Egipto e aí oferecesse sacrifí-
igualmente um «Porto de Menesteu»,
cios aos deuses. Menelau fez o que Proteu lhe
disse e regressou finalmente a Esparta, com He- MENÉSTIO. (MEVÉa9l0Ç.) Menéstio é um dos
lena, oito anos depois de ter deixado Tróia e, chefes que, em Tróia, combatiam sob as or-
por isso, dezoito anos após o início da guerra. dens directas de Aquiles, de quem era sobri-
Outra versão dizia que, no Egipto, Menelau nho, pois era filho de Polidora, filha de Pe-
reencontrou a verdadeira Helena, guardada por leu, e do deus-rio Esperquio. Outra tradição
Proteu (que, neste caso, é um rei e não uma referia Polidora não como filha de Peleu mas
divindade marinha), desde a altura em que ela como sua mulher; neste caso, Peleu era o pai
abandonara o país na companhia de Páris (v. «humano» de Menéstio, enquanto seu pai «di-
Helena). Páris levara para Tróia apenas um vino» era Esperquio. Em outra versão, o pai
fantasma, uma Helena feita de nuvens e, por humano de Menéstio era Boro, um filho de Pe-
isso, Helena não era culpada. Toda a Guerra rieres.
de Tróia se travara, tanto sangue fora derra- MENETES. (MEVO(~'I}Ç.) Menetes é o nome
mado, apenas pela posse de uma nuvem. Mas
de um certo número de heróis da epopeia
Zeus quisera esta guerra para exaltar a raça dos
troiana, e também o do pastor encarregado de
semideuses, os heróis nascidos de deuses e ho- guardar os rebanhos de Hades na ilha de Eri-
mens, ou de deuses e mortais: Helena, sua pró- tia (v. Gérion). Foi ele quem anunciou a Gé-
pria filha; Páris, que também pertencia à sua
rion o roubo de que Hérac1es estava prestes a
raça; Aquiles, filho de Tétis, etc. Esta versão
tornar-se culpado (v. Hérac/es).
parece provir de Estesícoro. Foi retomada, com Este mesmo pastor encontrou Hérac1es, uma
algumas modificações, por Eurípides, na sua
segunda vez, quando o herói desceu aos Infer-
tragédia Helena, onde é Hera quem engana Pá- nos para trazer o cão Cérbero. Tentou impe-
ris ao dar-lhe uma falsa Helena. A verdadeira dir Hérac1es de lhe roubar um boi, mas não o
Helena é raptada por Hermes, a mando de conseguiu; no incidente, ficou com as coste-
Zeus, e levada para o Egipto, para junto de
Ias partidas, e teria tido uma sorte ainda mais
Proteu, que fica encarregado de a guardar. terrível se Perséfone não tivesse intervindo e
Quando Menelau chegou ao Egipto, levando
pedido a Hérac1es que o deixasse ir-se embora.
consigo a falsa Helena, esta desvaneceu-se nos
ares e ele reencontrou a sua verdadeira mulher. MÊNFIS. (MÉ[.t'llLÇ.) Mênfis é a filha de Nilo,
No fim da vida, depois de longos anos pas- o deus do rio homónimo. Casada com Epafo,
sados junto de Helena, Menelau foi levado para deu-lhe uma filha, Líbia (v. este nome e qua-

Menesteu: II., lI, 546 e 5.; IV, 327 e 5.; XII, 331 e 5.; Menéstio: II., XVI, 173 e escól. ad loe; ApOLLOD.,
XIII, 690; TZETZ., Posth., 88; ad Lye., 911; DIOD. SIC., Bibl., m, 13, 4.
1,28; HYG., Fab., 97; PAUSAN., I, I, 2; 3, 3; 17, 5 e S.; Menetes: ApOLLOD., Bibl., lI, 5, 10 e 12.
23, 8; lI, 25, 6; III, 18, 5; PWT., Thes., 32 e S.; STRAB.,
III, 140; VI, 261; Dicr. CR., VI, 2 e s.; APoLI.OD., Bibl., Mênfis: ApOLLOD., Bibl., lI, I, 4; TZETZ., ad Lyc.,
m, 10, 8; Ep., I, 24; m, 11; VI, 15 b. 894.
MENTE 306

dro 3, p. 66). É, portanto, antepassada da fa- do suicídio de Erígone, ficou sobre a sua se-
mília de Cadmo. A cidade de Mênfis recebeu pultura e morreu de desespero, ou então
esse nome em sua honra. suicidou-se, atirando-se à nascente Onigro.
MENTE. (Miv9rJ.) Mente era uma ninfa dos Dioniso transformou este cão fiel numa cons-
Infernos, amada por Hades. Por ciúmes, Per- telação: o Cão. Por vezes, dizia-se que esta
séfone maltratou-a, e o deus transformou-a Mera fora um cão de Oríon (v. Oríon).
numa planta, a menta. Esta transformação teve MERAS. (Motpoi.) As Meras são a personi-
lugar no monte Trifilo, na Bitínia. ficação do destino de cada ser humano, do qui-
MENTOR. (Miy",wp.) Mentor é o filho de nhão que lhe cabe neste mundo. Na origem,
um habitante de Itaca denominado Alcimo. cada um tem a sua «mera», o que significa a
Era um amigo fiel de Ulisses e este, ao partir sua parte (de vida, de felicidade, de desgraça,
para Tróia, confiou-lhe a missão de velar pe- etc.) Depois, essa abstracção tornou-se rapi-
los seus interesses. Assim, ele fala a favor de damente uma divindade e tendeu a assemelhar-
Ulisses na assembleia. São os traços de Men- -se à Cere, sem nunca se tornar, todavia, um
tor, velho amigo da casa, que a deusa Atena génio violento e sanguinário (v. Ceres). Impes-
assume diversas vezes, nomeadamente quando soal, a Mera é tão inflexível como o destino:
acompanha Telémaco, quando socorre Ulisses encarna uma lei que os próprios deuses não po-
durante o combate contra os pretendentes, etc. dem transgredir sem pôr em perigo a ordem
MÉON. (MIX(wv.) 1. Méon é um tebano, fi- do mundo. E a Mera que impede esta ou
lho de Hémon, que combateu contra os Sete aquela divindade de levar ajuda a determinado
Chefes. Comandava, com Licofantes, a em- herói, no campo de batalha, quando a sua
boscada desastrosa preparada contra Tideu (v. «hora» chegou.
este nome). De todo o grupo que participou na A pouco e pouco, parece ter-se desenvolvido
emboscada, apenas Méon não foi morto. Ti- a ideia de uma Mera universal que dominava
deu poupou-o. Quando este morreu, diante de o destino de todos os seres humanos e, sobre-
Tebas, Méon enterrou-o. tudo depois das epopeias homéricas, de três
Uma tradição representada por Eunpides dá Meras, as três irmãs, Átropo, Cloto e Láque-
Méon como filho de Hémon e de Antígona (v. sis, que, para cada um dos mortais, regulavam
Antígona). Geralmente, Hémon é apenas seu a duração da vida desde o nascimento até à
noivo, mas, por vezes, admite-se que o casa- morte, com a ajuda de um fio que a primeira
mento se realizou. fiava, a segunda enrolava e a terceira cortava,
2. Um outro Méon é o epónimo da família quando a vida correspondente acabava. Estas
à qual pertence Homero, frequentemente de- três fiandeiras são filhas de Zeus e Témis, e ir-
signado, em poesia, pelo epíteto de Meánida. mãs das Horas (v. este nome). Segundo outra
As suas relações com o poeta variam consoante genealogia, eram filhas da Noite, como as Ce-
os autores: por vezes é seu pai, casado com Cri- res; por isso, pertencem à primeira geração di-
teis, e irmão de Dio, pai de Hesíodo. Outras vina, a das forças elementares do mundo. Por
vezes, não é o marido, mas o tutor de Criteis; vezes, tendem a formar grupo com Ilitia que,
ou, ainda, é o pai adoptivo do poeta, que se- como elas, é uma divindade do nascimento.
ria filho de um demónio (v. Cri/eis). Encontram-se igualmente referidas juntamente
com Tique (o Destino, a Fortuna), que encarna
MERA. (MIXIplX.) 1. Mera é o nome da mãe uma noção análoga.
de Locro (v. este nome). As Meras não têm lenda propriamente dita.
2. É também o nome de uma heroína arcá- Não são mais que a simbolização de uma con-
dia, filha de Atlas e mulher do rei Tegeates, cepção do mundo semifilosófica, semi-religiosa
um dos filhos de Licáon, epónimo da cidade (v. também Parcas).
de Tégea. Tinha o seu túmulo, tal como o ma-
rido, na ágora da cidade. Mera, mulher de Te- * MERCÚRIO. (Mercurius.) Mercúrio, o
geates, era mãe de Límon e Escefro, bem como deus romano Mercurius, identifica-se com o
de Cídon, Arquedio e Gortis (v. Límon). Hermes grego. Como Hermes, protege os co-
3. Por último, Mera é o nome do cão (ou merciantes (de resto, no seu nome encontra-
cadela) do herói Icário, o introdutor da vinha -se a raiz do vocábulo merx, que significa
na Ática, que foi despedaçado pelos campo- «rnercadoria») e os viajantes. Depois da sua
neses que se embriagaram (v. Icário e Erígone). helenização, é representado como o mensageiro
Mera, com os seus latidos, conduziu Erígone, de Júpiter e mesmo, prazenteiramente, como
a filha de Icário, ao túmulo de seu pai; depois seu servidor nas aventuras amorosas (por

Menle: STRAB., VIII, 344; PHOT., s.u. M(ve",; Ov., Mera: Ü V. Lacro. 2) PAUSAN., VIII, 48, 6; 53, 2
Mel., X, 729. e 5. 3) ApOLLOO., Bibl., I1I, 14,7; HYG., Fab., 130;
Aslr. Poet., lI, 4; Ov., Fasl., IV, 939 e 5.
Menlor: Od., lI, 225 e 5.; I1I, 22 e 5.; 240 e 5.; Meras: 11., IV, 517; V, 83; 613; XII, 116; XVI,
XXII, 235; XXIV, 450 e 5. 433 e 5.; 849 e S.; XIX, 87; XX, 128; XXIV, 132;
209; Od.,I1I, 269; XI, 292; HES., Th., 217; 901 e
Méon: 1) 11., IV, 394; ApOLLOD., Bibl., I1I, 6, 5; S.; Hymn. orph., 59; 43, 7; cf. STOB., EeI., I, 5,
STAT., Theb., n, 693; PAUSAN., IX, 18,2; EUR., tra- 12; PI., O., X, 52; P., IV, 145; AESCH., Eu., 956 e
gédia perdida Antigona (NAUCK, p. 322); HYG., S.; Pr., 511 e s.; EUR., Ale., 12; 52; ARISTOPH.,
Fab., 72; 0100. SIC., IV, 65. 2) V. art. Cri/eis; cf. Av., 1734 e S.; Ra., 453. Cf. E. LEITZKE, Moira
ainda MÜLLER, Fragm. Hist. gr., I, 46 e 277; Surn., und Gõttheit im alten Grieeh. Epos., Diss., Gôttin-
s. u. "OiJ.'lPo~. gen, 1930.
307 MÉROPE

exemplo no Anfitrião, de Plauto, peça em que Medeia em Corinto, juntamente com seu irmão
não se distingue de Hermes). Feres, para castigar Jasão da sua infidelidade
Como seria de esperar, o primeiro templo (v. Jasão e Medeia) (v. quadro 23, p. 258).
de Mercúrio em Roma foi construído no vale Em outra tradição, Mérmero e Feres foram
do Circo Máximo, nas encostas do Aventino, lapidados pelos habitantes de Corinto, por te-
perto do porto de Roma, que era o centro do rem levado à filha do rei Creonte os presentes
tráfico. A data tradicionalmente atribuída à envenenados que lhe causaram a morte, bem
fundação desse templo é de 496 a. C. O tem- como ao rei.
plo de Mercúrio é três anos anterior ao tem- Finalmente, contava-se também que Mér-
plo de Ceres, erigido nas proximidades. Estes mero, o filho mais velho de Jasão e Medeia,
dois santuários foram construídos fora do Po- morrera de outro modo; tendo acompa-
mério, o que leva a atribuir uma origem estran- nhado seu paí a Coreira, para onde fora exi-
geira ao deus ou, pelo menos, ao seu culto. lado após o assassínio de Pélias (v. Medeia),
À semelhança de Hermes, Mercúrio tem como foi morto por uma leoa durante uma caçada,
atributos o caduceu, o chapéu de abas largas, no Epiro.
as sandálias aladas e, finalmente, uma bolsa,
símbolo dos lucros que o comércio lhe traz. MÉROPE. (Mepó7tTJ.) A lenda refere várias
Como a maior parte dos deuses romanos, heroínas de nome Mérope.
1. Uma delas é uma Plêiade, filha de Atlas
Mercúrio não tem mito propriamente dito.
Onde quer que intervenha uma lenda, é como e de Plêione, que casou com o mortal Sísifo
«tradução» de Hermes: é o caso das tradi- (v. quadro 27, p. 280), rei de Corinto, e de
ções que o dão como pai de Evandro (v. este quem teve um filho, Glaueo (v. Glauco). De
nome). É também considerado pai dos Lares todas as Plêiades, Mérope foi a única que ca-
(v. Lara). Esta lenda explica-se talvez porque sou com um mortal; por isso, a estrela em que
os Lares, como Mercúrio-Hermes, são os deu- se metamorfoseou brilha, na constelação, com
ses das encruzilhadas. um esplendor menor que o dos astros que re-
presentam suas irmãs.
MERÍONES. (MTJp,óuTJ<;.) Meríones é o filho 2. Mais célebre é a filha do rei da Arcádia,
de Mola, um cretense filho bastardo de Deu- Cípselo, que casou com o Heraclida Cresfon-
calião o Cretense (v. Deuca/ião). Em Tróia, é tes (v. quadro 18, p. 220). Cípselo deu-a em
o mais fiel companheiro de Idomeneu, com casamento a Cresfontes para garantir a aliança
quem partilha o comando do contingente cre- com os Heraclidas e conservar o seu reino (v.
tense. É mencionado na lista dos pretenden- Heraclidas).
tes de Helena e é a esse título que participa na Na partilha do Peloponeso entre os Hera-
guerra. clidas, Cresfontes obteve a Messénia (v. Cres-
Em Tróia, realiza várias façanhas. Assiste fontes). Mérope foi protagonista de um epi-
ao conselho de guerra nocturno, fere Deífobo, sódio de que Eurípides fez uma tragédia, hoje
mata Ádamas e Ácamas, Harpálion, Móris, perdida, mas de que é possível reconstituir a
Hipótion, Laógono, e escapa aos golpes de intriga. Cresfontes que, em outras tradições,
Eneias. Intervém nos combates junto ao corpo fora morto numa revolta dos seus súbditos, é
de Pátroclo, e encarrega-se de fazer reunir a assassinado, nesta tragédia, por Polifontes, um
lenha para a sua pira. Participa em três pro- dos Heraclidas. Polifontes matou também os
vas nos jogos fúnebres dados por Aquiles: cor- dois filhos mais velhos de Cresfontes, e casou
rida de carros, tiro com arco, lançamento de com a viúva, Mérope, contra vontade dela.
dardo. Sendo cretense, é o vencedor no tiro Mérope conseguiu salvar o filho mais novo,
com arco, já que Creta era o país dos archeiros. Épito, enviando-o para a Etólia, para casa de
Depois da queda de Tróia, Meríones acom- amigos, que o hospedaram. Mantinha contacto
panha Idomeneu e regressa em bem a Cnosso. com ele através de um velho e fiel servidor que
A lenda posterior diz que partiu para a Sicí- fazia em segredo a viagem. Ora, Polifontes sa-
lia, onde foi recebido pelos colonos cretenses bia que o jovem Épito não tinha morrido: tal
estabelecidos em Heracleia Minoa e em En- facto inquietava-o e fazia com que o procuras-
gion, localidades onde, na época histórica, lhe sem para evitar que ele se apresentasse um dia
era prestado culto. Atribui-se-Ihe também a como vingador e lhe pedisse contas. Oferecia
fundação de Cressa, na Paflagónia. mesmo uma enorme recompensa a quem ma-
Dizia-se que Meríones era um dançarino exí- tasse Épito.
mio. No entanto, Épito crescera e acalentava o de-
MÉRMERO. (MépfLepo<;.) Mérmero é um dos sejo de vingar o pai e os irmãos. Tomando o
dois filhos de Medeia e Jasão. Foi morto por nome de Telefontes, veio ao encontro do rei

Mercúrio: PLAuT.,Amp., passim; PLUT., Paral/. Mérmero: EUR., Med., passim e escól. ad 10;
min., 38; SERVo ad VIRO., Aen., I, 170; VIII, 130; 276; ApOLLOO., Bib/., I, 9, 28; HVG., Fab., 25;
OV., Fast., 11, 607 e S. 239; TZETZ., ad Lyc., 175; 1318; PAUSAN., Il, 3, 6
Meríones: II., 11,645 e S.; IV, 253 e S.; V, 59; IX, e S.
83; X, 196; 260 e S.; XIII, 159 e S.; 246 e S.; 528; 567; Mérope: 1) ApOLLOO., Bib/., I, 9, 3; I1I, 10, 1;
643-659; XIV, 514; XVI, 342 e S.; 603; 608; XVII, Ov., Fast., IV, 175; escól. ad //., VI, 153; XVIII,
620; 700 e S.; XXIII, 112 e S.; 262 e S.; 850 e S.; 884- 486; Dion. SIC., IlI, 60; SERV., ad VIRG., Georg., I,
-897; Dtoo. SIC., V, 59; 79; ApOLLOO., Bib/., I1I, 3, 138; escól. ad PUN., N. H., li, 16.2) EUR., tragé-
I; HVG., Fab., 81; 97; PAUSAN., V, 25, 9; PLUT., dia perdida de Cresfontes, resumida in HVG., Fab.,
Marc., 20; STEPH., Bvz., S.U. KpTjaa,,: PUN., N. H., 137; 184; ApOLLOO., Bib/., li, 8, 5; PAUSAN., IV, 3,
V,29. 3; 8, 54.
MESOPOT ÂMIA 308

e reclamou a recompensa, pois garantia que ti- Eubeia. Foi para a Itália meridional, onde tam-
nha conseguido matar- Épito. O rei não acre- bém deu o seu nome ao país dos Messápios.
ditou no que ele dizia, mas pediu-lhe que per- Existia igualmente um herói ilírio, chamado
manecesse algum tempo hospedado em sua Messapo ou Pessápio, que, segundo outra tra-
casa, enquanto ele procedia a investigações. dição, era o verdadeiro epónimo do país mes-
Ora, durante esse tempo, Mérope recebeu a vi- sápio.
sita do servidor que fazia de intermediário en-
tre ela e o filho; o.velho avisou-a de que não MESSENE. (MT)O'a'ÍjvT).) Messene é a filha
sabia onde estava Epito, que desaparecera mis- de Tríopas, rei de Argos. É neta de Forbas (se-
teriosamente alguns dias antes. Mérope não du- gundo outra tradição, é sua filha; v. quadro
vidou mais de que o estrangeiro que o rei re- 19, p. 239). Casou com Policáon, o filho mais
cebera era realmente, como dizia, o assassino novo de Lélex, rei da Lacedemónia. Uma vez
de seu filho. De noite, penetrou no quarto onde que Miles, o filho mais velho de Lélex, herdara
dormia o pseudo-Telefontes, disposta a matá- o reino, Messene instigou o marido a conquis-
-10. Quando já erguia sobre ele o punhal, sur- tar para si um outro reino em outro lugar. Com
giu o velho servidor que lhe susteve o braço, a ajuda dos soldados lacedemónios e argivos,
ao reconhecer no pretenso assassino o filho de Policáon conquistou a região a que chamou
Mérope, o verdadeiro Épito. Então, ele com- Messénia, por causa do nome de sua mulher.
binou com a mãe o meio de se vingarem e de A capital do país foi estabelecida em Andânia,
matarem Polifontes. Mérope põs luto pesado, onde Policáon instituiu o culto de Deméter e
tão ostensivamente quanto podia, e Polifon- de Perséfone, vindo de Elêusis, de onde Cáu-
tes deixou de duvidar que o filho dela não ti- con o trouxera. Policáon e Messene tiveram di-
vesse efectivamente morrido. Além disso, Mé- reito a honras divinas na Messénia.
rope que, até então, se mostrara hostil para
com Polifontes, aproximou-se dele, como se MESTRA. (M~~pIX.) Mestra é a filha de Eri-
sícton (v. este nome). A fim de conseguir re-
tivesse perdido todas as esperanças e se resig- cursos para seu pai, que Deméter atingira com
nasse com a sua sorte. Exultante, o rei sentiu-
-se no dever de celebrar um sacrifício de ac- uma fome insaciável, Mestra vendia-se como
escrava. Mas, como recebera do seu amante
ção de graças, para o qual convidou o
pseudo-Telefontes como hóspede de honra, Posídon o dom de se transformar como bem
pedindo-lhe que imolasse ele próprio a vítima. quisesse, todas as vezes se escapava facilmente
Mas, no altar, em vez de matar a vítima, o jo- de casa do amo e voltava a sua casa, para logo
vem atingiu Polifontes e vingou, de uma só vez, recomeçar. Foi dada uma interpretação «racio-
seu pai, seus irmãos e a prolongada violência nalista» deste mito. Mestra, jovem de grande
exercida sobre sua mãe. Em seguida, não teve beleza, oferecia-se ao primeiro que aparecesse
para dar o dinheiro ao pai, um preguiçoso, que
qualquer dificuldade em fazer-se reconhecer
como rei. se arruinava na pândega. Nesses tempos remo-
tos, não se usava o dinheiro; assim, Mestra
MESOPOTÂMIA. (M.()'07to~IXf.L(IX.) Mesopo- fazia-se pagar em géneros: davam-lhe bois, car- .
tãmia é a personificação feminina do país com neiros, criação, etc. Nasceu deste modo o há-
esse nome. Conta-se que era filha de uma sa- bito de dizer que Mestra se «tornava» carneiro,
cerdotisa de Afrodite, e irmã de Tigre e Eu- boi, ave de capoeira, etc. E assim se criou a
frates. Quando nasceu, Afrodite dotou-a de lenda das metamorfoses proveitosas da jovem.
grande beleza. Três jovens pretendiam a sua
mão; para escolher entre eles, Mesopotâmia META. (M~~IX.) Meta é o nome da primeira
confiou a decisão a um árbitro, Bocoro, afa- mulher de Egeu, de quem ele não conseguiu ter
mado pela sua equidade e justiça. Mesopotâ- filhos. Era filha de Hoples, um dos filhos de
mia oferecera presentes aos jovens. A um, dera Íon, e epónimo de uma das tribos áticas.
uma taça; a outro, a coroa da sua cabeça. Ao
terceiro, beijou-o. Tal acto pareceu a Bocoro MÉTABO. (Mi~lXpo~.) Na Eneida, Métabo
a prova de amor mais séria, e resolveu-se a fa- é um rei dos Volscos, de origem etrusca, que
vor do terceiro. Mas os jovens rivais não aca- governava a cidade de Privemo. Era o pai de
taram essa decisão: bateram-se, morreram to- Camila e com ela foi exilado pelos seus súbdi-
dos três, e Mesopotâmia ficou solteira. tos (v. Cami/a).
Sérvio relaciona o nome deste rei bárbaro
MESSAPO. (Mi(),(),IX1to~.) Messapo é um he- com o do epónimo da cidade de Metaponto,
rói beócio, que deu o seu nome à montanha na Magna Grécia. Segundo a lenda grega, este
Messápio, na costa da Beócia, na direcção de Métabo era o filho de A1ibante (v. Metaponto).

Mesopotâmia: Cf. HER5cHER, Erol. scripl., I, Mestra: TZETZ. ad Lyc., 1393; Ov., Met., VIII,
224. 739 e 5.; ANT. LIB., Transf., 17; PALEPH., Incred., 24.

Messapo: STRAB., IX, 405; STEPH., Bvz., S.u. Meta: ApOLLOO., Bib/., 111, 15,6; ATHEN., XIII,
556 f; TZETZ., ad Lyc., 494; HERoo., V, 66; EUR.,
MEO'O'á1ttOV;SERV., ad VIRC., Aen" VIII, 9; NIC., fr.
55, I. Cf. F. ALTHEIM, in A.R. w.,
1931, p. 22-32; lon, 1575 e s.
cf. Ph. Woch., 1932, p. 430-432. Métabo: STRAB., VI, 265; STEPH. Bvz., su. M'~<X1tÓY-
SERVo ad VIRG., Aen., XI, 540; cf. VIRG., Aen., XI.
'tlO\f,
Messene: PAUSAN., IV, I, 1-2, I; 6; 3, 9; 26, 8; 27, 540; 564; HVG., Fab., 252 (v. o artigo Cami/a); EUST.,
6; 31, 11; escól. ad EUR., Or., 932. ad Dion. Perieg., 368; Etym. Magn., p. 579, 29.
309 MEZÊNCIO

METANIRA. (Mt'tcXVtlpCX)
Metanira é a mu- Em outra lenda, Metíon não era o pai, mas
lher de Céleo, rei de Elêusis. Recebeu Demé- o filho de Eupálarno, e também não era o fi-
ter quando a deusa procurava sua filha, e lho, mas o neto de Erecteu. Casado com Ifí-
tomou-a ao seu serviço como criada (v. Céleo, noe, Dédalo era seu filho. Por vezes, é-lhe atri-
Deméter, 'Demofonte, Triptólemo). buída a paternidade de Museu.
Por vezes, Metanira é referida como mulher Finalmente, Metíon desempenha um papel
de Hipotoontevque era um herói ático, filho secundário na tradição de Sícion. Seria, com
de Posídon e Alope, epónimo da tribo ate- efeito, o pai do herói Sícion, que foi chamado
niense dos Hipotoontidas. por Lamedonte a suceder-lhe no trono da ci-
dade (v. quadro 24, p. 265, e Sícion).
METAPONTO. (Mt'tcX1tov'to~.)Metaponto é
o herói epónimo da cidade de Metaponto, na MÉTIS. (MTi'tl~.) Métis (cujo nome significa
Magna Grécia. Na forma bárbara, este nome Prudência, ou, em sentido pejorativo, Perfí-
é Métabo (v. este nome), e a cidade teria tido dia), é uma divindade da primeira geração.
outrora o nome de Métabon, antes de se cha- E filha de Oceano e Tétis, Diz-se que foi a pri-
mar Metaponto. meira mulher (ou a primeira amante) de Zeus.
Por vezes, considerava-se Metaponto filho Foi ela quem lhe deu a droga que fez com que
de Sísifo e neto de Eolo; mas, mais frequente- Crono vomitasse todos os filhos que tinha en-
mente, dizia-se que era pai adoptivo de Éolo, golido (v. Crono). Em seguida, quando Métis
o Jovem, e de Beoto. Foi ele quem acolheu estava grávida, Geia e Úrano revelaram a Zeus
Arne, filha do primeiro Éolo, quando estava que, depois de lhe dar uma filha, ela lhe daria
grávida e seu pai a exilou. Por causa dela, Me- um filho que, mais tarde, o destronaria, tal
taponto repudiou a primeira mulher, Síris, que como ele destronara Crono. Então, a conse-
exilou na cidade de Síris, vizinha de Meta- lho de Geia (ou da própria Métis), engoliu Mé-
ponto. Depois, Éolo, o Jovem, e seu irmão, tis e foi assim que deu à luz Atena (v. este
filhos de Arne, a conselho da própria mãe, ma- nome).
taram Síris e fugiram, um para a Beócia (a que • MEZÊNCIO. (Mezentius.i Na lenda das
deu o seu nome), o outro para as ilhas Eólias origens de Roma, Mezêncio é um rei etrusco
(v. outras versões sobre a mesma lenda, reto- que reinava em Cere e lutou contra Eneias. As
mada por Eurípides na sua tragédia perdida formas da sua lenda variam. Na tradição mais
Melanipe Cativa, no artigo Éolo, 2). antiga, e cujo primeiro testemunho, hoje per-
dido, é o tratado Origines, escrito por Catão
METIMNA. Metimna é o epó-
(M1}9úflVCX.)
no século II a. C., Mezêncio é chamado por
nimo da cidade desse nome, na ilha de Lesbos.
Turno depois de este sofrer uma primeira der-
E filha de Mácar, mulher de Lepetimno, e mãe
rota face a Eneias e Latino (v. Latino). Para
de Hicetáon e Helicáon, que foram mortos por
decidir Mezêncio a socorrê-Io, Turno prome-
Aquiles ao tomar Lesbos.
teu-lhe metade de toda a produção do vinho
METÍOCO. (M1}'tíoxo~.) Metíoco é um jo- do país latino, bem como o seu próprio terri-
vem originário da Frígia. Amava uma rapariga, tório. Por seu lado, Eneias fez o mesmo jura-
Parténope, que fizera voto de castidade. Par- mento a Júpiter, O juramento feito ao deus foi
ténope amou-o também, mas não quis quebrar mais eficaz que a promessa de Turno, e Me-
o seu voto. Cortou os cabelos e exilou-se. zêncio foi morto, tal como Turno. Nesta ba-
Abordou a Campãnia e, aí, consagrou-se a talha, Eneias desapareceu misteriosamente,
Dioniso. É a ela que Nápoles deve o seu nome chamado para junto dos deuses, e foi seu fi-
grego de Parténope. lho Ascânio quem lhe sucedeu. A promessa
feita a Júpiter foi cumprida e assim se expli-
METÍON. (M1}'tlwv.) Metíon é um herói cava a origem da festa das Vinalia, celebrada
ático, cuja genealogia apresenta diversas va- todos os anos, e no decurso da qual se ofere-
riantes. Geralmente, figura entre os filhos de ciam a Júpiter as primícias da colheita de vi-
Erecteu e de Praxítea (v. quadro 12, p. 144). nho.
Os filhos que teve de Alcipe expulsaram do A versão transmitida por Dionísio de Hali-
trono de Atenas Pandíon lI, o filho de Cé- carnasso é sensivelmente diferente. Depois do
crops, o Jovem (por conseguinte, o sobrinho seu casamento com Lavínia e da fundação de
de Metíon; v. o mesmo quadro), e reinaram em Lavínio, Eneias e Latino tiveram de rechaçar
seu lugar. Métion é, nesta tradição, o pai de os ataques dos Rútulos, conduzidos por Turno,
Eupálamo e avô de Dédalo (v. este nome). sobrinho de Amata. Numa primeira batalha,

Metanira: Hymn. hom. Dem., 101; 185 e s.; PAU· escol. ad SOPH., Oed. CaI., 468; ad DION. TR., in
SAN., 1,39, I e 2; ApOLLOO., Bibl., I, 5, I; NONN., BEKKER, Anecd., 783, 12.
Dion., XIX, 80 e S.; Ov., Fast., IV, 539. Métis: HES., Theog., 358; 886 e S.; ApOLLOD.,
Metaponto: V. as referências nos artigos Métabo Bibl., 1,2, I; 3, 6.
e Éolo; J. BÉRARO, Colonisation, p. 344 e s. Mezêncio: SERV., ad VIRO., Aen., 1,259,267; IV,
Metimna: PARTH., Erot., 21; STEPH. Bvz., S.U.; 620; VI, 760; IX, 742; MACROB., SaI., m, 5, 10;
0100. SIC.,V, 81. PUN., N. H., XIV, 88; Ov., ra«, IV, 877 e S.; Liv.,
I, 1-3; DION. HAL., I, 64 e S.; lI, 5; VIRa., Aen., 647-
Metíoco: EUST. ad Dion. Perieg., 358.
-817; vut, 470 e S.; IX, 586 e S.; X, 768; XI, I e S.;
Métion: ApOLLOD., Bibl., m, 15,5 e 8; PAUSAN., I, JUST., XLIII, I, 10; 0100. CASS., fr. 4, I b; PLUT.,
5,3; 4; 11, 6, 3; DIOD. SIC., IV, 76; PLAT., Ion, 533a; Qu. Rom., 45.
MICENEU 310

Turno e Latino são mortos, Os Rútulos cha- ricos. Possuíam tanto ouro e tanta prata que
mam então em seu socorro Mezêncio e os esses metais preciosos eram para eles a mesma
Etruscos, que temem o estabelecimento de um coisa que o ferro para nós. Um dia, os dois po-
Estado poderoso tão perto das suas fronteiras, vos decidiram visitar o nosso mundo. Atraves-
na foz do Tibre. Trava-se uma batalha san- saram o Oceano e chegaram ao país dos Hi-
grenta; ao cair da noite, ainda não havia ne- perbóreos, que são, como todos sabem, os
nhum resultado decisivo. Apercebem-se, po- mortais mais afortunados (v. Hiperbóreos).
rém, então de que Eneias desapareceu. Ascânio Mas, ao verem a triste condição desse povo
assume o comando, mas os Troianos e os La- e ao saberem também que era o mais feliz de
tinos estão em dificuldades. Ascânio pede que todo o nosso mundo, não quiseram ir mais
sejam estabeleci das as condições de um arrnis- longe e voltaram para a sua terra.
tício. Mezêncio reclama toda a produção de vi- Foi essa a parábola decepcionante que Sileno
nho do país latino. Então, Ascânio consagra contou a Midas.
a Júpiter o vinho da região e, a coberto de uma Havia outra versão do encontro entre o rei
noite sem luar, ataca com pleno êxito. Lauso, e Sileno. É Ovídio quem a transmite, nas Me-
filho de Mezêncio, é morto. O exército etrusco tamorfoses. Sileno, perdido, adormecera longe
recua em desordem e Mezêncio toma simulta- do cortejo de Dioniso, nas montanhas da Frí-
neamente conhecimento da sua derrota e da gia. Foi encontrado por camponeses que não
morte do filho. É então ele quem pede tréguas. o reconheceram e o levaram acorrentado à pre-
Ascânio concedeu-lhe passagem livre com 'o sença do seu rei. Midas, que outrora fora ini-
resto do seu exército e, a partir dessa altura, ciado nos Mistérios, viu imediatamente de
Mezêncio tornou-se aliado dos Latinos. quem se tratava. Soltou-o, recebeu-o com gran-
Em Virgílio, a figura de Mezêncio é mais de- des honras e partiu em sua companhia para se
finida, mas a lenda propriamente dita surge reunir a Dioniso. Este agradeceu amavelmente
simplificada. Mezêncio continua a ser rei de ao rei e, para o recompensar, concedeu-lhe a
Cere, mas, por causa da sua tirania, foi expulso realização do desejo que formulasse. Midas pe-
do reino pelos seus súbditos; encontrou refú- diu imediatamente que tudo aquilo em que to-
gio na corte de Turno, ao lado de quem com- casse se transformasse em ouro. Em seguida,
bate, bem como seu filho Lauso. Ambos são como o deus lhe concedeu o que queria, vol-
mortos por Eneias. Em momento algum Vir- tou para casa, contente, e resolveu experimen-
gílio alude à promessa de consagrar o vinho do tar o dom recém-adquirido. Tudo correu bem
país latino, nem a Mezêncio, nem a Júpiter , até à hora do almoço. Quando Midas quis le-
Na narrativa virgiliana, como se vê, apenas var um pedaço de pão à boca, apenas encon-
Mezêncio é inimigo de Eneias; os Etruscos es- trou um bocado de ouro. E também o vinho
tão do lado dos Troianos e, por isso, também se transformou em metal. Esfomeado, a mor-
de Roma. Não se trata de um acaso, se se pen- rer de sede, Midas implorou a Dioniso que lhe
sar na ascendência etrusca de Mecenas, cujos retirasse esse dom pernicioso. Dioniso acedeu
antepassados haviam reinado nas cidades etrus- e disse-lhe que lavasse a cabeça e as mãos na
cas e que era, na altura, um dos mais íntimos nascente do Pactolo. Midas fê-lo, e imediata-
amigos de Augusto. mente o dom o abandonou. Mas as águas do
Pactolo ficaram carregadas de laminazinhas de
MICENEU. (MUXTjVEÚÇ.) Miceneu é o herói
ouro.
que fundou a cidade de Micenas e lhe deu o
Uma outra história, muito semelhante, é
nome. Em certas tradições (expressamente pos-
contada por Plutarco. Midas fora visitar uma
tas em dúvida por Pausânias), dizia-se que era
província longínqua do seu reino, e viu-se per-
neto de Foroneu e filho de Esparton.
dido no meio de um deserto, sem uma gota de
MIDAS. (M[oa;ç.) Midas é um rei da Frígia, água para matar a sede nem para dar de beber
herói de várias histórias populares. Contava- aos seus acompanhantes. Compadecida, a
-se, nomeadamente, que, um dia, encontrou Si- Terra fez brotar uma nascente. Mas acontece
leno, sozinho e adormecido, depois de copio- que, dessa nascente, jorrava ouro em vez de
sas libações. Quando o deus acordou, Midas água. O remédio fora em vão. Então, Midas
pediu-lhe que lhe falasse e lhe ensinasse a sa- implorou a Dioniso que tranformasse a nas-
bedoria. Sileno contou então a história de duas cente de ouro numa fonte de água que rece-
cidades situadas fora do mundo e chamadas beu o nome de «Nascente de Midas».
Êusebes, a Cidade Piedosa, e Maquimo, a Ci- Midas desempenha também um papel na
dade Guerreira. Na primeira, os habitantes es- lenda de Pã (ou Mársias) e de Apoio. Vagueava
tavam sempre felizes, e acabavam a vida com pelos bosques e foi parar ao monte Tmolo, no
uma gargalhada. Os habitantes da cidade guer- momento em que o deus da montanha se pre-
reira passavam a existência em lutas; nasciam parava para julgar o diferendo entre Mársias
armados da cabeça aos pés. Ambos os povos (ou Pã) e Apoio. Tmolo acabava de pronun-
reinavam sobre grandes domínios e eram muito ciar a sua sentença e de declarar Apoio vence-

Miceneu: PAUSAN., 11, 16,4; Eusr. ad Hom., 11., X, 142; HYG., Fab., 191; 274; e escól. ad ARISTOPH.,
11,569; escól. ad EUR., Or., 1239; STEPH. Bvz., S. u. PI., 287; OIOD. SIC., 111, 59; PS.-PLUT., F1uv., 10;
MuxTjucu. X., An., I, 2, 13; PUN., N. H, VII, 57; OC., Tusc.,
I, 114. Cf. R. LEHMANN-NITSCHE, «Kõnig Midas hat
Midas: HEROD., vur, 138; AEL., VH, m. 18; Ov., Eselohren»: Z. E., 1936, pp. 281-303; cf. Anthropos,
Met., XI, 85 e S.; SERVo ad VIRG., Ec/., VI, 13; Aen., 1938, p. 288.
311 MINERVA

dor. Sem que ninguém lho tivesse pedido, Mi- MILAS, (MúÀaç,) Milas é o nome de um dos
das declarou que a sentença era injusta. Em Telquines (v, este nome), que se diz ter inven-
face disso, Apoio, encolerizado, fez-lhe nas- tado o moinho de trigo. Deu também o nome
cer de um lado e doutro da cabeça um par de a uma montanha da ilha de Rodes,
orelhas de burro. Em outra versão, Midas foi
MILES, (MúÀTjç.) Miles é um herói lacónio,
escolhido como juiz juntamente com outros.
inventor do moinho (v. também o artigo Mi-
E apenas ele se decidiu a favor de Mársias. Ou-
tras vezes, atribuía-se também ao próprio Mi-
Ias). Na tradição lacónia, é o filhodo rei Lé-
das a invenção da flauta denominada de «Pã». lex, de Lacedémon, e de Perídia. E irmão de
Policáon, Bumolco e Terapne. Era pai de Eu-
Seja como for, Midas dissimulou o melhor
rotas. Outras tradições omitem-no e fazem de
que podia as embaraçantes orelhas debaixo de
Eurotas directamente filho de Lélex (v. qua-
uma tiara e somente o seu cabeleireiro sabia
dro 5, p. 90).
do segredo, embora estivesse proibido, sob
pena de morte, de o revelar fosse a quem fosse. MILETE, V. Mites.
O pobre homem, esmagado pelo peso de um
MILETO, (MiÀTj~oç.) Mileto é o herói epó-
tal segredo, não conseguiu conter-se e, fazendo
nimo e o fundador da cidade de Mileto, na
um buraco no chão, confiou à Terra que o rei
Ásia Menor. As tradições divergem quanto à
Midas tinha umas orelhas monstruosas. Então,
sua genealogia.
as canas que cresciam na região puseram-se a
Segundo Ovídio, é filho de Apoio e de
repetir o segredo do rei e, com o vento que as
Dione, e foi expulso por Minos. Exilou-se na
abanava, murmuravam: «Midas, o rei Midas,
Ásia Menor, onde fundou a cidade de Mileto
tem orelhas de burro ... »
e casou com Cíane, filha do deus do Meandro,
MÍDIAS. (MtIOiaç.) Mídias era um tessálio de quem teve dois filhos, Cauno e Bíblis (v. a
cujo filho, Eurídamas, matara Trasilo. O ir- lenda de ambos).
mão deste, Símon, matou Eurídamas e arras- Outra tradição dava-o como filho de Aca-
tou o seu cadáver em volta do túmulo do ir- cális (v. este nome) e neto de Minos (quadro
mão. Dizia-se que assim nascera o costume 30, p. 312). Filho de Apoio, a mãe expô-lo logo
tessálio de arrastar o corpo do assassino em que nasceu, com medo de Minos. Nos bosques,
volta da sepultura da sua vítima. Foi isso que foi alimentado por uma loba e, em seguida, foi
Aquiles fez, ao arrastar o corpo de Heitor em recolhido por pastores. Mais tarde, Minos, que
volta do túmulo de Pátroclo. Esse cuidado era não sabia quem ele era, impressionado com a
geralmente deixado ao melhor amigo da ví- sua beleza, tentou violentá-Io. A conselho de
tima, ou ao seu parente mais próximo. Sarpédon, Mileto fugiu durante a noite e che-
MIENO. (Ménvoç.) Mieno é oepónirno da gou a Cária, onde fundou Mileto. Aí, casou
com a filha do rei Eurito, Idótea, de quem teve
montanha com o mesmo nome. E filho de Te-
Cauno e Bíblis.
lestor e Alfesibeia. A madrasta denunciou-o ao
Finalmente, em outras versões, Mileto era
pai, dizendo que ele concebera por ela uma pai-
considerado filho de Aria, filha de Cléoco. Seu
xão culpada. Mieno retirou-se para a monta-
pai era Apoio. Quando nasceu, foi exposto por
nha e, como o pai o perseguisse com um grupo
sua mãe e depois recolhido por Cléoco, que o
de servos, atirou-se do cimo de uma falésia.
criou. Tornou-se muito belo e Minos quis
MÍGDON. (Múyowv.) 1. A Iliada refere um possuí-lo. Mileto fugiu para Samos, onde fun-
Mígdon, que reinava numa parte da Frígia, nas dou uma primeira cidade chamada Mileto; de
margens do rio Sangário. Durante um ataque lá, partiu para Cária, onde fundou uma se-
das Amazonas, Mígdon foi socorrido por Pría- gunda cidade com o mesmo nome.
mo. Em sinal de reconhecimento, veio defen-
MIM ANTE, V. Mimas.
der Tróia quando os Gregos atacaram a cidade.
É o pai do herói Corebo (v. este nome, 2). MIMAS, (MifLaç.) Mimas é um dos Gigan-'
2. Outro Mígdon é o irmão de Âmico (v. este tes que combateram contra os deuses. Foi ful-
nome), tal como ele rei dos Bébrices. Venceu- minado por Zeus, ou então morto por Hefesto,
-o Héracles, aliado de Lico, com quem estava que lançou contra ele projécteis de metal em
em guerra. Foi no seu reino, conquistado pelo brasa.
herói, que Héraeles fundou a cidade de Hera-
• MINERVA, (Minerua.) Minerva é a deusa
eleia do Ponto.
romana identificada com a Atena helénica. Pa-
MILANTE. V. Mitos. rece não pertencer às divindades mais antigas

Mídias: Escól. ad 11., XXlI, 397. Mileto: OV., Met.; IX, 443 e S.; NONN., Dion.,
Xlll, 546; PARTH., Erot., 11; CONON, Nan., 2; ANT.
Mieno: PS-PLUT., Fluv., 8, 3. Liu., Transf., 30; escól. ad THEOCR., VII, 115; HYG.,
Mígdon: I) 11., 111. 185 e S., e escól. ad loc.; EUST. Fab., 243; escól. ad Ar-oi . RH., Arg., I, 185; Asot.
ad Hom., X, 552; EUR., Rh., 539; SERVo ad VIRG., lOD., Bibl., lll, 1,2; PAUS., Vil, 2, 5.
Aen., 11,341; PAUSAN., X, 27, I; PS-PLUT., Fluv.,
12, 1. 2) AI'OLLOl)., Bibl., li, 5, 9; escól. ad Arxu.. Mimas: EUR., Ion, 215; Aroi.. RH., Arg., lll, 1227
RH., Arg., li, 786. e escól. ad loc.; HOR., Od., lll, 4, 53; ApOlLOD.,
Bibl .• I, 6, 2.
Milas: STEPH. Bvz.. S.u. MuÀa\l'tla &XpCl; HESl.'H.,
S. V.
Minerva: VARR., LL, V, 74; SERV., ad VIRG.,
Miles: PAUSAN., 111,1,1; IV, I, 1; lll, 20, 2; escól. Aen., 1,42; Xl, 259; OV., Fast., lll, 835 e 5.; JUV.,
ad EUR., Or., 615. se.. X. 115 e s.
MINADES 312

do panteão latino; aparece primeiramente na


Etrúria e foi incluída na tríade dita «capito-
- 13'" s lina», em que figurava juntamente com Júpi-
"" r-~
"
c,
ter e Juno. Um dos seus mais antigos templos
erguia-se no monte Célio, a colina onde se di-
'6
~ zia que outrora se fixara o contingente etrusco
i5
o 'o."
.9 vindo em ajuda de Rómulo, sob as ordens de
1---0 Caele Vibenna. Esse templo tinha o nome de
z-
"
'"
\l.I Minerua Capta: a Minerva Cativa; de facto,
talvez tivesse sido construído para albergar
.("
- .s uma Minerva tomada em Falérios, aquando da
conquista da cidade pelos Romanos.

-

o
c
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o
"
"
u

t~ o
t-
A tradição referia Minerva como uma das
divindades introduzidas em Roma por Numa.
A festa de Minerva celebrava-se a 19 de
Março, nos Quinquátrias. Nesse dia, as esco-
las faziam feriado. Os atributos da deusa eram
Õ
o. análogos aos da Palas Atena grega. Preside à
..: actividade intelectual, sobretudo escolar. No
o

.~
z-~ ~ Esquilino, havia uma capela dedicada a Mi-
nerva Curadora, Minerua Medica, onde foram
'"
o encontrados ex-votos que provam que esse
~
r- .'"
- "
'e. culto permanecia vivo durante o Império. Mi-
'"
til
<o nerva não intervém em nenhuma lenda espe-
cificamente romana (v., todavia, Nério e A na
I-- 'ee"c Perena) .
"..:'" MINÍADES. (Mwuá8&ç.) As Miníades são as
três filhas do rei Mínias, que reinava em Or-
8::s cómeno. Chamavam-se Leucipe, Arsipe e Al-
r- cítoe (ou Alcátoe). São as heroínas de uma
G'" lenda destinada a ilustrar o castigo de Dioniso
a quem quer que se recuse a participar no seu
culto. Existiam diversas versões desta lenda.
Todas têm em comum o facto de as três irmãs,
durante uma festa em honra de Dioniso, terem
ficado em casa a fiar e a bordar, enquanto as
mulheres de Orcómeno (ou de Tebas, consoante
as versões) percorriam a montanha como Ba-
cantes. Mas a natureza do castigo varia.
Por vezes, conta-se que heras e videiras co-
meçaram a crescer em volta dos tambores em
que estavam sentadas, e que leite e vinho co-
meçaram a escorrer do tecto. Luzes misterio-
sas apareceram nas salas e por toda a parte res-
soavam gritos de animais selvagens, sons de
flautas e tamboris. Aterrorizadas, as Miníades
foram tomadas de uma loucura mística e
apoderaram-se do pequeno Hípaso, filho de
uma delas, Leucipe, e despedaçaram-no,
tomando-o por um jovem corço. Em seguida,
coroadas de hera, juntaram-se às outras mu-
lheres na montanha. Ou então transformaram-
l- e -se em morcegos.
o
r-~ Outra versão apresenta apectos sensivel-
mente diferentes: antes de as castigar, o pró-
z" prio Dioniso veio ao seu encontro, sob a forma
E" de um jovem, e censurou-lhes a indiferença.
o Elas troçaram dele. Então, Dioniso transfor-
'--il mou-se, perante os olhos delas, em touro, em

::; pantera e em leão. Simultaneamente, corria
\l.I leite e vinho dos tambores em que estavam sen-
tadas. Como na versão anterior, as Miníades
são possuídas por um delírio que as leva a des-
.9
E pedaçar o pequeno Hípaso.
''''::s
"
\l.I

Miníades: ANT. LI a. , Transf'., 10; PLUT., Qu. Gr.,


38;AEL., VH, tu, 42; Ov., Met.; IV, I e s.
313 MINOS

MÍNIAS. (Mwéeç.) Mínias, de Orcómeno, Catreu, Deucalião, Glauco, Andrógeo, tam-


na Beócia, é o epónimo dos Mínias, nome bém chamado Eurígies, Ácale, igualmente de-
usado pelos habitantes de Orcómeno na época nominada Acacális, Xenódice, Ariadne e Fe-
homérica. Ora se diz que Mínias era filho de dra. Mas também teve filhos ilegítimos: de uma
Posídon, ora seu neto. No segundo caso, seu ninfa chamada Paria (ou talvez originária da
pai é Crises, que é, por seu turno, filho do deus ilha de Paros), teve Eurimedonte, Crises, Ne-
e de Crisogenia, filha do Halmo (quadro 22, fálion, e Filolau (v., sobre todos eles, Eurime-
p. 244). Mínias era muito rico e diz-se que foi dontei. De uma ninfa chamada Dexítea teve
o primeiro de entre os gregos a ter necessidade um outro filho, Euxântio. Finalmente, em di-
de possuir um «tesouro». versas tradições aberrantes, referem-se outros
Da filha de Hiperfas, Eurianassa, teve mui- filhos.
tos filhos; todos têm o seu papel na lenda. Atribuía-se a Minos um grande número de
Além de seu filho e sucessor no trono de Or- aventuras amorosas e também, por vezes, a in-
cómeno, Orcómeno (v. Cltmeno, 2), teve Ci- venção da pederastia. Havia uma tradição se-
parisso, Leucipe, Arripe e Alcátoe, as três «Mi- gundo a qual foi Minos, e não Zeus, quem rap-
níades» que Dioniso acometeu de loucura (v. tou Ganimedes. Teria sido igualmente amante
o artigo Mintadesi, Elara, mãe de Tício (v. este de Teseu; reconciliou-se com ele depois do
nome), Aretírea, mãe de Flias, concebido de rapto de Ariadne e deu-lhe Fedra, sua segunda
Dioniso (quadro 24, p. 265), e, finalmente, Clí- filha, em casamento (v. também Mileto).
mene, que foi mulher de Fílaco e avó de Ja- Entre os seus amores femininos, cita-se Bri-
são (quadro 22, p. 244). tornártis, que preferiu lançar-se ao mar a
entregar-se-lhe (v. Britomártis); em seguida,
MINOS. (Mívccç.) Minos é um rei de Creta Peribeia, uma das jovens do primeiro tributo
que se dizia ter vivido três gerações antes da que trouxe de Atenas após a morte de Andró-
Guerra de Tróia. Geralmente, é dado como fi- geo (v. este nome). As suas amantes foram tan-
lho de Europa e de Zeus, criado pelo rei de tas que Pasífae, sua mulher, se indignou;
Creta Astérion ou Astério (v. Europa). Por ve- lançou-lhe um «mau olhado» que fez com que
zes, é todavia referido como filho de Astérion. todas as mulheres que possuía morressem, de-
Seus irmãos eram Sarpédon e Radamante (v. voradas por escorpiões e serpentes que saíam
quadro 3, p. 66; 30, p. 312). do seu corpo. Foi libertado dessa maldição por
Depois da morte de Astérion, Minos reinou Prócris que acedeu a partilhar o seu leito em
sozinho em Creta. Conta-se que, quando ma- troca de um cão e de um dardo mágicos que
nifestou a intenção de tomar o poder só para ele possuía (v. Prócris). De facto, Prócris co-
si, os irmãos puseram obstáculos. Minas res- nhecia uma erva, a «raiz de Circe», que que-
pondeu que os deuses lhe haviam destinado o brou o encantamento.
reino e, para o provar, afirmou que tudo o que Diz-se que Minos foi o primeiro a civilizar
pedisse ao céu lhe seria concedido. Oferecendo os Cretenses, a governá-los com justiça e bran-
um sacrifício a Posídon, pediu ao deus que fi- dura e a dar-lhes leis excelentes, tão notáveis
zesse sair do mar um touro, prometendo em que se consideravam inspiradas directamente
troca sacrificar-lhe o animal. Posídon enviou por Zeus: Minos, de nove em nove anos, con-
o touro, o que valeu a Minas o poder sem qual- sultava o deus na caverna do Ida de Creta onde
quer contestação; mas o rei não sacrificou o Zeus crescera, e onde recebia as suas directri-
touro, pois achava que se tratava de um belo zes. Nestas funções de legislador, Minos é fre-
animal e desejava conservar-lhe a raça. Então, quentemente posto em paralelo com seu irmão
incorporou-o nas suas manadas. Mas Posídon Radamante, que expulsara levado pela inveja,
vingou-se, enfurecendo o touro de tal modo e de que não seria mais do que um imitador.
que, mais tarde, Héracles teve de o matar a pe- Nos Infernos, ambos tinham assento para jul-
dido de Minos (ou então por ordem de Euris- gar asalmas dos mortos. Ajudava-os nessa ta-
teu; v. Hérac/es). Foi exactamente por esse refa Eaco (v. este nome).
touro que Pasífae, a mulher de Minas, conce- Sob o nome de Minas surge personificada
beu mais tarde uma paixão criminosa (v. in- na lenda a «talassocracia- cretense, que, desde
fra, Minotauro e Tauro). o segundo milénio antes da nossa era, fez pre-
Minos casou com Pasífae, filha do Sol (Hé- valecer o seu poder sobre todo o mar Egeu. Por
lio) e de Perseide (v. quadro 16, p. 202). Ou- isso, não é de admirar que os mitógrafos lhe
tra tradição refere que casou com Crete, uma atribuam o domínio sobre grande número de
filha de Astérion. Seus filhos legítimos foram: ilhas situadas em torno de Creta e mesmo até

Mínias: PAUSAN., IX, 36,4-6; X, 29, 6; escóI. ad 3; 31, 3; 34, 7; III, 2, 4; 18, 11; 16; V, 25, 9; VlI, 2,
1/., n, 511; XX, 227; ad PINO., ta»; 1,79; IV, 122; 5; 3, 7; 4, 5 e S.; VIII, 53, 4; 8; IX, 11,4; 16,4;
ad Asoi.. RH., Arg., I, 45; 230; ad Od., XI, 326; HYG., Fab., 41; STRAB., VI, 3, 6, p. 282; X, 4, 9,
TZETZ. ad Lyc., 874. Cf. F. VIAN, «La triade des rois p. 477; Xll, 8, 5, p. 573; 0100. SIC., IV, 60 e s (que
d'Orchomênes in Mél. Dumezil, Bruxelas, 1960, pp. distingue dois Minos: um, filho de Zeus; outro, neto
215-224. do primeiro, herói das lendas habitualmente referi-
das a Minos); V, 78 e s.; PLAT., Min., p. 318 e s.;
Minos: 1/., XIII, 448 e s.; XIV, 322 e S.; escóI. ad Grg., 523 e s.; LACT. PLAC . ad STAT., Theb., IV,
XlI, 292; Od., XI, 568 e S.; EUST. ad Od., XVlI, 530; V, 441; Vll, 187; escóI. ad CALLI" .. Himn.
523; XI, 568; XIX, 178; 1/., 321; HEROO., I, 171 e S.; Zeus, 8; TZETZ., Chil., I, 473; 546; li, 293 e s.; ad
Vll, 170 e S.; Aeoi.. RH., Arg., li, 516; IV, 1564, e Lvc., 1301; ANT. LIS., Transf., 41; ApoLLOo., Bibl.,
escóI. escóI. ad III, 1087; IV, 433; PAUSAN., I, 1,2; m, 1,2 e s.; 15, 1; li, 5, 7; CONON, Narr., 25; es-
4; 17,3; 19,4; 22, 5; 24, 1; 27, 9 e S.; 39, 5; li, 30, cól, ad EUR., Or., 1643; ATHEN., XIII, 601 e s.;
MINOTAURO 314

Cária, no continente asiático. Dizem que Mi- nas. Teseu ofereceu-se voluntariamente para
nos chefiou diversas expedições militares, no- fazer parte do grupo de jovens e, mercê da
meadamente contra Atenas, para vingar a ajuda de Ariadne, conseguiu não só matar o
morte de Andrógeo. Durante essa guerra, to- animal, como também encontrar o caminho
mou a cidade de Mégara (v. Niso e Cila). En- para voltar à luz do dia (v. Ariadne, Teseu e
tão, como obtivera a vitória em resultado de uma interpretação evemerista no artigo Tauro).
uma peste que pusera os Atenienses à sua Esta lenda conserva vestígios da civilização
mercê, exigiu deles um tributo anual de sete jo- «minóica», que parece ter tido o culto do touro
vens e sete donzelas, destinadas a serem dados e dos enormes palácios, como os que as esca-
a comer ao Minotauro. Mais tarde, Minos foi vações de Evans encontraram em Cnosso e ou-
à Sicília, chefiando um exército, para procu- tros locais. O Labirinto é, de facto, o «palá-
rar Dédalo, que encontrou na corte do rei CÓ- cio do machado de dois gumes» (em grego
calo (v. Dédalo e Cócalo). Mas foi aí que mor- Àá~puç), símbolo que se encontrou gravado um
reu, morto no banho pelas filhas do rei, pouco por toda a parte nos monumentos rni-
instigadas por Dédalo. Os soldados cretenses nóicos e que tem talvez um significado «solar».
que o acompanhavam fundaram na Sicília a MÍRICE. (Mup(x'I}.) Mírice, Tâmaris, é filha
cidade de Heracleia Minoa. Mais tarde, os Cre- do rei de Chipre, Cíniras, e transformou-se
tenses organizaram uma expedição punitiva num arbusto, a tamargueira. Esta lenda pode
contra a Sicília, mas foram obrigados a reto- relacionar-se com a de Mirra, ou Esmirna, tam-
mar o mar. Uma tempestade atirou-os para o bém filha de Cíniras.
país dos Iapígios, e foi aí que se fixaram. Mais
tarde, parte deles foi obrigada a exilar-se, na MIRINA. (MÚpLYC<.) Mirina é uma amazona
sequência de discórdias internas, e dirigiu-se à que, chefiando a sua nação, obteve grandes vi-
Macedónia. O oráculo ordenara-lhes que se fi- tórias. Declarou guerra aos Atlantes, que ha-
xassem onde Ihes oferecessem terra e água para bitavam um país situado na costa do Oceano
comer. Ora, quando chegaram a Botia, que é onde se dizia que os deuses haviam nascido.
uma região da Macedónia, encontraram crianças Com a ajuda de um exército de três mil ama-
que brincavam fazendo bolos de lama. Muito zonas que combatiam apeadas, e de vinte mil
sérias, as crianças ofereceram-lhes esses bolos a cavalo, conquistou primeiramente o territó-
para comer. Então, os imigrantes reconhece- rio de uma cidade atlante, chamada Cerne. Em
ram que o oráculo se cumpria e pediram ao rei seguida, tomou a própria cidade, passou a fio
do país uma concessão, que Ihes foi outorgada. de espada todos os homens válidos e levou
Existia em Heracleia Minoa um «túmulo de como cativas as crianças e as mulheres. Depois,
Minos» que se dizia ser o que os companhei- a cidade foi completamente arrasada. Aterro-
ros de Minos haviam erguido ao seu rei. Num rizados, os outros atlantes capitularam imedia-
compartimento interior, estavam as cinzas de tamente. Então, Mirina tratou-os generosa-
Minos; uma segunda sala era um santuário em mente, estabeleceu com eles um tratado de
honra de Afrodite. Esse túmulo foi arrasado aliança, construiu uma cidade, a que chamou
aquando da fundação de Agrigento. As cinzas Mirina, no mesmo local da que destruíra, e
de Minos foram então transportadas para deu-a aos prisioneiros e a todos os que quise-
Creta (v. também Minotauro, Pasifae, Teseu). ram vir habitá-Ia. Os Atlantes pediram então
a Mirina que os ajudasse na luta contra as Gór-
MINOTAURO. (MLYW'tC<Upoç.) Dá-se o nome gones (v. Gôrgonesy, Num primeiro e durís-
de Minotauro a um monstro que tinha corpo simo recontro, Mirina alcançou a vitória, mas
de homem e cabeça de touro. Na realidade, muitas Górgones escaparam. Depois, uma
chamava-se Astério ou Astérion, e era filho de noite, as Górgones que estavam priosioneiras
Pasífae, mulher de Minos, e de um touro en- no campo das Amazonas apoderaram-se das
viado por Posídon a este rei (v. Minos). Mi- armas das suas sentinelas e mataram um grande
nos, aterrorizado e envergonhado com o nas- número destas. Rapidamente as Amazonas se
cimento do monstro, fruto dos amores recompuseram e massacraram as rebeldes. Mi-
contranaturais de Pasífae, ordenou ao artista rina concedeu grandes honras às suas súbdi-
ateniense Dédalo, que nessa altura se encon- tas que pereceram neste combate e erigiu-lhes
trava-na sua corte, que contruísse um imenso um túmulo composto de três cabeços de igual
palácio (o Labirinto), composto de um tal ema- altura que, na época histórica, ainda eram co-
ranhado de salas e corredores que ninguém, a nhecidos pelo nome de Túmulos das Amazo-
não ser Dédalo, conseguisse encontrar o cami- nas. Apesar da derrota, as Górgones consegui-
nho para dele sair. Foi lá que encarcerou o ram restabelecer o seu poderio e, mais tarde,
monstro. E, todos os anos (outros dizem que diz-se que Perseu e depois Héracles tiveram de
de três em três anos, ou mesmo de nove em as combater.
nove), dava-lhes a devorar sete jovens e sete Os feitos atribuídos a Mirina não se confi-
donzelas, tributo que impusera à cidade de Ate- nam a estas duas guerras. Mais tarde, depois

Surn., s.u. V. G. GLOTZ, La Civilisation egéenne 2.' 590 e S.; OV., Met., VIII, 167; Her., IV, II5 e S.;
ed., Paris, 1937, e a bibliografia citada. CALL., Dei., 310 e S.; PLAT., Phdr., 58 a; STRAB., X,
4, 8, p. 477.
Mlnotauro: APOLLOO., Bibl., III, 1,4; 15,8; DIOD.
SIC., I, 61; IV, 61; 77; PWT., Thes., 15 e S.; 19; 21; Mírice: HESCH., S.U.
PAUSAN., I, 22, 5; 24, I; 27,10; III, 18, 11; 16;
VIRO., Aen., V, 588 e SERVoad loc.; esc61. ad VIRO., Mirina: 11.,lI, 814, e escól. ad loc.; TZETZ. ad Lyc.,
Aen., VI, 21; Hyo., Fab., 40; 41; 42; cf. //., XVIII, 243; STRAB., XIII, 3, 6, p. 623; Dton, SIC., III, 54 e s.
315 MisCELO

de ter conquistado a maior parte da Líbia, en- MIRSO. (Mépcoç.) Mirso é o herói de uma
trou no Egipto, na época em que aí reinava lenda referida apenas por Nono, nas Dionista-
Horo, filho de Ísis. Com ele firmou um tra- caso Era um dos filhos de Areto, que, contra
tado de amizade. Emseguida, organizou uma sua vontade, marchou contra Dioniso. Mirso
expedição contra os Arabes; assolou a Síria e, tinha como irmãos Lico, Glauco e Périfas,
subindo em direcção ao Norte, encontrou uma além de Melaneu. Eram todos mudos. No ca-
delegação dos Cilícios, que voluntariamente se samento de Areto, no momento em que a
lhe submeteram. Transpôs, forçando a passa- noiva, Laóbia, se preparava para, segundo o
gem de armas na mão, o maciço do Tauro, rito, oferecer um sacrifício a Afrodite, uma
atravessou a Frígia e atingiu a região do Caíco, porca pariu, com um guincho, uma ninhada
termo da sua expedição. de peixes e não de bácoros. Um adivinho, con-
Por fim, Mirina foi morta pelo rei Mopso, sultado secretamente, revelou que o facto pres-
um trácio expulso da sua pátria pelo rei Li- sagiava para Areto e Laóbia um número igual
curgo. de filhos mudos, o que efectivamente aconte-
Esta lenda é uma construção «histórica» e ceu. Mas Dioniso, quando se tornou vencedor,
não constitui propriamente um mito, mas uma concedeu aos filhos de Areto a faculdade de
interpretação de elementos míticos combina- falar.
dos de modo a formar uma narrativa mais ou
menos coerente (v. também Górgones) em que, MÍRTILO. (Mup~(Àoç.)Nas versões dramá-
a par dos mitos, se adivinha o trabalho «ra- ticas da lenda de Pélops, Mírtilo é o cocheiro
cionalista» dos mitógrafos evemeristas. de Enómao, que traiu o seu amo tirando-lhe
Mirina, rainha das Amazonas, é referida na o aro da roda do carro e substituindo-a por ou-
Iliada; no entanto, Mirina é o seu nome «en- tra, de cera. Desse modo, deu azo a que Pé-
tre os deuses», enquanto o seu nome humano lops saísse vitorioso de Enómao, cujos cava-
é Batiea. Dizia-se que fora casada com o rei los divinos não poderiam ter sido vencidos de
Dárdano (v. quadro 7, p. 112); seria, nesse outra maneira (v. Pélops e Hipodamia).
caso, filha de Teucro. Reina a maior confusão Mírtilo é filho de Hermes e Faetusa, uma das
nas tradições relativas a esta heroína, a maior filhas de Dánao, ou então de Clímene. As cau-
parte das quais atestadas tardiamente. sas dadas para a sua traição são múltiplas: ou
estaria apaixonado por Hipodamia, ou ela o
MIRMECE. V. Mirmex. conquistou para a sua causa, ou foi subornado
MÍRMEX. (MúPiJ.'1ç.)Mírmex era uma jo- por Pélops. Depois da vitória deste, e do rapto
vem ateniense que, pelos seus bons costumes de Hipodamia, Mírtilo foi morto por Pélops,
e a sua habilidade manual, merecera a estima que o atirou ao mar; em algumas versões, Mír-
e a afeição da deusa Atena. Mas Mírmex fez- tilo é o epónimo do mar de Mirto, que banha
-se passar por ter inventado o arado, invenção as costas meridionais da Atica.
que, na realidade, pertencia a Atena. Assim, Ao morrer, Mírtilo amaldiçoou Pélops e a
para a castigar, a deusa transformou-a em for- sua raça, e estaria aí a origem das desgraças
miga, laboriosa, mas prejudicial às colheitas. que atingiram os seus descendentes (v. Pélops
Mais tarde, Zeus metamorfoseou-a de novo em e quadro 2, p. 12). Existem duas versões prin-
ser humano, bem como todo o povo das for- cipais da sua morte: ou, no caminho, tentou
migas (v. Éaco). violar Hipodamia, ou Pélops o matou para não
ter de lhe dar o preço acordado pela sua trai-
MÍRMIDON. (MuPiJ.,owv.)Mírmidon,ante- ção (v. Hipodamia).
passado e herói epónimo dos Mirmídones (o Após a morte, Hermes transformou seu fi-
povo tessálio de queAquiles era rei), é filho lho Mírtilo numa constelação, o Auriga.
de Zeus e de Eurimedusa. É o pai de Actor (v.
este nome) e de Ântifo, filhos que teve de Pi- MIRTO. (Mup~w.) Entre outras heroínas,
sídice, uma das filhas de Éolo (v. quadro 8, Mirto é o nome de uma filha de Menécio. Por
p. 116). Por intermédio de sua filha Eupole- isso, é irmã de Pátroclo. De Héracles, teve uma
mia, é avô do Argonauta Etálides. filha, Eucleia (v., no entanto, Macária). Eu-
Outra tradição dava-o como filho de Dio- eleia morreu virgem e foi muitas vezes associa-
pletes e neto de Perieres. Por sua mulher, Po- da a Artemis em vários santuários da Beócia
lidora, era genro de Peleu. e da Lócrida.
MIRRA. (Muppa.) Sobre a lenda de Mirra, MÍSCELO. (Múax_Àoç.)Míscelo é o funda-
filha do rei de Chipre, Cíniras, os seus amo- dor da cidade de Crotona, na Itália. Existem
res culpados e a sua metamorfose em planta várias lendas a seu respeito. Na tradição mais
da mirra, v. Adónis. Por vezes, é também cha- antiga, Míscelo é um aqueu, originário de Ri-
mada Esmirna (v. este nome). pes, que quis fundar uma colónia na Magna

Mírmex: SERVo ad VIRG., Aen., IV, 402. ad v. 990; 998; HYG., Fab., 84; Astr. Poet., 11, 13;
0100. SIC., IV, 73; Ps.-Ov., [bis, 369 e S.; ApOLLOO.,
Mírmidon: SERVo ad VIRG., Aen., 11, 7; escól. ad Ep., 11, 6 e S.; PAUSAN., VIII, 14, 10 e S.; SERV., ad
11., XVI, 177.
VIRG., Georg., 111, 7.
Mirra: V. o artigo Adonis. Mlrto: PLUT., Arist., 20.
Mirso: NONN., Dion., XXVI, 250 e s.
Mísce1o: Fragm. Hist. gr., 11, p. 14, fr. 4 (HIPPYS
Mírtilo: Escól. ad 11., 11, 104; ad SOPH., EI., 505; OE RHÉGIUM); STRAB., VI, 1, 12, p. 262; 0100. SIC.,
ad Aroí.. RH., Arg., I, 752; SOPH., tragédia perdida fr. VIII, 17; OV., Met., XV, 12 e S.; cf. J. BÉRARO,
de Enômao; EI., 508 e S.; EUR., Or., 988 e s.; escól. Colonisation, p. 164 ss.
MISENO 316

Grécia. Por intermédio do oráculo de Delfos, rer em Tróia. Mas não se sabia quem era esse
Apoio ordenou-lhe que fundasse Crotona. No filho de Apoio. Mnémon tinha o encargo de
entanto, ao chegar à região, Míscelo viu a ci- lembrar incessantemente a Aquiles que tinha
dade de Síbaris, que já existia, e voltou atrás de estar atento, antes de matar quem quer que
para perguntar ao deus se era realmente pre- fosse, e de se assegurar que a sua vítima não
ciso fundar uma nova cidade na mesma zona. descendia de Apoio, Ora, em Ténedo, Aqui-
O oráculo respondeu-lhe: «Míscelo de espádua les matou o herói Tenes (v. Aquiles), que era
curta [pois ele era ligeiramente corcunda], ao filho de Apoio; a partir de então, não pôde es-
agires contra a vontade do deus, colherás lá- capar ao seu destino. Para castigar Mnémon,
grimas; aceita o presente que te é feito.» E Mís- matou-o com um golpe de lança.
ceio acabou por obedecer.
MNEMÓSINA. V. Mnemôsine.
Outra tradição, transmitida por Ovídio, re-
fere que Crotona foi fundada graças à inter- MNEMÓSINE. (M~T)l'-ooúvT);) Mnemósine é
venção de Héracles que, em tempos, fora re- a personificação de Memória. E filha de Urano
cebido pelo herói Cróton, quando regressou da e Geia, e pertence ao grupo das Titânides (v.
ilha de Gérion. Como agradecimento pela sua quadro 6, p. 105, e 14, p. 182). Zeus uniu-se-1he,
hospitalidade, Héracles prometeu-lhe que, mais em Piéria, durante nove noites seguidas, e, um
tarde, se havia de construir uma cidade que te- ano depois, ela deu-lhe nove filhas, as Musas.
ria o seu nome. Por isso, avisou em sonhos Havia uma fonte «de Memória» (Mnemó-
Míscelo, um argivo, de que devia fundar uma sine), diante do oráculo de Trofónio (v. Lete).
colónia na Magna Grécia. Nesse tempo, po-
* MNESTEU. (MvT).,(ltúç.) Mnesteu é um dos
rém, as leis de Argos proibiam a emigração.
companheiros de Eneias que participou nos jo-
A princípio, Míscelo não deu qualquer impor-
gos náuticos dados pelo herói. Ganhou o se-
tância ao sonho. Héracles voltou, e ameaçou-
gundo prémio. Virgílio fá-Io epónimo da gens
-o com terríveis castigos. Míscelo resignou-se
romana dos Memmii, através de um jogo eti-
entâo a violar as leis. Mas foi levado ajuízo,
mológico: os dois nomes, um em grego, outro
e todos os sufrágios dos juízes lhe foram des-
em latim, sugerem a raiz que significa
favoráveis. Todos colocaram na urna seixos ne-
«lembrar -se»,
gros que o condenavam à morte. Então, Mís-
'ceio implorou a Héracles que o salvasse da *MÓDIO FABÍDIO. (Modius Fabidius.)
difícil situação em que o pusera, Milagrosa- Durante uma festa em honra do deus sabino
mente, todos os seixos negros se tornaram de Quirino, na região de Reate (hoje em dia Rieti),
imediato brancos, e Míscelo foi ilibado. no tempo em que os Aborígenes ainda a habi-
Permitiram-lhe então que partisse e fundasse tavam, uma jovem de raça nobre dançava com
a sua colónia; foi assim que se estabeleceu no outras em honra do deus. A dado passo, inspi-
local de Crotona. rada por este, entrou no santuário e dele saiu
grávida do deus. Deu à luz um filho que cres-
MISENO. (MtCTTJ~óç.)Miseno é um compa- ceu rapidamente e ficou com uma estatura fora
nheiro de Ulisses que deu o seu nome ao cabo do comum, Este jovem, de nome Módio Fabí-
Miseno, na Campânia. Segundo outra versão, dio, distinguiu-se pelos seus feitos guerreiros.
era um companheiro de Heitor que, depois da Por fim, quis fundar uma cidade e conquistar
morte deste, se juntou a Eneias e o acompa- um reino. Reuniu um grupo de companheiros,
nhou nas suas errãncias. Era o trombeteiro do partiu e deteve-se no local onde se elevaria Cu-
exército. Um dia em que a frota estava anco- res. Aí fundou a cidade, à qual deu o nome de
rada na Campânia, Miseno desafiou todos os Cures, fosse em virtude do nome de seu pai,
deuses, pretendendo que tocava trombeta me- Quirino, fosse por causa do nome da lança, em
lhor do que qualquer imortal. Tritão, o deus língua sabina: «curis» (v. Quirino).
marinho que tocava búzio, surpreendeu-o e
MOIRAS. V. Meras.
atirou-o ao mar, onde se afogou. Enterraram-
-no na costa, no local que tomou o seu nome. MOLIÓNIDAS. (MoÀtov,õo<t.) Os Moliónidas
são dois irmãos gémeos, Êurito e Ctéato, cujo
MNÉMON. (MvTjl'-w~.) Ao deixar Aquiles pai «humanos é Actor, o irmão de Augias, rei
partir para a Guerra de Tróia, sua mãe deu- da Elida (v. quadro 25, p. 268) e cujo pai di-
-lhe um servidor de nome Mnémon (caquele vino é Posídon. Sua mãe chama-se Molíone, e
que se recorda» - ou «que faz recordar»), en- é filha de um herói, Molo, nome a partir do qual
carregado de o precaver contra um acidente se formou o patronímico com que geralmente
para o qual um oráculo a prevenira: se Aqui- são referidos. Nasceram de um ovo de prata,
les matasse um filho de Apoio, teria de mor- semelhante àquele de que saíram os filhos de

Mlseno: STRAB., I, 2, 18, p. 26; VIRG., Aen., VI, Módio Fabídio: DION. HAL., 11,48.
163 e S.; SERV., ad v. III, 239. Cf. J. HUBAUX, in Moliónidas: 11., 11,621; XI, 709-752; XXIII, 638
Ant. C/ass., 1933, p. 153-164. e 5.; escól, ad vv . XX, 709; XXIII, 638 e 699; EUST.
Mnémon: Lvc., A/ex., 241 e S., e TZETZ. ad v. ad 11., XI, 749; PAUSAN., V, I, JO e S.; 2, I e S.; 5;
232; cf. PWT., Qu. Or., 28. 3, 3; VIII, 14, 9; ATHEN., lI, 57 e 5.; ApOLLOD.,
Bib/., 11,7,2; PI., O., X, 26es.; cf. VAN DER KOLf,
Mnemósine: HES., Theog., 54 e 5.; 135; 915 e s. S.U. Molione, R.E., XVI-I, 3-7; A. H. KRAPPE, «The
Mnesleu: VIRG., Aen., V, 116 e 5.; XII, 127; SERVo Molionides», Mé/. H. O. Wood, Londres, 1933,
adv. V, 117, p. 133-146; R. CANTIENI, op. cit. (no artigo Neston.
317 MONETA

Leda (v. este nome). Por vezes, diz-se que for- pio de Tétis, mas Herrníone descobriu o segredo
mam um único ser monstruoso, com duas ca- e preparava-se para matar Andrómaca e o fi-
beças num só corpo; na [boda, onde se citam lho quando a intervenção de Peleu os salvou a
os seus primeiros feitos, surgem como dois ho- ambos. Em seguida, quando Neoptólemo foi
mens distintos, de tamanho e força considerá- morto por Orestes, Tétis, que via na criança o
veis, mas humanos. único descendente da raça de Eaco, ordenou a
Na juventude, Nestor combateu contra Andrómaca que com ele se fixasse no Epiro. Aí,
ambos, durante as lutas entre Neleu e os Epeus Andrómaca casou com Heleno, a quem Mo-
da Elida, seu vizinhos. Quase os matou, e Po- losso sucedeu no trono do Epiro, dando o seu
sídon teve de os salvar escondendo-os dentro nome aos habitantes do país, os Molossos.
de uma nuvem. Uma tradiçâo referia dois irmãos de Mo-
Foram estes heróis, seus sobrinhos, que Au- losso, nascidos igualmente de Andrómaca e
gias chamou em seu socorro quando foi atacado Pirro: Píelo e Pérgamo.
por Héracles (v. Héracles). No que concerne à
MOLPADIA. (MoÀ1tao(a.) Molpadia é uma
luta entre Héracles e os Moliónidas, a vitória
das amazonas que atacaram a Ática. Com uma
destes e, em seguida, a sua morte, v. Héracles.
flecha, matou Antíope, a amazona que casara
Os Moliónidas casaram com duas filhas de
com Teseu, mas foi morta pelo próprio Teseu.
Dexâmeno, Teronice e Teréfone, de quem ti-
Quanto a outra Molpadia, filha de Estáfilo,
veram dois filhos, Anfímaco e Tálpio, que, em
v. o artigo Párteno.
Tróia, comandavam o contingente dos Epeus.
. MÓLPIS. (MÓÀ1t1ç.) Mólpis é um nobre da
MOLO. (MóÀoç.) Molo é um cretense, filho
Elida que, numa altura em que a fome grassava
bastardo de Deucalião (v. quadro 30, p. 312)
no seu país, se sacrificou voluntariamente por
e pai de Meríones, amigo e companheiro de Ido-
ordem de um oráculo, para aplacar a cólera dos
meneu. Durante uma festa que se celebrava em
deuses. Foram-lhe concedidas honras divinas.
Creta no tempo de Plutarco, exibia-se um bo-
neco sem cabeça a que se dava o nome de Molo; MOLPO. (MóÀ1toç.) Molpo é um tocador de
dizia-se que se tratava do pai de Meríones, que flauta da ilha de Ténedos, que prestou um falso
quisera violar uma ninfa. Pouco tempo depois, testemunho contra Tenes, cuja madrasta acu-
encontrara-se o seu corpo decapitado e era esse sara de a ter querido violar. Em Ténedos, os
episódio que o rito comemorava. flautistas não podiam entrar no templo que fora
Acerca de Molo, avô dos Moliónidas, v. este consagrado a Tenes (v. Cicno e Tenes).
nome. É provável que este Molo, inteiramente
MOMO. (MWIlOç.) Morno é a personificação
do domínio da imaginação, tenha sido inven-
do Sarcasmo. Na Teogonia hesiódica, é filha
tado apenas para explicar o patronímico «Mo-
da Noite e irmâ das Hespérides. Quando a
liónidas», cujo significado permanece obscuro. Terra, por causa do excesso de peso que supor-
MOLORCO. (MóÀopxoç.) Molorco é o pas- tava porque os homens se multiplicavam dema-
tor, vizinho de Némea, que deu hospitalidade siado depressa, pediu a Zeus que diminuísse o
a Héracles quando este veio para matar o leão número desses homens, Zeus enviou uma
que assolava a região. Foi o primeiro a prestar- guerra à humanidade: foi a Guerra de Tebas.
-lhe honras divinas (v. Héracles). Porém, como essa via se mostrou insuficiente,
pensou em fulminar os homens ou em afogá-
MOLOSSO. (MoÀoaaóç.) Molosso, ou Mo-
-Ios em massa. Então, Morno recomendou-lhe
10tQ, é filho de Neoptólemo (Pirro) e, por isso,
um processo mais eficaz: dar Tétis em casa-
neto de Aquiles. Sua mãe é Andrómaca, mu-
mento a um mortal, e conceber uma filha (He-
lher de Heitor, que Neoptólemo recebeu na par-
lena), que lançasse a discórdia entre a Ásia e
tilha das cativas troianas. Eurípides pôs em cena
a Europa. Assim se explicava, por vezes, a ori-
a lenda 'de Molosso na tragédia Andrómaca.
gem da Guerra de Tróia.
A criança, nascida em Ftia, para onde Neop-
tólemo regressara depois da queda de Tróia, foi • MONETA. (Maneta.) Moneta, a Avisa-
exposta secreta mente por sua mãe. Todavia, dora, é o epíteto da deusa Juno venerada no
não morreu, e Neoptólemo recolheu-o e cimo norte do Capitólio, em Roma. Recebera
reconheceu-o aquando de uma viagem a Del- esse nome porque, aquando da invasão dos
fos (v. Neoptólemo). Mas Hermíone, que Gauleses, em 390 a. c., os gansos sagrados que
Neoptólemo desposara e que não podia ter fi- se criavam em volta do santuário da deusa de-
lhos, com ciúmes da criança, resolveu perseguir ram o alarme com os seus gritos, enquanto o
Andrómaca e Molosso. Durante algum tempo, inimigo tentava tomar de surpresa a colina num
Andrómaca conseguiu esconder o filho no tem- ataque nocturno. O templo de Juno Moneta

Molo: 11., X, 269; DIOD. SIC., V, 79; PLUT., de Mólpis: TZETZ., ad Lyc., 159.
def'., 14; AI'OI.I.()()., Bibl., 111, 3, I. Molpo: PLUT., Qu, Gr., 28; TZETZ., ad Lyc., 232;
Molorco: SERVo ad VIRG., Georg., 111,19; PROB., 234; STEPH. BYl., S.U. Téveêoc; EUR., tragédia per-
ad loc.; A1'01.1.01l., Bibl., li, 5, I; CAI.I., Ael., I, 9. dida de Tenes: DIOD. SIC., V, 83.
Molosso: EUR., Andr., passim; escól. ad Od., 111, Morno: HES., Theog., 214; escól. ad ll., I, 5 e S.
188; SERVo ad VIR"., Aen., 111,297; PAUSAN., 1. li, Moneta: LIV., IV, 7; VI, 20; VII, 28; PLUT., Qu.
I e S. Rom., 20; Ov., Fast.; VI, 183 e S.; MACROB., SaI.,
Molpadia: PAUSAN., 1,2, I. I, 12, 30; SUID., S.U. Mov'ÍJto<.
MOPSO 318

erguia-se no local onde ficava a casa de Mân- dica a sua função: está encarregado de tomar
cio Capitolino, que fóra destruída depois da a forma de seres humanos e de se mostrar aos
condenação à morte do seu proprietário, sus- homens adormecidos durante os sonhos. Como
peito de aspirar à monarquia. a maior parte das divindades do sono e dos so-
Era nesse templo que se cunhava a moeda. nhos, Morfeu é alado. Tem grandes asas rápi-
Contava-se que, durante a guerra contra Pirro, das, que bate sem fazer barulho, e o levam num
temendo que o dinheiro Ihes viesse a faltar, os ápice aos confins da Terra.
Romanos pediram conselho a Juno. A deusa
respondeu-Ihes que jamais teriam falta de di- MORGES. (Móp'(llç.) Quando o rei Ítalo en-
nheiro se orientassem as suas guerras com jus- velheceu, sucedeu-lhe um certo Morges, que
tiça. Como agradecimento por esse conselho, reinou na região entre Tarento e Pesto, que na
decidiu-se que a cunhagem da moeda se faria altura se chamava «Itália». No seu reinado, o
sob os auspícios da deusa. povo tomou o nome de Morgetes. Um dia, veio
junto dele um homem, exilado de Roma, que
MOPSO. (Móq,oç.) Entre outros heróis com se chamava Sícelo. Morges recebeu-o, deu-lhe
este nome, são particularmente célebres dois, uma parte do seu reino e, nessa zona, os habi-
ambos adivinhos. tantes adoptaram o nome de Sículos.
1. O primeiro é um lápita, filho de Âmpix Morges tinha uma filha, Síris, que casou
e de Clóris. Participou na expedição dos Ar- com Métabo (também chamado Metaponto; v.
gonautas, em que foi, depois de Ídmon, o adi- este nome). Foi o fundador da cidade de Mor-
vinho oficial. Figurara entre os concorrentes gâncio, e de muitas outras cidades.
de Cátidon. Morreu durante a expedição dos
Argonautas, na Líbia, mordido por uma ser- MORGETE. V. Morges.
pente. É o herói epónimo da cidade de Móp-
sio, na Tessátia. 05 mitógrafos confundem-no MÓRIA. (Moplu.) Mória é uma mulher lí-
por vezes com o seu homónimo. dia, heroína de um episódio maravilhoso que
2. O outro Mopso, filho de Manto, é neto lembra a ressurreição de Glauco, filho de Mi-
de Tirésias (v. Manto). nos (v. Olauco). Um dia, seu irmão Tilo, que
As tradições diferem muito quanto à iden- passeava nas margens do Hermo, tocou inad-
tidade de seu pai. Frequentemente, diz-se que vertidamente numa serpente. O animal
é filho de Apoio (mas essa é a solução comum mordeu-o no rosto e Tilo morreu imediata-
para a maior parte dos adivinhos). Por vezes, mente. Mória, que vira de longe a horrível sorte
seu pai humano é o Argivo Rácio, que Manto do irmão, chamou em seu socorro Damasen,
encontrou ao sair do templo de Delfos e que um gigante filho da Terra (v. Damasen). Da-
assim foi designado pelo deus como seu ma- masen agarrou numa árvore, que arrancou de
rido. Com este Racio, Manto partiu para um só golpe, e esmagou a serpente. Então a
Claro. Outra tradição referia que, por ordem fêmea do monstro precipitou-se para um bos-
de Apoio, Manto partira sozinha para Claro; que vizinho e voltou trazendo nas goelas uma
no caminho, foi raptada por piratas cretenses erva que pôs nas narinas do cadáver. Imedia-
que a levaram ao chefe, Racio. Dessa união tamente, o animal recobrou ânimo e, mal vol-
terá nascido Mopso. tou à vida, fugiu.
Atribui-se a Mopso a fundação da cidade de Mória, esclarecida pelo exemplo da serpente,
Cólofon. Era o adivinho do oráculo de Apoio agarrou na erva e, do mesmo modo, trouxe
de Claro e foi a esse título que entrou na com- Tilo de volta à vida.
petição com o outro grande adivinho do seu Essa erva parece que tinha o nome de «ba-
tempo (depois de seu avô Tirésias), Calcas, que tiS».
na altura estava de regresso da Guerra de Tróia MORMO. (MopjJ.w.) Mormo é um génio fe-
(v. Calcas). Mopso sagrou-se facilmente ven- minino com que se ameaçavam as crianças.
cedor, e Calcas matou-se de despeito. Depois Acusavam-na de morder não só as crianças
da morte de Calcas, Mopso juntou-se a Anfí- más como todas as outras e de as tornar co-
loco, que o acompanhava, enquanto os seus xas. Por vezes, identificava-se com Gelo (v. este
companheiros se espalhavam pela Panfília, a nome), ou ainda com Lârnia (v. Lãmia e tam-
Cilícia e a Síria. Mopso e Anfíloco fundaram bém o artigo seguinte).
a cidade de Maio (sobre as suas relações e a MORMÓLICE. (MopjJ.oÀúXT).) A Loba-
morte de ambos, em duelo, v. Anj(loco).
-Mormo, Mormólice, é, tal como Mormo, um
MORFEU. (Mopcpõúç.) Morfeu é um dos mil génio aterrorizador com o qual se metia medo
filhos do Sono (Hipno). O seu nome (derivado às crianças. Dizia-se que era a ama de Aque-
do vocábulo grego que significa «a forma») in- ronte. Isso indica que, nas crenças populares,

Mopso: 1) HES., Scut., 181; Ov., Mel., VIII, 316; Morges: DION. HAL., I, 12, 3; 73, 4 e 5; STRAB.,
XII 456; Aeoi., RH., Arg., I, 65 e esc61. ad loc.; 80; VI, 257; Etym, Magn., p. 714,21; cf. J. BÉRARD,
IV, 1518 e S.; HYG., Pab., 14; 173; PAUSAN., V, 17, Colonisation, p. 467 e s.
10; STRAB., IX, p.44; Lvc., Alex., 881 e S.; Mória: NONN., Dion., XXV, 451 e S.; cf. PUN.,
2) STRAB., IX, p. 675; XVI, 642 e S.; 668; 675 e S.; N. H., XXV, 14.
CONON, Narr., 6; Cic., de div., 1,40,88; esc61. ad
Asoi., RH., Arg., I, 308; PAUSAN., VII, 3, 2; IX, 33, Mormo: XENOPH., Hell., IV, 4, 17; THEOCR., XV,
1; SERVo ad VIRG., EcI., IV, 72; ApOllOD., Epit., VI, 40 e esc61.
2; 4; 19. Mormólice: STRAB., I, p. 19; cf. Fragm. Hisl. gr.
Morfeu: Ov., Met., XI, 635 e s. (MÜllER), I, 430.
319 MUSAS

estava relacionada com o mundo dos mortos lher, Lelante, teve vários filhos: Alcandro, _--=
e dos fantasmas. era um adivinho ainda melhor que o pai, .\f~-
* MORTE. (Mors.) Enquanto, na Grécia, a galetor, Fileu, e uma filha, Hiperipe. Eram .o-
Morte está personificada num génio masculino, dos bons e virtuosos, e os deuses amavam-a :
Tânato (v. este nome), em Roma é considerada pela sua devoção. Uma noite, malfeitores
assaltaram-Ihes a cidade e, como Múnico e os
uma deusa, Mors, ou então uma pura abstrac-
seus não podiam resistir, atiraram toda a fa-
ção personificada. Não tem qualquer lenda es-
pecífica. mília do cimo das torres e incendiaram a casa.
Zeus não podia permitir que morressem assim,
MOTONE. (Mo9wv1'}.) Motone é a filha de sendo tão piedosos, e transformou-os em pás-
Eneu, numa lenda local da Messénia. Foi ela saros. Hiperipe, que teve medo das chamas e
quem deu o nome à cidade de Motone que, na se atirou à água, tornou-se um mergulhão (ou
epopeia hornérica, se chama Pédaso. Quando, uma gaivota); Múnico transformou-se num fal-
após a Guerra de Tróia, Diomedes levou Eneu, cão, Alcandro em carricinha, Megaletor e Fi-
seu avô, para Messénia, Eneu teve Motone de leu, que fugiram através de uma parede e se
uma mulher da região e, em honra de sua fi- esconderam na areia, metamorfosearam-se em
lha, mudou o nome da cidade de Pédaso. dois pardais; a mãe, Lelante, transformou-se
numa espécie de cotovia (ou de picanço).
* MÚCIO CÉVOLA. (Mucius Scaeuo/a.)
Quando, depois da expulsão dos Tarquínios, MÚNITO. (Moúvt~oç.) Múnito é o filho nas-
Roma estava sitiada pelo rei etrusco Porsena, cido dos amores clandestinos de Láodice, a
um certo Múcio decidiu matá-Io. Para o con- «mais bela das filhas de Príamo», e de Áca-
seguir, introduziu-se no campo inimigo, mas, mas, um dos filhos de Teseu que, antes da
como não conhecia o rei, enganou-se e apunha- guerra, viera a Tróia, como embaixador, re-
lou outro adversário que julgava ser ele. Foi clamar Helena (v. Ácamas e Laódice). Foi con-
imediatamente preso e levado à presença de fiado pela mãe a Etra, que era avó da criança,
Porsena. Ora, aconteceu que nesse mesmo mo- e, após a queda de Tróia, Etra entregou-a ao
mento traziam uma braseira cheia de carvões pai. Mas Múnito morreu durante uma caçada,
incandescentes destinados à celebração de um na Tessália, mordido por uma serpente.
sacrifício: Estendendo a mão direita, Múcio
colocou-a sobre o lume e deixou voluntaria- MUSAS. (Moêcer.) As Musas são filhas de
Mnemósine e de Zeus (v. Mnemósine) e são
mente que o fogo a consumisse. Cheio de ad-
nove irmãs, fruto de nove noites de amor. Ou-
miração, Porsena mandou levar a braseira e
tras tradições dão-nas como filhas de Harmo-
ele próprio devolveu ao seu inimigo a espada
nia, ou então de Úrano e Geia (a Terra e o
que lhe haviam tirado. Então, Múcio revelou-
Céu). Todas estas genealogias são evidente-
-lhe - o que era inteiramente mentira - que
mente simbólicas e ligam-se, de forma mais ou
trezentos romanos como ele esperavam a oca-
sião de conseguir realizar aquilo em que ele fa- menos directa, a concepções filosóficas sobre
o primado da Música no Universo. De facto,
lhara, e que ele apenas fora escolhido pela sorte
as Musas não são somente as Cantoras divi-
para uma primeira tentativa. Aterrorizado,
nas, cujos coros e hinos alegram Zeus e todos
Porsena estabeleceu imediatamente um armis-
os deuses; presidem também ao Pensamento
tício com Roma.
em todas as suas formas: eloquência, persua-
Múcio, que ficara maneta em consequência
são, sabedoria, história, matemáticas, astro-
do seu sacrifício, tomou o nome de Scaeuo/a
nomia. Hesíodo louva-Ihes os benefícios: são
(o Canhoto).
elas que acompanham os reis e Ihes ditam pa-
MÚNICO. (Moúvtxoç.) 1. Em Atenas, Mú- lavras persuasivas, que Ihes são necessárias
nico era o herói epónimo do porto de Muní- para sanar querelas e restabelecer a paz entre
quia, um dos portos militares do Pireu. Dizia- os homens. Concedem-lhes ainda o dom da
-se que era um rei da Atica, filho de Panteucles. bondade, que os torna queridos de seus súb-
Acolheu os Mínias quando foram expulsos da ditos. E, diz ainda Hesiodo, basta que um can-
sua pátria por uma invasão trácia, e propor- tor, isto é, um servo das Musas, celebre os fei-
cionou-Ihes asilo nos arredores do porto, a que tos dos homens do passado ou os deuses, para
os Mínias, reconhecidos, deram o nome do seu que quem tem preocupações ou desgostos os
benfeitor. esqueça imediatamente.
2. Outro Múnico é o herói de uma lenda ilí- O canto mais antigo das Musas é o que elas
ria. Era filho de Drias e sucedeu ao pai como entoaram depois da vitória dos Olímpicos so-
rei dos Molossos (v. Motossoi. Era um adivi- bre os Titãs, para celebrar o surgimento de uma
nho excelente e um homem justo. De sua mu- nova ordem.

Morte: Cic., de nato D., Il l , 17,44; SERVo ad Múníto: TZETZ., ad Lyc., 495 e s.; cf. PAUSAN., X,
VIRO., Aen., XI, 197. 26, 8; PARTH., eo»; 16.

Molone: PAUSAN., IV, 35, 1 e s. Musas: 11., I, 406; Od., XXIV, 60; HES., Theog.,
35 e S.; 915; Hymn. hom. Herm., 429; Apoll., 189
Múcio Cévola: PLUT., Publ., 27 e S.; Liv., lI, 12 e S.; PINO., Pyth., Il l, 88 e S.; escól. ad Nem., III,
e S. 16; PAUSAN., I, 2, 5; IX, 29, 2 e S.; EUR., Med., 834;
Múnico: 1) EUR., Hipp., 761; cf. escól. ad DEM., 0100. SIC., IV, 7; PLUT., Q. Conv., VIII, 716 F;
De gr., p. 73 c (= Fragm. Hist, gr., IV, 657 a). SERVo ad VIRO., Ec/., VII, 2\. Cf. P. BOYANCÉ, Le
2) ANT. LIB., Transf., 14; cf. OV., Met., XIII, 717. eu/te des Muses, Paris, 1936.
MUSEU 320

Havia dois grupos principais de Musas: as As Musas não têm um ciclo lendário espe-
da Trácia, de «Piéria», e as da Beócia, que se cífico. Intervêm como «cantoras» em todas as
situavam nas encostas do Hélicon. As primei- grandes festas dos deuses. Estão presentes nas
ras, vizinhas do Olimpo, recebem frequente- núpcias de Tétis e Peleu, nas de Harmonia e
mente na poesia o nome de Piérides. Relacio- Cadmo, etc. E a cada uma é atribuída uma
nam-se com o mito de Orfeu (v. este nome) e aventura amorosa: Calíope é a mãe de Orfeu,
o culto de Dioniso, que assumira especial im- etc. (v. o Índice; cf., no entantovo artigo Pié-
portância na Trácia. As Musas do Hélicon es- rides).
tão em dependência mais directa de Apoio.
É ele quem lhes dirige os cantos, em torno da MUSEU. (Moocetoç.) Consoante as tradi-
fonte de Hipocrene (v. este nome). ções, Museu é o amigo, o discípulo, o mestre,
Havia ainda outros grupos de Musas em ou- o filho, ou simplesmente um contemporâneo
tras regiões. Por vezes, são apenas três, como de Orfeu, de que parece não ser mais que um
as Cárites, nomeadamente em Delfos e em Sí- «duplo» na lenda ática. Seu pai é Antifemo,
cion. Em Lesbos, existia um culto prestado a ou então Eumolpo, nomes que indicam can-
Sete Musas. tores (Antifemo, a avaliar pelo nome, seria o
Na época clássica, impôs-se o número nove inventor do «canto de várias partes»), tal
e é geralmente admitida a seguinte lista: Ca- como ele é, essencialmente, o protótipo do
líope, a primeira de todas em dignidade, Clio, músico. Sua mãe era Selene; foi criado pelas
Polímnia (ou Poliímnia), Euterpe, Terpsícore, Ninfas.
Erato, Melpómene, Talia, Urânia. Foi a pouco Museu é considerado um grande Músico, ca-
e pouco que cada uma delas recebeu uma fun- paz de, com a sua música, curar os doentes;
ção determinada, aliás variável consoante os é também adivinho, e atribui-se-Ihe por vezes
autores. Geralmente, porém, atribui-se a Ca- a introduçâo dos mistérios de Elêusis na Atica.
líope a poesia; a Clio, a história; a Polímnia, Há quem faça recuar até ele a invenção do
a pantomima; a Euterpe, a flauta; a Terpsícore, verso dactílico. Foi discípulo de Lino, ou en-
a poesia ligeira e a dança; a Érato, a lírica co- tão de Orfeu (v. estes nomes). Atribuíam-se-
ral; a Melpómene, a tragédia; a Talia, a comé- -lhe desde a Antiguidade poemas de inspira-
dia: a Urânia, a astronomia. ção mística.

Museu: PAUSAN., I, 14, 3; 22, 7; 25, 8: IV, 1,5 ATHEN., XIII, 597 c; SUIO., S.U.; HARPOCR., S.U.; es-
X, 5, 6; 7, 2; 9,11; 12, 11; STRAB., X, 3,17, p. 471 cól. ad ARISTOPH., Ra., \033; PLAT., Ap., 41 a; HE·
0100. SIC., IV, 25; SERVo ad VIRG., Aen., VI, 667 ROO., 11, 53.
N
NÁIADES. (NotLÓtOtÇ.) As Náiades são as corrida durou muito tempo, até ao momento
ninfas do elemento líquido. Como ninfas, são em que Aretusa, sem forças, suplicoua Árte-
seres femininos dotados de uma grande longe- mis que a salvasse. A deusa, com medo,
vidade, mas mortais (v. Hamadriades e Nin- envolveu-a numa nuvem (pois Alfeu recusava-
fas). Tal como as Hamadríades personificam -se a abandonar o local onde vira desaparecer
a vida misteriosa da árvore à qual estão liga- aquela que amava). Aretusa transformou-se
das, as Náiades encarnam a divindade da nas- numa nascente. Então, a terra entreabriu-se,
cente ou do curso de água que habitam. Por para evitar que o deus misturasse as suas águas
vezes, existe apenas uma, que é a ninfa da nas- com as da nascente em que Aretusa se trans-
cente; outras vezes, a mesma nascente tem vá- formara e para que não conseguisse unir-se a
rias Náiades, consideradas como irmãs e iguais ela sob esta nova forma. Guiada por Artemis,
entre si. Aretusa percorreu os caminhos subterrâneos
A sua genealogia é variável consoante os mi- e chegou a Siracusa, na ilha de Ortígia, que es-
tógrafos e as lendas. Homero chama-Ihes «fi- tava votada a Ártemis.
lhas de Zeus». Em outros autores, são asso- É evidente o carácter recente desta lenda, in-
ciadas à raça de Oceano. Mais frequentemente, venção dos poetas alexandrinos. Destina-se a
são simplesmente filhas do deus do rio que ha- explicar a homonímia das duas nascentes: uma,
bitam; assim, as filhas de Asopo são Náiades. situada em Élide, e outra na Sicília. Formou-
Todas as nascentes célebres têm a sua Náiade, -se segundo o esquema habítual da persegui-
que tem um nome e uma lenda particulares. ção apaixonada e da metamorfose. Todavia,
Assim, por exemplo, a ninfa Aretusa, em tais invenções só eram possíveis porque as
Siracusa, de quem se contava que era um ninfa Náiades eram personagens familiares à imagi-
da Acaia, companheira de Artemis, que, tal nação helénica e porque cada nascente, cada
como a sua protectora, desdenhava do amor. curso de água, possuía a sua Náiade.
Um dia em que se entregara com maior ardor Frequentemente considerava-se que as Náia-
que de costume ao prazer da caça, encontrou des tinham o poder de curar: os doentes be-
um rio de águas claras e frescas e desejou biam a água das nascentes que Ihes estavam
banhar-se nele. Quando nadava, sem que nin- consagradas, ou então, embora mais rara-
guém estivesse a vê-Ia, uma voz saiu da água. mente, banhavam-se nelas. Por vezes, o banho
Era Alfeu, o deus do rio, que se sentia tomado era considerado como sacrilégio e quem a ele
de desejo pela bela jovem. Assustada, Aretusa se arriscava incorria na cólera e na vingança
fugiu, tal como estava. O deus perseguiu-a; a das deusas, que se manifestavam através de

Náiades: HESVCH., S.U.; escól. ad 11 ., xx, 8. STAT., Theb., IV, 684; escól. ad THEocR., XIII,
EUST., ad Hom., I, 14; ad 11., VI, 420; Ps. SERV., 44; PHAEST. PAUL., p. 120; Anthol. Pai., VI, 203;
ad VIRG., Ecl., X, 62; PAUSAN., II1, 25, 2; VIIII, HVG., Fab., 182; Ov., Fab., IV, 761; TAc., Ann.,
4,2; X, 33,4; CALL., Dian., 13 e S.; Ov., Met., li, XIV, 22; ApOLLOD., Bibl., I, 7, 5; 9, 6; II1, 10, 3;
441; V, 576 e S.; PORPH., Antr., 10; 13; LACT. ad 4; 9; 14, 6; Ep., li, 13.
NANA 322

qualquer doença misteriosa. Mesmo em Roma, 2. Nano é, igualmente, segundo Tzetzes, o


tendo-se Nero banhádo na nascente de Már- nome «tirreno» de Ulisses e que, nessa língua,
cia (um dos mais apreciados aquedutos da ci- significaria o Errante. Sobre as aventuras de
dade), foi acometido de uma espécie de para- Ulisses em Itália e os seus contactos lendários
lisia e de uma febre que só o abandonaram ao com o mundo tirreno, v. Ulisses.
fim de alguns dias. Atribuíram-se esses incó- NARCISO. (Népxieeoç.) Narciso era um jo-
modos ao descontentamento das Náiades, pro- vem muito belo, que desprezava o amor. A sua
tectoras da água santa. Um outro risco corrido lenda é transmitida de modos diferentes, con-
por aqueles que descontentavam as Náiades era soante os autores. A versão mais conhecida é
a loucura; quem, por exemplo, as visse, era por a de Ovídio, nas Metamorfoses. Nela, Narciso
elas «possuído» e atingido pela loucura (cf. é o filho do deus do Cefiso e da ninfa Liríooe.
L illfw.3', o

Muitas genealogias apresentam na origem Quando nasceu, os seus pais consultaram o adi-
uma Náiade. E o caso da esposa de Endímion, vinho Tirésias, que Ihes disse que a criança «vi-
mãe de Etolo, ou das esposas de Magnes, de veria até ser velho, se não olhasse para si
Lélex, de Ebalo, de Icário, de Erictónio, de mesmo». Chegado à idade adulta, Narciso foi
Tiestes, etc. Desempenham, assim, um papel objecto da paixão de grande número de rapa-
rigas e de ninfas. Mas ele ficava insensível. Fi-
importante nas lendas locais, e a sua interven-
ção permite ligar directamente este ou aquele nalmente, a ninfa Eco apaixonou-se por ele;
herói ao solo da cidade ou da região. As Náia- mas não conseguiu mais do que as outras. De-
des são particularmente numerosas nas tradi- sesperada, Eco retirou-se na sua solidão, ema-
ções peloponésias. greceu e de si mesma em breve não restou mais
que uma voz gemente. As jovens desprezadas
. • NANA. (Nana.) Nana é, na lenda frígia de por Narciso pediram vingança aos céus. Né-
Atis, a filha do deus-rio Sangário, que reco- mesis ouviu-as e fez com que, num dia de
lheu no seu seio o fruto mágico que a tornou grande calor, depois de uma caçada, Narciso
fecunda (v. Agdistis e Atis). se debruçasse sobre uma fonte, para se desse-
dentar. Nela viu o seu rosto, tão belo, e ime-
NÂNACO. (N<iwaxoç.) Nânaco era um rei diatamente ficou apaixonado. A partir de en-
da Frígia que viveu em tempos muito antigos, tão, torna-se insensível a tudo o que o rodeia,
antes do Dilúvio de Deucalião. Tinha previsto debruça-se sobre a sua imagem e deixa-se mor-
o Dilúvio e organizou preces públicas para rer. No Estige, procura ainda distinguir os tra-
afastar tal catástrofe. Essas preces eram acom- ços amados. No lugar onde morreu, brotou
panhadas com lágrimas e lamentações, de tal uma flor à qual foi dado o seu nome, o narciso.
modo que a expressâo «lágrimas de Nânaco» A versão beótica da lenda era sensivelmente
ficou proverbial. diferente. Nela, dizia-se que Narciso era um ha-
Uma outra lenda ligada a este nome contava bitante da cidade de Téspias, não muito longe
que Nânaco viveu durante trezentos anos, e que do Hélicon. Era jovem, muito belo, mas des-
um oráculo predissera que, quando ele mor- prezava as alegrias do amor. Amava-o um jo-
resse, todo o seu povo pereceria. Assim, quando vem, de nome Amínias, mas ele não o amava.
morreu, os seus súbditos lamentaram-se ruido- Repelia-o sem cessar, e acabou mesmo por lhe
samente. Em breve chegou o Dilúvio, e o orá- enviar de presente uma espada. Obediente-
culo cumpriu-se. mente, Amínias suicidou-se com essa espada,
NANAS. (Néveç.) Nanas é o filho de Teu- diante da porta de Narciso. Ao morrer, Amí-
tâmides, um rei dos Pelasgos da Tessália. Des- nias invocou contra o cruel Narciso a maldi-
cende de Pelasgo, através de Frastor e Amin- ção dos deuses. Um dia em que o jovem se viu
tor, respectivamente seu bisavô e seu avô. numa fonte, apaixonou-se por si mesmo. De-
Durante o seu reinado, antes da Guerra de sesperado com a sua paixão, suicidou-se. Os
Tróia, os Pelasgos foram expulsos da Tessá- Téspios prestavam culto ao Amor de que esta
lia pelas invasões gregas e atravessaram o história manifestava o poder. No local onde
Adriático. Aí, tomaram a cidade de Cortona Narciso se suicidou, e onde a erva ficara im-
e estabeleceram-se na Itália. Mudando de pregnada do seu sangue, nasceu uma flor, o
nome, chamaram-se a partir de então Tirrenos. narciso.
Todavia, Heródoto distingue estes Pelasgos Pausânias refere que Narciso tinha uma irmã
imigrados em Itália dos Tirrenos originários, gémea, com quem era imensamente parecido.
em sua opinião, da Asia Menor. Os dois jovens eram muito belos. A rapariga
morreu; Narciso, que a amava muito, sentiu
NANO. (Névcç.) 1. Nano é o rei indígena de uma dor enorme e, num dia em que se viu
Marsela, cuja filha casou com Êuxeno, o chefe numa fonte, julgou a princípio ver a irmã, e
dos imigrantes focenses. isso consolou-o do seu desgosto. Embora sou-

Nana: ARNOB., Adv. Genl., V, 6 e S.; ef. PAUSAN., Narciso: PAUSAN., IX, 31, 6 e S.; cf. WESTERMANN,
VII, 17, 10 e os artigos Àtis e Agdistis. Myth. gr., p. 378 (Apêndice, 50); Ov., Mel., III,
Nânaco: SUID., S.U.; HERoNDAS, 111, 10 STEPH.,
339-510; CONON, Narr., 24; Mylh. Vai, n. 180;
NONN., Dion., LXVIII, 582 e S.; TZETZ., Hom., I,
Bvz., s.u 'Avvcxxóç.
9; lI; ad 1/., p. 139; PROBo ad VIRG., EcI., 11,48;
Nanas: DION. HAL., I, 28; cf', HEROD., I, 57. STRAB., IX, 10, p. 404. Cf. A. WESSELSKI, «Narkis-
NaDO: 1) ATHEN., XIII, 576 a. 2) Lvc., Alex., sos oder das Spiegelbild»: Archiv. Orientalni, 1935,
1242 e S.; e TZETZ ad v. 1244. V. também Ulisses. p. 37-63; 328-350.
323 NÁUPLIO

besse perfeitamente que não era a irmã quem Sua mulher é designada tanto por Fílira como
via, ganhou o hábito de se olhar nas fontes, por Hesíone ou Clímene (neste caso, trata-se
para se consolar da sua perda. Segundo Pau- da filha de Catreu; v. este nome e infra). Os
sãnias, teria sido essa a origem da lenda tal seus outros filhos, além de Palamedes, são Éax
como era geralmente contada. Esta versão é e Nausimedonte.
uma tentativa de interpretação racionalista do Náuplio é o herói viajante por excelência.
mito preexistente. É um navegador notável, e os reis recorreram
Havia por fim uma tradição obscura, se- muitas vezes aos seus serviços para acompa-
gundo a qual Narciso era originário de Erétria, nhar ao exílio um determinado membro da sua
e,m Eubeia. Teria sido morto por um certo família que tinha deixado de lhes ser grato.
Epope (ou Eupo) e, do seu sangue, teria nas- É assim que encontramos duas lendas seme-
cido a flor homónima. lhantes, nas quais desempenha o mesmo pa-
pel. A primeira é a lenda de Télefo. Aleo, pai
NAU. (Naóç.) Nau passa por ser um bisneto
de Auge, confiou-lhe a jovem, que fora sedu-
do rei de Elêusis, Eumolpo (v. este nome). Por
zida por Héracles, com a missão de a afogar.
ordem do oráculo de Delfos, teria introduzido
Enquanto a levava para Náuplia, Auge deu à
na Arcádia os mistérios de Deméter. Mas as
luz o pequeno Télefo. Náuplio apiedou-se dela
tradições arcádicas apontavam para que esses
e em vez de a afogar, deu-a a mercadores que
mistérios tivessem sido introduzidos pela pró-
a levaram para a Mísia (v. Auge e Télefov.
pria Deméter.
Catreu confiou-lhe igualmente duas das suas
NÁUPLIO. (Naú1tÀwç.) A tradição conhece filhas, Aérope e Clímene, ou porque elas se ha-
dois heróis com este nome, que se confundem viam unido a escravos, ou porque um oráculo
frequentemente. lhe anunciara que seria morto por um dos seus
1. O primeiro, antepassado do segundo, é o filhos. Catreu ordenou-lhe que as afogasse.
filho que Posídon deu a uma das filhas de Dá- Mas Náuplio salvou-as. Deu Aérope a Atreu
nao, Amimone (v. este nome). O primeiro (ou Plístenes, consoante as tradições) (v. Aé-
Náuplio era considerado o fundador da cidade rope) e ele próprio casou com Clímene.
de Náuplia. Teve como filhos Damastor, avô Mais tarde, seu filho Palamedes juntou-se
de Díctis e de Polidectes, e Preto, avô de Náu- ao exército grego na luta contra Tróia. Mas em
bolo e, por isso, bisavô do segundo Náuplio. breve foi lapidado (v. Palamedes). Daí em
2. Náuplio lI, ou Náuplio, o Jovem, é o he- diante, Náuplio consagrou a sua vida à vin-
rói mais conhecido com esse nome (quadro 2, gança. Começou por enganar uma uma todas á

p. 12). Ligavam-no a Náuplio I pela seguinte as mulheres dos heróis ausentes e por levá-Ias
linha de descendência: Náuplio I, Preto, Lemo, a terem amantes. Conseguiu-o nomeadamente
Náubolo, Clitoneu, Náuplio 11. Participou na com Clitemnestra, mulher de Agamémnon,
expedição dos Argonautas, de que se tornou com Meda, mulher de Idomeneu, e com Egíale,
o piloto, após a morte de Tífis (v. este nome mulher de Diomedes. Mais tarde, tentou o
e Argonautas). É ele quem os mitógrafos (pelo mesmo com Penélope, mas em vão. Entre-
menos alguns deles) designam como pai de Pa- tanto, conseguira uma outra vingança, ainda
lamedes. Mas há outros, nomeadamente Apo- mais horrível, sobre um grande número de che-
lodoro, que identificam o pai de Palamedes fes gregos. Quando o grosso do exército grego,
como Náuplio I. Mas, com essa hipótese, no regresso de Tróia, chegou próximo de Gi-
enredam-se em grandes dificuldades cronoló- ras (as Rochas Redondas, na vizinhança do
gicas, já que as aventuras de Palamedes, e por cabo Cafareu, a sul da Eubeia), Náuplio ateou
consequência os crimes de seu pai (v. infra) se um enorme fogo nos recifes, durante a noite.
localizam nos tempos da Guerra de Tróia, e se Os Gregos, pensando que estavam perto de um
estendem desde a época em que nasceu Aga- porto, fizeram rumo em direcção ao local onde
mémnon até ao regresso dos Gregos. São, pois, brilhava a luz e os navios despedaçaram-se. Foi
obrigados a admitir que Náuplio viveu durante neste naufrágio que pereceu Ájax, filho de Oi-
muito tempo, e mesmo a atribuir à sua exis- leu.
tência uma duração inverosímil. Se, para além A morte de Náuplio, segundo Apolodoro,
disso, fazem desse mesmo Náuplio um neto de teria sido provocada por uma traição seme-
Dánao, isso obriga-os a prolongar ainda mais lhante àquela que cometera para com o exér-
a sua vida. E foi provavelmente para evitar es- cito grego. Ignoramos, no entanto, os porme-
sas incongruências que distinguiram duas per- nores desse episódio. Contava-se também que,
sonagens homónimas, separadas por cinco ge- aquando da sua tentativa de lançar Penélope
rações. nos braços dos pretendentes, foi enganado por
Este Náuplio (quer seja ou não distinto do Anticleia, a mãe de Ulisses, que lhe anunciou
anterior) apresenta como traço essencial da sua a morte de um dos seus filhos; com a dor, Náu-
lenda o ser pai de Palamedes (v. este nome). plio ter-se-á suicidado.

Nau: PAUSAN., VIII, 15, 1 e 3. 88; EUR., lph. Aul., 198; DIOD. SIC.,V, 33; SOPH.,
Aj., 1295 e S.; Tragédia perdida de AESCH., Palame-
Náuplio: 1. e 2. PAUSAN., I, 22, 6; lI, 38, 2; IV, des; cf. SOPH., Nauplios nupxcXwÇ (Nauck, 2.' ed.,
35, 2; VIII, 48, 7; escól. ad Ar-oi.. RH., Arg., IV, p. 223); EUR., Hei., 767 e s.; 1126 e S.; escól. ad Or.,
1901; ApoLLOD., Bibl., lI, 1,5; 7, 4; III, 2, 2; Ep., 432; Lvc., Alex., 381 e S.; 1093 e S.; TZETZ., ad Lyc.,
VI, 7·11; a-o., Fab., 116; 117; 169; 249; 277; 386; 992; 1093; SERVo ad VIRG., Aen., XI, 260; Ov.,
STRAB., VIII, 6, 2, p. 368; Asoi.. RH., Arg., I, 134 Mel., XIV, 472 e S.; tna., I, I, 83; V, 7, 35 e S.;
e S.; 11, 826 e S.; escól. Veron. ad VIRO., Aen., lI, PLUT., Qu. Gr., 33; escól. ad Od., IV, 797.
NAuslcAA 324

NAUSÍCAA. (Ncxu,nxcicx.)Nausícaa é a he- ria (Corfu), Nausítoo é pai de Alcínoo e de Re-


roína de uma das mais célebres lendas conta- xenor e, através deste, avô de Arete, mulher
das na Odisseia. É a filha do rei dos Feaces, de Alcínoo.
Alcínoo, e de Arete (v. estes nomes). É dela 2. Um outro Nausítoo é o piloto de Teseu.
que Atena se serve para conseguir que os Fea- Pilotava o barco que conduziu o herói a Creta,
ces proporcionem a Ulisses os meios para re- contra o Minotauro. Teseu erigiu-Ihe uma ca-
gressar a Ítaca. Ulisses, com efeito, foi vítima pela.
de um naufrágio, depois de ter deixado a ilha 3. Finalmente, Nausítoo é o nome de um dos
de Calipso. Muito magoado, e depois de ter na- filhos de Ulisses e Calipso. Tem um irmão,
dado durante muito tempo, foi lançado para Nausínoo. Uma tradição fá-Io filho de Ulisses
uma ilha que não conhecia. Adormeceu num e Circe, e irmão de Telégono (v. Ulisses).
bosque, na margem de um rio. Durante esse
sono, Atena enviou um sonho a Nausícaa. NAUTES. (Ncxú'tT)ç.) Nautes é um velho
A jovem sonhou que uma das suas amigas lhe troiano que acompanhou Eneias na sua migra-
censurava a negligência e a convidava a ir o ção. Estava junto dele na Sicília e aconselhou-o
mais depressa possível lavar no rio a roupa de a que não ficasse na ilha e se dirigisse ao Lá-
toda a família. De manhã, Nausícaa pede a cio. Uma tradição independente da Eneida
seus pais licença para ir lavar. Os pais dão-lha conta que foi ele quem recebeu de Diomedes
de boa vontade, e ela parte, por todo o dia, o Paládio, quando o oráculo ordenou a Dio-
com as criadas, num carro puxado por mulas. medes que devolvesse a estátua milagrosa aos
As jovens começam a lavar a roupa e, en- Troianos de Eneias. A família romana «Nau-
quanto ela seca, põem-se a jogar à bola, junto tii» passava por ser formada pelos seus descen-
à margem. De repente, a bola escapa-se-Ihes dentes.
e rola para a água. Elas dão um grande grito
que acorda Ulisses. O herói, que estava nu, NAXO. (Nciçoç.) Naxo é o herói epónimo da
cobre-se rapidamente com ramos de árvore e ilha homónima. Sobre a sua identidade havia
aparece às jovens. As criadas fogem, assusta- pelo menos três tradições distintas: segundo
das. Apenas Nausícaa fica onde está. É a ela uma, era um cário, filho de Pólemon, que,
que Ulisses se dirige, com hábeis palavras. duas geraçôes antes de Teseu, se tinha fixado
Finge tomá-Ia por uma divindade ou uma ninfa na ilha à frente de uma colónia cária. A ilha
do rio. Nausícaa responde-lhe e promete-lhe a chamava-se então Dia, e foi Naxo quem lhe
sua ajuda. Dá-lhe de comer, empresta-lhe ves- deu o nome.
tuário, ralha com as criadas e envergonha-as Um outra lenda dava-o como filho de En-
por terem tido medo em vez de acolherem um dímion e Selene. Por fim, numa terceira ver-
hóspede enviado pelos deuses. Quando a noite são, era filho de Apoio e Acacális; esta lenda
cai, Nausícaa pensa em regressar à cidade. In- representa a versão «cretense» (v. Acacális).
dica a Ulisses o caminho do palácio e volta no
NECESSIDADE. ('AvciyxT).)A Necessidade,
carro com as criadas. O seu papel acabou. Mas,
personificação da obrigação absoluta e da
no fundo do coração, ela ficou impressionada
força constrangedora das cadeias do destino,
com o infortúnio e, sobretudo, com a beleza
é uma divindade «sábia». Na Grécia, apenas
do herói. Confessa expressamente a si própria
figura, sob o nome de Ananke, na teogonia ór-
que gostaria muito de o ter por marido, e AI-
fica, em que, com sua filha Adrasteia, é a ama
cínoo está disposto a dar-lho em casamento.
do jovem Zeus. Ela própria é filha de Crono,
Mas Ulisses está casado em Ítaca; tem de vol-
tal como a Justiça (Dice). Tem como filhos
tar a partir, não é possível pensar em tal. As-
Éter, Caos e Érebo.
sim acaba o episódio.
A Necessidade intervém nas construções cos-
Os mitógrafos imaginaram que, mais tarde,
mogónicas e metafísicas dos filósofos. No mito
Telémaco casou com Nausícaa, que teria tido
platónico da República, por exemplo, Ananke
desse casamento um filho chamado Persépo-
é a mãe das Meras (v. este nome). Pouco a
lis (v. também este nome).
pouco, e sobretudo no espírito popular,
NAUSÍTOO. (Ncxua(90oç.) Nausítoo é o A nanke tornou-se uma divindade da morte: a
nome de vários heróis cuja lenda se liga ao mar. Necessidade de morrer. Mas, nos poetas, par-
1. O primeiro é filho de Posídon e de Peri- ticularmente nos trágicos, continuou a ser a en-
beia, filha do rei Eurimedonte, que reinava so- carnação da Força suprema, a quem os pró-
bre um povo de Gigantes (v. Eurimedonte). prios deuses deviam obedecer.
Nausítoo reinava sobre os Feaces quando esse Em Roma, Ananke tornou-se Necessitas,
povo não habitava ainda Corfu, mas Hiperia. alegoria poética que não parece ter tido exis-
Expulsos pelos Ciclopes, os Feaces vieram, tência específica fora das alusões puramente li-
conduzidos por ele, estabelecer-se em Esqué- terárias.

Nausicaa: Od., VI, passim; VII, 1 e 5.; VIII, 461 Naules: VIRG., Aen., V, 704 e S.; SERVo ad VIRG.,
e 5.; EU5T., ad Hom., XVI, 18, citando HELÂNICO e Aen., lI, 166; m, 407; V, 704; DION. HAL., VI, 69;
ARISTÓTELES; Drcr. CR., VI, 6. PHAEST., p. 166; MYlh. Vai., I, 142.

Nausítoo: 1) Od., VI, 7 e 5.; VII, 56 e 5.; VIII, 565; Naxo: DIOD. SIC., V, 51; STEPH. Bvz., s.u., es.u.
KuSwv(~.
eseól. ad Od., VII, 56; Aror.. RH., Arg., IV, 539 e
S.; e eseól. 2) PLUT., Thes., 17. 3) HES., Theog., Necessidade: Orph., fr. (Abel); Argon. Orph., 12
1017; ef. HVG., Fab., 125. e S.; STOB., EcI., 1,49; 4, 4 e s.; PLAT., Rep., X, 617
325 NÉMANUS

NEDA. (NlOa.)Quando Reia deu à luz Zeus, é invocada pelo caçador, e é sobre esse nome
nas montanhas da Arcádia, quis purificar-se que Prócris se engana.
e banhar seu filho. Mas na Arcádia não cor-
ria então nenhum curso de água. Os leitos dos NELEU. (N1)Àtúç.)1. Neleu é filho de Tiro
rios estavam secos e nem uma nascente corria. e de Posídon (v. quadro 23, p. 258). Pelo lado
Na sua aflição, Reia bateu no solo com o seu da mãe, descende de Salmoneu e, consequen-
ceptro, implorando a Geia (a Terra). Imedia- temente, de Eolo (v. Salmoneu e quadro 8,
tamente brotou uma abundante nascente, perto p. 116). É o irmão gémeo de Pélias, e meio-
do local onde mais tarde se ergueria a cidade -irmão dos filhos de Tiro e Creteu, Eson, Fe-
de Lépreo. Reia deu-lhe o nome de Neda, em res e Amitáon.
honra da ninfa filha de Oceano, a mais velha Quando nasceram, Neleu e Pélias foram ex-
depois de Estige e Fílira. postos pela mãe e alimentados por uma égua
Uma tradição transmitida por Cícero faz da - que Posídon enviou para tomar conta deles.
ninfa arcádia Neda a mãe das quatro Musas Outra tradição fazia com que uma das crian-
mais antigas: Texínoe, Aede, Arque e Melete, ças tivesse sido marcada no rosto por um coice
que ela teria tido de Zeus. da égua e recolhida por comerciantes de cava-
los. Teriam chamado a Pélias «a criança que
NEFÁLION. (N1)'I'ctÀ(wv.) Nefálion é um dos tinha a cicatriz» (do vocábulo grego pélion, que
filhos de Minos e da ninfa Paria (v. quadro 30, significa «lívido»). Ao irmão deram o nome
p. 312). Vivia em Paros com os irmãos, Euri- de Neleu. Quando cresceram, reencontraram
medonte, Crises e Filolau, e com os sobrinhos, a mãe, que era maltratada peJa sogra, de nome
Alceu e Esténelo, os dois filhos de Androgeu, Sidero. Pélias e Neleu atacaram Sidero, mas
quando Héracles partiu para o país das Ama- não conseguiram logo matá-Ia, porque ela se
zonas, para procurar o cinto da rainha Hipó- refugiou num templo de Hera. Todavia, Pé-
lita (v. Héracles). Héracles fez escala na ilha, lias violou o santuário e matou Sidero sobre
mas os filhos de Minos mataram dois dos seus o altar. Mais tarde, os dois irmãos disputaram
companheiros. Indignado, Héracles matou o poder. Neleu foi exilado pelo irmão e partiu
imediatamente os filhos de Minos e os restan- para Messénia, onde fundou a cidade de Pilo.
tes habitantes da ilha enviaram uma delegação Casou com Clóris, uma filha de Anfíon (filho
propondo-lhe como compensação que levasse de Íaso, de Orcómeno), de quem teve uma fi-
consigo dois deles, à sua escolha, para substi- lha, Péro, e doze filhos: Tauro, Astério, Pi-
tuir os dois mortos. Héracles aceitou e levou láon, Deímaco, Euríbio, Epilao, Frásio, Eu-
Alceu e Esténelo. Retomou então o seu cami- rimenes,Evágoras, Alastor, Nestor e Periclímeno.
nho. Neleu desempenha um papel no ciclo de Hé-
NÉFELE. (Nt'l'ÉÀ1).)1. O nome de Néfele, racles: Héracles dirigiu contra ele uma expe-
que significa «nuvem», é usado por várias he- dição, sob o pretexto de que Neleu recusara pu-
roínas, a mais célebre das quais foi a mulher rificá-Io do assassínio de Ifito (v. Hérocles).
de Atamas e mãe de Frixo e Hele. Atamas Nesta guerra pereceram onze dos filhos de Ne-
abandonou-a para casar com Ino (v. Átamos). leu; apenas Nestor escapou ao massacre, por-
2. Néfele é, por vezes, também tomada no que estava ausente (v. Nestor). Conforme as
sentido próprio, e designa então a «nuvem» tradições, acrescenta-se Neleu ao número das
mágica feita por Zeus à semelhança de Hera, vítimas de Héracles ou conta-se que sobrevi-
para defraudar os desejos criminosos de Ixíon. veu à morte de seus filhos. Nesta segunda ver-
Unindo-se a este, a Nuvem gerou os Centau- são, diz-se que morreu de doença em Corinto,
ros (v. Ixíon e Centouros). onde foi enterrado.
3. As Nuvens desempenham um determi- Sobre as outras guerras mantidas por Neleu,
nado papel na mitologia. Aristófanes fá-Ias nomeadamente contra os Epeus, v. Nestor e
personagens de uma das suas comédias e Molionidas.
dotou-as de uma genealogia: são filhas de 2. Existe um outro Neleu, descendente do
Oceano (como todas as divindades da água); anterior, e filho do rei de Atenas, Codro.
habitam ou os cimos do Olimpo ou os jardins Atribui-se-Ihe a fundação de Mileto, encabe-
do Oceano, no país das Hespérides, ou as lon- çando uma colónia de iónios, vindos da Ática,
gínquas nascentes do Nilo, no país dos Etío- aos quais se haviam unido messénios, expul-
pesoEm Aristófanes há talvez referência a cren- sos do seu país pela invasão dos Heraclidas (v.
ças órficas; mais provavelmente, trata-se da Codro).
criação pessoal de um mito poético forjado so- NÉMANUS. (Neuevoüç.) Némanus é, na
bre dados folclóricos bastante vagos. lenda de Ísis, a mulher do rei de Biblo que
Na lenda de Céfalo (v. este nome), em vez acolheu a deusa quando procurava o caixão
da Brisa, é a Nuvem (Néfele) quem, por vezes, que continha o corpo de Osíris. Com efeito,

e 5.; AEseH., Pr., 517; EUR., Hei., 513; HOR., O., I, Neleu: 1) lI., XI, 671 e 5.; Od., XI, 235 e 5.; XV, 229
35, 17 e 5. e 5.; ApOLWO., Bibl., 1,9, 5 e 5.; 8 e 5.; lI, 6, 2; 7, 3;
Neda: CALl., Jov., 15 e 5.; PAUSAN., IV, 33, I; PINO., Pylh., IV, 136; cf. HYG., Fab., 10; Dton. SIC.,
VIII, 31, 4; 38, 3; 47, 3; Cic., de natoD., III, 54 IV, 31; 68; escól, ad II., X, 334; PAUSAN., lI, 2, 2; IV,
(texto incerto). 2, 5; 3, I e 5.; 15, 8; 36, I e 5.; V, 8, 2; IX, 36, 8; X,
Nefalion: ApOLLOO., Bibl., 11, 5, 9; m, 1,2. 10, I; 29, 5; 31, 10; HES., Fr., 33; escól. ad PINO.,
Olymp., IX, 3; OV., Met., XII; 530 e 5.2) PAUSAN.,
Néfele: 1) V. Àtamas. 2) V. O arLlxíon; Centau- VII, 2, I e 5.; X, 10, I; STRAB., p. 632 e 5.
ros. 3) EUST., ad Hom., XI, 320, ARISTOPH., Nu.,
passim. Némanus: PLUT., de I. et O., 15 e 5.
NÉMESIS 326

Ísis soubera que o caixão fora lançado à costa lho dos reis; etc. Essa é uma concepção fun-
de Biblo pelo mar e colocado sobre uma árvore damental do espírito helénico: tudo o que se
que crescera e o levantara acima do nível da eleva acima da sua condição, no bem como no
terra. Esta árvore fora cortada pelo rei de Bi- mal, expõe-se a represálias dos deuses. Tende,
blo, Malcandro, e utilizada como coluna para com efeito, a subverter a ordem do mundo, a
sustentar o tecto do palácio. Assim, o caixão pôr em perigo o equilíbrio universal e, por isso,
encontrava-se,. sem ninguém saber, dissimulado tem de ser castigado, se se pretende que o Uni-
à altura do tecto, no palácio do rei de Biblo. verso se mantenha como é. É assim que Creso,
Ísis veio a Biblo e, para se introduzir em casa demasiado feliz com as suas riquezas e o seu
do rei, começou por estabelecer relações com poder, é levado por Némesis a empreender a
as criadas do palácio. Disfarçou-se de pobre expedição contra Ciro, que acabou por lhe tra-
mulher e deu às criadas um perfume que lhes zer a desgraça.
impregnou os cabelos com um odor tão suave Em Ramnunte, uma pequena cidade da
(o odor divino da ambrósia) que a rainha quis Ática situada não muito longe de Maratona,
conhecer a mulher que era capaz de dar ao ca- na costa do estreito que separa a Ática da Eu-
belo um encanto tão poderoso. Tomou Ísis ao beia, Némesis tinha um santuário célebre.
seu serviço, como ama de seus filhos. De noite, A estátua da deusa fora esculpida por Fídias
a deusa punha sobre o fogo a criança de quem num bloco de mármore de Paras trazido pe-
cuidava, para lhe tirar do corpo a parte mortal los Persas e destinado a fazer um troféu após
e o tornar imortal. Para além disso, alimenta- a tomada de Atenas. Os Persas tinham-se mos-
va-o metendo-lhe o dedo na boca; e, durante trado demasiado seguros da vitória (sinal de
a noite, enquanto a criança estava sobre o fogo, desmesura), e nunca tomaram Atenas. A Né-
ela própria, sob a forma de uma andorinha, an- mesis de Ramnunte encorajara o exército ate-
dava em volta da coluna que continha o caixão niense de Maratona.
de Osíris, soltando gritos plangentes. Durante
uma dessas estranhas cenas, chegou Némanus, NEOPTÓLEMO. (Nw1t~ÓÀOfLOÇ.) Neoptó-
que deu um grito de angústia ao ver o filho en- lemo, o Jovem Guerreiro, é o filho de Aquiles
tre as chamas. Ísis deu-se imediatamente a co- e de Deidamia, filha de Licomedes, rei de Si-
nhecer, mas preveniu a mãe de que o filho ja- ros. Foi concebido quando a mãe de Aquiles
mais seria imortal. Revelou a razão da sua o escondeu no harém de Licomedes (v. Aqui-
presença em Biblo, e logo lhe foi devolvido o les). Como o herói usava então o sobrenome
corpo de Osíris. Ao abrir o caixão, soltou gri- de Pirra (a Ruiva, pois estava disfarçado de ra-
tos tão violentos que o filho mais novo de Né- pariga), o nome de Pirro, o Ruivo, ficou ligado
manus morreu. Em seguida partiu, com o cai- ao filho. A lenda conhece-o igualmente sob as
xão, e levou com ela o filho mais velho de duas designações de Pirro e Neoptólemo.
Némanus que, de resto, não tardou a morrer, Nascido após a partida do pai para a Guerra
por ter visto, por indiscrição, a deusa que se la- de Tróia, Neoptólemo foi criado pelo avõ, Li-
mentava sobre o corpo do marido. comedes. Depois da morte de Aquiles e da cap-
tura do adivinho Heleno (v. Heleno), os Gre-
NÉMESIS. (NifLO"LOÇ.)Némesis é simulta- gos souberam, por este, que a cidade nunca
neamente uma divindade e uma abstracção. poderia ser tomada se Neoptólemo não com-
Como divindade, atribui-se-lhe um mito: batesse junto deles. Outra condição era, por
amada por Zeus, Némesis, que é uma das fi- outro lado, a posse do arco e das flechas de
lhas de Nix (a Noite), procura evitar a união Héracles. Os Gregos mandaram então uma pri-
com o deus. Por isso, toma mil variadas for- meira embaixada buscar Neoptólemo a Siros.
mas e acaba por se transformar em gansa. Mas Ulisses, Fénix e Diomedes foram encarregados
Zeus torna-se cisne e une-se-lhe. Némesis pôs de o trazer. Licomedes opôs-se à partida do jo-
um ovo, que uns pastores apanharam e deram vem, mas.este, fiel à tradição paterna, seguiu
a Leda. Foi desse ovo que saíram Helena e os os embaixadores gregos. A caminho de Tróia,
Dioscuros (v. Leda e Helena). Esta lenda acompanhou-os a Lemnos, onde se encontrava
relaciona-se com o valor simbólico de Néme- Filoctetes, doente, incapaz de se libertar, so-
sis: ela personifica, efectivamente, a «Vingança zinho, da triste situação em que outrora Aga-
divina»; é, por vezes, a divindade que, como mémnon o deixara, a conselho de Ulisses (v.
as Erínias, castiga o crime, mas representa, Fi/oetetes). Mas Filoctetes possuía as armas de
com maior frequência, a força encarregada de Héracles e Neoptólemo empenhou-se, bem
abater toda a «desrnesura», por exemplo o ex- como Ulisses e Fénix, em persuadi-lo e levá-l o
cesso de felicidade de um mortal, ou o orgu- para Tróia. E, por fim, conseguiu-o.

Némesis: 11., III, 156; VI, 335, etc.: Od., I, 350;


11, 136; XXIII, 40, ete.; HEs., Theog., 223; Op.,
I passim;
ad Hom., p. 1463,36; SOPH., Phil., passim; EUR., Or.,
Andr., passim e escól.; Tr., 1125 e S.; PAUSAN.,
200; ATHEN., VIII, 334 b e S.; CLEM. AL., Protr., 11, I, 11, 1; 13, 9; 33, 8; 11, 5, 5; 23, 6; 29, 9; III, 20, 8;
26; ApOLLOO., Bibl., III, 10,7; TZETZ. ad Lyc., 88; 25, 1; 26, 7; IV, 17, 4; X, 7, 1; 16, 4; 23, 2; 24, 4; 6;
AESCH., Th., 233 e S.; SOPH., Phil., 601 e S.; EI., 792 25, 9; 26, 4; 27, 1 e 5.; HYG., Fab., 97; 108; 112; 113;
e S.; PAUSAN., I, 33, 2 e S.; HEROO., 1,34. Cf. K. KE. 114; 122; 123; 193; VIRG., Aen., 11, 500 e S.; III, 333;
RENYI, art. cito (s.u. Helena). SERVo ad VIRG., Aen., lI, 166; Il l, 297 e S.; DICT. CR.,
VI, 7 e S. V. o artigo Hermíone. Cf. TH. ZIELlN5KI,
Neoptó1emo: 11., XIX, 326 e S.; Od., IV, 5 e s. e «De Sophoclis fabula ignota»: Eos, 1924, p. 59-73; J.
escól. ad loc.; III, 188 e S.; XI, 503 e S.; PINO., FONTENR05E, «The eult and myth of Pyrrhos at Del-
Nem., VII, 58 e eseó!.; ApOLLOO., Bibl., III, 13,8; phi», in Univ. of California Publ. in Class. Archaeol.,
Epit.; V, 10 e S.; VI, 5; 12 e S.; VII, 40 e s.; EU5T. IV, 3 (1960), p. 191-266. V. também Pirro.
327 NEREIDES

Diante de Tróia, todo o exército grego en- Na maior parte das versões precedentes,
controu em Neoptólemo um novo Aquiles. Neoptólemo está casado com Hermíone. Mas
Conseguiu diversas façanhas: matou nomea- o casamento é estéril, enquanto da sua união
damente Eurípilo, o filho de Télefo, e, dando com Andrómaca nascem três filhos, Molosso,
largas à sua alegria, inventou uma dança guer- Píelo e Pérgamo. Invejosa da fecundidade de
reira que tem o seu nome, a pírrica. Figura en- uma concubina, Hermíone chama o antigo
tre os heróis que entraram para o cavalo de ma- noivo, Orestes, para que a vingue. Na tradi-
deira e tomaram a cidade. Durante os combates ção mais simples, Orestes mata Neoptólemo em
decisivos, mata Élaso e Astínoo, fere Corebo Ftia ou então no Epiro. Mas, na versão adop-
e Agenor, depois lança o pequeno Astíanax do tad; pelos trágicos, a lenda complicou-se. Foi
alto de uma torre: deste modo, Heitor fora em Delfos que Orestes executou a sua vin-
morto por Aquiles, e seu filho foi-o por Neop- gança, cujo motivo era duplo. Matando Neop-
tólemo. Na partilha dos despojos de guerra, tólemo, não apenas vingava Hermíone mas
Neoptólemo obteve Andrómaca, viúva de Hei- castigava também o seu próprio rival, que lhe
tor (v. Andrómaca). Para honrar a memória roubara a noiva (v. Hermione e Orestes).
do pai, ofereceu-lhe em sacrifício Políxena, que Neoptólemo fora a Delfos consultar o oráculo
imola sobre o seu túmulo. e perguntar-lhe por que razão o seu casamento
Esta parte da lenda é referida de forma mais com Hermíone era estéril. Ou então terá ido
ou menos semelhante por todas as fontes. Mas, com o fim de consagrar ao deus uma parte dos
a partir do regresso de Tróia, as versões come- despojos trazidos de Tróia. Ou, ainda, terá ido
çam a ser muito diferentes. A tradição horné- saber de Apoio a razão da hostilidade do deus
rica é simples: Neoptólemo teve, como Mene- contra seu pai - hostilidade que lhe havia cau-
lau, um regresso feliz: Menelau deu-lhe em sado a morte, já que a flecha de Páris que lhe
casamento a filha, Hermíone, e ambos foram provocara a morte fora guiada pelo deus (v.
viver para Ftiótide, no país de Peleu e Aqui- Aquiles). Orestes provocou um motim, no de-
leso Os «Regressos» contavam que Neoptólemo curso do qual Neoptólemo foi morto. Mas ha-
escapara ao destino comum aos Gregos graças via uma outra lenda, na qual Orestes não tinha
à intervenção de Tétis, que o aconselhara a fi- qualquer papel. Em Delfos, o costume deter-
car mais alguns dias em Tróia e a regressar por minava que os sacerdotes tomassem a maior
terra. Foi por isso que Neoptólemo atravessou parte da carne das vítimas oferecidas em sacri-
a Trácia, onde encontrou Ulisses e, de lá, fício, não deixando quase nada para quem ofe-
dirigiu-se ao Epiro, ao país que, mais tarde, recia o sacrifício. Neoptólemo enfureceu-se con-
tomou o nome de país dos Molossos (v. Mo- tra este costume e quis impedir que os sacerdotes
{ossos). lhe tomassem a vítima que sacrificara. Um de-
Em outra tradição, transmitida por Sérvio les de nome Macareu (v. este nome), matou-o
no seu comentário à Eneida, esse conselho é corn um golpe de cutelo, para fazer respeitar
dado a Neoptólemo, não por Tétis, mas pelo os privilégios da casta sacerdotal. Finalmente,
adivinho Heleno, que o acompanhava volun- dizia-se também que os Delfos tinham morto
tariamente. Teria sido essa a origem da ami- Neoptólemo por ordem da própria Pítia: Apoio
zade que os uniu a ambos, e que fez com que continuava a atingir com a sua cólera mesmo
Neoptólemo, ao morrer, lhe confiasse Andró- a descendência de Aquiles. Neoptólemo foi en-
maca, pedindo-lhe que a desposasse (v. infra). terrado sob o limiar do templo de Delfos, e
Para explicar a razão pela qual Neoptólemo foram-lhe concedidas honras divinas.
não se fixou em Ftiótide, no reino de seu pai,
imaginou-se que, durante a ausência de Aqui- • NEPTUNO. (Neptunus.) Neptuno é o deus
les, Peleu perdera o seu reino, arrebatado por romano identificado com Posídon. O seu
Acasto (v. Peleu e A casto). Neoptólemo foi en- nome, de etimologia obscura, parece ser muito
tão directamente para o Epiro. Mas, também antigo na língua. Deus do elemento húmido,
aí, as lendas variam. Contava-se, por exemplo, não possui qualquer lenda que lhe seja própria
que, no Epiro, raptou uma neta de Héracles, antes da sua assimilação a Posídon (v. este
de nome Leonassa, e lhe deu oito filhos que, nome). A sua festa celebra-se no pino do Ve-
fixando-se no país, se tornaram os antepassa- rão, em 23 de Julho, durante a época de maior
dos dos Epirotas. Dizia-se também que, depois seca. Possuía um santuário no vale de Circus
de ter desembarcado na Tessália, no regresso Maximus, entre o Palatino e o Aventino, que
de Tróia, queimou os seus navios, a conselho em tempos idos era atravessado por um ribeiro
de Tétis, e fixou-se em seguida no Epiro, por- relativamente importante, no percurso do qual
que nessa região encontrara a realização de um se encontrava precisamente a capela do deus.
oráculo de Heleno: o adivinho, com efeito, Na tradição romana, Neptuno passava por
aconselhara-o a instalar-se no país em que as ter um paredro, uma vezes de nome Salácia,
casas tivessem os alicerces em ferro, as pare- outras Venília.
des de madeira e o tecto de pano. Ora, no
Epiro, os indígenas viviam em tendas cujas es- NEREIDAS. V. Nereides.
tacas estavam enfeitadas com uma ponta de NEREIDES. (NT}pET}tôU;.) As Nereides são cI!-
ferro, os lados guarnecidos de madeira e eram vindades marítimas, filhas de Nereu e de Do-
cobertas por pano. ris e netas de Oceano (v. quadro 33, p. 328).

Neptuoo: VAR., LL, V, 72; VI, 19; oc., Nat., lI, Nereides: HEROD., lI, 50; li., XXVIII, 31 e S.;
66; SERVoad VIRG., Aen., VIII, 285. Cf. L. DELAITE, Od., XXIV, 47; HVG., Fab., praef., 8 (Rose); ef. 59;
in Ant. C/ass., 1935 pp. 45-47. 64; 96; 106; ApoLLoD., Bibl., I, 2, 7; ef. VIRG.,
NEREU 328

Personificavam, talv.ez, as inúmeras vagas do de Taumas, de Fórcis, de Ceto e de Euríbio (v.


mar. O seu número é, geralmente, de cin- quadro 33, p. 392). Casou com Dóris, outra
quenta, mas, por vezes, era elevado até cem. filha de Oceano, e, com ela, gerou as Nerei-
Possuímos quatro listas de Nereides, que se des (v. Nereides). A lenda atribui-lhe ainda um
completam entre si. Eis, por ordem alfabética, filho, Nerites (v. este nome).
a relação que resulta da comparação das nos- Nereu é uma das figuras que intervém com
sas fontes: mais frequência no folclore marinho da Gré-
Acteea, Ágave, Amatea, Anfínome, Anfí- cia. Mais antigo que Posídon, que pertence à
toe, Anfitrite, Apseudes, Autónoe, Calianassa, geração dos deuses olímpicos, Nereu conta-se
Calinira, Calipso, Ceto, Cimatolege, Cimo, Ci- entre os deuses das forças elementares do mundo.
módoce, Cimótoe, Clímene, Cranto, Dero, De- Como a maior parte das divindades marinhas,
xámene, Dinamene, Dione, Dóris, Doto, Nereu possui o poder de se metamorfosear em
Éione, Erato, Espeu, Êucrate, Eudora, Eulí- todos em todos os tipos de animais e seres di-
mene, Eumolpe, Euníce, Eupompe, Evágora, ferentes. Este poder serviu-lhe nomeadamente
Evarne, Ferusa, Galateia, Galene, Glauce, quando tentou escapar às perguntas que HéracIes
Glaucónome, Halimede, Hálio, Hipónoe, Hi- lhe fazia, tentando saber como chegar ao país
pótoe, lanassa, Íera, Íone, Janira, Laomedeia, das Hespérides (v. Héracles).
Liágora, Limnoreia, Lisianassa, Mélite, Me- Geralmente, Nereu é considerado um deus
nipe, Mera, Nausítoe, Nemertes, Neomerís.. benfeitor e benevolente para os marinheiros. É
Neseia, Neso, Orítea, Pánope, Pasítea, Ple- representado com barbas, frequentemente
xaura, Polínoe, Pontomedusa, Pontoporeia, brancas, cavalgando um tritão e armado do tri-
Prónoe, Proto (IlpóiJ.oç e Ilpurtw.), Protome- dente.
deia, Psâmate, Sao, Talía, Temisto, Tétis, Toe.
NÉRIA. V. Nério.
Esta lista global, que contém setenta e sete no-
mes, mostra a diversidade das tradições, de- • NÉRIO. (Nerio.) Nério, ou Néria, é, na
pendentes do capricho individual dos mitógra- tradição romana (e sem dúvida itálica), a mu-
fos e dos poetas. As pinturas dos vasos referem lher de Marte. Personifica a Valentia (é esse
ainda outras Nereides, como, por exemplo, o significado do seu nome, onde se encontra
Nao, Pontomeda, Cálice, Coro, Irésia, Cima- uma velha raiz indo-europeia). Por vezes,
toteia, Eudia, etc. consagravam-se-Ihe os despojos tomados ao
Estas Nereides não representam, de um inimigo, tal como se fazia com Marte ou Vul-
modo geral, um papel individual nas lendas; cano. Em certas tradições, parece ter sido iden-
algumas, contudo, têm uma personalidade tificada com Minerva que é, também, uma
mais acentuada que as suas irmãs. E o caso de deusa guerreira, à semelhança da Palas grega.
Tétis, a mãe de Aquiles (v. Tétis e Peleu), de Sobre as aventuras amorosas de Marte e
Anfitrite, a esposa de Posídon, de Galateia (v. Minerva-Nério, v. Marte e Ana Perena.
este nome), de Orítia, que é geralmente consi- NERITES. (N1)p[~1)ç.)Nerites é filho de Ne-
derada como filha do rei de Atenas, Erecteu. reu e Dóris. É o herói de lendas de marinhei-
Dizia-se que as Nereides viviam no fundo do ros. Contava-se que era um jovem de grande
mar, no palácio do seu pai, sentadas em tro- beleza, que provocara o amor de Afrodite, no
nos de ouro. Passavam o tempo a fiar, a tecer tempo em que ela vivia ainda no mar. Mas,
e a cantar. Os poetas imaginavam-nas, também, quando a deusa voou para o Olimpo, Nerites
a brincar nas ondas, com os cabelos flutuando recusou segui-Ia, embora ela lhe tenha dado
nas águas, nadando entre tritões e golfinhos. asas. Cheia de cólera e indignação, Afrodite
Na maior parte dos casos, intervinham nas transformou-o em concha, incapaz de se mo-
lendas como espectadoras, raras vezes como ver, presa a um rochedo, e deu asas a Eros, que
actrizes. Com a sua irmã Tétis, choram a morte aceitou ser seu companheiro.
de Aquiles e a de Pátroclo; indicam a Héra- Uma outra versão da lenda de Nerites é a se-
eles o modo de obter de Nereu as informações guinte: amado por Posídon, seguia o seu amigo
necessárias sobre o caminho para o país das com a maior rapidez e retribuía-lhe o amor.
Hespérides (v. Héracles). Estão presentes na Mas Hélio (o Sol), invejoso da sua rapidez ao
libertação de Andrómeda por Perseu, etc. (v. movimentar-se sobre as ondas, transformou-
também Cassiopeia). -o em concha.
NEREU. (N1)pEÚÇ.)Nereu é um dos «Velhos NESSO. (Néccoç.) Nesso é um Centauro, fi-
do Mar» - por vezes, o «Velho do Mar» lho, como todos os Centauros, de Ixíon e Né-
por excelência. É filho de Ponto (a «Onda Ma- fele. Participou na luta contra Folo e Hérac1es
rinha») e de Geia (a Terra) e é, por isso, irmão (v. Héracles) e, expulso pelo herói, estabeleceu-

Georg., IV, 336; HES., Theog., 243 e S.; PROP., E/., Nério: A. GEL., N A., XIII, 23, 2; LVD., de
IV, 7, 68; cf. FR. IMHooF-BwMER, ap. Revue Suisse Mens., IV, 42; cf. OV., Fast., III, 846 e S.; PLAUT.,
de Numismatique, 1924, pp. 173-421; FR. FISCHER, Truc., 515; LIV., LXV, 32; PORPH., ad HOR., Ep.,
Nereiden und Okeaniden in Hesiods Theogonie, lI, 2, 209.
Diss., Halle, 1934; CH. PICARD, art. cito (s. U. Sire-
nes). Neriles: AEL., NA, XIV, 28; Etym. Magn., S.U.

Nesso: HVG., Fab., 34; ApOLLOD., Bib/., lI, 5, 4;


Nereu: /I., XVIII, 35; 49; 141; HES., Theog., 7,6; SOPH., Tr., 580 e S.; SENEC., Herc. Oe., 491 e
233 e S.; ApOLLOD., Bibl., I, 2, 6; 11,5, 11; HVG., 5.; SERV., ad VIRG., VllI, 300; escó!. ad STAT.,
Fab., pref., 8 (Rose): 157; AEL., NA, XIV, 28; Theb., XI, 235; OV., Met., IX, 101 e S.; Her., IX,
Arg. Or., 336; PIND., Isth., VI, 8; AESCH., Fr., 141 e S.; escó!. ad Ar-or., RH., Arg., I, 1212. Cf. Ch.
174. DUGAs, in R. E. A., 1943, pp. 18-26.
329 NICE

-se na margem do rio Eveno, onde exercia a seus compatriotas, os Pílios, e os seus vizinhos
função de barqueiro. Foi lá que encontrou Hé- Epeus. Atacou-os frequentemente, para os pu-
racJes, pela segunda vez, quando este se apre- nir das razias que faziam no seu território. No
sentou, acompanhado de Dejanira, para pas- decurso de um desses combates, quase matou
sar o rio. HéracJes atravessou-o a nado, mas os Moliónidas, e tê-lo-ia feito se Posídon, para
confiou Dejanira ao barqueiro. Durante a tra- os salvar, não os tivesse envolvido numa nu-
vessia, Nesso tentou violá-Ia. Ela pediu socorro vem (v. Moliónidas). Atribuía-se-lhe também
e HéracJes trespassou o Centauro com uma fle- a morte do gigante Ereutálion, que derrotou
cha. Ao morrer, para se vingar de HéracJes, em combate singular, na Arcádia. Tomou
de quem já fora vítima por duas vezes, con- igualmente parte no combate dos Lápitas con-
fiou a Dejanira um pretenso segredo, assegu- tra os Centauros, bem como na caça de Cáli-
rando-lhe que, se alguma vez o amor do ma- don e, em certas versões tardias, na expedição
rido lhe viesse a faltar, não teria mais do que dos Argonautas. Todavia, a sua extraordiná-
embeber uma peça do vestuário no liquído que ria longevidade permitiu-lhe sobretudo desem-
lhe deu (e que era feito de uma mistura do seu penhar um importante papel na Guerra de
próprio sangue e do sémen que derramara du- Tróia. Foi a ele que Menelau pediu conselho,
rante a tentativa de violação), e fazer com que logo após a partida de Helena; Nestor acom-
HéracJes a vestisse. Afirmou-lhe que essa peça panhou-o por toda a Grécia, quando reunia os
de vestuário agiria como um filtro e devolve- heróis. Ele próprio forneceu um contingente
ria a HéracJes a fidelidade. É essa a explica- de noventa navios e partiu, acompanhado por
ção da morte do herói: o líquido dado por seus dois filhos, Antíloco e Trasimedes.
Nesso era, na realidade, um violento veneno. Antes dos acontecimentos narrados na
Quando HéracJes vestiu a túnica embebida Iliada, sabemos que participou na tomada de
nesse veneno, ela colou-se-Ihe ao corpo: de Ténedo por Aquiles. A sua parte nos despo-
cada vez' que tentava tirá-Ia, arrancava ao jos foi a filha de Arsínoo, Hecamede. Aquando
mesmo tempo pedaços de carne e acabou, da disputa entre Aquiles e Agamémnon, inter-
cheio de dor, por se queimar vivo (v. Hérac/es vém e, até ao fim, esforça-se por trazer de novo
e Dejanira). a concórdia ao campo dos Gregos.
NESTOR. (Néerop.) Nestor é o filho mais
Mais tarde, os poemas épicos contavam
novo de Neleu e Clóris (v. quadro 23, p. 258). como fora atacado por Mémnon e defendido
É também o único dos filhos de Neleu que so- por seu filho Antíloco; que sacrificou a vida
breviveu ao massacre perpetrado por HéracJes para o salvar. Foi Aquiles quem acabou por
(v. Ne/eu). Viveu até uma idade muito avan- matar Mémnon e vingar Antíloco (v. Antüoco
e Mémnon).
çada (mais de três gerações), por mercê de
Depois da tomada de Tróia, Nestor voltou
Apoio. Com efeito, sua mãe, Clóris, era uma são e salvo a Pilo, sendo um dos raros heróis
das Nióbides, filhas de Anfíon e Níobe. Seus que teve um regresso feliz. Sua mulher (Eurí-
irmãos e irmãs tinham sido mortos por Apoio' dice, filha de Clímeno, v. quadro 34, p. 392,
e Ártemis, e Apoio, para de algum modo se segundo a Odisseia; Anaxíbia, filha de Cratieu,
resgatar dessas mortes, concedeu a Nestor a segundo Apolodoro) estava ainda viva. Telé-
possibilidade de viver o número de anos de que
privara seus tios e tias. maco veio pedir-lhe conselho, preocupado com
Ta! como surge na Iliada, e também na Odis- a sorte de seu pai. Nenhuma tradição relativa
seia, Nestor é o tipo de ancião sensato, ainda à sua morte chegou até nós. Mostrava-se o seu
túmulo em Pilo. Os filhos de Nestor chama-
corajoso no campo de batalha, mas excelente vam-se: Perseu, Estrátilo, Areto, Équefron, Pi-
sobretudo na capacidade de aconselhar. Rei-
nava em Pilo. sístrato, Antíloco, Trasimedes; as filhas
denominavam-se Pisídice e Policaste.
As tradições diferem na explicação do facto
de Nestor não ter sido morto por HéracJes na NICE. (Níxn.) Nice é a personificação da Vi-
juventude: ora se diz que ele estava a ser criado tória. Representa-se com asas e voando com
em Gerénia, longe dos irmãos, em Messénia, grande rapidez. Hesíodo dá-a como filha do Titã
ora se pretende que Neleu e os seus outros onze Palas e de Estige. Pertence, por conseguinte,
filhos haviam tentado apoderar-se dos bois de à primeira raça divina, e é anterior aos deuses
Gérion, que HéracJes conduzia com grande di- olímpicos. Mas algumas tradições mais recen-
ficuldade. Apenas Nestor se absteve de parti- tes dão-na como companheira de brincadeiras
cipar na empresa. Como recompensa, o herói de Palas Atena. Teria sido criada por Palante
tê-Io-á poupado e ter-Ihe-á dado o reino de (nesta tradição, o herói epónimo do Palatino)
Messénia. (v. Pa/ante), que lhe teria consagrado um tem-
Depois disso, Nestor teve um papel de pri- plo no cimo da sua colina, o Pa!atino, em Roma-
meiro plano nos combates que opunham os (era o templo que, na época histórica, estava

Nesto.:11., I, 247; 11,76 e S.; 336-338; 432-440; 591 8; X, 25, 2; 11; 26, I; 4; 29, 10; Ov., Met., VIII, 313;
e S.; IV, 293 e S.; VI, 66 e S.; 323 e S.; VIII, 80-159; Xlii, 210 e S.; KINKEL, Ep. Gr. Fragm., p. 18; QUINT.
IX, 52 e S.; 92 e S.; 162-181; X, 73-176; 180-271; 531- SM., 11, 243 e S.; V AL. FLAC., Arg., I, 380; Ill, 143 e
-553; XI, 516-520; 618-642; 645-804; XIV, I e S.; XV, S.; VI, 569 e s. Cf. R. CANTIENI, Die Nestorerzãhlung
367-378; 659 e S.; XXIII, 304 e S.; 615-652; oa., 1II, in XI. Gesang der llias, Diss. Zurich, 1942.
165 e S.; 452 e S.; HVG., Fab., 10; ApOLLOD., Bibl.,
1,9,9; 11, 7, 3; Ep., VI, I; PAUSAN., 11, 2, 2; 18,7 Nice: HES., Theog., 383; SERV., ad VIRO., Aen.,
e s.: 111,26,8 e 10; IV, 3, 1-7; 31,11; 36, 2-5; V, 25, VI, 134; ApOLLOD., Bibl., 1,2,4; Dto», HAL. I, 33.
NICEIA 330

à beira do Cliuus Victoriae, a Subida da Vitó- Antíope (v. Antiape). E geralmente conside-
ria, não muito longe 'da Igreja de São Teodoro). rado como irmão de Lico (v. este nome) e fi-
Esta lenda nasceu da relação que, em Atenas, lho de Hirieu e Clónia (v. quadro 27, p. 280).
liga a deusa Atena e Nice, bem como da homo- . E, por isso, descendente de Posídon e das
nimia entre dois Palas, o Titã, e a deusa (ou o Plêiades. Mas os mitógrafos, confundindo os
seu «duplo») (v. Palas). De facto, em Atenas, dois Licos - um, filho de Posídon e Celeno,
Nice é apenas um epíteto de Atena. o outro, filho de Hirieu e neto de Posídon e
NICEIA. (Nlxoclo<,)Niceia é uma Náiade, fi- Alcíone (v. quadro referido) - fizeram, por
lha do rei Sangário e da deusa Cíbele. Rebelde vezes, de Nicteu filho de Celeno e Posídon.
face ao amor, apenas amava a caça. Por isso, Existem, todavia, outras versões aparente-
quando um pastor da Frigia, Himno, a corte- mente inconciliáveis com a anterior: Lico e Nic-
jou, apenas recebeu desdém. E, como Himno teu são, por exemplo, filhos de Ctónio, um dos
não se conformava com a derrota, ela matou- homens nascidos dos dentes do dragão morto
-o com uma flecha. Então, Eros, indignado por Cadmo (v. este nome). Nesta versão, fu-
como todos os deuses com este acto violento, giram de Eubeia (sem dúvida uma povoação
inspirou uma paixão por Niceia a Dioniso, que beótica com esse nome), porque haviam morto
a vira nua quando se banhava. Mas Niceia tam- Flégias (v. este nome). Instalaram-se em Te-
bém não cedeu ao deus, a quem ameaçou com bas e, aí, tornaram-se amigos do rei Penteu,
a mesma sorte que Himno se ele não a deixasse tendo mesmo exercido a regência durante um
em paz. Dioniso transformou em vinho a água certo tempo (v. Laia e Antiope). Uma variante
da nascente em que ela bebia e, quando ficou da mesma tradição, transmitida por Pausânias,
ernbriagada, não teve qualquer dificuldade em refere que Nicteu foi morto no campo de ba-
possuí-Ia. Da união de ambos nasceu uma talha, numa expedição contra Sícion, com o
filha, Telete. Primeiramente, Niceia quis objectivo de castigar o rei da cidade, Epopeu,
suicidar-se, mas acabou por fazer as pazes com que raptara Antíope. Epopeu foi igualmente /
Dioniso e tiveram outros filhos, um dos quais ferido nesse combate e não tardou a morrer.
de nome Sátiro. Quando voltou do Indo, Dio- NICTÍMENE. (NUX~lflÉVI}.)
Nictímene é a fi-
niso construiu em sua honra a cidade de Niceia. lha do rei de Lesbos, Epopeu - ou então de
NICÓMACO. (NlXÓflOCxoÇ.)Nicómaco é um um rei da Etiópia, de nome Nicteu. Foi pos-
neto de Asclépio, pelo lado de seu pai Macáon. suída pelo pai, ou porque retribuía um amor
Sua mãe é Anticleia, filha de Díocles. Depois incestuoso, ou porque a isso foi por ele obri-
da morte deste, Nicómaco e seu irmão, Gór- gada. Envergonhada, fugiu para os bosques,
gaso, alcançaram o poder na cidade de Feras, onde Atena se apiedou dela e a transformou
na Messénia. Mais tarde, Ístrnio, filho de em coruja. É por isso que essa ave foge da luz
Glauco, erigiu-lhes um santuário,.por serem e dos olhares e não se mostra senão de noite.
dois heróis com a faculdade de curar.
NÍCTIMO. (NúX>lflOÇ.)Níctimo é, de entre
NICÓSTRATE. (NlXO<Tl"p<i~1J.)
Nicóstrate é os filhos de Licáon, aquele que os rogos de
um dos nomes usados, na Grécia, pela mãe de Geia salvaram da vingança de Zeus (v. Licáon).
Evandro, que em Roma se chamava Carmenta Sucedeu a seu pai no trono da Arcádia. Foi du-
(v. este nome e Evandra). Nicóstrate ora é a rante o seu reinado que aconteceu o Dilúvio
mãe de Evandro, que concebeu de Hermes, ora de Deucalião. Teve como sucessor Árcade (v.
sua mulher, e filha de Hermes. este nome).
NICÓSTRA TO. (NlXÓ<Tl"pOC~Oç.) Nicóstrato é NILEU. (NtlÀtÚÇ.)Na tradição evemerista se-
o filho de Helena e Menelau. Como os Poe- guida por Diodoro Sículo, o rei Nileu é um so-
mas Homéricos afirmam várias vezes que Her- berano que reinou no Egipto, Deu o seu nome
míone era filha única, admite-se geralmente ao rio Nilo que, anteriormente, se chamava
que Nicóstrato nasceu depois do regresso de Egipto. Essa honra foi-lhe concedida pelo seu
Tróia. Por vezes, procura-se igualmente resol- povo, em reconhecimento dos numerosos tra-
ver essa dificuldade fazendo-o filho de MeneaIu balhos de irrigação levados a cabo por Nileu,
e de uma escrava: seria então irmão de Mega- visando aumentar a fertilidade do solo.
pentes (v. Helena, Megapentes, Menelau, e
NILO. (NtlÀoç.) Nas tradições helénicas,
quadro 15, p. 2(0).
Nilo é o deus do Nilo, o rio egípcio. Como to-
NICTEU. (Nux~túç.) Nicteu é o nome de vá- dos os rios, é filho de Oceano. Mas depressa
rios heróis, o mais célebre dos quais é o pai de surgiu uma lenda mais precisa que ligou o rio

Niceia: NONN., Dion., XV, 169-XVI, 405. Nictlmene: HES., Fab., 204; 253; Ov., Met., n.
Nicómaco: PAUSAN., IV, 3, 10; 30, 3. 590 e 5.; SERV., ad VIRG., Georg., I, 403; WEST.,
p.348.
Nícõstrate: PLUi., Rom., 21; Q. Rom., 56; AUR.
VICTOR, de orig, gent., 5; SERVoad VIRG., Aen., VII,
Níctimo: ApOLLOD., Bibl., I1I, 8, I e 5.; TZETZ. ad
51; 181; SOL., I, 10 e S.; STRAB., V, 230. V. Evan- Lyc., 481; PAUSAN., VIII, 3, I.
dro e Carmen/a.
Nicóstrato: HVG., Fr., 122 (Rz); escól. ad 11., Hl, Nileu: DIOD. SIC., I, 19; 63; escól. ad THEOCR.,
175; EUST., ad Hom., p. 400, 32; escól. ad SOPH., VII, 114.
EI., 539; PAUSAN., n, 18,6; m, 18, 13; 19,9.
Nicteu: ApOLLOD., Bibl., I1I, 5, 5; 10, I; STRAB., Nilo: HES., Theog., 338; escól. ad Lvc., Alex.,
IX, 404; HVG., Astr., 11, 11; Fab., 14; 157; PAUSAN., 119 e 576, e TZETZ., ad loc.; escól. ad Asot. RH.,
n, 6, I e S.; IX, 5, 5. Arg., IV, 276; Arot.ton., Bibl., u, 1,4.
331 NíOBE

ao ciclo de 10. Épafo, filho de 10, casou com de Crono (Belo, o deus Bel, identifica-se, de
Mênfis, filha de Nilo, e dessa união nasceu Lí- facto, com o deus helénico Crono). Pensa-se
bia, mãe da raça de Agenor e Belo (v. quadro que foi o primeiro a criar.a arte milit~r e a ret;-
3, p. 66). Os Gregos imaginava~ Nilo com? nir grandes exércitos. Aliou-se ao rei da .Ara-
um rei que tinha fertilizado o Egipto, canali- bia de nome Arieu, e, com ele, conquistou
zando o rio, construindo diques, etc. (v. Nileu). tod~ a Ásia, excepto a Índia. A Bactr!ana
resistiu-lhe durante mais tempo, mas, fmal-
NINFAS. (NúiJ.'!'o".) As Ninfas são «jovens
mulheres» que povoam o campo, os bosques mente, conseguiu conquistá-Ia, graças à arti-
e as águas. São os espíritos dos campos e da manha da mulher de um dos seus vizires. Essa
mulher era Semíramis, com quem se casou (v.
natureza em geral, de que personificam a fe-
cundidade e a graça. Na época homérica, pas- Semíramis). Depois da morte de Nino, foi ela
quem lhe sucedeu.
sam por filhas de Ze~s. São consider.a?as como
Hérodoto refere uma outra genealogia do
divindades secundárias, a quem se dirigem ora-
ções e que podem ser temíveis. Habitam gru- rei Nino. Na sua versão, ele descendia de Hé-
tas onde passam a vida a fiar e a cantar. São racles pois era neto de Alceu, filho de Héra-
frequentemente as acompanhantes de. uma c1es e de Ônfale. Mas esta genealogia, que torna
grande divindade (designadamente Artemis) ou o rei Nino mais jovem várias gerações, é uma
interpretação «histórica» das lendas anteriores.
de uma de entre elas, de nível superior, E o caso
das ninfas aias de Calipso ou de Circe.
NÍOBE. (Ntó~1J.) Níobe é o nome de duas
Entre as Ninfas existem várias categorias,
heróinas distintas que as tradições tendem a
que se distinguem consoante o seu habitat: as
confundir.
ninfas dos freixos (as Melíades, v. este nome)
1. Uma delas é uma argiva, filha de Foro-
parecem ser as mais antigas; são filhas de
neu e da ninfa Telédice (ou então Cerdo ou
Úrano e não de Zeus. Há depois as Náiades
Pito). É a primeira mortal a quem Zeus s.e
(v. este nome), que vivem nas fontes e cu~sos
uniu. Dele concebeu Argo e (segundo Acusi-
de água. As Nereides são geralm~~te conside-
lau) também Pelasgo (v. qua?ro 19, p .. 23~, e
radas ninfas do mar calmo. As Náiades de um
quadro 20, p. 240). Níobe, filha do primeiro
rio passam muitas vezes por ser filhas desse
homem (v. Foroneu), é a primeira mulher mor-
mesmo rio. É o caso das filhas do Asopo, etc.
tal a «mãe dos seres vivos».
Nas montanhas vivem ninfas específicas, de
nome Oréades. Nas matas vivem ninfas cha-
i. A outra Níobe é filha de Tântalo e, por
isso irmã de Pélops. Casou com Anfíon e deu-
madas Alseides (do grego iiÀaoç: bosque sa-
-Ihe'(dizem a maior parte dos mitógrafos) sete
grado). Outras ninfas estão ligadas a um lu-
filhos e sete filhas. Os sete filhos chamavam-
gar determinado, como por ex~mplo a uma
-se Sípilo, Eupínito, Ismem?, Damasíct<;m, Age-
dada árvore, como as Hamadnades (v. este
nor Fédimo Tântalo; as filhas denommavam-
nome). -se Etodea {ou Neera), Cleodoxa, Astíoque,
As Ninfas desempenham um importante pa-
Ptia, Pelópia, Asticracia e Ogígia. E~t~ númer?
pel nas lendas. Divindades familiares à imagi-
varia consoante os autores. Na tradição home-
nação popular, intervêm, como as nossas.fa-
rica fala-se de doze filhos, seis filhos e seis fi-
das, em muitas histórias do folclore. MUItas
lhas: finalmente Herodoro de Heracleia con-
vezes encontramo-Ias como mulheres de um
side;a apenas ci~co: dois filhos e três filhas.
heróiepónimo de uma cidade ou de um país
Pelo seu casamento, Níobe figura entre as he-
(v. por exemplo a lenda de Egina e Eac<?, a da
roínas tebanas.
ninfa Taígete, etc.; v. o Indice, art. Ninfasi,
Feliz e orgulhosa com os seus filhos, Níobe
Intervêm também frequentemente nos mitos do
declarou um dia que era superior a Leto, que
amor (v. as histórias de Dafne, ~e Eco, de C!l-
tivera apenas um filho e uma filha. A deusa
listo, etc.), Os seus amantes mais vulgares sao
ouviu-a sentiu-se ofendida e pediu a Apoio e
os espíritos masculinos da natureza: Pã, os Sá-
Ártemi; que a vingassem. As duas divindades
tiros, Priapo, etc. Frequentes vezes, os gran-
fizeram-no, matando os jovens com as suas fle-
des deuses não desdenham dos seus favores: chas. Ártemis matou as raparigas e Apoio os
unem-se então a Zeus, a ApoIo, a Hermes, a
rapazes. Segundo se diz, ap~nas se salvaram
Dioniso, etc. De vez em quando, são elas pró-
dois, um rapaz e uma rapariga. f::sta,_ com. o
prias que se apaixonam e raptam jovens, como
terror que lhe causara a morte dos irmaos ~ ~r-
aconteceu com Hilas.
mãs, ficou pálida e tomou o nome de C!ons.
NINO. (Ntvoç.) Nino é o fundador mítico da Casou mais tarde com Neleu. Na versao da
cidade de Nínive e do Império Babilónico. lenda presente na I1íada, os filhos d~ Níobe f!-
É considerado como filho de Belo, ou então caram sem sepultura durante dez dias; no de-

Ninfas: 11., XX, 8 e S.; XXIV, 615, etc.; Od., X, Argo). 2) 11., XXIV, 599 e S.; escól. a 604; ApOLLOO.,
348 e S.; XVII, 240; etc.; escól. ad 11., XX, 8; Bibl., I1I, 5, 6; AEL., VH, XII, 36; 0100. SIC., IV, 74;
PORPH., Antr., passim; Myth. Vat., 11,)0; I1I, 5, PAUSAN., I, 21, 3; lI, 21, 9; V, li, 2; 16,4; VIII, 2, 5
3; v. também as lendas específicas (no lndice). e 7; Ov., Met .•• VI, 146 e S.; PLAC. ad STAT., Theb.,
I1I, 191; EUR., Phoen., 159; escól: ad lo.c.; SOPH.,
Nino: HERoo., I, 7; ALEX. POLYH., fr. 3; 0100. SIC., Ant., 822 e S.; EI., 150 e S.; tragédia perdida de És-
Il, I e s.; 20 e S.; STEPH. BYz., S.U.; CONON, Narr., 9. quilo, Níobe (cf. Nauck, TOF,2 ed., p. 50 e s. e p. 228
Níobe: 1) ApOLLOO., Bibl., lI, I, I; TZETZ. ad e s.); TZETZ., ad Lyc., 111; escól. ad PLAT.,. Ti.: 22a;
Lyc., 111; escól. adEuR., Or., 932; PAUSAN., 11, 21, PARTH., Erat., 33. Cf. E. LIENARO, «Les NlObldes)~,
2; HYG., Fab., 145; 0100. SIC., IV, 14; DION. HAL., Latomus, 1938, pp. 20-29; W. SCHAOEWALDT,tne
I, 11; cf. PUN., N. H., IV, 17 (a nascente Níobe de Niobe des Aischylos, Heidelberga, 1934.
NIREU 332

cimo primeiro, os próprios deuses os enterra- sou com os irmãos para conquistar a Ática. Ob-
ram. Na versão mais recente, Níobe, cheia de tevepara si a cidade de Mégara (v.também Círon).
dor, fugiu para junto de seu pai Tântalo, em Embora algumas tradições atribuam a Niso
Sípilo (ou para o monte Sípilo, na Asia Me- uma filha, de nome Ifínoe, que casou com Me-
nor), onde os deuses a transformaram em ro- gareu, filho de Posídon, na maior parte das
cha. Mas os seus olhos continuaram a chorar vezes - e é essa a versão mais célebre da
e mostrava-se a rocha que outrora fora Níobe, lenda - a filha de Niso é Cila, que traiu o pai
e donde brotava uma nascente. por amor de Minos (v. Cila). Nesta lenda, Niso
Existia uma outra lenda de Níobe, que ex- foi transformado em águia marinha.
plica diferentemente a morte de seus filhos. 2. Niso (em latim Nisus) é o nome de um
Nessa lenda, Níobe era a filha de Assáon, que companheiro de Eneias, célebre pela sua ami-
a tinha casado com um assírio de nome Filoto; zade por Euríalo. A sua lenda parece remon-
este foi morto durante uma caçada, e Assáon tar a Virgílio. No decurso dos jogos fúnebres
apaixonou-se pela filha. Níobe recusou celebrados em honra de Anquises, assegurou
entregar-se-lhe; então, Assáon convidou os ne- a vitória do seu amigo. Aquando da guerra
tos (em número de vinte) e, durante a refeição, contra os Rútulos, Niso e Euríalo foram, du-
lançou fogo ao palácio. Todos pereceram quei- rante a noite, em missão de reconhecimento ao
mados. Assáon, cheio de remorsos, suicidou- campo do adversário. MataramRarnnes mas,
-se. Níobe ou foi transformada em pedra ou no regresso, foram perseguidos por um grupo
lançou-se do alto de um rochedo. de cavaleiros. Procuraram um refúgio nos bos-
NIREU. (Ntptóç.) 1. Nireu figura entre os ques; mas foram separados um do outro. Sen-
pretendentes de Helena. Era de grande beleza, tindo o amigo ameaçado, Niso abandonou o
seu esconderijo e morreu ao tentar vingar a
mas de nascimento humilde. Filho de Cáropo morte de Euríalo.
e da ninfa Aglaia, reinava na ilha de Sime. Fi-
gura no «Catálogo das Naus» à cabeça de um NISO. (Nüeoç.) Niso é, em certas tradições,
contingente de apenas três navios. Aquando da aparentemente tardias, o marido da ama de
luta entre Aquiles e Télefo, na Mísia (na altura leite de Dioniso, que dele conservará o nome.
da primeira expedição e do desembarque mal Durante a sua expedição contra o Indo, o deus
sucedido) (v. Aquiles), Nireu matou a mulher confiara a Niso a cidade de Tebas. Quando vol-
de Télefo, Híera, que combatia ao lado do ma- tou, Niso recusou-se a devolver-lhe Tebas.
rido. Diante de Tróia, Nireu foi morto pelo fi- O deus não quis entrar em conflito com ele,
lho de Télefo, Eurípilo. Mostrava-se o seu tú- mas esperou uma ocasião favorável, que se
mulo na Tróade. Mas outra tradição fá-Io apresentou ao fim de três anos. Aparente-
participar nas viagens de Toas depois da queda mente, Dioniso reconciliara-se com Niso e
de Tróia. pediu-lhe autorização para celebrar na cidade
2. Outro Nireu é um habitante de Cátana a festa trianual que outrora instituíra. Niso
que, desesperado com um desgosto de amor, consentiu. Então, Dioniso disfarçou os seus
se atirou do alto do rochedo de Lêucade. Mas soldados de Bacantes e introduziu-os na cidade.
foi retirado da água por pescadores, e milagro- Com a ajuda desses soldados, não teve qual-
samente salvo. Os pescadores trouxeram na quer dificuldade em se apoderar de Niso e em
rede, para além dele, um cofre cheio de ouro. retomar o poder. .
Nireu reclamou esse ouro; mas Apoio apare-
ceu-lhe em sonhos, e aconselhou-o a contentar- • NIXOS. (Nixi.) Os Nixos são três divin-
dades masculinas, cujas estátuas, ajoelhadas,
-se com a sua vida, sem reivindicar um tesouro se encontravam em Roma, no Capitólio, de-
que não lhe pertencia. fronte da cella de Minerva Capitolina. Repre-
~JM~.(~Mlt.),~iSlLé...1UIIa.clas..ninfAS_qp.e1' sentavam, na mente nooular, os «esforços» das
no monte Nisa, criou Dioniso, em criança. E, m~ihe;'es'no-môm~nto em que estavam a dar
por vezes, considerada como filha de Aristeu. à luz uma criança. [Embora no original fran-
Tal como as outras amas do deus foi, a pedido cês estas divindades sejam referidas como fe-
dele, rejuvenescida por Medeia. mininas (Nixas), em latim (cf. bibliografia, in-
fra) e em português (cf. Francisco Rebelo
NISO. (NTO'oç.) 1. Niso é um dos quatro fi- Gonçalves, op. cit., p. 710) são, enquanto re-
lhos do rei de Atenas, o segundo Pandíon (v. presentantes dos esforços do parto, divinda-
quadro 12, p. 144). Nascera em Mégara, durante des masculinas.)
o exílio do pai, que fora expulso de Atenas pe-
los filhos de Metíon. Sua mãe é Pília, filha do NOITE. (Nó!;.) Noite é a personificação e a
rei de Mégara. Depois da morte do pai, regres- deusa da Noite. É filha de Caos, na Teogonia

Nireu: 1) 11., lI, 671 e 5.; HVG., Fab., 81; 97; AESCH., Ch., 612 e S.; Ciris, 378 e S.; VIRG., Georg.,
Dton. SIC., V, 53; EUR., Iph. Aul., 204; TZETZ. An- 1,404 e s. 2) VIRG., Aen., V, 294 e 5.; IX, 176 e S.;
teh., 278; ad Lyc., 1011; QUINT. SM., VI, 372 e 5.; HVG., Fab., 257., Ov., Tr., I, 5, 25; 9, 33 e S.; V,
VII, Ii e 5. 2) PTOL. HEPH., VII, ap WESTERMANN, 4,26.
Myth. gr., p. 159, 13 e 5.
Niso: HVG., Fab., 131; 167; 179.
Nisa: HVG., Fab., 183; SERV., ad VIRG., Ec/., VI,
15; Dron. SIC., I1I, 70. Nixos: PHAEST., p. 174; 177; Ov., Met., IX, 294.
Niso: STRAB., IX, 392; HVG., Fab., 198; 242; Noite: 11., XIV, 259; VIII, 488; HES., Theog., 123
ApOLLOO., Bibl., I1I, 15,5 e 5.; PLUT., Qu. Gr., 16; e 5.; 211 e S.; 744 e 5.; 757; Op., 17; EUR., Andr., fr.
PAUSAN., 1,39,4; 19,4; 11, 34, 7; SUID., s.u.; ApOL· 114; Ion, 1150 e 5.; CLÉMENCERAMNOUX, La Nuit et
LOO., Bibl., 111, 15, 5 e 5.; TZETZ. ad Lyc., 650; les enfants de Ia Nuit, Paris, 5. d. (1959).
333 NUMITOR

hesiódica. Ela própria concebe dois elementos lha, Pompília, nascida de Tácia, filha do rei
o Éter e o Dia, e toda uma série de abstracções; Tito Tácio, ou de Lucrécia, com quem casou
Moro (a Sorte), as Ceres, Hipno (o Sono), após ter subido ao trono. Pompília casou com
os Sonhos, Morno (o Sarcasmo), a Angústia, um certo Márcio, um Sabino, que acompanhou
as Meras, Némesis, Apaté (o Engano), Filo- Numa a Roma, onde entrou no Senado. O rei
tes (a Ternura), Geras (a Velhice), Éris (a Dis- Anco Márcio é, por seu intermédio, seu neto.
córdia) e, finalmente, as Hespérides, que são Diz-se que nasceu cinco anos antes da morte
as filhas do Entardecer (v. Hespérides). A de Numa.
Noite tem a sua morada no Extremo Oeste, Numa morreu extremamente velho e foi en-
para lá do país de Atlas. É a irmã de Érebo, terrado na margem direita do Tibre, no Janí-
que personifica as trevas subterrâneas. culo; ao mesmo tempo, puseram-se junto dele,
NOTO. (Nó-eoç.) Noto é o deus do vento do num caixão diferente, os livros sagrados que
Sul, vento quente e carregado de humidade. escrevera com a sua própria mão. Cerca de
E o filho de Eos (a Aurora) e de Cetreu (v. qua- quatrocentos anos mais tarde, no consulado de
dro 16, p. 202). Não intervém como persona- Públio Cornélio e Marco Bébio, uma violenta
gem em nenhum mito, ao contrário de Bóreas chuvada desenterrou os dois caixões. Um de-
e Zéfiro, seus irmãos (v. estes nomes). les, o de Numa, estava vazio; o outro conti-
• NUMA POMPÍLIO. (Numa Pompi/ius.) nha os manuscritos, que foram queimados no
Numa, de origem sabina, é o segundo rei de
Comitium (diante da Cúria).
Roma nas lendas da fundação da cidade. Nas- • NUMITOR. (Numitor.) Filho mais velho
ceu no dia em que Roma foi fundada por Ró- de Procas, rei de Alba, é o décimo sexto rei da
mulo, e casou com Tácia, filha de Tito Tácio. dinastia dos Enéades. O seu irmão mais novo,
Representa o rei religioso por excelência; Amúlio, apoderou-se do poder quando o pai
atribui-se-Ihe a criaçâo da maior parte dos cul- morreu (v. Amúlio) e expulsou Numitor. Em
tos e das instituições sagradas. Começou por seguida, para ter a certeza de que ninguém vin-
conceder honras divinas a Rómulo, sob o nome garia esse crime, matou o filho de Numitor e
de Quirino (v. Romuloy. Em seguida, criou o consagrou a sobrinha, Reia Sílvia, ao serviço
colégio dos Flâmines, o dos Áugures, o das de Vesta, o que a obrigava a um celibato sufi-
Vestais, o dos Sálios, o dos Feciais, o dos Pon- cientemente longo para que não pudesse ter fi-
tífices, e introduziu grande número de divin- lhos. Mas Reia foi amada pelo deus Marte e
dades, por exemplo o culto de Júpiter Término, deu à luz dois gémeos, Rómulo e Remo. Por
de Júpiter Elício, de Fides, de Dius Fidius, e ordem de Amúlio, as duas crianças.foram ex-
dos deuses sabinos. Supunha-se que seguia o postas na margem do Tibre. Mas não morre-
pitagorismo ou então que a sua política reli- ram. O rio, que transbordou do leito, depôs
giosa era inspirada pela ninfa Egéría: esta vi- o cesto que os continha no sopé do Gérmalo
nha, de noite, dar-lhe conselhos, na gruta das (o cume noroeste do Palatino). As crianças fo-
Camenas, junto de uma fonte sagrada (v. Egé- ram recolhidas pelo pastor Fáustulo (v. este
ria). Ligam-se ao seu nome todas as reformas nome) e criados no Palatino. Quando cresce-o
culturais e religiosas, como a instituição de um ram, levaram a vida de pastores e, de vez em
calendário baseado no ciclo da Lua, com a dis- quando, entregavam-se mesmo a actos pró-
tinção de dias fastos e nefastos. prios de salteadores. Um dia, durante uma rixa
Numa possuía poderes mágicos. Por exem- que os opunha aos pastores de Numitor, que
plo, no decurso de um banquete a que presi- apascentavam os seus rebanhos no Aventino,
dia, as mesas encheram-se de repente de igua- Remo foi feito prisioneiro e levado para Alba.
rias requintadas e de vinhos deliciosos que Conduzido junto do rei, deu mostras de uma
ninguém tinha trazido. Dizia-se também que tal altivez que Numitor ficou intrigado. Mas
aprisionara Pico e Fauno, no Aventino, mis- Remo, que desconhecia a sua verdadeira ori-
turando mel e vinho na água da fonte em que gem, não pôde satisfazer-lhe a curiosidade. En-
bebiam. Quando os teve em seu poder, forçou- tretanto, Rómulo, posto ao corrente por Fáus-
-os a falar, embora eles tomassem os mais va- tulo do segredo do seu nascimento, veio com
riados aspectos de seres aterradores. Todavia, um grupo de camponeses em socorro do irmão.
por fim eles confessaram-se vencidos e fizeram- Matou o tio-avô, apoderou-se do palácio e re-
-lhe revelações, ensinando-lhe, por exemplo, conduziu no trono o avô, Numitor.
encantamentos contra o raio. Atribui-se-Ihe Uma outra versão atribui a Numitor um pa-
igualmente uma conversa cem Júpiter sobre pel mais importante na salvação e educação dos
esta matéria, no decurso da qual convenceu o gémeos. Numitor estaria ao corrente da gra-
deus a contentas-se com cabeças de cebola para videz de sua filha Reia, e teria arranjado duas
desviar o raio, em vez de cabeças de homens, crianças que substituíram os da filha. Os dois
de cabelos e pequenos peixes. filhos de Reia foram por ele enviados ao pas-
Atribuem-se a Numa vários filhos, Pompo, tor Fáustulo, no Palatino (v. Fdustutot. Foram
Pino, Calpo e Mamerco, todos antepassados alimentados pela mulher de Fáustulo, de nome
de uma gens romana. Tinha também uma fi- Larência, que, outrora, fizera comércio dos

Noto: 11., 1lI, 10; XI, 306; XXI, 334; HES., MÉZIL, Mitra- Varuna, Paris, 1940, pp. 27 e 5.
Theog., 380; 870; VIRO., Aen., li, 416 e 5.; Ov.,
Met., 1,262 e 5.
Numitor: O,ON. HAL., I, 76 e s.; Lrv., I, 3 e 5.;
STRAB., V, 3, 2, p. 229; PLUT., Rom., 3 e 5.; De orig.
Numa Pomplllo: PLUT., Num., passim; LIV., gent., 20, 1 e s.; TZETZ. ad Lyc., 1232; CONON,
I, 18 e 5.; OION. HAL., li, 62 e 5. Cf. G. Ou. Narr., 48.
NUMITOR 334

seus encantos e merecera, por isso, o nome de se restabelecer no trono. Em seguida, deu aos
«Ioba» (chamavam-se «lobas» as mulheres de netos um território, para que aí fundassem uma
pouca virtude). Uma vez desmamadas, as cidade, precisamente no local onde tinham sido
crianças foram enviadas para Gábios, para aí criados por Fáustulo.
serem educadas nas letras gregas. Quando re- Há um certo número de variantes da lenda
gressaram ao Palatino, para junto daquele que de Amúlio e Numitor. Por exemplo, ambos se-
julgavam seu pai, Numitor arranjou maneira riam filhos do herói Aventino, ou então seus
de os envolver numa luta com os seus pasto- netos (sendo Procas filho deste último). A he-
res, e depois queixou-se a Amúlio da insolên- rança de seu pai teria sido dividida: um teria
cia daqueles jovens que, com os camponeses tomado o poder (Amúlio), o outro escolhido
da vizinhança, assolavam os seus rebanhos. os tesouros (Numitor). Ou então, Procas tê-
Amúlio, sem desconfiar, convocou todos para -Ios-ia aconselhado a que governassem à ma-
Alba, para julgar o processo. Numitor, com neira dos cônsules romanos, formando um
a ajuda dessa multidão de jovens, não teve colégio de dois reis iguais. Mas Amúlio apo-
qualquer dificuldade em derrubar o irmão e em derou-se sozinho do poder. .
o
OAXES. ('OáçT}ç.) Oaxes é um herói cre- Reso, o Aqueloo, o Nesso, o Ródio, o Haliác-
tense, filho de Anquíalo e epónimo da cidade mon, o Heptáporo, o Granico, o Esepo, o
de Oaxo, em Creta. É mencionado por Virgí- Simoente, o Peneu, o Hermo, o Caíco, o San-
lio na primeira écloga, mas o estabelecimento gário, o Ládon, o Parténio, o Eveno, o Ar-
do texto oferece dúvidas e é possível que o desco e o Escamandro. Mas o próprio Hesíodo
nome desta personagem tenha sido confundido adverte que esta lista não é exaustiva. Neces-
com o do rio Oxo. sário seria acrescentar-lhe pelo menos três mil
.nomes, se se pretendesse fazer referência a to-
OAXO. COaçoç.) Filho de Acacális, segundo
dos os rios que Oceano concebeu com Tétis.
certas tradições, e fundador da cidade de Oaxo Dela teve ainda outras tantas filhas, as Oceâ-
em Creta, esta figura identificar-se-á provavel-
mente com a anterior. nides, que se uniram a inúmeros deuses e, por
vezes, até a mortais, dando à luz uma nume-
OCEANO. COxEavóç.) O Oceano é a perso- rosa descendência. As Oceãnides personificam
nificação da água que, segundo as concepções os riachos, as fontes e outros cursos de água.
helénicas primitivas, cerca o Mundo. É repre- Hesíodo alude a quarenta e uma: a mais velha
sentado como um rio que corre à volta de um é Estígia, seguindo-se-lhe Pito, Admeto, Iante,
disco plano que é a Terra. Estende-se, por con- Electra, Dóris, Primno, Urânia, Hipo, Clí-
seguinte, tanto a ocidente como a oriente, a sul mene, Rode, Calírroe, Zeuxo, Clície, Idia, Pa-
e a norte da superfície terrestre, delimitando- sítoe, Plexaure, Galaxaure, Dione, Melóbosis,
-lhe as fronteiras mais longínquas. Assim se ex- Toe, Polidora, Cerceide, Pluto, Perseide, Ja-
plicam, por exemplo, a topografia da lenda de nira, Axaste, Xante, Petrea, Menesto, Europa,
Héracles e das Hespérides ou a das suas aven- Métis, Eurínome, Telesto, Criseide, Ásia, Ca-
turas nos domínios de Gérion (v. Héracles). lipso, Eudora, Tique, Ânfiro, Ocírroe. A esta
À medida que o conhecimento da Terra se foi lista, certos autores acrescentam ainda outros
tornando mais preciso, as concepções variaram nomes: Fílira, mãe do Centauro Quíron, Ca-
e o nome de Oceano ficou circunscrito ao marina, Aretusa, etc. Tais catálogos eram sus-
Atlântico, considerado o extremo ocidental do ceptíveis de toda a espécie de alterações, ao sa-
mundo antigo. bor da imaginação e da fantasia.
Como divindade, o Oceano é o pai de todos O Oceano é o mais velho dos Titãs, filhos
os dos, alguns dos quais mencionados por He- de Úrano e Geia (v. quadro 6, p. 105, e 14,
síodo na Teogonia: o Nilo, o Alfeu, o Erídano, p. 182). É casado com Tétis, sua irmã, que re-
o Estrímon, o Meandro, o Istro, o Fásis, o presenta o poder fecundo (feminino) do mar.

Oaxes: SERV., ad VIRG.. Ecl., I, 66. XIV, 201, 246; 302; XXlll, 205; Od., XI, 13; 639;
XII, I; Hym. Dem., 418 e S.; Asot.. RH., Arg., Il,
Oaxo: STEPH. Bvz., s.u. 1235; PINO., Olymp., V, 2; Py/h., IX, 14; AESCH.,
Oceano: HES., Theog., 133 e S.; 337 e S.; Arot. Pr., 136 e S.; 793 e s. Cf. Fr. FISCHER, op. cit. (s.u.
1.00., Bib/., I, 1,3; 2, 2 e
S.; 0100. SI('., V, 66; li., Nereides).
OCIRROE 336

OCÍRROE. COXtppÓTj.) Nome de diversas *OCRÍSIA. (Ocrisia.) Ocrísia é a mãe do rei


ninfas ou divindades relacionadas com a água Sérvio Túlio. Filha do soberano de Cornículo,
e as fontes. foi levada como escrava para Roma, depois da
1. Uma das filhas de Oceano tinha este tomada da sua pátria, e condenada a servir no
nome. Contava-se que esta Oceânide se unira palácio de Tarquínio, o Antigo. Aí, deu à luz
ao Sol (Hélio), de quem deu à luz um filho cha-: um filho, em condições misteriosas. Segundo
mado Fásis. Este surpreendeu-a um dia com a tradição mais célebre, teria visto aparecer um
um amante e matou-a. Cheio de remorsos, órgão sexual masculino nas cinzas da lareira,
precipitou-se depois no rio Arcturo, que desde quando levava as oferendas rituais ao deus Lar.
então se passou a chamar Fásis (o Faso). Assustada, revelou esta visão à sua ama, Ta-
2. Ocírroe era também o nome de uma ninfa naquil, que a aconselhou a envergar o trajo
de Samos, filha da ninfa Quésia e do rio Ím- nupcial e a fechar-se no quarto em que ocor-
braso. Apoio apaixonou-se por ela e quis raptá- reria a manifestação da divindade. Ocrísia as-
-Ia, num dia em que se deslocou a Mileto. Mas sim procedeu. Ne noite, o seu divino noivo foi
Ocírroe pediu a um amigo de seu pai, um ma- ao seu encontro e da união de ambos nasceu
rinheiro chamado Pompilo, que a levasse con- Sérvio Túlio.
sigo. Ele assim fez, mas, quando chegaram a Segundo outra versão, Ocrísia teria chegado
Samos, julgando ter escapado a Apoio, o deus já grávida a Roma. Não seria a filha, mas a
apareceu-Ihes, apoderou-se da jovem, transfor- mulher do rei de Cornículo. Uma das faces as-
mou em rochedo o barco de Pompilo e meta- sumidas pela lenda afirmava simplesmente que
morfoseou este em peixe. ela tivera em Roma um amante, não um deus,
3. Há ainda uma outra Ocírroe, filha de Quí- mas um «cliente» da casa real.
ron e da ninfa Cariclo. O seu nome deriva do
OFELTES. ('O~ÉhTjç.) V. Arquémoro.
local onde nasceu: a mãe deu-a à luz à beira
de um regato de águas rápidas (llIxúç, rápido; OFÍON. CO<plwv.) 1. Numa tradição possi-
poi], corrente). Recebeu, ao nascer, o dom da velmente órfica, Ofíon e a sua companheira
adivinhação, de que se serviu levianamente, re- Eurínome, filha de Oceano, reinavam sobre os
velando ao seu pai e ao jovem Asclépio, con- Titãs, antes do tempo de Crono e de Reia. Es-
tra as ordens dos deuses, a história secreta das tes últimos assenhorearam-se do poder e lan-
divindades. Sofreu como punição uma meta- çaram ao Tártaro Ofíon e Eurínome.
morfose: os deuses transformaram-na em ca- 2. Existe outro Ofíon, um dos Gigantes que
valo e tomou a partir de então o nome de Hipo. combateram Zeus. Este esmagou-o sobre uma
montanha denominada Ofiónia.
OCNO. COxvoç.) Ocno, o cordoeiro, é uma
ÓGIGO . .("OjU"fOç.) 1. Na tradição beócia,
personagem simbólica. É representado nos In-
Ógigo é um «autóctone» que reinou na região
fernos, fabricando uma corda, que é devorada
em épocas muito remotas. Outros autores
por uma burra, à medida que é entrançada.
apresentam-no como filho do herói Beoto, que
Interpretava-se geralmente esta alegoria di-
deu nome à Beócia; outros, ainda, como fi-
zendo que Ocno era o protótipo do trabalha-
lho de Posídon e de Alistra. Era rei dos Ecté-
dor incansável, mas casado com uma mulher
nios, que foram os primeiros habitantes da re-
excessivamente gastadora. Contudo, o verda-
gião, antes do Dilúvio de Deucalião. O nome
deiro sentido da lenda escapa ao nosso enten-
de uma das portas de Tebas deriva do seu.
dimento.
Atribuem-lhe vários descendentes, principal-
* OCNO. (Ocnus.) É um herói etrusco, li- mente filhas, epónimos de povoações tebanas:
gado à lenda de Bolonha. É filho de Fauno, AIalcómene, Áulis, Telxínoe. Diz-se que no seu
ou então do deus Tibre. Sua mãe é Manto, fi- reinado se deu o primeiro dilúvio, que cobriu
lha de Tirésias, ou de Héracles. Originário de a Beócia. Uma das tradições identifica este
Perúsia, abandonou a cidade para não inco- Ógigo tebano com o pai de Cadmo e de Fénix.
modar o seu irmão Aulestes, que a tinha fun- 2. Houve outro Ógigo, na tradição de Elêu-
. dado, atravessou o Apenino e foi fundar Fél- sis, pai do herói epónimo (Elêusis) .
sina, a cidade etrusca que mais tarde se tornou 3. Ógigo era também o nome dado por tra-
Bolonha. Os seus companheiros fundaram dições obscuras ao rei dos Titãs, que foi ven-
também outras cidades na planície do PÓ, de- cido por Zeus, juntamente com os seus súbdi-
signadamente a de Mântua. tos.

Ocírroe: 1) HES., Theog., 360; PLUT., Defluu., V, L1V., I, 39, 5 e s.; PLUT., De fort. Rom., X; CLAU.
1. 2) ATHEN., VII, 283 e; AEL., N. A., XV, 23. DlUS (imperador), Disc. de Leão.
3) Ov., Met., 11,635 e s.
Ocno: PLUT., De Tr. An., XIV, 473 c; CRATlNUS, Ofíon: 1) ApoL., RH., Arg., I, 503; TZETZ., ad
fr. 348 (Kock); ARISTOPH., Ra., 186; PAUSAN., X, 29, Lyc., 1192; escól. ad ARISTOPH., Nu., 247; 2) Escól.
2; PROP., EI., V, 3,19; DIOD. SIC., I, 97; Cf. S. REI. ad 11., vm, 479.
NACH, art. cito (s.u. Stsifo),
Ógigo: 1) PAUSAN., I, 38,7; IX, 5, 1; 19,6; 33, 5;
Ocno: SIL. !TAL., V, 7; VI, 109; VIRG., Aen., X, 198 PHOT., S. U. 'O)'ÚT<OY; EUST., ad Hom., p. 1393,31;
e S., e SERV., ad loc., e ad Buc., IX, 60; V. GRENIER, TZETZ., ad Lvc., 1206; 1209.2) VAR., RR, m, 1,2;
Bologne villanovienne et étrusque, Paris, 1912,p. 65. escol. a ApOLL. RH., Arg., 111, 1178.3) TZETZ., ad
Ocrlsia: DION. HAL., IV, 2; Ov., Fast., VI, 627 e' HES., Theog., 806; NONN., Dion., 111, 204 e s.;
s.; PUN., N. H., XXXVI, 204; AEL., VH, XIV, 36; SUID., S. U. w)'ÚY"""",,,ci.
337 ONFALE

OILEU. (OlÀtúç.) Oileu, rei dos Locros de OLINTO. ("OÀuv90ç.) Há duas lendas rela-
Opunte, é sobretudo célebre por ter sido o pai tivas a Olinto, herói epónimo da cidade ma-
do «pequeno» Ajax. Participou na expedição cedónica de Olinto. Era filho do rei Estrímon
dos Argonautas e conta-se que foi ferido no om- e irmão de Brangas e Reso. Durante uma ca-
bro por uma, pena das aves do lago Estínfalo. çada, foi morto por um leão e enterrado por
Além de Ajax, seu filho e de Eríope, Oileu Brangas no local onde sucumbira. Segundo ou-
teve um filho ilegítimo, Médon, de uma mu- tra tradição, Olinto é filho de Héracles e da
lher chamada Rene. Atribui-se-Ihe por vezes ninfa Bolbe.
uma terceira esposa, Alcímaca, irmã de Téla-
mono • OLO. (O/us.) 010 é um gigante mítico de
Oileu é filho de Hodédoco, neto de Cino e que apenas se conhece o nome: foi revelado,
bisneto de Opunte. A mãe é Laónome. segundo se diz, por um adivinho etrusco,
quando os trabalhadores que escavavam o
OLIMBRO. ("ÜÀUf.LPpoç.) Olimbro é, numa cimo do Capitólio, em Roma, para implanta-
tradição isolada, um dos filhos de Geia e rem as fundações do templo de Júpiter Opti-
Úrano, irmão de Ádano, Óstaso, Sando, mus e Maximus, encontraram na terra um crâ-
Crono, Jápeto e Reia. Trata-se de uma tradi- nio de dimensões prodigiosas. Este foi
ção independente da Teogonia hesiódica e pro- atribuído a um certo gigante 010, de que deri-
vavelmente de origem oriental. vou o nome do Capitólio - Caput-Oli, por
OLIMPO. COÀUf.L1tOç.) Havia no mundo corrupção Capitolium. Este achado foi inter-
grego um grande número de.montes com este pretado como sinal da grandeza futura de
nome: um na Mísia, outro na Cílícia, outro na Roma, que devia tornar-se a Cabeça do
Élida, outro na Arcádia e, finalmente, o mais Mundo. De facto, fundem-se nesta lenda dois
célebre, que se erguia nos confins da Macedó- elementos: a cabeça, enterrada como pressá-
nia e da Tessália. Desde os Poemas Homéri- gio, e um jogo etimológico com o nome da co-
cos, o Olimpo é considerado a morada dos deu- lina.
ses e, em particular, de Zeus. É dele, por ÔNFALE. ('Of.Lq>cXÀTj.) Na versão mais co-
exemplo, que o deus pesa os destinos de Aqui- nhecida da lenda de Héracles e de Ônfale, esta
les e Heitor; é dele que ele precipita Hefesto, é uma rainha da Lídia, filha do rei lárdano (ou
quando este pretende intervir a favor de Hera, lárdanes), em cuja casa Héracles serviu como
etc. Pouco a pouco, no entanto, a morada dos escravo (sobre as circunstâncias da escravidão
deuses vai-se distinguindo da montanha tessá- e as suas causas, v. Héracles). Na origem, o
lica e o termo «Olimpos passa a designar, de mito de Ônfale parece ter estado ligado ao
modo geral, as «moradas celestes» onde reside Epiro, onde Ônfale aparece como epónimo da
a divindade. cidade de Onfálion. Mas cedo o mito foi le-
OLIMPO. COÀUf.L1tOç.) Vários heróis tiveram vado para a Lídia, onde adquiriu todo um pi-
este nome: toresco oriental, largamente explorado pelos
l. Um deles era o filho de Crete (ou Grés), poetas helenísticos e pelos artistas. Além da fi-
herói epónimo de Creta. Zeus ter-lhe-ia sido liação acima indicada, segundo certos autores,
confiado por Crono e foi ele quem o criou. Ônfale seria filha ou viúva do rei Tmolo, que
Mas, um dia, Olimpo sugeriu aos Gigantes que lhe legara o trono. Ela impõs ao seu novo es-
destronassem Zeus e este, irado, fulminou-o. cravo um certo número de tarefas, pedindo-
Contudo, depois de o matar, arrependeu-se e -lhe que libertasse o seu reino de bandidos e
deu o seu próprio nome ao túmulo de Olimpo, de monstros. Foi assim que ele lutou contra os
em Creta. Cercopes e contra Sileu e declarou guerra aos
2. Olimpo é também, segundo Diodoro, o Itoneus, que devastavam as terras de Ônfale.
nome do primeiro marido de Cíbele, que foi Apoderou-se da cidade onde se acoitavam,
desposada por Jasão em segundas núpcias. destruiu-a e reduziu à escravatura os seus ha-
Trata-se, sem dúvida, de uma interpretação bitantes. ÔnfaIe, admirando os feitos do servo,
evemerista da lenda de Cíbele, proveniente do e ao saber quem eram os seus pais, deu-lhe a
monte Olimpo da Mísia. liberdade e desposou-o. Tiveram um filho cha-
3. Também se chamou Olimpo um célebre mado Lamo. Esta é a versão «historicizada»
tocador de flauta, que ora passa por pai de transmitida por Diodoro. Na tradição «roma-
Mársias, ou (mais frequentemente) por seu fi- nesca», Ônfale enamorou-se de Héracles mal
lho, ora por seu aluno. Quando Mársias foi o viu e ele passou tranquilamente todo o pe-
morto por Apoio, Olimpo enterrou-o e cho- ríodo de cativeiro. A rainha, vestida com a pele
rou a sua perda. de leão do herói, brandia a sua clava, enquanto

Oileu: 11., lI, 727-728; escól. v. 527; a XIII, 694; Smp., 215b e S.; OV., Met., VI, 393; HYG., Fab.,
Eusr., ad Hom., v. lI, 531; HVG., Fab., 14; STRAB., 273.
IX, 425; HES., fr. 137 (Kinkel); Aroi.. RH., Arg., I,
Olinto: CONON, Narr., IV; ATHEN., VIII, 334 e.
74 S.; lI, 1030 s.
010: ARNOB., Adv. Nai., VI, 7; SERV., ad VIRG.,
Olimbro: STEPH. Bvz., S.U. "AIl<x"<x. Aen., VIII, 345.
Olimpo: V.II., Od., Hym. Hom., etc.,passim. V. Ônfale: APOLLOO., Bibl., lI, 6, 3; 7, 8; Dion, SIC.,
também escól. a Aroi.. RH., Arg., I, 598.
IV, 31; OV., Her., IX, 55 S.; SOPH., Tr., 247 S.; Lu-
Olimpo: 1) PTOL. HEPH., Nov. hist., 2. 2) Dion. CIAN., D. Deor., XIII, 2; PLUT., Qu. Gr., 45; escól.
SIC., V, 49. 3) ApOLLOO., Bibl .. I, 4, 2; PLAT., àd Od., XXI, 22; HYG., Fab., 32.
ONIRO 338

Héracles, envergando urna longa túnica lídia, ·ORCO. (Oreus.) Nas crenças populares ro-
fiava o linho aos pés da soberana. Acabado o manas, Orco é o espírito da morte, que difi-
tempo previsto, Hérac1es deixou a Lídia e vol- cilmente se distingue dos Infernos, morada dos
tou para a Grécia, onde teve ainda de cumprir mortos. Aparece nas pinturas funerárias dos
vários trabalhos antes da sua morte. túmulos etruscos sob a forma de um gigante
ONIRO. COv&tpoç.) Oniro (o Sonho) é o es- barbudo e hirsuto. Pouco a pouco, este espí-
rito foi-se aproximando dos deuses heleniza-
pírito dos Sonhos, enviado por Zeus a Aga-
mémnon para o enganar. Geralmente, os So- dos e Orco passou a ser apenas um dos nomes
de Plutão ou de Dis Pater, Mas Orco perma-
nhos não costumam ser personificados e
constituem, segundo a fantasia dos poetas, neceu vivo na língua familiar, enquanto as duas
uma multidão de divindades particulares (v. outras divindades pertenciam à mitologia eru-
também Morfeu). dita.

• OPS. (Ops.) Ops (ou Ope), deusa romana ORESTES. COpia't1)ç.) Orestes é filho de
da Abundância, é companheira de Saturno e Agamémnon e de Clitemnestra (v. quadro 2,
por isso muitas vezes identificada pelos Roma- p. 12). A sua lenda evoluiu e foi-se revestindo
nos com Reia, mulher de Crono, ele próprio de novos episódios, a par da de Ifigénia, sua
frequentemente associado a Saturno. Ops pas- irmã. Contudo, os traços gerais encontram-se
sava por uma das divindades sabinas introdu- fixados desde as epopeias homéricas, em que
zidas em Roma por Tito Tácio - o que está Orestes aparece já como o vingador de seu pai
de acordo com a tradição relativa às divinda- (embora o poeta pareça ter desconhecido o as-
des agrárias. Tinha um templo no Capitólio. sassínio de Clitemnestra pelo filho). É com os
trágicos, e sobretudo com Ésquilo, que Ores-
OPUNTE. COnou,.) Opunte é o herói epó- tes surge como uma figura de primeiro plano.
nimo dos Locros de Opunte. Ora passa por ser O episódio inicial da sua vida situa-se na lenda
filho de Locro e de Protogenia, filha de Deu- troiana, depois da primeira expedição, que ter-
calião e Pirra (v. quadro 8, p, 116), ora por mina na Mísia, no reino de Télefo (v. Aga-
filho de Zeus e da filha de outro Opunte, rei mémnon e Aquiles). Télefo foi ferido por
de Élide, que teria dado ao seu descendente o Aquiles e só a lança do herói lhe poderia sarar
mesmo nome. Nesta segunda versão, o pe- a ferida. Dirigiu-se então à Aulis, onde o exér-
queno Opunte foi confiado por Zeus a Locro, cito grego se encontrava reunido, pela segunda
que não tinha filhos e o educou como pai (v. vez. Foi preso pelos soldados e acusado de es-
também Locro). pionagem. Para se salvar, apoderou-se do pe-
óQUIMO. COX'fLoç.) Óquimo é um dos sete queno Orestes, que era o mais novo dos filhos -
filhos de Hélio e da ninfa Rodo (v. Helíadas de Agamémnon, e ameaçou matá-Io se ele pró-
e quadro 16, p. 202). Enquanto os seus irmãos prio fosse maltratado. Conseguiu assim fazer-
Mácar, Acte, Cândalo e Tríopas se punham em -se entender e obter a desejada cura (v. Télefo).
fuga, depois de terem assassinado o mais novo, Os trágicos, e sobretudo Eurípides, gosta-
Tenages, Óquimo ficou em Rodes com Cér- vam de apresentar o pequeno Orestes em Au-
cafo, apoderando-se do trono, por ser mais ve- lis, para onde tinha ido com Clitemnestra e Ifi-
lho do que este último. Desposou uma ninfa génia, na altura em que esta fora oferecida em
dessas paragens chamada Hegetória, de quem sacrifício a Ártemis.
teve uma filha, Cidipe, que viria a casar com Quando Agamémnon regressou de Tróia e
seu tio Cércafo (v. lenda de Cércafoi, foi assassinado por Egisto e Clitemnestra,
Outra tradição conta que Óquimo prometeu Orestes escapou ao massacre graças a Electra,
a filha em casamento a um certo Ocrídion, sua irmã, que o levou em segredo para a Fó-
mas, quando este enviou um arauto para a ir cida, para junto de Estrófio, que o criou com
buscar ao reino do pai, Cércafo, apaixonado seu filho, Pílades. Assim se gerou a amizade
pela sobrinha, arrebatou-a ao arauto e fugiu lendária que unia os dois jovens.
com ela para longe. Regressou mais tarde, era Há outras versões acerca do modo como
Óquirno já velho. Justificava-se com esta lenda Orestes teria sido salvo. Numas, o mérito cabe
o costume que vigorava entre os Ródios e se- à ama; noutras, a um perceptor ou, mais ge-
gundo o qual era interdito aos arautos entrar ralmente, a um velho criado da família. Estró-
no santuário de Ocrídion. fio era tio da criança por afinidade, dado que

Oniro: tt., li, 26 S.; PAUSAN., li, 10, 2. Orestes: 11., IX, 142 (cf. Od., XI, 452 s.): escól. ad
li., I, 7; Od., I, 40 S.; m, 193; 306 S.; IV, 546 s. e es-
Ops: VAR., LL, V, 64; 74; AUGUST., Civ. D., IV, cól.; Epic. Gr. Fragm. (Kinkel), p. 53; AESCH., Ch.;
23; Liv., XXXIX, 22, 4; MACROB., SaI., I, 10, 19; Eum.; SoPH., EI.; EUR., Or.; lph. T.; EI.; PINO., Pyth.,
FEST., p. 186. XI, 52 s. e escól.; HYG., Fab., 101; 117; 119; 120; 129;
HEROO., IV, 103; Ov., Pont., nr, 2, 43 e S.; Her., V;
Opunte: PINo., Olymp., IX, 86 e escól. ad loc.;
APOLWD., Ep., VI, 23 S.; esc61. ad ARISTOPH., Aeh.,
EUST., ad Hom., 277, 20. 332; esc61. ad APOL. RH., Arg., IV, 703 e S.; TZETZ.,
Óquimo: 0100. SIC., V, 56 SS.; escól. PINO., ad Lyc., 1374; PAUSAN., I, 22, 6; 28, 5; 33, 8; 41, 2;
Olymp., VII, 131 SS.; PLUT., Qu. Gr., 27. lI, 16,7; 18,5 S.; 29, 9; 31, 4; 8, 9; I1I, I, 5-6; 3, 6-7;
19, 9; 22, 1; V, 4, 3; VII, 1, 7; 6, 2; VIII, 5, 1; 4; 34,
Orco: LUCR., 1,115; VI, 763 S.; VAR., ad AUGUST., 1-4; IX, 16,4; SERV., ad VIRa., Aen., li, 116. Cf. V.
Civ. D., VII, 16; SERV., ad VIRG., Oeorg., I, 277; KRIEG, De Euripidis Oreste, Diss. Halle, 1934; P.
PAUL., p. 128; PROP., m, 19,27; PETRON., SaI., 34; AMANDRY,in Rev. Arch., 1938, p. 19-27; W. FERRARI,
45; 62; Epit. de VAL. MAX., 8, 5. in Athenaeum, 1938, p. 1-37.
339 ORESTES

tinha desposado a irmã de Agamémnon, Ana- Icário, irmão de Tíndaro, v. quadro 21,
xíbia. Vivia na cidade de Cirra, perto de Del- p. 242). Os juizes repartiram igualmente os
fos. seus sufrágios entre a condenação e a absolvi-
Ao atingir a idade adulta, Orestes recebeu ção. Consequenternente, Orestes foi absol-
de Apoio a ordem de vingar a morte do pai, vido, pois Atena, que presidia ao tribunal,
matando Egisto e Clitemnestra. Mas em SÓ- aliou a sua voz às do segundo grupo de jui-
focles é Electra quem, mantendo sempre o con- zes. Como prova do seu reconhecimento, o
tacto com o irmão, lhe pede que vingue Aga- jovem ergueu em honra da deusa um altar,
mémnon. Antes de satisfazer tal pedido, o na ,colina do Areópago.
jovem recorreu aos conselhos de Apoio. O deus E à passagem de Orestes por Atenas que se
respondeu-lhe, então, que essa vingança lhe era atribui a origem do «dia das ânforas», durante
permitida. Acompanhado por Pílades, dirigiu- a festa das Antestérias. O rei Demifonte (ou,
-se a Argos, ao túmulo de Agamémnon, con- segundo outros, Pandíon), que reinava então
sagrando-lhe uma madeixa dos seus cabelos. em Atenas, descontente por ver chegar o ma-
Pouco depois, Electra foi visitar o sepulcro e tricida, em virtude da mácula que este contraira
reconhece a madeixa, adivinhando a presença pelo seu crime, não o quis deixar participar na
de irmão. Este processo de reconhecimento, festa nem entrar no templo. Mas, como não
que figura na versão seguida por Ésquilo, pa- era sua intenção tratá-I o de modo insultuoso,
rece inverosímil a Eurípides, que o suprime, decidiu mandar fechar o templo e servir no ex-
pondo em cena um velho, e a Sófocles, que uti- terior, -ern mesas separadas, um jarro de vinho
liza Para o efeito um anel que pertencia a Aga- a cada um dos participantes: assim nasceu a
mémnon e que Orestes mostra à irmã. Para se festa das ãnforas.
vingar, o jovem apresenta-se como um viajante Existia uma outra tradição, puramente ar-
vindo da Fócida que vai para Argos, encarre- giva, que não situava o julgamento de Ores-
gado por Estrófio de anunciar a morte de Ores- tes em Atenas, mas na Argólida. Ele teria sido
tes e de perguntar se as cinzas do morto deve- levado por Éace e Tíndaro à presença do povo
rão ser levadas para Argos ou ficar em Cirra. de Argos, que o condenou à morte, permitin-
Livre do receio de ver punidos os seus crimes, do-lhe no entanto escolher a forma de findar
Clitemnestra rejubila e manda chamar Egisto, os seus dias; paralelamente, a população de
que se encontra ausente. Ao chegar ao palá- Mecenas apenas lhe infligiu como pena o exí-
cio, ele sucumbe aos golpes desferidos por lio. Mas a versão de Esquilo é de longe a mais
Orestes. Ouvindo os gritos da vítima ao mor- divulgada.
rer, Clitemnestra acorre e vê o filho empu- Depois da absolvição, Orestes perguntou a
nhando a espada. Suplica-lhe que a poupe, Apoio o que deveria fazer. A Pítia respondeu-
mostra-lhe o seio que o aleitou, e ele está pres- -lhe que ficaria definitivamente livre da loucura
tes a ceder, quando Pílades lhe relembra a or- se fosse a Táuris procurar a estátua de Árte-
dem de Apoio e o carácter sagrado daquela vin- mis. Aqui se encaixa um novo episódio da
gança. Orestes mata então a mãe. Em lenda de Orestes: as suas aventuras com Pila-
Eurfpides, Egisto é abatido no momento em des e o regresso de Ifigénia. O mito foi tratado
que oferece, no jardim, um sacrifício às Nin- por Eurípides na sua Ifigénia em Táuris. Ao
fas. Após o homicídio, o filho de Agamémnon chegar a esta região, os dois amigos foram fei-
dá-se a conhecer aos guardas da vítima, que tos prisioneiros pelos habitantes, que costuma-
em vão o tentam punir. vam prender todos os estrangeiros para os ofe-
Tal como a maior parte dos assassinos, Ores- recerem em sacrifício à sua deusa. Conduzidos
tes não tardou a ser acometido de loucura. à presença do rei Toas, foram depois levados
O matricídio granjeou-lhe ainda a perseguição a Ifigénia, sacerdotisa de Artemis (v. Ifigénia).
pelas Erínias, desde o dia dos funerais de Cli- Libertando-os dos grilhões, ela interrogou-os
temnestra. Ésquilo conta que, por ordem de acerca da sua pátria e logo os reconheceu. En-
Apelo, o jovem procurou refúgio em Delfos, tão, Orestes explicou-lhe a razão da sua vinda
no Onfalo (a pequena elevação que marcava a Táuris e a ordem que recebera de Apoio. Ifi-
o «centro do mundo», no santuário do deus) génia resolve ajudá-lo a apoderar-se da está-
e foi purificado pelo próprio Apoio. Mas mui- tua de Artémis (que está sob a sua custódia)
tos outros centros religiosos da Grécia se van- e fugir com ele. Para tal, ela convence o rei
gloriavam de possuir o sítio em que Orestes ti- Toas de que não pode sacrificar o estrangeiro
nha sido purificado, a pedra em que ele se que teve de abandonar a pátria como matri-
sentara - é o caso do santuário de Megaló- cida antes de ter purificado a vítima e a está-
polis, na Arcádia. Tal purificação não o livrou, tua na água do mar. Toas deixa-se persuadir
contudo, das Erínias, o que só seria possível e Ifigénia dirige-se para a margem com Ores-
após um julgamento efectuado em Atenas, no tes e Pílades, aproximando-se da nau que os
local onde mais tarde seria instalado o Areó- trouxera. Afastando os guardas citas, sob pre-
pago (cuja primeira sentença foi simbolica- texto de conservar secretos os ritos de purifi-
mente este julgamento). Quanto ao responsá- cação, embarca com o irmão e com Pílades,
vel pela acusação, as tradições divergem: ora levando consigo a estátua. Mas Posídon atira
são as próprias Erínias que levam Orestes ao a nau para a costa e Toas está prestes a apo-
tribunal ateniense, ora é Tíndaro, pai de Cli- derar-se dela, quando uma aparição de Atena
temnestra, ora Erígone, sua filha e de Egisto lhe ordena que ce,sse a perseguição. Os fugiti-
(v. Erigone, 2). Em vez de Tíndaro que, se- vos aportam na Atica, onde erguem um tem-
gundo alguns, já teria morrido nesta altura, os plo a Artemis. Acerca de outro episódio ocor-
mitógrafos antigos mencionavam por vezes rido durante a viagem de regresso, v. Cri-
Perileu, um primo de Clitemnestra (filho' de ses, 2.
ORESTEU 340

o último vestígio da lenda de Orestes rela- qual existia uma abundante literatura, em larga
ciona-se com o seu estabelecimento na Argó- medida esotérica. Trata-se de um mito que não
lida e com o seu casamento. Quando era ainda deixou de exercer influência determinante na
criança, o pai destinou-lhe por noiva Her- formação do cristianismo primitivo, estando
míone, sua prima, filha de Helena e Menelau. atestado na iconografia cristã.
Mas, em Tróia, este último esqueceu o com- Orfeu é unanimemente reconhecido como fi-
promisso assumido e deu a mão de sua filha lho de Eagro (v. Eagro). As tradições diver-
a Neoptólemo (v. Hermione e Neoptólemo). gem no que respeita ao nome da mãe: passa,
Ao regressar de Táuris, Orestes vai ter com mais vulgarmente, por filho de Calíope, que
Hermíone, enquanto o marido se encontra em detém a mais alta dignidade entre as Musas;
Delfos (onde tinha ido consultar o oráculo), mas por vezes, em vez desta é referida Menipe,
e rapta-a. Conta-se também que ele matou filha de Tâmiris. Orfeu é de origem trácia.
Neoptólemo em Delfos, a conselho de Her- Como as Musas, habita perto do Olimpo, onde
míone, e teria para isso suscitado um motim, é geralmente representado, cantando, vestido
durante o qual o seu rival encontraria a morte. com os trajos dos Trácios. Os mitógrafos fa-
»> Sabe-se ainda que Orestes teve de Hermíone zem dele o rei desta região: dos Bístones, dos
um filho chamado Tisâmeno e reinou em Ar- Odrísios e dos Macedónios, etc. Orfeu é o Can-
gos, sucedendo a Cilárabes, que morreu sem tor por excelência, o músico e o poeta. Toca
deixar descendentes (v. Anaxágoras), e tam- lira e «cítara», instrumento cuja invenção lhe
bém em Esparta, como sucessor de Menelau. é atribuída. Quando esta honra lhe é negada,
Pouco tempo antes da sua morte, uma peste admite-se que foi ele que aumentou o número
assolou-lhe o reino. O oráculo revelou que o de cordas do instrumento, que não seriam Í11i-
flagelo terminaria se fossem reconstruídas as cialmente mais do que sete e passaram a ser
cidades arrasadas durante a Guerra de Tróia nove, «tantas quantas as Musas». Seja como.
e se aos deuses de tais cidades fossem presta- for, Orfeu sabia cantar melodias tão suaves que
das as honras de que tinham sido privados. até as feras o seguiam, as árvores e as plantas
Orestes-enviou, pois, destacamentos à Ásia Me- se inclinavam na sua direcção e os homens mais
nor, para reerguer as cidades destruídas. Mor- rudes se acalmavam.
reu velho, com noventa anos, segundo reza a Orfeu participou na expedição dos Argonau-
lenda, depois de setenta anos de reinado. Os tas. Mais fraco do que os outros heróis, não
habitantes de Tégea orgulhavam-se de mostrar figura entre os remadores, tendo antes a seu
o seu túmulo e prestavam-lhe honras divinas. cargo imprimir-Ihes a cadência. Durante uma
Contava-se ainda, em Roma, que Orestes tempestade, acalma os tripulantes e amaina as
morrera em Arícia (um dos locais onde se pre- ondas com o seu canto. Único iniciado nos mis-
tendia reencontrar o culto de Ártemis) e que térios da Samotrácia, suplica aos Cabiros (deu-
os seus ossos tinham sido levados para Roma, ses destes mistérios) em nome dos seus com-
onde estariam enterrados no templo de Sa- panheiros, por ele convidados à iniciação.
turno. Fundamentalmente, o seu papel consistiu em
cantar durante o tempo em que as Sereias ten-
ORESTEU. ('OpE<rlM.;.) Oresteu, rei da Etó- taram seduzir os Argonautas, tendo ele con-
lia, era um dos filhos de Deucalião, irmão de. seguido retê-I os mercê da sua música, que ul-
Prónoo e de Maratónio. Uma das suas cade- trapassava em doçura a daquelas feiticeiras. No
Ias deu à luz um pedaço de madeira, que ele poema Argonáuticas Õrficas, eram-lhe ainda
mandou enterrar, mas desse cepo brotou uma atribuídos outros feitos, como o de conjurar
vinha magnífica, com uvas gradas: perante tal os perigos por práticas mágicas. Numa pala-
milagre, Ores teu deu ao filho o nome de Fítio vra: Orfeu foi o sacerdote dos Argonautas.
(derivado do verbo grego que significa «cres- O mais célebre mito protagonizado por esta
cer» - <púw). Seria este Fítio o pai do rei Eneu personagem é o da descida aos Infernos por
(v. Eneu). amor da esposa, Eurídice. Parece ter-se desen-
volvido sobretudo como tema literário na
ORFEU. ('OP<PEÚ,.) O mito de Orfeu é um época alexandrina, e é o quarto livro das Geór-
dos mais obscuros e carregados de simbolismo gicas de Virgílio que nos dá a versão mais rica
que a mitologia helénica conhece. Atestado e acabada. Eurídice é uma ninfa (uma Dríade),
desde tempos remotos, desenvolveu-se até se ou uma filha de Apoio. Um dia, quando pas-
tornar uma verdadeira teologia, em torno da seava na margem de uma ribeira da Trácia, foi

Oresteu: ATHEN., 11, 35 b. PAUSAN., X, 38, l. VIII, 330, fr. 18; TZETZ., ad Lye., 831; APOL. RH., Arg.,
Orfeu: V. os testemunhos reunidos por OIELS, 1,23 s. e escól. ad loc.; Myth. Vat., 11,44; escól. ARAT.,
Vorsokratiker, 3~ ed., lI, p. 163 s.; PINO., Pyth., IV, 269; Arg. Orph. Cf. E. NOROEN, «Orpheus und Eury-
177; SIMON., fr. 40; AESCH., A., 1630; EUR., Ba., 562 dike», S. P. A. w., XXII, p. 626-683; W. OEONNA, in
s.; Iph. Aul., 1211 s.; Ale., 357 s.; esc61. Rh., 892; 0100. R. E. o; 1925, p. 44-69; A. BOULANGER,Orphée, Pa-
SIC., I, 96; m, 65; IV, 25; V, 77; CONON, Narr., 45; ris, 1925; J. HEURGON, in Mél. Ec., fr., 1932, p. 6-60;
HVG., Fab., 14; 164; Astr. Poet., 11, 6 s.; ERATOSTH., S. REINACH, «La mort d'Orphée», in Cuites, Mythes
Cat., 24; APOLLOO., Bibl., I, 3, 2; 9, 16; 25; 11, 4, 9; et Rei., Il, p. 85-122; W. K. C. GUTHRIE, Orpheus and
PAUSAN., I, 14, 3; 11, 30, 2; m, 13, 2; 14, 5; 20, 5; V, Greek Religion, London, 1935; M. P. NILSSON,«Early
26,3; VI, 20, 18; IX, 17,7; 27, 2; 30, 4-12; X, 7, 2; 30, Orphism», Harv. Theol. Rev., 1935, p. 181-230; G. V.
6-8; Ov., Met., X, 8 e s.; XI, 1 e s.; VIRG., Georg., IV, CALLEGARI, «La leggenda d'Orpheus ...», in Mél. C.
453 s. e SERV.ad v. 524; STOB.,Flor., LXIV, 14; STRAB., Adami, Verona, 1941.
341 ORFEU

perseguida por Aristeu, que a pretendia vio- e a lira do poeta chegaram assim a Lesbos. Os
lentar. Na fuga, pisou urna serpente escondida habitantes prestaram-lhe honras fúnebres e
na erva, que a mordeu causando-lhe a morte. ergueram-lhe um túmulo. Dizia-se que deste
Orfeu, inconsolável, desceu aos Infernos, a fim sepulcro saía, por vezes, o som de urna lira.
de procurá-Ia. Com a sua lira, encanta os E por isso que a ilha de Lesbos foi, por exce-
monstros e os deuses que aíhabitam. Os poe- lência, a terra da poesia lírica.
tas rivalizam em imaginação para descrever os O túmulo de Orfeu foi também localizado
efeitos da sua música divina: a roda de Ixíon noutras regiões, como por exemplo na Ásia
deixa de girar, a pedra de Sísifo equilibra-se Menor, na embocadura do rio Meles. Contava-
por si própria imobilizando-se, Tãnta!o esquece -se a este respeito que, após o homicídio, uma
a fome e a sede, as Danaides já não tentam en- peste deflagrara na Trácia. O oráculo respon-
cher de água o tonel perfurado. Hades e Per- dera que era um castigo pela morte do poeta
séfone consentem em devolver Eurídice a um e que para libertar a região de tal praga seria
esposo que dá urna ta! prova de amor. Mas im- preciso encontrar a cabeça de Orfeu e prestar-
põem urna condição: Orfeu atingirá de novo -lhe honras fúnebres. Depois de múltiplas bus-
a luz do dia, seguido da mulher, sem se voltar cas, uns pescadores acabaram por descobri-Ia,
para trás para a ver, antes de ter deixado o enterrada na areia, na embocadura do rio Me-
reino das trevas. Orfeu aceita e põe-se a cami- les, sangrando ainda, e cantando como em
nho. Estava quase a ver a luz do dia, quando vida.
urna dúvida terrível lhe veio ao espírito: Per- Existia na Tessália uma curiosa lenda acerca
séfone não o teria enganado? Logo se volta do túmulo de Orfeu. Dizia-se que este tinha es-
para trás, vendo Eurídice desaparecer e mor- tado em tempos em Libetro, e um oráculo de
rer pela segunda vez. Em vão tenta voltar Dioniso Trácio predissera que, se as cinzas de
aos Infernos para a procurar, mas Caronte Orfeu vissem o sol, a cidade seria devastada
está agora inflexível e é-lhe recusada a en- por um porco. Os habitantes troçaram deste
trada no mundo subterrâneo. É então obri- oráculo, julgando impossível que um porco
gado a voltar para junto dos humanos, des- destruísse a cidade. Ora acontece que, num dia
consolado. de Verão, à hora da sesta, um pastor adorme-
A morte de Orfeu deu origem a um grande ceu sobre o túmulo do poeta. Penetrado pelo
número de tradições. Conta-se geralmente que espírito do morto, o pastor pôs-se, durante o
foi morto pelas mulheres da Trácia. Mas os sono, a cantar com voz melodiosa hinos órfi-
motivos pelos quais teria incorrido na sua ira coso Ouvindo a música, os que trabalhavam
variam: ora se diz que elas o odiavam pela sua nos campos largaram tudo e uma densa mul-
fidelidade à memória de Euridíce, que inter- tidão acorreu ao local, rodeando o túmulo.
pretavam corno um insulto que Ihes era diri- Seguiu-se urna tal desordem que as colunas do
gido; ora se diz que Orfeu passou a menospre- monumento se quebraram e puseram a desco-
zar o sexo feminino e a preferir a companhia berto o interior que continha as cinzas do he-
de mancebos, inventando a pederastia - o fi- rói. Na noite seguinte, desencadeou-se urna vio-
lho de Bóreas, Cálais, teria sido o seu amigo lenta tempestade que engrossou as águas da
dilecto. Conta-se ainda que, ao regressar dos ribeira Sys (que em grego significa «porco»),
Infernos, Orfeu instituiu uns mistérios, funda- nas margens da qual a cidade estava cons-
dos nas suas experiências no outro mundo, aos truída, e a inundação destruiu os principais mo-
quais era interdita a presença de mulheres. Os numentos. Assim se cumpria o oráculo miste-
homens reuniam-se com ele numa casa fe- rioso.
chada, deixando as armas à porta. Numa des- Depois da morte de Orfeu, a sua lira foi le-
sas noites, as mulheres apoderaram-se das ar- vada para o céu, onde se transformou numa
mas, aguardaram o momento da saída, e constelação. A alma do poeta passou a habi-
mataram Orfeu e os seus fiéis. Outra explica- tar os Campos Elísios, onde, envergando urna
ção para a sua morte está relacionada com urna longa túnica branca, continua a alegrar com
maldição de Afrodite. De facto, na altura da os seus cantos os Bem-Aventurados.
querela desta última com Perséfone, a res- Foi em torno deste mito que se formou a
peito de Adónis, a deusa do amor foi forçada teologia órfica. Da descida aos Infernos em
por ordem de Zeus a submeter-se ao arbítrio busca de Eurídice, acreditava-se que ele tinha
de Calíope. Esta decidiu que ambas ficariam trazido indicações sobre o modo de penetrar
com Adónis, tendo-o cada uma delas consigo no país dos Bem-Aventurados, evitando os
durante metade do ano (v. Adónis). Afrodite obstáculos e armadilhas que esperam a alma
ficou revoltada com tal sentença e, não po- depois da morte. Existe toda uma literatura
dendo vingar-se directamente de Calíope, de poemas apócrifos atribuídos a Orfeu, poe-
inspirou às mulheres da Trácia um forte mas que vão desde fórmulas populares, ins-
amor por Orfeu. Mas corno nenhuma delas critas em placas enterradas com os mortos,
queria cedê-Io às demais, acabaram por fazê- até a alguns Hinos, urna Teogonia e um
-10 em bocados. longo poema épico -Argonautica-, a que
Segundo urna tradição completamente dife- já se aludiu.
rente, Orfeu foi morto por Zeus, que o fulmi- Orfeu passava, por vezes, por colaborador
nou, irado pelas revelações místicas que ele fi- de Dioniso na fundação dos mistérios de
zera aos iniciados nos seus mistérios. Elêusis.
Quando as mulheres da Trácia (segundo a Há notícia de urna tradição, completamente
versão mais comum da morte de Orfeu) des- diferente das anteriores, que apresentava Or-
pedaçaram o cadáver, lançaram os fragmen- feu como um antepassado de Homero e de He-
tos ao rio, que os levou até ao mar. A cabeça síodo.
ORíON 342

ORÍON. ('Opíwv.) Oríon é um gigante caça- -lhe que ficasse. Mas ele encolerizou-se, ferindo
dor, filho de Euríale e de Posídon, ou de Hi- a deusa na coxa. Voltou, em seguida, para a
rieu (v. Hirieu). Dizia-se também que tinha sua cidade. Aí, Atena apareceu-lhe em sonho,
nascido da Terra, como quase todos os Gigan- com a coxa ferida: uma doença prolongada
tes. Recebeu de seu pai, Posídon, o poder de atingiu-o, fazendo-o perder as forças, e a fome
andar sobre o mar. Tinha uma grande beleza abateu-se sobre a cidade. O oráculo de Dodona
e uma força prodigiosa. Desposou em primei- revelou que o remédio consistia em dedicar a
ras núpcias Side, tão bela e tão orgulhosa da Atena uma estátua representando a deusa com
sua formosura, que ousou rivalizar com Hera - uma ligadura de púrpura na coxa, cobrindo o
o que levou a deusa a precipitá-Ia no Tártaro. ferimento que Órnito lhe provocara.
Privado da esposa, Oríon foi para Quios, cha- 2. Outro herói com o mesmo nome é um fi-
mado provavelmente por Enópion, que lhe pe- lho de Sísifo, que lutou ao lado dos Locros de
diu que o livrasse dos animais selvagens que Opunte pela posse de Dafnunte. Confiando o
devastavam a ilha. Aí, Oríon apaixonou-se por reino a Foco, um dos seus filhos, epónimo dos
Mérope, filha de Enópion. Mas este não con- Fócios, Órnito partiu com o outro, Toas, para
~ sentiu em tal casamento e, neste ponto, as ver- Corinto.
sões diferem: segundo umas, Oríon, embria-
gado, quis violentar Mérope; segundo outros, ORONTES. ('OpóYn')ç.) O nome de Orontes
foi o próprio Enópion que o fez ficar ébrio. é comum a duas personagens, que representam
De qualquer modo, o rei cegou-o, enquanto ele duas lendas distintas do rio Orontes, na Síria.
dormia na margem. Oríon dirigiu-se então à 1. Uma dessas figuras é um herói hindu, fi-
forja de Hefesto, onde encontrou um menino lho de Dídnaso. Comandava um exército ao
chamado Cedálion, que sentou às cavalitas, serviço do rei hindu Deríades, na altura da ex-
_ pedindo-lhe que o levasse até ao Sol nascente. pedição de Dioniso contra os Indos. Era um
Recuperou imediatamente a vista, preparando- gigante com vinte côvados de altura e um te-
-se para se vingar de Enópion. Não conseguiu, mível guerreiro. Ferido por Dioniso, suicidou-
no entanto, alcançá-I o, pois Hefesto tinha -se. O seu corpo foi arrastado pelas águas do
construído para ele uma câmara subterrânea Orontes, assim chamado em virtude do nome
que lhe servia de refúgio. do herói. No tempo dos Romanos, o curso
Por essa altura, Aurora apaixonou-se por deste rio foi desviado, a fim de o antigo leito
Oríon e levou-o consigo para Delos. Mas Ár- ser canalizado. Ora, durante estes trabalhos,
temis matou-o, ou por ele ter ousado desafiá- foi encontrado um grande sarcófago de gesso,
-Ia para um concurso de lançamento de dardo, contendo um esqueleto humano de prodigio-
ou por ter tentado violar uma das servas da sas dimensões. Foi consultado o oráculo de
deusa - a virgem hiperbórea Ópis. No en- Claro, que declarou ser o corpo do herói Oron-
tanto, a versão mais difundida da sua morte teso
é a seguinte: Oríon teria procurado violentar 2. Orontes é também o nome do deus do re-
a própria Ártemis, que, por isso, lhe enviou um ferido rio, filho, como todos os deuses-rios, de
escorpião que o mordeu no calcanhar. Por ter Oceano e de Tétis. Apaixonou-se pela ninfa
prestado tal serviço à deusa, o escorpião foi Melibeia, uma das Oceânides, e transbordou,
transformado em constelação, tendo Oríon inundando os campos, até ao momento em que
tido a mesma sorte. Desde então, a constela- foi dominado por Héracles.
ção de Oríon sempre fugiu das estrelas do Es- ORTÓPOLIS. ('Op6ó7toÀ\ç.) Ortópolis era o
corpião (v. também Corónides). filho do rei de Sícion, Plemneu. Nenhum dos
ORITIA. ('Opté6\iLCX.)1. Oritia é uma das fi- filhos deste infeliz soberano conseguiam sobre-
lhas de Erecteu, rei de Atenas. Foi raptada por viver: mal pronunciavam o primeiro vagido,
Bóreas (v. quadro 12, p. 144, e Bóreas). morriam. A desgraça era tal que Deméter teve
2. Existe, noutra tradição, uma Oritia, filha piedade daquele pai e, disfarçada de estran-
de Cécrops e mulher de Mácedon, que teve um geira, dirigiu-se à corte, para ai criar o filho
filho chamado Europo, epónimo da cidade ma- de Plemneu que acabava de nascer. Conseguiu
cedónica do mesmo nome. desviar a maldição que pesava sobre a criança
e fê-Ia viver sã e salva até à idade adulta.
ÓRNITO. ("Opw~oç.) 1. Órnito, também Ortópolis, que tão miraculosamente foi
chamado Têutis, é um herói arcádio que con- salvo, teve uma filha, Crisorte, que deu a
duziu um contingente de arcádios da cidade de Apoio um filho chamado Corono.
Têutis contra Tróia. Como em Áulis os ven-
tos fossem desfavoráveis, Órnito quis voltar ORTRO. ("Op6poç.) Ortro é o cão de Gérion,
para trás. A deusa Atena apareceu-lhe então, que Héracles matou quando roubou os reba-
sob a forma de Meias, filho de Ops, e pediu- nhos do seu amo. Era filho de Tífon e de

Orfon: 11., XVIII, 486 55.; escól. V. 486; Od., V, 121 Órnito: 1) PAUSAN., VIII, 28, 4 S. 2) Escól. EUR.,
S. e escól. ad loc.; XI, 572 S.; HOR., O., Il l, 4, 70 S.; Or., 1084.
HVG., Astr. Poet., Il, 34; ERAlOSTH., Cato 7; 32; APOL-
WD., Bibl., I, 4; 2 S.; VIRG., Aen., X, 763 S. e SERV.,
Oronles: NONN., Dion., XVII, 196-289; 314;
ad loc.; Ep. Gr. Fragm. (Kinkel), 89. PARTH., Erot., 20. XXVI, 79; XXXIV, 179; XXXV, 80; XLIV, 251;
PAUSAN., VIII, 29, 3; STEPH. Bvz., S.U. BÀÍfLV'Ç.
Orilia: 1) V. S.U. Bóreas; APOL. RH., A~., I, 213 S.; 2) HVG., Pr.; TZETZ., ad Lyc., 697.
escól. v. 211; HVG., Fab., 14; HEROD., VII, 189; VIRG.,
Georg., IV, 463 S. 2) STEPH Bvz., S.U. Eúpw1to" Orlópolis: PAUSAN., 11, 5, 8; cf. 11, 2.
343 OXíNIO

Equidna e, por conseguinte, irmão de Cérbero. preenderam que o oráculo se cumprira, dado
Possuindo a própria mãe, gerou a Esfinge de que o homem que tinham à sua frente e a mon-
Tebas. Ás descrições de Ortro variam: ora é tada que o transportava não tinham, ao todo,
representado com várias cabeças, ora com mais do que três olhos. Pediram-lhe então que
corpo de serpente, etc. os conduzisse ao Peloponeso, a sua «terra pro-
metida» (v. Heraclidas), e Óxilo acedeu. Deu-
*OSÍNIO. (Osinius.) Osínio é, na Eneida, -Ihes a vitória, mas reclamou como recompensa
um príncipe de Clúsio, na Itália, que fazia parte o reino da Elida, que outrora pertencera aos
do contingente enviado a Eneias por Tárcon, seus antepassados. Temendo contudo que, se
o rei etrusco, como aliado contra Turno. os Heraclidas vissem a beleza de tal terra, se
OTO. (·ího<;.) V. A/óadas. mostrassem depois pouco dispostos a cedê-Ia,
conduziu-os através da Arcádia. Quando eles
OTREU. CO'rpEÚ<;.) Otreu é um dos filhos de partilhavam entre si os territórios conquista-
Dimante. Era rei da Frígia. Prestou auxílio a dos, Óxilo apresentou-se nas fronteiras da
Príamo, no combate contra as Amazonas. Élida acompanhado dos seus Etólios. Aí de-
Afrodite fez-se passar por sua filha, quando parou com um obstáculo - o rei Eleu. Como
se entregou a Anquises, dizendo ter sido rap- as forças em confronto eram idênticas, decidiu-
tada por Hermes. -se resolver o diferendo por meio de um com-
ÓXILO. COÇuÀo<;.) Óxilo é o nome de vá- bate singular: os Eleus escolheram para a con-
rios heróis, dois dos quais pertencem à lenda tenda um arqueiro chamado Dégmeno; os
etólica. Etólios, um fundibulário de nome Pirecmes,
1. De um deles, nada mais sabemos a não a quem coube a vitória. Foi assim que Óxilo
ser que é filho de Ares e de Protogenia, sendo retomou, na Elida, o trono do seu antepassado
por linha materna neto de Cálidon e, por con- Endímion. Permitiu que os habitantes perma-
seguinte, bisneto do herói Etolo, epónimo dos necessem nas terras que ocupavam, mas ins-
Etólios (v. quadro 26, p. 272). talou também nos seus domínios colonos etó-
2. O outro Óxilo é geralmente identificado lios, que com eles se juntaram. Manteve
como filho de Hémon e neto de Toas, tendo igualmente os antigos cultos da região,
também como antepassado Etolo, na décima distinguindo-se por uma sábia administração.
(ou nona) geração. Apolodoro apresenta-o Embelezou particularmente a cidade de Elis.
como filho de Andrémon e de Gorge, irmã de Uma das suas leis proibia o empréstimo a juro,
Dejanira (v. quadro 29, p. 298). Está, pois, li- em toda a extensão do seu território. Foi o pro-
gado à família dos Heraclidas, sendo primo de tector dos Aqueus, maltratados pelos invaso-
Hilo, filho de Dejanira. É muito provável que res dóricos (os Heraclidas). Os Jogos Olímpi-
os dois Óxilos, o filho de Ares e Protogenia cos, fundados por Héracles, tinham já caído
e o descendente de Andrémon, sejam afinal um em desuso, quando ele os restaurou - o seu
só. Ambos pertencem à estirpe de Etolo e, atra- nome ficou-Ihes desse modo associado, embora
vés deste, à de Endímion. passe por vezes, por seu fundador.
A Óxilo está ligada a lenda do «regresso» Óxilo desposou Piéria, da qual teve dois fi-
dos descendentes de Etolo à Elida. Conhece- lhos: Etolo, o Jovem, e Laias. O primeiro mor-
mos a razão que levou Etolo, oriundo da Élida, reu era ainda criança e foi enterrado sob uma
no Peloponeso, ao exílio e sabemos como ele das portas da cidade de Élis, por onde passava
conquistou um reino a norte do golfo de Co- a via sacra: o local foi escolhido em confor-
rinto, na região dos Curetas, denominada Etó- midade com um oráculo que ordenara que a
lia devido ao nome do seu colonizador. Por ter criança não fosse inumada nem dentro nem
causado acidentalmente a morte de seu irmão fora da cidade. Laias subiu, então, ao trono,
Térmio durante uma prova de lançamento do após a morte do pai.
3. Um terceiro Óxilo, filho de Orio, despo-
disco, Oxilo foi obrigado a deixar a sua pátria.
Refugiou-se, então, na Elida, durante o tempo sou a própria irmã, Hamadríade, que lhe deu
fixado para o exílio, um ano, findo o qual re- várias filhas, todas elas ninfas de árvores:
tomou o caminho de regresso à terra natal. Ora Cária, Bálano, Crania, Mória, Egiro, Ptélea,
acontece que, por essa altura, os Heraclidas an- Âmpelo, Sice, cujos nomes evocam diversas ár-
davam na esperança de encontrar, de acordo vores, da nogueira à amoreira, da vinha à fi-
gueira.
com um oráculo, um guia «de três olhos» que
os levasse ao Peloponeso. Óxilo, que segundo OXÍNIO. COI;ÚVlO<;.) Numa lenda obscura,
alguns era cego de um olho (em consequência transmitida por Cónon, Oxínio e Escamandro
de um ferimento causado por uma flecha), ou são dois filhos de Heitor, que Príamo pôs em
que montava um cavalo (ou uma mula) zaro- segurança na Lídia, no momento da conquista
lho, chegou junto deles. Ao vê-Io, logo com- de Tróia. Destruída a cidade, Eneias, que se

Ortro: HES., Theog., 309; ApOlLOD., Bibl ., 11, 5, Óxilo: 1) ApOllOD., Bibl., I, 7, 7. 2) PAUSAN., V,
10; escól. ApOL. RH., Arg., IV, 1399; TZETZ., ad 3,6 a V, 4, 4; 8, 5; 9, 4; 16, I; 18,6; VI, 23, 8; 9;
Lyc., 653. 24,9; escól. P,ND., Pyth., Ill, 19; 22; escól. Olymp.,
1lI, 19; STRAB., VllI, 357; 454; X, 463; ApOllOD.,
Osínio: V,RG., Aen., X, 166 S.; 655; e SERVo ad
loc. Bibl., 11,8,3; POlYAEN., Strat., V, 48; ARIST., Pai.,
VI, 2, 5. 3) ATHEN., 1lI, 78 b .
. Otreu: 11., 1lI, 186 e escól. v. 189; HESYCH., S.U.;
Hym. hom. Aphr., 111. Oxinio: CONON, Narr., 46.
OXINTES 344

tinha refugiado no denso arvoredo do Ida, OXINTES. ('O~V"t!"IÇ.)Oxintes é um rei de


ainda reinou algum tempo na região. Mas não Atenas, filho de Demofonte e, por isso, per-
tardou muito que Oxínio e Escamandro vol- tencente à raça dos Tesidas (v. Demofonte).
tassem para recuperar os domínios que outrora Teve dois filhos: Afidas e Timetes. Afidas, o
haviam pertencido ao seu avô. Foi então que primogénito, sucedeu ao pai no trono, mas foi
Eneias iniciou a migração para Ocidente. destituído do poder pelo irmão, que o matou.
/

Oxiotes: PAUSAN., 11, 18,9; ATHEN., m, 96 d; Nl. I COL. DAM., fr. 50; TZETZ., Chil., I, 182.
p
P Ã. (Ilév.) Pã é um deus dos pastores e dos lio rústico. As lendas aparentemente mais an-
rebanhos, oriundo provavelmente da Arcádia, tigas são as que se referem ao seu nascimento,
embora o seu culto se tenha expandido por nelas se registando inúmeras divergências.
toda a Grécia e generalizado até mesmo fora Pã não é mencionado nos Poemas Homéri-
do mundo helénico. É representado como uma coso Um hino dito «homérico» celebra-o, con-
divindade semí-hurnana, semianimal. O rosto tudo, e conta que ele é filho do Hermes do
barbudo e enrugado, de queixo saliente, tem monte Cilene e da filha de Dríope. Quando ele
uma expressão animalesca de manha, a testa nasceu, a mãe teve medo do filho monstruoso
é ornamentada por dois cornos. O corpo é pe- que acabava de trazer ao mundo. Mas Hermes
ludo, os membros inferiores são de bode, os envolveu o recém-nascido numa pele de lebre
pés apresentam um casco fendido, a pata é ma- e levou-o para o Olimpo. Colocou-o junto de
gra e nervosa. É dotado de prodigiosa agili- Zeus e mostrou-o aos outros deuses. Todos se
dade; rápido na corrida, trepa facilmente aos alegraram ao vê-lo, sobretudo Dioniso (em
rochedos; sabe ainda dissimular-se nas moitas, cujo cortejo figurou de bom grado Pã, tão se-
onde se esconde para espiar as Ninfas, ou para melhante a Sileno e aos Sátiros). As divinda-
dormir, quando ao meio-dia o sol abrasa, al- des do Olimpo deram-lhe o nome de Pã, por
tura em que é perigoso incomodá-Io. Aprecia ter trazido alegria ao coração de todos (etimo-
a frescura das fontes e a sombra dos bosques, logia popular de Pã, nome relacionado com o
encarnando assim o gosto dos pastores e dos grego ltãv, «tudo», ideia retomada pelos mi-
seus rebanhos. Pã é também uma divindade tógrafos e pelos filósofos que veriam no deus
com uma considerável actividade sexual: per- a incarnação do Universo, o Todo).
segue ninfas e mancebos com igual paixão. Outras filiações foram atribuídas a Pão Uma
Dizia-se ainda que, sempre que a sua incursão das mais curiosas relaciona-o com o ciclo de
amorosa era infrutífera, procurava sozinho um Ulisses. Houve quem aventasse a hipótese de
meio de se satisfazer. Penélope não ter permanecido fiel ao seu ma-
Os atributos tradicionais de Pã são uma si- rido, tendo, durante a longa ausência deste,
ringe, um cajado de pastor, uma coroa de pi- desfrutado da companhia de vários amantes.
nheiro, ou um ramo de pinheiro na mão. Ra- Segundo uma das versões, foi Antínoo, o mais
ros são os seus mitos e as lendas em que figura célebre dos pretendentes, quem mereceu os seus
são geralmente tardias, fruto da imaginação favores e por isso Ulisses teria, ao regressar,
dos poetas a1exandrinos, que muitas vezes evo- mandado a mulher para casa de Icário. DaJ,
caram esta divindade pitoresca, familiar do idí- ela partiria para Mantineia, onde se uniu a Her-

Pâ: Hym, hom. Pan.; escól. a EUR., Rh., 36; I1I, 392 e SERV., ad toc., e ad I, 16; Aen., lI, 44;
PAUSAN., VIII, 36, 8; 38, 11; 42, 3; OV., Fast., lI, Cic., de nato D., I1I, 22, 56; Ml., NA, VI, 42;
267 e S.; IV, 762; Myth, Vat., I, 89; HEROO., VI, PLUT., de def., 419 b; CF. C. FRIES, in Ph. W.,
105; ApOLLOO., Bibl., I, 4, 3; Ep., VII., 38 e S.; 1935, p. 1295-6; E. HARRISSON, CI. Rev., 1926,
TZETZ., ad Lyc., 772; THEOCR., ldyl., I, 15 e S.; p. 6-8; S. REINACH, in Cultes, Mythes et Rei., Ill,
escól. ao v. 203; VI, 3 e S.; OION. CHRYS.; VI, 203 p. 1-15; G. HERMANSEN, in C. et. M., lI, 1939,
f; MACROB., Sat., V, 22, 9 e S.; VIRG., Georg., p.221-246.
PACTOLO 346

mes, dando à luz Pã. De acordo com outras deusa sentada, enquanto o Paládio é, pelo con-
tradições, todos os pretendentes teriam visto trário, uma imagem da divindade em pé, de-
chegar a sua vez de se tornarem amantes de Pe- notando a rigidez característica dos velhos
nélope, sendo Pã o fruto dessas múltiplas xoana (ídolos de madeira da época arcaica).
uniões, nascido durante a ausência de Ulisses. Mas, pouco a pouco, a lenda foi-se compli-
Pouco depois de regressar, este voltaria a par- cando e acabou por se integrar na história das
tir, desolado com a infidelidade da esposa, a origens de Roma. O Paládio tinha a virtude de
fim de procurar novas aventuras (v. Ulisses). garantir a integridade da cidade que o possuísse
Pã passava também por filho de Zeus e de e lhe prestasse culto. Durante dez anos, asse-
Híbris, ou ainda de Zeus e de Calisto. Segundo gurou a preservação de Tróia. Várias outras
esta última versão, era o irmão gémeo de cidades simularam por conseguinte a posse de
Árcade, herói epónimo da Arcádia. Por vezes, tal estátua, o que Ihes conferia à partida um
surge igualmente identificado como filho de precioso direito de inviolabilidade. Seguiu-se
Éter e da ninfa Énoe, de Crono e de Reia, de o facto de as estátuas miraculosas de Palas se
Úrano e de Geia, ou simplesmente de um pas- multiplicarem e de as lendas se irem compli-
tor chamado Crátis e de uma cabra. cando progressivamente.
Pã amou a ninfa Eco. Foi também amante Sobre a origem da estátua, as tradições di-
da deusa Selene, cujos favores conquistou, ofe- vergem. Todas são, no entanto, unânimes em
rencendo-Ihe uma manada de bois brancos. lhe reconhecer uma origem divina, mas os por-
Em Roma, Pã é identificado ora com o deus menores diferem. Lemos, por exemplo, em
Fauno, nas lendas palatinas (v. Fauno), ora Apolodoro, que a deusa Atena foi criada, na
com a divindade dos bosques, Silvano (v. Si/- sua infância, pelo deus Tritão, que tinha uma
vano). filha chamada Palas (v. Pa/as). As duas jovens
Segundo uma lenda narrada por Plutarco, cultivavam em conjunto a arte da guerra, mas
um navegador teria, no tempo de Augusto, ou- um dia desentenderam-se e lutaram uma con-
vido no mar vozes misteriosas anunciando «a tra a outra. No momento em que Palas estava
morte do Grande Pã». prestes a atingir Atena, Zeus receou pela filha
e interveio: colocou a sua égide à frente de Pa-
PACTOLO. (ITCLX"twÀ6Ç.) Deus do rio homó- las, que se assustou, não conseguindo defender-
nimo, na Ásia Menor, identificado como filho -se a tempo do ataque que entretanto Atena
de Zeus e Leucótea. Era pai de Eurianassa e empreendera contra ela. Palas caiu por terra,
consequentemente, segundo uma das tradições, ferida de morte. Para se redimir honrosamente
avô de Pélops. Durante a celebração dos mis- do seu acto, Atena modelou uma estátua à ima-
térios de Afrodite, desflorou, sem o saber, a gem e semelhança da sua companheira,
sua própria irmã. Quando de tal se apercebeu, revestiu-a com a égide (que a tinha assustado,
lançou-se para as águas de uma ribeira deno- tornando-se assim a causa indirecta da sua
minada Crisórroas (isto é, «a corrente de morte) e colocou-a junto de Zeus, prestando-
ouro», pois arrastava consigo pepitas de ouro), -lhe honras divinas. Essa estátua permaneceu
que, após o suicídio, tomou o nome de Pac- no Olimpo durante um certo tempo, até ao dia
tolo (v. também Midas). em que Zeus tentou violentar Electra (v. E/ec-
trajo Esta refugiou-se junto da imagem da
P AFO. (IT<i'l'Oç.) 1. Segundo certas tradições, deusa, como num asilo inviolável. Então Zeus
Pafo é uma ninfa da cidade homónima, que precipitou a estátua do alto do Olimpo e o Pa-
teve de Apoio um filho - Cíniras (v. Cíniras; ládio caiu na colina em que outrora caíra Ate
v. também Pigmalião). na Tróade (v. Ate e lIo). Naquele momento,
2. Mas Pafo é também um nome masculino: Ilo fundava a cidade que se viria a chamar
assim se chamava o filho de Céfalo e de Au- Tróia e que, nessa altura, detinha ainda o nome
rora (Eos), fundador da cidade de Pafo em de Ílion (derivado do nome próprio do seu fun-
Chipre. Era o pai de Cíniras. dador). A estátua, caída miraculosamente do
céu, foi considerada um sinal de que os deu-
PALÁDIO. (ITaÀÀ<io<ov.) O Paládio é uma ses aprovavam a fundação da cidade. Segundo
estátua divina, dotada de propriedades mági- uns, a imagem caiu diante da tenda de Ilo; se-
cas, que se supunha representar a deusa Palas. gundo outros, penetrou no templo de Atena
A sua lenda, muito complexa, foi assimilando ainda inacabado, cujo telhado não havia ainda
elementos diversos, desde as epopeias cíclicas, sido colocado. Sem interferência humana, a es-
onde surge relacionada com a história de Tróia. tátua viera do céu, ocupando de imediato o lo-
Não é mencionada nos Poemas Homéricos. Na cal ritual destinado à estátua do culto. O Pa-
lIíada, é evidente que a estátua cultual de Atena ládio teria três côvados de altura; os pés
venerada em Tróia era uma representação da estavam ligados um ao outro (como vemos nas

Pactolo: TZETZ., ad Lyc., Alex., 52; PS.-PLUT., de Protr., IV, 47; CONON, Narr., 34: escól. a 11., VI,
flor., VII, I. Cf. NONN., Dion., XII, 127; XXIV, 52; 311; SUID., S.U. tolOflijo"oÇ; HESYCH., ibid.; VIRG.,
XLIII,411. Aen., li, 162 e S. e SERVocom. ao V. 166; SOPH., ap.
Pafo: 1) Escól. ad PIND., Pyth., 11, 57. 2) Escól.
Nauck, Tr. Gr. Fragm., 2.' ed., p. 210 e S.; EUR.,
a DION. PER., 509; HYG., Fab., 242; 270; 275.
Rh., 501 e S.; OV., Met., XIII, I e S.; TZETZ., Posth.,
509 e S. 602 e S.; POLYAEN., Strat., I, 5; J. MALAL,
Paládio: ApoLLOD., Bibl., m, 12,3; Ep., V, 10 e V, 108 e S.; PAUSAN., 1,28,8 e S.; li, 23, 5; DICT.
S.; DION. HAL, I, 68 e S., citando ARCTINO; Ep, Qr. CR., Bell. tr., V, 5, e 8; SIL ITAL, Punic., XIII,
Fragm. (ed. Kinkel),p. 37 e S.; 49 e S.; CLEM. AL, 30 e s.
347 PALÁDIO

estátuas arcaicas); na mão direita, a imagem ordens do marido, que apoiava os Helenos (v.
trazia ergui da uma lança, com a esquerda se- Antenor).
gurava uma roca e um fuso. Outras lendas afirmam que o verdadeiro Pa-
Segundo outras tradições, o Paládio era feito ládio ficou em Tróia e que Eneias, durante a
de osso; fora esculpido no osso do ombro de noite fatal, conseguiu retirá-Io a tempo do san-
Pélops (v. Pélops) e teria sido levado de Es- tuário de Atena, levando-o consigo para o Ida
parta por Páris na altura do rapto de Helena. e mais tarde para aItália, Foi ai deposto em
Finalmente, uma lenda tardiamente atestada Roma, no templo de Vesta, onde as Vestais lhe
contava que Trós, antepassado da raça troiana, prestavam culto. Em Roma, tal como em
recebera a estátua miraculosa das mãos de um Tróia, acreditava-se que a segurança da cidade
feiticeiro chamado Ásio, em honra do qual dependia da conservação da imagem divina.
todo o continente viria a ser denominado Ásia. O Paládio intervém ainda na lenda de Cas-
Sobre as aventuras da estátua, as versões não sandra. A jovem ter-se-ia abraçado à estátua,
são menos divergentes. Uma delas refere que quando o Locro Ajax (v. Ajax, filho de Oi-
Dárdano a teria levado consigo para Samotrá- leu) a quis levar consigo. Ájax agarrou Cas-
cia, depois de a ter obtido possivelmente na Ar- sandra e ao tentar arrastá-Ia fez cair a está-
cádia. Ofereceu-a então a Teucro, seu sogro tua, em que só as sacerdotisas de mãos puras
(v. Dárdano). Dizia-se também que os Troia- podiam tocar. Agravou, pois, deste modo o sa-
nos tinham mandado esculpir um segundo Pa- crilégio que consistia em violentar um supli-
ládio, em tudo semelhante ao verdadeiro, a fim cante. Tal facto atraiu sobre ele a cólera de
de enganar os ladrões que tentassem levar da Atena. Segundo a mesma versão, o verdadeiro
cidade a estátua que Ihes garantia a segurança. Paládio permaneceu em Tróia até ao fim; apa-
Colocaram o falso Paládio no santuário, con- rentemente, Diomedes e Ulisses não levaram
servando o verdadeiro no tesouro do templo. senão uma falsa imagem. Cassandra e a está-
Sobre este tema da pluralidade das estátuas, tua, arrebatadas por Ajax, foram parar às
diversas lendas se formaram. Desde as epopeias mãos de Agamémnon.
cíclicas se contava, de facto, que o adivinho Quanto ao destino da estátua (nas versões
Heleno, feito prisioneiro por Ulisses no Ida (v. em que não é Eneias o seu possuidor), ora se
Heleno), tinha afirmado que, de acordo com conta que a imagem coube a Diomedes ora a
os Destinos, Tróia não poderia ser tomada se- Agamémnon. No primeiro caso, Diomedes
não quando, entre outras condições, o Palá- levou-a consigo para a Itália meridional e
dio fosse roubado e levado para fora da cidade. entregou-a mais tarde a Eneias, quando este
Ulisses tomou a seu cargo a realização desta se estabeleceu no Lácio. Na segunda hipótese,
profecia e com o auxílio de Diomedes entrou Agamémnon teria levado o Paládio para Ar-
de noite na cidadela. Mas também neste ponto gos (é, pelo menos, o que se supõe a partir da
os testemunhos divergem. Segundo uns, Ulis- leitura de Pausânias, que refere que os Argi-
ses disfarça-se de mendigo e introduz-se deste vos pretendiam possuir a estátua divina; v.
modo em Tróia, enquanto Diomedes fica de também, acerca deste Paládio argivo, o artigo
guarda. Apesar das precauções o falso men- Leagro).
digo é reconhecido por Helena e consegue, com Existe, por último, uma tradição ateniense,
a ajuda desta, levar o Paládio, depois de se- destinada a provar que o verdadeiro Paládio
mear a morte entre os guardas que se lhe de- se encontrava na cidade de Atenas. Os Atenien-
pararam no caminho de regresso. E esta a ver- ses contavam que Demofonte, que participara
são seguida por Apolodoro (na Epítome). Mas na Guerra de Tróia, tinha recebido de Diome-
é mais frequente a tradição segundo a qual Dio- des a estátua como penhor ou recompensa. Sa-
medes desempenhou o papel principal na em- bendo que Agamémnon a cobiçava, apressou-
boscada. Depois de escalar a muralha da cidade -se a confiá-Ia a Búziges, que a levou para
(ou do templo), subindo aos ombros do seu Atenas. Mas, a fim de enganar Agarnémnon,
companheiro, Diomedes recusou-se por sua vez Demofonte fabricou em segredo uma réplica
a içá-Io. exacta da estátua colocando-a na sua tenda.
Apoderando-se sozinho da estátua mágica, Quando Agamémnon, após a tomada da ci-
volta para junto de Ulisses, retomando ambos dade, veio, à cabeça de um numeroso exército,
o caminho de regresso ao acampamento. Du- reclamar o Paládio, Demofonte recusou-se a
rante o percurso, Ulisses tenta roubar o Palá- entregá-Io e armou um vigoroso conflito, de
dio ao seu companheiro, a fim de voltar sozi- modo a fazer Agamémnon acreditar que ele
nho para junto dos Gregos, reivindicando para possuía realmente o talismã. Por fim, simulou
si todo o mérito da operação. Caminhando capitular e entregou ao rei a estátua sem va-
atrás de Diomedes, levantou o braço, disposto lor, a cópia que tinha mandado fabricar.
a matá-Io, quando a sombra projectada no solo Segundo outra versão, durante a viagem de
pela sua espada (era uma noite de lua cheia) regresso, Diomedes teria abordado de noite às
advertiu a vítima daquele plano pérfido. Dio- margens da Ática, em Faleros. Mas não sa-
medes volta-se para trás, desembainha a espada bendo exactamente onde se encontrava, come-
e desafia Ulisses. Este recusa-se a combater, teu, com os seus argivos, alguns actos de vio-
e Diomedes ameaça-o com a arma, forçando- lência e hostilidade. Demofonte, que reinava
-o a caminhar à sua frente até ao acampa- então na Ática, veio em auxílio dos seus súb-
mento. ditos e, ignorando com quem estava a lidar,
Segundo outra versão, os dois heróis teriam matou muitos dos homens de Diomedes e
entrado na cidade por um esgoto. Outra va- roubou-lhe o Paládio. Mas, ao regressar, o seu
riante conta que Teano, mulher de Antenor, cavalo derrubou um ateniense, pondo-lhe fim
entregou o Paládio aos Gregos, obedecendo às à vida. Por este crime involuntário, Demofonte
PALAMEDES 348

foi levado a um tribunal especial denominado Durante os primeiros tempos da expedição,


«Tribunal do Paládio», 'onde mais tarde se jul- Palamedes prestou múltiplos serviços às tro-
garam casos do mesmo género. pas, elevando o ânimo dos soldados inquieta-
P ALAMEDES. (TIotÀotllf}ÔTjç.) Palamedes é dos por presságios e nomeadamente por um
um. dos três filhos de Náuplio e de Clímene, eclipse. Tentou desviar a peste (que acaba por
a filha de Catreu (v. NáupUo). Os seus dois se abater sobre o exército), prevendo-a no mo-
irmãos são Éax e Nausimedonte. A lenda de mento em que um lobo (animal de ApoIo) en-
Palamedes desenvolveu-se à margem dos trou no acampamento, saído das florestas do
Poemas Homéricos. O herói figura entre os Ida. Preveniu os malefícios da fome, man-
discípulos ,do Centauro Quíron, ao lado de dando vir para Tróia as «Vinhateiras» as três
Aquiles, Ajax e Héracles, e participa nos filhas de Enópion (v. Enópion). '
preparativos para a Guerra de Tróia. Na al- Mas Ulisses consegue finalmente vingar-se
tura do rapto de Helena, consola Menelau e dele. As versões relativas a esta vingança di-
tenta acalmá-Io (por linha materna Palame- vergem, mas todas testemunham a perfídia de
des é primo-~rmão de Menelau; v. quadro 2, que Palamedes foi vítima. Conta-se que Ulis-
p. 12). Depo~s, segundo alguns autores, inte- ses, tendo aprisionado um troiano, obrigou-o
grou com Uhsses e Menelau uma embaixada sob ameaça a escrever uma carta supostamente
a Tróia para tentar solucionar pacificamente enviada por Príamo, da qual se depreendia que
a questão. Teria mesmo levado uma carta Palamedes prometera ao rei de Tróia trair os
pessoal de Clitemnestra a Helena a fim de Gregos. Depois, Ulisses subornou um escravo
~onvencer esta última a regressar ao lar con- de Palamedes, levando-o a esconder ouro sob
jugal. Por ocasião da segunda embaixada o leito do amo. Finalmente, faz chegar a carta
enviada de Ténedo, Palamedes figura nel~ ao acampamento: Agamémnon encontra-a
em companhia de Menelau, Ulisses, Diome- manda prender Palamedes e entrega-o aos Gre~
gos. Palamedes foi lapidado.
des e Acamas. Mas o seu zelo e dedicação à
causa de Menelau causar-lhe-iam pouco Segundo outra versão, Ulisses e Diomedes
tempo depois, a morte. ' teriam convencido Palamedes a descer a um
No momento em que os antigos pretenden- p090, lançando sobre ele pedras e terra, sob
tes de Helena se preparavam para ir a Tróia cUJOpeso ele sucumbiu, esmagado.
reconquistar a bela jovem, Ulisses, sem esque- A morte de Palamedes tornou-se proverbial,
cer o Juramento prestado a Tíndaro, tentou com? a ~orte Injusta por excelência, resultante
no entanto, eximir-se a essa obrigação e: das mtngas de homens malévolos contra al-
quando Menelau e Palamedes foram ter com guém que Ihes é superior.
ele, simulou estar louco. Prendera à charrua A tradição atribui a Palamedes múltiplas in-
um burro e um boi e estava a semear sal. Mas venções, de entre as quais se destaca a criação
Palamedes não se deixou enganar por este es- de um ou mais caracteres do alfabeto ou a de-
tratagema e, para forçar Ulisses a revelar que terminação da ordem das letras do' alfabeto
não estava louco, colocou o pequeno Telémaco grego, inventadas por Cadmo. Mais frequen-
à frente da charrua com que o herói lavrava. temente, conta-se que Palamedes teve a ideia
Este não resistiu à prova e deteve-se a tempo de criar a letra Y ao contemplar o voo dos
de evitar a morte do filho, pondo deste modo grous. Atribui-se-lhe também, por vezes a in-
fim à simulação de inconsciência. Segundo ou- venção dos números - glória que partilha com
tra variante, Palamedes teria ameaçado o jo- Museu ou Prometeu. Diz-se que estabeleceu o
vem Telémaco com a espada, perante os olhos uso da moeda, o cálculo da duração dos me-
de Ulisses, que logo acorreu em seu auxílio. De ses segundo o curso dos astros, o jogo das da-
qualquer modo, foi Palamedes quem desmas- mas (que ele terá imaginado durante uma época
carou a astúcia do filho de Laertes, obrigando- de fome, a fim de impedir que se pensasse de-
-o por conseguinte a participar na expedição masiado na necessidade de comer), o jogo de
dados, ou o dos ossinhos.
de Menelau e Agamémnon. Ulisses jamais lhe A morte de Palamedes foi cruelmente vin-
perdoou.
gada por Náuplio. Acerca desta lenda, v. Náu-
Dizia-se também que Palamedes tinha ido pUo.
em busca de Aquiles, que se refugiara em Ciro
na corte de Licurgo (v. Aquiles). Teria ainda * PALANTE. (Palans.) Palante é um herói «ro-
sido enviado como arauto por Menelau junto mano», um dos múltiplos epónimos do Palatino.
de Enópion e de Cíniras. Desmascarou igual- A sua lenda é narrada por Dionísio de Halicar-
mente uma mulher, Epípole de Caristo filha nasso: Palante teria sido filho de Hércules e de
de Tráquion, que se disfarçara de home~ para Dina, filha de Evandro. Teria morrido ainda jo-
poder seguir o exército grego, acto que lhe va- vem e o avõ tê-lo-ia enterrado na colina a que
leu ser lapidada. deu o seu nome (v. também Palas, 3).

Palamedes: APOLLOD., Bibl., I, 1,5; 111, 2, 2; Ep., 25 (Westermann); SoPH., fr. de uma tragédia perdida
111,7,8; VI, 8 e S.; DICT. CR., Bel. Tr., 1,4, e S.; sobre Palamedes; PAUSAN., X, 31, 1-3; TAc., Ann.,
lI, 15; 20; TZETz., Proleg. ad Alleg. 11,405; Anteh., XI, 14; DION. CHRYS., XIII, 12. CF. L. PARMENTlER
155; 177; 264 e S.; 316 e S.; ad 11., p. 155 (Hermann); «Une trilogie d' Euripide ... », Buli. de I' Acad. Belge:
ad Lvc., 580; 818; Crc., OJ/., rn, 26, 98; Ov., Met., V, XII, p. 266 e S.; M. SZARMACH,«Le mythe de Pa-
XIII, 36 e S.; LACT. PLAC., ad STAT., Achil., I, 93; larnedes avant Ia Tragédie grecque», Eos, LXII,
AEL., VH, XIII, 12; HYG., Fab., 95; 105; 277; Luc., 1974, p. 35-47.
De domo, 30; SERV., ad VIRG., Aen, lI, 81; escól. a
EUR., Or., 432; PTOL. HEPH., Nov, hist, V, p. 192, Palante: DION. HAL., I, 32 e s.
349 PALÉMON

PALÂNTIDAS. (IIanciv~,ôa,.) Os Palânti- ralelamente, Palas deu ao seu genro diversas


das são os cinquenta filhos de Palas (v. qua- divindades arcádicas, entre as quais o Paládio,
dro 12, p. 144). São por conseguinte netos do que desempenharia tão grande papel na lenda
rei de Atenas Pandíon, sobrinhos de Egeu e troiana. Foi assim que os mitógrafos estabe-
primos-irmãos de Teseu. Julgando eles, du- leceram o primeiro elo de ligação entre Roma
rante muito tempo, que Egeu não tinha filhos e Tróia, antes da migração de Eneias e da fun-
(desconheciam Teseu, criado longe de Atenas; dação da cidade, dado que o epónimo do Pa-
v. Teseu), esperavam tornar-se seusherdeiros latino (v. Palas, 3) era o sobrinho da primeira
e partilhar o poder em Atenas depois da sua rainha de Tróia (v. ainda Dárdano). .
morte. Mas Teseu voltou de Trezena e foi re- 3. Virgílio faz intervir na Eneida um outro
conhecido pelo pai. Os Palântidas opuseram- Palas, filho de Evandro e epónimo do Pala-
-se a tal reconhecimento, contestando a legiti- tino. Este Palas, companheiro de Eneias na
midade do seu primo, e depois de Teseu ter sido guerra contra Turno, teria sido morto por este
declarado rei declararam-lhe guerra aberta. Fo- último. Existia de facto, antes de Virgílio, uma
ram contudo vencidos e mortos. Para se puri- tradição segundo a qual Palas teria enterrado
ficar da sua morte, Teseu e sua mulher Fedra Evandro no Palatino e não teria morrido se-
impuseram a si próprios um exílio de um ano não depois da morte de seu pai, contrariamente
em Trezena. Conta-se também que Teseu foi à versão virgiliana. Podemos aproximar desta
julgado por um tribunal ateniense que o ab- personagem um outro Palas (ou Palante, v. Pa-
solveu. lante), filho de Héracles e de uma filha de
Evandro (Dina ou Launa?), que morreu jo-
PALANTO. (Palanto.) Filha de um hiper-
vem, e deu o seu nome à colina do Palatino.
bóreo, Palanto foi amada por Hércules, a
4. Dois outros Palas estão relacionados não
quem deu um filho - o futuro rei Latino. As-
com a lenda arcado-romana, mas com a lenda
sim reza, pelo menos, uma tradição obscura,
ática. O primeiro é um gigante, pai, segundo
transmitida por Varrão e destinada a explicar
alguns autores, da deusa Atena, que tentou vio-
o nome do Palatino. lentar a própria filha, Atena matou-o e esfolou-
PALAS. (IIcin"".) I. Palas é geralmente um -o, cobrindo-se depois com a sua pele. Como
epíteto ritual de Atena, deusa muitas vezes de- este Palas era um ser alado, a deusa tomou-
nominada Palas Atena. Uma lenda tardia- -lhe também as asas, prendendo-as aos seus
mente atestada conta a história de uma Palas, pés.
figura distinta da deusa, que era filha do deus 5. O último Palas é o filho mais novo de
Tritão (o génio do lago Tritono) (v. Tritão). Pandíon (v. quadro 12, p. 144). Com os seus
Atena teria crescido na sua companhia, e ter- cinquenta filhos, os Palântidas, revoltou-se
-lhe-ia roubado acidentalmente a vida, fabri- contra Teseu, que considerava um usurpador
cando então em sua honra o Paládio (v. Pald- do poder. Foi morto por Teseu em combate,
dio). juntamente com a sua prole (v. Palântidas).
lI. Como nome masculino, Palas é comum
a vários heróis, entre os quais se contam: PALÉMON. (IIor.Àor.ífLwv.)
1. Palémon, «o
1. O Titã Palas, filho de Crio e de Euríbia, lutador», é o nome de um dos filhos de Héra-
irmão de Perses e de Astreu (v. quadro 33, c1es (v. quadro 17, p. 21~), assim chamado em
p. 388; 38, p. 452). Da sua união com a filha memória de uma luta travada por seu pai.
mais velha de Oceano, Estígia, nasceram, se- 2. Este é também o nome de um dos Argo-
gundo a Teogonia hesiódica, Zelo e Vitória nautas, na lista apresentada por Apolodoro.
(Nice), e depois o Poder e a Força. Segundo Este Palémon é filho de Etolo (ou, segundo ou-
outras tradições, ele é pai de Aurora (Eos), que tra versão, de Hefesto). Tal como o descen-
é geralmente considerada filha dos Titãs «so- dente de Héracles, o herói deve o seu nome
lares» Hiperíon e Tia (v. Eos). próprio aos dotes pugilísticos de seu pai.
2. Um dos filhos de Licáon (v. Licáon), 3. Mas a mais célebre personagem com este
o rei da Arcádia, também se chamava Palas. nome é o filho de Ino-Leucótea. Durante a sua
É o epónimo a cidade arcádica de Palâncio e infância humana, este Palémon chamou-se Me-
desempenha um papel remoto na lenda das ori- licertes; o seu pai era Átamas. Mas, após o sui-
gens de Roma. E de facto considerado por ve- cídio da mãe, Ino, que o arrastou consigo para
zes o avô de Evandro. Segundo Dionísio de a morte, Melicertes transformou-se no deus
Halicarnasso, este Palas tinha uma filha cha- marinho Palémon, enquanto Ino se tornava a
mada Crise, que ele deu em casamento a Dár- deusa Leucótea (v. Leucótea). Por linha ma-
dano, o fundador da dinastia real troiana. Pa- terna, Palémon é primo-irmão de Dioniso

Palântidas: APOLLOD., Ep., I, 11; PLUT., Thes., 3; Aen., VIII, 51; 54. 3) VIRO., Aen., VIII, 104 e 5.; X,
13; PAUSAN., I, 22, 2; 28, 10; escólios a EUR., Hipp., 480; SERV., Aen., VIII, 51; EUST., ad Dion. Per., 347
35. e escól. a 348. 4) APOLLOD., Bibl., I, 6, 2; TZETZ., ad
Lyc., 355; CLEM. ALEX., Protr., lI, 28; CIC., de nato
Palanto: VAR., LL, V, 53; SOLlN., 1,15. Cf. Jean D., III, 23, 59. 5) ApOLLOD., Bibl., III, 15, 5; STRAB.,
BAYER. Hercule Romain, p. 201. IX, 392; escól. ad EUR., Hipp., 35; 1200; Hvc.,
Fab., 244; PLUT., Thes., 13.
Palas: (I) TZETZ., ad Lyc., 355; ApOLLOD., Bibl.,
III, 12, 3. (11) 1) HES., Theog., 376 e 5.; ApOLLOD., Pa1émon: 1) ApOLLOD., Bibl., 11,7,8; TZETZ., ad
Bibl., I, 2,2; Ov., Met., IX, 421; XV, 191; Fast., IV, Lyc., 662. 2) ApOLLOD., Bibl., I, 9, 16; cf. Arot.,
373. 2) DION. HAL., I, 68 e 5.; ApOLLOD., Bibl., III, RH., Arg. I, 202. 3) EUR., Med., 1284 e 5.; PAUSAN.,
8, 1; PAUSAN., VIII, 3, 1; 44, 5; SERV., ad VIRO., 1,44, 8; lI, I, 8.
PALENE 350

(dado que Ino é filha de Cadmo e irmã de Sé- culto. Ora é apresentado como uma divindade
mele, que é, por sua vez mãe de Dioniso; v. masculina ora como uma deusa. Celebrava-se
quadro 3, 'p. 66), A fim de pôr termo à vida, em sua honra-a festa dos Parilia, no dia 21 de
Ino atirou-se do alto de urnas falésias próxi- Abril, durante a qual os pastores acendiam fo-
mas de Mégara, e os habitantes desta região gueiras de restolho e de espinhos, sobre as quais
contavam que, enquanto o corpo da mãe deu saltavam. Uma etimologia popular relacionava
à "Costaperto da sua cidade, tendo aí sido en- o nome da festa com o da divindade, tendo os
terrado pelas filhas de Cléson, filho do egíp- Parilia outrora recebido a designação de Pa-
cio Lélex, o cadáver de Palémon foi levado por lilia. Mas trata-se mais provavelmente de um
um golfinho até ao istmo de Corinto, onde foi mero jogo de palavras. O dia dos Parílias as-
recolhido por Sísifo, que o inumou e lhe eri- sinalava, segundo se supunha, a data da fun-
giu um altar junto de um pinheiro, conceden- dação de Roma por Rómulo. Relacionava-se
do-lhe honras divinas, sob o nome de Palémon, também o nome de Pales com o Palatino, sem
designação que nasceu do facto de o ter feito haver para tal uma razão válida. Simples nu-
protector dos jogos ístmicos (v. também Me- men da vida pastoril, esta divindade não deu
licertes). azo a nenhuma lenda.
Em Roma, Palémon é identificado com o PALESTRA. (IlaÀa[a~pa.) Palestra, perso-
deus Portuno. nificação da Luta, terá sido, segundo a tradi-
PALENE. (IlaÀÀ'ÍjIl'lj.)1. Palene era filha do ção, uma jovem por quem Hermes se apaixo-
rei de Quersoneso da Trácia, Síton, e de An- nou. Ora é identificada como a filha de Córico,
quírroe (ou Anquínoe), filha de Nilo, ou da rei da Arcádia (v. Córico), ora passa por ser
ninfa Mendeida. O próprio Síton ora passa por a filha do Cefalene Pãndoco. Este último (cujo
filho de Ares ora de Posídon. Tinha, além de nome significa «o que acolhe») vivia numa en-
Palene, uma outra filha chamada Récia. cruzilhada e atraía a sua casa os transeuntes,
Palene era uma jovem de grande beleza. Sí- matando-os em seguida. Um dia, Hermes pas-
ton não queria, contudo, dá-Ia em casamento sou por aqueles sítios e Pãndoco convidou-o
a nenhum dos numerosos pretendentes que lhe a entrar. Mas Palestra apaixonou-se pelo jo-
vinham pedir a sua mão. Forçava-os a lutar vem deus e exortou-o a matar o anfitrião an-
contra ele, matando-os. Porém, no declínio das tes que este tivesse tempo de lhe pôr fim à vida.
suas forças, compreendeu que tinha de se re- PALICOS. (IlaÀ~xo[.) Os Palicos são deuses
signar a dar a filha em casamento. Decidiu, por gémeos, naturais da Sicília. Eram geralmente
isso que ela seria o prémio atribuído ao ven- considerados filhos de Zeus e de Talia, a filha
cedor do combate singular travado entre dois de Hefesto, ou então nascidos deste deus e de
pretendentes que na altura se apresentaram - Etna. Quando trazia os gémeos no ventre, Ta-
Drias e Clito. Palene enamorou-se deste último lia, receando os ciúmes de Hera, desejou
e, sem ousar confessar a sua paixão, não con- esconder-se no interior da Terra. A sua vontade
seguiu reter as lágrimas, pelo que o seu velho cumpriu-se e, no final do tempo de gestação,
pedagogo se apercebeu da mágoa que a ator- os dois filhos brotaram da Terra. Esta particu-
mentava, levando-a a revelar a causa de tão laridade explica o seu nome «os que regressam
grande dor. Este resolveu, então, subornar o [do mundo das sornbras]» (do grego 1táÀ~v, «de
cocheiro de Drias, que, na altura da contenda, novo»). O seu culto localizava-se junto do lago
retirou a cavilha que sustinha a rodado carro. de Naftia, perto de Leontinos, onde ocorriam
Drias morreu. Mas Síton teve conhecimento do diversos fenómenos vulcãnicos: do lago brotava
ardil a que a filha recorrera e decidiu puni-Ia um jacto de água quente em forma de abóbada
com a morte. Fê-Ia subir a uma enorme pira que caía na concavidade sem que nenhuma got~
que mandara erguer para incinerar o corpo de se perdesse. Um forte cheiro a enxofre pairava
Drias. Deu-se então um prodígio: ou foi Afro- sobre o lago. Acreditava-se até que as aves que
dite que veio impedir a morte de Palene, ou sobre ele voavam morriam de imediato e que
uma chuva providencial extinguiu as chamas, os homens que dele se aproximavam impruden-
não as deixando consumir a pira. Reconhe- temente sucumbiam passados três dias. É este
cendo a vontade divina, os habitantes da cidade o domínio dos Palicos, divindades temíveis, em
obtiveram o perdão da jovem, que desposou nome dos quais os Sicilianos proferiam jura-
finalmente Clito. A princesa deu o seu nome mentos solenes. Quando alguém pretendia afir-
à península de Palene, no Quersoneso da Trá- mar algo sob juramento, escrevia-o numa ta-
cia (v. também Siton). buinha e lançava-a às águas do lago. Se a
2. Palene é também o nome de uma das fi- tabuinha flutuasse, o juramento era verdadeiro;
lhas de Alcioneu, transformada em ave com se se afundasse, era sinal de perjúrio. Dizia-se
as suas irmãs (v. A lcioneu). ainda que os Palicos puniam com a cegueira os
• PALES. (Pales.) Pales é um génio protec- mentirosos que os invocassemem vão, prestando
tor dos rebanhos, a que em Roma se prestava falsos juramentos.

Palene: 1) CONON, Narr., 10; P ARTH., Erot., 6; Palestra: PS.-SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 138;
TZETZ., ad Lyc., 1161; STEPH. Bvz., S.U.; NONN., Etym. Magn., s.u. n"'ÀiJ.
Dion., XLVIII, 90-237. 2) V. Alcioneu.
Pales: VAR., LL, VI 15; RR, lI, I, 9; SERV.: ad Palicos: MACROB., Sat.. V, 19, 15 e S.; STEPH.
VIRG., Georg., I1I, I; PROB., ad loc.; Ov., Fast., IV, Bvz., s.u. n",À(XTJ; 0100. SIC., XI, 89; SERV., ad
776; PROPR., IV, I, 19 e S.; ARNOB., Adv. Gent., I1I, VIRO., Aen., IX, 584; STRAB., VI, 2, 9, p. 275;
40; Crc., de div., lI, 98; PLUT., Rom., 12. AESCH., Aetn. (tragédia perdida).
350 351 PANOÁREO

PALINURO, (IIaÀ(voupoç.) Palinuro é o ti- garcm do agravo recebido, Mas Pâncratis mor-
moneiro de Eneias. Quando a frota parte da reria pouco depois de ter sido salva pelos
Sicília rumo à Itália, Vénus promete ao seu fi- irmãos.
lho uma viagem feliz; apenas um homem pe- Segundo Parténio, os dois raptores da jovem
receria, resgatando com a sua vida a dos de- chamavam-se Célis e Cassámeno (v. Ifimedia).
mais, Esse homem foi Palinuro. Virgílio conta
como, durante a noite, o deus do sono se aba- PANDÁREO, (IIotvOápwç.) Relacionam-se
teu sobre o timoneiro, que estava ao leme, com o nome de Pandáreo alguns mitos obscu-
inspirando-lhe um sono invencível. Em vão, o ros que parecem provir de Creta e da Ásia Me-
infeliz tenta manter os olhos abertos fixando nor e cujo mais antigo testemunho é uma his-
as estrelas e agarrando-se ao leme. Mas um tória contada na Odisseia.
brusco movimento da nau atira Palinuro ao O primeiro episódio é conhecido graças a
mar. Toda a tripulação dorme e ninguém ouve Antonino Liberal e aos escólios à Odisseia:
o grito emitido pelo timoneiro ao cair. Quando Quando Reia, receando que Crono devorasse
Eneias acorda, apercebe-se de que ele desapa- o pequeno Zeus, o escondeu numa gruta de
receu e chora, Mas em breve voltaria a vê-lo. Creta, deu-lhe como ama uma cabra e como
Ao chegar aos Infernos, conduzido pela Si- guarda um cão mágico de ouro, Assim que
bila de Cumas, Eneias contempla, nas margens Crono foi destronado, a cabra foi transfor-
do Estige, a multidão dos mortos que ficaram mada em constelação e o cão foi consagrado
insepultos, os quais Caronte se recusa impie- à guarda do santuário de Zeus em Creta. Mas
dosamente a deixar passar. Entre eles encontra- Pandáreo, filho de Mérope, ousou roubar este
-se Palinuro, que conta a Eneias o que lhe cão e levou-o para o monte Sípilo, na Lídia,
aconteceu depois de ter caído ao mar. Durante onde o confiou a Tântalo, partindo pouco de-
três dias e três noites, nadara sem parar, tendo pois, Ao regressar, reclamou o seu cão a Tân-
chegado enfim às costas da Itália. Mas, mal pi- talo, que negou, sob juramento, tê-lo recebido.
sara terra firme, fora massacrado pelos bár- Zeus então interveio: transformou Pandáreo
baros habitantes daquele local, que deixaram em rochedo, punindo-o assim do seu latrocí-
o seu corpo à beira-mar, Pede então a Eneias nio, e fez Tântalo descer às profundezas da
que, quando regressar à Terra, se dirija a Vé- Terra sob o monte Sípilo, para o castigar pelo
lia (na costa da Lucânia, ao sul do golfo de seu perjúrio, Uma outra variante narra o se-
(ll~L) Os Palicos são deuses Pesto), para lhe prestar as devidas honras fú- guinte: o cão foi confiado a Tântalo, mas foi
- - :.a Sicília. Eram geralmente nebres. A Sibila promete a Palinuro que pro- Hermes que veio reclamá-lo em nome de Zeus,
- - e Zeus e de Talia, a filha dígios terríveis hão-de devastar a Lucânia tendo-lhe Tântalo jurado que jamais vira o ani-
_ -:io nascidos deste deus e de (referia-se sem dúvida à peste), e que os habi- mal. Hermes, no entanto, conseguiu descobrir
--~ os gémeos no ventre, Ta- tantes da região recolherão o seu cadáver o cão e Zeus puniu o perjuro, como na versão
cs ciúmes de Hera, desejou concedendo-lhe honras divinas, e darão o seu precedente. Quanto a Pandáreo, conta-se que
erior da Terra. A sua vontade ; nome ao cabo Palinuro. ele se assustou, ao saber da sorte de Tântalo,
;- do tempo de gestação, fugindo assim com sua mulher Harmótoe e
PANACEIA, (IIaváxELa.) Panaceia é uma com as filhas. Partiu para Atenas e daí para
tzrarn da Terra. Esta particu- deusa que simboliza a cura universal, graças
- :: seu nome «os que regressam a Sicília, sem contudo escapar à ira de Zeus,
às plantas. Passa por uma das filhas de Asclé- que o matou a ele e à mulher. As filhas foram
-·-bras]» (do grego mxÀLv,«de pio e de Lampécia (filha de Hélio, o Sol). Tem
oealizava-se junto do lago raptadas pelas Harpias.
duas irmãs, Iaso (a curandeira) e Hígia, e dois E a propósito das filhas de Pandáreo que a
- z.e Leontinos, onde ocorriam irmãos, Macáon e Podalírio.
vulcânicos: do lago brotava Odisseia alude a este mito. Penélope, num dia
...:;..,_en:e em forma de abóbada, PÂNCRATIS, (IIa"(xpá~Lç,) Pâncratis é a de desespero, deseja uma morte rápida, seme-
·;dade sem que nenhuma gota filha de Aloeu e de Ifimedia, sendo por con- lhante à que se abateu sobre as filhas de Pan-
- c-~f heiro a enxofre pairava seguinte irmã dos Alóadas (v. quadro 11, dáreo. Estas, após a morte dos pais, ficaram
'-""':';a\'a-se até que as aves que p. 142). Quando celebrava os rituais em sem ninguém no mundo, e os deuses, movidos
.- raorriam de imediato e que honra de Dioniso, foi, juntamente com sua pela piedade, decidiram tomá-Ias sob a sua pro-
- ~ ~ se aproximavam impruden- mãe, raptada, na altura de uma das incur- tecção. Afrodite levou-lhes de comer, Hera
-- passados três dias. É este sões dos Trácios estabelecidos em Naxos (en- deu-lhes beleza e sabedoria, Ártemis dotou-as
~ 00:;, divindades temíveis, em tão chamada a «ilha redonda», Strongy/e), de elegância, Atena conferiu-lhes destreza de
- _: Sicilianos proferiam jura- onde a população feminina era escassa. Os mãos. Quando as deusas estavam prestes a con-
zaado alguém pretendia afir- dois principais chefes trácios, Sícelo e Hege- cluir o processo de educação das jovens, Afro-
razaen 0, escrevia-o numa ta- toro, bateram-se em duelo a fim de decidir dite subiu, durante alguns instantes, ao
- a-a às águas do lago. Se a quem ficaria com Pâncratis, que a Natureza Olimpo, a fim de pedir a Zeus que encontrasse
juramento era verdadeiro; dotara de impressionante beleza. Ambos maridos dignos das suas protegidas. Durante
--:::.sinal de perjúrio. Dizia-se morreram e a jovem foi entregue ao rei dos esse curto espaço de tempo, as Harpias
: puniam com a cegueira os Trácios de Naxos, Agassámeno. precipitaram-se sobre as donzelas e raptaram-
__ ~ em vão, prestando Algum tempo depois, os Alóadas organiza- -nas, entregando-as como escravas às Erínias,
ram uma expedição contra Naxos, para se vin- nos Infernos,

Palinuro: VIRO., Aen., Ill , 202; 562; V, 12 e S.; Pâncratís: Dioo. SIC., V, 50 e 5.; PARTH., Erot.,
814 e S.; VI, 337 e S.; SERV., ad VIRO.,Aen., VI, 378; 19.
379. CL J. HUBAlJX, «Palinure et Thespésios», Rev,
Bel. Philol. 1933, p. 872; R. MANORA, in LEC, 1938, Pandáreo: Od., XX, 66 e s. e escól.; XIX, 518 e
i., v, 19, 15 e s.; STEPH.
pp. 168-182; E. DE SAINT-DENIS, ib., pp. 472-491.
. SIC., XI, 89; SER V., ad escól. a EUST., ad loc.; PAUSAN., X, 30, I e S.; ANT.
S7 'S., VI, 2, 9, p. 275; Panaceia: PUN., N. H., XXV, 30; GAL., XIV, 42; LIS., Transf'., 36; cf'. li; escól. a PINO., Olymp., I,
, ;>cJ ida), SUID., S.U. 'H1t,6v~; PAlJSAN., I, 34, 3. 90 e 97.
Asopo

Posídon ,...., Salamis Actor f"oJ Egina ""' Zeus Xuto (quadro 20, p. 240)

I I
Cicreu Menécio

I I
Cariclo Pátroclo

Endeis -------- Éaco Psâmate Díon ,...., Diomede (quadro 22, p. 245)

Glauce ,...., Télarnon s-c, Hesíone Tétis ,...., Peieu f"oJ Antígona Alcímaque Foco '" __
I
Astéria (ou Astéropia)
Peribeia ,....,

I
n
Ájax Teucro Aquiles Polidora Panopeu Criso Antipatia

Épio Egle Estrófio Anaxíbia


(v. Teseu) (quadro 2, p. 12)

Pílades e-c- Electra

I
Medonte Estrófio II

Quadro genealógico n. o 31
353 PANDORA

As tradições divergem no que diz respeito ao filhas. A lenda situa no seu reinado a vinda de
número e ao nome das filhas de Pandáreo: ora Deméter e Dioniso à Ática.
se diz que são duas, Camiro e Clície, ou Cleo- Após a sua morte, o poder foi repartido por
tera e Mérope, ora se afirma que são três - Erecteu e Butes. O primeiro recebeu o trono,
Cleotera, Mérope e Edon. o segundo o sacerdócio (v. Erecteu e Butes).
Este último nome relaciona o mito de Pan- 2. O segundo rei de Atenas chamado Pan-
dáreo com a história milésia da andorinha e do díon é bisneto do precedente (v. quadro 12,
rouxinol, em que Édon e Quélidon (que têm p. 144). O seu pai era Cécrops Il, filho de Erec-
os nomes das duas aves mencionadas) são teu e de Praxítea; sua mãe, Metiadusa, era fi-
igualmente filhas de U1]1 certo Pandáreo (v., em lha de Eupálamo. Sucedeu a seu pai e foi o oi-
relação a esta lenda, Edon). Este Pandáreo re- tavo rei da Atica. Sob o seu reinado se situa
cebera de Deméter o dom de jamais sofrer do a vinda de Orestes, purificado do matricídio
estômago, qualquer que fosse a quantidade de (v. Orestes). Com a sua chegada se relacionava
alimentos que ingerisse. a festa das ânforas, instituída por Pandíon du-
rante as Antestérias (episódio também por ve-
PÂNDARO. (n<ivoapoç.) Pãndaro é o chefe zes situado no reinado de Demofonte, o que
de um contingente que os Lícios da Tróada en- se insere melhor na cronologia tradicional, pois
viararn a Príamo para lhe prestar auxílio mili- este rei, filho de Teseu, pertence à geração da
tar. E natural da cidade de Zelia e filho de um
Guerra de Tróia, sendo mais novo do que Aga-
velho chamado Licáon (v. Cárcaba). Apoio
mémnon e mais velho do que Orestes; v. De-
ensinou-lhe a arte de usar o arco e a flecha. mofontei. Na mesma época, Zeus teria raptado -
Apesar dos conselhos do pai, foi para Tróia Europa, e Cadmo teria vindo para a Europa
como soldado de infantaria, recusando (por à sua procura.
avareza) levar um carro e cavalos. Na altura Contava-se que Pandíon II tinha sido des-
das tréguas entre Gregos e Troianos, no mo- tronado por uma revolta operada pelos seus
mento do combate singular entre Párise Me- primos, filhos de Metíon. Ele refugiara-se en-
nelau, a deusa Atena, na figura do troiano tão em Mégara, junto do rei Pílades, que lhe
Laódoco, incita Pândaro a disparar uma fle- teria dado em casamento a sua filha Pília.
cha contra Menelau. Rompidas deste modo as Quando Pílades foi obrigado a deixar Mégara
tréguas, a guerra recomeça. ' (v. Piladesi, o trono foi entregue a Pandíon.
Pândaro combate em seguida contra Diorne- O casamento com Pília é por vezes situado an-
des, sendo morto pelo adversário. O facto foi tes da revolta de Metíon e de seus filhos.
visto como uma justa puniçâo pelo acto per- Pandíon teve de Pília quatro filhos: Egeu,
juro de traição que pusera fim às tréguas. Palas, Niso e Lico.
Virgílio apresenta como irmão deste herói 3. Um outro Pandíon é um dos filhos de Fi-
um outro arqueiro de nome Eurícion. neu e de Cleópatra. Com O seu irmão Plexipo,
PANDÍON. (navoíwv.) Pandíon é o nome foi caluniado pela sogra e o pai cegou-o (v.
de dois reis da dinastia de Erictónio, em Ate- Cleópatra e Fineu).
nas. PÂNDOCO. (n<ivooxoç.) Pândoco, «o que
l. O primeiro é filho de Erictónio e de Pra- acolhe», é o pai de Palestra. Foi morto por
xítea (v. quadro 12, p. 144), uma Náiade. De Hermes (v. Palestra).
Zeuxipe, sua tia materna, teve dois filhos e
duas filhas: Erecteu e Butes e Procne e Filo- PANDORA. (navowpa.) Pandora é, num
mena. Atribuía-se-lhe também um bastardo mito hesiódico, a primeira mulher. Foi criada
chamado Eneu (não confundir com o herói de por Hefesto e por Atena, com o auxílio de to-
Cálidon, v. Eneu), epónimo da tribo ática ho- dos os outros deuses, por ordem de Zeus. Cada
mónima. um deles lhe atribuiu um dom: recebeu assim
Pandíon figura na lenda de Procne e Filo- a beleza, a graça, a destreza manual, a capa-
meia (v. Fi/omela). É ele quem celebra o casa- cidade de persuadir e outras qualidades. Mas
mento de Procne com o rei da Trácia, Tereu, Hermes colocou no seu coração a mentira e a
em troca de um tratado segundo o qual este astúcia. Hefesto fê-Ia à imagem das deusas
se comprometia a ajudar Pandíon na sua luta imortais, e Zeus destinou-a à punição da raça
contra os Tebanos de Lábdaco. Diz-se que humana, à qual Prometeu tinha acabado de
morreu de desgosto ao saber da desgraça das dar o fogo divino. Foi esse o presente que to-

Pândaro: li., 11,824 e S.; IV, 86-147; V, 95-120; Pândoco: Etym, Magn., 647, 56.
166-296; ApOlLOD., Ep., lll, 34; IV, I; Hvc., Fab.,
112; DICT. CR., Bel. T,., 11, 35 e S.; VIRO., Aen., V,
Pandora: HES., Theog., 571 e S.; Op., 60 e S.;
495 e s.
HVG., Fab., 142; ApOllOD., Bibl., I, 7, 2; Etym.
Pandíon: 1) ApOllOD., Bibl., Ill, 14,7 e S.; PAUS., Magn., S.U.; BABRIOS, Fab. Aesop., p. 122, 13 (ed.
1,5,3 e S.; IV, 1,6-8; TZETZ., Chil., I, 174 e S.; V, Schn.); PAUSAN., I, 24, 7; PUN., N. H., XXXVI, 19;
671 e S.; HYG., Fab., 48; CONON, Narr., 21; escól. ad Anthol. gr., lll, p. 92; cf. M. GUARDUCCI, «li Mito
ARISTOPH., Av., 212; 368; Ov., Mei., VI, 426 e S.; di Pandora », S. M. S. R., 1927, p. 14 e S.; A. H.
SERV., ad VIRO., Ect., VI, 78. 2) ApOlLOD., Bibl., SMITH, in Journ. Hell. SI., Xl, p. 278 e S.; J. E.
111, 15,5; PAUS., I, 5, 3; IV, 1,6 e S.; 2, 6; STRAB., HARRISSON, ibid., XIX, p. 205; XX, p. 99; Ch. PI·
IX, 392; XII, 573; XIV, 667; DIOD. SIC., IV, 55; es- CARD, «Le péché de Pandora», Acr., 1932, p. 39-57;
cól. ad ARISTOPH., Ach., 961; Sum., s.u. XÓt~; Eu· H. TURCK, Pandora und Eva, Weimar, 1931; L. Ss.
SEB., Chron., I, 186.3) ApOlLOD., lll, 15, I; escól. CHAN, «Pandora,I' Eve grecque», B. A. G. B., 1929,
a SOPH., Anl., 980. n. o 23, p. 3-36.
PANDORO 354

dos os deuses oferec.eram então aos homens, PANFO. (ncífL<pW") Segundo Pausânias,
para Ihes causar a desgraça. Panfo é um poeta muito antigo que, em tem-
No poema Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo pos míticos, compôs hinos religiosos para os
conta que Zeus enviou Pandora a Epimeteu. Atenienses. A mesma fonte cita, entre outros,
Seduzido pela sua beleza, este tomou-a por es- os hinos a Deméter, a Ártemis, a Posídon, a
posa, esquecendo os conselhos de seu irmão Eros e às Graças.
Prometeu, que o advertira no sentido de jamais PANGEU. (narrato,.) Pangeu era um he-
aceitar um presente de Zeus (v. Epimeteus. Ora rói da Trácia, filho de Ares e de Critobulo. Por
havia um vaso (Hesíodo não nos diz que vaso ter involuntariamente violentado a própria fi-
era este) que continha todos os males. Estava lha, trespassou-se com a espada, no monte que
coberto por uma tampa, que impedia o con- em sua memória tomou o nome de Pangeu.
téudo de se extravasar. Mal chegou à Terra,
Pandora, movida por uma imensa curiosidade, PANIDES. (nav(oTj<;.) Panides era um rei de
levantou a tampa do recipiente, e todos os ma- Cáicis, na Eubeia. Era irmão do rei Anfida-
les se espalharam sobre a humanidade. Ape- mante e, segundo a lenda, foi nos jogos fúne-
nas a esperança, que estava no fundo, ficou, bres em honra deste que se defrontaram em
por não conseguir sair antes de Pandora vol- concurso os poetas Homero e Hesíodo. Pani-
tar a colocar a tampa no vaso. Segundo outra des quis atribuir o prémio a Hesíodo por con-
versão, este vaso conteria não os males, mas siderar mais útil o seu canto, consagrado aos
tudo o que de bom existe, e Pandora tê-Io-ia trabalhos agrícolas, do que os versos hornéri-
levado a Epimeteu como presente de núpcias, cos, que tinham por tema a guerra e os com-
a mando de Zeus. Abrindo imponderadamente bates. Mas o público não aceitou o julgamento
o recipiente, ela deixou escapar os bens, que do rei e o prémio foi concedido a Homero. Era
voltaram para a morada dos deuses em vez de costume chamar-se a um juízo alheio ao bom
permanecerem entre os mortais. Os homens fo- gosto «julgamento de Panides».
ram assim condenados a sofrer toda a casta de
. males; só a esperança, pobre consolação, Ihes PANOPEU. (navo1tttk) Panopeu é o herói
restava. epónimo da cidade da Fócida oriental chamada
Sobre Pandora, filha de Erecteu, v. Jacin- Pânope. Pertence, como filho de Foco, à raça
tides (ou Hiacintidesv. de Éaco (v. Éaco) e descende, por linha ma-
terna (sua mãe é Astéria), da raça de Deuca-
PANDORO. (ncív8wpoç.) Pandoro é um dos lião, por intermédio de Xuto (v. quadro 8,
filhos de Erecteu e de Praxítea (v. quadro 12, p. 116; 31, p. 352). Tem um irmão gémeo,
p. 144). Era considerado o fundador da cidade Criso, contra o qual nutre um ódio desenfreado
de Cáicis, na Eubeia. e inclemente. Conta-se que as duas crianças bri-
PÂNDROSO. (ncívopoaoç.) Pãndroso é uma gavam já no ventre materno (v. Crisol. Pano-
das três filhas de Cécrops e de Aglauro (a fi- peu acompanhou Anfitrião na expedição con-
lha do primeiro epónimo da Ática, Acteu, v. tra os Táfios e jurou por Atena e por Ares nada
quadro 4, p. 79). As suas duas irmãs são extorquir do saque. Mas faltou ao juramento,
Aglauro (ou Agraulo) II e Herse. Com a cum- o que lhe valeu a punição divina: embora co-
plicidade destas, cometeu Pândroso o crime de rajoso na luta, o seu filho Epeu foi sempre um
abrir o cesto em que Atena havia escondido o mau guerreiro. Participou na Guerra de Tróia,
pequeno Erictónio(v. Erictónio). Foi por isso tendo construído o cavalo de madeira (v.
punida com a morte. Epeu).
Acrescenta-se, por vezes, ao número das ir- Panopeu figura na Electra de Sófocles (onde
mãs, uma quarta, chamada Fenice. tem o nome de Fanoteu): apoia Egisto, en-
Pândroso foi, segundo a lenda, a primeira quanto Pílades, seu sobrinho, defende Ores-
mulher a usar a roca e o fuso. Era-lhe prestado tes. Assim se manifesta, mesmo entre os des-
culto na Acrópole e teria havido, segundo a tra- cendentes, o velho ódio de Panopeu e Criso.
dição, uns mistérios celebrados em seu nome. PÂNTOO. (ncív9oo,.) Pântoo figura na
Iliada como um dos mais velhos troianos com-
PANFILO. (ncífL<pUÀO")Panfilo é um dos fi- panheiros de Príamo. Tem três filhos: Hipe-
lhos de Egímio, e um dos epónimos das tribos renor, Euforbo e Polidamante. A sua mulher
dóricas - a dos Panfílios (v. Egimio). Lutou é Frôntis. Contava-se que este Pântoo era na-
com os Heraclidas contra Tisâmeno (v. Hera- tural de Delfos e estava consagrado ao culto
c/idas). Desposou Orsobia, filha de Deifontes. de ApoIo. Quando Héracles tomou pela pri-

Pandoro: ApOLLOD., Bibl., III, 15, 1; EUST., ad Panides: TZETZ., Prol. ad Op. Hes., VI, 15, p. 14
Hom., 11., 281, 38. e S.; Certo Hom. et Hes., IIJ, 14.
Pândroso: ApOLLOO., Bibl., III, 14, 2 e S.; PAU· Panopeu: PAUSAN., Il, 29, 2 e s.; STEPH,. Bvz.,
SAN., I, 2, 6; 18,2; Ov., Met.; Il, 558 e S.; escól. ad S.U. rr"VÓ1t'l; TZETZ., ad Lyc., 53; 930 e S.; 939;
11., I, 334; POLL., VIII, 103; SUID., S.U. <I>OLVLX'ÍL" ApOLWO., Bibl., Il, 4, 7; escól. ad EUR., Or., 33;
'l'Pál1l1"'''; ATHENAGORAS,Leg, pro Christo, I. ad lI., u., 520; PLUT., Thes., 20; PLAT., Ion, 533 a;
Panfi1o: PINO., Pyth., I, 121; STEPH. Bvz., S.u. li., XXIII, 665; ov., Met., VIII, 312; SOPH., EI.,
PAUSAN., lI, 28, 6; APOlLOD., Bibl., Il, 8, 3.
âVfLiiv«;; 45 e 5.; 670 e 5.

Panfo: PAUSAN., I, 29, 2; 38, 3; 39,1; VII, 21, 9; Pântoo: li., III, 146; XIV, 450; XVI, 808; XVII,
VIII, 35, 8; 37, 9; IX, 27, 2; 29, 8; 31, 9; 35, 4. 40, escól. a XII, 211; 511; XV, 522; Luc., Galf., 17;
SERV., ad VIRG., Aen., Il, 318; VIRG., Aen., Il, 319;
Pangeu: PS.-PLUT., de flor., III, 2. 430.
355 PÃRIS

meira vez Tróia, Príamo enviou uma embai- dou expô-Ia no Ida. Páris foi criado por pas-
xada para consultar o oráculo de Delfos. Os tores, que o recolheram e lhe deram o nome
emissários regressaram, levando consigo Pân- de Alexandre (o «homem que protege», ou o
too, a fim de conservarem duradouras as re- «homem protegido»), porque não morrera na
lações com o santuário. Segundo outra versão, montanha por ter sido recolhido e «protegido».
o embaixador de Príamo, um dos filhos de An- Segundo outra variante, Páris foi exposto por
tenor, apaixonou-se por Pântoo, um sacerdote um servo de Príamo, Agelau, por ordem do rei.
de Apoio em Delfos, e levou-o à força para Durante cinco dias, uma ursa veio alimentar
Tróia. Para reparar a ofensa cometida contra a criança na montanha. Como ao fim desse
Pântoo, Príamo fê-lo sacerdote de Apoio em tempo Agelau foi encontrar vivo o recém-
Tróia. Viria a ser morto por ocasião da tomada -nascido abandonado, decidiu recolhê-Ia e
da cidade. educá-Ia. Páris cresceu, tornando-se um jovem
de grande beleza e valentia. Protegia os reba-
PÁRALO. (I1ápcxÀoç.) Páralo é um herói ate- nhos do ataque dos ladrões, o que lhe 'valeu
niense que inventou, segundo a tradição, as o sobrenome de Alexandre (v. supra).
naus de guerra. Em sua honra, à trirreme ofi- Outra lenda contava que Príamo, iludido
cial de Atenas foi dado o nome de «Páralo». por um oráculo, mandou imolar, em vez do seu
* PARCAS. (Parcae.) As Parcas são, em filho, o de Cila, Munipo, julgando que era este
Roma, as divindades do Destino, identificadas o homem fatal à cidade a que se referia o so-
com as Meras (Moiraiv gregas (v. Meras), de nho de Hécuba (v. Cita).
cujos atributos se foram revestindo a pouco e Mas Páris voltou a Tróia, revelando a sua
pouco. Na sua origem, as Parcas parecem ter identidade. Um dia, alguns criados de Príamo
sido, na religião romana, os espíritos do nas- foram buscar, ao rebanho que Páris guardava,
cimento. Mas este traço inicial cedo se desva- um touro pelo qual o pastor sentia particular
neceu, perante a atracção das Meras. São re- afeição. Sabendo que o animal estava desti-
presentadas como fiandeiras, medindo a seu nado a ser o prémio dos jogos fúnebres insti-
bel-prazer a vida dos homens. São, como as tuídos em memória do filho de Príamo que to-
Meras, tr.êsirmãs: uma preside ao nascimento, dos supunham ter morrido de tenra idade, e
a outra ao casamento e a terceira à morte. As apercebendo-se de que esse filho não era ou-
três Parcas figuravam no Foro em três estátuas, tro senão ele próprio, Páris seguiu os servos,
vulgarmente denominadas «as três fadas» (tria decidido a participar nesses jogos e a conquis-
Fata, os três Destinos). tar assim o seu animal preferido. E triunfou
de facto em todas as provas, travadas contra
PARÉBIO. (llCXpCX[~LOÇ.)Parébio era um ha- os seus próprios irmãos, que não sabiam quem
bitante da região do Bósforo da Trácia, não ele era. Irado. um deles, Deífobo, puxou da
muito distante do reino de Fineu. O seu pai co- espada, decidido a matá-lo. Páris procurou en-
metera um acto sacrílego, ao abater um pi- tão refúgio no altar de Zeus. Cassandra, sua
nheiro consagrado às Hamadríades, embora es- irmã, profetisa do templo, reconheceu-o, e
tas lhe tivessem suplicado que poupasse a sua Príamo, feliz por reencontrar o filho que jul-
árvore. As Ninfas puniram-no com a pobreza, gara morto, acolheu-o, dando-lhe o lugar que
atingindo deste modo também Parébio. Mas lhe pertencia por direito na casa real. Segundo
Fineu ensinou-lhe como deveria agir para ven- outra versão, não é Cassandra quem reconhece
cer a maldição: era necessário erigir um altar o jovem; é este quem comprova facilmente a
e oferecer sacrifícios expiatórios às Ninfas. Ele sua identidade, trazendo consigo as vestes que
assim fez e a maldição terminou, Parébio, re- o cobriam no momento em que fora exposto.
conhecido, tornou-se um dos mais fiéis servi- O segundo episódio da lenda de Páris é o jul-
dores de Fineu. gamento que daria origem à Guerra de Tróia.
Quando os deuses se encontravam reunidos
PÁRIS. (IlápLç.) Páris, também chamado Rara celebrar as núpcias de Tétis e de Peleu,
Alexandre (v. infra), é o filho mais novo de Eris (a Discórdia) lançou para o meio deles
Príamo e de Hécuba. Um prodígio precedeu uma maçã de ouro, dizendo que ela deveria ser
o seu nascimento: já no termo da gravidez, a dada à «mais bela» das três deusas: Atena,
mãe sonhou que dava à luz uma tocha que pu- Hera e Afrodite. Gerou-se a confusão; nin-
nha fogo à cidadela de Tróia. Príamo pediu a guém queria encarregar-se de escolher entre as
explicação deste sonho a seu filho Ésaco (nas- três divindades, e Zeus ordenou a Hermes que
cido de uma mulher chamada Arisbe), que afir- conduzisse Hera, Atena e Afrodite ao monte
mou que a criança que ia nascer causaria a Ida, onde Páris julgaria a questão. Ao ver as
ruína de Tróia e aconselhou-o a eliminá-Ia à deusas aproximarem-se, o jovem teve medo e
nascença. (Sobre outra tradição, v. Hécuba.) quis fugir. Mas Hermes persuadiu-o de que
Mas em vez de matar o menino, Hécuba man- nada tinha a recear, e explicou-lhe a situação,

Páralo: Escól. ad DEM05TH., VIII, 29; XXI, 570; Páris: ApoLLoD .• Bibl .. 111, 12, 5 e 5.; escól. li ..
HARPOCR., S.U.; PLlN., N. H., VII, 57; XXXV, 101; 111,325; TZETZ •. ad Lyc., 86; Cic., de div .. l. 21. 42;
Cu., Verr ., IV, 60. 135. HYG., Fab., 91; 92; 107; 110; 113; V,RG., Aen .. VII.
319 e S.; SOPH., Ale xandros , trago perdida (cf.
Parcas: A. GEL., N. A., 111, 16, 10. Nauck, Trag, Gr. Fragm., 2. a ed., p. 150); EL'R..
id., (ibid., p. 373 e s.): Andr., 284 e escól. ao v. 293;
Parébio: Aroi . RH., Arg., 11,456 e s. e escól. ad Iph. Aul., 573 e 5.; 1284 e 5.; Hei., 676 e 5.; Tr., 924
loc. e 5.; 11., 111, 15 e 5.; 310 e 5.; VI, 312 e 5.; 503 e 5.;
PARNASO 356

ordenando-lhe que desempenhasse as funções lhante. No início da I1íada, quando Gregos e


de juiz, em nome da vontade de Zeus. Então, Troianos concordaram em resolver o diferendo
uma após outra, as três deusas advogaram pe- por um combate singular entre Menelau e Pá-
rante ele a sua própria causa. Cada uma lhe ris, este foi derrotado e não se salvaria sem a
prometeu a sua protecção e alguns dons espe- protecção de Afrodite, que o envolveu numa
ciais, se ele decidisse a seu favor. Hera asse- espessa nuvem, subtraindo-o assim aos olhos
gurar-lhe-ia o domínio de toda a Ásia; Atena do inimigo. Pouco depois, a peleja recomeçaria.
prometeu-lhe a sabedoria e a vitória em todos Mas tarde, considerando que Páris estava há
os combates; Afrodite limitou-se a oferecer o muito ausente das fileiras do combate, Heitor
amor de Helena de Esparta. Páris decidiu en- vai procurar o irmão junto de Helena,
tão que era Afrodite a mais bela. ordenando-lhe que se prepare para voltar ao
Os poetas glosaram a seu bel-prazer este campo de batalha. Páris obedece, mata Menés-
tema, que inspirou ainda escultores e pintores. tio, fere Diomedes, Macáon, Eurípilo, e par-
Páris era representado como um pastor, num ticipa no ataque ao acampamento grego. Mata
cenário silvestre, perto de uma fonte. Alguns Euquenor e, em seguida, Déjoco.
mitógrafos cépticos afirmaram, por vezes, que A I1íada retrata por vezes Páris combatendo
toda essa questão não passou de um plano ur- munido de couraça, escudo, lança e espada.
dido por três moças de vila desejosas de com- Mas ele é geralmente apresentado como um ar-
provar a sua beleza, que não hesitaram em queiro e é nessa qualidade que intervém na
ludibriar Páris. Outros aventam a hipótese de morte de Aquiles.
ele ter visto em sonhos o julgamento, quando A morte de Aquiles é precisamente o último
apascentava sozinho nos montes os seus re- grande episódio da lenda de Páris, antes da sua
banhos. própria morte. Heitor prediz, ao sucumbir, o
Até ao aparecimento das deusas e ao julga- fim de Aquiles. Quando o filho de Peleu, de-
mento, Páris amou uma ninfa do Ida chamada pois de matar Mémnon, força os Troianos a
Enone (v. Enone). Mas assim que Afrodite lhe recuar até aos muros da cidade, Páris detém-
prometeu o amor de Helena - a mais bela das -no com uma flecha que o atinge na única zona
mulheres -, abandonou a ninfa e partiu para vulnerável do seu corpo - o calcanhar. Mas
Esparta. Segundo uma das tradições, ele teria se a seta foi disparada por Páris, foi guiada no
sido acompanhado nesta viagem por Eneias, seu trajecto pelo próprio Apoio. Segundo uma
que teria recebido tal ordem da própria Afro- outra versão, o arqueiro foi o deus Apoio, dis-
dite. Heleno e Cassandra bem predisseram o farçado sob a aparência de Páris. Mais tarde,
desfecho de tal aventura, mas ninguém quis quando se desenvolveu o episódio dos amores
acreditar nas suas palavras. Ao chegar ao Pe- de Aquiles e Políxena, divulgou-se uma versão
loponeso, Eneias e Páris foram recebidos pe- segundo a qual o herói grego, disposto a trair
los irmãos de Helena, os Dioscuros, que os os seus compatriotas por amor da jovem, e de-
conduziram à presença de Menelau. Este cidido a combater ao lado dos Troianos, teria
acolheu-os hospitaleiramente e apresentou-os sido atraído a uma emboscada e morto por Pá-
a Helena. Pouco depois, o anfitrião foi forçado ris, no templo de Apoio Tímbrio. Páris ter-se-ia
a ausentar-se por algum tempo, a fim de par- então escondido atrás da estátua do deus. As-
ticipar em Creta nos funerais de Catreu (v. sim se justificava a profecia de Heitor ao mor-
Menelau), e confiou por isso à esposa o bem- rer, segundo a qual o seu inimigo seria morto
-estar dos hóspedes, recomendando-lhe que os por Páris e por Apoio.
deixasse ficar em Esparta durante o tempo que Páris morreu atingido por uma flecha de Fi-
lhes aprouvesse. Não tardou muito que Páris loctetes que lhe trespassou a região inferior do
a seduzisse, prodigalizando presentes para con- abdómen. Ferido de morte, foi levado para
quistar o seu amor. Os seus intentos foram fa- fora do campo de batalha. Mandou então pe-
cilitados pelo fasto oriental que o envolvia e dir a Enone, que tinha artes de curandeira, um
pela sua beleza, que a vontade de Afrodite, antídoto contra o veneno de que estavam im-
sua protectora, tornava ainda mais resplande- pregnadas as flechas de Filoctetes (v. Filocte-
cente. Abandonando sua filha Hermíone (en- tes). Mas Enone recusou-se a salvar aquele que
tão com nove anos), Helena não hesitou em a tinha abandonado e, quando por fim sentiu
fugir com Páris, aproveitando a escuridão da piedade, era já tarde de mais. (v. Enone).
noite, levando consigo todos os tesouros que
pôde. PARNASO. (ncxpvcxaaó,.) Parnaso (ou Par-
Sobre as peripécias da viagem desde Esparta nasso) é o herói epónimo da montanha do Par-
à Ásia Menor, e acerca das versões múltiplas naso, consagrada a Apoio. É, segundo a lenda,
da lenda, v. Helena. filho de uma ninfa chamada Cleodora e de Po-
Ao regressar a Tróia, Páris foi bem recebido sídon. Mas atribuía-se-lhe também um pai
por Príamo e por toda a casa real, apesar das «mortal» - Cleopompo. Pamasoteria fun-
profecias sombrias de Cassandra. dado o velho oráculo de Pito, que foi depois
Durante a Guerra de Tróia, o papel desem- ocupado por Apoio. Teria ainda inventado a
penhado por Páris não é de modo algum bri- arte da adivinhação pelas aves.

VII, 1 e S.; 354 e S.; VIII, 80 e S.; XII, 93; XIII, SERV., ad V/RO., Aen., V, 370; VI, 57; LACT.
660 e S.; 765 e s.; XV, 341 e s.; XXII, 359-360; PLAC., ad STAT., Achil., I, 134. V. Aquiles; He-
trago perdida de ENNIVS; OV., Her., XVI; Met., lena. Cf. K. REINHARDT, Das Parisurteit, Franco-
XII, 598 e s.; LUCIAN., D. Deor., 20; DICT. CR., forte, 1938.
Bel/. Tr., I, passim; TZETZ., Posth., 385 e S.: Parnaso: PAUSAN., X, 6, I.
357 PARTÉNOPE

PARRÁSIO. (TIexppáaLOç.) Parrásio é um he- Este, então, deixou a corte, e à frente de três
rói arcádio, filho de Licáon (v. Licáan) ou de mil homens, partiu para a terra dos Cadúsios
Zeus, e pai de Arcas, o epónimo da região da on.de vivia a irmã, casada com um dos princi~
Arcádia. Atribuía-se-Ihe a fundação da cidade p~s senhores da região. A guerra eclodiu, e ha-
arcádica de Parrásia. bilmente Parsondes conquistou a vitória. Os
Conta Plutarco que a ninfa Filónome, filha Cadúsios escolheram-no como seu rei e desde
de Níctimo e de Arcádia, teve de Ares dois gé- então jamais cessou o conflito entre Medos e
meos. Receando a ira do pai, expôs as crian- Cadúsios. Quando Par sondes morreu, o seu
ças no monte Erimanto, mas uma loba ama- sucessor, que lhe jurou prolongar sem tréguas
~e.ntou-as até serem recolhidas pelo pastor tal guerra, prosseguiu a mesma política. E a
Tilifo. Este deu-Ihes os nomes de Licasto e Par- 'situação durou até ao momento em que Ciro
rásio, educando-os como seus filhos. Anos submeteu os Cadúsios forçando-os a cumprir
mais tarde, os dois gémeos assenhorearam-se as sua ordens.
do poder na Arcádia. O paralelismo desta PÁRTENO. (TIexp6Évoç.) Párteno, «a vir-
lenda, sem dúvida tardia, com a história de Ró- gem», é o nome de várias heróinas.
mulo e Remo é evidente. 1. Uma delas é filha de Estáfilo e de Cri só-
temis, e tem duas irmãs - Reo (v. Rea) e Mol-
PARSONDES. (TIexpawvoTjç.) Parsondes, ou padia.
Parsondas, é um persa, herói de uma aventura Estáfilo encarregara Molpadia e Párteno de
singular. V~ente g~erreiro, caçador intrépido, lhe guardarem o vinho (cuja descoberta era
era o favonto do rei dos Medos, Arteu. Diver- ainda recente entre os homens). Mas as duas
sas vezespedira ao soberano que lhe concedesse jovens adormeceram, não se apercebendo de
o cargo de sátrapa da Babilónia, depondo o ho- que os porcos, que estavam também confiados
mem efeminado que o ocupava - Nánaro -, à sua guarda, entraram no celeiro onde se en-
lT!asArt~u recus~ra selT!presatisfazer tal pe- contr~va o vinho, quebrando as ânforas que
dido. AJe que Nanaro, informado das inten- o continham, Ao acordarem, as duas irmãs me-
ções de Parsondes, decidiu vingar-se, e prome- diram a catástrofe e, temendo a cólera de seu
teu uma recompensa a quem lhe entregasse o pai que sabiam ser impiedoso, correram em di-
seu rival. Ora um dia Parsondes perdeu-se en- recção ao mar, lançando-se às águas, do alto
quanto caçava, nas imediações da Babilónia, dos rochedos. Apoio teve pena delas, salvou-
e encontrou uns homens da corte de Nánaro -as da queda fatal e levou-as para as cidades
que logo o fizeram beber até ficar ébrio' do Quersoneso. Instalou Párteno em Bubás-
convencendo-o a passar a noite em sua com~ tis, onde recebeu honras divinas, e Molpadia
panhia. Assim que o viram adormecido, acor- em Castabo, onde foi venerada sob o nome de
rentaram-no, entregando-o ao rei, seu inimigo. Hemítea.:
Este confiou-o aos seus eunucos para que lhe 2. Párteno é também o nome da heroína que
cortassem a barba, e o obrigassem a levar no deu origem à constelação da Virgem. Sobre a
harém uma vida de mulher. Em pouco tempo, sua identidade, as tradições divergem. Uma
Parsondes aprendeu a tocar citara a dançar versão apresenta-a como filha de Apoio e de
e a enfeitar-se, tornando-se uma das mulheres Crisótemis. Terá morrido jovem e o seu pai
d? sátrapa. Viveu assim durante sete anos. transformou-a em constelação. Outra variante
Findo este tempo, conseguiu, com a ajuda de faz dela a filha de Zeus e de Témis, identifi-
um eunuco, enviar uma mensagem ao rei Ar- cando-a com Dice, a Justiça, que viveu na
teu, que o julgava morto. Ao saber que o seu Terra durante a Idade de Ouro. Esta tradição
f~vonto estava.afinal vivo, o rei dos Medos en- é transmitida principalmente por Virgílio que,
VIOU um embaixador a Nánaro reclamando a
na quarta écloga, vê no regresso da constela-
liberdade de Parsondes. O sátrapa respondeu ção da Virgem o presságio de uma época de
que não sabia do seu paradeiro, mas, amea- justiça. Dizia-se ainda que ela era filha de As-
çado de morte por Arteu, acabou por entre- treu e de Hémera, ou de Icário (identificando-
gar Pa.rsondes, que estava tão efeminado que -se, neste caso, com Erígone) (v. Icário e Eri-
o enviado do rei dificilmente conseguiu gane), ou então de Deméter ou Téspia, uma
reconhecê-Io no meio das cinquenta mulheres das filhas do deus-rio Asopo, epónimo de Tés-
de Nánaro. pias, na Beócia.
Quando Par sondes voltou à corte de Arteu
exigiu vingança, pois, segundo dizia, só a es~ PARTÉNOPE. (TIexp9tvó1tTj.) Parténope era
perança de um dia se vingar o fizera suportar uma das Sereias, cujo túmuIo a tradição situava
o seu longo e humilhante cativeiro. Arteu pro- em Nápoles. Com as irmãs (v. Sereias), ela
meteu punir o sátrapa, mas este enviou-lhe pre- lançou-se ao mar, e as ondas atiraram o seu
sentes, conseguindo suborná-Io a ponto de ele corpo para as margens de Nápoles, onde lhe
recusar fazer justiça a Parsondes. foi erigido um monumento.

Parrásio: STEPH. Bvz., S.U.; SERV., ad VIRG., e escól. ao v. 97; VIRG., Buc., IV; escól. a 11., XXII,
Aen., XI, 31; PLUT., Parall. mino XXXVI 2 29.
378. " ,
Parsondes: NlCOL. DAM., fr. 10; 0100. SIC., 11, 33. Parténope: STEPH. Bvz., S.U. l:.'PTJyoüa"" e Ni"'1to·
À,ç; EUST., ad Hom., XII, 167, p. 1079; ad DION.
Párteno: 1) 0100. SIC., V, 12. 2) HVG., Aslr. PER., 385; Lvc., Alex., 717 e 5.; TZETZ., ad loc.;
Poet., 11, 25; ERATOSTH.,CaI., 9; ARAT., Phaen., 96; SERV., ad VIRG., Georg., IV, 563.
PARTENOPEU 358

Segundo outra versão da lenda, Parténope que confirmasse o seu direito ao Poder (v. Mi-
teria sido uma bela jovem natural da Frígia, nos). Ao oferecer um sacrifício a Posídon, su-
que se apaixonou por Mecíoco, sem querer plicou ao deus que fizesse sair do mar um
contudo quebrar por ele o voto de castidade touro, prometendo em troca sacrificar o ani-
que havia formulado. Pretendendo infligir a mal. Mas quando a divindade acedeu à sua
si própria uma pena para castigar a paixão que prece, o rei recusou-se a cumprir a promessa,
sentia, ela cortou os cabelos e exilou-se de li- Para o castigar, Posídon embraveceu o touro
vre vontade partindo para a Campãnia, onde e mais tarde inspirou em Pasífae um desen-
se consagrou a Dioniso. Irada com tal proce- freado amor pelo animal. Outras versões afir-
dimento, Afrodite transformou-a em sereia. mam que esta foi a pena infligi da a Pasífae por
Afrodite, em virtude de a rainha ter desprezado
PAinENOPEU. (O"p9tvo1t<xToç.) Parteno-
o culto da deusa, Diz-se ainda que esta preten-
peu é um dos Sete Chefes que marcharam con-
deu vingar-se da ofensa que recebera de Hélio
tra Tebas. Segundo uma das versões, é natu-
(que ousara revelar a Hefesto os amores clan-
ral da Arcádia, filho de Atalanta, divergindo
destinos da deusa com Ares), castigando Pa-
as tradições a respeito da identidade do pai: ora
sífae, filha de quem cometera o agravo (v.
se diz que é filho ilegítimo de Meleagro, ora
Afrodite).
que é filho legítimo de Melânion. Na variante
Sem saber como havia de saciar a sua pai-
que o apresenta como argivo, é irmão de
xão a rainha de Creta pediu conselho ao en-
Adrasto, e filho de Tálao e Lisímaca (v. qua-
genhoso Dédalo, que fabricou uma vaca tão
dro 28, p. 282).
perfeita, tão semelhante a um ammal de carn,e
Segundo a tradição, foi exposto nos, ~on-
e osso, que o touro se deixou enganar. ~asl-
tes com Télefo, que acompanhou este ultimo
fae introduziu-se nas ocas entranhas do simu-
à Mísia e que mais tarde tomou parte na expe-
lacro construído por Dédalo, efectuando-se
dição contra Idas (lenda apenas tr~nsmiti,da por
deste modo a cópula. Destes monstruosos amo-
Higino). Na Mísia, desposou a mnfa Clímene,
res nasceu um ser híbrido, misto de homem e
da qual teve um filho - Tlesímenes. de touro o Minotauro (v. Minotauro). Minos,
O nome do herói (que evoca «parthenos», ao saber 'de tal aventura, revoltou-se contra Dé-
virgem) adveio, segundo a primeira v.ers.âo, do dai o e proibiu-o de sair de Creta. Mas reza a
facto de sua mãe ter conservado a virgindade
tradição que ele conseguiu escapar c,?m a ~um-
durante um extenso período (v. Ata/anta). Na
plicidade de Pasífae (acerca da versao mais di-
segunda versâo, o nome é uma consequência
vulgada da lenda de Dédalo, prisioneiro no La-
de haver sido, durante a infância, exposto no
birinto, após a vitória de Teseu, v. Dédalov.
monte Parténio. A tradição atribuiu a Pasífae um Ciúme
De grande beleza e inegável coragem, Par- doentio e hábeis dotes de feiticeira, semelhan-
tenopeu participou na expediçâo dos Sete, ape-
tes aos talentos evidenciados por sua irmã Circe
sar dos conselhos de sua mâe, Atalanta, que e por Medeia, sua sobrinha, filha de Eetes.
lhe previa uma morte violenta, Nos jogos fun-
Para impedir que Minos possuísse outras mu-
dados em Némea em honra de Arquémoro-
lheres, Pasífae teria lançado sobre ele tão po-
-Ofeltes (v. Arquémoro-Ofe/tes), saíu vence-
derosa maldição, que todas as suas amantes
dor na prova de tiro ao arco. Foi morto à morriam devoradas pelas serpentes que lhe bro-
entrada de Tebas por Periclímeno, filho de Po- tavam de todas as partes do corpo (v. Minos).
sídon, ou, segundo outros, por Asfídico ou An-
Foi salvo deste suplício por Prócris (v. Prócris).
fídico. Estácio reproduz uma variante, segundo Existia na Lacónia um oráculo de Pasífae,
a qual foi Drias, neto de Oríon, quem feriu de mas contava-se que esta Pasífae era ou a
morte Partenopeu. Troiana Cassandra, ou Dafne, ou uma filha
Sabe-se ainda que este herói teve um filho.:
de Atlas que teria tido ·de Zeus um filho -
Prómaco (ou Estratolau ou Tlesímenes; v. su- Ámon, o deus de Cirene, adorado sob o nome
pra), que integrou a expedição dos Epígonos. de Zeus-Arnon.
PASÍFAE. (OCLalq:>cXTj.)Pasífae (ou Pasíf~a1, PÁTROCLO. (OcX"tpoxÀoç.) Pátroc1o é o
mulher de Minos (v. quadro 30, p. 312), e fi- amigo dilecto de Aquiles, na J/íada. Filh~ de
lha de Hélio e de Perseide (v. quadro 16, Menécio (filho de Egina e Actor), ele esta 11-
p. 202). Perses e E~t.es,. rei da Cólquida,_ são gado à família de Aquiles, sendo este, por parte
seus irmãos, e a feiticeira Circe sua irrna. do seu pai Peleu e do avô, Eace, bisneto de
A lenda mais célebre a respeito de Pasífae Egina, mãe de Menécio, o pai de Pátroc1o ~v.
tem por cenário Creta, e por assunto os amo- quadro 31, p. 352), Acerca do nome da mae,
res monstruosos da rainha com um touro, v, Menécio,
Dizia-se que Minos, na altura em que reclat;tou Pátroc1o é, por linha paterna, um locro, na-
o trono de Creta, pediu aos deuses um sinal tural de Opunte, mas viveu desde criança na

Partenopeu: Escól. ad SOPH., Oed. Col., 1320 e Pasífae: ANT., Lia., Tr., 41; ApOLLOO., Bibl., I, 9,
SOPH., ibid., 1320 e S.;ApOLLOD., Bibl., 1,9, 13; 1; 111, 1,2; 15, 1; TZETZ., ad Lyc., 174; 0100. SIC., IV,
111,6,3 e S.; 9, 2 e S.; PAU5AN., nr, 12,9; IX, 18, 60 e 5.; 77; Arot.. RH., Arg., 111, 999; HVG., Fab., 40;
6; EUR., Phoen., 150; 1153 e S.; escól. ao v. 150; escól. a EUR., Hipp., 47; 887; VIRG., Buc., VI, 46 e
HVG., Fab., 70; 71; 99; 100; 270; SERV., ad VIRG., 5., e SERV., com. ao v. 57; Ov., Ars., 1,289 e 5.; PWT.,
Aen., VI, 480; AE5CH., Th., 534 e S.; STAT., Silv., Agis, 9; EUR., Cret., trago perdida.
11,6,40 e 5.; Theb., IV, 246 e S.; VI, 556 e S.; IX, Pátroclo: 11., I, 337 e S.; IX, 190 e S.; 558 e S.;
831 e 5. XI, 596 e S.; 642 e S.; 804 e S.; XV, 390 e S.; XVI,
359 PEANTE

Tessália, na corte de Peleu. Conta-se geral- particularmente. Antíloco, filho de Nestor,


mente que ele matou, num acesso de fúria, du- anuncia a Aquiles a morte do seu amigo. Ven-
rante uma partida de astrágalos, um rapazinho cido pela dor, o herói avança sem armas para
com quem costumava brincar chamado Clitó- o local onde a contenda mais se agiganta. Solta
nimo (ou Clisónimo), filho de Anfidamante. um grito e logo os Troianos fogem, ao ouvir
Foi então forçado ao exílio e recolhido por Pe- aquela voz temível, abandonando I) cadáver.
leu, que o deu como companheiro ao seu pró- Esquecendo o seu rancor contra Agarném-
prio filho, Aquiles. Cresceram, pois, juntos, non, Aquiles já não pensa senão em vingar Pá-
aprendendo ambos a arte da medicina. Se- troclo. Os funerais deste e a morte de Heitor
gundo uma das versões, Pátroclo terá sido um preenchem toda a parte final da I1íada. As ce-
dos pretendentes de Helena; mas não seria ne- rimónias fúnebres foram assinaladas pelo sa-
cessário que estivesse vinculado a um jura- crifício de doze jovens troianos feitos prisio-
mento prestado a Tíndaro (v. Helena), para neiros por Aquiles nas margens do Escamandro
que ele fosse com Aquiles para Tróia. e pelos jogos em que participaram todos os che-
A amizade de Pátroclo e Aquilestomou-se pro- fes gregos. Aquiles erigiu um túmulo, no lo-
verbial. Diz-semesmo que os laços que os uniam cal onde se ergueu a pira fúnebre.
eram ainda mais fortes. Na altura do desembar- Mais tarde, depois da morte de Aquiles, as
que na Mísia (v.Aquiles), Pátroclo estavaao lado suas cinzas foram guardadas junto das do
do seu amigo para combater Télefo; com o au- amigo. Segundo uma das tradições, Pátroclo
xílio de Diomedes, salvou o cadáver de Tersan- teria continuado a viver, na companhia de
dro. Foi ferido por uma flecha, mas Aquiles tra- Aquiles, de Helena, de Ájax,filho de Télamon,
tou dele, conseguindo curá-lo. e de Antíloco, na Ilha Branca, na embocadura
São numerosos os seus feitos na Guerra de do Danúbio.
Tróia. Figura nas epopeias cíclicas e não ape- PÁTRON. (Ilérpcov.) 1. Um herói chamado
nas na I1íada. Foi ele, por exemplo, segundo Pátron figura na Eneida, como participante
uma tradição, quem vendeu em Lemnos Li- nos jogos fúnebres em honra de Anquises. Sa-
cáon, o filho de Príamo que Aquiles fez pri- bemos por outras fontes que ele era um acar-
sioneiro (v. Licáon). Participou igualmente na nano que encontrou Eneias durante a sua via-
tomada de Lirnesso e no ataque à ilha de Ciro. gem, tendo-o acompanhado durante algum
Na I1íada, figura em diversos episódios: entrega tempo, até se fixar na Sicília, onde fundou a
Briseida aos arautos de Agamémnon; no mo- cidade de Alôncio.
mento da embaixada a Aquiles, apoia o seu 2. Outro herói com o mesmo nome é um
amigo. Mais tarde, quando os Gregos estão em companheiro de Evandro em Roma. Como este
dificuldades, Aquiles envia-o junto de Nestor Pátron acolhia de bom grado os humildes, o
para saber notícias. Aí, ele trata de Eurípilo seu nome deu origem à designação da institui-
que acaba de ser ferido, e ao voltar para a ção romana do Patronato.
tenda de Aquiles expõe-lhe a situação crítica
que ameaça a facção aqueia. Tenta persuadi- * PAX. (Pax.) Pax, a Paz, é uma abstrac-
-10 a voltar ao campo de batalha e suplica-lhe ção divinizada, em Roma. Frequentemente in-
, que ao menos o deixe chefiar os Mirmídones, vocada no primeiro século antes da nossa era,
fazendo-os voltar a pegar em armas. Aquiles durante as guerras civis, ela foi venerada por
autoriza-o a envergar a sua própria armadura Augusto, que lhe mandou erigir um altar em
e a participar na peleja. Em pouco tempo, faz Roma, para celebrar o restabelecimento defi-
uma grande matança entre os Troianos. Mata nitivo da ordem. Mais tarde, Vespasiano e de-
sucessivamente: Pirecmes, Aréiloco, Prónoo, pois Domiciano, consagraram-lhe um templo,
Testor, Erilau, Érimas, Anfótero, Epaltes, Tle- no Foro que eles construíram e ao qual deram
pólemo, Equio, Píris, Ifeu, Evipo, Polimelo, o nome de Foro da Paz,
Sarpédon, Trasidemo, Esténelo, Adrasto, Au- PÉAN. (Ilac,áv.) Geralmente, nos cultos da
tónoo, Efeclo, Périmo, Epistor, Melânipo, época clássica, Péan é apenas o epíteto ritual
Elas, Mulio, Pilartes. No momento em que os de Apoio, «o deus que cura». Contudo, desde
Troianos batem já em retirada, Apoio opõe- os Poemas Homéricos, vemos intervir um deus
-se a Pátroclo, impedindo-o de perseguir o ini- curandeiro independente, chamado Péan, ou
migo. O herói consegue ainda matar Cébrion, Péon: é ele quem trata de Hades quando este
que conduz o carro de Heitor. Mas, com o au- se fere. O deus sara os enfermos usando os po-
xílio de Apoio, Heitor mata-o. O combate rea- deres curativos de certas plantas medicinais.
cende-se então entre Gregos e Troianos pela Pouco a pouco, foi-se assimilando a Apoio,
posse do cadáver de Pátroclo, a quem o ini- sendo, por outro lado, suplantado por Asclé-
migo logo despoja das suas armas (a armadura pio (v. Asclépio).
divina de Aquiles). Trava-se uma luta encar-
niçada, durante a qual Menelau se distingue PEANTE. V. Peias.

I e s; 130 e S.; 278 e S,; canto XVI, passim; XVII, Pátron: I) DION, HAL., 1,51; VIRG., Aen., V, 298.
I e S.; 262 e S.; 543 e S.; XVIII, I e S.; 151 e s; 314 2) PLUT., Rom., 13.
e S.; XIX, 276 e S.; XXIII, passim; Od., XXIV, 79;
Pax: TIB., 1, 10,45 e 5.; HOR" Carm. Saec., 57 e
ov., Ponl., I, 3, 73; HELLAN" fr. 57; STRAB., 425;
S,; PETRON., SaI., 124, v. 249 e S.; DION. CASS.,
584 e S.; 596; ApOLLOD., Bib/., I1I, 10, 8; 13, 8;
LXVI, 15, I; SUET., V., 9.
Ep., IV, 6 e s.: ATHEN" XIII, 601 a; PINO.,
O/ymp., IX, 70; Ep. Gr. Fragm. (Kinkel), p. 20; Péan: 1/., V, 401; 900, e escól. ao V. 898; cf. Od., IV,
PAUSAN., I1I, 19, 13; IX, 5, 14. 232 e escól. ao v, 231; HES., fragm., 139; SOl.DN, fr. 3.
PÉGASO 360

PÉGASO. (TIfrya(wd Pégaso é um cavalo geralmente Filoctetes como herdeiro das armas
alado que figura em várias lendas, nomeada- atribuindo-lhe o papel confiado a Peias na ver:
mente na de Perseu e sobretudo na de Belero- são anterior - v. Fi/oetetes). '
fonte. Relacionava-se etimologicamente o seu
nome com o termo grego que significa «fonte» PELASGO. (TItÀaayóç.) Pelasgo é o nome
(1tT}rfl) e contava-se que ele tinha nascido «nas
de vários heróis, epónimos do povo «rnítico»
fontes do Oceano», isto é, no Extremo Oci- dos Pelasgos. O facto de se supor que os Pe-
dente, quando Perseu matou a Górgona, lasgos ocuparam o Peloponeso e a Tessália le-
A lenda ora afirma que este cavalo divino bro- vou à existência de diversos heróis com esse
tou do pescoço da Górgona (e nesse caso ele nome nas referidas regiões.
era, tal como Crisaor, simultaneamente filho 1. Na lenda arcádica, havia duas filiações
de Posídon e da Górgona) ora admite que nas- distintas de Pelasgo. Uma delas apresentava-
ceu da terra, fecundada pelo sangue da Gór- -o como filho de Níobe e de Zeus (v. quadro
gona. Mal nasceu, Pégaso levantou voo em di- 20, p. 240). Teria tido da Oceânide Melibeia
recção ao Olimpo, onde ficou a servir Zeus da ninfa Cilene ou de Dejanira, um filho cha-
levando-lhe o raio. ' mado Licáon, que seria por sua vez o pai de
Acerca do encontro de Belerofonte e Pégaso, cinquenta filhos (v. Lieáon), epónimos da
maioria das cidades arcádicas, e de uma filha
as tradições divergem. Segundo uma das ver-
sões, a deusa Atena teria levado a Belerofonte Calisto, que teve de Zeus o herói Árcade, epó:
o cavalo, já domado; noutra variante, é Posí- nimo da Arcádia. Uma lenda arcádica fazia de
don que o oferece ao herói; noutra, é Belero- Pelasgo, pai de Licáon, o primeiro habitante
fonte quem encontra o cavalo a beber na fonte da Arcádia. Teria «nascido da terra». Foi ele
Pirene. o primeiro rei da região, tendo ainda instau-
Graças ao cavalo alado, Belerofonte pôde rado o uso da habitação e distinguido as plan-
matar a Quimera e vencer sozinho as Amazo- tas úteis das nocivas.
2. A segunda genealogia de Pelasgo é trans-
nas (v. Belerofonte). Após a morte do herói rp.it!da por Pausânias (v. quadro 19, p. 239).
Pégaso regressou para junto dos deuses: E filho de Tríopas e de Sósis (ou Sóis), e ir-
Quando as filhas de Píero (v. Piérides) e as Mu-
sas se defrontaram num concurso de canto o mão de raso e de Agenor; é bisneto de Níobe
Hélicon, com o prazer, inchou, ameaçando to- e de Zeus e trineto de Foroneu. Este Pelasgo
é essencialmente argivo; já não é arcádico. Re-
car o céu. Por ordem de Posídon, Pégaso ba-
teu com o casco na montanha, intimando-a a cebeu em sua casa a deusa Deméter, enquanto
esta procurava a sua filha. Erigiu em honra
retomar as dimensões normais. O Hélicon obe-
dela o templo de Deméter Pelásguia. Este he-
deceu, mas do sítio onde o cavalo desferira a rói teve uma filha, Larissa, que deu o seu nome
patada, brotou uma fonte - Hipocrene, «a à cidadela de Argos (v. Larissa).
fonte do cavalo». Dizia-se ainda que uma ou- 3. Havia ainda na lenda tessálica um outro
tra fonte, em Trezena, nascera também de um Pelasgo, não pai mas filho de Larissa nascido
coice de Pégaso. de Posídon (v. quadro 19, p. 239). Tinha dois
Pégaso foi transformado em constelação.
Uma das suas plumas teria caído perto de irmãos, Aqueu e Ftio. Deixou com eles o Pe-
Tarso, dando o seu nome à cidade. loponeso, sua terra natal, indo colonizar a Tes-
sália que tinha então o nome de Hemónia. Ex-
PElAS. (no(aç.) Peias é o filho de Táumaco pulsaram os selvagens que aí habitavam e
ou de Fílaco. Teve de Metone um filho que o dividiram o território em três partes, tomando
tomou célebre - Filoctetes. Figura entre os cada uma delas o nome de um dos três irmãos.
Argonautas, mas tem na expedição um papel Cada um deles passou a administrar uma parte,
apagado. Uma das variantes da lenda atribui- formando-se assim a Acaia, a Ftiótida e a Pe-
-lhe contudo um feito geralmente imputado às lasguiótida. Mais tarde, cinco gerações após es-
artes de Medeia - a derrota de Talo (v. Talo tes acontecimentos, os descendentes dos con-
e.A:gonau.ta~). Peias era um arqueiro, que as- quistadores foram por sua vez expulsos pelos
sistru aos últimos momentos de Héracles e, se- Curetes e pelos Léleges. Depois de outras vi-
gundo certos mitógrafos, fora ele quem incen- cissitudes, uma parte destes «Pelasgos» emi-
diara ~ pira fúnebre do herói, tarefa que todos grou para a Itália.
os amigos presentes recusaram. Em recom- PELEU. (nT}Àtúç.) Peleu, rei de Ftia, na Tes-
pensa, o próprio Héracles lhe legara as suas fle- sália, é célebre principalmente por ter sido o
chas e o seu arco (embora a tradição apresente pai de Aquiles. É filho de Éaco e de Endeis,

Pégaso: HES., Theag., 276 e 5.; 325; P'ND., Pelasgo: 1) ApOLLOD., Bib/., lI, I, I; III, 8, I;
O/ymp., XIII, 60 e 5.; Isth., VI, 44; ApOllOD., Bib/., STRAB., V, 221; D'ON. HAL., I, 11 e 5.; escól, ad
11,3,2; IV, 2 e s., STRAB., VIII, 6, 21, p. 379; PAU· EUR., Or., 1642; PAUSAN., VIII, I, 4. 2) Escól. a
SAN., 11,3,5; 4, I; 31, 9; IX, 31, 3; escól. a 1/., VI, EUR., or., 920; HYG., Fab., 145; PAUSAN., I, 14,2;
155; EUR., Ion, 988 e 5.; Ov., Met., IV, 784 e 5.; V, 11,24, I; STRAB., 370.3) D'ON. HAL., I, 17; escól. ad
256 e 5.; ANT. L1B., Transf., 9; TZETZ., ad. Lyc., 835 Asoi.. RH., Arg., I, 580.
e 5.; HYG., Fab., 151; ARAT., Phaen., 205 e 5.; HYG.,
As/r. Poe/., Il, 18; D'ON. PER., 869 e 5.; AV'EN., Peleu: ApOlLOD., Bibl., I1I, 12,6 e 5.; 13, I e 5.;
1033; Cf. Juv., Sat., I1I, 118. li., XVIII, 83 e 5.; 432 e 5.; P'ND., Pyth., I1I, 167;
Peias: Od., III, 190; ApOlLOD., Bibl., I, 9, 16; 26; VIII, 140 e 5.; Nem., IV, 88 e 5.; V, 46 e 5.; escól,
Il, 7, 7; STEPH., Bvz., s. u. 8cxullcxx(cx; EUST., ad a Nem., IV, 88; V, 25; EUR., Iph. Aul., 701 e 5.;
Hom., 323, 43; HYG., Fab., 14; FlAC., I, 391 e 5.; 1036 e 5.; Andr., 1128 e 5.; escol. a Tr., 1128; trago
TZETZ., a Lyc., 50. perdida Pe/eu; escól, a AR'STOPH., Nu., 1063; Aroi..
361 PELEU

filha de Círon. É irmão de Télamon e meio- tanha, Acasto partiu sem de, deixando-o só na-
-irmão de Foco, filho de Éaco e da Nereide quelas paragens, depois de lhe esconder a es-
Psãmate (v. quadro 3I, p. 352). Os mitógra- pada, enterrando-a num monturo. Quando ele
fos salientaram contudo, desde a Antiguidade, acordou desarmado, viu-se rodeado de Centau-
que Télamon não era unanimemente conside- ros, que o teriam matado, se um deles, Quí-
rado irmão de Peleu, sendo geralmente apre- ron, o «bom Centaurox.inão lhe tivesse resti-
-sentado com seu amigo, filho de Acteu e de tuído a arma, retirando-a do seu esconderijo.
Glauce (v. Télamon). Segundo outra versão, esta espada ter-lhe-ia
Télamon e Peleu, invejando a destreza de sido enviada por Hefesto, no momento crítico.
Foco na execução de todo o tipo de exercícios Mais tarde, Peleu vingou-se cruelmente de
físicos, decidiram matá-Io. Sortearam entre si Acasto e de Astidameia. Com a ajuda de Ja-
a tarefa, tendo o destino confiado o assassí- são e dos Dioscuros, tomou a cidade de IoIco,
nio a Télamon, que matou Foco, lançando o matou Acasto e despedaçou o corpo de Asti-
disco de modo a atingi-Io na cabeça. Certas va- dameia, espalhando os pedaços por toda a ci-
riantes consideram acidental a morte de Foco; dade, quando nela entrou.
outras apresentam Peleu como o principal res- Algum tempo depois, Peleu desposou Tétis,
ponsável pela ocorrência. Fosse como fosse, a filha de Nereu. A origem desta união é a se-
verdade é que Eaco descobriu o crime, expul- guinte: Zeus e Posídon disputavam a mão de
sando os dois filhos para bem longe de Egina. Tétis, mas Témis (ou Prometeu) predisse que
Enquanto Télamon se encaminhou para Sala- o filho de Tétis seria, graças aos Destinos, mais
mina, Peleu dirigiu-se para a corte de Eurícion, poderoso do que o seu pai. Logo os dois deu-
filho de Actor, em Ftia, na Tessália, onde o ses abdicaram dos seus intentos, decidindo
rei o purificou do seu crime, dando-lhe ainda casá-Ia com um mortal, para o qual o cumpri-
a mão de sua filha Antígona e um terço do seu mento da profecia não representaria inconve-
reino. De Antígona, teve Peleu uma filha, Po- niente algum. Existem versões ligeiramente di-
lidora, desposada por Boro, filho de Perieres. ferentes, segundo as quais teria sido Prometeu
Contudo, mesmo em Ftia, Peleu era perse- quem teria anunciado a Zeus que, se Tétis lhe
guido pela ira de Psâmate, mãe de Foco. Esta desse um filho, este destroná-I o-ia, tornando-
enviou-lhe um lobo, que lhe devastava os re- -se senhor dos céus. Conta-se também que Tétis
banhos, e só a pedido de Tétis consentiu em recusara unir-se a Zeus, por consideração para
transformar, espontaneamente, o animal numa com Hera, que a criara (v. Hera). Encolerizado
estátua de pedra. e desejoso de a punir, Zeus terá então decidido
Peleu participou com Eurícion na caçada ao casá-Ia com um mortal, quer ela consentisse
javali de Cálidon, matando acidentamente o quer não. Os deuses resolveram dar-lhe Peleu
sogro, facto que o condenou de novo ao exí- por esposo, mas ela recusou-se a acatar tal or-
lio. Refugiou-se, desta vez, em IoIco, na corte dem. Como deusa marinha, possuía o dom de
de Acasto, filho de Pélias, que o purificou. Vi- tomar todas as formas que desejasse. Servindo-
veu aí uma aventura que por pouco lhe não -se de tal faculdade, metamorfoseou-se suces-
custou a vida. Astidameia, mulher de Acasto, sivamente, a fim de escapar aos abraços de Pe-
apaixonou-se por ele, pedindo-lhe que compa- leu, transformando-se em fogo, em água, em
recesse a um encontro. Peleu recusou-se a sa- vento, em árvore, em pássaro, em tigre, em
tisfazer tal desejo. Então, para se vingar, a rai- leão, em serpente e finalmente em siba (mo-
nha enviou a Antígona, mulher de Peleu, uma lusco). Peleu, seguindo os conselhos do Cen-
mensagem, informando-a de que este estava tauro Quíron, agarrou-a com toda a sua força
prestes a desposar Estérope, filha de Acasto. até que, por fim, ela retomou a sua figura de
Supondo ser verdade o que mais não era do deusa e de mulher. A cerimónia nupcial decor-
que uma mentira, Antígona enforcou-se, de- reu no monte Pélion. Os deuses vieram assis-
sesperada. Em seguida, Astidameia declarou tir; as Musas cantaram o epitalâmio, e cada
a Acasto que Peleu a quisera violentar. Não uma das divindades trouxe um presente para
ousando matar o hóspede, que havia purifi- os recém-casados. Entre as ofertas mais céle-
cado de um crime e ao qual estava, por conse- bres, figuram uma lança de freixo, dada por
guinte, ligado por laços religiosos, Acasto le- Quíron, e dois cavalos imortais, Bálio e Xanto,
vou Peleu ao monte Pélion para caçar com ele. presente de Posídon. Estes cavalos puxariam
Durante a caçada, Peleu limitou-se a cortar a mais tarde o carro de Aquiles.
língua dos animais que ia matando, enquanto O casamento não foi feliz. Tétis deu, de
todos os outros iam recolhendo as presas que facto, filhos a Peleu, mas matava-os sucessi-
abatiam. No final da expedição, riram-se dele, vamente, tentando torná-Ios imortais (v. Aqui-
supondo que não acertara em nenhum animal, les). Quando, para salvar Aquiles, o filho mais
enquanto todos os outros se tinham esmerado, novo, Peleu o arrancou das mãos da mãe, no
abatendo toda a caça com que regressavam à momento em que esta o mergulhava nas cha-
cidade. Então, Peleu mostrou-Ihes as línguas mas, Tétis fugiu, recusando-se a viver dora-
dos animais que matara, provando assim a sua vante com o marido (v. Aquiles).
destreza e valentia. Mas, ao cair da noite, Na velhice, enquanto Aquiles se encontrava
quando o herói, fatigado, adormeceu na mon- em Tróia, Peleu foi atacado pelos filhos de

RH., Arg., I, 90 e S.; escól, a I, 224; 528; 0100. SIC., Lyc., 175; 901;'ANT. Lis., Transj., 38; CATUL., 64,
IV, 27; 72; PAUSAN., 11, 29, 9; V, 18,5; HVG., Fab., passim; OICT. CR., Hell. Tr., VI, 7 e S.; Cf. R. K.
14; Ov., Met., VII, 476 e S.; XI, 235 e S.; TZETZ., ad OAVIS, Peleus and Thetis, Oxford, 1924.
PÉLIAS 362

Acasto, Arcandro e Arquíteles, quando a lias entretanto ficou na Tessália, em Iolco,


Guerra de Tróia estava já no fim. Expulso de onde desposou Anaxíbia, filha de Bias (ou, se-
Ftia, refugiou-se na ilha de Cós, onde encon- gundo outros, Filómaca, filha de Anfíon). Teve
trou o seu neto, Neoptólemo. Aí, foi recolhido dela um filho, Acasto, e quatro filhas: Pisídice,
por um descendente de Abas, chamado Mó- Pelopeia, Hipótoe e Alceste.
lon, morrendo pouco depois. Uma outra ver- Um dia, Pélias decidiu oferecer, junto ao
são, transmitida pela Andrómaca de Eurípides, mar, um sacrifício a Posídon, convidando para
dizia que Peleu tinha sobrevivido a Neoptó- a cerimónia grande número de súbditos, entre
lemo, intercedendo a favor de Andrómaca con- os quais o seu sobrinho Jasão. Este vivia no
tra a vontade de Hermíone (v. Molossoi. Com campo e, ao saber da proclamação do rei,
esta tradição se relaciona provavelmente o epi- apressou-se a comparecer à festa, perdendo, na
sódio, apresentado por Díctis de Creta, em que travessia de uma ribeira, uma das sandálias -
Neoptólemo liberta Peleu, prisioneiro dos fi- chegou por. isso ao local da celebração com um
lhos de Acasto, devolvendo-lhe o reino, pouco pé descalço. Ora, algum tempo antes, o rei Pé-
antes de ele próprio ter sido morto por Ores- lias tinha consultado o oráculo de Delfos, que
tes, em Delfos. lhe respondera que deveria desconfiar de um
Peleu desempenha ainda um papel, embora homem que viesse à sua presença apenas com
secundário, em ciclos lendários como as aven- um pé descalço. Quando Pélias viu Jasão as-
turas dos Argonautas, a caçada de Cálidon (v. sim apresentado, lembrou-se do oráculo e,
supra), a expedição de Héracles contra Tróia acercando-se dele, perguntou-lhe o que faria,
(em que acompanha o irmão, Télamon) e a se fosse rei, a um homem que soubesse estar
guerra contra as Amazonas, relacionada com destinado a destroná-Io. Jasão respondeu que
a aventura precedente. Figura ainda entre os o mandaria partir à conquista do «velo de
concorrentes aos jogos fúnebres celebrados em ouro». Talvez esta resposta lhe tenha sido di-
honra de Pélias, tendo sido vencido, na prova tada por Hera, que pretendia assim conduzir
da luta, por Atalanta (v. Ata/anta). até Iolco a feiticeira Medeia, tornando desse
modo possível a morte de Pélias. Fosse como
PÉLlAS. (ntÀLclÇ.) Pélias é irmão gémeo de fosse, Pélias desafiou Jasão e mandou-o con-
Neleu e filho de Tiro e de Posídon (ou do deus- quistar o velo de ouro (v. Argonautas e Jasão).
-rio Enipeu, cuja figura Posídon teria adop- Pensando ter-se definitivamente visto livre
tado) (v. Tiro). O seu pai «humano» é Creteu. do sobrinho, e julgando por conseguinte ter as-
Tem por meios-irmãos Éson, pai de Jasão, Fe- segurado para si o poder, Pélias decidiu ma-
res e Amitáon (v. quadro 23, p. 258). Tiro tar o seu meio-irmão Éson. Este suplicou-lhe
manteve em segredo o nascimento dos dois fi- que o deixasse escolher a forma de morrer, e
lhos que tivera do deus, e expô-Ios. Uma ré- envenenou-se bebendo sangue de touro. Alcí-
cua de cavalos conduzida por mercadores pas- mede, mãe de Jasão, amaldiçoou Pélias,
sou por aquelas paragens e um dos animais enforcando-se, desesperada. Deixou um filho
atingiu com um coice uma das duas crianças, de tenra idade, Prómaco, que Pélias não hesi-
deixando-lhe no rosto uma marca lívida (em tou em eliminar também. Entretanto, quatro
grego, «pélion»), Os mercadores reêolheram meses decorridos após a partida, Jasão re-
os gémeos, dando àquele que fora atingido pelo gressa. Embora tenha desde logo sentido o de-
casco o nome de Pélias; ao outro, chamaram sejo de vingar a morte dos pais e do irmão, dis-
Neleu (v. Ne/eu). simulou os seus intentos, dirigindo-se a
Segundo outras versões da lenda, os dois Corinto, onde deliberou com Medeia acerca da
recém-nascidos foram alimentados por uma punição a infligir a Pélias.
égua (o cavalo é o animal sagrado de Posí- E então que Medeia se dirige sozinha à corte
don). É esta a tradição seguida por Sófocles, de Iolco, conseguindo persuadir as filhas de Pé-
numa tragédia perdida intitulada Tiro. Os dois lias de que era capaz de Ihes rejuvenescer o pai,
gémeos teriam sido recolhidos por um pastor que começava a sentir os efeitos da velhice.
e, mais tarde, reconhecidos por Tiro, graças Para comprovar as suas artes de feiticeira, ela
ao cofre de madeira onde haviam sido aban- cortou em bocados um carneiro velho e
donados. Libertaram então Tiro das mãos de colocou-os num caldeirão com água a ferver,
Sidero, sua madrasta, que a maltratava (v. adicionando umas ervas mágicas. Ao fim de
Tiro). Como Sidero se refugiou no altar de algum tempo, saiu do recipiente um cordeiro
Hera, Pélias perseguiu-a até ao recinto sa- de tenra idade. Sem hesitar, as filhas de Pé-
grado, onde a matou, menosprezando assim a lias cortaram em bocados o corpo do pai e pu-
divindade da deusa, que doravante ele não dei- seram a cozer as diversas partes, seguindo as
xaria de tratar com impiedade, o que lhe gran- indicações de Medeia. Mas Pélias não ressus-
jeou, no fim da sua longa vida, a perdição (v. citou. Horrorizadas com o seu crime, as filhas
infra). condenaram-se voluntariamente ao degredo.
Pélias e Neleu disputaram entre si o poder Refugiaram-se na Arcádia, havendo ainda no
e Neleu foi expulso pelo irmão. Retirou-se en- tempo de Pausãnias quem situasse o seu tú-
tão para a Messénia, para Pilo (v. Ne/eu). Pé- mulo junto do templo de Posídon, em Manti-

Pé6as: Od., XI, 235 e 5.; APOLLOO., Bibl., I, 9, 8 e p. 1681; AEL., V. H., XII, 42; Aarsr., Poet., XVI, 1454
5.;27; Ill, 9, 2; HES., Theog., 993 e 5.; 0100. SIC., IV, b 25 (cit. da trago Tiro, obra perdida de Sófocles);
50 e 5.; HYG., Fab., 12; 13; 24; 273; PAUSAN., li, 3,9; TZETZ., ad Lyc., 175; PINO., Pyth., IV, 129 e 5.; escól,
IV, 2, 5; V, 8, 2; 17, 9 e 5.; VIlI, li, I e 5.; X, 30, 8; ad loe; APOL. RH., A IX., I, 5 e 5.; e escól. ad loe; SERV.,
WESTERMANN, Myth., p. 385; MEN., Epitrepontes, 108 ad VIRG., Ecl., IV, 34; Ov., Met., VII, 297 e 5.; PA·
e 5.; escól. a 11., X, 334; EUST., ad Hom., XI, 253, LEPH., Incred., 41; EUR., Med., 502 e 5.
363 PÉLOPS

neia. Segundo outra versão, elas ter-se-iam ca- deus-rio asiático - o Pactolo ou o Xanto (o
sado, não sendo consideradas culpadas do rio da Tróade). Filho de Tântalo, é oriundo da
parricídio, por mais não terem sido do que os Ásia Menor, emigrando para a Europa, após
instrumentos de Medeia. a guerra movida por Ilo contra Tântalo. Che-
Alceste foi, segundo os autores que aludem gou à Grécia, trazendo consigo tesouros e im-
ao episódio, a única das princesas que recusou plantando na região, até aí pobre, um pouco
participar na operação mágica para rejuvenes- do luxo oriental. Na sua deslocação, foi, se-
cer Pélias. A sua piedade filial impediu-a de gundo se diz, acompanhado por emigrantes fri-
agir como as irmãs (v. A/ceste). gios, cujos túmulos eram, na época histórica,
Acasto, filho de Pélias, recolheu os restos ainda situados na Lacónia.
mortais do pai e celebrou em sua honra ceri- Contava-se que, na sua juventude, Pélops
mónias fúnebres solenes, no decurso das quais havia sido vítima de um crime perpetrado pelo
se realizaram jogos que ficaram famosos. Hi- pai, Tântalo; este teria matado o filho, tê-Io-
gino conservou a lista dos vencedores, entre os -ia cortado em pedaços, e preparado com a sua
quais figuram: Cálais e Zetes, os Boréadas; carne um guisado. Este prato foi servido aos
Castor e Pólux, os Dioscuros; Télamon e Pe- deuses. Alguns mitógrafos afirmam que Tân-
leu, os filhos de Éaco; Héracles; Meleagro, que talo agiu deste modo por piedade, por respeito
triunfou na prova do dardo; Cicno, o filho de pelos deuses, numa altura em que a fome gras-
Ares; Belerofonte, que venceu a corrida de ca- sava no seu reino e não havia nenhuma outra
valos; na quadriga, Iolau, filho de Ificles, ven- vítima para oferecer às divindades. Mas
ceu Glauco, filho de Sísifo; Êurito, filho de admite-se mais geralmente que ele quis pôr à
Hermes, triunfou na prova de tiro ao arco; Cé- prova a clarividência divina. Todos os deuses
falo, filho de Déion, foi o vencedor da prova reconheceram a carne que Ihes era servida e ne-
da funda; Olimpo, o discípulo de Mársias, foi nhum deles a comeu, salvo Deméter que, es-
o mais hábil tocador de flauta e Orfeu o me- fomeada, devorou ainda um ombro, antes de
lhor na lira; Lino, filho de Apoio, venceu a se aperceber do que se passava. Segundo ou-
prova de canto; Eumolpo, filho de Posídon, tras variantes, terá sido Ares, ou ainda Tétis,
recebeu a máxima distinção no canto acompa- quem cometeu tal acto. Mas os deuses recons-
nhado (Olimpo foi o seu acompanhante). Há tituíram o corpo de Pélops, devolvendo-lhe a
ainda quem acrescente Atalanta, que teria ob- vida, e, no lugar do ombro que havia sido co-
tido o prémio da luta contra Peleu. mido, colocaram um feito de marfim - relí-
Em virtude do crime que lhe causou a morte quia que mais tarde seria exibida em Élis.
do pai, Acasto expulsou do reino de lolco Me- Após a ressurreição, Pélops foi amado por Po-
deia e Jasão (v. Medeia e Jasão). . sídon, que o levou para os céus, onde se tornou
escanção dos deuses. Seria, contudo, pouco de-
PÉLIO. V. Pé/ias. pois, devolvido à terra, em virtude de o seu pai
se servir dele para roubar néctar e ambrósia aos
PÉLOPE. V. Pé/ops. imortais, a fim de dar aos homens tais substân-
PELOPEIA. (nEÀÓ1tEIOt.) 1. Pelopeia é o cias. Posídon ficou, porém, como seu protec-
nome da mãe de Egisto, que o concebeu invo- tor, dando-lhe de presente dois cavalos alados.
Ajudou-o ainda na sua luta contra Enómao pela
luntariamente de uma união incestuosa com o
posse de Hipodamia. Acerca desta parte da lenda,
seu próprio pai, Tiestes. Ela vivia em Sícion,
na corte do rei Tesproto. Grávida de Egisto, v. Enómao, Hipodamia e Mirtilo.
Do casamento com Hipodamia teve Pélops
foi desposada por Atreu. Foi por seu intermé-
um grande número de filhos a respeito de eu-
dio que se cumpriu a vingança de Tiestes (v.
Egisto, Atreu e Tiestes, e quadro 2, p. 12). jos nomes as diversas fontes não são unânimes.
Atreu, Tiestes e Plístenes são mencionados por
2. Pelopeia é também o nome de uma das
todos os autores; acrescentam-se por vezes os
filhas de Pélias e Anaxíbia (v. quadro 23,
nomes de Crisipo, que é também apresentado
p. 258). Teria tido do deus Ares um filho cha-
como filho de Pélops e de uma ninfa chamada
mado Cicno.
Axíoque (v. Crisipo), e Piteu. Entre as filhas,
PÉLOPS. (niÀo~.) (V. quadro 2, p. 12.) Pé- figuram Astidameia, por vezes identificada
lops é filho de Tântalo. Sua mãe (chamada CIí- como mãe de Anfitrião, Hipótoe, mãe de Tá-
cie, Eurianassa, Euristanassa, Euristemiste, fio, o herói epónimo da ilha de Tafo, filho do
etc.) é geralmente considerada filha de um deus Posídon.

Pelopeia: I) HVG., Fab., 88; 253; Ov., lbis, 359; 11 e S.; IX, 40, 11; X, 18,2: THUC., 1,9; ATHEN.,
escól. a EUR., Or., 14; AEL., V. H., XI!, 42. XIV, 625 e STEPH. Bvz., s.u. rr'À01tÓYY1JOO,; Lvc.,
2) Arou.oo., Bibl., I, 9, 10; HVG., Fab., 24. Alex., 152 e S.; TZETZ., ad loe; Posth., 571-579;
Chil., VI, 508-515; SERVo ad VIRG., Georg., Il l, 7;
SEXTo EMP., adu, Mathem., I, 12; PUN., N. H.,
Pélops: li., 11, 104 e S.; escól. a I, 38; Cypr., fr. xxvm, 34: ApOllOD., Bibl., 11, 4, 5 e S.; DION.
9,4; PIND., Olymp., 1,40 e S.; escól. ad loe.; EUR., HAL., V, 17. Cf. H.W. PAR'E, «The bones of Pe-
Iph. T., 387 e S.; escól. ao v. I; a Or., 11; HVG., lops ... », Hermathena, 1931, p. 153-162; O. BOR-
Fab., 82; 83; Nll'. DAM., fr. 17; 0100. Sic., IV, 74; GERS, «La légende de Pélops- ... (v. Rev. Bel. Phil.,
WESTERMANN,Myth., p. 580; PAUSAN., 1,41,5; 11, 1936, p. 769): A. Lssxv, «Die griech. Pelopidendra-
5,7; 6, 5; 14,4; 15, I; 18,2; 22, 3; 26, 2; 30, 8; 33, men und Seneca's Thyestes», W. S., XLIII, pp. 172-
I; V, 1,6es.;8,2; 1O,6es.; 13, I es.; 14, 10; 16, -198. R. VAllOIS, «Les Origines des Jeux Olyrnpi-
4; 17,7; 24, 7; 25,10; 27, I; VI, 19,6; 20, 7; 20,17 ques», 11, R. E. A., XXXI (1929), pp. 113-133. V.
es.:21,6;21,9;21, 11;22, 1:22,8;VIII, 14,2: 14, também art. Hipodamia l.
PEMANDRO 364

o nome de Pélops está relacionado com a Contava-se uma lenda a respeito de Pena,
fundação dos Jogos Olímpicos. Terá sido ele que a apresentava como um monstro enviado
o primeiro a ínstituí-los; depois, tais jogos te- por Apoio para vingar a morte de Psâmate (v.
riam caído em desuso, sendo mais tarde reno- Crotopo e Corebo).
vados por Héracles, em memória e honra de
Pélops. Estes jogos eram também, por vezes, * PENATES. (Penates.) Os deuses Penates
considerados como jogos fúnebres dedicados são divindades romanas que protegem o lará-
à memória de Enómao. rio da casa. São por isso frequentemente as-
Por ocasião da Guerra de Tróia, o adivinho sociados a Vesta, embora sempre tenham per-
Heleno revelou, entre outras condições, que a manecido distintos dos Lares. Enquanto estes
cidade não poderia ser tomada se os ossos de eram representados por estátuas de culto, os
Pélops (ou um dos seus ombros) não fossem Penates foram, durante muito tempo, consi-
trazidos para Tróia. Foi esta a razão pela qual derados «forças» invisíveis, simples abstrac-
os ossos do herói foram levados para a Tróada. ções. Tal como cada casa tinha os seus pena-
Durante a viagem de regresso, desapareceram tes, também o Estado romano possuía os seus,
num naufrágio, mas um pescador encon- trazidos por Eneias para a Itália. Estes Pena-
trou-os. tes, representados escultoricamente sob a figura
Acerca de um outro Pélops, filho de Aga- de dois jovens sentados, tinham em Roma um
mémnon e de Cassandra, v. Cassandra. templo, na zona de Vélia. Não existe, propria-
mente dito, um mito relacionado com estas di-
PEMANDRO. (nO(fLIXVOPOÇ.) Pemandro é vindades.
um herói beócio, filho de Queresilau e de Es- PENELEU. (nT}vÉÀtwç.) Peneleu, herói beó-
tratonice. Era casado com Tânagra, que, se- cio, figura entre os pretendentes de Helena.
gundo a lenda, era filha de Éolo ou do deus- É filho de Hipálcimo ou Hipalmo. É por ve-
-rio Asopo. Foi o fundador da cidade de zes incluído na lista dos Argonautas, mas a sua
Pemândria, que tomou mais tarde o nome de -celebridade deve-se particularmente à I1íada,
Tânagra. Contava-se que os habitantes desta onde figura como comandante de um contin-
cidade se tinham recusado a participar na gente beócio com doze naus. Mata IIioneu e
Guerra de Tróia, tendo por isso sido atacados Lícon, sendo ferido por Polidamante. A sua
por Aquiles, que raptou Estratonice, mãe de morte não é mencionada na I1íada. Poemas
Pemandro, matando ainda o único neto do so- posteriores contavam que morrera às mãos de
berano. Este conseguiu escapar ileso, fortifi- Eurípilo, filho de Télefo (v. também Tisã-
cando a cidade de Pemândria, até então des- meno). Chorado pelos Gregos, recebeu hon-
. provida de muralhas. Durante os trabalhos, o ras fúnebres e um túmulo particular, quando
pedreiro Polícrito insultou o rei. Este arremes- a maior parte dos heróis mortos em combate
sou uma pedra contra o ofensor, mas falhou não tinha senão uma sepultura comum.
o alvo, matando o seu próprio filho - Leu- Uma tradição dificilmente conciliável com
cipo. Em consequêncía de tal crime, Peman- a precedente (v. Eurípilo) apresenta Peneleu
dro viu-se obrigado a deixar a Beócia. Porém, como um dos chefes que participaram na to-
como a região estava cercada pelos inimigos, mada de Tróia estrategicamente escondidos no
teve de requerer um salvo-conduto. Aquiles sa- cavalo de madeira.
tisfez o pedido do rei vencido e enviou Peman-
dro a Elefenor que vivia em Cálcis e que puri- PENÉLOPE. (nT}VtÀÓ1tT}.) Penélope é a es-
ficou o assassino. Em sinal de reconhecimento, posa de Ulisses, cuja fidelidade conjugal lhe
Pemandro erigiu a Aquiles um santuário à en- granjeou a fama e a tornou universalmente
trada da cidade. célebre na lenda e na literatura antigas. Du-
rante os vinte anos em que o marido esteve
ausente em virtude da Guerra de Tróia, ela
PENA. (nOLV~.) Pena (lat. Poena) é a per- conservou-se fiel aos votos matrimoniais,
sonificação da vingança ou do castigo. É por sendo, de entre as mulheres dos heróis que
vezes identificada com as Erínias, suas com- participaram em tal guerra, praticamente a
panheiras. Na mitologia romana tardia, Poena única que não sucumbiu aos «dernónios da
é a mãe das Fúrias (as Erínias) e figura entre ausência». A sua lenda é narrada sobretudo
as divindades infernais. Mas trata-se de uma na Odisseia, embora haja algumas tradições
concepção poética, alegórica, alheia à mitolo- locais ou posteriores notoriamente divergen-
gia propriamente dita. tes da vulgata homérica,

Pemandro: PLUT., Qu. Gr., 37; Eusr., ad Hom., LoO., Bibl., 1,9, 16; m, 10, 8; PAUSAN., IX, 5, 15 e 5.;
266,20; e escól. ad 11., lI, 498. QUINT. SM., VII, 104 e 5.; OICT. CR., Bell. 71:, IV, 17;
Pena: AEseH., Ch., 929 e 5.; cf. STRAB., m, 5,11; TZETZ., Posth., 648; PWT., Qu. Gr., 37.
Luc., Men., 9; 11; Crc., in Pis., 37; 91; VAL. FLAe.,
Arg., I, 796; HOR., O., m, 2, 31 e 5.; PAUSAN., I, Penélope: Od., passim; ApOLLOD., Bibl., 111, 10,
43,7. 6; 8; Ep., nr, 7; VII, 26 e S.; PAUSAN., 111, 1,4; 12,
Penates: PLAUK, Merc., 834 e 5.; Cic., de na/o D., I e 5.; 20, 10 e 5; VIII, 12, 5 e S.; SERV., ad V/RO.,
lI, 68; F,RM. MAT:, De erropr. rel., 14, I; SERV., ad Aen., 11, 44; TZETZ., ad Lyc., 772; 792; escól. a
V/RO., Aen., m, 12; 11, 325; XI, 211; SOLlN., 1,22; PINO., Olymp., IX, 85; Eus r., ad Od., I, 344,
OION. HAL., I, 68. p, 1472,7 e S.; escól. a EUR., Or., 457; PHERECYD.,
in escól, a Od., XV, 16; OV., Her., I; PI.UT., Qu.
Peneleu: 11.,Il, 494; XIV, 487 e 5.; XVI, 335 e S.; Gr., 48; ARIST., Poet., 25; M. M. MACTOUX, Péné-
XVII, 597 e 5.; 0100. Sle.,v, 67; HVG., Fab., 97; APOL- lope, légende e/ mythe, Paris, 1975.
365 PENEU

Pénelope é filha de Icário e, por conse- perança de a verem ceder ao seu assédio. Por
guinte, sobrinha de Tíndaro, de Leucipo e de ver que de nada serviam as constantes e vee-
Afareu (v. quadro 21, p. 242); a sua mãe é mentes censuras que dirigia aos pretendentes,
Peribeia, uma Náiade. Por parte do pai, Pe- Penélope arquitectou um plano astucioso:
nélope é natural de Esparta ou de. Amiclas. disse-Ihes que escolheria um deles para marido
Mas Icário, depois de ter sido expulso pelo assim que acabasse de tecer a mortalha de Laer-
seu meio-irmão Hipocoonte, refugiou-se na teso Esse dia demoraria a chegar, porquanto
Etólia, junto do rei Téstio. Aí desposou Peri- ela desmanchava de noite o trabalho executado
beia, da qual teve vários filhos, entre os durante o dia. Ao fim de três anos, contudo,
quais Penélope (v. Icário). uma escrava pôs a descoberto o seu segredo,
Acerca das circunstâncias do casamento de invalidando assim o plano urdido por Penélope
Ulisses com Penélope, duas versões principais para ganhar tempo.
foram divulgadas pelos mitógrafos: segundo Ao regressar, Ulisses prefere que a esposa
uns, foi por intermédio de Tíndaro (que dese- ignore a sua presença, não se dando a conhe-
jaria retribuir de algum modo a Ulisses um cer. Durante a luta contra os pretendentes (v.
bom conselho que este lhe dera) que Icário con- U/isses), ela dorme profundamente nos seus
sentiu em dar a mão de sua filha ao herói; se- aposentos. Só depois Ulisses se identifica, pro-
gundo outros, Penélope terá sido o prémio de ferindo o seu nome. Penélope hesita, mas re-
uma corrida em que Ulisses obteve o primeiro conhece finalmente o marido. A deusa Atena
lugar (v./cário, ibid.). Uma tradição obscura, tem então o cuidado de prolongar a noite, a
atestada apenas por uma alusão de Aristóte- fim de que cada um dos esposos tenha tempo
les, explica que o pai de Penélope não era Icá- de contar ao outro as suas aventuras.
rio, mas um homem natural de Corfu, cha- A tradição conservou ainda um episódio
mado Icádio, que teria sido confundido com alheio à Odisseia: Para vingar a morte de Pa-
Icário. Trata-se, neste caso, de uma tradição lamedes, Náuplio teria espalhado o boato da
local, contrariada pelo facto de Ulisses ter em morte de Ulisses em Tróia - tal notícia terá
Esparta um santuário, que lhe foi erigido em levado Anticleia ao suicídio; Penélope ter-se-
memória das origens espartanas de sua esposa -ia lançado ao mar, sendo salva por umas aves
(sabe-se que Esparta era, na época clássica, (gaivotas?) que a teriam amparado e trazido
considerada a terra natal por excelência das sã e salva para a margem.
mulheres virtuosas). Contava-se também que, Ao mesmo ciclo pós-homérico pertencem as
apesar de o pai a ter instado a ficar consigo em tradições relativas aos amores adúlteros de Pe-
Esparta, em vez de partir para Ítaca com o ma- nélope e às suas aventuras após o regresso de
rido, Penélope deu a primazia a este último, Ulisses. Entre as histórias dos amores ilícitos
dando pela primeira vez testemunho do seu da heroína, figura nomeadamente a lenda se-
amor conjugal (v. /cário). gundo a qual ela teria ido cedendo sucessiva-
Quanto à identidade da mãe da heroína, em- mente aos cento e vinte e nove pretendentes e
bora a tradição mais generalizada lhe atribua teria concebido o deus Pã, como fruto de tais
o nome de Peribeia, outras versões mencionam amores (v. Pã)o Conta-se ainda que Ulisses, ao
os nomes de Doródoque ou Asterodeia. regressar, se apercebera da infidelidade de Pe-
A mesma disparidade se verifica em relação aos nélope e tê-Ia-ia repudiado. Ela fora então para
nomes e ao número dos irmãos e irmâs de Pe- Esparta, donde partira depois rumo a Manti-
nélope (v. por exemplo Leucádio). neia, onde viria a morrer e a ser sepultada. Se-
Sabe-se que, quando Menelau visitou as di- gundo outra versão, Ulisses ter-lhe-ia roubado
ferentes cidades da Grécia a fim de relembrar a vida, para assim a punir pelos seus amores
aos antigos pretendentes de Helena o jura- ilícitos com Anfínomo, um dos pretendentes
mento que os obrigava a vingá-lo, Ulisses ten- Entre os episódios posteriores ao regresso de
tou passar por louco. O motivo pelo qual he- Ulisses, contava-se ainda que o herói tinha tido
sitava em participar na guerra contra Tróia não um segundo filho de Penélope - Ptoliporto.
era a falta de valentia mas o amor que nutria Partira, em seguida, para a região dos Tespro-
pela esposa, que acabara de dar à luz um fi- tos. Ao voltar para Itaca, teria sido morto pelo
lho - Telémaco. Não obstante, o herói foi for- seu próprio filho, Telégono, que não o reco-
çado a partir, graças à astúcia de Palamedes nheceu (v. Telégono e U/isses). Então, Telé-
(v. U/isses e Palamedes). Confiou então a casa gono levou Penélope para junto de Circe, sua
e a esposa ao seu velho amigo Mentor (v. Men- mãe, e aí veio a desposar aquela que tinha sido
lor). Só Penélope era senhora de todos os bens a primeira mulher do seu pai. Circe levou-os
de Ulisses: já idosa, Anticleia, mãe do herói, a ambos para o reino dos Bem-Aventurados.
morreu pouco depois de saber que o filho par-
tira para longe; quanto a Laertes, vivia no PENEU. (llTjvuóç.) O Peneu, deus-rio da
campo. Não tardou muito que Penélope fosse Tessália, é considerado filho de Oceano e de
considerada um bom partido e requestada por Tétis, descendente da raça tessálica dos Lápi-
todos os jovens das redondezas. Todos os pre- tas. Desposou Creúsa (ou Fílira) da qual teve
tendentes a quem ela recusava a sua mão se iam três filhos: Estilbeu, Hipseu e Andreu (v. qua-
instalando no palácio de Ulisses, vivendo con- dro 25, p. 268). Diz-se ainda que era o pai de
tinuamente em clima de festa, delapidando aos Ífis (que de Zeus concebeu Salmoneu) e de Me-
poucos a fortuna de Penélope, na continua es- nipe, mulher de Pelasgo. Mais célebres são

Peneu: HES., Theog., 337 e S.; Dion. SI('" IV, 69; IX, 34, 6; DION. HAL., I, 28; escól. a PLAT., Smp.,
HY<;., Fab .• 161; VIR';., Georg., IV, 355; PAlISAN. 208.
PÉNIA 366

duas outras filhas (que lhe são pelo menos atri- pela Trácia, Dioniso chega a Tebas, onde
buídas por tradições tardias): Dafne e Cirene, põe as mulheres em estado de delírio. Vesti-
mãe de Aristeu (v. Dafne, Cirene e Aristeu). das de Bacantes, elas sobem até aos montes
para aí celebrarem os mistérios báquicos.
PÉNIA. (ntv(IX.) Pénia, a personificação Mas Penteu, apesar das advertências de
da Pobreza, não figura senão num mito, a Cadmo e de Tirésias, decide opor-se à pro-
que Sócrates alude, segundo as palavras de pagação deste culto violento. Acusa Dioniso
Diotíma, a sacerdotisa de Mantineia, no de charlatão e de impostor. Apesar de ser
Banquete, de Platão. Após um festim, cele- testemunha de vários milagres, tenta agri-
brado no seio dos deuses, Pénia ter-se-ia lhoar o deus, mas este liberta-se das amarras
unido a Poro (v. Poro), concebendo Eros, o que o prendem e faz arder o palácio real.
Amor (v. Eros). Dioniso sugere então a Penteu que se dirija
ao monte Citéron (em Tebas) a fim de ver
PENTESILEIA. (ntV6ta(ÀtLIX.) Pentesileia é com os seus próprios olhos as mulheres em
uma amazona, filha de Ares e de Otrera. Sabe- delírio, podendo assim espiar e ser testemu-
-se que teve um filho chamado Caístro (epó- nha dos excessos a que se entregam. O rei dá
nirno de Caístro, na Ásia Menor) e um neto, ouvidos a tais palavras e dirige-se ao local
Efeso (v. Caístro). indicado, escondendo-se num pinheiro. Mas
Após a morte de Heitor, Pentesileia correu as mulheres apercebem-se da sua presença,
em auxílio de Príamo, à cabeça de um con- arrancam a árvore pela raiz e apoderam-se
tingente de amazonas. Contava-se também do intruso, rasgando o seu corpo em peda-
que fora obrigada a abandonar a pátria em ços. Ágave, é a primeira a agredi-Io, cor-
virtude de um homicídio involuntariamente tando-lhe a cabeça e cravando-a na extremi-
cometido. Em Tróia, distinguiu-se pela sua dade de um tirso. É esse o troféu com que
coragem e pelos feitos valorosos que prati- ela se encaminha para Tebas, exibindo orgu-
cou. Morreu às mãos de Aquiles, que a feriu lhosa aquilo que supõe ser a cabeça de um
no seio direito; mas ao ver cair ferida de leão. Ao chegar à cidade, Cadmo desilude-a;
morte uma jovem tão bela, o herói apaixo- o delírio finda e Ágave apercebe-se de que
nou-se pela sua vítima. Tersites parodiou tal aquele ser que matara não era um animal
situação, rindo-se de Aquiles, suscitando as- selvagem mas o seu próprio filho (v. tam-
sim a cólera deste, que, sem hesitar, o matou bém Ágave).
(v. Aquiles e Tersites). Este mito, levado à cena por Eurípides e
também por Ésquilo, foi célebre na Antigui-
PENTEU. (ntv6iuç.) Penteu é um herói dade, servindo, vezes sem conta, de tema à
tebano, descendente directo de Cadmo. É fi- literatura e à arte. Atribuía-se-lhe uma di-
lho de Equíon, um dos Espartos (os homens mensão religiosa: Penteu era o símbolo do
nascidos dos dentes do dragão; v. Cadmo), homem ímpio cujo orgulho traz consigo a
e de Agave, uma das filhas de Cadmo (v. punição.
quadro 3, p. 66). A tradição mais divugada
apresenta-o como herdeiro directo de PÊNTILO. (lliv6LÀOÇ.) Pêntilo é um filho
Cadmo (acerca das condições desta suces- ilegítimo de Orestes e de Erígone, filha de
são, v. Cadmo); segundo outra versão, en- Egisto. Teve dois filhos, Damásio e Equelau,
tre Cadmo e Penteu teria reinado um tio que fundaram colónias em Lesbos e na costa
deste, filho de Cadmo, chamado Polidoro, da Ásia Menor. Atribui-se-Ihe nomeada-
que Penteu teria destronado. De acordo mente a fundação da cidade lésbica de Pên-
com outra variante, Penteu nunca reinou tile.
em Tebas.
A história de Penteu está relacionada com PENTO. (niv6oç.) Pento é o génio que
o ciclo dionísiaco. Dioniso é, como se sabe, personifica o Desgosto. Contava-se que,
um deus de origem tebana, filho de Sémele quando Zeus repartiu pelos diversos génios
e, por conseguinte, ,primo de Penteu. Após as suas atribuições, Pento não assistira ao
ter conquistado a Asia, decidiu regressar a início da distribuição, tendo sido o último a
Tebas, sua pátria, para aí implantar o seu chegar. Como todas as tarefas haviam já
culto e punir as irmãs da mãe, nomeada- sido repartidas, Zeus nada mais tinha a
mente Agave, pelas calúnias que elas haviam confiar-lhe do que o cuidado de presidir às
proferido outrora contra Sémele. Passando honras fúnebres, ao luto e às lágrimas.

Pénia: PLAT., Smp., 203 d e s. Bibl., III, 5, 2; HVG., Fob., 76; 124; 239; SERV., ad
VIRG., Aen., IV, 469; PAUSAN., 1,20,3; 11, 2, 7; IX,
Pentesileia: Escól. a !I., III, 189; lI, 220; HVG., 2,4; 5, 4; NONN., Dion., V, 210; OV., Mel., III, 511
Fab., 112; TZETZ., Posth., 7 e S.; 199 e S.; SERV., ad e S.; THEOCR., Id., 21; PACUV., trago perdida (SERV.,
VIRG., Aen., 1,491; VIII, 803; 0100. SIC., 11,46. Cf. lococit.). Cf. W. NESTLE, in A. R. W., 1936, pp. 248
F. MISSONNIER, in Mél. Ec. Jr., 1932, pp. 111-131; e s.
A. SEVERVNS, «La patrie de Penthésilée», Mus.
Belg., 1926, pp. 5-17. Pêntilo: PAUSAN., 11,18,6; nr, 2,1; V, 4, 3; VII,
6,2; TZETZ., ad Lyc., 1374; STRAB., IX, 402; X, 447;
Penteu: EUR., Ba., passim; AESCH., trago perdida XIII, 582; escól. a EUR., Rh., 251; STEPH. Bvz., S.U.
Pentheus (NAUCK, Fr., 2. a ed., p. 60 e s.); ApOLLOO., Pento: PLUT., Consol ad Apoll., 19; m, 997.
367 PERIBEIA

Desde então, do mesmo modo que os outros rito inventivo, quando o tio, movido pela in-
génios protegem e favorecem os homens que veja, o precipitou do alto da Acrópole.
Ihes prestam as honras que Ihes são devidas, Após o crime, o assassino enterrou secreta-
assim Pento favorece aqueles que choram os mente o corpo da vítima, mas o homicídio
mortos, carpindo um pesado luto. Envia-lhes foi descoberto e Dédalo foi levado a tribu-
desgostos sem fim, em virtude de tão bem sa- nal, comparecendo perante a Areópago (v.
berem chorar. Por isso, o melhor modo de Dédalo).
manter Pento afastado é não exacerbar a Atribui-se a Perdiz, entre outras invenções,
aflição perante os males inevitáveis. a criação da serra (para a qual se teria inspi-
rado nos dentes da serpente) e a da roda de
PÉON. (nOtlWv.) Existem vários heróis com oleiro.
este nome (além do «curandeiro» Péon ou Por vezes, este jovem- herói é chamado
Péan, v. Péan). Talo ou Calo (v. Talo). O nome de Perdiz
1. Um deles é o epónimo da raça dos Peó- deriva do facto de Atena o ter transformado
nios. Na tradição divulgada por Pausânias, é em perdiz, para o salvar, no momento em
um dos filhos de Endímion e, por conseguinte, que o tio o atirou do alto da Acrópole. A re-
um dos irmãos de Etolo, Epio e Eurícide (v. ferida ave teria assistido com alegria aos fu-
quadro 26, p. 272). Outra versão, conservada nerais de Ícaro, filho de Dédalo, cuja morte
por Higino, faz dele um dos filhos de Posídon foi também provocada por uma queda (v.
e de Hele (v. Hele). Ícaro).
2. Outro herói com o mesmo nome é um fi-
lho de Antíloco, neto de Nestor. Os seus filhos PÉRGAMO. (niPiotiJ.OÇ.) Pérgamo é o he-
foram expulsos de Messénia, juntamente com rói epónimo da cidade asiática de Pérgamo.
os descendentes de Neleu, na altura do regresso É geralmente identificado como o mais novo
dos Heraclidas. Estabeleceu-se, com os primos, dos filhos de Neoptólemo e Andrómaca. Se-
em Atenas, e deles descende a família ateniense gundo tal versão da lenda, teria chegado à
dos Peónidas. Asia em companhia da mãe, matando em
duelo o rei da cidade de Teutrânia, Ario.
PEPARETO. (nt1t<XpT)eoç.) Pepareto é um Após o regicídio, ter-se-ia instalado no
dos quatro filhos de Dioniso e Ariadne, irmão trono, dando à cidade o seu nome. Segundo
de Toas, Estáfilo e Enópion (v. Ariadne). É outra versão, teria ido para a Ásia em auxílio
o epónimo da ilha de Pepareto. de Girno (filho de Eurípilo e neto de Télefo),
atacado pelos povos vizinhos. Em troca dos
PÉRATO. (nipot"t"oç.) Na linha dinástica seus serviços, o rei dera a uma das suas cida-
da casa real de Sícion, Pérato é o sucessor des o nome de Pérgamo.
de Leucipo. Este não tinha nenhum filho va- Pérgamo é também o nome da cidadela de
rão, mas apenas uma filha chamada Calquí- Tróia. Mas as lendas anteriormente mencio-
nia, razão pela qual entregou o reino a Pé- nadas não pretendem explicar a designação
rato, seu neto, filho de Calquínia e de desta fortaleza, mas o nome da cidade hele-
Posídon. Pérato foi o pai de Plemneu (v. nística de Pérgamo, capital do reino dos Atá-
. Plemneu). lidas .

PERDIZ. (nipÔL~.) Este nome (que tam- PERIBEIA. (ntp(~OLot.) Peribeia é o nome
bém designa uma ave - a perdiz) é comum de grande número de heroínas, entre as quais
a duas personagens relacionadas com a se destacam:
lenda ática. 1. A Náiade Peribeia mãe dos filhos de Icá-
1. Perdiz é uma irmã de Dédalo, tal como rio (entre os quais figura Penélope - v. qua-
ele filha de Eupálamo. É ela a mãe da outra dro 21, p. 242);
personagem homónima (v. infra). Ao saber da 2. A filha mais nova do rei Eurimedonte,
morte do seu filho Perdiz, enforcou-se, deses- que deu a Posídon um filho - Nausítoo, o
perada. Os Atenienses prestaram-lhe honras di- primeiro soberano dos Feaces;
vinas. 3. Quando, pela primeira vez, os Locros
2. Mais célebre é, sem dúvida, o filho da enviaram, a fim de apaziguar a ira de Atena
heroína mencionada. Sobrinho de Dédalo, (motivada pelo sacrilégio de Ájax - v. Ájax,
passou algum tempo como seu aprendiz e filho de Oileu), duas jovens da sua região
ultrapassava-o já em habilidade e em espí- para servirem a deusa como escravas em

Péon: 1) PAUSAN., V, 1,4 e 5.; HYG., Astr. Poet., lI, ad Aen., VI, 14; ApOLLOO., Bibl., nt. 15, 9; 0100.
20; ERAlUSTH., Cat., p. 252, 9 (We5term.). 2) PAUSAN., SIC., IV, 76; SOPH., Camicoi, tragédia perdida.
lI, 18, 8.
Pérgamo: PAU5AN., I, li, I e 5.; SERV., ad VIRG.,
Peparelo: ApOLLOD., Ep., I, 9; escól. a APOL. RH., EI., VI, 72; escól. a EUR., Andr., 24.
Arg., III, 997. Peribeia: 1) ApOLLOO., Bibl., nr, 10, 6. 2) Od.,
VII, 56 e 5. 3) ApOLLOO., Ep., VI, 20 e s.
Pérato: PAUSAN., lI, 5, 7.
4) APOLLOO., Bibl., m. 5, 7. 5) APOLLOO., Bibl., nr,
Perdiz: 1) PHOT., 413, 11 e S.; SUID., s.u. 12, 7; PAUSAN., I, 42, 2 e S.; PLUT., Thes., 29.
2) ATHEN., IX, 388 f; Ov., Met., VIII, 243 e 5.; 6) Escól. a EUR., Phoen., 133; HYG., Fab., 69; 70;
HYG., Fab., 39; 274; SERV., adVIRG., Georg., 1,143; ApOLLOO., Bibl., I, 8, 4, e 5.; 0100. SIC.,V, 35 e s.
PERICLIMENO 368

Ílion, uma das donzelas escolhidas pelo des- transformou-se em abelha para atacar o herói,
tino chamava-se Peribeia e a outra Cleópa- mas este, avisado por Atena, reconheceu-o a
tra. Esta oferenda humana durou mil anos. tempo e matou-o (v. Héracles). Dizia-se tam-
As jovens assim confiadas ao serviço da bém que Periclímeno se transformara em
deusa não se aproximavam desta, limitan- águia, tendo sido trespassado por uma flecha
do-se a varrer o santuário, a lavá-Io, etc. arremessada por Héracles.
Usavam apenas uma túnica e andavam des-
calças. Se fossem encontradas fora do san- PERIERES. (Iltpti}pTJç.) 1. Perieres é um he-
tuário, podiam ser condenadas à morte; rói relacionado com o ciclo das lendas da Mes-
4. Peribeia é ainda o nome da mulher de PÓ- sénia, embora a sua genealogia seja traçada
libo, o rei de Corinto que acolheu Édipo e o pelos diversos autores, com inúmeras divergên-
criou (v. Édipo); cias. Geralmente, Perieres é apresentado como
5. Outra heroína homónima era a mãe de filho de Éolo, pertencente à raça de Deucalião
Ájax, mulher de Télamon (v. Télamon) e fi- (v. quadro 8, p. 116). Assim sendo, ele é o he-
lha de Alcátoo, o rei de Mégara (v. quadro 2, rói do qual descendem os Eólios da Messénia.
p. 12). Segundo uma das versões da lenda, an- Reinou em Andânia, onde desposou a filha de
tes de desposar Télamon, integrou, juntamente Perseu, Gorgófone (v. quadro 32, p. 370), da
com Teseu, o grupo de jovens enviados por qual teria tido vários filhos: Afareu e Leucipo,
Egeu a Minos como tributo (v. Teseu). Minos e ainda Tíndaro e Icário (v. quadro 21, p. 242).
ter-se-ia apaixonado por ela, o que encoleri- Segundo esta tradição, Perieres é, assim, o an-
zou Teseu, que, por isso, impedira que a união tepassado comum dos Tindáridas (os Dioscu-
se consumasse (acerca deste episódio, v. Te- ros, Helena e Clitemnestra), das Leucípides
seu); (Febe e Hilaíra), de Penélope, de Linceu e de
6. No ciclo tebanofigura uma heroína com Idas (v. estes nomes).
o nome de Peribeia. E filha de Hipónoo e mu- Segundo outra variante da lenda, Perieres é
lher de Eneu, sendo por conseguinte mãe de o filho de Cinortas, pertencente não à raça de
Tideu (v. quadro 29, p. 298). A respeito do ca- Deucalião mas à de Lacedémon e, através
samento de Peribeia e Eneu, existem várias tra- deste, à de Zeus e Taígete (v. quadro 5, p. 90).
dições: ora se diz que ela foi parte do quinhão Esta tradição satisfaz o interesse particular dos
que coube a Eneu após o saque de Óleno; ora espartanos.
se conta que Hipóstrato, filho de Amarinceu, Em vez de Perieres, figura, em certas genea-
a seduziu, razão pela qual o seu pai a enviou logias, o nome de Ebalo (v. Ébalo e Gorgó-
a Eneu para que a matasse. Em vez de cum- fone, para uma tentativa de reconciliação das
prir a ordem recebida, Eneu tomou-a por es- duas genealogias).
posa. Segundo outra variante, o sedutor da jo- 2. Perieres é também o nome do tebano que
vem teria sido o próprio Eneu, que Hipónoo, conduzia o carro de Meneceu. Em Onquesto,
depois, forçara a casar com a filha (v. também matou o rei dos Mínias, Clímeno, o que origi-
Tideu e Eneu). nou uma guerra entre Tebanos e Mínias.
Acerca do desfecho deste conflito, v. Héracles.
PERICLÍMENO. (ntptXÀÚfJ.EVOÇ.) Há dois
heróis particularmente célebres com este nome. PERIERGO. (ntpttPioÇ.) Periergo é filho de
1. Um deles pertence ao ciclo tebano. E fi- Tríopas e irmão de Forbas (v. Forbas). Após
lho de Posídon e de Clóris, filha de Tirésias. a morte do pai, partiu com os seus companhei-
Na altura do ataque dos Sete Chefes contra Te- ros para a ilha de Rodes.
bas, defende a cidade e é ele quem mata Par- PÉRD'AS. (Iltpt'l'cxç.) Périfas é o nome de vá-
tenopeu, lançando-lhe, do alto das muralhas, rios heróis, nomeadamente o de um lápita ca-
sobre a cabeça, um enorme bloco de pedra. sado com Astiagia, pai de oito filhos (v. qua-
Mais tarde, durante a perseguição do inimigo dro 25, p. 268) e avô de Ixíon.
em fuga, cortou a Anfiarau a retirada e por Houve ainda um outro Périfas, um antigo
certo o mataria, se Zeus com um raio não ti- rei da Ática, conhecido pela sua justiça e pie-
vesse aberto na terra uma fenda, fazendo as- dade. Prestava um culto particular a Apoio.
sim desaparecer Anfiarau e o seu carro. Os homens obedeciam-lhe como a um deus e
2. O segundo herói com o mesmo nome é ergueram-lhe um templo sob o nome de Zeus.
um filho de Neleu que participou na expedi- Este encolerizou-se e logo pensou em reduzir
ção dos Argonautas. Recebera do seu avô Po- a cinzas Périfas e o seu palácio, atingindo-os
sídon, pai de Neleu (v. quadro 23, p. 258), o com um raio. Mas, ao ouvir as súplicas de
dom da metamorfose (comum a inúmeras di- Apoio, refreou os seus ímpetos de cólera e
vindades marinhas). Por ocasião da invasão de limitou-se a descer à Terra, a fim de visitar Pé-
Héracles contra Pilos, sua pátria, Periclímeno rifas. Transformou-o em águia, dando à rai-

Periclímeno: 1) EUR.,Phoen., 1156e s. e escól. ad tando HES.); escól. a PINO., Pyth., IV, 252; PAU-
loe; HVG., Fab., 157; escól. a PINO., Nem., IX, 57 SAN., 11,21,7; 111, 1,4; li, 11; 26, 4; IV, 22 e S.;
e S.; e PINO., ibid.; PAUSAN., IX, 18,6.2) Od., XI, 3,7; V, 17,9; VI, 22, 2. 2) ApOLLOD., Bibl., li, 4,
281 e S.; 0100. SIC., IV, 68; ApOLLOO., Bibl., I, 9, lI.
9; 16; HVG., Fab., 14; Ar-ot., RH., Arg., I, 388 e s.
e escól. ad loe.; Ov., Met., XII, 536 e S.; escól. a II., Periergo: 0100. SIC.,V, 61; ATHEN., VI, 262 e.
li, 336; NONN., Dion., XLIII, 247 e s.
Perieres: 1) ApOLLOO., Bibl., I, 7, 3; 9, 5; 11,4, Périfas: DIOD. SIC., IV, 69; Ov., Mel., VII, 399
5; 111, 10,3; 4; 13, I; 4; TZETZ., ad Lye., 284 (ci- e S.; ANT. LIS., Transf., 6.
369 PÉRSÉFONE

nha sua esposa o aspecto de um falcão. Para separar -se dela, resolveu exigir .aos pretendentes
o recompensar, contudo, pela sua piedade, como dote os rebanhos de Ificlo. Graças à
Zeus deu-lhe o poder de reinar sobre todas as ajuda de Melampo, seu irmão, Bias (que era,
aves, encarregando-o de levar o seu próprio por parte do pai, Amitáon, primo-irmão de
ceptro, ao mesmo tempo que o associava ao Péro), conseguiu satisfazer a condição imposta,
seu culto. desposando assim a jovem (v. Bias e Me-
PERIFETES. (TIôp~cp1J't1)<;.)Perifetes é um dos
lampo).
Bias e Péro tiveram vários filhos: Perialces,
bandidos monos por Teseu. E filho de Hefesto
Ario e Alfesibeia; ou (segundo outros) Tálao,
e de Anticleia. Vivia em Epidauro. Tinha as
Ario e Leódoco (v. quadro 1, p. 8). Péro foi
pernas fracas e caminhava por isso apoiado a
uma muleta (ou a uma clava) de bronze. Era mais tarde abandonada por Bias, quando este
esta a arma com que afugentava os viajantes decidiu casar com uma das filhas de Preto, rei
que com ele se cruzavam. Teseu encontrou-o de ATgOS.
durante a viagem de regresso à Ática (v. Te- PERSE. (Tlépen.) Perse, cujo nome alterna
seu) e matou-o, levando consigo a dava da ví- com o de Perseide, é uma das filhas de Oceano
tima. e de Tétis. Mulher do Sol, teve deste deus qua-
PERIGUNE. (TIôP~'YOÚV'Ij.) Perigune é a filha tro filhos: Eetes, rei da Cólquida, Perses, Circe
de Sínis, um salteador morto por Teseu. Foi e Pasífae (v. quadro 16, p. 202).
amada por este, de quem teve um filho - Me-
PERSÉFONE. (TIôpcrô<pÓV1].) Perséfone é a
lanipo. Mais tarde, Teseu deu-a em casamento
deusa dos Infernos, companheira de Hades.
a Dejoneu, filho de Êurito (v. também Sinisv.
É filha de Zeus e de Deméter, segundo a ver-
PERIMELE. (TIôp~f.t~À1].) 1. Perimele é uma são mais divulgada da lenda (v. quadro 38,
filha de Admeto e de Alceste, irmã de Eumelo. p. 452). Outra variante apresenta-a como fi-
Com Argos, filho de Frixo, concebeu Magnes lha de Zeus e de Estígia, a ninfa do rio infernal.
(v. Magnes e quadro 34, p. 392). A principal lenda de Perséfone é a história
2. Outra heroína com o mesmo nome é fi- do seu rapto por Hades, seu tio (era irmão de
lha de Amitáon e mãe de Ixíon (v. quadro 25, Zeus). Este apaixonou-se pela jovem e raptou-
p. 268). -a, aproveitando para isso um instante em que
3. Perimele é ainda, numa das histórias das ela colhia tranquilamente flores em companhia
Metamorfoses de Ovídio, o nome de uma jo- das Ninfas, na planície de Ena, na Sicília (lo-
vem amada pelo deus-rio Aqueloo, e filha de cal geralmente indicado pela lenda como ce-
Hipodamente. Em virtude de o deus a ter to- nário do rapto). Hades agiu com a conivência
mado como amante, o pai de Perimele, indig- de Zeus, durante a ausência de Deméter. É,
nado, decidiu lançar a filha ao mar. Mas Aqueloo pois, nesse momento, que se situam as viagens
obteve de Posídon a graça de a ver transformada da deusa pela Grécia em busca de sua filha (v.
em ilha, tornando-se assim imortal. Deméter).
Quando Zeus, por fim, ordenou a Hades que
PERÍSTERA. (TIEp"mp<X.) Perístera, nome
devolvesse Perséfone a sua mãe, tal já não era
da pomba em grego, é também o nome pró-
possível, em virtude de a jovem ter quebrado
prio de uma ninfa ligada a Afrodite. Um dia,
o jejum enquanto se encontrava nos Infernos.
Afrodite e Eros divertiam-se a apanhar flores
Por inadvertência (ou tentada a isso por Ha-
para ver qual. deles conseguiria colher mais.
des), ela tinha ingerido uma semente de romã,
A deusa foi-se afastando cada vez mais do seu
o bastante para ficar indissociavelmente ligada
rival, sendo a dada altura vista por Perístera.
aos Infernos (v. Ascálafo). Para amenizar o
Esta decidiu ajudá-Ia a alcançar a vitória, o que
seu sofrimento, Zeus decidiu que Perséfone re-
suscitou a cólera de Eros, que logo transfor-
partiria o seu tempo entre o mundo subterrâ-
mou a ninfa em pomba. Mas Afrodite quis
neo e o mundo dos vivos, numa proporção que
recompensá-Ia, adoptando essa ave como seu
varia segundo os autores: ora se diz que per-
atributo.
maneceria um terço do ano sobre a Terra, ora
PÉRO. (TI1]pw.) Péro é a filha de Neleu e de que aí ficaria durante seis meses.
Clóris (v. quadro 23, p. 258). Senhora de Perséfone desempenha o papel de esposa de
grande beleza, muitos foram os que a pediram Hades na lenda de Héracles, na de Orfeu e na
em casamento, mas Neleu, não querendo de Teseu e Pirítoo (v. Hérac/es, Orfeu, Teseu

Perif'etes: PAUSAN., 11. 1.4; ApOLLOD., Bibl., Perséfone: Hymn. hom. Dem., I e 5.; 1/., XIV,
III. 16. I; PLUT., Thes., 8; Ov .. Mel .• VII. 436 e 326; Od .• V, 125 e 5.; HES., Theog., 912 e 5.; PAU-
5.; OIOD. SIC .• IV. 59; HYG .• Fab .• 38. SAN.• VIII. 37.9; OIOD. SIC..V. 2 e 5.; HVG .• Fab.,
Perigune: PLUT., Thes .• 8. 146; escól. a THEOCR .• I. 63; Ov .. Fast.; IV, 417 e
5.; Mel .• V. 393 e 5.; ApOLLOD .• Bib! .• I. 3, I; 5, 1
Perimele: 1) ANT. LIB .• Transf ., 23; escól. a
EUR., Ale., 269; TZETZ .• Chi!., 11. 787. 2) O'OD. e 5.; 11. 5. 2; III. 14.4; SERV .• ad VIRG .• Georg .• I,
39; a Aen .• IV, 462; Cf. A. LIPARI. 1/ De Rapto
SIC .• IV. 69. 3) Ov .. Met .• VIII. 590 e 5.
Proserpinae ...• Trapani, 1936; H. J. ROSE. «The
Perístera: Myth. Vat.• I, 175; 11, 33. bride of Hades», CI. Phil .• 1925, pp. 38-243. G.
Péro: Od., X, 136 e 5.; Aroi.. RH., Arg., IV, ZUNTZ, Persephone. Three essays on religion and
488 e 5.; HES .• Theog .• 356; 956 e 5.; TZETZ., ad thought in Magna Grecia, Oxford, 1971. 17. H.
Lyc., 174; ApOLLOD., Bibl .. 1.9. I; 111. 1.2; Ep., ANTON .• Der Raub vou Proserpina ...• Heidel-
VII, 14. berga, 1967.
Linceu ,...., Hipermestra
I
Abas ,...., Agleia
I
I I
Acúsio Eurídice Preto v-c> Estenebeia (ver quadro 13, p. 152)

I
I
Zeus ,...., Dánae P!dreli es Megapentes
(ver p. 391)
Perseu ,...., Andrómeda
I
I I
Alceu ,...., Astidamia Esté~elo ,...., Nicipe Hélio Elécirion ,...., I) Anaxo e-« 2) Média Gorgófone r-« Perieres
(ver quadro 17, p. 219)
I
I
I
1 !I
Alcíone Astimedusa
I
Medusa
I
Eurísteu s-c,
A'
ntímaque
l'f,,1 I
Hipótoe Posídon
I
Licímnio ,...., Perimede

I" AO~=
fi '- Anaxo IS

A",~:}

Héracles Íficles Automedusa Admete Alexandre Ifimedonte Euríbio Mentor Perimedes Táfio Eno Argio Meias
(ver quadro 13, p. 200)
lolau

Lei pi file Filas Crómio Tirano Antíoco Quersidamas Mestor Évero Cometo

Hipotes Tero ,...., Apoio

I
Aletes Queron Alc~ena Estr~bato GOrg~fOnO Filo~omo céieno Anfí~aco
(KÉÀotlVOÇ)

Quadro genealógico n." 32 ....,


w
o
371 PERSEU

e Pirftoo). Dizia-se também que ela se apaixo- bre os corações humanos, e como símbolo da
nara pelo belo Adónis que, por sua vez, fora capacidade que o ouro tem de abrir as portas
obrigado a repartir o seu tempo entre a Terra mais aferrolhadas.
e os Infernos (v. Adónis). Dánae fora encerrada na prisão em compa-
Perséfone figura com Deméter nos Mistérios nhia da sua ama e pôde assim dar à luz o filho
de Elêusis. Em Roma, foi identificada com em segredo e criá-Io durante alguns meses, Mas
Prosérpina (v. Prosérpina). um dia, ao brincar, a criança deu um grito.
Acrísio ouviu-o. Recusando-se a acreditar que
PERSÉPOLIS. (lltpaÉ1toÀLç.) Persépolis é, Zeus tivesse seduzido a filha, começou por ma-
segundo certas tradições, um filho de Ulisses tar a ama, como cúmplice, e decidiu expor a
e Nausícaa; segundo outras, é filho de Telé- filha e o neto aos perigos do mar, numa urna
maco e Policaste, uma das filhas de Nestor (v. de madeira. Esta vogou assim rumo à aventura,
U/isses e Telémaco). levando mãe e filho, até que foi parar às mar-
PERSES. (llÉp<Tl]ç.) Perses é filho do Titã gens da ilha de Serifo. Os dois náufragos fo-
Crio e de Euríbia, sendo irmão de Palas e de ram recolhidos por um pescador chamado Díc-
Astreu. Desposou Astéria, filha de dois Titãs: tis, que era, segundo se conta, o irmão do
Febe e Ceu. Teve vários filhos, entre os quais tirano da ilha, Polidectes. O pescador levou-
a deusa Hécate (v. Hécate). -os para sua casa e criou o menino, que em
Outra variante da lenda apresenta Perses breve se tornou um jovem de grande beleza e
como um filho de Hélio (o Sol) e de Perseide. valentia. O rei Polidectes apaixonara-se entre-
É, neste caso, irmão de Eetes, rei da Cólquida, tanto por Dánae, sem contudo poder satisfa-
da feiticeira Circe e de Pasífae (v. quadro 16, zer a sua paixão, dado que Perseu vigiava cui-
p. 202). Conta-se que reinava na Táurica, an- dadosamente a mãe, não ousando o rei recorrer
tes de ter usurpado ao irmão o reino da Cól- à violência. Um dia, Polidectes organizou um
quida. Seria por isso morto por Medo, um dos jantar, convidando todos os seus amigos e en-
filhos de Medeia, por instigação desta, que de- tre eles Perseu. Durante o festim, perguntou-
sejaria restituir a Eetes o seu reino (v. Eetes). -lhes que presente gostariam de lhe oferecer.
Segundo outra versão da lenda, Perses se- Todos consideraram que um cavalo seria a
ria irmão de Eetes e simultaneamente pai de prenda mais adequada a um rei, enquanto Per-
Hécate (filha de Perses e de uma concubina). seu respondeu que lhe traria, se necessário
Hécate ter-se-ia casado com o tio, Eetes, sendo fosse, a cabeça da Górgona. No dia seguinte,
eles os pais de Circe e de Medeia (v. Medeia). todos os príncipes trouxeram um cavalo, ex-
cepto Perseu que nada levou ao rei. Polidec-
PERSEU. (lltpatúç.) Perseu é um herói de tes instou-o então a ir buscar-lhe a cabeça da
origem argiva que figura entre os antepassa- Górgona -se acaso esta condição não fosse
dos directos de Héracles (v. quadro 32, p. 370). cumprida, ele apoderar-se-ia pela força de Dá-
É filho de Zeus e descende, por parte da mãe, nae. Segundo outra versão, Polidectes desti-
de Linceu e de Hipermestra, e, por conseguinte, nava todos estes presentes a Hipodamia, filha
de Dánao e de Egisto (v. Linceu). de Enómao, que pretenderia desposar.
Acrísio, avô de Perseu, perguntara um dia Na execução de tão difícil tarefa, Perseu foi
ao oráculo como poderia vir a ter filhos. coadjuvado por Hermes e Atena, que lhe for-
O deus respondeu-lhe que sua filha Dánae te- neceram os meios necessários para cumprir a
ria um filho que o mataria. Assustado, que- sua imprudente promessa. Seguindo os conse-
rendo a todo o custo impedir que o oráculo se lhos das duas divindades, ele foi primeiro pro-
cumprisse, Acrísio mandou construir uma cã- curar as filhas de Fórcis, Énio, Pefredo e Dino
mara de bronze subterrãnea, encerrando nela (v. Fórcis), as três Greias (v. Greias), que ape-
a filha. No entanto, apesar de todas as precau- nas tinham um olho e um dente. Perseu apo-
ções, Dánae concebeu um filho. Segundo uns, derou-se desse olho e desse dente, recusando-
seria Preto, irmão de Acrísio, o pai da criança, -se a devolvê-Io, enquanto elas lhe não
estando o facto na origem do conflito que opôs indicassem o caminho que o conduziria até às
os dois irmãos. Mas conta-se geralmente que Ninfas. Estas possuíam um par de sandálias
foi o próprio Zeus que seduziu a jovem, en- aladas, um alforge (chamado kibisis), e ainda
trando na câmara-subterrânea através de uma o elmo de Hades, que tinha o condão de tor-
fenda, transformado em chuva de ouro. Esta nar invisível quem quer que cobrisse a cabeça
versão do mito foi frequentemente invocada com ele. As Ninfas entregaram-lhe todos es-
como símbolo do poder absoluto do ouro so- tes objectos, e Hermes armou-o com uma foice

Persépolis: HES., ap. Eusr., ad loe., 1716,39; es- SOPH. (Frag. 63 e s.), de AESCH. (v. Nauck, 2.' ed.,
cól. a Od., XVI, 118. n.? 45); EUR., Andr.; ERATosTH., Cat., 16 e S.; 22;
36; Ov., Mel., IV, 617 e S.; HVG., Fab., 63; 151;
Perses: HES., Theog., 375 e S.; 409 e S.; ApOLLOD., NONN., Dion., XLVII; CLEM. AL., Strom., I, 21,105
Ribl., I, 2, 2; 9, I e S.; HVG., Fab., 26; 27; 264; es- (1,67, SI.); SERV., ad VIRG., Aen., VII, 372; 410;
c61. a Ar-oi., RH., Arg., Il I, 200. VIII, 345; PUN., N. H., I1I, 56; SIL. ITAL., I, 660 e
S.; Cf. L. BIELER, «Die Sage von Perseus ... », W. S.,
Perseu: 1/., XIV, 319, e esc61. ad loe.; XIX, 116; 1931, pp. 119-128; J. M. WOODWARD,Perseus, Carn-
123; HES., Theog., 276 e S.; Seu/., 222 e S.; PIND., bridge, 1937; A. H. KRAPPE, «La légende de Persée»,
Pyth., XII, 17 e S.; escól. a Ar-ot., RH., Arg., IV, Neuphil. Mitt., 1933, pp. 225-238; K. ZIEGLER, «Das
1091; 1515; ApOLLOD., Ribl., 11,4, I e S.; HEROD., Spiegelmotiv in Gorgomythus», A. R. w., XXIV,
VII, 61; TZETZ., ad Lyc.; 838; trago perdidas de pp. 1-19.
PEUCÉCIO 372

de aço. de lâmina forte e afiada. Perseu Perseu deixou. em seguida. a ilha de Serifo
encaminhou-se entâo ém direcção às Górgonas, e partiu para Argos, sua terra natal. levando
Esteno, Euríale e Medusa. que encontrou ador- consigo Andrómeda. Desejava voltar a ver
mecidas. Só Medusa era mortal. razão pela Acrísio, seu avô. mas este. temendo o oráculo
qual o herói podia ter esperanças de conseguir que predissera que ele morreria às mãos de um
levar a sua cabeça ao rei. As Górgonas eram filho de Dánae, fugiu para a região dos Pelas-
monstros com um pescoço protegido por es- gos. O rei de Larissa, Teutârnides, organizara
camas de dragão. e dentes semelhantes aos do aí jogos fúnebres em honra de seu pai. nos
javali; as suas mãos eram de bronze e possuíam quais Perseu quis participar. Acrísio foi assis-
asas de ouro. graças às quais podiam voar. tir aos jogos. Ao lançar o disco. Perseu atin-
O seu olhar era tão forte que transformava em giu Acrísio num pé e matou-o. Atormentado
pedra todos aqueles em que se fixasse. Por tudo pela dor ao conhecer a identidade da vítima.
isto. eram temíveis e só com a protecçâo dos o herói prestou-lhe honras fúnebres e enterrou-
deuses alguém poderia pensar em vencê-Ias. -o fora da cidade de Larissa. Não ousando vol-
Perseu elevou-se nos ares graças às sandálias tar a Argos para reclamar o trono daquele que
aladas e. enquanto Atena segurava acima da acabara de matar. Perseu trocou Argos por Ti-
cabeça de Medusa um escudo de bronze polido rinte, onde reinava o seu primo Megapentes,
que servia de espelho. o herói decapitou o filho de Preto (v. quadro 32. p. 370). Foi as-
monstro. Do golpe jorrou sangue. donde bro- sim que Megapentes se tornou rei de Argos e
taram um cavalo alado. Pégaso, e um gigante. Perseu rei de Tirinte. Atribui-se-lhe a fortifi-
Crisaor (v. Pégaso e Crisaor). Depois. Perseu cação de Mídea e de Micenas.
pôs a cabeça de Medusa dentro do alforge e Acerca dos filhos de Perseu e Andrórneda,
pôs-se a caminho. As duas irmãs da vítima v. quadro 32. p. 370.
perseguiram-no. mas em vão. pois o elmo de Uma lenda obscura de Perseu apresentava-
Hades tornava-o invisível. -o como opositor de Dioniso. Ele ter-se-ia vi-
No caminho de regresso. Perseu passou pela toriosamente imposto contra a introdução do
Etiópia, onde encontrou Andrómeda. Presa a culto dionisíaco em Argos, tendo mesmo. no
um rochedo. expiava as palavras imprudentes decurso de uma luta corpo a corpo com o deus.
que sua mãe. Cassiopeia, pronunciara (v. An- afogado este no lago de Lema. Dioniso teria
drómeda e Cassiopeia). AIJ ver em tão perigosa assim terminado a sua vida terrestre e retomado
situação a bela jovem. o herói apaixonou-se o seu lugar no Olimpo, reconciliando-se com
por ela. Prometeu. então. ao pai de Andró- Hera. Dizia-se que. na mesma luta. Perseu ma-
meda que a libertaria. se ele em troca lha desse tara Ariadne. Outra versão apresenta. aliás. a
em casamento. Concluiu-se o pacto. Perseu, jovem como única vítima do herói no con-
com as armas mágicas que possuía. não teve fronto com Dioniso. Perseu ter-se-ia depois re-
dificuldade em matar o monstro marinho que conciliado com este deus. por intercessão de
deveria devorar a jovem. e conseguiu assim Hermes.
levá-Ia sâ e salva para junto dos pais. Mas o Os mitógrafos da época romana contavam
casamento suscitou algumas contrariedades. que Perseu e Dánae, lançados ao mar por Acrí-
Andrómeda tinha um tio. Fineu, com o qual sio, não tinham chegado às margens de Serifo,
deveria casar-se. Descontente com o facto de mas à costa do Lácio. Aí. uns pescadores tê-
Perseu ter desposado a sobrinha. Fineu urdiu -los-iam apanhado nas suas redes e conduzido
um plano contra o herói. Mas este descobriu- ao rei Pilumno. Este desposara Dánae, fun-
-o a tempo e. mostrando a cabeça da Górgona dando com ela a cidade de Ardea. Turno. rei
a Cefeu e aos seus cúmplices. transformou-os dos Rútulos, seria seu descendente. Contava-
em estátuas de pedra. -se ainda que Dánae tivera de Fineu dois filhos.
Acompanhado por Andrórneda, Perseu re- Argo e Arge, com os quais teria ido para a Itá-
gressou então a Serifo. Aí deparou com uma lia. estabelecendo-se no local onde se situaria
situação algo diferente da que deixara ao par- Roma. Argo teria sido morto pelos Aboríge-
tir. Polidectes recorrera à violência durante a nes (os selvagens indígenas que habitavam as
ausência do herói e quisera apoderar -se de Dá- colinas de Roma) e o local da sua morte foi.
nae pela força. Díctis e a mãe de Perseu por isso. denominado Argi/eto (palavra com-
refugiaram-se junto dos altares. como num posta por Argi e letum, que significa «a morte
asilo inviolável. Ao regressar. deparando com de Argos»).
tal situação. o jovem decidiu vingar-se de Po-
PEUCÉCIO. (TItuxhw,.) Peucécio é um dos
lidectes. Entrou na sala onde o tirano estava
filhos de Licáon (v. Licáon). Emigrou da Ar-
reunido com os seus amigos e transformou-os
cádia com o seu irmão Enotro, indo para o Sul
a todos em estátuas de pedra. confiando o
trono ao seu pai adoptivo, Díctis. Após tais da Itália. onde se estabeleceu. Seria ele o an-
tepassado mais remoto do povo dos Peucécios.
aventuras. Perseu devolveu as sandálias. o al-
Os dois irmãos nasceram dezassete gerações an-
forge e o elmo de Hades a Herrnes, que os res-
tes da Guerra de Tróia (v. Enotro).
tituiu às Ninfas, suas legítimas proprietárias.
Quanto à cabeça da Górgona, Atena colocou-a PÍASO. (TIí<XC10ç.) Píaso é um rei da Tessá-
no meio do seu escudo. lia. pai de Larissa, que ousou violar a própria

Peucécio: OlON. HAL .• I. 13; Am. LlB .• Transf., 31; M. LENCHANTlN, in Athen .• 1935. pp. 101-112.
PUN .• N. H .• Ill, 16. 99; SERV •• ad VIRo .• Aen .. Píaso: Escól. ad Asoi , RH., Arg., I, 1063; EUST.,
VIII. 9. Cf. J. BÉRARD. Colonisation ...• pp. 459 e s.; ad 11., 357,43 e s.; cf. PARTH., Erot., 28.
373 PIGMALlÃO

filha. Esta. para se vingar. afogou-o num to- do topónimo «Piéria», que designa uma região
nel de vinho. empurrando-o numa altura em da Trácia. Segundo a lenda. as Piérides foram
que ele se inclinara para beber. nove donzelas que quiseram rivalizar com as
Musas. Eram filhas de Píero, natural de Péla,
* PICO. (Picus.) Picus é um antigo rei do
Lácio. Reinava sobre os Aborígenes. a primeira e de Evipe, e cantavam divinamente. Subiram
população da região. A lenda apresenta-o por isso ao Hélicon, a montanha sagrada das
como pai de Fauno e avô de Latino. Dizia-se Musas, e desafiaram-nas para um concurso de
que era descendente de um certo Esterces ou canto. As Musas venceram-nas. punindo-as
Estérculo, cujo nome evoca a ideia de esterco. pela sua presunção: as- Piérides foram trans-
formadas em pássaros. Ovídio afirma que to-
tendo. no entanto. sido identificado pelos mi-
tógrafos com Saturno «para lhe ser conferida das elas foram convertidas em pegas; Nican-
maior dignidade». Pico teria sido um magní- dro, seguindo outra versão. conta que foram
fico adivinho. cujos poderes divinatórios se- transformadas em nove espécies diferentes de
riam coadjuvados por um picanço, ave profé- aves. reproduzindo os seus nomes: Columba
tica por excelência. Houve mitógrafos que (pomba). linge (alvéola), Cencreis (gavião).
Cissa (pega). Clóris (papa-figo). Acalântis (pin-
afirmaram até que esse picanço não era mais
tassilgo), Nessa (pato). Pipo (pombinho). Dra-
do que o rei Pico metamorfoseado por Circe.
contida (pombo-dragão).
Teria sido este o castigo infligido pela feiticeira
Pausânias acrescenta que as Piérides tinham
em virtude de ele ter repudiado o seu amor em
os mesmos nomes que as Musas, o que levou
nome da paixão consagrada a Pomona (ou Ca-
a tradição a atribuir a estas últimas. deusas vir-
nente), sua esposa. uma ninfa filha de Jano (v.
gens. os filhos das suas homónimas, entre os
Canente).
O picanço desempenhava um papel na reli- quais se encontra Orfeu.
gião romana. não só como ave profética mas PÍERO. (Iltepoc.) Há dois heróis lendários
também como pássaro consagrado a Marte. com este nome.
Teria aparecido junto dos gémeos Rómulo e 1. Um deles é o epónimo da Piéria, frequen-
Remo. ajudando a loba a salvá-Ios (v. Ró- temente considerado como pai das Piérides (v.
mulo). Piérides). E filho de Mácedon e irmão de
Amato e introduziu o culto das Musas na sua
PICÓLOO. (n,xóÀooç.) Picóloo é. segundo região. Certas versôes da lenda apresentam-no
uma lenda tardiamente atestada. um dos Gi- como pai de Lino ou de Eagro, sendo neste
gantes. Na altura da luta por estes travada con- caso avô de Orfeu.
tra os deuses. refugiou-se na ilha de Circe, 2. Píero é também o nome de um filho de
donde tentou expulsar a feiticeira. Mas o Sol Magnes e de Melibeia. A musa Clio sentiu por
(Hélio). pai de Circe, apercebeu-se do facto e ele um amor intenso inspirado por Afrodite,
matou Picóloo. Do seu sangue nasceu uma que. assim. a castigou pelo facto de ela ter um
planta de raízes negras e flores brancas com dia ridicularizado a paixão da deusa pelo belo
propriedades mágicas. que recebeu em grego Adónis. Da união de Píero e Clio, teria nas-
a designação de !,-wÀu (moly). As pétalas eram cido Jacinto. acerca de cuja filiação a tradição
brancas por ser essa a cor do Sol; a raiz era ne- conhece múltiplas variantes (v. Jacinto).
gra. da cor do sangue do gigante. Acerca desta
erva. v. Ulisses. PIGMALIÃO. (nUWaÀ[wv.) Há duas perso-
nagens lendárias com este nome. ambas de ori-
* PIEDADE. (Pietas.) Piedade (Pietas) é a gem semita.
personificação do sentimento que se deve nu- 1. Chamava-se Pigrnalião um dos reis de Tiro.
trir em relação aos deuses e aos homens (pais. filho de Muto e irmão de Elisa (Dido) (v. Dido).
filhos •... ). Simples abstracção, Pietas não é per- 2. A outra figura homónima é um rei de Chi-
sonagem de nenhum mito. nenhuma história se pre, que se apaixonou por uma estátua de mar-
conta a seu respeito. O seu templo. situado junto fim representando uma bela mulher. que ele
do Capitólio, entre a colina e o Tibre, data do próprio teria esculpido. segundo uma das ver-
início do segundo século antes de Cristo. Du- sões da lenda. Abrasado de paixão. pediu a
rante o Império. tornou-se frequente a repre- Afrodite que lhe enviasse uma mulher seme-
sentação da Pietas nas moedas. como símbolo lhante à estátua. As súplicas dirigi das à deusa
das virtudes morais do imperador regente. numa das festas em sua honra foram ouvidas:
ao chegar a casa. Pigmalião apercebeu-se de
PIÉRIDES. (Iluptêsç.) «Piéridess é um epí- que a figura de marfim ganhara vida. Despo-
teto local geralmente aplicado às Musas, so- sou-a e dela teve uma filha chamada Pafo, mãe
bretudo pelos poetas latinos. O nome deriva de Cíniras.

Pico: VIRO.• Aen .• VII. 47; 189; SERV.• ad VIRO .• Piérides: ANT. Lts., Transf.. 9; 0\"., Met.; V. 669
Aen .• VII. 190; X. 76; DION. HAL.. I. 31; ARNOS.• e S.; cf. PAUSAN., [X, 29, 4.
n, 71: AUOUST., Civ, D., [V, 23; V, 10; XVlIl, 15; Píero: I) Escól. ad 11., XIV, 225; ANT. Lrs .•
Ov., Met., XIV, 3[2 e S.; PAUL., p. 212; STRAS., V,
4,2, p. 200; PLUT., De Fort. Rom., VIll, p. 320 d; Transf ., 9; Ov., Mer., V, 302; PlUT., de Mus., 3;
Qu. Rom., 21; cf'. G. PANSA, «Picus Martius», PAUSAN., IX, 29, 3; SERV., ad VIRO., Buc., VII. 21.
Folkl. /tal., 1931, pp. 181-199. 2) ApOllOD., Bibl., I, 3, 3.

Picóloo: EUST.. ad Hom., 1658,48. Pigmalião: I) VIRO., Aen., I, 343 e S.; JUST.,
XVlIl, 4, 3; ApOlLOD., Lybic., I. 2) ClEM. AL.,
Piedade: oc.. deleg., li, li; 28; LIV., XL, 34,4 Protr., p. 17,31 e S.; Fragm. Hist. gr., 111,p. 31;
e s. ARNOB., Adv. Nat., VI, 22; Ov., Mei., X, 243 e s.
PIGMEUS 374

PIGMEUS. (nUwaLOl.) Os Pigmeus são um aconselha o seu amigo durante o plano de vin-
povo de pequena estatura, já mencionado na gança. Conta ainda a lenda que ele lutou con-
Iliada. Supunha-se que habitavam no Sul do tra os filhos de Náuplio que vieram em auxí-
Egipto, ou na região da Índia. O mais célebre lio de Egisto. Mas foi na viagem de Orestes à
episódio da história dos Pigmeus relaciona-se Táurica que Pílades mais o ajudou (v. Ores-
com as lutas por eles travadas contra as cegonhas tes). O herói viria a desposar Electra, irmã mais
ou os grous. A origem deste conflito é objecto velha de Orestes, da qual teve dois filhos: Me-
de diversas lendas. Segundo uma das versões, donte e Estrófio II.
teria nascido entre os Pigmeus uma jovem de
grande beleza, chamada Énoe, que com natu- PILAS. (núÀaç.) Pilas é um rei de Mégara,
ral altivez desprezava os deuses, repudiando par- filho de Cléson e neto de Lélex. Deu a mão de
ticularmente a veneração devida a Artemis e sua filha Pília a Pandíon (v. Pandiom, o su-
Hera. Énoe casou-se com um pigmeu de nome cessor de Cécrops, em Atenas, que havia sido
Nicódamas, de quem teve um filho chamado expulso na sequência de uma sedição provo-
Mopso. Para festejar o nascimento, todos os cada pelos filhos de Metíon. Mais tarde, Pilas
pigmeus ofereceram presentes ao afortunado matou Bias, irmão do seu pai, e foi forçado
casal. Mas Hera, nutrindo um profundo ódio ao exílio. Confiou então o seu reino a Pandíon
contra a jovem que lhe não prestava o culto a e partiu para o Peloponeso com um exército
que tinha direito, transformou-a numa cegonha. de léleges, fundando a cidade de Pilo na Mes-
Metamorfoseada em pássaro, Énoe tentou reaver sénia (v. Lé/ex). Expulso por Neleu, deixou a
o filho, que ficara entre os Pigmeus, e estes região, a fim de fundar a cidade de Pilo na
expulsaram-na com grandes gritos e recorrendo Élida.
às armas. Nasceu assim a ira das cegonhas contra PILÉMENES. (nuÀaqJ.ÉvT)ç.) Pilémenes, fi-
os Pigmeus e o receio neles infundido em rela- lho de Bisaltes (?), é um paflagónio aliado dos
ção a tais aves (v. também Gerana). Troianos. É o pai de Harpálion, que também
Este povo de pequena estatura inspirou a combatia nas hostes troianas e foi morto por
arte de feição egípcia. Figuravam em mosai- Mérion. Pilémenes sucumbiu às mãos de Me-
cos e' frescos, num cenário de fauna típica das nelau ou de Aquiles. Embora a sua morte seja
regiões do Nilo, lutando contra aves e animais mencionada no canto V da Iliada, vêmo-Io
diversos, atacando crocodilos, ou entregando- participar, no canto XIII, no cortejo fúnebre
-se a actividades humanas a que a sua extrema do seu filho.
fealdade e falta de destreza conferem um ma-
tiz de paródia. Nas representações a que alu- PILENOR. (nuÀ~vwp.) Pilenor é um Cen-
dimos, este homúnculos são caracterizados no- tauro que foi ferido por Héracles durante a luta
meadamente pelas descomunais dimensões dos travada na gruta de Folo. A chaga infectou de-
orgãos genitais. vido ao sangue da hidra de Lema, no qual ha-
Embora figure nas obras dos geógrafos an- viam sido mergulhadas as flechas de Héracles.
tigos como uma raça pertencente ao domínio O Centauro foi então lavar o ferimento nas
da fábula e da fantasia, os Pigmeus são defi- águas do Anigro, riacho a que desde esse dia
nidos por traços distintivos de populações reais a lenda atribuiu propriedades maléficas e um
da África Central. odor pestilento.

PÍLADES. (nuÀcioT)ç.) Pílades é o compa- PILEU. (nuÀaLoç.) Pileu é o filho de Leto.


Com Hipótoo, seu irmão, comandou um con-
nheiro dilecto de Orestes, como Acates em re-
lação a Eneias. Filho de Estrófio e de Anaxí- tingente de pelasgos vindos de Larissa, para en-
bia, irmã de Agamémnon (v. quadro 2, p. 12), grossar as hostes gregas em Tróia.
Pílades é primo-irmão de Orestes. Por linha pa- PÍUA. (nuÀ(a.) Pília era a mulher de Pan-
terna descende de Foco, de Éaco e de Zeus (v. díon I, filha de Pilas, rei de Mégara (v. Pitas
quadro 31, p. 352). Os dois primos cresceram e quadro 12, p. 144).
juntos no palácio de Estrófio, para onde Ores-
tes foi enviado para estar a salvo, enquanto Cli- PÍUO. (núÀwç.) Uma tradição obscura
temnestra vivia com Egisto na ausência de Aga- alude a um Pílio, filho de Hefesto, que em
mémnon (v. Orestes). Lemnos curou as feridas de Filóctetes, apren-
Foi sobretudo graças aos trágicos que a per- dendo em troca, com o herói, a arte de mane-
sonagem de Pílades se desenvolveu. É ele quem jar o arco e as flechas (v. Fi/oetetes).

Pigmeus: JI., I1I, 3 e s., e Eusr., ad ioc.; cf. VIRG., Pilas: Ar-or.r.ou., Bibl., III, 15, 5; PAUSAN., 1,5,
Aen., X, 264 e S.; Fragm. Hist, gr., I, 18; 266; HE· 3; 39, 4 e 5.; IV, 36, I; VI, 22, 5.
ROO., lI, 32; PUN., N. H., VII, 26 e 5.; ANT. LIB.,
Transf., 16; Ov., Mel., VI, 90 e s.; ATHEN., IX, 393 Pilémenes: ApOLLOD., Ep., III, 35; 11.,11,851; V,
e s. V. também Gerana; cf. R. DANGEL, in S. M. S. 576 e 5.; XIII, 658 e 5.; HYG., Fab., 113.
R., VII (1931), pp. 128 e S.; K. PRAECHTER, in Rh. Pilenor: PAUSAN., V, 5,10; Ov., Mel., XV, 282e
Mus., 1933, pp. 162-164; DANIEL, in A. J. A., 1932, 5.; cf. STRAB., VIII, 346.
pp. 260 e s. Pileu: li., n.
840 e 5.; STRAB., XIII, 3, 2, p. 620
POades: EUR.,Or., 764, e escó!. ad loc.; 1155 e e 5.; DICT. CR., lI, 35.
s.; HE5., fr. 121; PINO.,Pyth., XI, 23; AE5CH., Pília: ApOLLOO., Bibl., lII, 15,5.
Ch., 900; SOPH., EI.; EUR., EI.; Iph. T.; Or.; PAU·
SAN., I, 22, 6; 11, 16, 7; 29, 9; HYG., Fab., 121, Pílio: PTOL HEPH ., ed. WESTERMANN, Mythogr.,
122. p. 197,2.
375 PíREN

* PILUMNO. (Pilumnus.) Divindade ro- A outra versão da lenda, muito mais dramá-
mana obscura, Pilumno era o espírito que nas tica, é transmitida por Ovídio e supõe uma ela-
casas protegia as crianças recém-nascidas do boração literária complexa. Píramo e Tisbe
ataque e das influências nefastas de Silvano (v. eram dois jovens da Babilónia, que se amavam
Silvano). Partilhava tais funções com duas mas não podiam casar-se em virtude de os pais
«deusas» igualmente obscuras: Intercidona e se oporem ao seu enlace. Encontravam-se em
Deverra, cujos nomes são curiosos - a desig- segredo, vendo-se através de uma fenda exis-
nação da primeira advinha das «machadadas» tente no muro que separava as casas das duas
simbólicas que se dava na ombreira da porta famílias. Marcaram um dia um encontro junto
sempre que nascia uma criança; o nome da se- do túmulo de Nino, fora da cidade. Havia aí
gunda está relacionado com a vassoura com uma amoreira, que crescera perto de uma
que se varria a soleira após o nascimento. fonte. Tisbe foi a primeira a chegar. Mas algo
O nome de Pilumno evocaria igualmente o pi- inesperado aconteceu: eis que uma leoa se
lão com que se batia na porta após um parto. aproximou da fonte para beber. A jovem foge,
O machado, o pilão e a vassoura simbolizavam mas deixa cair o véu que lhe cobria a cabeça.
o cultivo: o machado abate as árvores, o pi- A leoa apanhou-o e, com a boca ainda ensan-
lão esmaga o cereal, a vassoura varre a eira. guentada do repasto, despedaçou-o e foi-se em-
Estes três símbolos bastavam para afugentar bora. Entretanto chega Píramo, que, ao ver os
Silvano, divindade selvagem. pedaços do véu manchados de sangue, logo
Pilumno aparece também ao lado do deus imagina que Tisbe foi morta por um animal sel-
Picumno, igualmente enigmático, cujo nome vagem. Num ímpeto de desespero, trespassa o
se relaciona com o de Pico, outra divindade (v. coração com a espada. Quando, pouco depois,
Pico). E possível que Pilumno não seja o «deus a sua amada aparece e o vê morto, arranca a
do pilão», mas o «deus da lança». espada do seu cadáver e suicida-se. E os fru-
Virgílio apresenta Pilumno como o pai de tos da amoreira, que até então eram brancos,
Dauno e o avô de Turno. tomavam a cor vermelha do sangue derra-
Dever-se-á ainda acrescentar que, segundo mado. As cinzas dos dois amantes foram de-
uma glosa de Festo, o vocábulo pilumnoe fi- positadas na mesma urna, como unidas na
gurava no canto dos Sálios e era geralmente in- morte.
terpretado como um adjectivo com o sentido
PIRECMES. (nUP<x1XfiTjÇ.) 1. Na Iliada, Pi-
de «armado com uma lança».
recmes é um dos dois chefes do contingente
PINDO. (IHvooç.) Pindo é um filho de Má- peónio que lutou em Tróia ao lado das hostes
cedon, segundo a tradição que o apresenta de Príamo. Matou Eudoro, «conselheiro» ou
como um dos filhos de Licáon. Contava-se que escudeiro de Pátroclo durante a batalha. Mor-
um dia fora à caça e encontrara uma serpente reu às mãos de Pátroclo ou de Diomedes e foi
monstruosa. O réptil não o atacou, contudo, sepultado em Tróia.
e Pindo, reconhecido, oferecia-lhe, de tempos O segundo chefe dos Peónios era Asteropeu,
a tempos, parte do produto da sua caça, pelo filho do deus-rio Áxio.
que o animal se lhe foi afeiçoando. Quando o 2. Pirecmes é também o nome do fundibu-
jovem foi morto pelos seus três irmãos inve- lário que assegurou a Óxilo a vitória sobre os
josos, a serpente vingou-o, matando os assas- Eleus (v. Óxilo).
sinos e ficando a guardar o cadáver até ao mo- 3. Outro herói homónimo era um rei da Eu-
mento em que os pais de Pindo chegaram para beia, que atacou a Beócia mas foi vencido por
lhe prestar honras fúnebres. Héracles, quando este era ainda jovem. Pirec-
mes sucumbiu esquartejado por cavalos.
PÍRAMO. (nÚP<XfiOÇ.) Píramo e a sua amiga O facto ocorreu à beira de um regato denomi-
Tisbe são os heróis de uma aventura amorosa nado Heracleu, «o regato de Héracles». Sem-
de que existem duas versões independentes. Se- pre que um cavalo bebia água na sua corrente,
gundo uma delas (provavelmente a mais an- saía do leito um relincho.
tiga), Píramo e Tisbe amavam-se mutuamente
e dessa irresistível paixão resultou a gravidez PÍREN. (nElp~v.) 1. Um dos heróis com este
da jovem antes do matrimónio. Desesperada, nome era filho de Glauco, rei de Corinto, e ir-
ela suicidou-se. Ao saber que a sua amada pu- mão de Belerofonte. Um dia, este causou-lhe
sera termo à vida, Píramo seguiu-a na morte. involuntariamente a morte, sendo por isso con-
Tendo piedade deles, os deuses metamorfosea- denado ao exílio (v. Belerofontev.
ram-nos em cursos de água: Píramo ficou 2. Segundo algumas tradições, Píren é tam-
transformado no rio siliciano homónimo, e bém o nome do pai de 10, uma das mortais
Tisbe numa fonte cuja água brotava para o amadas por Zeus. Seria filho de Argo e de Eva-
leito desse rio. dne. Por vezes, atribui-se-lhe o nome de Piras

Pilumno: AUGUST., Civ. D., VI, 9; VIRG., Aen., 242; 243; V. RHODE, Gr. Roman, 2.' ed., pp. 153
X, 75 e S.; 619; SERV., ad VIRO., Aen., IX, 3; X, 76; e s.
PHAEST., p. 244, 4.
Pirecmes: I) li., li, 848; XVI, 287; ApOllOD.,
Pindo: AEL., Hist . An., X, 40; TZETZ., Chil., IV. Ep., m, 34; EUST., ad Hom., 359, 33 e 5.; 1697,
338, e escól. ad 333. 57; DIC'T. CR., 111, 4; PORPH., Quaest . ad li., ed.
Schr., p. 50. 2) PAUSAN., V, 4, 2; Eusr., ad Hom.,
Piramo: Appendix Narr., WESTERMANN Mv- 311,21. V. Óxilo. 3) PlUT., Para". min., 7.
thogr., p. 384, n.? 68; Ov., Mel., IV, 55 e;.; ér. Píren: I) ApOllOD., Bibl., 11, 3, I; TZETZ.• ad
SERV., com. ad VIRG., Buc., VI, 22; HYG., Fab., Lyc., 17.2) ApOLlOD., Bibl., 11, 1,3.
PIRENE 376

e a versão mais generalizada da lenda apre- 2. Pirgo é também o nome da ama dos fi-
senta-o como tio de 10, filha do seu irmão Éc- lhos de Príamo. Embora de avançada idade,
baso (v. quadro 20, p. 240). ela acompanha Eneias na sua viagem. É ela
quem, instigada por Íris, aconselha as mulhe-
PIRENE. (nttp>1VT}.) Pirene é a herói na que
res troianas a deitar fogo às naus. Talvez se
deu nome à fonte homónima, em Corinto. Era
deva relacionar o nome desta personagem com
filha do deus-rio Asopo. Teve de Posídon dois
o da cidade etrusca de Cere (próxima de Civi-
filhos, Leques e Cêncrias, os dois heróis epó-
tàvecchia), Pyrgi, topónimo que significa «as
nimos das duas portas de Corinto. Quando Ár-
Torres».
temis causou acidentalmente a morte de Cên-
crias, Pirene verteu tantas lágrimas que se PÍRIA. (nUpl<XÇ.) Píria é um barqueiro de
converteu em fonte. Ítaca que um dia sentiu pena de um velho que
Segundo outra versão da lenda, Pirene era havia sido capturado por um bando de pira-
a filha de Ébalo. A variante evemerista da his- tas. O ancião trazia consigo umas ânforas que
tória de Asopo apresenta-a como uma das doze à primeira vista pareciam estar cheias de pez.
filhas que este teve, em Fliunte, de Métope, fi- Mais tarde, elas tornaram-se propriedade de Pí-
lha do rei Ládon (v. Ládon e Asopo). ria e este apercebeu-se de que sob o pez esta-
Existia ainda uma lenda de Pirene substan- vam camufladas jóias e tesouros. Reconhecido,
cialmente diferente das anteriores, segundo a o barqueiro sacrificou um boi ao seu benfei-
qual a fonte teria sido dada a Sísifo pelo deus- tor desconhecido. Daí deriva o provérbio: «Pí-
-rio Asopo, em troca do serviço que ele lhe ria foi o único homem a sacrificar um boi ao
prestara revelando-lhe o nome do raptor de sua seu benfeitor.»
filha Egina (v. Egina).
PIRÍTOO. (nttpL9ooç.) Pirítoo é um herói
Foi junto da fonte de Pirene que, segundo
natural da Tessália, que foi progressivamente
certos autores, Belerofonte encontrou o cavalo integrado no ciclo de Teseu. Figura na Iliada
alado Pégaso (v. Pégaso). como um dos filhos de Zeus e de Día, embora
PIRENE. (nuP>1VT}.) 1. Pireneé a filha do rei seja geralmente apresentado como filho de Día
Bébrix, que governava, no tempo de Héracles, e de Ixíon (v. quadro 25, p. 268). Descende por
as populações indígenas da região de Narbona. linha paterna da raça dos Lápitas. A sua lenda
Héracles atravessou os seus domínios quando é composta por diversos episódios que dificil-
se preparava para capturar os bois de Gérion. mente se coadunam entre si, sendo os princi-
Na corte de Bébrix, o herói embriagou-se e vio- pais: a participação na caçada de Cálidon, ao
lou Pirene, que deu à luz uma serpente. As- lado de Meleagro: o casamento com Hipoda-
sustada, a jovem fugiu para as montanhas, mia e o combate contra os Centauros; o en-
onde foi morta por animais ferozes. Ao vol- contro com Teseu; o rapto de Helena; a des-
tar da sua expedição, Héracles encontrou o ca- cida aos Infernos.
dáver da princesa e prestou-lhe honras fúne- Na caçada ao javali de Cálidon, Pirítoo fi-
bres. Em sua memória, deu o herói o nome de gura simplesmente no número dos caçadores,
Pirenéus à cadeia de montanhas onde o seu não desempenhando um papel activo. Mas já
corpo foi descoberto. desde a Iliada que a tradição o apresenta como
2. Pirene é também o nome da mãe de o vencedor dos Centauros, episódio que foi
Cicno, o adversário de Héracles (v. Héracles mais tarde associado à história do seu casa-
e Cicno) e do rei trácio Diomedes. mento com Hipodamia. Esta é geralmente con-
siderada filha de Butes (filho de Bóreas - v.
PIRENEU. (nUpT}VtÚç.) Pireneu é um rei de
Butes), embora por vezes passe por filha de
Dáulis que, durante uma tempestade, convidou
Adrasto e de Anfítea (v. quadro I, p. 8). Se-
as Musas, que atravessavam a região rumo ao
gundo uma das tradições, Hipodamia seria pa-
Hélicon, a entrar no seu palácio, para aí se
rente dos Centauros, razão pela qual Pirítoo
abrigarem da intempérie. Quando as jovens aí
os teria convidado para assistirem à boda.
se instalaram, o rei tentou seduzi-Ias. As deu- Como filho de Ixíon, o herói é meio-irmão des-
sas levantaram voo. Pireneu quis persegui-Ias
ses monstros (v. Centauros), o que justifica-
pelos ares, mas caiu sobre uns rochedos, en-
ria por si só a presença deles no casamento. Ex-
contrando assim a morte.
citados pelo vinho, os Centauros tentaram,
PIRGO. (nupyw.) 1. Pirgo é o nome da mu- durante a boda, violar Hipodamia e raptar as
lher de Alcátoo, rei de Mégara, por ele aban- mulheres presentes na cerimónia. Teve, então,
donada para desposar em segundas núpcias lugar uma luta violenta entre os Centauros
Evecme, filha de Megareu (v. A/cátoo). A e os Lápitas (companheiros de Pirítoo), du-
lenda situa o seu túmulo em Mégara, perto do rante a qual muitos daqueles foram mortos.
de Alcátoo e de Ifínoe, a filha do rei. Teseu participou nesse combate memorável,

Pirene: PAUSAN., Il, 2, 3; 3, 2 e S.; 5, 1; 24, 7; Pirítoo: 11., 1,262 e S.; Od., XI, 631, e escól. a XXI,
0100. SIC., IV, 72; STEPH. Bvz., s.u. KÉrxp",,,, 295; EUR., Herc. F., 619; 0100. SIC., IV, 70; Aror.
LOD., Bib/., I, 8, 2; li, 5, 12; m, 10, 8; Ep., I, 16 e 5.;
Pirene: 1) SIL. ITAL., Hl, 420 e S.; PUN., N. H., 21 e s.; 23 e 5.; PAUSAN., I, 2, 1; 17,4; 18,4; 3D, 4; 41,
111, 3, 8. 2) ApoLLOo., Bib/., lI, 5, 1J. 5; n, 22, 6; m, 18, 15; 24, 11; V, 10, 8; 11, 5; vur,
Pireneu: Ov., Met., V, 274 e s. 45,7; IX, 31, 5; X, 26, 2; 28, 2; 29, 9 e S.; Aeoi., RH.,
Ar.g., I, 101 e s.; e escól. ao v. 107; Ill, 62; HVG., Fab.,
Pirgo: I) PAUSAN., 1,43,4. V. A/cá/ao. 2) VIRG., 33; SERV., ad VIRG., Aen., VII, 304; PLUT., Thes., 30
Aen., V, 645. e s.; cf. S. REINACH, ar/o cit. (s.u. Sísifo); W. OEONNA,
in R. E. O., 1931, pp. 361-367.
Píria: HERACLlO. PONT., 37, 2; PLUT., Qu. Gr.,
34.
377 PlslolCE

tornando-se desde então amigo de PirÍtoo. Do PIRRA. (I1úppot.)Pirra, «a Ruiva», é o nome


casamento deste com Hipodamia, nasceu Po- da filha de Epimeteu e de Pandora, que des-
lipetes (v. Polipetes e quadro 25, p. 268). posou Deucalião, filho de Prometeu, tornando-
Para explicar a amizade que unia Teseu a Pi- -se assim a mãe da espécie humana (v. quadro
rítoo, contava-se que este, ao ouvir falar dos 8, p. 116). Deucalião e Pirra viviam na Ftió-
feitos daquele herói, decidiu pô-lo à prova e tida. Após o Dilúvio que os levou até ao cimo
começou a furtar cabeças de gado dos rebanhos do Parnasso, ambos criaram a raça dos ho-
de Teseu, na região de Maratona. Os dois jo- mens lançando pedras para trás das costas (v.
vens viram-se um dia frente a frente e cada um Deucalião). Enquanto Pirra criava as mulhe-
deles se deixou seduzir pela beleza do outro. res, Deucalião ia criando os homens.
Quando tudo pareceria indicar que se iria Pirra foi também o nome falso que Aquiles
desencadear uma luta, Pirítoo resolveu espon- usou enquanto viveu em Ciro disfarçado de
taneamente reparar a ofensa cometida, prome- mulher (v. Aquiles). Daí adveio o cognome
tendo restituir os bens roubados e declaran- aplicado a seu filho Neoptólemo, chamado por
do-se escravo de Teseu. Querendo superar em vezes «o Ruivo».
honestidade e sensatez o jovem forasteiro, Te-
PÍRRICO. (I1úpp~xoç.) Pírrico é o nome da
seu recusou tal proposta e declarou estar dis-
personagem que inventou a «pírrica», uma
posto a esquecer o passado. Selaram então com
dança guerreira executada com as armas, a
um juramento a amizade que assim nascia, e
lança, o escudo e archotes. Acerca da sua iden-
a partir desse momento os dois heróis viveram
tidade, as tradições divergem. Ora é apresen-
juntos todas as suas aventuras.
tado como um Curete de Creta, sendo assim
Cada um deles jurou dar ao outro por es-
posa uma filha de Zeus. Foi por isso que Pirí- identificado como um dos que vigiaram e cui-
daram de Zeus durante a sua infância; ora se
too auxiliou Teseu no rapto de Helena (v. Te-
diz que era um lacónio. Por vezes, o nome da
seu e Helena), recebendo em troca a ajuda do
dança a que aludimos é relacionado com o de
amigo, que o acompanhou aos Infernos a fim
Pirro (v. Pirro).
de raptar Perséfone, esposa de Hades, filha de
Zeus e de Deméter. Os dois jovens consegui- PIRRO. (Iléppoç.) Pirro, «o Ruivo», é o cog-
ram entrar no mundo dos mortos, mas não pu- nome do filho de Aquiles, Neoptólemo. Vá-
deram sair: ambos ficaram prisioneiros até à rias justificações se apresentam para este facto:
chegada de Héracles. Este ainda conseguiu sal- ora se diz que ele era ruivo, ora que corava fa-
var Teseu, trazendo-o para a superfície, mas, cilmente, ora que o seu pai, de cabelos muito
quando tentou libertar Pirítoo, a terra tre- louros, usara entre as filhas de Licomedes, em
meu - o herói percebeu então que os deuses Ciro, o nome de Pirra. V. Neoptólemo.
não queriam soltar o culpado e desistiu de ten- Pirro era considerado o epónimo da cidade
tar salvá-lo. Foi assim que o companheiro de de Pírrico, na Lacónia, e ainda o inventor da
Teseu ficou preso para todo o sempre nos In- dança guerreira denominada «pírrica» (v. PIÍ'-
fernos. rico).
Segundo uma versão evemerista conservada
PISEU. (Ihceloç.) Piseu, cujo nome deriva
por Pausânias, Teseu e Pirítoo teriam ido de
do da sua terra natal, Pisa, na Toscana,' era
facto para o Epiro, para a corte de um certo
um herói etrusco, a quem se atribuía a inven-
rei Hedoneu (cujo nome teria sido confundido
ção da trombeta e dos esporões das naus.
com o de Hades), casado com uma mulher cha-
mada Perséfone, de quem teria tido uma filha PISÍDICE. (I1wn1HxT].) Pisídice é o nome de
com o nome de Core. Nos seus domínios ha- diversas heroínas.
veria, além disso, um câo aterrador chamado 1. Uma delas era filha do rei da cidade de
Cérbero. Teseu e Pirítoo disseram ao rei que Metimna, em Lesbos. Quando Aquiles cercou
tinham vindo pedir-lhe a mâo de Core, mas na a cidade, Pisídice avistou-o do alto das mura-
realidade tinham planeado raptar mãe e filha. lhas e apaixonou-se por ele. Obedecendo aos
A mão da princesa havia sido prometida ao he- impulsos do seu coração, mandou em segredo
rói que conseguisse vencer o cão Cérbero. Mas dizer ao herói que estava disposta a mandar
Hedoneu, apercebendo-se das verdadeiras in- abrir as portas da cidade, se ele em troca pro-
tenções dos dois jovens, mandou-os prender. metesse desposá-Ia. Aquiles aceitou a proposta,
Pirítoo, sobre quem recaía a maior parte da mas, após a vitória, não cumpriu a promessa,
culpa, foi posto à mercê do câo Cérbero, que mandando lapidar a princesa traidora.
o engoliu de um trago. Teseu ficou na prisão, 2. Uma lenda análoga se conta a respeito de
até ao dia em que um amigo do rei, Héracles, uma outra Pisídice, natural da Tróada, da ci-
advogou a causa do prisioneiro conseguindo dade de Monénia. Quando Aquiles estava pres-
obter o beneplácito real. Teseu recuperou as- tes a atacar a cidade assediada, a princesa en-
sim a liberdade. viou ao herói uma mensagem, revelando que

Pirro: SERV., ad VIRO., Aen., ll, 469; PAUSAN •• 1.


Pirra: HES., fr. 24 e 25 (Rz.): PINO., Pyth .• IX, 64 4, 4; Il l, 25, 2. V. Neoptolemo, v. Pirra.
e 5.; ApOllOD., Bibl., I, 7, 2: CONON, Narr., 27:
Hvc., Fab .• 153;' M: DElCOLIRT, Pyrrhos et Piseu: PUN., N. H .• Vll, 57; PHOT., Lex., s.u.
Pyrrha ... , Liêge, 1965. ~T}atoO'aÀ1tlrX'taç.

Pirrico: PAUSAN., Ill, 25, 2: STRAH., X, 4, 16, Pisídice: I) PARTH., Eror., 21; cf. escol. a li., VI,
p.480; ATHEN., XIV, 630 e: POllU", IV, 99; 35. 2) ApOlLOD., Bibl., I, 9, 10; HYG., Fab., 24.
104. 3) ApOllOD., Bibl .• I. 7, 3; 1,9.9.
PlslsTRATO 378

os habitantes seriam forçados a render-se por mão de Tiestes e de Atreu. Sucedeu a Trézen
falta de água. Aquiles pôde assim, sem custo, no trono da cidade de Trezena (v. Trézen).
tomar a cidade de Monénia. A lenda não conta Atribuía-se-lhe nessa cidade a criação do mais
o que aconteceu a Pisídice. antigo templo grego, o de Apoio Teário. Pi-
3. Outras heroínas com o mesmo nome fi- teu ficou célebre pela sua sabedoria e eloquên-
guram em determinadas genealogias: uma de- cia e ganhou fama de ser um excelente adivinho.
las é filha de Eolo e de Enárete (v. quadro 8, Graças aos poderes divinatórios, interpretou,
p. 116); outra é uma das filhas de Nestor e antes de Egeu, o oráculo que a este prometia
Anaxíbia (v. Neston, mãe de Argeno. Mas um filho valoroso. Embriagando Egeu, fê-lo
muitas outras existem ainda. passar a noite com sua filha Etra, tornando-
PISÍSTRATO. (TIELat<npcx"toç.) Pisístrato é o -se assim avô de Teseu, que seria entregue aos
mais novo dos filhos de Nestor (v. Neston. Era seus cuidados (v. Teseu). Foi de Piteu que o
da idade de Telémaco e acompanhou-o na via- herói herdou o direito de ocupar o trono de
gem de Pilo a Esparta. O tirano homónimo de Trezena.
Atenas teria sido um dos seus descendentes. Piteu foi também incumbido da educação
de Hipólito, filho de Teseu e da amazona (v.
PISO. (Ilteoç.) 1. Um primeiro herói com Hipó/ita).
este nome é um dos filhos de Perieres, que des-
posou a arcádia Olímpia e deu o nome à cidade PITEU. (nUeCXEÚÇ.) Piteu é um filho de Apoio
de Pisa, na Elida. que viajou de Delfos para Argos, onde fundou
um templo em honra de Apoio «Pítio».
2. Segundo certas tradições, a cidade de Pisa
na Itália orgulhava-se de descender de um epó- PITIREU. (nLWpEÚÇ.) Pitireu é um descen-
nimo chamado Piso, rei dos Celtas, filho de dente de Íon que reinava em Epidauro, no Pe-
Apoio Hiperbóreo. loponeso, aquando do regresso dos HeracJidas.
3. Também se chamava Piso (nti:aoç) um dos Cedeu sem luta o seu reino ao Heraclida Dei-
filhos de Afareu (v. quadro 21, p. 242). fontes, retirando-se, com os seus súbditos, para
* PISTOR. (Pistar.) Contava-se que, en- Atenas. Procles, filho de Pitireu, chefiou a de-
quanto o Capitólio esteve cercado pelos Gau- legação de Epidauro que fundou a colónia jó-
leses, o trigo escasseava na cidadela e a fome nica de Samos.
estava iminente. Júpiter, então, apareceu, de PÍTIS. (Iltroç.) Pítis foi uma ninfa amada
noite, em sonhos, aos defensores da colina e por Pão Um dia, o deus perseguiu-a e ela fu- .
aconselhou-os a arremessar aos inimigos o que giu dos seus braços, sendo transformada em
tivessem de mais precioso. Os Romanos amas- pinheiro (epitys» significa pinheiro, em grego).
saram logo alguns pães com a pouca farinha Assim se explicava que Pã gostasse de ornar
que Ihes restava e atiraram-nos aos escudos e a fronte com coroas de pinho.
aos elmos dos adversários. Os Gauleses perde- Segundo outra variante da lenda, Pítis teria
ram a esperança de ver render -se a cidade pela sido amada por Pã e por Bóreas. Vendo-a
fome e, crendo que o inimigo possuía abun- entregar-se ao seu rival, Bóreas, cheio de
dantes reservas de mantimentos, levantaram o ciúme, tê-Ia-ia precipitado do alto de um ro-
cerco. Em sinal de reconhecimento, os Roma- chedo. A Terra apiedou-se dela e transformou
nos ergueram um altar a Júpiter Pistor (Júpi- o seu corpo numa árvore, um pinheiro. A alma
ter «Padeiro»), de Pítis geme desde então sempre que Bóreas
roça a rama dos pinheiros, enquanto estes, pelo
PÍTANE. (nL"tcXVT).) 1. Pítane é uma filha contrário, oferecem de bom grado coroas ao
do deus-rio Eurotas, que teve de Posídon deus Pão
uma filha chamada Evadne. Exposta à nas-
cença, esta teria sido recolhida por Épito. Se- PITO. (TIELe,;,.) 1. Pito é a «Persuasão» di-
gundo outra versão, Pítane teria mandado en- vinizada. Figura geralmente no cortejo das
tregar secretamente a filha a Épito, para que divindades secundárias que acompanham
este a criasse. A cidade de Pítane, na Lacónia, Afrodite. É por vezes considerada como filha
deve-lhe o nome. de Ate (o Engano). Mas outros mitos, nasci-
2. Outra heroína homónima é uma ama- dos de uma reflexão sobre o valor da persua-
zona, que teria fundado as cidades de Pítane, são na Cidade, apresentam-na como irmã de
na Mísia, e as de Cime e de Priene. Tique e de Eunómia (a Fortuna e a Ordem) e
filha de Prometeu.
PITEU. (TIL"t9EÚÇ.) Piteu é um filho de Pé- 2. Hesíodo atribui também o nome de Pito
lops e de Hipodamia (v. quadro 2, p. 12), ir- a uma das filhas de Oceano e de Tétis, que te-

Pisístrato: Od., 111, 36; 400; 415; 482; XV, 4 e s.; PAUSAN., I, 22, 2; 11, 30, 8; 31, 6; STRAB., VIII, p. 374;
ApOLLOO., Bib/., 1,9,9; PAUSAN., IV, 3,1; HEROO., Dron. SIC.,V, 59; PWT., Thes., 4; 34; HVG., Fab., 4;
V,65. 37; ApOLLOO., Bib/., 111, 15, 7; Ep., 11, 10.
Piso: 1) PAUSAN., V, 17,9; VI, 22, 2. 2) SERV., ad Piteu: PAUSAN., 11, 24, I; 35, 2.
VIRO., Aen., X, 179.3) ApOLLOO., Bib/., 111, 10,3.
Pitireu: PAUSAN., 11, 26, 1; VII, 4, 2.
Pistor: Ov., Fast., VI, 350 e s.; LAcT., 1,20, 33.
Pítis: NONN., Dion., 11, 108; 118; XLII, 259; Lu.
Pítane: 1) PINO., O/ymp., VI, 46 e s.; e escól. aos
CIAN., D. Deor., 22,4; Geopon., XI, 10.
vv. 46, 48, 51, 52, 95. 2) Dron, SIC., 111, 55.
Pito: 1) PAUSAN., I, 22, 3; AESCH., A., 385 e s.;
Piteu: li., 111, 144; escól. ad PINO., O/ymp., I, 144; ALCMAN, apud PLUT., De forl. Rom., IV, 318 b.
EUR., Med., 680 e s.; Herc., 207 e s.; escól. a Or., 5; 2) HES., Theog., 349; escól. a EUR., Phoen., 1123.
379 PLÊURON

ria desposado o primeiro Argo (v. Argo). Uma Todas as Plêiades se uniram a deuses, ex-
outra personagem com o mesmo nome figura cepto Mérope, que desposou Sísifo, facto de
ainda no ciclo arcádico: trata-se da mulher de que se envergonhou; por isso, a sua estrela é
Foroneu, mãe de Egialeu e de Ápis (v. Foro- a menos brilhante da constelação (v. quadro
neu, para mais informações a respeito de ou- 27, p. 280). À tradição sintetizada neste qua-
tras variantes da lenda). dro e apresentada por Apolodoro, acrescenta-
PÍTON. (nú9wv.) Quando Apoio decidiu ram-se algumas variantes: Híperes e Antas, os
fundar um santuário no sopé do Parnasso, não dois fundadores da cidade que teria mais tarde
muito longe de Delfos, encontrou, perto de o nome de Trezena, foram considerados filhos
uma fonte, um dragão que massacrava homens de Posídon e de Alcíone; Nicteu, por exemplo,
e animais. A serpente chamava-se Píton. Apoio passava por um dos filhos de Posídon e de Ce-
matou-a com as suas flechas. Fora a esse mons- leno (acerca das diferentes origens atribuídas
tro que Hera confiara a guarda de Tífon. pela tradição a Nicteu, v. Nicteu e o quadro
Como a maior parte dos seres monstruosos, Pí- 27, p. 280). .
ton era considerado um filho da Terra, tendo Contava-se que as Plêiades estavam um dia
assim o dom de proferir oráculos. Foi esse o na Beócia em companhia de Plêione e encon-
motivo que levou Apoio a exterminar o seu ri- traram o terrível caçador Oríon, que por elas
val, antes de estabelecer um oráculo em Delfos. se apaixonou. Durante cinco anos perseguiu-
Higino transmitiu-nos uma lenda segundo a -as sem cessar, até que as sete irmãs foram con-
qual um oráculo havia declarado que a serpente vertidas em pombas. Zeus teve piedade delas
Píton morreria às mãos de um filho de Latona. e transformou-as em estrelas. Segundo outra
Sabendo que esta esperava um filho de Zeus, versão, a metamorfose teria sido causada pelo
Hera declarou que ela não podia dar à luz num profundo desgosto sentido. pelas Plêiades
local iluminado pelo Sol. Píton tentou por seu quando Atlas, seu pai, foi condenado por Zeus
lado matar Latona, mas Posídon, a pedido de a suportar sobre os ombros o peso do Céu.
Uma outra tradição considerava que elas e as
Zeus, acolheu-a, escondendo-a na ilha de Or-
suas cinco irmãs, as Híades (v. Htadesi, tinham
tígia que era então coberta pelas vagas. Aí ela
sido transformadas em estrelas após a morte
deu à luz, sob uma abóbada de ondas, ao
abrigo do sol, conforme a vontade de Hera. do irmão, Hias, mordido por uma serpente.
Três dias após o nascimento, Apoio matou Pí- Quando os Gregos tomaram Tróia, a Plêiade
Electra, descendente da raça dos reis troianos,
ton, encerrou as suas cinzas num sarcófago e
fundou em sua honra os Jogos Píticos. desesperada, abandonou as suas irmãs e foi
Diz a lenda que a serpente foi enterrada sob transformada em cometa.
o omphalos do templo do Delfos (v. também PLÊIONE. (llÀ1jlÓV1j.) Plêione, filha de
Delfine). Tétis e Oceano, é a mãe das Plêiades, das Hía-
PLÁTANO. (nÀcÍ'ravoç.) Plátano é uma irmã des e de Hias (v. Plêiades, Hiades, Hias).
Oríon apaixonou-se por ela e pelas filhas e
dos Alóadas (v. Alóadas). Após a morte dos
dois irmãos, foi transformada em plátano. perseguiu-as, durante cinco anos, através da
Beócia, até que todas elas foram transforma-
PLÊIADES. (llÀ1jíaOE.Ç.) As Plêiades são sete das em estrelas (v. quadro 5, p. 90; 7, p. 112;
irmãs que foram divinizadas e convertidas nas . 27, p. 280).
sete estrelas da constelação homónima. Eram PLEMNEU. (nÀ1j!-,varoç.) Plemneu é um
filhas do gigante Atlas e de Plêione (v. qua-
dos reis de Sícion, segundo a tradição trans-
dro 27, p. 280), chamavam-se Taígete, Electra,
mitida por Pausãnias. É filho de Pérato e pai
Alcíone, Astérope, Celeno, Maia e Mérope.
de Ortópolis. Acerca da sua lenda, v. Ortópo-
Existia outra tradição (seguida por Calímaco, lis. Atribui-se-Ihe a introdução do culto de De-
num poema de que resta apenas um frag- méter em Sícion e a construção de um templo
mento), segundo a qual as Plêiades eram filhas em honra da deusa.
de uma rainha das Amazonas e haviam sido
as iniciadoras dos coros de danças e das festas PLÊURON. (nhupwv.) Plêuron é irmão de
nocturnas. Os seus nomes seriam, segundo esta Cálidon e filho de Etolo e de Prónoe (v. qua-
versão: Cocimo, Gláucia, Prótis, Parténia, dro 26, p. 272). Epónimo da cidade etólica de
Maia, Estoníquia e Lârnpado. Calipso e Dione Plêuron, desposou Xantipa, filha do herói
eram também, por vezes, inseridas no número Doro, estabelecendo assim laços de parentesco
das Plêiades. entre os Etólios e os Dórios. Do seu casamento,

Píton: Hymn. hom. Apoll ., 282 e S.; CALLlM., ad 172; V, 83 e S.; ARAT., Phaen., 262 e 5.; escól. ad
Apoll ., 100 e s.; HVG., Fab., 140; OV., Mel., I, 483 THEOCR., XIII, 25 (cit , um frag. de Calímaco); PAU·
e S.; EUR., lph. T., 1245 e s.; PAUSAN., X, 6, 5; AEL., SAN., 11, 30, 8.
VH, 111, I; VAR., LL, VII, 17; J. E. FONTENROSE,
Plêione: ApOLLOD., Bibl., 111, 10, I; escol. ali.,
Python, A Study of Delphic myth and ils origin, Ber-
XVIII, 486; a Od., V, 272; a HES., Op., 382; HVG.,
keley, 1959.
Fab., 192; 248; ASlr. Poet., 11, 21; TZETZ., ad Lyc.,
Plátano: WESTERMANN, Myth., p. 381, n. o 61. 149; 219; ov., Fasl., V, 83; Met.; 11,743.
Plêiades: Escól. a 11., XVIII, 486; EUST., ad Plemneu: PAUSAN., 11, 5, 8; 11,2.
Hom., p. 1155; HES., Op., 383; AESCH., fr. 312 (ed.
NAUCK, Trag. Gr. Fragm., 2 .• ed.); HVG., Fab., Plêuron: Escól, a Aeoi.. RH., Arg., I, 146; ApOL·
192; ERATosTH., Cai., 23; escól. a Ar-or , RH., Arg., LOD., Bibl., I, 7, 7; escó!. a 11., XIII, 218; PAUSAN.,
111,225; ApOLLOD., Bibl., 111,10, I; Ov., Fasi., IV, 111, 13, 8.
PLEXIPO 380

nasceram quatro filhos: Agenor, Estérope, Es- gem desta lenda (muito provavelmente uma
tratonice e Laofonte. Outra tradição atribui- tragédia) não é fácil de localizar com precisão
-lhe contudo apenas dois descendentes: Cures (cf. Egisto).
e Cálidon.
Plêuron é o bisavô de Leda (v. quadro 26, PLUTÃO. (IIÀoú"twv.) Plutão, o Possuidor
p. 272), razão pela qual possuía um santuário de riquezas, é um sobrenome ritual do deus dos
em Esparta. Infernos, Hades. Foi assimilado ao deus latino
Dis Pater (que é como ele, originariamente,
PLEXIPO. (m~ç~ltltOç.) 1. Um dos heróis uma divindade agrária), porque é do solo que
com este nome foi um dos tios de Meleagro. advém toda a riqueza (v. os laços que uniam
Irmão de Alteia (v. quadro 26, p. 272), foi à partida Pluto e Deméter - s.u. Pluto) (v.
morto pelo sobrinho, por ocasião da caçada Rades).
ao javali de Cálidon (v. Meleagro).
2. Plexipo era também o nome de um dos PLUTO. (IIÀoü"toç.) Pluto, a Riqueza, é, na
dois filhos de Fineu e Cleópatra. O pai cegou- Teogonia hesiódica, apresentado como o filho
-o (v. Fineu e quadro 12, p. 144). de Deméter e de Iásion. Natural de Creta, fi-
3. Outro herói homónimo é um dos filhos gura no cortejo de Deméter e de Perséfone sob
de Córico (v. Córico). a aparência de um jovem ou de uma criança,
levando nas mãos uma cornucópia, símbolo da
PLÍSTENES. (IIÀ~~a9iVTjç). Plístenes figura abundância. Mais tarde, com o desenvolvi-
na genalogia dos Atridas e dos Pelópidas, mas mento da riqueza mobiliária, Pluto desligou-
as tradições atribuem-lhe papéis diversos. E ge- -se do cortejo de Deméter e passou a s~r a per-
ralmente identificado com um dos filhos de Pé- sonificação da riqueza em geral. E nesta
lops e de Hipodamia, sendo por conseguinte qualidade que intervém na comédia de Aris-
irmão de Tiestes e de Atreu (v. quadro 2, tófanes que tem o seu nome. Pluto é represen-
p. 12). Outra versão apresenta-o como filho de tado pelos poetas cómicos (e pela visão popu-
Pélops e de outra mulher. Passa ainda, por ve- lar) pela figura de um homem cego, porque
zes, por filho de Atreu e de. Cléola, filha de favorece indiferentemente os bons e os maus.
Dias, desposada por Atreu quando este se es- Aristófanes afirma que fora o próprio Zeus que
tabeleceu em Trifília, embora outros rnitógra- cegara Pluto para assim o impedir de recom-
fos afirmem que a sua mãe era Aérope, que pensar os homens de bem e forçá-lo a favore-
outros apresentam como sua esposa (v. Aérope cer também os maus. Tais alusões mais não
e Dias). são, contudo, do que símbolos, não consti-
Embora Agamémnon e Menelau sejam ge- tuindo propriamente mitos.
ralmente considerados filhos de Atreu, houve
uma tradição que fazia de P!ístenes seu pai, ge- PODALÍRIO. (IIoÕOtÀ~(pLOç.)Podalírio, ir-
nealogia que parece ter-se desenvolvido sobre- mão de Macáon, é filho do deus Asclépio, pa-
tudo com os trágicos. Para conciliar ambas as trono da Medicina, e de Epíone ou Lampécia.
tradições, supôs-se que P!ístenes seria filho de Os dois irmãos figuram entre os pretendentes
Atreu e pai dos dois heróis. Morrera jovem e de Helena, participando por isso na Guerra de
por isso confiara os dois filhos (e ainda uma Tróia. Ambos desempenham um importante
filha, Anaxíbia, segundo certas variantes) ao papel, não só como guerreiros mas também
avô, que os criou - daí adviria o patronímico como médicos (v. Macáon). Macáon era um
Atridas, usualmente aplicado a Menelau e Aga- exímio cirurgião; Podalírio era sobretudo o mé-
mémnon. dico. Atribuía-se-lhe um grande número de
Uma fábula resumida por Higino faz de Plís- curas: teria tratado dos ferimentos graves so-
tenes um filho de Tiestes e um irmão de Tân- fridos por Acamante e Epeu durante uma
talo. Este e Plístenes teriam sido mortos por prova de pugilismo integrada nos jogos fúne-
Atreu para se vingar de Tiestes, seu irmão. Esta bres em honra de Pátroclo; teria também cu-
lenda é tardia e baseia-se decerto numa con- rado Filoctetes.
fusão (v. Tântalo e Tiestes). Podalírio sobreviveu ao irmão, vingando a
Outra fábula transmitida nas mesma condi- sua morte. Após a vitória dos Gregos, partiu
ções afirmava que Plístenes era o filho de de Tróia com Calcas, Anfíloco, Leonteu e Po-
Atreu, que tinha sido educado por Tiestes, que Iipetes e seguiu por terra até Cólofon. Depois
sempre supusera que ele era seu filho. Um dia, da morte de Calcas nesta cidade, Podalírio foi
querendo vingar-se de Atreu, Tiestes mandou para a Grécia e consultou o oráculo de Delfos,
Plístenes ir ter com ele para o matar. Mas foi a fim de saber onde deveria estabelecer-se.
Atreu quem matou o jovem, apercebendo-se Apoio respondeu-lhe que escolhesse uma região
depois de que matara o próprio filho. A ori- tal que não oferecesse perigo mesmo que um

Plexipo: 1) ApOLLOD., Bibl., I, 7, 10; 8, 2; Ov., Pluto: HES., Theog., 969 e 5.; Dioo. SIc:.,V, 49;
Met., VIII, 305; 434 e 5.; escól. a P5.-0V., {bis, 601; Hymn. hom. Dem., 486; ARISTOPH., PI., passim.
a 11., IX, 567; HVG., Fab., 173; 174; 244; DIOD. SIc:.,
IV, 34. 2) ApOLLOD., Bibl., 111, 15,3; escol. a SoPH., Podalírio: 11., 11,72911 e 5.; XI, 833 e 5.; DIOD.
Anl., 980. 3) SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 138. SIc:., IV, 71; escól. ad ARISTOPH., PI., 701; a 11.,XI,
263; Ar-or.r.ou., Bibl., 111, 10,8; Ep., V, I; 8; VI, 2;
Plístenes: Escól. a PINO., Olymp., 1,44; a EUR., 18; VIRG:, Aen., 11, 263; DICT. CR., Bell. Tr., I, 14;
Or., 4; a SOPH., Aj., 1297; ApOLLOD., Bibl., 111,2, 11,6; 111,19, etc.; QUINT. SM., IV, 396 e 5.; 538 e 5.;
2; EUR., Pllsthenes, trago perdida (NAUCK, fr. 2.' VI, 455 e 5.; VII, 22 e 5.; PAUSAN., 111, 26, 10; STEPH.
ed., p. 556 e s.): SENEC., Th., 726; HVG., Fab., 86; Bvz., S.U. 1:úpvo<; STRA8., VI, p. 284; XIV, 654 e;
88. Lvc., Alex., 1047 e 5., e TZETZ., ad loc.
381 POLlCRITE

dia o céu caísse. A terra que satisfazia tais re- nassa (ou Lisímaca, segundo outros autores),
quisitos era o Quersoneso da Cária, uma zona que ele deu em casamento a Tálao, rei de Ar-
cercada de montanhas por todos os lados. Foi gos, e que dele teve vários filhos, entre os quais
aí que Podalírio se instalou. Mas a propósito se encontram Adrasto e Prónax (v. quadro I,
da sua chegada à Cária contava-se, ainda, ou- p. 8). É junto de Pólibo que se refugia Adrasto
tra lenda: uma tempestade tê-Io-ia impelido (v. Adrasto), a quem, por não deixar ao mor-
para as margens da Cária, onde um cabreiro rer filho varão, legou o seu reino.
lhe salvara a vida, levando-o à presença do rei 3. Necessário será provavelmente distinguir
Dameto. Ora acontece que a filha do soberano, do anterior o rei Pólibo que em Corinto aco-
chamada Sirna, caíra do telhado e o pai acei- lheu e educou Édipo. Dever-se-á notar, con-
tou, reconhecido, o auxílio que Podalírio lhe tudo, que a lenda de Édipo tanto situava a ex-
oferecia propondo-se tratar dos seus ferimen- posição do recém-nascido em Corinto como em
tos. Curou a princesa, desposou-a e recebeu Sícion (v. Édipo).
como recompensa a península da Cária, onde
POLIBOTES. (TIoÀu~w~Tjc;.) Polibotes é um
fundou a cidade de Sirno.
dos Gigantes que lutaram contra os deuses. Foi
Existia na Itália, no sopé do monte Dríon,
perseguido por Posídon até à ilha de Cós, onde
um santuário consagrado a Podalírio; no cume
morreu esmagado por um pedaço de terra ar-
da mesma elevação, erguia-se outro dedicado
a Calcas, cuja fundação lhe era atribuída ..Todo rancado à ilha pelo deus do mar, formando,
assim, o ilhéu de Nisiro.
aquele que sacrificasse a qualquer um dos dois
irmãos um carneiro negro e dormisse envolvido POLICÁON. (TIoÀuxáwv.) Policáon, esposo
na pele do animal teria sonhos proféticos. de Messene, é o filho mais novo de Lélex e de
Perídia. Como não podia estar à espera de re-
PODARCES. (TIoMpxTjç.) 1. Podarces era o ceber uma parte do reino de seu pai, decidiu,
nome por que Príamo era conhecido durante .seguindo os conselhos da mulher, conquistar
a juventude (v. Héracles, Priamo e quadro 7, um território para governar. Levando consigo
p. 112). gente de Argos e de Lacedémon, fundou a ci-
2. Podarces é também o nome de um dos fi- dade de Andânia e colonizou a regiâo do Pe-
lhos de Íficlo. Foi para Tróia com Protesilau, loponeso a que se deu o nome de Messénia (v.
seu irmão, e, após a morte deste, sucedeu-lhe também Messene).
no comando das tropas tessálicas de Fílace. Dever-se-á distinguir este Policáon do herói
Matou a Amazona Clónia e foi morto por Pen- homónimo que desposou Evecme filha de Hilo
tesileia. Os Gregos prestaram-lhe honras par- e de Íole (v. quadro 18, p. 220).
ticulares e ergueram um túmulo só para ele (v.
quadro 22, p. 244). POLICASTE. (TIoÀuxáO"~.) 1. Policaste é
uma das filhas de Nestor que na Odisseia pre-
PODARGE. (TIoõcipjIJ.) Podarge é uma das para um banho para Telémaco, quando este
Harpias. Fecundada pelo deus do vento Zéfiro, se dirige a Pilo para saber notícias do pai. Em
deu à luz dois cavalos: Xanto e Bálio, os ca- formas posteriores da lenda, Policaste era apre-
valos de Aquiles. Passava também por mãe de sentada como a mulher de Telémaco, que lhe
Flógio e de Hárpago, os dois cavalos de Dio- teria dado um filho chamado Persépolis.
medes (ou dos Dioscuros). 2. Policaste é também o nome da mulher de
PODES. (TIooTjç.) Podes é um troiano, amigo Icário, mãe de Penélope, por vezes substituída
íntimo de Heitor. Foi morto por Menelau du- por Peribeia (v. quadro 21, p. 242). Era filha
rante a disputa pelo cadáver de Pátroclo. de Ligeu, um acarnano (v. também lcário).
PÓLIBO. (TIóÀu~oç.) 1. Pólibo é o nome do POLÍCRITE. (TIoÀuxp(~Tj.) Polícrite é o
rei de Tebas, no Egipto, que acolheu Helena nome de uma heroína de Naxos a quem se pres-
e Menelau (v. Helena e Menelau). É também tava culto. Contava-se a seu respeito a seguinte
o nome de diversos heróis que dificilmente se história: durante uma guerra entre Naxos e Mi-
distinguem e figuram nas genealogias reais da leto, foi capturada por Diogneto, chefe dos Eri-
Grécia: treus, aliados de Mileto. Diogneto apaixonou-
2. Um deles é o rei de Sícion, filho de Her- -se pela cativa e desde logo esta sentiu que o
mes e de Ctonófile (filha de Zeuxipa e de Sí- dominava e poderia levá-Io a agir consoante
cion). Nele se cruza o sangue dos reais argivos a sua vontade. Acontece que Polícrite era irmã
e dos Erectidas de Atenas (v. quadro 24, do chefe dos Náxios, Pólicles. Dissimulando
p. 265). Pólibo teve uma filha chamada Lisia- uma tabuinha na massa de um bolo, ela arran-

Podarees: 1) ApOlLOD., Bibl., 11, 6, 4; III, 12, 3; p. 35~; PIND.,Nem., IX, 30 e S.; e escól. ad loc.;
HVG., Fab., 89;
TZETZ.• ad Lyc .• 34. 2) 11., 11, 704; PAUSAN., 11, 572; SERV., ad VIRG., Aen., VI, 480.
XIII, 693; HVG.• Fab., 97; APOlLOD., Bibl., I, 9, 12; 3) Escól. ad Od., XI, 271; ApOllOD., Bibl., m, 5, 7.
escól. ad Hom., XI, 287; EUST., ad Hom., 1685,45; Poli botes: ApOLLOD., Bibl., I, 6, 2; STRAB., X,
QUINT. SM., 1,233 e S.; 815 e s. 489; PAUSAN., I, 2,4.
Podarge: li., XVI, 150; e escól. ad loc.; EUST., ad Policáon: PAUSAN., III, I, 1; EUR., Or., 626.
Hom., 1050, 60; SERV., ad VING., Aen., III, 241;
STI'SIl"H., fr. 1 (BERO'). Policaste: I) Od., III, 454 e S.; Eusr ., ad Hom.,
Podes: 11., XVII, 575 e S.; cf'. ATHEN., VI, 236 c. 1796, 39; cf. ApOllOD., Bibl., I, 9, 9. 2) STRAB., X,
452; 461.
PóIibo: 1) Od., IV, 124 e S.; cf. ATHEN., V, 191
b. 2) NIC. DAM.. fr. 15; escól. ad PLAT., Rep., 590 a, PoIícrite: PWT., de mul. virt, XVII.
POLíCRITO 382

jou, assim, maneira de avisar o irmão do es- e descendiam, por conseguinte, de Zeus (v. Pté-
tratagema que urdira para o ajudar. Conseguiu r~/as). Naturais .de Cefalénia, tinham daí par-
convencer Diogneto, seu amante, a entregar tido para colomzar Itaca.
durante a noite aos Náxios o acampamento que
estava sob a sua alçada. O estratagema surtiu POLIDAMANTE. (nOÀuÕ<ifL<X") Polida-
efeito: os Náxios, prevenidos, penetraram no m~nte é um heró! tr~JÍano, filho de Pântoo (v.
Pa,n~oo) e de Frôntis (ou Prónome), filha de
acampamento e semearam o massacre entre os
inimigos, com quem acabaram por concluir um Clício. Nasceu na mesma noite que Heitor e
vantajoso tratado de paz. Polícrite foi louvada Igualava o valor que este demonstrava na ba-
e homenageada. Mas ao regressar à pátria re- tal?a com a sua capacidade de tomar decisões.
~OI ele quem concebeu o plano de ataque à pa-
cebeu tantos presentes, colocaram-lhe na ca-
beça tantas coroas que acabou por morrer su- liçada do acampamento aqueu; foi ele quem
sugeriu a Heitor que reunisse os chefes troia-
focada às portas da cidade. O seu cadáver doi
enterrado no local em que sucumbiu. Diogneto nos; .é ele quem .aconselha os Troianos a
conseguiu escapar incólume do ataque ao refugiarem-se em Ilion após a derrota; depois
acampamento, em virtude de Polícrite ter su- da morte de Heitor, explica aos concidadãos
plicado que lhe poupassem a vida, mas, se- que mais vale entregar Helena do que planear
gundo outra versão da lenda, ele teria sucum- revoltas persistindo obstinadamente em lutar
pela sua posse.
bido no confronto, sendo sepultado ao lado da
sua amada. Polidamante praticou ainda valorosos feitos
no .campo de batalha: matou Mecisteu, Oto e
POLÍCRITO. (noÀúxp~~o,.) Polícrito é um feriu Peneleu.
etólio que foi eleito chefe da confederação. Atribui-se-lhe, ainda, um filho chamado
Após ter .sido investido em tal cargo, despo- Leócrito. '
sou uma Jovem de Locros, com quem não vi- POLIDAMNA. (nOÀÚO<XfLV<X.) Segundo uma
veu mais de três dias. Antes da quarta noite das versões da lenda, Polidamna é a esposa do
pereceu. Ao fim de nove meses, a viúva de~ rei egípcio Ton. Para proteger Helena do as-
à luz um filho hermafrodita. Assustada, levou- sédio apaixonado do rei, Polidamna levou-a
-o para a praça pública da cidade, onde o povo para a ilha de Faros, para a embocadura do
se encontrava reunido. Foi unãnime o vere- Nilo e ensinou-a a usar diversas plantas para
dicto: tratava-se de uma maldição e dever-se- prevenir a mordedura das inúmeras espécies de
-i~ levar aquele monstruoso ser e a sua proge- serpentes que povoavam a ilha (v, Helena),
mtora par.a fora dos muros da cidade, para aí
serem queimados, Foi então que Polícrito apa- POLIDECTES. (noÀuO&X"t1jç.) Polidectes é
receu, vestido de negro, reclamando o seu fi- um filho de Magnes, descendente de Éolo (v.
lho. Acrescentou que era imperioso que lho en- quadro 8, p. 116) e de uma Náiade. Segundo
tregassem o mais depressa possível pois os outros, seria filho de Perístenes (neto de Náu-
deuses infernais apenas lhe tinham c~ncedido plio e filho de Darnastor). Nesta segunda ver-
breves instantes de liberdade. Como o povo, são, a mãe é Andrótea, filha de Pericastor. É
assustado, hesitasse em aceder às suas súpli- irmão de Djctis, com quem se estabelece na ilha
cas, renovou-as; mas, perante a indecisão ge- de Serifo. E junto de Díctis - ou, segundo ou-
ral, ele próprio pegou na criança, desfez o seu tras tradições, do próprio Polidectes - que
corpo em bocados e ali mesmo os devorou, dei- Dánae se refugia, quando as vagas a empur-
xando apenas a cabeça. Feito isto, desapare- ram para as margens da ilha (v, Perseu e Dá-
ceu. <?sEtólios pensaram, então, enviar uma nae) , Polidectes apaixonou-se por ela e para
embaixada a Delfos para perguntar ao deus afastar Perseu, que, entretanto, atingira a idade
Apoio de que modo poderiam impedir os ma- adulta, mandou-o ir buscar a cabeça de Me-
lefícios de tal prodígio. Nesse momento, a ca- dusa, sob pretexto de a querer dar como pre-
beça da criança, caída por terra, começou a sente de núpcias a Hipodamia, filha de Enó-
profetizar. Proibiu os habitantes da cidade de mao. Durante a ausência do jovem, Polidectes
enviarem a Delfos uma embaixada e previu tentou violar Dánae, que se refugiou com Díctis
uma guerra. Pediu por fim que não a enter- junto dos altares. Mas Perseu chegou entre-
ra~sem, e que a pusessem num local em que os tanto e, com o auxílio da cabeça de Medusa,
raios do Sol a pudessem iluminar. transformou o rei numa estátua de pedra. .
Uma versão aberrante da lenda, transmitida
POLICTOR. (noÀúx~wp.) Polictor Ítaco e por Higino, conta que foi durante os jogos fú-
Nérito são três heróis de Ítaca que con;truíram nebres celebrados por Perseu em honra de Po-
a fonte onde os habitantes da ilha iam buscar lidectes que Acrísio for acidentalmente morto:
água. Eram filhos de Ptérelas e de Anfímede fora o seu próprio neto, Perseu, que lhe cau-

Polícrito: Paradoxographi, ed. WESTERMANN, Polidamna: Od., IV, 228 e escól.: EUST., ad
p. 121 e 5.; cf. PRDCL., ad PLAT., Rep., lI, p. 115 Hom., 1493,60; HERDD., 11,116; STRAB., XVII, 801;
(Kroll). OIOD. SIC., I, 97; AEl.., Hisl. An., IX, 2.

Polictor: Od., XVII, 207 e escól.; EUST., p. 1815,44.


Polidectes: ApOLLOD., Bibl., 1,9, 6; li, 4, 2; escól.
Polidamante: 1/., XII, 60 e 5.; 195 e 5.; XlII, 723 ad Ar-ot.. RH., Arg., IV, 1091; 1515; STRAH., X, 487;
e 5.; XIV, 449 e 5.; XV, 339; 453 e 5.; 518 e 5.; XVII, HYG., Fab., 63; 64; P,ND., Pyth., X, 72; e escól. ad
597 e 5.; XVIII, 251 e 5.; PUN., N. H., VII, 165; XII, 25; SERV., ad V,RG., Aen., VI, 289; Ov., Met.,
AEL., VH, VIII, 5; XII, 25; PAUSAN., X, 27, 1. V, 242; TZETZ., ad Lyc., 838.
383 POLIFATES

sara involuntariamente a morte. Acerca da ver- matou Polidoro,lançando ao mar o seu cadá-
são mais corrente, v. Acrtsio e Perseu. ver. As ondas arremessaram-no para a costa
POLIDORA. (noÀuowpa.) Polidora é o da Tróada, no momento em que uma escrava
nome de diversas heroínas, das quais convirá de Hécuba (ou a própria Hécuba) ia buscar
destacar a filha de Peleu (v. quadro 31, p. 352) água para prestar honras fúnebres a Políxena,
e de Antígona (filha de Eurícion) (v. Peleu). sacrificada sobre o túmulo de Aquiles. A rai-
Polidora teve do deus-rio Esperqueu um filho nha reconheceu o filho e obteve de Agamém-
chamado Menéstio; casou-se, depois, com non permissão para o sepultar ao lado de Po-
Boro, filho de Perieres, por vezes identificado líxena. Acerca do episódio da vingança de
como «pai humano» de Menéstio. Hécuba contra Polimestor, v. Hécuba.
Dizia-se por vezes que Polidora não era fi- Na tradição seguida por Virgílio, Polimes-
lha de Antígona mas de Polimele, filha de Ac- tor enterra Polidoro na costa da Trácia.
tor. Outra tradição apresentava-a como esposa Quando Eneias fez escala naquelas paragens
de Peleu (v. também Driopev, e cortou os ramos das árvores enraizadas so-
bre o túmulo do herói, a fim de com eles or-
POLIDORO. (noÀÚowpoç.) 1. Um dos he- nar o altar onde iria oferecer sacrifícios, bro-
róis com este nome pertence à raça de Cadmo taram algumas gotas de sangue dos ramos.
(v. quadro 3, p. 66) e é filho deste e de Har- Uma voz revelou então a Eneias que era
monia. Desposou Nicteide, filha de Nicteu, de aquele o local onde fora sepultado Polidoro
quem teve um filho - Lábdaco, avô de Edipo. e que as árvores que ali via tinham nascido
Acerca do seu papel na transmissão do poder das lanças que o haviam trespassado. Con-
de Cadmo a Édipo, as tradições variam. Ora tou-lhe ainda como Polimestor tinha ousado
se diz que Cadmo lhe deixou o trono de Te- matar a criança que lhe havia sido confiada,
bas, ao partir para a Ilíria (v. Cadmo) - e de para assim se apoderar do seu ouro. A mesma
facto, nessa altura, Polidoro era o seu único voz aconselhou Eneias a abandonar a ideia de
filho varão - ora se afirma que Cadmo le- fundar uma cidade naquele lugar amaldiçoado.
gou o poder a Penteu, seu neto, filho de O herói prestou, então, honras fúnebres à
Ágave. Segundo esta hipótese, Polidoro teria criança barbaramente assassinada, deixando
ido com o pai para a Ilíria. Uma tradição in- depois a região.
termediária conta que Penteu despojou Poli-
Outra versão da lenda contava que Polimes-
doro, seu legítimo herdeiro, após a partida de
tor tinha entregado Polidoro a Ájax, filho de
Cadmo.
Télamon, que lhe havia saqueado o reino. Ájax
2. Polidoro era também o nome de um dos
e os Gregos resolveram servir-se dele como pe-
filhos de Príamo. Várias tradições correram a
nhor, afirmando que só o entregariam em troca
seu respeito. Uma delas apresentava-o como
de Helena, mas os Troianos recusaram tal pro-
filho de Príamo e de Laótoe. Por ser ainda
posta. Polidoro foi, então, lapidado junto das
muito jovem na altura da Guerra de Tróia, o
muralhas da cidade e o cadáver foi entregue
pai quis mantê-Io afastado do campo de bata-
a Hécuba, sua mãe.
lha, mas Polidoro, fiando-se na agilidade dos
Segundo uma última versão, criada pelos
seus pés, atacou Aquiles e recebeu em troca a
trágicos, Polidoro não teria sido morto por Po-
morte. O jovem envergava na altura uma cou-
limestor; este teria por lapso condenado à
raça de prata de que o Pelida o despojou de-
morte, em vez dele, o seu próprio filho, Dípilo.
pois de o matar. Mais tarde, após a morte do
Mais tarde, Polidoro vingar-se-ia do rei per-
filho, Tétis ofereceu esse troféu a Agamémnon.
juro (v. Dfpilo).
Esta é a versão homérica. Posteriormente, so-
bretudo com os trágicos e com os poetas ale- POLÍFATES. (lloÀu<p,x'r1}ç.) O rei Polífates
xandrinos e romanos, cria-se uma tradição se- figura na lenda de Melampo. Quando este era
gundo a qual Polidoro é filho de Príamo e de seu hóspede, uma serpente foi morta pelos es-
Hécuba. O pai confiara-o, ainda de tenra cravos do rei, durante um sacrifício, perto do
idade,a Polimestor, seu genro, rei da Trácia. altar. Polífates ordenou a Melampo, que era
Entregou-lhe ao mesmo tempo um valioso te- ainda um jovem, que enterrasse o animal. Ele
souro, para que o guardasse. Tais riquezas per- assim fez, mas a serpente era uma fêmea e dei-
mitiram a Polidoro viver em conformidade xou crias, que Melampo ajudou a sobreviver
com as suas origens, mesmo que um dia os e a crescer. Ao atingirem a idade adulta, as ser-
Troianos perdessem a guerra contra os Gregos. pentes, reconhecidas, «purificaram» os ouvi-
Mas Polimestor, cobiçando os tesouros ou ce- dos do seu benfeitor, conferindo-lhe assim o
dendo às instãncias dos Gregos vencedores, dom da profecia (v. Melampo).

Polidora: 11., XVI, 175 e S.; e escól. ad 10('.; 286; PAUSAN., Il, 6, 2; IX, 5, 3 e S.; NONN., Dion.,
TZETI.., Alleg. 11., XVI, 152 e S.; ApOLLOD., V, 210 e S.; XLVI, 259. 2) 11., XX, 407 e S.; XXI,
Bibl ., 111, 13, 1; HFS., fr . 83 (Rz); ElIST., ad 88 e S.; XXII, 46 e S.; EUST., ad Hom., 1214, 65 e
Hom., 321, 5. S.; QUINT. SM., IV, 154; 586; EUR., Hec., 3; 25;
31; 679 e S.; 896 e S.; 1133 e S.; ApOLLOD, Bibl.,
Polidoro: I) HEs., Theog., 978; ApOLLOD.,
m, 12, 5; HYG., Fab., 109; VIRG., Aen., IlI, 40 e
S.; SERV., com. v. 6; 15; 47; Ov., Met.; XIII, 434
Bibl., Ill, 4, 2; OIOD. SIC., IV, 2; XIX, 53; EUR.,
e S.; Ps.-Ov., [bis, 267; 579; PUN., N. H., IV, 43; .
Phoen., 8 e escól.; escól. ao v. 158; 291; Bac., 43;
OICT. CR., XVIII, 20 e s.
213; HVG., Fab., 179; ApOLLOD., Bibl., m, 5, 5;
HEROD., V, 59; LACT. PLAC" ad STAT., Theb., Ill, Polífates: Escól. ad Arot.. RH., Arg., I, 118.
POLIFEMO 384

POLIFEMO. (rro~Ú~1Jl.I.o~.) Polifemo é o ticada que o considera demasiado rústico. O


nome de duas personagens distintas. mesmo tema foi glosado por Ovídio (v. Acis).
1. Houve um lápita chamado Polifemo, fi- Existiu também uma tradição segundo a qual
lho de Élato e de Hipe, cujo pai «divino» era. Galateia se teria enamorado de Polifemo, a
Posídon. Irmão de Ceneu (v. Ceneu), despo- quem teria dado alguns filhos (v. Ga/ateia).
sou Laónome que, numa tradição obscura, era
POLIFIDES. (rroÀu~d81J~.) 1. Polifides é um
considerada irmã de Héracles. Participou na
adivinho, filho de Mâncio, segundo certas tra-
luta travada entre os Centauros e os Lápitas
dições, e por conseguinte descendente de Me-
e na expedição dos Argonautas. Não acompa-
lampo (v. quadro I, p. 8). Recebeu de Apoio
nhou, no entanto, Jasão até ao final do per- o dom da profecia. Cortando relações com o
curso: ficou na Mísia, onde fundou a cidade pai, partiu para a Acaia, estabelecendo-se em
de Cio. Morreu na guerra contra os Cálibes. Hiperásia. Teve um filho chamado Teoclímeno
2. Polifemo é também o nome do célebre Ci- e uma filha com o nome de Harmónide.
clope da Odisseia. É filho de Posídon e da 2. Outro herói com o mesmo nome é o vigé-
ninfa Toosa, filha de Fórcis. A epopeia horné- simo quarto rei de Sícion. O seu reinado abran-
rica apresenta-o como um gigante horrível e o geu a década da Guerra de Tróia, segundo a tra-
mais selvagem de todos os Ciclopes. Vive da dição transmitida por Eusébio na sua Crónica.
pastorícia e habita numa caverna. Embora co- Diz a lenda que foi para junto dele que a ama
nheça o uso do fogo, devora a carne crua; sabe de Menelau e Agamémnon levou as duas crian-
o que é o vinho, mas raramente o bebe e não ças a fim de as salvar da ira de Tiestes. Polifi-
se preocupa com os efeitos da embriaguez. Não des confiou, então, os pequenos Atridas ao rei
é, contudo, insociável, pois, no auge da afli- Eneu da Etólia (v. Agamémnon). Ora, se Po-
ção, chama em seu auxílio os outros Ciclopes, lifides reinava ainda na altura da Guerra de
a quem não consegue no entanto explicar o mal Tróia, como afirma Eusébio, forçoso será
que o atormenta. atribuir-lhe uma extraordinária longevidade. :
É célebre a aventura de Ulisses na ilha dos
Ciclopes. Capturado por Polifemo, juntamente POLIFONTE. (noÀu~ÓV't7}.) Hipónoo, herói
com doze dos seus companheiros, o herói fi- trácio, desposou Trassa, filha de Ares e de
cou prisioneiro na caverna do monstro. Este Terina (filha do deus-rio Estrímon). Deste
começou por devorar alguns dos seus reféns e casamento nasceu Polifonte. Desdenhando
prometeu a Ulisses que o tragaria em último os dons de Afrodite, a jovem decidiu ser uma
lugar, para assim lhe agradecer o delicioso vi- das companheiras de Artemis. Encoleriza-
nho que ele lhe oferecera. Durante a noite, da, a deusa do amor inspirou em Polifonte uma
quando o Ciclope dormia profundamente sob desenfreada paixão por um urso. Para punir
a acção do álcool ingerido, Ulisses e os seus a perda da virgindade em tão monstruosos
companheiros aguçaram a extremidade de uma amores, Ártemis soltou atrás da jovem todos
enorme estaca, aproximaram-na da chama os animais da montanha. Apavorada, Poli-
para a endurecer e cravaram-na depois no fonte refugiou-se em casa do pai, onde deu à
único olho do gigante. Quando, ao romper do luz dois filhos: Agrio, o «Selvagem», e Orio,
dia, o rebanho de Polifemo saiu para a pasta- o «Montanhês». Os dois cresceram, senhores
gem, os Gregos conseguiram escapar da ca- de uma força prodigiosa e não temiam homens
verna, agarrados ao ventre dos carneiros: de nem deuses. Quando se cruzavam com um
nada desconfiou então o Ciclope cego, embora estrangeiro, levavam-no para a sua casa e de-
fosse tacteando, à saída do antro, todos os ani- voravam-no. Zeus acabou por ficar horrori-
mais que por ali passavam. Já em liberdade, zado e enviou-Ihes Hermes, o seu mensageiro,
quando a nau se fez à vela, Ulisses gritou a Po- para os punir. Hermes pensou logo cortar-Ihes
lifemo o seu nome, escarnecendo dele. Ora um os pés e as mãos, mas Ares, que era avõ dos
oráculo predissera outrora ao Ciclope que um dois jovens, decidiu salvá-I os de tal castigo e
dia Ulisses o cegaria. Enraivecido por se ter dei- metamorfoseou-os. Polifonte foi transformada
xado ludibriar, o monstro lançou contra a nau numa ave nocturna, Orio numa ave de rapina,
enormes rochedos - mas em vão. Nesse mo- Ágrio num abutre - todos três se converteram
mento nasceu a cólera de Posídon, pai de Po- em animais de sinistros presságios. A criada
lifemo, contra Ulisses. que então os servia e que foi rnetamorfoseada
Após os Poemas Homéricos, Polifemo juntamente com os amos, embora estivesse
transformou-se, de modo assaz estranho, no isenta de culpa, suplicou por isso aos deuses
. herói de uma aventura amorosa com a Nereide que a transformassem numa ave favorável aos
Galateia. Num dos Idtlios de Teócrito se con- homens. As suas preces foram ouvidas e ela foi
servou o quadro mais célebre do Ciclope ga- convertida em picanço, pássaro de bom augú-
lante, apaixonado por uma ninfa bela e sofis- rio para os caçadores.

Pollfemo: 1) 11., I, 264; Aeoi.. RH., Arg., 1,41; OV., Met., XlII, 759 e S.; ApPIAN., J1/yr., 2; Etym.
IV, 1470 e S.; escó!. ad., I, 40; I, 1241; HVG., Fab., Magn., s.u. raÀcx"tda..
14; ApOLLOD., Bibl., 1,9, 16; 19.2) Od., I, 71 e S.;
IX, 187 e S.; EUR., Cyc., passim; ARISTlAS, Trag. Gr. Polifides: I) Od., XV, 249 e S.; escó!. ao v. 223.
Fragm. (ed. NAUCK), fr. 4; cf. V,RG., Aen., lII, 628 2) ApOLLOD., Ep., lI, 15: Eus., Chron., I, 175, 176
e s.; EcI., IX, 39 e S.; ApOLLOD., Ep., VII, 4 e S.; (SCHOENE).
HYG., Fab., 125; cf. Poet. Lyr. fr., ed. BERCK, fr.
4 e 5; cf. 6 e 5.; ARIST., Poet., 2; THEOCR., ldy/l., XI; Polifon!e: ANT. L,D., Transf., 21.
385 POLIMNO

POLIFONTES. (I1oÀu<pÓY't'T}<;.)1. Um dos he- rido foi condenado à morte por Pélias, ela
róis com este nome é um filho de Autófono, amaldiçoou o rei e enforcou-se desesperada.
que comandou os cinquenta tebanos encarre- Deixou um filho de tenra idade, chamado Pró-
gados de armar uma emboscada a Tideu, na maco, que Pélias matou a fim de aniquilar a
altura da expedição dos Sete Chefes contra Te- estirpe de Éson.
bas. Tideu massacrou-os a todos. Os mitógrafos dão também à esposa de Éson
2. Polifontes é também o nome de um He- o nome de Alcímede.
raclida que matou Cresfontes para se apode-
rar do seu reino e da sua mulher, Mérope. Foi POLlMELA. (I10ÀUIl~ÀOt.) 1. Uma das heroí-
morto pelo filho do rei (v. Épito e Mérope). nas com este nome é a filha de Fila, que teve
de Hermes um filho chamado Eudoro (v. Eu-
POLÍGONO. (I1oÀÚyovo<;.) Polígono e Telé-
doro). Mais tarde, desposou Equecles, descen-
gono eram dois bandidos, filhos de Proteu e dente de Actor.
de Torone, que foram mortos por Héracles.
2. Polimela é também o nome da filha de
Desafiavam os transeuntes a lutar com eles e
Éolo, senhor dos Ventos, que durante a per-
matavam-nos. Héracles correspondeu ao de-
manência de Ulisses na corte de seu pai foi
safio e venceu-os, castigando assim todos os
amante do herói. Quando este partiu, deixou
seus crimes (v. Proteu).
transparecer o seu desgosto de tal modo que
POLÍIDO. (I10ÀÚElOOÇ.) 1. Políido é um adi- o rei se apercebeu dos sentimentos que a inva-
vinho coríntio célebre, pertencente à estirpe de diam, decidindo-se, então, a puni-Ia, mas Dio-
Melampo, que teve, entre outros, um filho cha- res, seu filho, apaixonado pela própria irmã,
mado Mãncio, do qual nasceu Clito (v. Clito), conseguiu acalmar a ira paterna, obtendo per-
pai de Cérano, que teve, por sua vez, um fi- missão para desposar Polimela (eram habituais
lho chamado Políido. Este desposou uma neta os casamentos entre os filhos de Eolo).
de Augias, filha de Fileu, Eurídame, e dela teve 3. Outra heroína homónima era a filha de
dois filhos, Euquenor e Clito, que participa- Actor que, segundo certas tradições, teria sido
ram na expedição dos Epígonos e avançaram esposa de Peleu antes de este se ter casado com
com Agamémnon contra Tróia. Políido pre- Tétis (v. Polidora). É por vezes apresentada
disse a Euquenor que lhe seria possível esco- como filha de Peleu.
lher entre dois destinos: morrer de doença em
POLIMESTOR. (I10),UIl~O"twP.) Polimestor,
sua casa ou sucumbir no campo de batalha, em
rei da Trácia, casado com llíone, filha de
Tróia. Ele optou pela segunda hipótese, mor-
Príamo, figura na lenda de Polidoro e na Hé-
rendo às mãos de Páris.
cuba. Acerca das diferentes versôes da lenda,
Uma tradição local de Mégara contava que
v. De/pilo, Hécuba e Polidoro.
ele tinha chegado a essa cidade e tinha aí puri-
ficado Alcátoo, que matara o seu filho Calí- POLÍMNIA. (I10),ÚIlVlOt.) Polímnia é uma
polis (v. Alcátooi, erguendo também um tem- das nove Musas, filhas de Zeus e de Mnemó-
plo a Dioniso. Segundo esta versão, Políido é sine. A tradição atribui-lhe a invenção da lira
filho de Cérano e descendente de Melampo, e a descoberta da agricultura. Passava por mãe
mas o seu avô é Abas (v. quadro I, p. 8). de Triptólemo, cujo pai seria um filho de Ares
Parece que Políido, que aconselhara Bele- chamado Céleo ou Quimárroo. A suas fun-
rofonte a ir à fonte de Pirene e a apoderar-se ções, como as de todas as Musas, eram variá-
de Pégaso, advertiu também Ífito, filho de Êu- veis: ora era considerada patrona e inspiradora
rito, de que deveria dirigir-se a Tirinte, para da música, ora Musa da geometria ou da his-
aí se encontrar com Héracles. Salvou ainda da tória. Uma tradição isolada apresentava-a
loucura o rei da Mísía, Teutras. Mas a histó- como mãe de Orfeu, fruto dos seus amores
ria mais célebre em que intervém é a ressurrei- com Eagro (embora a lenda mais geralmente
ção de Glauco, filho de Minos (v. Glauco, 5). difundida identifique o poeta como filho de
2. Políido é também o nome de um troiano, Calíope e de Eagro). Platão menciona uma ver-
filho do adivinho Euridamante, que foi morto são da lenda segundo a qual Polímnia seria a
por Diomedes, tal como Abas, seu irmão. mãe de Eros (o Amor).
POLIMEDE. (I1oÀUIl~01].) .Polimede, filha POLIMNO. (I1óÀUllvO<;.) Quando Dioniso
de Autólico, é a mulher de Eson e a mãe de desceu aos Infernos, perguntou a um pastor
Jasão (v. quadro 23, p. 258). Quando o ma- qual o caminho que deveria seguir. O pastor,

Polifontes: 1) li., IV, 395; cf. AESCH., Th., 430. Polimela: 1) 11., XVI, 180 e S.; TZETZ., A/leg. 11.,
2) ApOllOD., Bibl., li, 85; HYG., Fab., 137. XVI, 156 e s. 2) PARTH., Erot., 2. 3) TZETZ., ad.
Polígono: ApOllOD., Bibl., li, 5, 9; PHllARG., ad Lvc., 175; EUST., ad. Hom., 321; ApOllOD., Bibl.,
VIRO., Georg., IV, 391. lII, 13, 8.

Polimestor: V. os anigos Deipilo, Hécuba, Polidoro.


Políido: 1) li., Xlii, 663 e s.; HVG., Fab., 128;
136; 251; escól. ad. li., V, 148; PAUSAN., 1,43,5; Polímnia: HES., Theog., 78 e TZETZ., ad HES.,
PIND., O/ymp., Xlii, 75; escól. ad Od., XXI, 22; p. 24 (Gaiss.); ApOllOD., Bibl., I, 3, I; DIOD. SIC.,
PLUT., De n., XXI, 4; ApOlLOD., Bib/., lII, 3, I; IV, 7; escól. ad Ar-oi . RH., Arg., lII, I; escól. ad.
PUN., N. H., XXV, 2; PAlEPH., Incr., 27. 2) 11., V, li., X, 425; PlAT., Smp., 187 d.
148 e s.
Polimno: PAUSAN.,li, 37, 5: Mythographi, ed. WE5-
Polimede: ApOllOD., Bibl., I, 9, 16; 27; TZETZ., TERMANN,p. 348; 368; TZETZ., ad Lyc., 212; ClEM.
ad Lyc., 175; 872; DIOD. SIC., IV, 50. ALE"., Protr., li, 34; ARNoB., Adv. Nat., V, 28.
POLIFEMO 384

POLIFEMO. (lloÀÓ<p'1iJ.oç.) Polifemo é o ticada que o considera demasiado rústico. O


nome de duas personagens distintas. mesmo tema foi glosado por Ovídio (v. Acis).
1. Houve um lápita chamado Polifemo, fi- Existiu também uma tradição segundo a qual
lho de Élato e de Hipe, cujo pai «divino» era Galateia se teria enamorado de Polifemo, a
Posídon. Irmão de Ceneu (v. Ceneu), despo- quem teria dado alguns filhos (v. Galateia).
sou Laónome que, numa tradição obscura, era POLIFIDES. (llOÀU<poLÔ'1Ç.)1. Polifides é um
considerada irmã de Héracles. Participou na adivinho, filho de Mâncio, segundo certas tra-
luta travada entre os Centauros e os Lápitas
dições, e por conseguinte descendente de Me-
e na expedição dos Argonautas. Não acompa- lampo (v. quadro 1, p. 8). Recebeu de Apoio
nhou, no entanto, Jasão até ao final do per- o dom da profecia. Cortando relações com o
curso: ficou na Mísia, onde fundou a cidade pai, partiu para a Acaia, estabelecendo-se em
de Cio. Morreu na guerra contra os Cálibes. Hiperásia. Teve um filho chamado Teoclímeno
2. Polifemo é também o nome do célebre Ci- e uma filha com o nome de Harmónide.
clope da Odisseia. É filho de Posídon e da 2. Outro herói com o mesmo nome é o vigé-
ninfa Toosa, filha de Fórcis. A epopeia homé- simo quarto rei de Sícion. O seu reinado abran-
rica apresenta-o como um gigante horrível e o geu a década da Guerra de Tróia, segundo a tra-
mais selvagem de todos os Ciclopes. Vive da dição transmitida por Eusébio na sua Crônica.
pastorícia e habita numa caverna. Embora co- Diz a lenda que foi para junto dele que a ama
nheça o uso do fogo, devora a carne crua; sabe de Menelau e Agamémnon levou as duas crian-
o que é o vinho, mas raramente o bebe e não ças a fim de as salvar da ira de Tiestes. Polifi-
se preocupa com os efeitos da embriaguez. Não des confiou, então, os pequenos Atridas ao rei
é, contudo, insociável, pois, no auge da afli- Eneu da Etólia (v. Agamémnon). Ora, se Po-
ção, chama em seu auxílio os outros Ciclopes, lifides reinava ainda na altura da Guerra de
a quem não consegue no entanto explicar o mal Tróia, como afirma Eusébio, forçoso será
que; o atormenta. atribuir-lhe uma extraordinária longevidade. :
E célebre a aventura de Ulisses na ilha dos
Ciclopes. Capturado por Polifemo, juntamente POLIFONTE. (lloÀu<póvtTj.) Hipónoo, herói
com doze dos seus companheiros, o herói fi- trácio, desposou Trassa, filha de Ares e de
cou prisioneiro na caverna do monstro. Este Terina (filha do deus-rio Estrímon). Deste
começou por devorar alguns dos seus reféns e casamento nasceu Polifonte. Desdenhando
prometeu a Ulisses que o tragaria em último os dons de Afrodite, a jovem decidiu ser uma
lugar, para assim lhe agradecer o delicioso vi- das companheiras de Ártemis. Encoleriza-
nho que ele lhe oferecera. Durante a noite, da, a deusa do amor inspirou em Polifonte uma
quando o Ciclope dormia profundamente sob desenfreada paixão por um urso. Para punir
a acção do álcool ingerido, Ulisses e os seus a perda da virgindade em tão monstruosos
companheiros aguçaram a extremidade de uma amores, Artemis soltou atrás da jovem todos
enorme estaca, aproximaram-na da chama os animais da montanha. Apavorada, Poli-
para a endurecer e cravaram-na depois no fonte refugiou-se em casa do pai, onde deu à
único olho do gigante. Quando, ao romper do luz dois filhos: Agrio, o «Selvagem», e Orio,
dia, o rebanho de Polifemo saiu para a pasta- o «Montanhês». Os dois cresceram, senhores
gem, os Gregos conseguiram escapar da ca- de uma força prodigiosa e não temiam homens
verna, agarrados ao ventre dos carneiros: de nem deuses. Quando se cruzavam com um
nada desconfiou então o Ciclope cego, embora estrangeiro, levavam-no para a sua casa e de-
fosse tacteando, à saída do antro, todos os ani- voravam-no. Zeus acabou por ficar horrori-
mais que por ali passavam. Já em liberdade, zado e enviou-Ihes Hermes, o seu mensageiro,
quando a nau se fez à vela, Ulisses gritou a Po- para os punir. Hermes pensou logo cortar-Ihes
lifemo o seu nome, escarnecendo dele. Ora um os pés e as mãos, mas Ares, que era avô dos
oráculo predissera outrora ao Ciclope que um dois jovens, decidiu salvá-Ios de tal castigo e
dia Ulisses o cegaria. Enraivecido por se ter dei- metamorfoseou-os. Polifonte foi transformada
xado ludibriar, o monstro lançou contra a nau numa ave nocturna, Orio numa ave de rapina,
enormes rochedos - mas em vão. Nesse mo- Ágrio num abutre - todos três se converteram
mento nasceu a cólera de Posídon, pai de Po- em animais de sinistros presságios. A criada
lifemo, contra Ulisses. que então os servia e que foi metamorfoseada
Após os Poemas Homéricos, Polifemo juntamente com os amos, embora estivesse
transformou-se, de modo assaz estranho, no isenta de culpa, suplicou por isso aos deuses
herói de uma aventura amorosa com a Nereide que a transformassem numa ave favorável aos
Galateia. Num dos Idüios de Teócrito se con- homens. As suas preces foram ouvidas e ela foi
servou o quadro mais célebre do Ciclope ga- convertida em picanço, pássaro de bom augú-
lante, apaixonado por uma ninfa bela e sofis- rio para os caçadores.

Polifemo: 1) li., I, 264; Aeoi.. RH., Arg., I, 41; OV., Met.; XlII, 759 e S.; ApPIAN., lI/yr., 2; Etym.
IV, 1470 e S.; escól. ad., 1,40; I, 1241; HVG., Fab., Magn., s.u. r"À''''''''.
14; ApOLLOD., Bibl., 1,9, 16; 19.2) Od., I, 71 e S.;
IX, 187 e S.; EUR., Cyc., passim; ARISTIAS, Trag. Gr. Polifides: I) Od., XV, 249 e S.; escól. ao v. 223.
Fragm. (ed. NAUCK), fr. 4; cf. V,RG., Aen., 1II, 628 2) ApOLLOD., Ep., lI, 15: Eus., Chron., I, 175, 176
e S.; Ec/., IX, 39 e S.; ApOLLOD., Ep., VII, 4 e S.; (SCHOENE).
HVG., Fab., 125; cf. Poet. Lyr. fr., ed. BERCK, fr.
4 e 5; cf. 6 e S.; ARIST., Poet., 2; THEOCR., ldy/l., XI; Polifonte: ANT. Lis., Transf., 21.
385 POLIMNO

POLIFONTES. (lloÀocpó\l't7}ç.) 1. Um dos he- rido foi condenado à morte por Pélias, ela
róis com este nome é um filho de Autófono, amaldiçoou o rei e enforcou-se desesperada.
que comandou os cinquenta tebanos encarre- Deixou um filho de tenra idade, chamado Pró-
gados de armar uma emboscada a Tideu, na maco, que Pélias matou a fim de aniquilar a
altura da expedição dos Sete Chefes contra Te- estirpe de Éson.
bas. Tideu massacrou-os a todos. Os mitógrafos dão também à esposa de Éson
2. Polifontes é também o nome de um He- o nome de Alcímede.
raclida que matou Cresfontes para se apode-
rar do seu reino e da sua mulher, Mérope. Foi POLIMELA. (lloÀufl~Àa.) 1. Uma das heroí-
morto pelo filho do rei (v. Épito e Mérope). nas com este nome é a filha de Fila, que teve
de Hermes um filho chamado Eudoro (v. Eu-
POLÍGONO. (lloÀÚ"(ovoç.) Polígono e Telé- doro). Mais tarde, desposou Equec1es, descen-
gono eram dois bandidos, filhos de Proteu e dente de Actor.
de Torone, que foram mortos por Héracles. 2. Polimela é também o nome da filha de
Desafiavam os transeuntes a lutar com eles e Éolo, senhor dos Ventos, que durante a per-
matavam-nos. Héracles correspondeu ao de- manência de Ulisses na corte de seu pai foi
safio e venceu-os, castigando assim todos os amante do herói. Quando este partiu, deixou
seus crimes (v. Proteu). transparecer o seu desgosto de tal modo que
POLÍIDO. (lloÀútt8oç.) 1. Políido é um adi- o rei se apercebeu dos sentimentos que a inva-
vinho coríntio célebre, pertencente à estirpe de diam, decidindo-se, então, a puni-Ia, mas Dio-
Melampo, que teve, entre outros, um filho cha- res, seu filho, apaixonado pela própria irmã,
mado Mâncio, do qual nasceu Clito (v. c/ito), conseguiu acalmar a ira paterna, obtendo per-
pai de Cérano, que teve, por sua vez, um fi- missão para desposar Polimela (eram habituais
lho chamado Políido. Este desposou uma neta os casamentos entre os filhos de Éolo).
de Augias, filha de Fileu, Eurídame, e dela teve 3. Outra heroína homónima era a filha de
dois filhos, Euquenor e Clito, que participa- Actor que, segundo certas tradições, teria sido
ram na expedição dos Epígonos e avançaram esposa de Peleu antes de este se ter casado com
com Agamémnon contra Tróia. Políido pre- Tétis (v. Polidora). É por vezes apresentada
disse a Euquenor que lhe seria possível esco- como filha de Peleu.
lher entre dois destinos: morrer de doença em POLIMESTOR. (lloÀOfl~(!'twP.) Polimestor,
sua casa ou sucumbir no campo de batalha, em rei da Trácia, casado com Ilíone, filha de
Tróia. Ele optou pela segunda hipótese, mor- Príamo, figura na lenda de Polidoro e na Hé-
rendo às mãos de Páris. cuba. Acerca das diferentes versões da lenda,
Uma tradição local de Mégara contava que v. De/pilo, Hécuba e Polidoro.
ele tinha chegado a essa cidade e tinha aí puri-
ficado Alcátoo, que matara o seu filho Calí- POLÍMNIA. (lloÀÚflvta.) Polímnia é uma
polis (v. Alcátoo), erguendo também um tem- das nove Musas, filhas de Zeus e de Mnemó-
plo a Dioniso. Segundo esta versão, Políido é sine. A tradição atribui-lhe a invenção da lira
filho de Cérano e descendente de Melampo, e a descoberta da agricultura. Passava por mãe
mas o seu avô é Abas (v. quadro I, p. 8). de Triptólemo, cujo pai seria um filho de Ares
Parece que Políido, que aconselhara Bele- chamado Céleo ou Quimárroo. A suas fun-
rofonte a ir à fonte de Pirene e a apoderar-se ções, como as de todas as Musas, eram variá-
de Pégaso, advertiu também Ífito, filho de Êu- veis: ora era considerada patrona e inspiradora
rito, de que deveria dirigir-se a Tirinte, para da música, ora Musa da geometria ou da his-
aí se encontrar com Héracles. Salvou ainda da tória. Uma tradição isolada apresentava-a
loucura o rei da Mísia, Teutras. Mas a histó- como mãe de Orfeu, fruto dos seus amores
ria mais célebre em que intervém é a ressurrei- com Eagro (embora a lenda mais geralmente
ção de Glauco, filho de Minos (v. Glauco, 5). difundida identifique o poeta como filho de
2. Políido é também o nome de um troiano, Caliope e de Eagro). Platão mericiona uma ver-
filho do adivinho Euridamante, que foi morto são da lenda segundo a qual Polímnia seria a
por Diomedes, tal como Abas, seu irmão. mãe de Eros (o Amor).
POLIMEDE. (lloÀufl~81j.) .Polimede, filha POLIMNO. (llóÀOflvOÇ.) Quando Dioniso
de Autólico, é a mulher de Eson e a mãe de desceu aos Infernos, perguntou a um pastor
Jasão (v. quadro 23, p. 258). Quando o ma- qual o caminho que deveria seguir. O pastor,

Polifonles: 1) li., IV, 395: cf'. AESCH., Th., 430. Polimela: 1) 11., XVI, 180 e S.; TZETZ., Alleg. 11.,
2) ApOLLOO., Bibl., lI, 85; HYG., Fab., 137. XVI, 156 e s. 2) PARTH., Erot., 2. 3) TZETZ., ad.
PoIígono: ApOLLOO., Bibl., lI, 5.9; PHILARG., ad LYc" 175; Eusr., ad. Hom., 321; ApOLLOO., Bibl.,
VIRG., Georg., IV, 391. 1II, 13, 8.

Polimeslor: V. os artigos Deípilo, Hécuba, Polidoro.


Poliido: 1) 11., XlII, 663 e S.; HVG., Fab., 128;
136; 251; escól. ad. 11., V, 148; PAUSAN., 1,43,5; Polimnia: HES., Theog., 78 e TZETZ., ad HES.,
PINO., Olymp., XlII, 75; escól. ad Od., XXI, 22; p. 24 (Gaiss.): ApOLLOO., Bibl., I, 3, I; Dloo. SIC"
PLUT., De n., XXI, 4; ApOLLOO., Bibl., 1II, 3, I; IV, 7; escól. ad Ar-ot . RH., Arg., 1II, I; escól. ad.
PUN., N. H., XXV, 2; PALEPH., Iner., 27. 2) 11., V, 11., X, 425; PLAT., Smp., 187 d.
148 e s.
Polimno: PAUSAN., lI, 37, 5: Mythographi, ed. WES-
Polimede: ApOLLOO., Bibl., 1,9, 16; 27; TZETZ., TERMANN,p. 348; 368; TZETZ., ad Lyc., 212; CLEM.
ad Lyc., 175; 872; Droo. SIC., IV, 50. ALEX., Protr., lI, 34; ARNOB., Adv. Nat., V, 28.
POLlNICES 386

chamado Polimno ou Prosimno (v. Dioniso), Polinices, segundo o pacto entre eles cele-
deu-lhe todos os esclarecimentos necessários, brado), mas, ao fim de um ano, recusou-se a
mas exigiu em troca os favores do deus. Dio- ceder o trono ao irmão. Expulso da cidade, Po-
niso prometeu satisfazer a sua vontade ao re- linices foi para Argos, levando consigo a tú-
gressar dos Infernos, mas', quando voltou, já nica e o colar de Harmonia. Adrasto era en-
Polimno tinha morrido. Para cumprir a pro- tão o rei de Argos. Polinices dirigiu-se ao seu
messa que havia feito, o deus esculpiu num palácio numa noite de tempestade, ao mesmo
ramo de figueira a forma de um falo e simu- tempo que Tideu, filho de Eneu, que fugira de
lou sobre o túmulo do pastor gestos destina- Cálidon. Os dois heróis digladiaram-se no átrio
dos a satisfazer a sombra do morto. do palácio e o barulho fez acorrer Adrasto, que
Esta lenda obscena pretende explicar o pa- os apartou, acolhendo-os na sua corte e dando-
pel desempenhado pelo falo na religião de Dio- -lhes as suas duas filhas em casamento (v.
niso. Adrasto e quadro 1, p. 8). Foi assim que Po-
linices desposou Argia e Adrasto lhe prome-
POLINICE~. (IIoÀuvtlx'1ç.) Polinices, um teu que o ajudaria a recuperar o reino perdido.
dos filhos de Edipo, é irmão de Etéocles. Re- Nestes factos reside a origem da Guerra dos
lativamente à identidade da mãe, as tradições Sete Chefes contra Tebas.
divergem: ora se dizque é filho de Euriganeia, Entretanto, Anfiarau, o célebre adivinho,
segunda mulher de Edipo, ora de Jocasta, con- prevendo o fim que aguardava a expedição,
forme a versão seguida pelos trágicos. Etéo- tentou desviar Adrasto dos seus propósitos.
eles é, por vezes, apresentado como o primo- Para superar tal dificuldade, Polinices foi ter
génito; outras vezes, é considerado o irmão com Ífis, filho de Alector (v. Íjis), e perguntou-
mais novo de Polinices. A sua rivalidade nas- -lhe como seria possível convencer Anfiarau a
ceu do facto de ambos pretenderem ascender aliar-se à expedição. Ífis revelou-lhe então que
ao trono de Tebas. A disputa desencadeou a o adivinho tinha jurado acatar todas as deci-
guerra dos Sete Chefes e a expedição de sões de Erifile, sua esposa (v. Erifile). Polini-
Adrasto contra a cidade. Contava-se ainda que ces ofereceu a esta o colar de Harmonia,
esta inimizade entre os dois irmãos adviera de pedindo-lhe em troca que convencesse o ma-
uma tripla maldição do pai. Quando Édipo in- rido. Organizou-se assim a expedição. De ca-
fligiu a si próprio a pena da cegueira após ter minho, em Némea, Polinices venceu a prova
descoberto que cometera parricídio e incesto, . de luta nos jogos fúnebres em honra de Arqué-
os filhos, em vez de se compadecerem dele, in- moro (os futuros Jogos Nemeus). Durante o
sultaram-no: Polinices, apesar de tal lhe ter combate às portas de Tebas, foi morto pelo ir-
sido expressamente proibido, pôs em honra do mão, a quem feriu também de morte, ROUCO
pai a mesa de prata de Cadmo, com a sua taça antes de cair inanimado. A maldição. de Edipo
de ouro - o que era um meio de o ridiculari- cumpria-se. Acerca das condições em que Po-
zar e de lhe lembrar a sua origem e o seu crime. linices foi sepultado, v. Antígona.
Apercebendo-se disso, Édipo amaldiçoou-os,
predizendo-lhes que jamais poderiam viver em POLIPETES. (IIoÀu1to(~7]ç.) 1. Um dos he-
paz, nem na terra nem após a morte. Mais róis com este nome é um filho de Apoio e de
tarde, durante um sacrifício, os dois irmãos en- Ftia. Foi morto por Etolo, que roubou tam-
viaram ao pai, em vez de um bom pedaço de bém a vida aos seus dois irmãos, Doro e Laó-
carne, os ossos da coxa da vítima imolada. doco (v. Etoloi.
Édipo, encolerizado, lançou os ossos por terra 2. Também se chamava Polipetes um dos
e proferiu uma segunda maldição. Predisse que gregos que participaram na Guerra de Tróia.
cada um deles mataria o outro. A terceira im- Filho de Pirítoo e de Hipodamia (v. quadro 25,
precação foi pronunciada por Édipo, quando p. 268), nasceu precisamente no dia em que o
os filhos o fecharam numa masmorra escura pai expulsou os Centauros do monte Pélion.
para o fazerem cair no esquecimento e lhe re- A mãe morreu pouco tempo depois do seu nas-
cusaram as honras que lhe eram devidas. cimento e o pai foi para Atenas ao encontro
Predisse-lhes então que partilhariam a herança, de Teseu. Ao atingir a idade adulta, Polipetes
de armas na mão. Dizia-se ainda que amaldi- sucedeu a Pirítoo no trono. Com o seu amigo
çoara os filhos por estes se terem simplesmente Leonteu, figura entre os pretendentes à mão
recusado a tentar defendê-lo quando Creonte de Helena, razão pela qual participou na
o baniu de Tebas (v. Édipo). Guerra de Tróia, para vingar a honra de Me-
Senhores da cidade, Etéocles e Polinices de- nelau. Polipetes comandava um contingente de
cidiram partilhar o poder. Começaram por rei- quarenta naus. Atribui-se-lhe a morte de vá-
nar alternadamente: cada um durante um ano. rios guerreiros troianos no campo de batalha:
Etéocles foi o primeiro a ocupar o trono (ou Dâmaso e Dreseu são dois deles. Participou nos
o segundo, de acordo com a versão que o apre- jogos fúnebres em honra de Pátroclo. Figura
senta como o mais novo dos dois irmãos, re- também entre os heróis que entraram em Tróia
cebendo ele, neste caso, o poder das mãos de dissimulados nas entranhas do cavalo de ma-

Polinices: 11., IV, 377; PAUSAN., IX 5, 10 e S.; HES., Polipetes: 1) ApOLLOO., Bibl., I, 7,7. 2) II., II,
Op., 162; EUR., Phoen., passim; escól aos YV. 13, 53, 738 e S.; VI, 29; XII, 127-194; XXIII, 826 e S.;
1760; SoPH., Oed. Col., passim (sobretudo v. 374 e S.; 0100. SIC., IV, 63; EUST., ad Hom., 334, 27 e S.;
1422 e s. e escól. ao v. 1375); PINO., Nem., IX, 18 e S.; ApOLLOO., Bibl., III, 10, 8; Aen., III, 14; VI, 2;
Aroi.ton., Bibl., III, 5, 8 e S.; 6, I e S.; Ep., III, 17; HVG., Fab., 81; 97; QUINTo SM., XII, 318.n
0100. SIC., IV, 65; ATHEN., XI, 465f; HVG. Fab., 67; 3) CLEM. AL., Strom., VI, 25; ApOLLOO., Ep., VII,
68; 69-71; 72; 76; 243; 254; STAT., Theb., passim. 34.
387 POLlXO

deira. Após a queda de Tróia, acompanhou, para obter a mão de Políxena, o herói teria pro-
tal como Leonteu, o adivinho Calcas, que re- metido a Príamo abandonar os Gregos e regres-
gressou por terra a Cólofon (v. Calcas) o sar à pátria, ou até trair os seus e combater a
30 Outro herói homónimo é o filho de Ulis- favor das hostes troianas, O pacto devia concluir-
ses e da rainha dos Tesprotos, Calídice (v oqua- -se no templo de Apoio Tirnbreu. Mas Páris,
dro 39, p. 460)0 Após a morte desta, Polipe- escondido atrás da estátua do deus, matou Aqui-
tes sucedeu-lhe no trono, enquanto Ulisses les com uma flecha (v. Aquiles e Párisi.
regressava a Ítaca. Independentemente dos amores de Aquiles
POLIPORTESo (noÀc"óp9'1ço)Poliportes, ou e Políxena, e talvez anterior ao desenvolvi-
Ptoliportes (os dois nomes são equivalentes), mento desta versão, havia a lenda da morte da
é um filho de Ulisses ePenélope, gerado após jovem princesa troiana sacrificada sobre o tú-
o regresso do herói a Ítaca. Nasceu enquanto mulo de Aquiles, Nos Cantos Ciprios, Políxena
sucumbe às feridas infligidas por Diomedes e
Ulisses reinava no país dos Tesprotos (v o Ulis-
Ulisses, durante a tomada de Tróia, sendo en-
ses e quadro 39, p. 460)0
terrada por Neoptólerno. Mas mais tarde sur-
POLITESo (noÀt't'l'jço)1. Polites é um dos fi- giu outra versão, segundo a qual a princesa te-
lhos de Príamo e de Hécuba, mencionado em di- ria sido sacrificada sobre o túmulo de Aquiles
versos episódios da Iliada. É ele, por exemplo, por Neoptólerno ou pelos chefes gregos insti-
quem corre em auxílio de Troilo, quando Aqui- gados por Ulisses. É esta a variante seguida pe-
les o ataca; participa na peleja junto das naus, los poetas trágicos e sobretudo por Eurípides.
salvando o seu irmão Deífobo, ferido por Mérion, Este sacrifício teria por fim garantir uma feliz
Polites sobreviveu a todos os seus irmãos à viagem de regresso aos heróis gregos (sendo,
excepção de Heleno. Foi morto por Neoptó- neste caso, semelhante ao sacrifício de Ifigé-
lemo junto do altar do palácio de Príamo, à nia, destinado a tornar os ventos favoráveis à
vista do paio frota de Agamémnon) ou apaziguar a sombra
Virgílio alude a um filho de Polites chamado de Aquiles, que teria aparecido em sonhos ao
Príamo, um dos participantes nos jogos fúne- seu filho, para reclamar tal oferenda,
bres de Anquises, a quem teria sido atribuída POLÍXENOo (I10ÀÚÇEVOÇo) 1. Políxeno é um
a fundação da cidade de Politório, no Lácio.
dos netos de Augias, Filho de Agástenes, fi-
20 Também se chamava Polites um dos com-
gura entre os pretendentes de Helena e coman-
panheiros de Ulisses metamorfoseado por Circe. dou em Tróia um batalhão de epeus. Após a
Acerca da lenda relativa a este Polites, v, Eutimo o
guerra, regressou à pátria e teve um filho, ao
POLÍXENAo (I1oÀuçÉV1)o) Políxena é uma das qual deu o nome de Anfímaco, em honra do
filhas de Príamo e de Hécuba. É geralmente seu companheiro, filho de Ctéato, que morrera
considerada a mais nova das princesas de Tróia. nos campos de Tróia. A lenda situava o túmulo
de Políxeno em Éliso
O seu nome não é mencionado na Iliada, apa-
recendo somente nas epopeias posteriores, Conta-se que, depois do massacre dos pre-
onde surge relacionado com a lenda de Aqui- tendentes, Ulisses se instalou durante algum
tempo no palácio de Políxeno. Entre outros
leso Acerca do seu encontro com o herói, exis-
presentes, este ter-lhe-ia dado uma cratera na
tem várias versões oConta-se que Políxena foi
à fonte, encontrando aí Troilo, que dava de be- qual havia sido gravada a história de Trofó-
ber ao seu cavalo oApareceu entretanto Aqui- nio, Agamedes e Augias (v. A gamedes) o
20 Políxeno é também o nome de um dos fi-
les que perseguiu o herói, matando-o o Políxena
conseguiu escapar, despertando no entanto lhos de Jasão e de Medeia (v. quadro 23,
po 258)0
uma enorme paixão no coração de Aquiles,
30 Os dois heróis a que aludimos não deve-
Por vezes (mas essa versão da lenda parece ter-
rão confundir-se com o rei da Elida, Políxeno,
-se desenvolvido sobretudo na época helenís-
em cujo palácio os Táfios esconderam os re-
tica), conta-se que a jovem acompanhara An-
banhos roubados a Eléctr ion , Anfitrião
drómaca e Príamo quando estes reclamaram
resagatou-os (v. Anfitriãov.
a Aquiles o cadáver de Heitor. O herói perma-
neceu insensível às preces do pai e da viúva do POLIXOo (I1oÀuçwo)1. Uma das figuras com
inimigo; Políxena prometeu ficar a servi-I o este nome é a mulher de Nicteu, mãe de An-
como escrava, convencendo deste modo o fi- tíopa (v. quadro 27, p, 280)0
lho de Peleu, É com esta versão da lenda que 20 Outra heroína homónima, bastante mais
se relaciona a história da «traição» de Aquiles: célebre, é a esposa do Ródio Tlepólemo, filho

Poliporles: Ar-ot.r.on., Ep.; VII, 35; PAUSANo, (ed, KINKEl), p. 50; QUINTo SMo, Posth., XIV, 210 e
VIII, 12, 60 s.: TZETZo, ad Lyc., 269; 323; Ovo, Met., XIII, 439 e
s.: DICTo CRo, Il l, 2 e 50; V, 13; SERVo, ad VIRGo,Aeno,
Poliles: 1) 110, lI, 786 e 50; XIII, 533; XV, 339; III, 322; VI, 57; PHIlOSTRo, Her. XX, 180
XXIV, 250; ApOlLODo, stu..III, 12,5; HVGo, Fab.,
90; QUINTo SMo, VIII, 402 e s.; XI, 338 e s.; XIII, 214 Políxeno: 1) 110, lI, 623; HVGo, Fabo, 81; 97; Aroi.
e s.; VIRGo, Aeno, lI, 581 e s.: V, 564 e 50; CATO, too., eu«, III, 10,8; PAUSAN_, V, 3, 4_ 2) PAUSAN_,
Orig., 2, fr. 54; DICTo, lI, 430 2) Od., X, 224 e s.; cf. lI, 3, 80 3) ApOlLODo, Bibl., 11,4,6; TZETZ_, ad Lyc.,
artigo Eutimo, 932.
Polixo: 1) ApOlLODo, Bibl., III, 10, 1. 2) TZETZo,
Políxena: Arou.on., tuu.,
III, 12, 5; Epo, V, 23; ad Lyc., 911; PAUSANo, III, 19,9 e 50; POlVENo, I, 130
EURo, Tr., 622 e s.; Hec., 3 e s.: 107 e s.; 218 e 50; es- 3) Ar-oi,, RH., Argo 1,668 e 5.; HVG., Fab., 15; cf.
cól. ao v . 41; 388; HVGo, Fab., 110; Ep. Gr. Fragm. VAL. FlAC., Argo lI, 316 e 50
PÓLTIS 388

de Héracles, que morreu na Guerra de Tróia


(v. Tlepôlemoi. Para honrar a memória do ma-
rido, Polixo organizou jogos fúnebres destina-
;";; dos a jovens adolescentes. O vencedor recebia
l---~ como prémio uma coroa de álamo branco.
'" ::z::
Conta a lenda que ela encontrou maneira de
~ vingar a morte do marido e de punir Helena
c.."
como responsável pela Guerra de Tróia, Dife-
rentes versões existem acerca da hostilidade
e"'"
-c
para com Helena e da vingança perpetrada.
z Contava-se, por exemplo, que, ao regressar do
Egipto com Helena, Menelau passara pela ilha

{
de Rodes, onde tencionava fazer escala. Ao sa-
o -
~ ber de tais intenções, Polixo reuniu na margem
todos os ródios, armados de tochas e pedras.
== o
o Menelau ainda pensou afastar-se da ilha, mas
um forte vento impossibilitou a concretização
1 de tais planos, obrigando-o a aportar naque-
>< las margens inóspitas. Escondeu, então, a es-
ti:
posa no interior da nau e vestiu com os seus
trajos a mais bela das escravas que a acompa-
nhava. Ao chegar à ilha, deixou que os Ródios
massacrassem a falsa Helena. Cumprida a vin-
gança, deixaram Menelau partir em paz. Foi
assim que Helena se salvou da ira de Polixo.
Mas a versão mais divulgada da lenda é me-
nos favorável à heroína lacónia: após a morte
de Menelau, quando Orestes ainda andava er-
rante pelo mundo, perseguido pelas Erínias, os
dois genros de Helena, Nicóstrato e Megapen-
tes, expulsaram-na de Esparta. Ela refugiou-
E..g
" c o
-se então junto de Polixo, sua compatriota, que
considerava amiga. Polixo fingiu recebê-Ia
bem, mas planeou vingar-se: quando Helena
estava no banho, a rainha disfarçou as suas es-
cravas de Erínias e ordenou-Ihes que atacas-
) I:)() sem a viúva de Menelau, Aterrada, enlouque-
{ -o ~ ;:
""O ~

cida pelos tormentos que as escravas lhe


~ o ~ '; infligiam, Helena enforcou-se (v. Helena).
u, ",.. ~ ( 3. Polixo é também o nome da ama de Hip-
~ ~ !U sípile de Lemmos, que a aconselhou a acolher
~::: ~ hospitaleiramente os Argonautas (v. Hipsípi/e.)
., o; ~
.;:; .< v PÓLTIS. (nóÀ~uç.) Póltis é um filho de Po-
o sídon. Irmão de Sarpédon (não confundir com
o irmão de Minos) (v. Sarpédon), reina em Eno
na Trácia. Acolhe hospitaleiramente Héracles,
o c
E quando este passa pela Tróada, ao regressar

c..o ." da região das Amazonas. Sarpédon foi morto
O e por Héracles numa ribeira.
-e" Contava-se que durante a Guerra de Tróia
."
v os Troianos enviaram uma embaixada a Pól-
tis para lhe oferecer presentes e pedir auxílio.
Mas ele exigiu que Páris lhe entregasse Helena,
dispondo-se a dar-lhe em troca duas belas mu-
lheres. Tal estratégia foi, evidentemente, em
e vão.
oo PÓLUX. (noÀUÕtúx1Jç.) Pólux é um dos Dios-
,.,
v
curos, irmão de Castor (v. Dioscuros e qua-
c
dro 21, p. 242).
* POMONA. (Pomona). Pomona é a ninfa
romana que preside ao crescimento dos frutos.

Póltis: ApOLLOD., Bibl., lI, 5, 9; escól. ad Ar-ot.,


RH., Arg., 1,216; STRAB., VII, 319; STEPH., Byz., S.U.
Alvo~; M(01)Il~P(a;PLUT., Apont. reg., 174 c.

Pomona: PUN., N. H., XXIII, 2; VAR., LL, VlI,


45; FEST., p. 154; SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 190;
Ov., Met., XIV, 623 e s.
389 POSIOON

Era-lhe consagrado um bosque, o Pomonal, si- madeira: sucumbiu contudo ao saltar do ca-
tuado na estrada que liga Roma a Óstia. O seu valo, não resistindo à queda.
culto estava confiado a um flâmine. Os netos * PORTUNO. (Portunus.) Portuno é uma
atribuem-lhe diversas aventuras amorosas. divindade romana muito antiga, que parece ter
Apresentam-na, por exemplo, corno esposa do sido originariamente um «deus das passagens»,
lendário rei Pico (v. Pico). Este teria, por amor mas que na época histórica é considerado um
dela, repudiado Circe, cuja ira lhe valera a me- deus marinho a quem compete vigiar os por-
tamorfose em picanço. Ovídio faz de Pomona tos. Tinha um flâmine ao seu serviço e
mulher de Vertumno, que é corno ela urna di- celebrava-se no dia 17 de Agosto, em sua
vindade relacionada com o ciclo das estações honra, urna festa especial - os Portunalia (as
e com a fecundidade da terra. Portunais). O seu templo ficava situado no Fo-
* POMPO. (nÓji7tWv.) Segundo urna lenda rum Boarium, nas proximidades do porto de
latina helenizada, Pompo é urna das filhas do Roma. Portuno foi assimilado ao deus Palé-
rei Numa Pompílio e teria dado origem à gens mon (v. Pa/émon) e passava, por conseguinte,
Pomponia. Existe, alías, urna tradição que atri- por filho de Mater Matuta, identificada com
bui ao pai de Numa o nome de Pompi/ius Ino-Leucótea (v. estes nomes).
Pompo. POSÍDON. (noattowv.) Posídon, o deus que
PONTO. (Ilévroç.) Ponto, «a vaga», é a per- reina nos mares, é urna das divindades olím-
sonificação masculina do Mar. Não se conta picas, filho de Crono e de Reia. Ora é consi-
a seu respeito nenhuma lenda particular e ape- derado mais velho ora mais novo do que o seu
nas figura nas genealogias teogónicas e cosmo- irmão Zeus. Segundo a mais antiga lenda, ao
gónicas. Passa geralmente por filho da Terra chegar à idade adulta, Zeus forçou seu pai,
(Geia) e do Éter. Da sua união com a própria Crono, a devolver à vida os filhos que havia
mãe, nasceram Nereu, Taumas, Fórcis, Ceto engolido - isso implica que Zeus seja o mais
e Euríbia (v. quadro 14, p. 182). Atribui-se-Ihe novo dos descendentes de Crono (tal corno este
também, por vezes, a paternidade de Briareu fora o mais novo dos filhos de Úrano, que ou-
e dos quatro Telquines, Acteu, Megalésio, Ór- sara contudo destronar o pai). Mas pouco a
meno e Lico. A respeito da descendência de pouco, com o desenvolvimento do direito e
Ponto, v. quadro 33, p. 388. com a ideia da transmissão dos bens paternos
ao primogénito, Zeus passou a ser considerado
PORFÍRION. (nop<pup(wv.) Porfírion é um o mais velho dos filhos de Crono, soberano dos
dos Gigantes que combateram contra os deu- deuses. Por isso, nas lendas da época clássica,
ses. Morreu, tal corno Tífon, alvejado pelas fle- Posídon é geralmente apresentado corno o ir-
chas de Apoio, segundo urna das lendas que mão mais novo de Zeus.
se contam a seu respeito. De acordo com ou- Posídon passava por ter sido educado pelos
tra tradição, ele teria tentado violar Hera, Telquines (v. Te/quines) e pela filha do
tendo por isso sido morto por Zeus e Héracles. Oceano, Cefira. Quando atingiu a idade adul-
PORO. (Ilópoç.) Poro, «o Expediente», é o ta, apaixonou-se por Hália, irmã dos Telqui-
filho de Métis. Da sua união com Pénia, a Po- nes, da qual teve seis filhos varões e urna filha
breza, nasceu o Amor. Além deste mito sim- chamada Rodo. Tudo isso aconteceu na ilha
bólico, contado por Platão, Poro não figura de Rodes, cujo nome deriva do da filha de Po-
em nenhuma outra lenda (v. Eros). sídon (v. Há/ia).
Desde os tempos da I/íada, a Posídon coube
PORTÁON. (nop6.xwv.) Portáon é um filho em partilhas o poder sobre o Mar; a Hades fo-
de Agenor e de Epicaste, sendo por conseguinte ram confiados os Infernos e a Zeus o domínio
neto de Plêuron (v. quadro 26, p. 27~. Reinou do Céu e da Terra. Acerca de tal partilha, v.
em Plêuron e Cálidon. Desposou Eurite, de Zeus. O deus do mar pode dominar as vagas,
quem teve vários filhos: Eneu, Ágrio, Alcátoo, provocar tempestades; faz estremecer os roche-
Meias, Leucopeu, Estérope. E um antepassado dos das margens, tocando-Ihes apenas com o
de Meleagro. O seu nome ocorre por vezes sob seu tridente; pode fazer jorrar fontes. O seu
as formas Partáon ou Porteu. poder parece estender -se não só ao mar mas
PORTEU. (nop6túç.) 1. Porteu é urna das também aos rios e aos lagos (não obstante os
formas do nome de Portáon (v. Portáon). rios terem as suas divindades próprias).
2. Porteu é o nome do pai de Equíon, o pri- As suas relações com Zeus nem sempre são
meiro dos heróis gregos que saiu do cavalo de amistosas. Participou com Hera e Atena na

Pompo: PWT., Num., 21; DION. HAL., lI, 58. Porteu: 1) V. Portáon. 2) ApOLLOD., Ep., V, 20.
Ponto: HES., Theog., 135; 233 e 5.; HYG., Fab., Portuno: PHAEST., p. 227; PAUL., p. 56; 263;
pr. 3, 5, 7 (ROSE); ApOLLOO., Blbl., I, 2, 6; e5c61. ad HYG., Fab., 2; VIRG., Aen., V, 241; SERV., ad VIRG.,
Arot.. RH., Arg., I, 1165. Georg., 1,437; Aen., V, 241.
Porfirion: PINO., Pytli., VIII, 12 e 5.; ApOLLOD.,
Posídon: 11., 1,400; VII, 442 e 5.; VIlI, 198 e s.;
Bibl., 1,6, I.
440; XII, 1 e 5.; XIII, 1 e 5.; 43 e s.; 89 e s.; 206 e
Poro: PLAT., Smp., 203 b e 5.; PORPH., De antro s.; XIV, 135 e s.: 351 e s.; XV, 168 e s.; 187 e s.; XX,
nympharum, 16. 13 e s.; 33 e 5.; 132 e 5.; 290 e s.; XXI, 284 e s.; 435
Portáon: 11., XIV, 115 e 5.; ApOLLOD., Bibl., I, e5.;e5c61.adXXIII, 346; Od., IV, 506; V, 291; XI,
7, 7; !O; PAUSAN., IV, 35, 1; VI, 20, 17; 21, !O; 235 e 5.; XIlI, 151 e 5.; HES., Theog., 15; 453 e 5.;
HYG., Fab., 175; e5c61. ad Od., XII, 39. 732; cL 883 e 5.; HEROO., VIlI, 55; Drou, SIC., V,
POSíOON 390

conjuração divina que teve por fim agrilhoar mado por juiz, resolveu a questão a favor do
Zeus, mas recuou diante das ameaças de Bria- Sol. Quando Posídon desejou reinar em Egina,
reu (v. Egéon). foi suplantado por Zeus. Em Naxos, foi Dio-
Posídon participou, durante um ano, com niso quem levou a melhor; em Delfos, ApoIo;
o deus ApoIo e o mortal Éaco, na construção em Trezena, Atena. Mas as duas querelas mais
das muralhas de Tróia. Laomedonte recusou- célebres foram a propósito de Atenas e de Ar-
-lhe a recompensa prometida em troca do seu gos. Posídon voltou-se para Atenas e foi o pri-
trabalho. Posídon fez então erguer do mar um meiro a tomar posse da cidade fazendo brotar
monstro, que semeou o massacre entre as po- com o seu tridente um «mar» na Acrópole (este
pulações troianas (v. Laomedonte). Essa foi «mar», segundo Pausânias, era um poço de
a origem do rancor de Posídon contra os Troia- água salgada situado no recinto do Erecteu).
nos e por isso o vemos intervir a favor dos Atena teve pouco depois idênticas intenções:
Aqueus durante a Guerra de Tróia. Contudo, convocou Cécrops e tomou-o por testemunha
quando no início da Iliada, a conselho de Nes- do seu acto de posse - plantou uma oliveira
tor, os Aqueus decidem fortificar o seu acam- no solo de Atenas, que se dizia existir ainda
pamento, rodeando de muralhas as naus, Po- no século II da nossa era na região do Pandró-
sídon protesta na assembleia dos deuses contra sio. Depois a deusa reivindicou a posse da ci-
esta decisão, que considera susceptível de di- dade. A questão foi apresentada ao julgamento
minuir a glória por ele alcança da ao erguer os de Zeus, que decidiu eleger árbitros que a ava-
muros de Tróia. São necessárias as palavras liassem. Segundo uma das versões da lenda, os
conciliadoras de Zeus para o acalmar, embora eleitos teriam sido Cécrops e Cránao; segundo
ele prometa a si próprio destruir a muralha ele- outra variante, Zeus teria delegado a respon-
vada pelos Aqueus. Durante algum tempo, Po- sabilidade em todos os deuses do Olimpo. Seja
sídon decide manter-se afastado da contenda, como for, o tribunal decidiu a favor de Atena,
mas em breve regressa ao campo de batalha em porque Cécrops testemunhou a favor da deusa
auxílio dos Aqueus, em desvantagem. Sob a afirmando que ela fora a primeira a plantar
figura de Calcas, encoraja Ajax Telamónio, e uma oliveira no rochedo da Acrópole. Posí-
o seu homónimo filho de Oileu exorta Teucro, don, irado, inundou a planície de Elêusis.
Idomeneu, até ao momento em que, por or- Em relação à cidade de Argos, foi Foroneu
dem de Zeus, se vê forçado a abandonar o o juiz designado para julgar a contenda que
combate. Mas quando Aquiles está quase a ma- opunha Posídon a Hera. Também neste caso
tar Eneias, é Posídon quem salva o troiano. foi a deusa a vencedora. Encolerizado, o deus
Perturba a visão de Aquiles com um denso ne- do Mar lançou sobre a Argólida uma maldi-
voeiro, arranca do escudo de Eneias a lança ção e secou todas as fontes da região. Pouco
que aí estava cravada e leva o herói para longe, depois, Dánao e as suas cinquenta filhas che-
pondo-o em segurança. O motivo que o impele garam à Argólida e não encontraram água para
a salvar assim um troiano é saber que o des- matar a sede. Graças a Amimone, uma das Da-
tino não quer a morte de Eneias. Não será tam- naides, de quem Posídon se enamorou, a mal-
bém alheio o facto de o herói não pertencer à dição terminou e das fontes voltou a brotar
descendência imediata de Laomedonte: Eneias água (v. Amimone). Segundo outra variante,
descende directamente de Trós, por intermé- o deus teria inundado a Argólida de água sal-
dio de Anquises, Cápis e Assácaro (v. quadro gada, levado pela cólera contra Ínaco e Foro-
7, p. 112). Posídon, que persegue como todos neu. Mas Hera tê-Io-ia obrigado a libertar a re-
os deuses a destruição dos Priâmides, poupa gião e a repor o mar nos seus limites.
e protege, tal como eles, os descendentes de Posídon possuía contudo uma ilha maravi-
Anquises. lhosa - a Atlântida (v. At/ântida).
Quando os mortais decidiram organizar-se Atribuem-se ao deus numerosas paixões, eu-
e viver em cidades, cada um dos deuses elegeu muladas por uma descendência numerosa. Mas
uma ou mais de entre elas para aí ser honrado enquanto os filhos de Zeus eram heróis favo-
de modo particular. Ora, por vezes, dois ou três ráveis à humanidade, benfeitores, os descen-
deuses escolhiam a mesma cidade, o que de- dentes de Posídon, tal como os de Ares, eram
sencadeava conflitos que eram depois subme- geralmente gigantes violentos e perigosos. Da
tidos à apreciação das outras divindades ou até sua união com Toosa, por exemplo, nasceu Po-
de simples mortais. Estes julgamentos foram lifemo, o Ciclope; de Medusa, teve o gigante
geralmente desfavoráveis a Posídon. Quando Crisaor e o cavalo alado Pégaso; da sua rela-
ele disputou a cidade de Corinto tendo por ad- ção com Amimone, nasceu Náuplio, que tanto
versário Hélio (o Sol), o gigante 8riareu, to- mal causou aos Aqueus (v. Náup/io); de Ifi-

55; A. GELL., N. A., XV, 21; Ov., Met., VI, 70 e s.; 32; 37; 38; 46; 47; 56; 64; 76; 89; 125; 136; 139; 140;
ApOLLOD., Bibl., I, 7, 3 e s.; lI, 1,4; III, 14, 1; PAU· 151; 157; 161; 164; 166; 169; 173; 186; 187; 188; 195;
SAN., I, 14,3; 24, 3 e s.; 26, 5 e s.; lI, 1,3 e s.; 2, 238; 242; 252; 273; 274; SERV., ad VIRG., Georg., I,
1; 3, 4 e s.; 12,2 e s.; 30, 5 e s.; 22, 4; 33,1 e s.; 34, 12; VAR., ap AUGUST., Civ. D., XVIII, 9; PLUT., Qu.
10; 38, 1 e s.; III, 14,2; 15,7; 18, 10; 20, 2; 21, 5; Conu., IX, 6; De amic. frat., XI; FR. SCHACHER·
V, 1,8; 15,5; 22, 6; 26, 2; VI, 25, 3; VII, 4,1; 8; MEVR, Poséidon, Berna, 1950; PUGLlESE CARRATELLI,
21,7-10; 24, 2-12; 25, 3; 8; 12; VIII, 10,2-11,1; 25, in Parola dei Pass., 1957, fase. 53, pp. 81 e s.; 56,
5-8; 37, 9-10; 42, 1 e 5.; 44, 4; IX, 20, 1; 22, 5; 29, e p. 352 e s.; C. GALLAVOTTI, ibid., 55, pp. 241 e s.;
1; 6; 31, 6; X, 9, 4; 7; 10,8; escól. a V, 8, 8; HVG., F. AORADOS, in Minos, V (1957), pp. 53 e s.: J.
Fab., pr. 13, 18, 10 (Rosa): 3; 10; 12; 14; 17; 28; 31; CHADWICK, ibid., pp. 117 e 5.
391 PRÉTIDES

media, teve os Alóadas. Também Cércion, o 2. Praxítea é também o nome de uma ninfa
bandido Círon, que foi morto por Teseu, o rei que desposou Erictónio e teve dele um filho
dos Lestrigões Lamo, o caçador maldito Oríon, chamado Pandíon ..
todos eles eram seus filhos. Os filhos que de 3. Metanira, mulher de Céleo e mãe de De-
Hália (v. Há/ia) lhe nasceram, cometeram tan- mofonte e de Triptólemo, é também por ve-
tos excessos que Posídon teve de escondê-los zes designada pelo nome de Praxítea. Uma das
debaixo da terra para sobre eles não recair o versões da lenda faz dela a ama de Demofonte.
castigo devido às suas acções.
Posídon está na origem de múltiplas genea- PRÉSBON. (TIpla{3wv.) Présbon é um dos fi-
logias míticas (v., por exemplo, quadro 3, lhos de Frixo e de Iofassa, filha de Eetes, rei
p. 66; 11, p. 142; 12, p. 144; 14, p 182; 23, da Cólquida (acerca de outras tradições rela-
p.. 258; 24, p. 265; 27, p. 280) (cf. também o tivas ao casamento de Frixo, v. Frixo). Prés-
lndice s. u. Posídon). Convém salientar parti- bon desposou Búzige, filha de Lico, de quem
cularmente os amores de Posídon e Deméter, teve um filho, Clímeno (v. quadro 34, p. 392).
de que nasceu uma filha cujo nome era inter- Após a morte de Frixo, Présbon voltou a Or-
dito proferir, e o cavalo Aríon (v. Anon), mon- cómeno, para reclamar o reino de seu pai Ata-
tado por Adrasto durante a expedição dos Sete mante. Ao morrer, este confiara-o aos netos
contra Tebas. de Sísifo, seus sobrinhos-netos, porque julgava
A esposa «legítima» do deus do Mar é a estar extinta a sua descendência por linha mas-
deusa Anfitrite (v. Anfitrite), uma Nereide de culina. Os dois netos de Sísifo, Haliarto e
quem não teve descendentes. Corono, ao saber que Présbon regressara,
Posídon é representado com o seu tridente apressaram-se a acolhê-I o e a devolver-lhe o
(a arma por excelência dos pescadores de reino. Fundaram as cidades de Haliarto e Co-
atum), deslocando-se num carro puxado por rone. Présbon é o avô de Ergino, o último dos
animais monstruosos, híbridos de cavalo e de descendentes de Atamante que reinou em Or-
serpente. Em redor do carro, vagueia uma mul- cómeno (v. Ergino).
tidão de peixes, golfinhos, criaturas marinhas PRÉTIDES. (TIpOL~(8t<;.) As Prétides são as
de todas as espécies, Nereides e génios diver- filhas do rei Preto, de Tirinte (ou de Argos)
sos, como Proteu e Glauco, entre outros. (v. Preto), e de Estenebeia (v. quadro 32,
POTO. (TIó9oç.) Poto é a personificação do p. 370). Acerca do seu número, as tradições va-
desejo amoroso. Figura no cortejo de Afrodite . riam. Segundo uns, são duas: Lisipe e Ifia-
ao lado de Eros e de Hímero, de que não di- nassa; segundo outros, haveria ainda uma ter-
fere substancialmente. É geralmente conside- ceira, chamada Ifínoe. Quando chegaram à
rado filho de Afrodite. Na mitologia síria, in- idade de casar, as jovens foram enlouquecidas
fluenciada pelas crenças semíticas, Poto por Hera. A causa de tal maldição diverge, se-
passava por filho de Crono e de Astarte (Afro- gundo a tradição que seguirmos: diz-se, por ve-
dite). Simples abstracção, nenhuma lenda se zes, que elas ousaram julgar-se mais belas do
conta a seu respeito. que a deusa, despertando deste modo a sua có-
PRAX. (TIp.xç.) Prax é o descendente, na ter- lera; conta-se outras vezes que troçaram do
ceira geração, do filho de Neoptólemo, Pér- templo de Hera, porque, segundo diziam, o pa-
gamo. Partiu da Ilíria para o Peloponeso e deu lácio do seu pai encerrava maiores riquezas;
o seu nome à região doravante chamada Pra- conta-se ainda que as jovens teriam roubado
kiai. Em honra de Aquiles, seu antepassado,
ouro das vestes da deusa, para o usarem em
Prax ergueu um santuário na estrada que liga seu próprio benefício. Seja como for, elas jul-
Esparta à Arcádia. garam estar transformadas em vacas e fugiram
para os campos, errando sem destino certo e
PRAXÍTEA. (TIpotçL9i.ot.) Praxítea é o nome recusando-se a regressar a casa. Desta conduta,
de diversas heroínas da lenda ática, que por ve- semelhante à das Bacantes, nasceu a lenda se-
zes se confundem. gundo a qual teria sido Dioniso que as teria
1. Uma delas é a esposa de Erecteu (v. qua- acometido de loucura, em virtude de elas te-
dro 12, p. 144). Ora é apresentada como filha rem recusado prestar-lhe culto. O adivinho Me-
do deus-rio Cefiso ora como filha de Dioge- lampo propôs ao rei Preto curar as princesas
neia (filha de Cefiso) e de Frásimo. Praxítea suas filhas, em troca de um terço do reino de
passava por modelo de patriotismo, pois con- Argos. O monarca não aceitou a proposta, por
sentiu em sacrificar as filhas em virtude de um achar o preço demasiado elevado. A loucura
oráculo haver vaticinado que era essa a con- das Prétides agravou-se então e elas recome-
dição que asseguraria a vitória aos Atenienses çaram a percorrer a Argólida em todas as di-
(v. Erecteu). . recções. Preto pediu auxílio a Melampo. Mas

Poto: AESCH., Supp., 1040; PLAT., Smp., 197 d; Présbon: Escól. ad Ar-ot.. RH., Arg., I, 185; lI,
Cra., 420;Eus., Pr. Eu., I, 10, 8. . 1122; PAUSAN., IX, 34, 8; 37, 1 e S.
Prétides: BACH., X, 40-112; ApOLLOO., Bibl., lI,
Prax: PAUSAN., III, 20, 8; STEPH., Bvz., S.U.
2,2; escól. ad Od., XV, 225; ad PINO., Pyth., Iíl,
IlplXxou XlXl IlpÓ<xEç.
96; Nem., IX, 30; HEROO., IX, 34; Dioo, SIC., IV,
Praxítea: 1) EUR., trago perdida Erecteu; LYCUR· 68; STRAB.,VIII, 3, 19, p. 346; PAUSAN., 11, 7, 8; 9,
GUS,In Leocr., 98 e S.; ApOLLOO., Bibl., 111, 15, I. 8; 16, 2-5; 18, 4; 25, 7 e S.; V, 5, 10; VIII, 18, 7 e
2) ApOLLOO.,Bibl., nr, 14,6.3) ApOLLOO.,Bibl., I, S.; HEs., fr. 41 e 42; VIRG., Bue., VI, 48 e 5.; SERV.,
5, 1-2. ad loc.; OV., Met., XV, 322.
Eolo '" Enarete (ver quadro 8, p. 117)

Sísifo
(ver quadro ss, p. "" ri Ino '" -------------

(ver '.'d;:i~;' p. "'''


Átamas _______________

~
,..." Néfele
,...." Temisto (ver quadro 25, p. 268) ele.

I
Esqueneu
Learco Melicerta Calcíope ,...." Frixo Hele Lêucon Erítrio Ptóo
(ou lofassa) I
Argos e--> Perimele Mélas Frôntis Citissoro Présbon ,..." Búzige Érita Evipe ,..." Andreu Pisídice

I I
Clímeno Etéocles Argeno
Magnes

Ergino Estrátio Árron Pileu Azeu Eurídice ,..." Nestor


(trad. homérica, v. Nestor)

Trofónio Agamedes
I
Aetor

Antíoque '" Ares

Iálmeno Ascálafo

Quadro genealógico n. o 34
393 PRIAMO

este reclamou, além do terço do reino que rei- apaixonou-se pelo herói, mas este não corres-
vindicara para si próprio, um outro terço para pondeu ao seus sentimentos; despeitada, a rai-
o seu irmão Bias. Temendo que, não aceitando nha caluniou-o, levantando contra ele falsos
tais condições, elas viessem a tornar-se mais ri- testemunhos e queixando-se a Preto da sua
gorosas, o rei consentiu em pagar o preço exi- conduta. O rei enviou então Belerofonte para
gido. Então, Melampo, levando consigo os junto do pai de Estenebeia, Ióbates, a fim de
mais vigorosos jovens de Argos, perseguiu as que este o condenasse à morte (v. Beierofontei.
princesas pelas montanhas, no meio de grande De Estenebeia, teve Preto duas ou três filhas,
alarido e danças violentas. Durante a persegui- as Prétides (v. Prétides), enlouqueci das por
ção, a mais velha das irmãs, Ifínoe, sucumbiu Hera (ou por Dioniso) e curadas da demência
de cansaço. Mas as outras duas foram purifi- por Melampo. Em troca dos serviços presta-
cadas, graças às ervas que Melampo adicionou dos por este adivinho, o soberano viu-se obri-
à água de uma fonte onde elas iam beber. gado a repartir o seu reino em três partes: con-
O adivinho e seu irmão Bias desposaram en- servou uma delas, dando outra a Melampo e
tão as duas princesas. outra a Bias, irmão do adivinho (acerca das
Uma tradição divergente situa a loucura das consequências desta partilha, v. Adrasta).
mulheres de Argos numa época posterior às Durante a loucura das filhas, Preto teve ou-
Prétides, durante o reinado do seu sobrinho tro filho de Estenebeia - um varão, chamado
Anaxágoras (v. Anaxágaras). Megapentes (o que significa «o grande des-
PRETO. (Ilpotecç.) Preto é um rei de Tirinte, gosto» - nome inspirado no profundo pesar
filho de Abante e irmão gémeo de Acrísio (v. que o rei sofria, em virtude da demência das
quadro 32, p. 370). Descende de Linceu e de filhas). Mais tarde, Megapentes sucedeu a
Preto no trono de Tirinte. Viria, no entanto,
Hipermestra e por conseguinte de Dánao e de
Egipto. Já no ventre de sua mãe Aglaia, filha a entregar a Perseu o seu reino, em troca de
de Mantineu, Preto nutria um profundo ódio Argos, região de que Perseu não queria ser so-
berano por lhe ter cabido em sorte, em conse-
contra seu irmão Acrísio. As duas crianças lu-
tavam já, mesmo antes do seu nascimento. quência de um crime involuntário (Perseu ma-
Quando atingiram a idade adulta, dividiram tara acidentalmente seu avô Acrísio) (v.
entre si o território da Argólida em que Abante Perseu). Assim se explica que, na altura da ex-
reinava: Acrísio obteve o domínio de Argos; pedição dos Sete contra Tebas, Adrasto rei-
Preto tornou-se rei de Tirinte. Mas esta deci- nasse em Argos, embora o seu antepassado
são não foi alcançada senão à custa de sangren- Bias tivesse recebido originalmente uma parte
tos combates entre os partidários dos dois prín- do reino de Tirinte (v. Anaxâgoras e a tradi-
cipes, que de pouco adiantaram, em abono da ção segundo a qual a partilha teria ocorrido
verdade. Contava-se também, para explicar o após o reinado de Megapentes e a troca de rei-
ódio dos dois irmãos, que Preto seduzira a sua nos entre este e Perseu).
sobrinha Dánae, filha de Acrísio, e que era as- Ovídio conservou uma tradição aberrante da
sim o pai de Perseu, infligindo deste modo ao lenda de Preto: este teria atacado Acrísio e tê-
irmão uma injúria mortal (v. Acrisio e Dánae). -lo-ia cercado na cidadela de Argos, quando Per-
seu veio em auxílio do avô, transformando Preto
Mal tomou posse de Tirinte, Preto fortifi- numa estátua de pedra. E provável que se trate
cou a cidadela, atribuindo-se-Ihe a construção de uma invenção recente, formada a partir de
dos muros «ciclópicos» que ainda existem. Te- alguns episódios célebres da lenda de Perseu.
ria sido auxiliado nesta empresa pelos próprios
Ciclopes, segundo se afirma (v. Ciclopes). PRÊUGENES. (TIpEU'I'É\I1)ç.) Prêugenes é um
Existe ainda outra versão acerca do desfecho aqueu oriundo do vale do Eurotas, no Pelo-
do conflito entre Preto e Acrísio. Este teria saído poneso. Era filho de Agenor. Teve dois fi-
vitorioso expulsando por isso Preto, que se te- lhos - Patreu e Atérion. Depois da chegada
ria então refugiado na Asia Menor, junto do dos Dórios, retirou-se com a família para a
rei da Lícia, Ióbates ou Anfíanax, cuja filha, Acaia, onde fundou uma cidade a que deu o
Estenebeia, teria desposado. Ióbates concedeu- nome de Patras. A ele e aos filhos foram mais
-lhe um exército, à frente do qual ele reconquis- tarde prestadas as honras devidas aos heróis.
tou o seu reino. Foi só então que os dois irmãos
repartiram entre si o poder (v. Acrísio). PRÍAMO. (TIp[ot}J.oç.) Príamo é o mais novo
Preto estabeleceu-se em Tirinte e aí casou. dos filhos de Laomedonte (v. quadro 7,
Passado algum tempo, Belerofonte dirigiu-se p. 112). A sua celebridade deve-se particular-
ao seu palácio pedindo que o purificasse do mente ao facto de ter sido no seu reinado,
crime que involuntariamente cometera e o con- quando o soberano atingira já uma idade avan-
denara ao exílio (v. Belerofontey. Estenebeia çada, que se travou a Guerra de Tróia. Não

Preto: ApOLLOD., Bibl., lI, 2, I e S.; 3, I e S.; 4, Prismo: II., Hl, 146 e 5.; VII, 365 e S.; XX, 237;
I e s.; PAUSAN., lI, 25, 7; escól. ad EUR., Or., 965; XXI, 84 e S.; 526 e S.; XXII, 21 e S.; 405 e S.; XXIV,
Ov., Met., V, 236 e S.; escól. ad PINO., Nem., IX, 143 e S.; XXIV, 188 e S.; 322 e S.; 440 e S.; 677 e S.;
30. V. também Pretides. ApOLLOO., Bibl., lI, 6, 4; m, 12,3 e S.; HVG., Fab.,
89; 90; 91; 93; 101; 105; 106; 108; 109; 111; 113; 128;
240; 243; 244; 256; 270; 273; PAUSAN., 11,24,3; IV,
Prêugenes: PAUSAN., m, 2, I; VII, 6, 2; 18,5; 20, 17,4; X, 27, 2; ApOLLOO., Ep., V, 21; EUR., Hec.,
7 e S.; cf. HERBILLON, Les cultes de Palras, Paris, 23 e S.; Tr., 16 e S.; 481 e S.; SERV., ad VIRO., Aen.,
1929. li, 557.
PRIAMO 394

se sabe ao certo o nome da sua mãe: a llíada


não o menciona; a tradição posterior
apresenta-a geralmente como a filha do deus-
-rio Escamandro, dando-lhe o nome de Es-
trimo; outras versões contudo atribuem-lhe o
nome de Plácia ou Leucipe.
A Ilíada não faculta muitos dados sobre a
vida de Priamo antes do cerco de Tróia. O poe-
ma apenas nos informa que ele combateu ou-
trora contra as Amazonas, como aliado do Frí-
gio Otreu, nas margens do Sangário. Foram
os rnitógrafos que conservaram o episódio mais
importante da sua infância - a tomada de
Tróia por Héracles. Príamo, que era então
ainda uma criança, foi feito prisioneiro pelo
herói, juntamente com sua irmã Hesíone. Hé-
racles deu a jovem em casamento ao seu amigo
Télamon e prometeu oferecer-lhe o presente de
núpcias que mais lhe aprouvesse. Ela reclamou
então o seu irmão, que tinha nessa altura o
nome de Podarces. Héracles consentiu em
entregar-lho, mediante uma venda simbólica .
.=••= sio Podarces tomou então o nome de Príamo, que
significa «o que foi vendido» (v. Hesíone) .
.~-:~
U
.• ~
o
Sendo ele o único sobrevivente dos filhos de
Laomedonte, Héracles confiou-lhe todo o ter-
O
ritório de Tróia. Pouco a pouco, Príamo es-
tendeu o seu poder a toda a região e às ilhas
da costa asiática.
Príamo desposou Arisbe, filha de Mérope,
em primeiras núpcias, e teve dela um filho cha-
mado Ésaco (v. Ésaco). Mas abandonou de-
pois a consorte, entregando-a a Hirteu, a fim
de desposar em segundas núpcias Hécuba. Dela
nasceu a maior parte da sua descendência, os
seus mais célebres filhos (v. quadro 35, ao
lado). O primogénito foi Heitor, o segundo Pá-
ris; seguiram-se as filhas: Creúsa, Laódice, Po-
líxena e Cassandra. Finalmente, nasceram-lhe
ainda alguns filhos varões: Deífobo, Heleno,
Pámon, Polites, Ântifo, Hipónoo, Polidoro e
Troilo, que passava também por filho de
Apoio.
Das suas relações com diversas concubinas,
Príamo teve outros filhos: Melanipo, Gorgí-
tion, Filémon, Hipótoo, Glauco, Ágaton,
Quersidamante, Evágoras, Hipodamante, Mes-
tor, Atas, Dóriclo, Licáon, Dríope, Bias, Cró-
mio, Astígono, Telestes, Evandro, Cébrion,
Milio, Arquémaco, Laódoco, Équefron, Ido-
meneu, Hiperíon, Ascânio, Democoonte,
Areto, Delopite, Clónio, Equémon, Hipéroco,
Egéono, Lisítoo, Polimedonte; teve ainda qua-
tro filhas: Medusa, Medesicaste, Lisímaca e
Aristodemo. A tradição atribui a Príamo cin-
quenta filhos, número que não corresponde
com exactidão às listas apresentadas. pelos di-
versos autores. A lista de Apolodoro, que
acima reproduzimos, é a mais completa, inte-
grando quarenta e sete nomes. Se lhe acrescen-
tarmos os nomes de Antifonte e Dio (mencio-
nados na Jlíada) e o de Áxion, citado por
Pausânias, de acordo com a Pequena Jlíada,
obteremos um total de cinquenta, conforme a
tradição.
O papel de Príamo na Jlíada é muito limi-
tado. A sua avançada idade não lhe permitia
participar no combate; limitava-se a presidir
aos conselhos, mas nem sempre era a sua opi-
nião que prevalecia, sobrepondo-se-lhe geral-
395 PROCLES

mente a de Heitor. Príamo não parece ter-se lar, um asno começou a zurrar, despertando
oposto às intenções e actos de Páris, nem ao a deusa e alertando-a para o perigo que cor-
rapto de Helena: encara-a com benevolência ria. Desde então, era costume sacrificar um
e aceita o destino. O traço essencial do seu ca- burro a Priapo, e nas festas em honra de Vesta
rácter é a piedade, o que o torna merecedor dos enfeitava-se com grinaldas as cabeças dos ju-
favores de Zeus. Mero espectador, o soberano mentos.
domina os acontecimentos, nos quais se vê en- Outras lendas se formaram a propósito de
volvido contra sua vontade. Vê perecer os fi- Priapo. Uma tradição que o apresentava como
lhos um a um, assiste à morte de Heitor, o mais filho de Afrodite e de Dioniso não foi unani-
bravo defensor do seu reino. Quando Aquiles memente aceite. Segundo alguns mitógrafos,
mata Heitor e o leva para o acampamento dos a disformidade física de Priapo era devida aos
Gregos, Príamo humilha-se a ponto de ir ter malefícios de Hera. Quando Afrodite, após o
com o vencedor oferecendo-lhe um valioso res- nascimento, partiu da terra dos Etíopes rumo
gate em troca do cadáver do filho. ao Olimpo, a sua beleza surpreendeu todos os
As epopeias posteriores à I1íada descrevem deuses. Zeus enamorou-se dela e possuiu-a. Es-
pormenorizadamente a morte de Príamo. tando ela prestes a dar à luz um filho, Hera,
Quando o velho rei se apercebeu de que o ini- temendo que a criança viesse a ter a beleza da
migo entrava no seu palácio, quis pegar em ar- mãe e a força e poder do pai, tornando-se as-
mas e defender os seus. Mas Hécuba impediu-o sim um perigo para todas as divindades olím-
e levou-o para o interior do palácio, para junto picas, resolveu actuar: irada com os 'amores
de um altar, coroado de loureiro, a fim de su- adúlteros do marido e cega de ciúme, Hera to-
plicarem ambos a protecção dos deuses. Aí, o cou no ventre de Afrodite de modo que o fi-
velho soberano vê Neoptólemo matar à sua lho aí gerado nascesse disforme. Priapo veio
frente o jovem Polites, que também se enca- ao mundo com um falo enorme, desproporcio-
minhava para o altar tentando salvar a vida. nado. Ao vê-Io, a mãe teve receio que ambos
Em seguida, Neoptólemo voltou-se para se tornassem alvo da chacota dos deuses, e
Príamo, agarrou-o pelos cabelos, afastou-o dos abandonou-o por isso nas montanhas. O re-
altares e degolou-o. O cadáver ficou insepulto. cém-nascido foi descoberto por pastores que
Segundo outra variante, o assassino teria ar- o criaram e prestaram culto à sua virilidade.
rastado a sua vítima até ao túmulo de Aqui- Assim se explicava que Priapo tivesse sido um
les, fora da cidade, roubando-lhe aí a vida. deus rústico.
Um tradição similar fazia de Priapo o filho
PRIAPO. (TIp10t1tOç.) Priapo, o grande deus de Afrodite e de Adónis, atribuindo igualmente
da cidade asiática de Lãmpsaco, é geralmente aos malefícios de Hera a sua disformidade. Na
identificado como filho de Afrodite e de Dio- interpretação evemerista da lenda deste deus,
niso. Era representado sob a forma de uma fi- ele era identificado como um habitante da ci-
gura de falo erecto, considerado o guardião dos dade de Lãmpsaco que dela fora banido devido
jardins e das vinhas e em particular o protec- à sua monstruosidade. Os deuses tê-lo-iam re-
tor dos pomares. O seu atributo essencial ti- colhido e ter-lhe-ia sido atribuída a guarda e
nha a virtude de desviar o mau olhado e de tor- protecção dos jardins.
nar vãos os malefícios dos invejosos que Segundo Diodoro, Priapo estava relacionado
procuravam prejudicar as colheitas. Além com o mito de Osíris: ele seria o resultado da
disso, símbolo de fecundidade, a figura de deificação da virilidade de Osíris a que Íris
Priapo «servia de exemplo» às plantas do re- prestara culto. Diodoro assimila ainda Priapo
cinto em que se encontrava. Como deus asiá- e Hermafrodito.
tico e da fecundidade, ele foi incluído no cor-
tejo de Dioniso, facto a que não deverá ter sido PRÍLIS. (TIpúÀ\ç.) Prílis é um adivinho de
alheia a sua semelhança com Sileno e com os Lesbos, filho de Hermes e da ninfa Issa.
Sátiros. Tal como Sileno, Priapo era muitas ve- Quando os Gregos por ali passaram rumo a
zes representado ao lado de um burro, Tróia, Prílis, subornado pelos presentes de Pa-
contando-se mesmo a este propósito uma lamedes, revelou a Agamémnon que a cidade
lenda. Durante uma festa dionisíaca, o deus te- de Príamo não poderia ser tomada senão por
ria encontrado a ninfa Lótis, por quem se apai- um cavalo de madeira.
xonou. De noite, tentou surpreendê-Ia, mas no
momento em que estava prestes a realizar os PROCLES. (TIpoxÀTjç.) Procles é o filho do
seus intentos, o burro de Sileno pôs-se a zur- Heraclida Aristomedo e de Argia, sendo, por
rar acordando Lótis e todas as Bacantes. conseguinte, irmão gémeo de Eurístenes (v.
Priapo, assustado, teve de renunciar aos seus quadro 18, p. 220). Procles e Eurístenes des-
objectivos. Em memória desta aventura, o deus posaram Latria e Anaxandra, as duas filhas do
era representado ao lado de um burro. Uma Heraclida Tersandro, rei de Cleonas. Procles
variante desta lenda foi divulgada em Roma, teve um filho chamado Soo, que foi o pai de
sendo Lótis substituída pela deusa Vesta. No Eurito e um antepassado de Licurgo, o legis-
momento em Priapo se preparava para a vio- lador de Esparta.

Priapo: PAUSAN., [X, 31, 2; STEPH. Bvz., s.u. AlifL' LXIII, p. 382. CL H. HERTER, De Priapo, Giessen -
q,OtXO,; "Apapvo,; Ov., Fast., 1,391 e S.; V[, 319 e S.; 1932. '
Met., [X, 347 e S.; SERV., ad VIRO., Georg., lI, 84;
Pnlis: Lvc., Alex., 219 e S.; TZETZ., ad loc., e 222;
[V, 111; escól. adTHEocR., I, 81; TZETZ., ad Lyc.,
EUST., ad Hom., 60[, 4; 893, 40.
831; escól. ad Aror.. RH., Arg., l, 392; DIOD. SIC.,V,
6; WESTERMANN, Mythog.; Appendix Narrat.; Procles: PAUSAN., lU, 7, I; PLUT., Lyc., 4 e s.
PROCNE 396

PROCNE. (Ilpóxvn.) Procne é uma das fi- I PRÓMACO. (npóflaXoÇ.) I. Prómaco e Leu-
lhas de Pandíon, rei de Atenas, irmã de Filo- cocamante, dois jovens cretenses de Cnossos,
meia. Acerca da sua lenda e da história da me- são os heróis de uma aventura amorosa. Pró-
tamorfose em rouxinol, v. Filomeia e quadro rnaco amava o belo Leucocamante, que o tra-
12, p. 144. tava cruelmente e lhe impunha mil e uma pro-
vas. Prómaco cumpria de bom grado todas as
PRÓCRIS. (npÓXptç.) Prócris é uma das fi- tarefas, na esperança de merecer o amor do
lhas do rei de Atenas, Erecteu (v. quadro 12, mancebo. Nada conseguia, porém. Um dia, de-
p, 144), embora uma das variantes da lenda a pois de efectuar uma prova particularmente di-
apresente como filha de Cécrops. A tradição fícil que consistia em procurar determinado
é muito complexa e engloba elementos sobre- elmo, entregou o objecto encontrado a outro
postos. Prócris é a esposa de Céfalo, filho de jovem mais solícito. Despeitado, Leucoca-
Déjon. Trai o marido, apaixonando-se por Pte- mante trespassou-se com a espada.
leonte, que conquista os seus favores oferen- 2. Houve ainda outro herói com o mesmo
cendo-Ihe uma coroa de ouro. Céfalo apercebe- nome, filho de Éson e Alcímede (ou Perimede),
-se de tudo e ela refugia-se junto de Minos. Este que foi morto por Pélias, quando era ainda de
apaixona-se por Prócris e tenta seduzi-Ia. tenra idade (v. Quadro 23, p. 258).
Acontece porém que sobre Minos pendia a
maldição de Pasífae, sua esposa: sempre que PROMETEU. (I!POfl1j6EÚÇ.)Prometeu é um
o rei se unisse a uma mulher, do seu corpo nas- «primo» de Zeus. E filho de um Titã, Jápeto
ciam serpentes e escorpiões que imediatamente (tal como Zeus é filho de outro Titã - Crono.
matavam a sua amante. Prócris, para o liber- V. quadro 38, p. 452). As tradições divergem
tar de tal encantamento, deu-lhe uma erva que a respeito do nome da mãe: ora se menciona
obtivera das mãos de Circe. Depois, exigiu em Ásia, filha do Oceano, ora se fala em Clímene,
troca dos seus favores dois presentes: o cão que outra Oceânide (v. quadro 38, p. 452) (v. tam-
jamais deixava escapar a presa e a flecha que bém Eurimedonte, 1). Prometeu tem vários ir-
jamais falhava o alvo. Mais tarde, temendo o mãos: Epimeteu (que com ele contrasta por ser
ciúme de Pasífae, ela voltou a Atenas e o «inábil», o «desastrado» por excelência) (v.
reconciliou-se com Céfalo. Contudo, não du- Epirneteui, Atlas, Menécio. Era casado com
raram muito os seus amores com o marido. De Celeno ou com Clímene (o nome da consorte
novo ele tentou conquistá-Ia, com presentes, varia consoante os autores). Dessa união nas-
mas ela não cedeu. Algum tempo depois, o ceram Deucalião, Lico e Quimereu, a que se
ciúme atingiu-a, causando-lhe a morte (acerca acrescenta, por vezes, Etneu, Hélen e Tebe (v.
deste episódio da sua lenda, v. Céfalo). Hélen e Tebe).
Prometeu é considerado como o criador dos
PROCRUSTES. (npoxpOÚ"~1jç.) Procrustes primeiros homens, que moldou em barro. Mas
é o sobrenome de um bandido, também cha- esta lenda não figura na Teogonia, onde Pro-
mado Damastes e Polipémon, que vivia na es- meteu é simplesmente o benfeitor da humani- .
trada que ligava Mégara a Atenas. Procrustes dade e não o seu criador. Foi por amor aos ho-
tinha duas camas - uma pequena e outra mens que Prometeu enganou Zeus. Primeiro em
grande. Oferecia guarida aos transeuntes que Mecone, durante um sacrifício solene, dividiu
por ali passavam e obrigava-os a deitar-se em duas partes um boi: pôs para um lado a carne
numa das camas: os grandes, no leito pequeno e as entranhas do animal, cobrindo-as com a
(cortando-lhe os pés para que coubessem); os pele; aos ossos, despojados da carne, cobriu-
pequenos, no grande (esticando-os com toda -os com gordura, tingindo-os assim de branco.
a força, para ocuparem melhor todo o espaço). Disse depois a Zeus que escolhesse a sua parte,
O bandido foi morto por Teseu (v. Teseui. deixando o resto aos homens. O deus optou pelo
esqueleto coberto de banha e, quando desco-
* PRÓCULO. (Proculus.) Júlio Próculo é briu que nesse quinhão só havia ossos, ficou re-
o nome do nobre albano, a quem Rómulo apa- voltado contra Prometeu e contra os mortais,
receu após a sua apoteose, manifestando a von- que a sua astúcia tinha favorecido. Para os punir,
tade de ser venerado sob o nome de Quirino decidiu deixar de Ihes enviar o fogo. Então, Pro-
e de ter um templo no Quirinal. meteu auxiliou-os uma vez mais: roubou algu-

Procne: V. Filamela. Prómaco: 1) CONON, Narr., 16. 2) ApOLLOO.,


Bibl., 1,9, 2-7.
Prócris: ApOLLOO., Bibl., Ill, 15, I; escól, ad Od., Prometeu: Escól. ad Il., I, 126; AESCH., Pr.,
XI, 321; EUST., ad Ham., p. 1688; ANT. LIB., passim; escól, ad v. 347; HE5., Theag., 508 e 5.;
Transj., 41; TZETZ., Chil., I, 542 e 5.; HVG., Fab., 571 e S.; Op., 50 e S.; HVG., Fab., 142; 114; 144;
189; 0\"., Mel.,VIl, 670 e 5.; SERV., ad VIRG., Aen.,
ASlr. Poet., lI, 15; SERV., ad VIRG., Aen., I, 741;
VI, 445; PAUSAN., X, 29, 6; trago perdida de SOPH. Bue., VI, 42; ApOLLOO., Bibl., I, 2, 2 e S.; 7, I e
Procris; escól. ad Asoi., RH., Arg., I, 211.
S.; II, 5, 11; Ar-ot.. RH., Arg., IlI, 845; 1084 e 5.;
Procrustes: ApOLLOO., Ep., I, 4; BACH., XVII, 27 escól, ad v . 1086; VAL. FLAC., Arg., VII, 355 e 5.;
e 5.; 0100. SIC., IV, 59; PLUT., Thes., 11; PAUSAN., escól, ad PINO., Olymp., IX, 68; TZETZ., ad Lyc.,
1,38,5; escól. ad EUR., Hipp., 977; OV., Met., VII, 1283; 132; 219; STOB., Flor., n, 27; PLAT., Prl.,
438; Her., lI, 69; Ps.-Ov., [bis, 407; HVG.. Fab., 38. 321; PAUSAN., IX, 25, 6; X, 4, 4; 0100. SIC., V,
67; LAcT., ad OV., Mel., I, 34; LucIAN., D.
Próculo: CIC., de leg., I, I, 3; de rep., II, 10,20; Deor., I, 1; LIBAN., Orat., XXV, 31 (lI, p. 552,
LI\"., I, 16,5 e S.; OION. HAL., II, 63, 3; OV., Fast., Foerster); Ov., Mei., I, 82 e S.; SENEC., Med.,
II, 499 e S.; PLUT., Ram., 28. 709; Juv., SaI., XIV, 35; PWT., De It.. V, 4; cf.
397 PROSÉRPINA

mas sementes de fogo «à roda do Sol» e levou- neo, Íficles, irmão de Héracles, que havia sido
-as para a Terra, escondidas num caule de férula. ferido pelos Moliónidas (v. Hérac/es).
Outra tradição conta que eletirou o fogo da forja
de Hefesto. Zeus puniu os mortais e o seu ben- PRÓNAX. (llpwva:ç.) Prónax é um dos fi-
feitor. Aos primeiros, enviou-lhes uma criatura lhos de Tálao (filho de Bias) (v. quadro I, p. 8).
por ele expressamente forjada para o efeito - É irmão de Adrasto e de Erífile. Teve uma fi-
Pandora (v. Pandora). Quanto a Prometeu, lha chamada Anfítea, que desposou Adrasto,
prendeu-o com grilhões de aço no cimo doCáu- e atribui-se-lhe também um filho chamado Li-
caso e determinou que uma águia, filha de curgo (v. Licurgo), pai de Ofeltes. Segundo
Equidna e de Tífon, lhe fosse comendo o fígado, uma das tradições, Prónax foi morto durante
que se ia renovando incessantemente. Jurou uma sedição em Argos pelo seu primo Anfia-
ainda pelo Estige que jamais libertaria o trai- rau (v. Adrasto).
dor. Contudo, Héracles passou pela região do Dizia-se ainda que os jogos de Némea esta-
Cáucaso e trespassou com uma flecha a águia vam na origem dos jogos fúnebres em sua
de Prometeu, terminando assim o seu cativeiro. honra (v. Arquémoro).
Zeus, orgulhoso do feito de seu filho que am- PRONO. (npwvo,.) Prono é o nome do pai
pliaria ainda mais a suaglória, não protestou, de um tirano de Cefalénia, que exigia que to-
mas para que o 'seu juramento não fosse vão, das as jovens da região lhe fossem levadas an-
obrigou Prometeu a usar um anel feito do aço tes do casamento. Tal prática vigorou até ao
dos seus grilhões, com um pedaço da rocha a dia em que Antenor, disfarçado de mulher, se
que estivera preso: assim, um elo de aço conti- deixou conduzir ao leito do tirano para ai o ma-
nuaria a unir o Titã ao seu rochedo. Foi nessa tar, cravando-lhe um punhal no peito. Após
altura que o Centauro Quíron, ferido por uma o atentado, Antenor subiu ao trono. .
das flechas de Héracles, desejou morrer, não
conseguindo suportar a dor dos ferimentos. PROPÉTIDES. (llpo1tOl'tffiu;.) As Propétides
Como ele era imortal, teria de encontrar alguém são jovens oriundas da cidade de Amatunte que
que aceitassea sua imortalidade em troca da con- ousaram negar a divindade de Afrodite.
dição de mortal. Prometeu prestou-lhe esse ser- A deusa puniu-as, inspirando-lhes tão ardente
viço, tomando-se imortal em vez dele. Zeus acei- desejo que elas eram incapazes de o saciar. Fo-
tou a troca e a imortalidade do Titã de bom ram assim, segundo a lenda, as primeiras me-
grado, na medida em que ele lhe prestara um retrizes. Acabaram por ser convertidas em es-
grande serviço, revelando-lhe um antigo orá- tátuas de pedra.
culo segundo o qual o filho que nascessede Zeus PRÓPODAS. (npo1tó8a:,.) Própodas é um rei
e de Tétis seria mais poderoso do que o seu pro- de Corinto, filho de Damofonte e descendente
genitor e destroná-lo-ía (v. Tétis). de Sísifo. Foi durante o reinado dos seus dois
Prometeu possuía dons de adivinho. Foi ele filhos, Dóridas e Hiântidas, que os Dórios,
quem indicou a Héracles a maneira de se apo- conduzidos por Eetes, invadiram a região.
derar das maçãs de ouro, ensinando-lhe que só
Atlas poderia colhê-Ias do jardim das Héspe- PRÓQUITE. (npOXÚ'tTj.) Próquite era uma
rides. O dom da profecia era comum às anti- mulher troiana, pertencente à família de
gas divindades descendentes da Terra, que é a Eneias, que morreu perto da costa de Nápoles
Profetisapor excelência. Foi também Prome- e foi sepultada na ilha de Próscida (outrora
teu que ensinou a Deucalião, seu filho, o modo Próquite), à qual deu o seu nome.
de se salvar do Dilúvio projectado por Zeus * PROSÉRPINA. (Proserpina.) Prosérpina
para aniquilar a raça humana, catástrofe que é em Roma a deusa dos Infernos, assimilada
ele fora capaz de prever. desde cedo à Perséfone grega. É aliás, segundo
PROMETO. (npóiJ.Tj6o,.) Prometo é um fi- parece, a esta assimilação que ela deve o seu
lho de Codro, que reinava em Cólofon, com carácter infernal. Originariamente, foi, sem dú-
seu irmão Darnasícton. Um dia matou-o aci- vida, uma deusa agrária que presidia à germi-
dentalmente e fugiu para Naxos, onde veio a: nação das plantas. O seu culto foi oficialmente
morrer. As suas cinzas foram levadas para CÓ- implantado juntamente com o de Dis Pater (as-
lofon graças à solicitude dos sobrinhos, filhos similado a Hades), em 249 a. C. Celebraram-
de Damasícton. -se, então, em sua honra os «Jogos Tarenti-
nos», assim chamados não tanto por estarem
PROMNE. (npóiJ.VTj.) Promne é a esposa do relacionados com a cidade de Tarento mas es-
Arcádio Búfago, que acolheu e tratou, em Fé- sencialmente a partir do nome de um local si-

S. REINACH, in Cultes, mythes et rei., m, p. 68· Prónax: APOLLOO., Bibl., I, 9, 13; escól. ad PINO.,
-91; L. ROUSSEL, in R. E. Ac, 1934, pp. 229·232; Nem., IX, 30; PAUSAN., m. 18. 12.
A. H. KRAPPE, in R. H. R., 1939, pp. 172-181; J. Prono: HERACLlO. PONT., fr. 32 {ed. Müller, Fr.
D. BEAZLEY, in A. J. A., 1939, p. 618-639; K., Hist. gr., li, 222).
KERENYI, Prometheus, Zurich, 1946; L. SECHAN, Propétides: Ov., Met., X, 221; 238 e s.; LACT.
Le mythe de Prométhée, Paris, 1951; J. DUCHE. PLAC., X, 7 e s.
MIN, «Prométhée satyrique et Prométhée comique.
Aspects folkloriques d'un díeu», Sileno, li, 1976, Própodas: PAUSAN., li, 4, 3.
pp. 5-34; J. DUCHEMIN, Prométhée. Histoire du Pnlquite: NAEV., fr. 19 (Milller); SERv., ad VIRO, Aen,
mythe, Paris, 1974. IX, 715; DION. HAL., I, 53; PLIN., N. H., m, 16, 12.
Prometo: PAUSAN., VII, 3, 3; cf. STRAB., XIV, 634. Prosérpina: AUGUST., Civ. D., IV, 8; VAR., ap.
Promne: PAUSAN., VIII, 14,9. CENS., de d. nat., XVII, 8; VAL. MAX., li, 4, 5.
PROSIMNA 398

tuado no Campo de Marte designado por Ta- mente celebrado, por não terem sido realiza-
rentum. Contava-se, a propósito deste sítio, a dos todos os sacrifícios rituais. Foi em puni-
seguinte lenda: durante uma epidemia, os fi- ção de tal sacrilégio que Laodamia enviuvou.
lhos de um certo Valério adoeceram. O pai pe- Acerca do amor de Laodamia e de Protesilau,
diu aos deuses que lhe ensinassem um modo e da ressurreição deste, v. Laodamia.
de os salvar da morte. As divindades respon-
deram que ele deveria descer o curso do Tibre PROTEU. (rrpw~õúç.) Proteu é apresentado
com os filhos, até ao Tarentum, onde Ihes da- na Odisseia como um deus do mar a quem fora
ria a beber a água do altar de Dis e de Prosér- confiada a tarefa de apascentar as focas e os
pina. Valério compreendeu que o oráculo o outros animais marinhos pertencentes a Posí-
mandava ir de Roma a Tarento, e bem con- dono Passava a maior parte do tempo na ilha
trafeito empreendeu tal viagem. Pôs-se a ca- de Faro, não muito longe da embocadura do
minho e após um dia de jornada, ao entarde- Nilo. Possuía o dom da metamorfose, podendo
cer, acampou na embocadura do Tibre. No dia converter-se em tudo o que desejasse: não ape-
seguinte, de manhã, perguntou aos habitantes nas num animal, mas até num elemento como
da região como se chamava aquele local. «Ta- a água ou o fogo. Esta faculdade era-lhe par-
rentum» - responderam. Entendendo então ticularmente útil, quando queria furtar-se às
o sentido do oráculo, Valério deu aos filhos questões daqueles que o consultavam, pois pos-
água do Tibre, eles beberam-na e ficaram cu- suía também o dom da profecia, mas recusava-
rados. Em sinal de reconhecimento, o pai quis -se contudo a informar os mortais que o inter-
erguer no local um altar em honra de Dis e Pro- rogavam. A conselho da deusa marinha Idótea,
sérpina. Mas ao escavar a terra para nela as- filha de Proteu, Menelau foi consultar o deus
sentar as bases da construção, descobriu uma (v. Menelau). E embora este se tenha transfor-
pedra com uma inscrição em louvor das duas mado sucessivamente em leão, em serpente, em
divindades: era o altar de que falara o oráculo. pantera, num enorme javali, em água e numa
Este altar do Tarentum desempenhava um pa- árvore, Menelau não o deixou escapar, de tal
pel de particular importãncia na celebração dos modo, que por fim, vencido, o velho falou.
Jogos Seculares. E esta também a versão seguida por Virgí-
lio, no episódio de Aristeu, no quarto livro das
PROSIMNA. (npócrufLvGt.) Prosimna é uma Geórgicas, embora a cena seja transferi da de
das filhas de Astérion, rio da Argólida. Tinha Faro para Palene. Desde Heródoto, Proteu é
duas irmãs, Acreia e Eubeia, e todas três fo- identificado como um rei do Egipto, contem-
ram amas de Hera. Prosimna é a heroína de porâneo de Menelau, e não como uma divin-
cujo nome deriva o da cidade de Prosimna. dade marinha. Este soberano reinava em Mên-
PROfESILAU. (rrpw~õ(J'[À"oç.) Protesilau é fis, no tempo em que Helena e Páris foram
um herói tessálio, o filho mais velho de Ificlo arrastados por uma tempestade para a costa
e de Astíoque. Descende de Mínias, rei de Or- do Egipto. Foram levados à presença do rei,
cómeno, sendo por conseguinte descendente de que decidiu mandar o raptor, de volta para a
Posídon (v.quadro 22, p. 244). Irmão de Podar- Tróada e conservar junto de si Helena e os.te-
ces, é natural da cidade tessálica de Fílace. Uma souros que esta levara de Esparta. Entretanto,
tradição obscura faz de Protesilau o filho de Ac- os Gregos atacavam Tróia e enviavam uma em-
tor, e não de Íficlo, de quem seria então primo baixada a Príamo para reclamar Helena. O rei
(v. quadro 22, p. 244). mandou responder que ela não se encontrava
Protesilau figura entre os pretendentes de ali mas no Egipto, no palácio de Proteu. Os
Helena. Participou na Guerra de Tróia, à ca- Gregos não acreditaram e prosseguiram a
beça de um contingente de quarenta naus. Foi guerra. Depois de tomarem a cidade, aperce-
o primeiro a morrer às mãos dos Troianos, ao beram-se de que Helena não estava de facto lá;
saltar da sua nau, mal aportou na Ásia. Foi foram então procurá-Ia ao reino de Proteu, que
Heitor quem desferiu o golpe mortal. a entregou ao marido sã e salva (v. Helena).
Contava-se também que Protesilau desem- Esta lenda foi retomada e modificada por
penhara um papel particularmente importante Eurípides na tragédia Helena, em que Proteu
na primeira expedição, que culminara no de- já não é o rei de Mênfis mas o soberano da ilha
sembarque na Mísia. Teria sido ele quem te- de Faro. A sua mulher chamava-se Psâmate e
ria arrancado o escudo de Télefo, permitindo é filha de Nereu (v. Psâmate). Tem dois filhos,
assim a Aquiles feri-lo (v. Aquiles e Télefo). Teoclímeno e Idótea. Enquanto Páris leva para
Quando partiu para Tróia, Protesilau aca- Tróia um fantasma de Helena modelado por
bara de desposar Laodamia (v. Laodamia). Hera, a verdadeira mulher de Menelau é con-
Contudo, o casamento não fora completa- fiada por Hermes ao rei Proteu. Dizia-se tam-

Prosimna: PAUSAN., 11, 17, 1. mia. Cf. G. HERZOG-HAUSER, in Mél. Boisacq (A. I.
Ph. o-., V. 1937), pp. 471-478; L SECHAN, Lettres
Prolesilau: li., 11,695 e S.; XIII, 681; XV, 705; d' Hum., XII (1953), pp. 3-27.
Eusr.; ad Hom., /1,695 e S.; STRAB., IX, 432 e S.;
ApOLLOD., Bibl., m, 10,8; Ep., III, 14; 30 e S.; PAU· Proleu: Od., IV, 349 e 5.; ApOLLOD., Bibl., 11,
SAN., IV, 2, 5; HYG., Fab., 103; 104; HES., Catal. (fr. 5, 9; EUR., Hel., 6 e 5.; e passim; HEROO., 11, 110
publicado Sitz, Preuss. Akad., 1900, p. 844); e 5.; DIOD. SIC., I, 62; CONON, Narr., 8; 32;
TZETZ., ad Lyc., 245; cf. 530; Chil., 11, 759; Anteh., TZETZ., ad Lyc., 113; SERV., ad VIRG., Aen., I,
221 e 5.; OV., Her., XIII; PROP., I, 9, 7; PHILOS· 651; VIRG., Georg.; IV, 387 e 5.; OV., Met., XI,
TRAT., Her., /1,15-18; CATO, 68, 74 e 5.; V. Laoda- 224 e 5.
399 F>SIQ E

bém que fora este que por artes mágicas fizera truoso (v. Peleu). Mais tarde, ela aband
uma réplica de Helena e a dera a Páris. Éaco e casou-se com Proteu, rei do Egiptc
Uma lenda transmitida por Cónon conta que Proteu).
Proteu, um egípcio, deixou o seu país devido 2. Outra heroína com o mesmo nome é ----2.
à tirania de Busíris (v. Busíris). Teria seguido argiva, filha de Crotopo, pertencente à estepe
os filhos de Fénix na sua expedição rumo à Eu- de Forbas e de Triopas (v. quadro 19, p. ::3
ropa e ter-se-ia estabelecido em Palene, na Cal- Teve de Apoio um filho, Lino, que ela pró~~
cídica, onde desposou Crisónole, filha do rei expôs à nascença com receio da cólera paterzz
da região, chamado Clito. Com a ajuda deste, (v. Crotopo). 'Mais tarde, Crotopo soube ~
apoderou-se do país dos Bisaltes, que eram um existência desse neto e mandou matar a :- '"o
povo bárbaro habitante das regiões vizinhas de (ou enterrá-Ia viva, segundo outros autores
Palene. Aí reinou e aí teve filhos que em nada Foi para punir tal morte que Apoio enviou
se lhe assemelhavam: eram homens violentos tra a Argólida um monstro chamado Pena
e condenavam à morte todos os estrangeiros Corebov.
que abordavam àquelas paragens. Assim su-
cedeu até ao diã em que eles próprios foram PSILO. ('YúÀÀoç.) Psilo é o rei de um pov
mortos por Héracles. Os dois homens chama- da Cirenaica, os Psilos, encantadores de ser-
vam-se Polígono e Telégono. pentes que granjearam fama na antiguida _
Psilo passava por filho de Anfítemis e de uma
PROTOGENIA. (Opw"t"oy&vtta.) 1. Protoge- ninfa, e seria o pai de Catégono. Chefian
nia, cujo nome significa «a primogénita», é uma frota líbia, teria desejado vingar-se
uma das filhas de Deucalião e Pirra (v. qua- Vento do Sul, cuja rajada lhe havia destruíc
dro 8, p. 116). Teve de Zeus dois filhos: Etlio as colheitas. Mas, ao aproximar-se da ilha e
e Opunte. Eolo, uma tempestade violenta desfez as s
2. Protogenia é também o nome de uma das naus. Segundo a tradição, o herói teria sido Sê-
Jacíntides (v. Jacíntides). pultado perto da Grande Sirte.
3. V. ainda o quadro 26, p. 272, onde figu-
ra uma Protogenia, filha de Cálidon e de Eó- PSIQUE. ('YUX"Í).) Psique é o nome que e=
lia, e mãe de Óxilo (cujo pai é Ares). grego designa «a alma». Assim se chamava
também a heroína de um conto que nos :- .
PRÓTOO. (Ilpó9ooç.) Prótoo é o nome de transmitido por Apuleio, nas suas Metamor-
diversos heróis: foses. Psique, filha de um rei, tinha duas' -
1. Refira-se entre eles um dos filhos de Ágrio mãs. Todas três eram de uma grande beleza.
(v. quadro 29, p. 298). mas ela possuía uma graciosidade capaz de '-
2. O mais célebre é, sem dúvida, o chefe das plantar a de qualquer mortal. Havia rnesm
tropas que os Magrietes enviaram para Tróia. quem viesse de longe só para a admirar. "ias
Era filho de Tentrédon e natural da Tessália, enquanto as suas irmãs depressa arranjaram
Quando os Gregos deixaram a cidade de marido, a bela Psique continuava solteira: nin-
Príamo rumo à pátria, Prótoo morreu no nau- guém queria desposá-Ia, tal era o receio que a
frágio do cabo Cafareu, enquanto a maior sua beleza inspirava aos candidatos. Prestes a
parte dos seus compatriotas chegava a Creta, perder a esperança de a ver um dia casada o
de onde partiria a fim de ~eestabelecer na Mag- pai interrogou o oráculo, que respondeu que
nésia do Meandro, na Asia Menor. ele deveria preparar a filha como se fosse ce-
PSÂMATE. ('Yall<i9T].) 1. Chamava-se Psâ- lebrar uma cerimónia nupcial, abandonando-
mate a Nereide que se uniu a Eaco e deu à luz -a em seguida num rochedo, onde um mons-
Foco (v. quadro 31, p. 372). Para tentar esca- tro horrível viria buscá-Ia. Os pais ficaram
par à perseguição apaixonada de Éaco, ela to- desesperados. Vestiram contudo à filha os tra-
mou várias formas, metamorfoseando-se inclu- jes nupciais e conduziram-na com um cortejo
sivamente numa foca. Mas tal não impediu o fúnebre até ao cimo da montanha indicada pelo
herói de conseguir concretizar os seus inten- oráculo. Aí a deixaram sozinha, regressando
tos ..Quando Foco foi morto pelos dois filhos ao palácio. Psique lamentava o seu destino,
de Eaco, Télamon e Peleu, Psârnate enviou quando de repente começou a sentir que um
contra os rebanhos deste último um lobo mons- vento a içava e a fazia voar pelos ares. A ra-

Protogenia: I) ApoLLOD., Bibl., I, 7, 2; escól. ad NON, Narr., 19; Ps.-Ov., Ibis, 573 e escól. ad loc.;
PIND., Olymp., IX. 84 e S.; cf. PIND., Olymp., IX, PUN., N. H., IV, 9, 17.
41 e s. 2) V. Jacfntides. 3) ApoLLoD., Bibl., I, 7, 7.
Psilo: STEPH. Bvz., S.U. MÜLLER, Fragm. Hist.
Prótoo: 1) ApoLLOD., Bibl., I, 8, 6. 2) li., lI, 756 gr., IV, p. 294, fr. 1; PUN .• N. lf., VII, 2; Noxx.,
e S.; APOLLOD., Ep., I1I, 14; VI, 15a; HVG., Fab., 97; Dion., XIII, 381 e s.
EUST., ad Hom., p. 338, 24; SENEC., Tr., 829; co. Psique: ApUL., Met., IV, 28-VI, 24; cf. R. REIT·
NON, Narr., 29.
ZENSTEIN,in A. R. W., XVIII (1930) pp. 42-87; I. M.
Psâmate: 1) HES., Theog., 260; 1004; ApOLLOD., BOSERG, The tale of Cupid and Psyche, C. and M.,
Bibl., I, 2, 7; I1I, 12,6; PIND., Nem., V, 24 e escól.; I, 1938, p. 177-216; SWAHN, Cupid and Psyche,
ANT. LIS., Transf., 38; TZETZ., ad Lyc., 53; 175; es- Lund, 1954; R. HELM, art , «Psyche», in R. E.,
cól. ad. EUR., Andr., 687; Ov., Met., XI, 366 e S.; XLVI (1959), pp. 1431-1438; P. GRIMAL, Le conte
EUR., Hei., 6 e s. 2) SERV., ad VIRO., Buc., IV, 56; d'Amour et Psyché (ed. e com.), Paris, 1963; T.
PAUSAN., 1,43,7; 11, 19,8; LAcT. PLAC., ad STAT., MANTERO, Amore e Psiche, Strutura di una «fiaba
Theb., I, 570; VI, 64; STAT., Theb., I, 570 e S.; co. di magia», Génes, 1973.
PSÓFIS 400

jada que a impeliu susteve-a docemente e depô- tosquiar carneiros selvagens e até descer aos In-
-Ia no fundo de um vale, sobre uma relva ma- fernos. Aí deveria, por ordem de Afrodite, pe-
cia e verdejante. Exausta pelas emoções dir a Perséfone um frasco cheio de água da
vividas, Psique adormeceu profundamente. fonte da juventude, mas não deveria abri-lo.
Quando acordou, viu à sua frente um magní- Infelizmente, no caminho de regresso, Psique
fico palácio de ouro e mármore. Quis entrar abriu o frasco e adormeceu de um sono pro-
e pareceu-lhe que todas as portas se abriam fundo.
diante dela. Foi entrando nos diversos aposen- Entretanto, o Amor estava desesperado; não
tos e ouvia vozes que a guiavam e se lhe apre- conseguia esquecer Psique. Quando a viu ador-
sentavam como escravas que ali estavam para mecida por acção do sono mágico, despertou-
a servir. O dia passou-se assim, de espanto em -a com a ponta de uma das suas flechas e, re-
espanto, de maravilha em maravilha. Ao anoi- gressando ao Olimpo, pediu a Zeus permissão
tecer, a jovem sentiu junto de si a presença de para desposar aquela mortal. O deus consen-
alguém: era o marido de que falara o oráculo, tiu de bom grado e a jovem reconciliou-se com
que ela não podia ver, mas que não lhe pare- Afrodite.
cia contudo tão temível e monstruoso quanto Os frescos de Pompeios popularizaram a fi-
receara. Ele não lhe disse quem era e preveniu-a gura de Psique como uma frágil donzela alada,
de que jamais o poderia ver, sob pena de o per- semelhante a uma borboleta (a alma é muitas
der para sempre, se alguma vez o tentasse ob- vezes concebida pelas crenças populares como
servar. Assim viveu a jovem durante algumas uma borboleta que se afasta do corpo após a
semanas: de dia, estava sozinha no palácio, ou- morte), brincando com Amores alados como
vindo apenas as vozes que o enchiam; de noite, ela.
tinha a companhia do esposo. Sentia-se feliz.
Mas um dia vieram as saudades da família e PSÓFIS. ('YW'I',ç.) Psófis é o nome do herói
a ânsia de voltar a ver o pai e a mãe, que cer- (ou da heroína) epónimo da cidade de Psófis,
tamente a julgariam mona. Pediu então ao ma- na Arcádia.
rido que a deixasse voltar algum tempo para 1. Ora se diz que é filho de Licáon;
junto deles. Depois de muitas súplicas, conse- 2. Ora se afirma que é um descendente de
guiu convencê-lo, embora ele lhe tivesse mos- Níctimo, pertencente à sétima geração.
trado as consequências nefastas que poderiam 3. Outros autores declaram que Psófis é a
advir da sua ausência. O Vento transportou-a filha de Xanto (filho de Erimanto).
de novo até ao cimo do rochedo onde havia 4. O nome é também por vezes aplicado à
sido exposta e não lhe foi difícil regressar ao filha de Érix, rei dos Sicanos. Ao passar pela
palácio do seu pai. Fez-se uma grande festa em Sicilia, Héracles desposou-a, confiando-a em
sua honra e as irmãs vieram de longe para a seguida a Licortas, que vivia em Fegeia e a
ver. Quando elas souberam que Psique era fe- quem o prendiam laços de hospitalidade. Ela
liz, quando viram a riqueza dos presentes que deu aí à luz duas crianças, Équefron e Pró-
maco, filhos de Héracles, que fundaram em
ela Ihes tinha trazido, sentiram uma grande
honra de sua mãe a cidade de Psófis.
inveja. Conseguiram semear a dúvida no es-
pírito da irmã e fazê-Ia confessar que jamais PTÉRELAS. (n~tp'Ào(Oç.) Ptérelas pertence
houvera visto o esposo. Convenceram-na final- à estirpe dos descendentes de Perseu. De
mente a esconder uma lucerna no quarto, a fim acordo com a genealogia traçada, ele seria o
de com ela iluminar o rosto do marido miste- neto de Hipótoe e de Posídon, e o filho de Tá-
rioso quando ele estivesse a dormir - ficaria fio (v. quadro 32, p. 370). Existia outra tradi-
assim a conhecer aquele que a amava. ção segundo a qual Ptérelas seria filho de Hi-
Psique voltou para o seu palácio e seguiu o pótoe e de Posídon e teria tido dois filhos,
conselho das irmãs. Descobriu então, adorme- Táfio e Teléboas (v. Tdfio e Teléboasi. Outra
cido no seu leito, um belo adolescente. Enter- variante apresenta Ptérelas como filho de Te-
necida, comovida com a surpresa, deixou inad- léboas.
vertidamente cair sobre ele uma gota de azeite A celebridade de Ptérelas deve-se particular-
a ferver, de tal modo a mão lhe tremia ao er- mente à guerra que travou contra Anfitrião e
guer sobre o seu rosto a lucerna. Sentindo a à traição contra ele cometida por sua filha Co-
queimadura provocada pelo azeite, o Amor meto (v. Cometo). A origem do conflito pode
(pois era ele o Monstro cruel de que falara o resumir-se em poucas palavras. Eléctrion era
oráculo) acordou e, cumprindo as ameaças que rei de Micenas e os filhos de Ptérelas vieram
fizera a Psique, fugiu para não mais voltar. reclamar-lhe o reino, que pertencera outrora
Abandonada pelo Amor, a pobre Psique co- ao seu bisavô Mestor (um irmão de Eléctrion,
meçou a errar pelo mundo, perseguida pela v. quadro 32, p. 370). Como o rei não consen-
cólera de Afrodite, indignada pela sua beleza. tiu em entregar-lhes os seus domínios, os
Todas as divindades se recusavam a acolhê-Ia. jovens resolveram vingar-se, roubando os re-
A jovem fugiu até que finalmente a deusa a al- banhos reais. Os filhos de Eléctrion desafia-
cançou: levou-a então como prisioneira para ram-nos para um combate, que terminou com
o seu palácio, atormentou-a de mil maneiras, a morte de todos os contendores. Das duas fa-
impôs-lhe múltiplas tarefas - escolher cereal, mílias, sobreviveram apenas Licímnio, filho de

Psófis: 1) STEPH. Bvz., S.U. 2) PAUSAN., VIII, 24, ad Aroi.. RH., Arg., I, 747; TZETZ., ad Lyc., 932;
I. 3) Id. ibid. e 5.; STEPH. Bvz., s.u. 934.
Ptérelas: ApOLLOD., Bibl., 11,4, 5 e 5.; cf. escól, Ptoliporto: DICT. CR., VI, 6.
401 PTOLIPORTO

Eléctrion, e Everes, descendente de Ptérelas. se a filha, Cometo, se não se tivesse apaixo-


Eléctrion decidiu declarar guerra a Ptérelas, nado por Anfitrião e não houvesse arrancado
mas a morte surpreendeu-o antes de concreti- "o cabelo mágico da cabeça do seu progenitor,
zar o seu projecto. Foi Anfitrião quem, por causando-lhe a morte e por conseguinte li ruína
amor de Alcmena, organizou a expedição mi- da sua pátria.
litar (v. Anfitrião). Mas havia um oráculo se-
gundo o qual, enquanto Ptérelas vivesse, nin- PTOLIPORTO. (TI-coÀ(1top9oç.) Ptoliporto,
guém poderia apossar-se de Tafo, sua pátria. «o destruidor de cidades», é um filho de Telé-
Ora Ptérelas era imortal - a sua imortalidade maco e de Nausícaa, assim baptizado por Ulis-
dependia de um cabelo de ouro que Posídon ses, seu avô. Dever-se-a notar que o epíteto é
lhe implantara na cabeça. O rei estava assim também atribuído ao próprio Ulisses nos Poe-
certo da vitória e teria derrotado o adversário mas Homéricos, em diversas sequências.
Q
QUÉLIDON. (XtÀtõwv.) Na lenda milésia, Conta-se que tinha guarnecido a ponta da lança
Quélidon é irmã do rouxinol Aédon (v. Aé- com um pedaço de chumbo. O calor das cha-
don). mas lançadas pela Quimera fundiu o chumbo
e foi assim que o animal morreu.
QUELONE. (XtÀW\IT}.) Quelone é a tartaruga. . 2. Quimera era também o nome de uma
Outrora, era uma donzela que vivia numa casa ninfa da Sicília que se enamorou do belo Dáf-
junto de um rio. Aquando das núpcias de Hera nis. .
com Zeus, Hermes fora convidar não apenas
os deuses como também todos os seres huma- QUIMEREU. (XtfLCXtptÚÇ.) Um dos dois fi-
nos e até os animais para assistirem à boda. lhos do gigante Prometeu e de Celeno, filha de
Só Quelone, por sobranceria, ficara em casa. Atlas. Era irmão de Lico (quadro 38, p. 452).
Hermes deu conta da sua ausência, voltou à Os dois irmãos estavam enterrados em Tróia.
terra, pegou na casa com a rapariga lá dentro, Tendo-se declarado uma peste na Lacedemó-
e atirou-a à água. Quelone foi transformada nia, foi consultado o oráculo de Apoio que res-
em tartaruga, inseparável, como ela, da sua pondeu que a peste não cessaria enquanto um
casa. nobre lacedemónio não oferecesse um sacrifí-
cio no túmulo dos filhos de Prometeu. Isto
QUIMERA. (XíIlCXtPCX.) 1. A Quimera é um passava-se antes da Guerra de Tróia. Menelau
animal fabuloso, um misto de cabra e de leão. pôs-se imediatamente a caminho e ofereceu o
Ora se considera que tem a parte posterior de sacrifício prescrito. Em Tróia foi hóspede de
serpente e cabeça de leão implantada num Páris, facto que está na origem da relação de
corpo de cabra, ora que tem várias cabeças, ambos.
uma de cabra e outra de leão. Deita chamas
pela boca. É o produto da união de Tífon e da QUÍONE. (XtÓVTj.) Há várias heroínas com
víbora Equidna. Foi criada por Amisodores, este nome.
rei da Cária, e vive em Pátera. Ióbates, rei da 1. Uma delas é filha de Bóreas, deus do
Lícia, ordenou a Belerofonte que a matasse, vento, e de Oritia (v. quadro 12, p. 144). Com
porque ela se entregava à pilhagem no seu ter- Posídon teve um filho, Eumolpo, que ela ati-
ritório (v. Belerofonte). Belerofonte conseguiu rou ao mar, mas que foi salvo pelo pai (v. Eu-
matá-Ia com a ajuda do cavalo alado Pégaso. molpo).

Quélidon: ANT. LIB., Transf., li. p. I e s. 2) SERV., ad VIRG., Ec/., VIII, 68; App.
Narr. (West.), 82, p. 388.
Quimereu: TZETz., ad Lyc., 132; 136; 219; FA-
Quelone: SERV., ad VIRG., Aen., I, 505.
VORINUS, S. u. "A<Ào<,; EUST., ad Hom., 521, 30.
Quione: 1) APoLLOD., Bibl., III, 15,2; HIG., Fab.,
Quimera: 1) li., VI, 179 e s. e escól. a 181; XVI, 157; Od., XIV, 475; XENOPH, An., V, 5, 3, e S.; PAU-
327 e S.; HES., Teog., 319 e S.; ApOLLOD., Bibl., I, SAN., I, 38,2. 2) SERV., ad VIRG., Aen., IV, 250.
9,3; 11, 3, I; Ov., Met., IX, 647; TZETz., ad Lyc., 3) HIG., Fab., 200; Ov., u«, XI, 291 e s. 4) Escól.
17; HIG., Fab., 57. Cf. AMANDRY, Mél. Picard, I, a TEoeR., I, 2i.
403 QUíRON

2. Outra Quíone é filha de uma Oceânide, dius Fabidius, um filho do deus (v. Módio Fa-
Calírroe, e do rio Nilo. Durante a sua existên- bídio). O principal diz respeito à assimilação
cia terrestre teve de suportar as brutalidades de Rómulo a Quirino. E em consequência do
de um camponês. Mas, por ordem de Zeus, aparecimento de Rómulo a Iu/ius Proculus
Herrnes raptou-a e colocou-a entre as nuvens. (v. este nome) que os Romanos edificaram um
E isto que explica que a Neve seja inimiga dos templo a Rómulo sob o nome de Quirino (v.
agricultores (com efeito, Quíone faz lembrar Rómulo). Ao mesmo tempo, Hersília, a sua es-
a palavra grega XLWV que significa neve). posa, adoptava o nome de Hora Quirini (v.
3. A lenda conhece ainda outra Quíone, fi- Hersflia).
lha do rei Dedálion, que foi amada ao mesmo QUÍRON. (Xeípov.) Quíron é o mais céle-
tempo por Apoio e por Hermes, e gerou Au- bre, o mais sensato e o mais sábio dos Centau-
tólico e Filámon (v. Dedá/ion). ros. É filho do deus Crono e de Fílira, uma fi-
4. Finalmente, Quíone é também o nome da lha de Oceano. Pertence, por conseguinte, à
mãe do deus Priapo. mesma geração divina que Zeus e os deuses
* QUIRINO. (Quirinus.) Quirino é um dos olímpicos. Para o gerar, Crono uniu-se a Fi-
mais antigos deuses romanos, uma das três di- lira sob a aparência de cavalo, o que explica
vindades arcaicas cujo culto constitui o fundo a sua dupla natureza. Quíron nascera imortal.
«indo-europeu» da religião romana. Por or- Vivia numa gruta do monte Pélion, na Tessá-
dem hierárquica, ocupa o último lugar na lia. Era muito amigo dos homens, sensato e
tríada constituída por Júpiter, Marte e ele pró- benfazejo. Protegeu, muito especialmente, Pe-
prio. Sobre a sua natureza e as suas funções, leu, aquando das suas aventuras na corte de
os testemunhos antigos são quase unânime! em Acasto (v. Acasto e Peleu), defendendo-o con-
fazer dele um deus guerreiro de origem sab .na, tra a brutalidade dos outros Centauros. Foi
quer derivem o seu nome do da cidade sabina também ele que deu a Peleu o conselho de ca-
de Cures, quer o relacionem com o nome sa- sar com Tétis e lhe ensinou a maneira de a for-
bino da lança, curis. É, aparentemente, o deus çar ao casamento, impedindo-a de se metamor-
da colina do Quirinal, onde, tradicionalmente, fosear. Depois, no dia do casamento, deu-lhe
se situa um povoado sabino. de presente uma lança de freixo. Foi a ele que
Apoiando-se na existência de uma tríada Peleu confiou o seu filho Aquiles, depois de
análoga à de Júpiter, Marte e Quirino noutras se separar da mulher (v. Aquiles). Além de
religiões do domínio indo-europeu, nas quais Aquiles, educou Jasão, Asclépio, etc. O pró-
cada um destes deuses corresponde a uma prio Apoio terá recebido lições de Quíron.
classe social - J úpiter, ou o seu equivalente, O seu ensino constava de. música, arte mar-
à dos sacerdotes; o equivalente de Marte, à dos cial, caça, moral e medicina. Pois Quíron era
guerreiros; o terceiro deus, à dos cultivado- um médico afamado e até praticava a cirur-
res -, G. Dumézil formulou a hipótese se- gia. Quando Aquiles, ainda criança, ficou
gundo a qual Quirino, na origem, longe de ser com o tornozelo queimado devido às opera-
um deus guerreiro, seria essencialmente o pro- ções de magia nele praticadas pela mãe, foi
tector dos agricultores. Hipótese sedutora que, Quíron que substituiu o osso que faltava por
para o domínio romano, encontrou um prin- um osso tirado a um esqueleto de um gigante
cípio de prova no testemunho conservado por (v. Aquiles).
Sérvio segundo o qual Quirino é um «Marte Aquando do massacre dos Centauros, le-
tranquilo», um Marte da paz, interior à cidade. vado a cabo por Héracles, Quíron, embora es-
Para mais, segundo observação de G. Dumé- tando do lado do herói, foi por ele ferido sem
zil, os Quirites, cujo nome está evidentemente querer. Uma flecha provocou-lhe um grave fe-
relacionado com o do deus, são essencialmente rimento. Quíron tentou aplicar-lhe um un-
os cidadãos ciuiles - e sabe-se que este nome guento, mas as feridas feitas pelas flechas de
aplicado a soldados constituía um insulto ter- Héracles eram incuráveis (v. Filoctetes). Quí-
rível. É significativo, por fim, que certas fun- ron afastou-se, então, para a sua gruta e sen-
ções assumidas pelo flãrnine de Quirino tenham tiu vontade de morrer, mas não podia, porque
por objecto o culto de divindades agrárias (no- era imortal. Por fim Prometeu, que tinha nas-
meadamente Consolo cido mortal, cedeu-lhe o seu direito à morte.
Os mitos de Quirino são raros. Um deles re- E foi assim que Quíron pôde encontrar re-
fere a fundação da cidade de Cures por Mo- pouso.

Quirino: OVo Fast., 11, 477 e S.; IV, 910; VAR., Quíron: 1/., XI, 832; OV., Fasl., V, 384; 413;
LL, V, 51; FEST., p. 185; 254; PAUL., p. 49; MA- PIND., ni«, nr, 5; IX, 64; ApOLLOD., Bibl., I, 2, 4;
CROS., SaI., I, 9-16; SERV., ad VIRG., Aen., I, 111, 13, 5; PUN., N. H., VII, 196; XENOPH., Cyn.,
292; C. I. L., I, 2.' ed.; p. 259; PLUT., Romul., I, 1 e S.; escól. a Ar-or.. RH., Arg., I, 554 e 558;
29; Qu. Rom., 87; DION. HAL., 11, 48 e S.; Lu- Aroi.. RH., ibid., 1231; ERATOSTH., Cal., 40. Cf. no.
CIL., VV. 19-22 (Marx); TERT., De Spect., 5; Liv., MÉZIL, Le Probl. des Centaures, p. 182 e S.; J. D.
V, 40, 7 e S.; Cic., de leg., I, 3; de rep., 11, 20. GILRUTH, «Chiron and his pupil Asc!epios», Ann. of
V. G. DUMÉZIL, Jupiter, Mars, Quirinus, Paris, Medical Hist., I (1939), p. 158-176; Ch. PICARD,
1941. R. E. A., L111 (1951), p. 5 e S.
R
RÁCIO. ('Pá.x<o<;.)Rácio é um cretense, fi- na Beócia, onde desposou Alcmena (v. Ale-
lho de Lebes, que desposou Manto (v. este mena).
nome), a quem gerou um filho, o adivinho Na Odisseia, é referido um episódio da lenda
Mopso. Emigrou de Creta para Cólofon, na de Radamante que permanece obscuro: a via-
Ásia Menor, e foi aí que encontrou Manto, gem que efectuou, em navios dos Feaces, a Eu-
que, por ordem de Apoio, tinha abandonado beia em busca do gigante Tício.
Tebas após a conquista desta cidade pelos Epí- Atribuía-se-lhe um filho: Górtis, o herói epó-
gonos. Além de Mopso, é-lhe ainda atribuída nimo da cidade cretense de Górtina, ou Éritro,
uma filha, Panfília, a heroína que ligou o seu o fundador de Éritras, na Beócia.
nome à região homónima.
• RAMNES, (Ramnes.) Figura um Ramnes na
RADAMANTE. ('PotMlJ.otvOu<;.)
Radamante Eneida como augure do exército rútulo que se
é um herói cretense, geralmente considerado encontrava sob o comando de Turno, Foi mono
como um dos três filhos de Zeus e de Europa, por Niso quando dormia. Uma das três tribos
e irmão de Minos e Sarpédon (v. quadro 30, primitivas de Roma tem o nome de Ramnes.
p. 312). Fora adoptado, como os seus dois ir- RARO. ('papo<;.) Raro é, segundo certos au-
mãos, pelo rei Cretense Astérion, a quem Zeus tores, filho de Cránao e pai de Triptólemo, que
dera Europa. Mas existia também uma tradi- nasceu da sua união com uma filha de Anfic-
ção local que fazia de Radamante um filho de tíon - aquela que, precisamente, foi também
Hefesto, ele próprio filho de Talo, que era fi- mãe do bandido Cércion (v. este nome). Se-
lho de Crés, o epónimo de Creta. gundo outros autores, Raro é o avô de Trip-
Radamante gozava de grande renome pela tólemo e não do seu pai. E apontado como pai
sua prudência e pela sua sabedoria. Era-lhe de Céleo, que é mais geralmente considerado
atribuída a organização do código cretense, que como filho de Elêusis. E Raro quem, segundo
servira de modelo a várias cidades gregas. Era esta tradição, acolhe Deméter quando esta pro-
a tal ponto considerado que, após a sua morte, curava a filha. Como recompensa desta hos-
dizia-se, fora chamado aos Infernos para jul- pitalidade, a deusa teria ensinado a Triptólemo
gar os mortos, ao lado do irmão Minos e de a arte de cultivar o trigo. Raro teria dado o seu
um outro filho de Zeus, Eaco. nome à planície de Raro ('Pá.p<ov 1tEOlov),pró-
Uma tradição pretendia que, no fim da ximo de Elêusis, no local onde se teria culti-
vida, Radamante fugira de Creta, fixando-se vado pela primeira vez o trigo.

Rácio: Escól. ad Asoi.. RH., A,g .• I, 308: PAU· C. GAllAH)TTI, art. cit. (s.u. Reso); SP. I\hRIKUOS.
SAN.,VII, 3, I. «Lég. royales de Ia Crere minoenne», ReI' . .4,ch .•
1949, li, pp. 5 e s.
Radamante: Od., VII, 323 e S.; PAUSAN., VII, 3,
7; VIIl, 53,4 e S.; 11., XIV, 322; Eusr., ad Hom., Ramnes: VIRG .• Aen .• IX. 325 e 5.; 359; Ps-O\' ..
Ibis, 629; escól. ad loc.
989, 35; Dion, SIC., IV, 60; PINO., Pyrh., li, 74;
Olymp., li, 75; ANT. LIS., Transf'., 33; ApOlLOD., Raro: STEPH. BYl., S.U.; SL'ID., S.U.; 'Pap,aç;
Bibl., lII, 1,2; cf. M. MAYER, art. cit. (s.u Elpenorv; PHOT., Bibl., p. 483, 12.
405 REtA SiLVIA

* RATUMENA. (Ratumena.) Ratumena é que se oferecia a Hércules de todas as vítimas


um etrusco, herói de uma lenda romana. An- sacrificadas na Ara Maxima.
tes da sua expulsão, Tarquínio o Soberbo ti- RECO. ('porxo,.) 1. Reco é o nome do he-
nha encomendado a modeladores de Veios um rói de uma aventura amorosa que faz recor-
carro de terracota destinado a coroar o tem- dar, ao mesmo tempo, a de Árcade e de ~r:i-
pio de Júpiter Capitolino, ainda em constru- sopeleia (v. Crisopeleia) e a de Dafne. Extst.ta
ção. Colocado no forno, o carro de argila, em um carvalho tão velho que estava prestes a cair.
vez de secar, como acontece normalmente du- Reco ordenou aos seus servidores que o esco-
rante a cozedura, cresceu de um modo tão ex- rassem e assim salvou a vida às Hamadríades,
traordinário que foi necessário demolir o forno cuja existência estava vinculada à da árvore.
para 0- retirar. Os adivinhos declararam que Como recompensa, as divindades decidiram
este prodígio prometia a prosperidade e o po- oferecer-lhe aquilo que ele quisesse. Reco pe-
der ao povo que possuísse o carro. Em conse- diu os seus favores e as divindades concederam-
quência disto, os habitantes de Veios não o -lhos, mas preveniram-no contra qualquer in-
entregaram aos Romanos, alegando que Tar- fidelidade que pudesse cometer, acrescentando
quínio, que tinha feito a encomenda, já não que uma abelha seria a sua mensageira. Um
era rei e que o carro pertencia aos Tarquínios dia, a abelha foi procurá-lo com a apare~te
e não aos Romanos. Mas o Céu encontrou um missão de lhe entregar uma mensagem das Nin-
meio de fazer respeitar a sua vontade. Alguns fas; mas Reco, que jogava xadrez, acolhe!! mal
dias depois deste acontecimento, durante uns o insecto. A abelha picou-o nos olhos e deixou-
jogos que se celebravam em Veios, Ratumena, -o cego.
que conduzia um carro, venceu a prova de cor- Segundo certas alusões a esta lenda, parece
rida. Quando foi coroado, os seus cavalos par- que Reco se tornara culpado de infidelidade
tiram num galope imparável e conduziram-no para com as deusas e teria sido este o verda-
irresistivelmente até Roma, onde penetraram deiro motivo do seu castigo. O episódio é por
pela porta mais tarde denominada Porta Ra- vezes localizado na Assíria, em Nino (Nínive).
tumena. Nesse lugar, o condutor foi lançado 2. Reco é também um dos Centauros morto
para fora do carro e morreu. Os cavalos, en- por Atalante (v. este vocábulo).
tretanto, lançaram-se em direcção ao Capitó-
lio e apenas pararam defronte da estátua de Jú- REIA. ('Ptux.) Reia é uma das Titânides,
piter Tonante, a quem pareceram oferecer a filhas de Geia e de Urano (v. quadros 6, p. 105,
sua vitória. Aterrorizados, os habitantes de 14, p. 182, 38, p. 452). Desposou Crono, com o
Veios entregaram eles próprios o carro de ar- qual partilhou a soberania do m~ndo. De~ta
gila, obra dos seus artistas e garantia da gran- união nasceram, segundo a Teogonia de Hesío-
deza de Roma. do, seis filhos: Héstia, Deméter, Hera, Hades,
Posídon e Zeus, o mais jovem. Mas, instruído
* RECARANO. (Recaranus.) Recarano, de- por um oráculo de Úrano e de Geia, Crono de-
signado também, nalguns textos, por Caranus vorou todos os filhos à medida que iam nas-
ou Garanus, é um herói que substitui Hércu- cendo, porque sabia que um deles o iria d~s-
les no episódio de Caco (v. este nome). E ele tronar. Foi este o motivo por que Reta,
quem atravessa o local da futura Roma, no desejando salvar um deles, escondeu o jovem
tempo de Evandro, com um rebanho de bois Zeus e deu, em seu lugar, uma pedra enrolada
e é a ele que o assaltante Caco rouba os arn- em faixas para o marido devorar (v. Zeus).
mais. Consideravam que Recarano era de ori- Existia uma tradição semelhante respeitante a
gem grega e era dotado de uma força extraor- Posídon, que teria sido salvo pela mãe com
dinária. uma artimanha semelhante.
Numa versão próxima da lenda, Caco é um Na época romana, Reia, uma muito antiga
escravo do rei Evandro, grande ladrão e mau divindade da Terra, tinha sido assimilada a Cí-
carácter. Recarano, desesperando de encontrar bele, a Mãe dos Deuses (v. Cíbele).
os seus bois, teria abandonado as suas buscas
se Evandro não tivesse tomado o assunto por * REIA SÍLVIA. (Rhea Siluia.) I. Reia Síl-
sua conta e obrigado o escravo a devolvê-tos. via é a mãe de Rómulo e de Remo, por vezes
Recarano, com a alegria, teria então fundado, também chamada ília (v. este nome). Existem
no sopé do Aventino, um altar a Júpiter Des- duas tradições principais sobre as suas origens:
cobridor: seria a Ara Maxima, geralmente atri- umas vezes é considerada como filha de Eneias
buída a Hércules. Teria então sacrificado, em e outras como sua descendente mais afastada,
honra de Júpiter, a décima parte dos seus ani- pois é filha do rei de Alba Numitor (v. este
mais - e este acto seria a origem do dizimo nome). Nas duas versões teve amores clandes-

Ratumena: PLUT., Pub/., 13; PUN., N. H., VIII, VIII, 8, 2; LUCR., De Nat. Rer., li, 629; VIRC., Aen.,
54, 161; PHAEST., p. 274. IX, 83.
Recarano: AUR. VICTOR, De orig. gent.; 6; 8;
SERV., ad VIRG., Aen., VIIJ, 203; cf. J. BAYET, Reia Snvia: 1) OION. HAL., I, 72 e 5.; VAR., LL,
Hercule romain, pp. 145 e s. V, 44; AUGUST., Civ. D., XVIII, 21; Ov., Fast., li,
303; IIJ, 20 e 5.; Am., li, 6, 45 e 5.; SERV., ad
Reco: 1) E5CÓl. ad Aeoi., RH., Arg., 11,477; escól. VIRG., Aen., I, 273; VI, 777; Cic., de div., I, 20,
ad THEOCR., 111, 13; cf. PINO., frg. 252 (Christ); 40; STRAB., V, 229; LIV., I, 3 e 5.; PLUT., Rom., 3;
PLUT., Qu. Nat., 36. 2) V. Ata/ante. AUR. VICTOR, De orig. gent., 20; JUST., 43; HOR.,
Reia: 1/., XV, 187; HES., Theog., 453 e 5.; Aeor., O., IV, 8, 22. 2) VIRG., Aen., VII, 659, e SERV., ad
LOO., Bibl., I, I, 3; 0100. SIC., V, 66 e 5.; PAUSAN., loc.
REMO 406

tinos - admite-se geralmente que foi possuída instala-se no Palatino e Remo no Aventino.
pelo deus Marte, embora alguns autores atri- A cidade será erigida no local onde os pressá-
buam a paternidade dos gérneos a um amante gios forem favoráveis. Remo viu seis abutres,
ocasional ou ao tio de Reia, Amúlio, que des- enquanto que Rómulo viu doze. Tendo o céu
tronou Numitor. Quando se tornou evidente decidido deste modo a favor do Palatino (e, por
que ia ser mãe, Amúlio aprisionou-a. Escapou consequência, de Rómulo), Rómulo começou
à morte imediata graças à intervenção da a demarcar o limite da sua cidade. Esta primeira
prima, Anto, filha de Amúlio. Depois, ou foi demarcação é um fosso cavado por uma char-
morta imediatamente após o parto ou morreu rua puxada por dois bois. Remo, decepcionado
com os maus tratos que lhe foram infligidos por não ter sido favorecido pelo oéu, zomba desta
ou, finalmente, foi libertada pelos próprios fi- protecção tão facilmente superável e, de um salto,
lhos quando estes se vingaram de Amúlio, tal penetra no interior do perímetro que o irmão
como Antíope foi salva por Zeto e Anfíon (v. acabara de consagrar. Este, irritado pelo sacri-
estes nomes). légio, desembainha a espada e mata Remo. Pa-
Considera-se, por vezes, que Reia recebeu rece que, na mais antiga forma da lenda, o as-
honras de apoteose: na versão em que é morta sassínio teve como único móbil o sacrilégio de
por Amúlio, este ordena que a lancem ao Ti- Remo. Rómulo ficou desesperado pelo crime
bre, mas viu-se, então, o deus do rio elevar-se que cometera e, diz-se, chegou a pensar em
acima das águas e recebê-Ia para fazer dela sua suicidar-se. Remo foi enterrado no Aventino,
esposa. Dizia-se também que tinha sido o deus no local que, em consequência deste aconteci-
do Ânio (o afluente do Tibre a montante de mento, recebeu o nome de Remoria. E pela lenda
Roma) que a tinha tomado por esposa (v. Ró- de Remo que se explicava o facto de, até ao
mulo). tempo do imperador Cláudio (ano 49 d. C.),
2. Existe uma outra Reia, uma sacerdotisa o Aventino não ter sido integrado no pomoe-
que foi possuída por Hércules quando este pas- rium, o recinto religioso de Roma. Relaciona-
sou por Roma, no regresso da expedição dos va-se também com a morte de Remo a festa fu-
bois de Gérion. Deu-lhe um filho, Aventino, nerária das Lemuria (v. Lémures).
o epónimo da colina. Existia uma outra versão da lenda na qual
* REMO. (Remus.) Remo é, na lenda da fun- Rómulo não matava o irmão e em que os dois
dação de Roma, o irmão gémeo de Rómulo. Se- reinavam em conjunto, partilhando o poder
gundo uma explicação isolada, e evidentemente como, mais tarde, farão os cônsules. Final-
tardia, fora dado à criança o nome de Remo mente, segundo certos historiadores, nomea-
porque ela era «lenta» em tudo - o que expli- damente Dionísio de Cálcis, Remo teria sido
caria que fosse suplantado por Rómulo. Remo, o fundador de Roma. Neste caso, Remo não
na lenda, é apresentado como o «duplo» infe- seria o filho de Rea, mas, sim, de Ascãnio ou,
liz do seu irmão. Mas, enquanto nas lendas gre- ainda, de Ítalo. A sua mãe é Electra, a filha
gas em que intervêm gémeos em disputa do poder do rei Latino. Para as outras genealogias de
a hostilidade entre os dois irmãos remonta à in- Remo, v. Rómulo.
fância, a de Rómulo e Remo, pelo contrário, REO_ ('POLW.) Reo é filha de Estáfilo (v. este
mostra-os, de princípio, unidos por uma afei- nome), e irmã de Hemítea. Quando da visita
ção fraterna. Sobre os seus primeiros anos, v. de Lirco, apaixona-se pelo hóspede e disputa
Rómulo. Remo só começa a desempenhar um com a irmã a honra de se tornar sua amante
papel destacado quando os dois irmãos, atin- (v. Lirco). Mais tarde, foi possuída por Zeus
gida já a idade adulta, se opõem aos pastores e ficou grávida. Estáfilo, pensando que não era
de Numitor. Remo foi feito prisioneiro e é le- um deus mas um simples mortal que era res-
vado à presença do rei de Alba; é para o liber- ponsável pela aventura, encerrou a filha num
tar que Rómulo, aconselhado por Fáustulo (v. cofre e lançou-o ao mar. O cofre abordou na
este nome), organiza um expedição contra a ci- Eubeia (ou, então, em Deles), onde Reo deu
dade. Situa-se imediatamente após o episódio à luz um filho, chamado Anio (v. este nome).
do reconhecimento dos gémeos por Numitor e Em seguida, Reo desposou um mortal deno-
a morte de Amúlio. Rómulo e Remo confiam minado Zárex, filho de Caristo, de quem teve
o trono de Alba ao seu avô, Numitor, que é o cinco filhos (segundo outros, dois). Sobre a
legítimo herdeiro. Em seguida, partem os dois descendência de Ânio, v. este nome.
para fundarem uma cidade. Estão de acordo Uma tradição isolada e aberrante apresenta
quanto ao princípio: desejam fundar a sua ci- Reo como mãe de Jasão e amante de Éson.
dade no local onde foram salvos, isto é, no sí-
tio da futura Roma. Mas o local exacto ainda RESO. ('P1jcroç.) Reso é um herói trácio que
não está determinado no seu espírito e é para combateu do lado troiano durantre a Guerra
conhecê-Io que decidem (a conselho de Numi- de Tróia e foi morto por Ulisses e Diomedes.
tor) interrogar os presságios. Para isso, Rómulo As tradições variam sobre o nome dos seus

Remo: PLUT., Rom., 7 e S.; Cic., de div., 1.48, 107 louve du Capitote, Paris, 1924; J. HUBAUX, Les
e S.; de rep., 11, 2 4; PAUL.. p. 276; FEST., p. 298; Grands Mythes de Rome, Paris, 1945, pp. 1 e s.
DION. HAI.., 1,72 e S.; STRAB., V, 3,.2; Ov., Fast, 111, Reo: PARTH., Ero/., I; Dloo. Sll'., V, 62; TZETZ.,
59 e S.; V, 479; CONON, Narr., 48; AUR. VICTOR, De Chil .. VI, 979 e S.; escól. ad Lyc., 570; 580.
orig. gent., 21 e S.; SERV., ad VIRG., Aen., I, 273; 276;
VI, 777; Liv., I. 5 e s. V. Romulo. Cf. MOMMSEN, in Reso: 11., X, 434 e 5.; escól. v. 435; Eusr., ad
Hermes, XVI (1881), pp. I e S.; J. CARCOPINO, La HOIII., 817, 26: cf. SERV., ad VIRG .• Aen., 11,13; I,
407 RODÓPIS

pais: em Homero, o pai é denominado Eioneu, festa no dia 25 de Abril. Era-Ihes consagrado
mas nos autores posteriores é apresentado um bosque sagrado na 5. a milha da Vila Clo-
como filho do deus-rio Estrímon e da Musa dia, a norte de Roma, depois da ponte Mílvio.
Clio (ou de Terpsícore ou de Euterpe ou, ainda, RODE. epÓOll.) Segundo certas tradições,
de Calíope). Rode é o nome de uma filha de Posídon e de
Reso era célebre pelos seus cavalos, cavalos Anfitrite, que foi desposada por Hélio (o Sol)
brancos como a neve e rápidos como o vento. (v. quadro 38, p. 452). E irmã de Tritão. Se-
Partira em socorro dos troianos no décimo ano gundo outras tradições, é uma das filhas do
da guerra e apenas tinha combatido um dia deus-rio Asopo e esposa de Hélio (v. Rodo).
- mas nesse dia fizera uma grande carnificina
entre os Gregos - quando Diomedes e Ulis- RODO. epóooç.) Rodo, que os mitógrafos
ses, durante a noite, penetraram no acampa- distinguem com dificuldade de Rode (v. este
mento troiano, surpreenderam Reso a dormir nome), é a esposa do Sol e a epónima da ilha
e mataram-no, levando os seus cavalos. de Rodes. Tanto é apresentada como filha de
Esta narrativa, tal como aparece na Iliada, Afrodite e de um pai que não é nomeado, como
foi dramatizada. Supunha-se que um oráculo é filha de Posídon e de Hália (v. Hália). Teve
avisara Reso que, se conseguisse beber água sete filhos do Sol, os Haliades (v. esta palavra),
do Escamandro, seria invencível e tomaria de de quem uIl},Cércafo, reinou em Rodes depois
assalto o campo grego. É para evitar que este do irmão, Oquimo, e teve filhos que partilha-
destino se concretize que Hera e Atena sugeri- ram o governo da ilha (v. quadro 16, p. 202).
ram a Ulisses e a Diomedes que levassem a RÓDOPE. ('POÕÓ1tll.) Ródope é a heroína
cabo a expedição nessa noite e que matassem de uma lenda de Éfeso. É uma jovem que ti-
Reso antes de se tornar incencível, com os seus nha jurado a Artemis conservar a sua virgin-
cavalos. dade e que a deusa tinha escolhido como com-
Segundo uma tradição representada por Co- panheira de caça. Irritada, Afrodite fez com
non, Reso era irmão de Bragas e de Olinto (v. que ela se apaixonasse por um jovem caçador
estes nomes). também rústico, chamado Eutínico. Os dois
RETO. epol'~oç.) 1. Reto é o nome de um encontraram-se na montanha e sucumbiram ao
dos Gigantes que participaram no combate seu amor. Ártemis, então, puniu Ródope,
contra os deuses. Foi morto por Dioniso. transformando-a numa fonte, chamada Estíge,
2. Reto é também o nome de um Centauro que brotava na própria gruta em que ela tinha
que participou no combate entre os Lápitas e perdido a sua virgindade. Esta fonte servia de
os Centauros, durante as bodas de Pirítoo. Vir- prova para as jovens que tinham jurado per-
gílio conta que foi morto por Dioniso (talvez manecer virgens. Escreviam o seu juramento
por confusão com o gigante homónimo) (v. numa placa, que prendiam ao pescoço, e en-
acima). Apolodoro refere também um Cen- travam na fonte. A água era, normalmente,
tauro denominado Reco. pouco prof-unda e chegava-lhes aos joelhos;
3. Um dos companheiros de Fineu (v. este mas se já não eram o que pretendiam ser, a
nome), no episódio das bodas de Perseu e de água subia até ao pescoço, para cobrir a placa
Andrómeda, também tem o nome de Reto. Foi que continha o seu perjúrio.
morto pelo herói. Para uma outra Ródope, v. Cicones e
4. Sobre Reto, pai de Anquémolo, v. este Hémo.
nome. RODÓPIS. ('Poowmç.) Rodópis era uma jo-
vem egípcia de grande beleza. Um dia, quando
RITIA. epu~(a.) Na tradição seguida pelo
se banhava, uma águia levou uma das suas san-
mitógrafo Ferécides, Ritia é a mãe dos nove dálias e deixou-a cair aos pés do rei Psamético,
Coribantes de Samotrácia, de quem Apoio é que reinava em Mênfis. Psamético, maravi-
pai, Sobre as genealogias extremamente diver-
lhado com a delicadeza desta sandália, man-
sas dos Curetes e dos Coribantes, v. estes no- dou procurar por todo o Egipto a jovem a
mes. quem ela pertencia e, quando a encontrou,
* ROBIGO. (Robigo.) Robigo e Robigus- desposou-a.
a primeira feminina e o segundo masculino - Afirmava-se, por vezes, que Rodópis se cha-
são dois génios que presidem à cultura do trigo mava na realidade Dórica e que era uma grega,
e que provocam a doença na planta. Em Roma, vinda da Trácia para o Egipto, juntamente com
celebrava-se em sua honra, todos os anos, uma Caraxo, o irmão da poetisa Safo.

469; CONON, Narr., 4; Eu a. , trago Rhesos, passim, e Robígo: VAR., RR, I, 1,6; C I. L., I, 2~ ed., p. 316
escól v. 347; VIRG., Aen., 1,469 e S., e SERVo ad loc.; (Fastos de Preneste); cf. OV., Fast., IV, 905 e S.
APOLLOO., Bibl., I, 3, 4; Ep., IV, 4; HYG., Fab., 113;
cf. R. GOOSSENS in Bul/..Ass. G. Budé, XLI, pp. 11- Rode: ApOLLOO., Bibl., 1,4, 6; esc61. Od., XVII,
-33; G. GALLAVOTTI, in R. F. I. C., 1933, 208; TZETz., ad Lyc., 923.
pp. 177-188.
Rodo: PINO., Olymp., VII, 25 e S.; e esc61.; 0100.
Reto: 1) HOR., O., li, 19,23; 111, 4, 55. 2) VIRG., SIC., V, 55, TZETz., Chil., IV, 360; Eusr., ad Hom.,
Georg., li, 456; OV., Met., XII, 271; VAL. FLAC., I, 315, 27; OV., Met., IV, 204, e LACT. PLAC., Arg.
141; cf. ApOLLOO., Bibl., 111, 9, 2. 3) OV., Met., V, Met., IV.
38; ApOLLOO., Bibl., 111, 4, 3. 4) VIRG., Aen., X,
388, e SER V., ad loco Ródope: NIC., 3, 263 e S.; ACHILL. TAT., VII, 12.

Ritía: STRAB., X, 472. Rodópís: STRAB., XVII, 808; AEL., VH, XIII, 33.
ROMA 408

* ROMA. (Roma.) Roma, ou Rhome (or- filho de Roma, que era esposa de Latino. Nesta
tografada deste modo de acordo com o vocá- lenda, era irmão de Rómulo e de Telégono.
bulo grego que significa «a Força»), é, nas nar-
rativas de alguns mitógrafos, o nome de uma * RÓMULO. (Romu/us.) Rómulo é, na ver-
heroína que teria sido epónima da cidade de são mais conhecida da lenda, o fundador e epó-
Roma. As tradições diferem sobre a sua iden- nimo da cidade de Roma. Passa, frequente-
tidade. A mais antiga apresenta-a como uma mente, por um descendente de Eneias, por
cativa que acompanhava Ulisses e Eneias intermédio dos reis de Alba. E, com o seu ir-
quando estes dois heróis chegaram juntos às mão gémeo Remo, o filho de Reia Sílvia (ou
margens do Tibre, vindos do país dos Molos- llía) (v. estes nomes) e neto de Numitor (v. Nu-
sos (a Ilíria). Os seus navios foram atirados mitor).
para esta região por uma tempestade e as cati- Mas esta vulgata da lenda admite, a par,
vas estavam já cansadas de errar assim pelos muitas variantes. Suprimia-se, por exemplo, a
mares. Roma não teve qualquer dificuldade em série dos reis Albanos e apresentava-se Reia Síl-
persuadi-Ias a deitarem fogo aos navios. Os via como filha de Eneias (v. Reia). Alguns au-
imigrantes estabeleceram-se no Palatino, onde tores consideravam que Rómulo e Remo eram
a sua cidade prosperou tanto que, para pro- os filhos de Eneias e de Dexítea, filha de For-
varem o seu reconhecimento, quiseram honrar bas. Nesta versão, as crianças teriam sido le-
a memória da heroína. vadas para Itália quando eram ainda de tenra
Uma outra tradição faz de Roma a filha de idade. De toda a frota, apenas o navio que as
Ascânio e, por consequência, neta de Eneias. transportava foi poupado pela tempestade e
Quando os imigrantes troianos conquistaram abordou suavemente o local da futura Roma.
a região da futura Roma, Rhome fundou um Outras tradições consideram Rómulo filho de
templo dedicado e Fides no Palatino, no local Roma (v. este nome) e de Latino, que, nesta
da futura Roma. E este o motivo por que a ci- versão, é filho de Telémaco. A sua mãe é por
dade que será construída sobre esta colina terá, vezes denominada Aemi/ia e é apresentada
em recordação da jovem, o nome de Roma. como filha de Eneias e de Lavínia (v. ainda
Uma variante desta tradição pretendia que uma outra lenda no artigo Tarquéciov.
Rhome era o nome, não da filha, mas, sim, da Segundo a versão mais corrente, o pai de Ró-
mulher de Ascãnio. É, também, por vezes, mulo e de Remo era o deus Marte, que sedu-
mencionada como esposa de Eneias, filha de ziu Reia no bosque sagrado onde 'ela fora bus-
Télefo, e, por conseguinte, neta de Héracles (v. car água para o sacrifício (pois era Vestal) ou,
Té/efo). Era ainda, por fim, referida como fi- então, que a tinha violentado enquanto a jo-
lha de Telémaco e irmã de Latino. Uma tradi- vem dormia. Amúlio, o tio de Reia, apercebeu-
ção independente da lenda troiana conhecia -se de que ela estava grávida e encarcerou-a (v.
uma Roma, filha do rei Evandro ou, então, fi- Reia). Quando as crianças nasceram, o rei or-
lha do rei Ítalo e de Leucária. Alguns autores, denou que fossem expostas nas margens do Ti-
finalmente, asseguravam que Roma era o nome bre, junto ao Pala tino (porque o local da fu-
de uma adivinha que aconselhara Evandro a tura Roma fazia parte dos seus domínios, como
escolher este local para aí fundar a cidade de terreno atravessado pelos rebanhos reais).
Palanteu, primeiro núcleo de Roma. Contava-se também que o servidor de Amú-
RÓMIS. ('PWIlLÇ.)Segundo Plutarco, é um lio tinha depositado as crianças num cesto, que
muito antigo rei dos Latinos, que expulsou do lançara ao rio. Mas o rio, engrossado pelas
Lácio os imigrantes etruscos, vindos da Tes- chuvas, tinha refluído e, em vez de levar o cesto
sália através da Lídia, e que fundou a cidade para o mar, tinha-o depositado em seco um
de Roma. pouco mais acima, nas primeiras encostas do
Germalo (o cume noroeste do Palatino). Mais
* ROMO. (Romus.) Romo é, nalgumas ver- precisamente, o cesto depositou as crianças à
sões da lenda, o fundador e epónimo da cidade sombra de uma figueira, a figueira Ruminal,
de Roma. Era considerado como filho de Imá- que, mais tarde, foi objecto de culto (note-se
tion, enviado de Tróia por Diomedes (v. Hé- que uma tradição situava esta figueira no Co-
rodes), ou, ainda, como filho de Eneias (v. este mitium, entre o Capitólio e o Foro, mas dizia-
nome). Outras tradições fazem dele neto de -se que fora transportada para lá pela magia
Eneias e filho de Ascânio (cf. Roma). E, por do augure Attius Naeuius). Aí, Rómulo e
vezes, considerado como um dos filhos de Ulis- Remo foram recolhidos por uma loba que aca-
ses e de Circe. Tinha dois irmãos, Antia e Ár- bara de ter as suas crias e que se apiedou das
deas, os dois heróis epónimos de Árdea e Ân- duas crianças. Ao amamentá-Ias, impediu que
tio. Uma última lenda, por fim, fazia de Romo morressem de fome. Sabe-se que a loba é um

Roma: DION. HAL., 1.72 e S.; PLUT., Romul., I, de div., I, 20,40; 48, 107 e S.; STRAB., V, 3, 2; Cic.,
PHAEST., p. 266 e S.; SOLlN., I, I e S.; SERV., ad de rep., lI, 2, 4; 7, 12; Ov., Fast ., lI, 381 e S.; Ill,
VIRG.,Aen., I, 273; Cf. J. PERRET,La formation de 11 e S.; 179 e S.; 431 e 5.; TZETZ., ad Lyc., 1232;
Ia légende /royenne ... SERV.,ad VIRG.,Aen., I, 273; 275; VI, 778; VIII, 635;
AUR. VICfOR, De orig. gent., 21 e 5.; PUN., N. H.,
Rómis: PLUT., Rom., 2. XV, 20, 77 e 5.; TERT., Apolog., 25; Ad Nat., lI, 10;
Romo: PHAEST., p. 266; 269; DloN. HAL., I, 72; Lxcr., Div. Inst., I, 20; lI, 6; J. HUBAUX,Les Grands
cf. PLUT., Romul., 11. Mythes de Rome, Paris, 1945; G. DUMÉzlL, Mitra-
- Varuna, Paris, 1940, pp. 27 e S.; M. DELcouRT, «Ro-
Rómulo: Liv., I, I e S.; DION. HAL., I, 76 e S.; mulus et Mettius Fufetius», in Hommages à G. Du-
PLUT., Romul., passim; De Fort, Rom., 8 e S.; Ctc., mézil, Bruxelas, 1960, pp. 77-82.
409 RÓMULO

animal consagrado ao deus itálico Marte e Capitólio um local de asilo, entre dois bosques
considera-se como certo que esta loba foi en- sagrados, o da Arx (a Cidadela) e o do Capi-
viada pelo deus para cuidar das crianças. Para tólio propriamente dito o (cume sul da colina).
mais, um pica-pau (que é o pássaro de Marte) Aí se poderiam refugiar todos os fora-da-Iei de
ajudou a loba a alimentá-Ios. Em seguida, Itália, os banidos, os devedores insolventes, os
surge o pastor Faustu/us que encontrou as assassinos e até os escravos fugidos. Este foi
crianças alimentadas deste modo prodigioso, o núcleo da primeira população de Roma.
apiedou-se delas e entregou-as à própria mu- Deste modo, Roma não tinha falta de homens.
lher, Acca Larentia, que os criou. Cépticos, al- Mas não tinha mulheres. Foi então que Ró-
guns mitógrafos, seguidos sobretudo pelos Pa- mulo decidiu raptar as dos seus vizinhos, os Sa-
dres da Igreja, pretenderam que a Loba que binos. Para isso, organizou grandes corridas
tomara conta dos dois gêmeos não era outra de cavalos durante as festas de Consus, a 21
senão Acca Larentia cuja má conduta lhe me- de Agosto (o altar encontrava-se no vale do
recera o sobrenome de loba (lupa, em latim, Grande Circo, entre o Palatino e o Aventino).
«a loba», é efectivamente o termo com que se As populações dos arredores acorreram, com
designavam as prostitutas) (v. Aca Larência e as mulheres e as crianças. A um sinal combi-
Fáustu/o). nado, os homens de Rómulo raptaram todas
Fáustulo enviou os dois jovens para estuda- as jovens, em número de 30 ou de 527 ou, até,
rem em Gábio, que era então, diz-se, o grande de 683. Apenas uma, Hersília, era casada.
centro cultural do Lácio. Em seguida, Rómulo As populações a quem tinham assim raptado
e Remo regressaram ao aldeamento do Pala- as filhas não se mostraram satisfeitas e
tino, onde se entregaram ao banditismo. Um agruparam-se sob o comando do rei dos Sabi-
dia, Remo, com um grupo de jovens vizinhos, nos, Titus Tatius. Em pouco tempo, foi orga-
atacou os pastores de Amúlio, que guardavam nizado um exército, que marchou contra
os rebanhos do rei no monte Aventino. Os pas- Roma. Foi então que Tácio conseguiu entrar de
tores defenderam-se; Remo foi feito prisio- surpresa na Cidadela capitolina graças à trai-
neiro, conduzido à presença do rei de Alba e ção de Tarpeia (v. este nome). Uma parte do
interrogado. Entretanto, Rómulo, que estivera exército sabino tentou, então, atacar pela" reta-
ausente no momento da aventura, regressou ao guarda as tropas romanas, que defendiam a
Palatino. Fáustulo pô-Io ao corrente do se- posição junto ao Capitólio, na vertente norte.
gredo do seu nascimento e pediu-lhe que sal- Teriam atingido o seu objectivo sem a inter-
vasse o irmão. À cabeça de um grupo de jo- venção do deus Jano, que fez brotar à sua
vens, seus amigos, Rómulo precipitou-se em frente uma fonte de água fervente e os impe-
direcção a Alba, invadiu o palácio de Amúlio, diu de avançar. Apesar disto, as tropas sabi-
deu-se a conhecer, matou o rei e libertou o ir- nas continuaram a sua pressão e forçaram os
mão. Em seguida, entregou o trono ao avô, Romanos a recuar. Quando estes recuaram até
Numitor. junto do Palatino, e ante a ameaça de o com-
Os dois gémeos decidem então fundar uma bate se transformar num desastre, Rómulo di-
cidade (sobre a escolha do local e os prelimi- rigiu uma oração a Júpiter e prometeu que lhe
nares da fundação, cf. a lenda de Remo). Ró- edificaria um templo no exacto local em que
mulo acaba por assassinar Remo, depois de ter o combate mudasse de feição. Júpiter escutou-
traçado o sulco delimitador da cidade palatina. -o. Os Romanos interromperam a retirada, fi-
A cidade foi fundada a 21 de Abril, dia da festa zeram frente ao inimigo e puseram-no em fuga.
das Pari/ia (festa em honra de Pales). Segundo Isto aconteceu entre o Palatino e a Vélia, no
as cronologias, o ano seria o de 754, de 752 ou extremo este do Foro. O templo prometido por
mesmo o de 772 a. C. Rómulo foi construído: foi o templo de Iupi-
As várias tradições não estão de acordo ter Stator(isto é, «o Júpiter que detém»), edi-
quanto à extensão desta cidade de Rómulo. ficado no local onde mais tarde foi erigido o
O mais corrente é admitir que compreendia arco de Tito, na Via Sacra.
apenas o pomério palatino, isto é, a própria Romanos e Sabinos assinaram então um tra-
colina. Mas vários episódios da lenda de Ró- tado de aliança que unia os dois povos. Dizia-
mulo implicam que a cidade devia também -se que as mulheres sabinas raptadas pelos Ro-
compreender o Capitólio, nomeadamente o manos se lançaram entre os combatentes e
«asilo», na depressão que marca o cume da co- imploraram aos seus pais, aos seus irmãos e aos
lina e a cidade baixa do Foro. Sobre este as- seus novos esposos que cessassem o combate
sunto, as nossas fontes manifestam grandes dú- sacrílego. Este episódio deu-se, parece, no
vidas, revelando numerosas alterações e Foro, no local da Regia. Foi deste modo que
estados da lenda que correspondiam aos diver- Tito Tácio, o rei dos Sabinos, foi associado ao
sos estados do desenvolvimento de Roma. Plu- poder de Rómulo e que se deu a fusão dos dois
tarco situa mesmo o desenvolvimento do ritual povos. Mas Tácio morreu pouco tempo depois
da fundação e da consagração do mundus (que e Rómulo ficou sozinho à frente dos dois po-
é o centro augural da nova cidade) no Comi- vos.
tium, isto é, junto da Arx, a norte do Foro. Não é este o local para entrar em detalhes
O próprio reinado de Rómulo, muito tempo sobre as guerras que se atribuem a Rómulo
considerado como histórico, é hoje encarado nem sobre as instituições, civis e religiosas, que
como mosaico de lendas, de que se apresentam se considera que deu à cidade. Rómulo habi-
as principais. tava no Palatino, no cume dos Degraus de
Quando a cidade foi fundada, Rómulo Caco, que permitiam a comunicação entre a
preocupou-se com o povoá-Ia. Como os recur- colina e o vale do Grande Circo. Aí se mos-
sos locais eram insuficientes, decidiu criar no trava um enorme corniso, que se afirmava ser
ROPALO 410

um dardo lançado do Aventino por Rómulo e -povo. Esta interpretação tinha algum funda-
que se cravara tão profundamente na terra mento, porque, na época clássica era conhe-
que não fora possível arrancá-Io. O dardo . cido um «túmulo de Rómulo», situado no Co-
criara raízes. A árvore era sagrada e sempre que mitium, sob a Pedra Negra.
se via que estava a murchar era dado o alarme Sobre a festa das Nonas Caprotinas, que co-
na cidade e todos acorriam para a regar. Esta memoravam o desaparecimento de Rómulo, v.
árvore foi destruída pelos trabalhos executa- Ft1otis.
dos pelo imperador Calígula. Mostrava-se,
igualmente, no cimo dos Scalae Caei (eDegraus RÓPALO. ('póltaÀoç.) Na série dos reis de
de Caco»), uma choupana, fielmente restau- Sícion, Rópalo, filho de Festo, que era, por seu
rada todas as vezes que era danificada por um lado, filho de Héracles, reinou depois de Zeu-
incêndio, e que se pensava que fora a casa de xipo, que sucedeu a Festo, quando este, por
Rómulo. ordem de um oráculo, foi obrigado a exilar-se
O reinado de Rómulo durou trinta e três em Creta (v. Festo). O seu filho e sucessor foi
anos e foi marcado pelo progresso da jovem Hipólito. Hipólito foi vencido por um exército
Roma de um modo tal que o povo concedeu comandado por Agamémnon, que atacou Sí-
ao rei o título de Pai da Pátria. Mas Rómulo cion, e foi obrigado a entregar a cidade aos Mi-
estava destinado a terminar a sua vida terrena, cénios.
com a idade de 54 anos, de uma forma bas- Existia ainda uma tradição segundo a qual
tante curiosa. No dia das Nonas de Julho, Rópalo era considerado filho de Héracies e paí
quando passava revista ao exército no Campo de Festo. O nome de Rópalo, que significa
de Marte, no Pântano da Cabra (Palus Ca- «maça», evoca uma das armas favoritas de Hé-
prae), rebentou uma tempestade terrível, acom- racles.
panhada por um eclipse do Sol. Tudo desapa- ROXANE. ('PwçciVTJ.) Roxane era, segundo
receu sob a tromba-de-água. E, quando a a tradição, filha de Cordias. Foi violada por
tempestade terminou e todos saíram dos locaís Medo, filho do rei persa Artaxerxes. Medo,
onde se tinham abrigado, foi em vão que pro- com medo do castigo, atirou-se ao rio que até
curaram o rei. Rómulo tinha desaparecido do então se chamava Xarandas e que tomou nesse
número dos vivos. Um romano, chamado Iu- momento o nome de Medo, antes de de se cha-
lius Proculus, pretendia que Rómulo lhe apa- mar, definitivamente, Eufrates.
recera em sonhos e lhe revelara que fora levado
pelos deuses e que se convertera no deus Qui- * RÚTULOS. (Rutuli.) Os Rútulos são um
rino (v. Quirino). Pediu que lhe erigissem um povo da Itália central, cuja capital era a pe-
santuário no monte Quirinal, o que foi feito. quena cidade de Ardea, no Lácio. Considera-
Os historiadores da época posterior, cépticos, va-se que se tinham oposto à imigração de
afirmaram que, na realidade, os senadores Eneias e que tinham pegado em armas contra
mandaram assassinar um rei demasiado popu- ele, instigados pelo seu rei, Turno (v. Eneias
lar e imaginaram esta história para acalmar o e Turno).

Ropálo: PAUSAN., li,


Myth.,
6, 7; 10, I; PTOL. HEPH.,
p. 186, 25.
111 I Rútulos: VIRG., Aen .• VII e 5.; v. Eneias, Turno;
(WESTERMANN, LI\'.,I, 3,57; DION. HAL., 1,57; 59; 64; STRAB., V,
Roxane: PS.·PLUT., de flor., XX,!. p. 228 e 5.; Crc., de rep., lI, 3, 5.
s
SABÁZIO. (Ea~ci~lOç.) Sabázio é um deus outras, que faziam descender os Sabinos dos
frígio cujo culto tem um carácter orgiástico. Lacedemónios, Sabo seria um dos Lacedemó-
É muitas vezes assimilado a Dioniso no mundo nios (talvez de origem persa) estabelecido na
grego e é considerado como um Dioniso mais região de Reate (hoje Rieti).
antigo, filho de Zeus e de Perséfone. Era-lhe
atribuída a ideia de domesticar os bois e de os SÁGARIS. (Eciyap,ç.) 1. Segundo uma tra-
submeter ao jugo. Assim se explicavam as ima- dição apenas representada por Solino, Sága-
gens que o representavam com cornos na ris é o filho de Ajax, o Lócrio, e o fundador
fronte. da cidade de Síbaris, na Itália meridional (v.
Contava-se que Zeus se unira a Perséf'one também Sibaris).
sob a forma de uma serpente para engendrar 2. Ságaris (ou Sangaris) é também o nome
Sabázio, A serpente era, com efeito, o animal de um filho de Midas que deu o nome ao rio
sagrado do deus e desempenhava um papel nos asiático Sangário. Dizia-se que este Ságaris era,
seus mistérios. Dizia-se, por exemplo, que tam- na realidade, um filho de Mígdon e de Alexír-
bém ele se unira sob a forma de serpente a uma roe. Como não venerava a Grande Deusa, Cí-
das suas sacerdotisas, na Ásia Menor, união bele, esta atacou-o de loucura e precipitou-o
da qual nasceram filhos. num rio que se chamava Xeróbates e que, a
Sabázio não pertence ao panteão helénico partir daquele evento, se passou a chamar San-
propriamente dito. É importado e não possui gário.
um ciclo mítico pessoal, pelo menos mito exo-
térico. Talvez a lenda fosse mais rica nos mis- SAGARÍTIS. (Ea,ap'~,ç.) Sagarítis é o
térios que se celebravam em sua honra. nome de uma Hamadríade, na versão da
lenda de Átis transmitida por Ovídio. Átis
SABE. (Eci~~T).)Segundo o testemunho de prometera à deusa Cíbele que se manteria
Pausânias, Sabe é o nome da Sibila da Babi-
casto, mas uniu-se à ninfa Sagarítis. Encole-
lónia. É de origem hebraica e filha de Beroso
rizada, a deusa matou a ninfa abatendo a ár-
e de Erimante.
vore a cuja vida, estava ligada a da divindade
* SABO. (Sabus.) Sabo é, segundo uma tra- e enlouqueceu Atis de tal maneira que ele se
dição, o filho do deus romano Sanco (v. este castrou (v. também para outras versões a
nome) e herói epónimo dos Sabinos. Segundo lenda de Átis).

Sábázio: DIOD. SIC. IV, 4, I; cf. LVD., De Mens., Sabo: DION. HAL., lI, 49; SERV., ad VIRG., Aen.,
IV, 51; Cic., de nat. D., III, 23, 58; AEL., NA, XII, VIII, 638.
39; STRAB., X, 3, 15 e 18; esc. ad ARlsToPH., Av.,
874; MAcRoB., Sat., I, 18, 11; CLEM. AL., Adu, Ságaris: 1) SOLlN., lI, 10.2) STEPH. MAGN., 707,
gent., p. 13; cf. DEMOST., De cor., 259 e s. (misté- 18; PLUT., De FI., 12, I.
rios de Sabázio),
Sabe: PAUSAN., X, 12,9. Sagaritis: Ov., Fast, IV, 229 e s.
SALÁCIA 412

* SALÁCIA. (Salac!a.) Divindade romana * SALO. (Salus.) Salus é em Roma a per-


do mar, associada a Neptuno, personificação sonificação da Saúde e, também, da «conser-
da «água salgada», afim de Venília, divindade vação» em geral. Tinha um templo no Quiri-
da água que toca a margem, mas distinta dela. nal. Como simples abstracção, Salus não
possui uma lenda. Na época clássica foi, pouco
SALAMBO. (l;(XÀ(XfJ.~w.) Salambo é o nome a pouco, assimilada a Hígia, a deusa helénica
babilónio de Afrodite (Astarte), quando chora da Saúde, filha de Asclépio.
a morte de Adónis (v. Adónis). SÁMON. (l;(ÍfJ.wv.) Em certas tradições, Sá-
SALAMINA. V. Sálamis. mon é o herói epónimo da ilha de Samotrácia.
É filho de Hermes e de uma ninfa chamada
SÁLAMIS. (l;(XÀ(XfJ.(ç.) Segundo a versão Rene. Emigrou da Arcádia para a Samotrácia,
mais divulgada da sua lenda, Sálamis é uma com Dárdano, mas, enquanto este seguiu de-
das numerosas filhas do rio Asopo (v. este pois para a Tróade (v. Dárdano), Sámon per-
nome). Sálamis foi raptada pelo deus Posídon, maneceu na ilha.
de quem teve um filho, Cicreu (v. este nome), Quanto a outro Sámon, de origem cretense,
numa ilha que, em consequência do nasci- v. Dada.
mento, tomou o nome de Salamina (na costa SÁNAPE. (l:(Xy(Í1tTj.) Sánape é o epónimo
da Ática). V. quadro 31, p. 352. da cidade de Sínope, no Mar Negro. Era uma
* SÁLIO: (l;(ÍÀtoç.) Sálio é um companheiro amazona que escapou ao massacre havido du-
de Eneias. E considerado tanto como originá-. rante a expedição de Héracles (v. este nome)
rio de Samotrácia como de Mantineia, na Ar- e fugiu para a Paflagónia, onde casou com um
cádia, como, ainda, de Tegeia. Atribui-se-lhe rei da região. Aí, revelou um apetite imoderado
a dança guerreira dos Sálios, colégio sacerdo- pelo vinho, o que lhe valeu o nome de Sánape,
tal romano (v. também Cateto). que significa «bêbada» no dialecto local. Este
nome, corrompido em Sínope, passou a ser o
SALMQNEU. (l;(XÀfJ.wytÚç,) Salmoneu é dos da cidade em que reinava o seu marido.
filhos de Eoloe de Enarete e, por consequên-
cia, o descendente de Deucalião e de Pirra (v. * SANCO. (Sancus.) Sanco é uma divindade
quadro 8, p. 116). Passou a sua juventude na da primitiva religião romana e o seu nome
Tessália, de onde era originário, mas cedo emi- completo era Semo Sanco. Os antigos identi-
grou para a Élide com um grupo de compa- ficavam-no, também, com Dius Fidus. Dizia-
triotas, tendo aí fundado uma cidade a que -se que o seu culto tinha sido introduzido pe-
chamou Salmone. Desposou em primeiras núp- los Sabinos. Por vezes, era considerado como
cias.Alcídice, a filha de Áleo, que lhe deu uma o pai do herói Sabo, epónimo do povo Sabino
(v. Sabo).
filha, Tiro. Em seguida, após a morte da mu-
Este deus, muito obscuro, não possui mito
lher, desposou Sidero (v. este nome), que se
próprio e, aparentemente, presidia ao cumpri-
mostrou uma madrasta cruel para a nora (v.
mento dos juramentos.
Tiro).
Salmoneu, homem extremamente orgulhoso, SANGÁRIO. (l:(Xyy(ÍPLOÇ.) Sangário é o deus
decidiu imitar Zeus. Construiu uma estrada do rio com o mesmo nome, na Ásia Menor.
com pavimento de bronze e lançou-se sobre ela Como todos os rios, dizia-se que era filho de
com um carro com rodas de cobre ou de ferro, Oceano e de Tétis; por vezes, é também refe-
arrastando correntes atrás dele. Pretendia as- rido como pai de Hécuba, que teria nascido da
sim imitar o trovão. Ao mesmo tempo, lançava união ou com Métope, ou com a ninfa Êunoe,
à esquerda e à direita tochas a arder, que re- ou, ainda, com a Náiade Evágora. É também
presentavam os relâmpagos. Irritado com esta pai de Alfeu, um frígio que teria aprendido em
impiedade, Zeus fulminou-o e suprimiu simul- Atenas a arte de tocar a flauta, mas, como ten-
taneamente o rei, o povo e a cidade de Sal- tasse violentar um aluno, Zeus fulrninou-o.
mone. Dizia-se que Salmoneu não era popu- Mas a lenda mais célebre em que Sangário
lar e que os seus súbditos se lamentavam de ter representa um papel é a de sua filha Nana e
de receber as tochas incendiadas lançadas pelo do nascimento de Átis (v. Agdístis, Átis,
seu rei. Nana).

Saláda: A. GELL., N. A., XIII, 23; AUGUST., Civ. STRAB., VII, 3, 31 e s., p. 356; STEPH. Bvz., S.U.,
D., IV, 10; VII, 22; SERV., ad VIRG., Georg., I, jl; :EOtÀfU.ÓYT}. Cf. W. NESTLE, in A. R. W., 1936, pp. 248
Aen., I, 44; x, 76. e s.
Salambo: STEPH. Bvz., 747, 48; Hist. Aug., Ela- Saio: Crc., de leg.
·gabal,7. Sámon: DION. HAL., I, 61.
Sálamis: PAUSAN., I, 35, 2; 0100. SIC., IV, 72, esc.
ad PINO., Olymp., VI, 144; TZETZ., ad. Lyc., 110; Sánape: Escól. od Arot. RH., Arg., 11,946; Etym,
175; 451; ApOLLOO., Bibl., III, 12,7. Mogn., p. 739, 67, S. U. :ELY'01t"!J.
Sanco: OV., Fast., VI, 213 e s.; Lxcr., Inst. Div.,
Sálio: PLUT., Num., 13; PHAEST., p. 329, S.U.; I, 15, 8; AUGUST., Civ. D., 18, 19; DION. HAL.,
SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 258; cf. VIRG., Aen., 11,49.
V, 298 e s.
Sangário: HES., Theog., 344; ARNOB., Adv. Not.,
Salmoneu: ApOLLOO., Bibl., I, 9, 7 e S.; esc. ad. 5,6; PAUSAN., VII, 17, 11; ApOLLOO., Bibl., III, 12,
Od., XI, 236; 0100. SIC., IV, 68, 1 e s.; HYG., Fab., 5; esc. ad 11., XVI, 718; WESTERMANN, Mythogr., p,
61; 250; VIRG., Aen., VI, 585 e S.; SERV., ad loe.; .347, 15.
413 SÁTIROS

SÁON. (Eáwv.) Sáon é um beócio que foi (igualmente atribuída ao jovem Mileto, que fu-
consultar o oráculo de Delfos aquando de uma gira com ele).
seca que assolava o seu país. A Pítia ordenou- 3. A I1íada conhecia um Sarpédon, chefe de
-lhe que fosse a Lebadeia interrogar o oráculo um contingente lício, que combate do lado
de Trofónio. Mas, ao chegar à cidade, verifi- troiano. Este Sarpédon, que por vezes se iden-
cou que ninguém conhecia o oráculo. Viu, con- tifica com o irmão de Minos, é considerado
tudo, umas abelhas e, seguindo-as, penetrou como filho de Zeus e Laodamia, filha de Be-
numa gruta, onde o herói Trofónio deu todas lerofonte. Este Sarpédon desempenhou um pa-
as instruções necessárias para a fundação de pel importante no ataque ao campo aqueu e
um culto em sua honra e de um oráculo. no assalto à muralha. Acaba por ser morto por
Pátroclo e trava-se um renhido combate junto
SARDO. (Eápooç.) Sardo é o nome do filho ao seu corpo.
de Macéris (nome que os Egípcios e os Líbios A dificuldade cronológica criada pela iden-
davam a Héracles, que, à frente de uma expe- tificação do Sarpédon cretense e do Sarpédon
dição de líbios, desembarcou na ilha então cha- que participou na Guerra de Tróia levou os mi-
mada Ienusa, que recebeu então o nome de tógrafos a distinguirem as duas personagens.
Sardenha. Diodoro estabelece assim a sua genealogia: Sar-
SARDO. (ElXpOw.) 1. Sardo é o nome da mu- pédon, filho de Europa, passou pela Lícia; teve
lher de Tirreno, que emigrou da Asia Menor um filho chamado Evandro, que desposou a
para Itália. Tinha dado a seu nome à cidade filha de Belerofonte, Deidamia (ou Laodamia).
lídia de Sardes e deu-o também à ilha da Sar- Deste casamento nasceu o segundo Sarpédon,
denha. neto do primeiro, e que participou na Guerra
2. Sardo é também o nome de uma filha de de Tróia.
Esténelo, epónima da cidade de Sardes. SATÍRIA. (EIX"tupílX.) Satíria é filha de Mi-
SÁRON. (Eápwv.) Sáron é um rei lendário nos, o rei de Creta. Amada por Posídon, deu-
de Trezena, sucessor de Altepo. Construiu, à -lhe um filho, Taras, o herói epónimo da ci-
beira-mar, um templo a Ártemis com uma tal dade de Tarento. Ela própria dera o seu nome
magnificência que se designava o golfo de Tre- a um cabo vizinho desta cidade, o cabo Satí-
zenapor «Golfo de Febe», Sáron era um rion. Afjrma-se, por vezes, que era também
grande caçador e, um dia em que perseguia mãe de ltalo (v. este nome).
uma corça, o animal saltou para o mar. Sáron SÁTIROS. (Eá"tUpol.) Os Sátiros, também
lançou-se atrás dela e nadou tanto tempo para
chamados «Silenos», são génios da natureza
a agarrar que as suas forças o abandonaram que foram incorporados no cortejo de Dio-
e afogou-se. O seu corpo deu à costa próximo niso. Eram representados de diferentes ma-
do templo que erigira. O golfo tomou então neiras: umas vezes, a parte inferior do corpo
o nome de Golfo Sarónico. era a de um cavalo, e a superior, a partir da
SARPÉDON. (ElXpmjowv.) 1. Sarpédon é um cintura, a de um homem; outras vezes, a sua
herói do ciclo cretense, embora este nome surja parte animal era a de um bode. Num e nou-
isolado como o de um gigante, filho de Posí- tro caso, eram dotados de umalgrande cauda,
don, morto por Héracles na Trácia (v. Pó/tis). abundante, semelhante à de um cavalo, e de
2. Com maior frequência, Sarpédon é con- um membro viril sempre erecto e de propor-
siderado como um dos filhos de Europa e Zeus ções sobre-humanas. Eram imaginados a
(v. quadro 3, p. 66, e quadro 30, p. 312). Foi dançar no campo, bebendo com Dioniso,
criado por Astério, que desposou Europa, co- perseguindo as Ménades e as Ninfas, vítimas
rnos seus dois irmãos, Minos e Radamante. mais ou menos relutantes da s*a lubricidade.
Mais tarde, discutiu com Minos, quer por sa- Pouco a pouco, vai-se atenuando, nas repre-
ber que obteria o trono de Creta, quer porque sentações, o carácter bestial do s.eu aspecto.
estavam os dois apaixonados pelo mesmo jo- Os seus membros inferiores tornam-se huma-
vem, denominado Mileto. Qualquer que tenha nos; têm pés em vez de cascos. Como teste-
sido a razão, Sarpédon deixou então Creta, tal- munho da sua antiga forma, apenas perma-
vez em companhia de Europa, e dirigiu-se para nece a cauda.
a Ásia Menor. Estabeleceu-se na região de Mi- Os Sátiros, companheiros dos deuses, de-
leto, na Lícia. Chegou a rei dessa região e sempenharam raramente um papel nas lendas.
atribui-se-lhe, por vezes, a fundação de Mileto Mársias era um sátiro (v. tam~ém Sileno).

Sáon: PAUSAN., IX, 40, 2. STRAB., XII, 573. 3) li., lI, 876 e s.; V, 471 e s.; 627
e s.; VI, 198 e s.; XII, 101 e s.; 290 e s.; 392 e s.; XVI,
Sardo: PAUSAN., X, 17,2; SOLIN., X, 4, I.
419 e S.; 569 e s. Cf. S. MAR INATOS, «Les légendes
Sardo: 1) Esc. ad PLAT., Ti., 25 b. 2) HVG., Fab., royales de Ia Crere minoenne», Rev. Arch., 1949, lI,
275. pp. e s.
Sáron: PAUSAN., Il , 30, 7; Etym, Magn., s.u. Satíria: Esc. Bem. ad VIRG., Georg., lI, 197, e
l:o:pw';,ç, p. 708, 51; esc. ad EUR., Hipp., 1200. PROB., ad loc.; SERV., ad VIRO., Aen:, J, 533; cf.
Sarpédon: 1) ApoLLOo., Bibl., lI, 5, 9. 2) HES., fr. PAUSAN., X, 10,8;. V. J. BÉRARO, Colonisation, p.
30, Rzach.; BACCH., fr. 56 Be; HEROO., '1, 173; cf. 187.
IV, 45; EUR., Rh., 29; 0100. SIC., IV; 60; V, 79; Sátiros: Hymn. hom. Aphrod., 262; HES., ap.
Ar-ou.oo., Bibl., m, I, I e s.; HVG., Fab., 155; 178; STRAB., X, 471; cf. PAUSAN., I, 23, 5 e 6; cf. F.
PAUSAN., VII, 3, 7; ad Aeoi., RH., Arg., I, 185; BROMMER, Satyroi, Wurzbourg, 1937.
SATURNO 414

* SATURNO. (Saturnus.) Saturno é um apresentá-Ia como amante do belo pastor En-


deus itálico muito antigo, que foi identificado dímion, de quem teria tido cinquenta filhas (v.
com Crono (v. este nome). Passava por ter ido Endímion). Atribui-se, por vezes, aos seus
da Grécia para a Itália, em tempos muito re- amores o nascimento do herói Naxo (v. este
cuados, quando Júpiter (entenda-se Zeus) o nome).
destronou e o lançou do cimo do Olimpo.
Instalou-se, então, no Capitólio, no local da SELINO. (I:ÉÀ1VOÇ.)Selino é o nome de um
futura Roma, e aí fundou uma povoação for- filho de Posídon que foi rei de Egialia (antigo
tificada, que, segundo a tradição, se chamava nome da Acaia). Como Ion ameaçasse
Saturnia. Dizia-se, também, que tinha sido declarar-lhe guerra, Selino deu-lhe em casa-
acolhido nesse lugar por um deus ainda mais mento a sua filha única, Hélice. Ion sucedeu-
antigo do que ele, igualmente imigrado da Gré- -lhe no trono (v. Íon).
cia, o deus Jano (v. este nome). O reinado de SÉMACO. (I:~fl"XOÇ.) Sémaco é o antepas-
Saturno no Latium (assim designado porque sado da família ateniente dos Semáquidas. As
o deus aí se tinha escondido, latuerat) foi ex- suas filhas acolheram Dioniso com hospitali-
traordinariamente próspero. Foi o período da dade e, como recompensa, o deus concedeu-
Idade de Ouro (v. esta expressão). Saturno -lhes o sacerdócio do seu culto, a elas a às suas
prosseguiu a obra civilizadora iniciada por filhas.
Jano e ensinou aos homens, nomeadamente,
a cultura da terra. Nesse momento, a popula- SÉMELE. (I:EflÉÀ1j.) Sémele é, na tradição
ção itálica era formada por aborígenes (v. este tebana, a filha de Cadmo e de Harmonia. Foi
nome), que lhe devem as suas primeiras leis. amada por Zeus e dele concebeu Dioniso (v.
Saturno era representado armado com uma quadro 3, p. 66). Hera, ciumenta, sugeriu-lhe
foice pequena ou uma serpe. Relacionava-se, que pedisse ao seu amante divino que lhe apa-
por isso, o seu nome com a invenção, ou pelo recesse em toda a sua glória. Zeus, que, im-
menos com a divulgação, do cultivo e da poda prudentemente, prometera a Sémele conceder-
da vinha. -lhe tudo quanto ela lhe pedisse, teve de se
Os dias consagrados a Saturno eram os Sa- aproximar dela com os seus raios. Sémele, car-
turna/es. Com eles terminava o mês de Dezem- bonizada, morreu instantaneamente. As suas
bro e o ano. Esses dias eram ocupados com fes- irmãs divulgaram o rumor de que Sémele ti-
tas mais ou menos licenciosas, durante as quais vera um amante vulgar, mas que se vangloriava
se subvertiam as elasses sociais: os escravos de ter obtido os favores de Zeus, que, para a
mandavam nos seus senhores e estes serviam castigar, a fulminara. Esta calúnia teve con-
à mesa. sequências nefastas para as culpadas, pois os
Na época imperial, com o desenvolvimento seus descendentes também foram castigados (v.
da romanização em África, Saturno incarnou Actéon, Ino, Penteu).
não apenas Crono, mas, também, nos países Mais tarde, quando, pelas suas façanhas,
púnicos, o grande deus cartaginês Baal. mereceu ser divinizado, Dioniso desceu aos In-
fernos para procurar a mãe (v. Dioniso). Res-
SAURO. CE"üpoç.) Sauro era um bandido da suscitada deste modo, Sémele foi chamado ao
Élide, que exterminava os viajantes. Foi morto céu, onde ficou com o nome de Tíone.
por Héracles. O seu nome permaneceu ligado Uma das variantes lacónicas do nascimento
a um determinado local, onde se mostrava o de Dioniso é a seguinte: Dioniso nasceu, nor-
seu túmulo, bem como um santuário de Hé- malmente, de Sémele, em Tebas, mas Cadmo
raeles. expusera a criança e a mãe num cofre, no mar.
SELENE. (I:EÀ~V1j.) Selene é a personifica- O cofre foi lançado pelas vagas para a costa
ção da Lua. Tanto é considerada como filha da Lacónia, onde Sémele,que estava morta,
de Hipérion e de Tia (v. quadro 16, p. 202), foi sepultada. Segundo esta tradição, o deus
como por filha do Titã Palas, ou, ainda, de Hé- foi ali criado.
lio. Era representada como uma mulher jovem SEMÍRAMIS. (I:EflípafllÇ.) A lenda de Semí-
e bela, que percorria o céu num carro de prata ramis, rainha da Babilónia, é-nos narrada por
puxado por dois cavalos. É célebre pelos seus Diodoro Sículo. O Autor diz-nos que, na Sí-
amores: de Zeus, teve uma filha, chamada ria, em Ascalão, se venerava uma deusa que
Pândia. Na Arcádia, o seu amante foi o deus se pensava que vivia no lado próximo da ci-
Pã, que lhe deu, como presente, uma manada dade. Essa deusa, chamada Dérseto, tinha ca-
de bois brancos. O mais corrente, contudo, é beça de mulher, mas o resto do corpo era de

Saturo o: DIGN. HAL., I, 34; V,RG., Georg., 11, Sémaco: STEPH. Bvz., S.u. LYf'<XX'Õ<x'; Eus.,
538; IV, 792; VIII, 319 e S.; 357 e S.; cf. SERV., Chron., 30.
ad loc., Ov., Fast., I, 235 e S.; PWT., Qu. Rom.,
34.
Sémele: ApOLLOO., Bibl., 111, 4, 2 e s.; 5, 3;
Hymn. hom., 34, 21; HES., Theog., 940 e S.; Bacch.,
Sauro: PAUSAN., VI, 21, 3. I e S.; 242 es.; 286 e S.; 0100. SIC., IV, 2, 2 e S.; 25,
4; V, 52, 2; PAUSAN., li, 31, 2; I1I, 24, 3; IX, 5,2;
SeIeoe: Hymn. hom. Herm., 100; EUR., Phoen., esc. ad. 11., XIV, 325; ad PINO., Olymp., 11,44; Lu-
175 e esc.; NONN., Dion., XLIV, 191; VIRG., Georg., CIAN., D. Deor., 9; Ov., Met ., 111, 259 e S.; HVG.,
Ill, 391, e SERV., ad loc.; esc. ad Aeoi., RH., Arg., Fab., 167; 179; LACT. PLAC., ad STAT., Theb., I, 12.
IV, 57; ad THEOCR., rn, 49.
Semlramis: 0100. SIC., 11, 4 e S.; 13 e S.; HEROO.,
SeIino: S1CPH. Bvz., S.u. 'EÀ"",; PAUSAN.,VII, 24, 5. 1,184; I1I, 155; HESVCH., s. u.; LUCIAN., D. Syr., 14.
415 SEREIAS

peixe. Afrodite, que tinha razões de queixa dimensão muito menor. Havia duzentas e cin-
dela, havia-lhe inspirado uma violenta paixão quenta torres para defender o conjunto. O Eu-
por um jovem sírio chamado Caístro (v. este frates foi atravessado por uma ponte de nove-
nome), de quem teve uma filha. No entanto, centos metros de comprimento e ladeado por
após o nascimento da criança, envergonhada, grandes cais ao longo de trinta quilómetros.
Dérseto expôs a filha e matou-lhe o pai. Em cada extremidade da ponte erigiram-se cas-
Quanto a ela, escondeu-se no fundo do lago. telos fortificados, residências da rainha. E esta
Umas pombas criaram milagrosamente a fê-los ligar por um túnel subterrãneo, que pas-
criança, roubando aos pastores da região o leite sava sob o rio, cujo curso foi para isso des-
e depois o queijo necessários para a alimentar. viado. Foi na cidadela de um desses castelos,
Por fim, os pastores descobriram a menina, o do ocidente, que a rainha mandou construir
que era de extraordinária beleza, e levaram-na os seus famosos jardins suspensos, se bem que
ao chefe.. que lhe deu nome de Semíramis, o outra tradição conte de forma diversa a cons-
que, em língua síria, quer dizer «a que vem das trução desses célebres jardins da Babilónia. Te-
pombas». ria sido uma rainha da Assíria, posterior a Se-
Semíramis era uma jovem, quando um con- míramis e originária da Pérsia, que pediu ao
selheiro do rei, Honetes, foi por ele encarre- marido que lhe desse a imagem dos «paraísos»,
gado de inspeccionar os currais. Viu Semíra- os grandes parques da sua pátria. Diodoro dá-
mis em casa do chefe dos pastores e -nos a descrição desses jardins, formados pela
apaixonou-se. Dela teve dois filhos: Hiadete e sobreposição de terraços quadrados, à maneira
Hidaspes. Semíramis, que 'era muito inteli- dos degraus de um anfiteatro. Cada um des-
gente, aconselhava o marido tão habilmente ses terraços assentava em galerias abobadadas,
que este tinha êxito em todos os seus negócios. em pedra de talha, cobertas por uma espessa
Ora, por essa altura, o rei Nino, que reinava capa de chumbo, sobre a qual se colocava a
na Babilónia, empreendeu uma expedição con- terra vegetal. No interior dessas galerias, como
tra a Bactriana. Sabendo porém que se tratava pórticos dando para um terraço, construíram-
de uma conquista difícil, reuniu um exército -se apartamentos régios. Um sistema de má-
bastante poderoso. O primeiro recontro foi-lhe quinas hidráulicas bombeava a água do rio
adverso. No entanto, apesar da derrota inicial, para assegurar a rega do conjunto.
conseguiu ocupar o país dada a quantidade das Semíramis mandou também construir mui-
suas tropas e somente a cidade de Báctria, ca- tas cidades nas margens do Eufrates e do Tigre.
pital do país, lhe resistiu durante muito tempo. Em seguida, partiu comandando um conside-
Honetes, o marido de Semíramis, que fazia rável exército, em direcção a Media. De pas-
parte do exército e tinha saudades da mulher, sagem, mandou fazer um grande parque em
mandou-a ir. Semíramis fez algumas observa- frente do monte Bagistão, e depois um outro
ções sobre a forma como o cerco era condu- parque, junto de um rochedo de forma curiosa,
zido. Viu que os ataques eram dirigidos à pla- um pouco mais longe. Continuou o seu cami-
nície, mas que tanto os assaltantes como os nho, assinalando com trabalhos artísticos de
defensores negligenciavam a cidadela. Ela pró- toda a espécie, nomeadamente em Ecbatana,
pria comandou um grupo de soldados da mon- que muniu de fontes. Atribuíam-se aos seus
tanha e, escalando as falésias que ·defendiam trabalhos todos os montículos de terra, todas
a praça forte, surpreendeu as defesas inimigas as estradas antigas de que já não se conhecia
pela retaguarda. Os sitiados foram tomados de a origem. Percorreu assim toda a Ásia e de-
terror e renderam-se. Nino ficou cheio de ad- pois dirigiu-se ao Egipto para interrogar o
miração pela coragem e habilidade de Semíra- oráculo de Ámon. O oráculo, a quem ela per-
mis; e logo a sua grande beleza lhe inspirou o guntou quando morreria, respondeu-lhe que
desejo de a ter por mulher. Ofereceu a Hone- seria tirada ao número dos vivos quando o fi-
tes a hipótese de lhe dar em troca a própria fi- lho, Nínias, conspirasse contra a mãe. Então
lha, Sosana. Honetes recusou. Nino ameaçou ela conquistou a Etiópia e, cansada, regressou
mandar arrancar-lhe os olhos e Honetes, de- a casa, a Bactria, testemunho das suas primei-
sesperado, enforcou-se. Nino casou então com ras façanhas. Todavia, acalentou o desejo de
Semíramis sem qualquer dificuldade e deu-lhe conquistar a Índia. Durante muitos anos fez
um filho, Nínias. Quando morreu, sucedeu-lhe. extraordinários preparativos. Conseguiu pas-
A rainha começou por mandar erigir em sar o Indo, mas logo foi obrigada a retirar, fe-
honra de Nino um esplêndido mausoléu na pla- rida, e teve de fugir sem que o inimigo ousasse
nície do Eufrates, precisamente em Nínive. Em persegui-Ia para lá do rio. Pouco tempo depois,
seguida, decidiu fazer construir para si mesma Nínias conspirou contra ela, juntamente com
uma cidade na planície da Babilónia. A nova os eunucos do palácio. Semíramis, lembrada
cidade foi traçada de um lado e do outro do do oráculo de Ámon, entregou o império ao
rio. O perímetro das muralhas media sessenta jovem e desapareceu. Diz-se que se transfor-
e seis quilómetros e, sobre os muros, podiam mou em pomba e foi levada para o céu onde
passar de frente seis carros atrelados. As mu- foi divinizada.
ralhas tinham cerca de cem metros de altura,
mas alguns historiadores atribuíam-Ihes uma SEREIAS. V. Sirenes.

CL R. Mel. Radet., 1940, pp. 131-136.


DIISSAIID, lumg und Nachhall eines attorientaíishen Sage, Os-
R. «Konon über Serniramis», Ph. Woch .•
HOI LAND, terreich, Ak ad. d. Wisq. Phil. Hist , KI. 5B,
1924, pp. 496-498; W. EII E"S. Semiramis Entsteh- CCLXXIV, 2. Vienne, 1971.
SERESTO 416

* SERESTO. (Serestus.) Seresto é um dos costas da Itália meridional, nas proximidades


companheiros de Eneias, comandante de um do local onde, mais tarde, se construiria a ci-
navio troiano. Foi separado de Eneias durante dade de Síbaris. Setea persuadiu as companhei-
uma tempestade, mas volta a reunir-se-Ihe em ras a queimarem os navios para que nunca pu-
Cartago. Leva em segredo a frota, por ordem dessem alcançar a Grécia, onde receavam ficar
de Eneias, quando este quer abandonar Dido. submetidas às esposas legítimas dos seus ven-
Na ausência de Eneias, guarda o acampamento cedores. Assim o fizeram. Como punição, os
na desembocadura do Tibre, e combate a seu Gregos crucificaram Setea, no lugar que tomou
lado quando, mais tarde, é necessário defen- o nome de Séteon (v. Etila e Roma).
der o campo atacado por Turno. Contava-se a mesma lenda acerca de outras
duas troianas, filhas de Laomedonte, Astíoque
* SERGESTO. (Sergestus.) Troiano, com- e Medesicaste.
panheiro de Eneias e comandante de um na-
vio. Separado de Eneias durante a tempestade, SEVÉCORO. (LEU'ÍjXOpoç.) Sevécoro é um rei
reune-se-Ihe em Cartago. Durante as regatas lendário de Babilónia. Um oráculo predissera-
organizadas em honra de Anquises, comanda -lhe que seria despojado do trono por um fi-
o Centauro. Participa no ataque final contra lho da sua filha. Em consequência, mandou eIl-
Turno. carcerar esta numa torre. Mas isso não a
* SÉRVIO. (Seruius.) O rei Seruius Tu/lius impediu de conceber um filho. Os guardas da
é o sexto rei de Roma. A história do seu rei- torre, temendo pela própria vida, no caso de
nado é suficientemente impregnada de lendas o 'rei vir a descobrir a aventura, precipitaram
para poder figurar na mitologia. O seu nasci- a criança, ao nascer, do alto da torre. Uma
mento é misterioso. Contava-se que era filho águia recolheu a criança durante a queda, an-
do Lar da casa, que se unira a uma escrava na tes de ela atingir o solo, e levou-a para um jar-
residência de Tarquínio, o Antigo, sob a forma dim, cujo guarda a recolheu e criou, dando-
de um falo de cinza (v. Lares). Uma outra ver- -lhe o nome de Gilgamo. Este Gilgamo, o herói
são pretendia que fosse o filho póstumo de Sér- Gilgamés, reinou mais tarde em Babilónia.
vio Túlio, que reinava em Curniculum, quando
SÍBARIS. (Lú[laP1Ç.) 1. Síbaris é o um mons-
a cidade foi tomada por Tarquínio e pelos Ro- tro feminino da Fócida, também chamado Lã-
manos. A sua mãe ainda o transportava no
ventre quando o pai foi morto e foi em Roma, mia (v. Alcioneu). No local em que o mons-
onde era cativa de Tarquínio, que ela teria dado tro foi morto brotou do rochedo uma fonte,
à luz o filho. Um dia, quando o pequeno Sér- que tomou o nome de Síbaris. Foi este o nome
vio dormia, a sua cabeça foi rodeada de cha- que os colonos da Lócrida deram à cidade que
fundaram na Itália meridional.
mas. A rainha Tanaquil impediu que acordas-
2. Síbaris é, também, o nome de um troiano,
sem a criança e que apagassem o fogo. Quando companheiro de Eneias, que foi morto por
o pequeno acordou, a chama extinguiu-se por
si própria. Tanaquil interpretou o fenómeno Turno.
como um presságio de glória e desde esse mo- 3. O mesmo nome reaparece numa lenda frí-
mento tanto ela como o seu marido educaram gia, segundo a qual Síbaris era o pai de um jo-
com o maior cuidado o filho da sua escrava. vem chamado Alia, que se uniu a um monstro
Quando atingiu a idade adulta, Tarquínio num bosque sagrado da deusa Ártemis. Desta
casou-o com a própria filha e, ostensivamente, união nasceu a estirpe dos Ofiógenes, os «Fi-
designou-o como seu sucessor. Quando Tar- lhos da Serpente», que habitavam na região de
quínio foi assassinado pelos filhos de Anco, Pário, no Helesponto. Este povo curava as
Tanaquil tomou as disposições necessárias para mordeduras das serpentes com encantações.
que Sérvio pudesse assumir o poder sem difi- Contava-se, também, que o antepassado dos
culdades. Posteriormente, Sérvio faz ratificar Ofiógenes era uma serpente metamorfoseada
a sua subida ao poder por uma verdadeira elei- em homem.
ção popular. smILA. (Ll~ÚÀÀT}.) Sibila é, essencialmente,
SETEA. (LE1:a(a.) Segundo Licófron, Setea o nome de uma sacerdotisa encarregada de dar
é uma das cativas troianas, que, durante a via- a conhecer os oráculos de Apoio. Existe um
gem que as devia conduzir à Grécia, foram ati- grande número de lendas respeitantes à ou às
radas, com os navios dos seus amos, contra as Sibilas. Em certas tradições, a primeira Sibila

Seresto: VIRG., Aen., I, 611; IV, 288; V, 487; IX; Síbaris: 1) ANT. LID., Transf'., 8. V. Alcioneu.
171; 779; X, 541; XII, 549; 561; SERV., ad VIRG., 2) VIRG., Aen., XII, 363. 3) AEL., NA; cf'. STRAB.,
Aen., X, 54. XIII, 588.

Sergesto: VIRG., Aen., I, 510; IV, 288; V, 122; 155 Sibila: Fragm. Hist, gr., p. 598, 64; CLEM. AL.,
e S.; 282 e S.; XII, 561. Strom., 1,108; VAR., ad LACT., Div. lnst., I, 6; PAU·
SAN., X, 12, 1 e S.; SuJO., s. U.; HERMIAS, ad PLAT.,
Sérvio: uv., I, 39 e S.; VAR., LL, V, 61; ARNOD., Phdr., 244 b; Eus., Oro ad sanct., 18; PS.-ARIST., De
Adu. Gent., V, 18, p. 107 b; Dror-. HAL., IV, I e S.; Mirab., 1158; SERV., ad VIRG., Aen., 111,441 e S.;
V. G. DUMÉzIL, Servius e/Ia For/une, Paris, 1942. PETRON., SaI., 48; AMPELlUS, VIII, 16; DION. HAL.,
IV, 62; Ov., Me/., XIV, 130es.; cf', S. REINACH, in
Setea: Lvc., Alex., 1075; TZETZ., ad loe., e 921; Cultes, Myth, e/ Rei., pp. 311-321; W. HOFFMANN,
STEPH. Bvz., S.U. Wandel und Herkunft der Sibytt. Bucher in Rom,
diss., Leipzig, 1933; C. BONNER, in Mél. K. Lake,
Sevécoro: AEL., VH, XII, 21. London, 1937, pp. 1-8.
417 SICION

era uma jovem com esse nome, filha do troiano mero de nove. Ofereceu ao rei a possibilidade
Dárdano e de Neso, filha de Teucro. Possui- de lhos comprar, mas Tarquínio achou o preço
dora do dom da profecia, conquistara grande muito elevado. A cada recusa, a Sibila quei-
fama de adivinha e o nome de Sibila fora dado mava três. Tarquínio comprou as três últimas
a todas as profetisas em geral. e depositou-as no templo de Júpiter Capitolino.
Outra tradição dizia que a primeira em data Terminada a sua missão, a Sibila desapareceu.
de todas as Sibilas não era troiana, mas uma Durante a República e até ao tempo de Au-
filha de Zeus e de Lâmia (a filha de Posídon) gusto, os «livros sibilinos» exerceram grande
que os Líbios chamaram Sibila e proferia orá- influência na religião romana. Consultavam-
culos no seu templo. A segunda Sibila foi He- -se em caso de desgraça, prodígio ou aconte-
rófile (v. este nome). Era originária de Mar- cimento extraordinário. Encontravam-se então
pesso, na Tróade,e filha de uma ninfa e de pai prescrições religiosas: introdução de um novo
mortal. Viera ao mundo antes da Guerra de culto, sacrifício expiratório, etc., destinados a
Tróia e predissera que a Tróade seria assolada fazer face à situação imprevista. Magistrados
por culpa de uma mulher nascida em Esparta especiais estavam encarregados da conservação
(Helena). Em Delos, havia um hino que ela e consulta desses livros.
compusera em honra de Apoio e no qual se di- Na Eneida, Virgílio dá a Sibila de Cumas
zia a «mulher legítima» do deus e também a como guia de Eneias, na sua descida aos In-
sua «filha". Esta Sibila passou a maior parte fernos.
da sua vida em Samos, mas esteve também em Existia outra Sibila de menor fama, em Sa-
Claro, Delos e Delfos. Levava consigo uma pe- mos. Chamava-se Fito. Sobre a Sibila hebraica,
dra para a qual subia para profetizar. Morreu ver Sabe.
na Tróade mas a pedra encontrava-se em Del-
fos, onde era mostrada no tempo de Pausânias. SICANO. (l:LXQtVÓÇ.) Sicano é o epónimo da
A mais célebre das Sibilas helénicas é a de população siciliana dos Sicanos. Passava por
Éritras, na Líbia. Seu pai chamava-se Teodoro ser filho de Briareu e irmão de Etna. Teria tido
e a mãe era uma ninfa. Dizia-se que nascera três filhos: Ciclope, Antífates e Polifemo.
numa gruta do monte Córico. Mal nasceu, SÍCELO. (l:(XEÀÓÇ.) Sícelo é o rei epónimo
cresceu de repente e pôs-se a profetizar em dos Sícelos, a população que passou da Itália
verso. Ainda muito jovem, foi consagrada pe- para a Sicília, onde escorraçou os Sicanos para
los pais, contra sua vontade, ao tempo de as partes ocidentais da ilha. Segundo Dioniso
Apoio. Predissera que seria morta por uma fle- de Halicarnasso, Sícelo era originário de
cha do seu deus. Diz-se que viveu nove vidas Roma, de onde tinha sido expulso. Refugiou-
humanas, cada uma com cento e dez anos. -se junto do rei Morges (v. este nome), que su-
Uma tradição identificava esta Sibila de Éri- cedera ao rei ftalo. Sícelo recebeu de Morges
tras com a Sibila de Cumas, na Campânia, que uma parte do seu reino, tendo, então, os ha-
desempenhou um importante papel nas lendas bitantes recebido o nome de Sículos. Este Sí-
romanas. Esta Sibila itálica chamava-se Amal- ceio é, por vezes, considerado como um filho
teia ou Demófile ou então Erófile. Proferia de Ítalo, ou, ainda, de Posídon.
oráculos numa gruta. Apoio concedera-lhe que
vivesse tantos anos quantos os grãos de areia SICEU. (l:uXEÚÇ.) Segundo uma tradição lo-
que sua mão pudesse conter, mas com a con- cal e provavelmente tardia, Siceu é um dos Ti-
dição de que não mais voltasse a Éritras. Por tãs que salvaram a mãe, Geia, perseguida por
essa razão, instalara-se em Cumas. Mas, tendo Zeus, fazendo brotar uma figueira, onde se
os Eritreus mandado, por descuido, uma carta abrigou (acreditava-se, com efeito, que a fi-
cujo selo era em terra do seu país, morreu. gueira desviava os raios).
Contava-se também que, tendo pedido uma
longa vida a Apoio, que a amava e prometera SICINO. (l:(XLWOÇ.) Sicino é o nome de um
satisfazer-lhe o primeiro desejo que formulasse, cretense, ou de um bárbaro, que teria inven-
se esquecera de pedir também a juventude. tado a dança própria dos Sátiros, chamada Si-
cinis. Esta invenção era também por vezes atri-
O deus ofereceu-lha em troca da sua virgin-
buída a uma ninfa frigia chamada Sicinis, do
dade, mas ela recusou. Assim, à medida que séquito de Cíbele.
envelhecia, tornava-se cada vez mais pequena
e ressequida, de tal modo que, por fim, pare- SíCION. (l:LXUWV.) Sícion é o segundo fun-
cia uma cigarra e penduraram-na numa gaiola, dador e epónimo da cidade de Sícion, no Pe-
como um pássaro, no templo de Apoio em Cu- loponeso. Esta cidade fora fundada por Egia-
mas. As crianças perguntavam-lhe: «Sibila, que leu, um rei «autóctone», cujos descendentes se
queres tu?» E ela respondia, cansada de viver: mantiveram no poder em linha directa até La-
«Quero morrer ,» medonte (v. quadro 24, p. 265). Existiam vá-
Dizia-se que a Sibila de Cumas fora para rias tradições a respeito da genealogia de Sí-
Roma no reinado de Tarquínio, o Soberbo, dono Tanto era considerado como filho de
para aí levando recolhas de oráculos, em nú- Máraton e irmão de Corinto (v. Máraton)

Sicano: SOLlN., V, 7; lsio., Or., t4, 6, 32; STEPH. Síceu: ATHEN., Ill, 78 b; STEPH. Bvz., S.U.; EUST.,
Bvz., S.U.; esc. ad THEOCR., 1,65. ad HOIII., XXIV, p. 1964.
Sidno: DION. HAL., VII, 72; ATHEN., XIV, 630 b; cf.
Sícelo: DION. HAJ.., í, 22; ISID., Or.• XIV, 6, 32; EUST., ad Hom., 1078, 22.
SOIIN., V, 7, p. 49; SERV., ad VIRG., Aen., vm, 328;
V. J. BERARIJ, Colonisatíon, p. 467. Sícion: PAUSAN., Il, I, 1; 6, 5 e 6; cf. 7, 1; VII, I, 1.
SI DE 418

como, na maior parte dos casos, era conside- de Úrano mutilado por Crono (v. Úrano). Este
rado como filho de Métion e neto de Erecteu, Sileno tinha uma grande sabedoria, que não
rei de Atenas. É, nesse caso, irmão de Dédalo. consentia revelar aos homens a não ser à força.
O rei Laomedonte aliou-se a ele contra os seus Assim, uma vez, foi capturado pelo rei Midas
inimigos argivos, Arcandro e Arquíteles. Deu- (v. este nome) a quem deu sábios conselhos.
-lhe em casamento a sua filha Zeuxipe, de Do mesmo modo, na VI Éeloga, Virgílio ima-
quem Sícion teve uma filha: Ctonofíle. gina que uns pastores obrigam Sileno a cantar.
SIDE. (:E(01).) Side, que é em grego o nome Atribuía-se a Sileno a paternidade do Cen-
tauro Falo, que teria tido de uma ninfa dos
da granada, é também o de várias heroínas: freixos. Outras lendas diziam-no ainda pai de
1. A mulher de Belo e, por consequência, a Apoio Nómio, o Apoio pastor da Arcádia.
mãe de Egipto e de Dánao, segundo uma tra- Sileno era muito feio, o nariz adunco, os lá-
dição (normalmente, a mulher de Belo é deno- bios grossos, o olhar taurino. Tinha um ven-
minada Arquínoe; v. quadro 3, p. 66); esta tre enorme e representavam-no habitualmente
Side teria dado o seu nome à cidade de Sídon, montado num burro, no dorso do qual, mui-
na Fenícia. tas vezes, se aguentava com grande dificuldade,
2. Também é o nome de uma das filhas de de tal modo estava embriagado.
Dánao, epónima da pequena cidade de Side,
ao norte do cabo Maleia. SILEU. (:EuÀ.úç.) Sileu é uma personagem do
3. Uma outra Side é uma heroína asiática, ciclo de Héracles. Durante o cativeiro de Hé-
filha do herói Tauro, mulher de Cimolo, epó- racles na corte de Ônfale, o herói empreendeu
nima da cidade panfílica de Side. diversos trabalhos, entre os quais o castigo de
4. Segundo uma lenda referida por Apolo- Sileu, um vinhateiro que detinha os viajantes
doro, Oríon desposou uma mulher de nome e os obrigava a trabalhar na sua vinha antes
Side, que foi precipitada nos Infernos por de os matar. Héraeles entrou ao seu serviço e,
Hera, porque ousara rivalizar em beleza com no lugar de cuidar da vinha, arrancou-a e pra-
a deusa. ticou toda a espécie de excessos. Em seguida,
5. Conhece-se, por fim, uma últimaSide matou Sileu com uma pancada de enxada. Se-
que, para fugir à perseguição do seu pai, se sui- gundo uma tradição, Sileu tinha um irmão cha-
cidou sobre o túmulo da própria mãe. Os deu- mado Diceu (<<oJusto»), cujo carácter corres-
ses fizeram nascer uma romanzeira do seu san- pondia ao nome e contrastava com o do seu
gue. O seu pai foi transformado em milhafre, irmão. Eram ambos filhos de Posídon e viviam
pássaro que, segundo se diz, nunca pousa na Tessália, no maciço do monte Pélion. De-
numa romãzeira. . pois de ter morto Sileu, Héraeles recebeu a hos-
SIDERO. (:E,01)pw.) Sidero é a segunda mu- pitalidade de Diceu e conheceu a filha de Si-
lher de Salmoneu e madrasta de Tiro. Era uma leu, que estava a ser educada em casa do tio.
mulher dura e irascível, que maltratou bastante Héraeles apaixonou-se por ela e tomou-a como
a enteada. Mais tarde, foi morta por Pélias, esposa; ausentou-se, porém, durante algum
um dos dois filhos de Tiro, no santuário de tempo e a jovem, não podento suportar a au-
Hera. sência do amado, morreu. Quando voltou,
como prometera, Héraeles, desesperado, quis
SILACEU. (:ExuA"'X.ÚÇ.) Silaceu é um lício; lançar-se na pira fúnebre da esposa. Foi com
companheiro de Glauco, que juntamente com grande dificuldade que o impediram de o fazer.
ele combateu ao lado dos Troianos durante a Quanto à região onde habitava Sileu, umas
Guerra de Tróia. Foi morto por Ájax, «o La- vezes diz-se que é a Lídia; outras, a região de
cro». Foi o único lício que regressou à pátria. Âulis, ou a das Termópilas ou, ainda, a do Pé-
Quando chegou, todas as mulheres lhe pedi- lion, na Tessália (v. Héracles).
ram notícias dos respectivos maridos. Silaceu Existia uma tradição segundo a qual Héra-
teve de confessar que todos haviam perecido. eles fora vendido como escravo a Sileu, e não
Encolerizadas, as mulheres lapidaram-no perto a Ônfale, para pagar o preço do sangue de Ífito
do santuário de Belerofonte. Mais tarde, por (v. Héracles).
ordem de Apoio, prestaram-se honras divinas
a Silaceu. SILO. (:E(ÀÀoç.) Silo é um neto de Nestor,
SILENO. (:E'À1)vóç.) Sileno é um nome ge- pelo lado de seu pai, Trasimedes. Teve um fi-
nérico dos sátiras envelhecidos, mas é também lho, Alcméon. Quando os Heraclidas invadi-
o nome de uma personagem que se dizia ter ram o Peloponeso, fugiu para a Atica, onde
criado Dioniso. As tradições sobre a sua ge- o filho fundou a nobre família ateniense dos
nealogia variam muito. Era considerado filho Alcmeónidas. Deve distinguir-se este AIcméon
de Pã, ou de Hermes, e de uma ninfa, ou en- de outro Alcméon, mais célebre, filho de An-
tão dizia-se que nascera das gotas do sangue fiarau.

Side: 1) Fragm. Hisl. gr., IV, 544. 2) PAUSAN., m, Sileno: ApOLLOD., Bibl., Il, 5, 4; HEROD., VIII,
22, 11. 3) STEPH. Bvz., , s.u. 4) ApOLLOD., Bibl., I, 138; VIRG., Ec/. VI; e SERV., ad loe., V, 13; CLEM.
4, 3. 5) Poet, Bue. et Didact, (Didot), p. 109. AL., Protr., 24, v. Midas.
Sileu: APoLWD .. Bibl., lI, 6,. 3; DIOD. SIC., IV, 31;
Sidero: ApOLLOD., Bibl., I, 9, 8; cf. TZETZ., ad
Lyc., 175, DIOD. SIC., IV, 68; EUST., ad Hom., 158, PHIWN, Quod omnis probus /ibersit, 101; TZETZ., Chil.,
lI, 429 e S.; CoNON, Narr., 17; EUR., drama satírico per-
24; 1940, ?7.
dido, V. NAUCK, Trag. Gr. Fragm., 2~ ed., p. 575.
Silaceu: QUINT. SM., x, 147 e s. Silo: PAUSAN., lI, 18, 8.
419 SíNON

* SILV ANO. (Siluanus.) Silvano é uma di- SIME. CEóf1.7J.) Filha de Iáliso (v. este nome)
vindade romana que preside aos bosques (si- e de Cótis, Sime foi raptada por Glauco, o fi-
luae). Distingue-se bastante mal de Fauno e, lho de Antédon e de Alcíone. Quando Glauco
no panteão romano helenizado, identificou-se se apoderou da ilha de Sime (hoje denominada
rapidamente com Pão Representavam-no com Simi), situada entre Rodes e a quase ilha de
os traços de um velho, mas, na realidade, era Cnido, deu-lhe o nome da esposa. Outrora, a
dotado de toda a força de um homem novo. ilha denominou-se, sucessivamente, Metaponto
O seu culto está ligado ao de Hércules e tam- e Egle. Sime teve um filho de Posídon, deno-
bém ao dos Lares domésticos. Sendo simples- minado Ctónio.
mente um numen, Silvano não possui mitos SIMOENTE. CE1f1.Ó"Ç.) O Simoente é um rio
bem caracterizados. Vivia geralmente em bos- da planície troiana. Como todos os rios, He-
ques sagrados, perto das cidades ou em pleno síodo refere-se-Ihe como filho de Oceano e Té-
campo. tis. Intervém na Iliada, onde o deus-rio Esca-
Atribui-se-Ihe um prodígio ocorrido mandro o chama em sua ajuda para rechaçar
aquando da expulsão dos Tarquínios. Os exér- Aquiles e suster o massacre dos Troianos (v.
citos etrusco e romano tinham acabado de se Aquiles e Escamandro).
defrontar numa batalha e o massacre fora tão O Simoente teve duas filhas: Astíoque e Hie-
grande de ambos o lados que o resultado não romneme. A primeira é a mulher de Erictónio
se apresentava definido. À noite, ouviu-se uma e mãe de Trós; a segunda é a mulher de Assá-
voz divina proclamar que os Romanos eram raco e mãe de Cápis (v. quadro 7. p. 112).
os vencedores, pois haviam perdido menos ho-
mens que os adversários. Os Etruscos, desen- SÍNIS. (E(V1Ç.) Sínis é um dos malfeitores
corajados, bateram em retirada e abandona- mortos por Teseu ao largo do istmo de Co-
ram o acampamento aos Romanos. Feita a rinto, quando ia para Atenas (v. Teseu). Pas-
contagem dos mortos, verificou-se que a voz sava por filho de Posídon e era um gigante do-
misteriosa - a de Silvano - tinha dito a ver- tado de uma força prodigiosa. Tinha o epíteto
dade (v. uma lenda análogas. U. Aio Locúcio). de o Dobrador de Pinheiros, porque costu-
mava dobrar pinheiros entre os quais amarrava
* SÍLVIO. (Siluius.) Sílvio, cujo nome lem- um homem: em seguida, largava as árvores
bra o do bosque (em latim silua), é filho de que, endireitando-se violentamente, rasgavam
Eneias e Lavínia e meio-irmão de Ascânio. So- o desgraçado. Em outra tradição, forçava os
bre as circunstãncias do seu nascimento, ver viajantes que conseguia capturar a dobrarem
Lavínia. Este Sílvio deu o seu nome a todos com ele um pinheiro; depois, largava a árvore
os reis que reinaram em Alba. Primeiramente, que erguia brutalmente o homem e o-projec-
Ascânio cedera-lhe o lugar em Lavínio e, para tava para longe, despedaçando-se contra o
não deixar qualquer dúvida, partira para fun- solo.
dar Alba. Quando morreu, após trinta e oito Por vezes, afirmava-se que Teseu não casti-
anos de reinado, Ascânio deixou o poder so- gara este malfeitor quando fora para Atenas,
bre Alba a Sílvio e este reinou durante vinte mas muito tempo depois, quando subiu ao
e nove anos, cedendo o reino, quando morreu, trono de Atenas. E teria sido em honra de Sí-
a seu filho, chamado Eneias como seu avô. nis que fundara os Jogos Ístmicos, considera-
Os reis da sua dinastia, que reinaram, de pai dos os jogos fúnebres de Sínis (v. uma versão
para filho, depois deste segundo Eneias, são análoga respeitante a Círon).
os seguintes: Latino, Alba, Cápeto, Cápis, Cál- Sínis tinha uma filha, Perigune. Enquanto
peto, Tiberino, Agripa, Alades, Aventino, Pro- Teseu lhe matava o pai, escondera-se numa
cas, Amulio eNumitor, em cujo reinado se plantação de espargos. Em seguida, uniu-se ao
fundou Roma. herói e deu-lhe um filho, Melanipo (v. este
Outras tradições, em vez de fazerem de Síl- nome). Por sua vez, Melanipo teve um filho,
vio o filho póstumo de Eneias e Lavínia, Ioxo, cujos descendentes tinham uma devoção
diziam-no filho de Ascânio, que era, neste especial pelos espargos, porque a sua antepas-
caso, o filho de Eneias e Lavínia. Finalmente, sada devera a vida a essa planta.
consideravam-no por vezes filho de Eneias e SÍNON. (Eívwv.) Sínon é o espião que os
Sílvia, a mulher de Latino, com quem Eneias Gregos deixaram em Tróia quando, com toda
se casara depois da morte dele. a armada, fingiram partir e levantar o cerco.

Silvano: CATO, De agr. Cult., 83; VIRO., Ecl., Símoente: 11.,V, 777; XVI, 19 e S.; XXI, 305 e S.;
11, 24 e S.; Georg., I, 20; Aen., VIII, 597 e S.; HES., Theog.; 342 e S.; VIRO., Aen., 1, 100 e S.;
OV., Met., XIV, 639 e S.; PLUT., Publ., 9; LIV., ApOLLOO., Bibl., I1I, 132; TZETZ., ad Lyc., 29.
11, 7. Sínis: PLUT., Thes., 8, 2; cf. 25, 4; BACCH., XVII,
19 e S.; 0100. SIC., IV, 59; ApOLLOO., Bibl., I1I, 16,
Sílvio: DION. HAL., I, 70; VIRO., Aen., VI, 760 e
2; PAUSAN., 11, 1,4; Ov., Met., VII, 440 e s.; PS.-
S., e SERV., ad loc.; OV., Fast., IV, 41; Met., XIV,
-Ov., Ibis, 403 e S.; Hvc., Fab., 38; Chron. Paros,
610; De orig, gent. rom., XVI, 17,4 e S.; A. GELL.,
35 e S.; escól. ad PINO., Isth., arg., p. 514 (Boeckh).
N. A., 11, 16,3; LIV., I, 3, 6 e s.: DION. CASS., fr ,
3, 7 e S. Sínon: ApOLLOO., Ep., V, 15; 19; TZETZ., Posth.,
720 e S.; ARIST., Poet., 23; 1459 b, 7; PLAUT., Bac.,
Sime: ATHEN., VII, 297 b e S.; EUST., ad 11., 937 e S.; VIRO., Aen., 11, 57 e S.; SERV., ad v. 79;
pp. 518 e S. 671; STEPH. Bvz., S.U.; 0100. SIC., Hvc., Fab., 108; QUINT. SM., XII, 243 e S.; Lvc.,
V, 53. Alex., 344 e escól, ad loc.
SINOPE 420

Sínon devia avísá-los do momento em que os Quando anoitece, Sínon abre os fiancos do ca-
Troianos tivessem introduzido o cavalo de ma- valo permitindo aos guerreiros que aí estão es-
deira na cidade. condidos saírem e massacrarem os Troianos
A genealogia de Sínon aparenta-o com adormecidos ou indefesos. Simultaneamente,
Ulisses. É filho de Ésimo, irmão de Anticleia, dá sinal aos barcos gregos, acendendo uma luz
mãe de Ulisses. Assim, Ulisses e Sínon são pri- no ponto mais alto da cidade.
mos direitos. Têm como avô comum o velhaco Havia variantes desta lenda que têm origem
Autólico (quadro 39, p. 460). A artimanha de nos embelezamentos literários feitos por auto-
Sínon é contada pormenorizadamente por Vir- res vários. Assim, Quinto de Esmirna conta
gílio no Livro II da Eneida. Desistindo de to- que Sínon, levado diante de Príamo, se recu-
mar Tróia pela força, os Gregos pensaram em sou durante muito tempo a falar e só revelou
construir um enorme cavalo de madeira, sufi- o seu pretenso segredo quando lhe cortaram
cientemente grande para conter um número o nariz e as orelhas. Em vez do consumado
considerável de heróis armados. Havía que per- traidor que Virgílio apresenta, Sínon transfor-
suadir os Troianos a introduzir este cavalo na ma-se assim no protótipo do herói mártir para
cidade. Para o conseguir, a armada levantou servir a pátria.
âncora e foi esconder-se secretamente por de-
trás da ilha de Ténedo. Entretanto, Sínon ficou SINOPE. O::~~W1tTj.) Sinope é a heroína epó-
em terra e não tardou a ser feito prisioneiro nima da cidade de Sinope, na costa asiática do
por pastores troianos. Amarrado, levam-no ao Ponto Euxino. É uma das filhas do deus-rio
rei Príamo. A multidão é-lhe hostil e reclama Asopo. Foi raptada por Apoio, que a levou
a sua morte. No entanto, Príamo interroga-o para a Ásia Menor, onde lhe deu um filho, cha-
e Sínon conta-lhe que é alvo da perseguição de mado Siro, epónimo dos Sírios. Outra tradi-
Ulisses e fugiu para não ser oferecido aos deu- ção dava-a como filha de Ares e Egina.
ses como vítima. Diz-se parente de Palamedes, Contava-se também uma curiosa lenda
privado de apoio desde que o ódio de Ulisses acerca de Sinope: Zeus apaixonara-se por ela
o fez condenar à morte (v. Pa/amedes) e des- e prometera conceder-lhe o que ela pedisse.
tinado a sofrer o mesmo destino. Conivente A jovem pediu-lhe que lhe respeitasse a virgin-
com Ulisses, Calcas declarou que os deuses, ir- dade. Zeus, preso pelo seu juramento,
ritados contra os Gregos, exigiam uma vítima respeitou-a e deu-lhe como residência a região
humana e designou Sínon. O sacrifício estava de Sinope. Mais tarde, enganou do mesmo
prestes a ser consumado quando Sínon conse- modo Apoio e o deus-rio Hális. E não permi-
guiu escapar-se e, escondendo-se num pântano, tiu que nenhum mortal conseguisse o que os
esperou que a armada zarpasse. Foi assim que, deuses não haviam podido obter.
acrescentou, caiu nas mãos dos Troianos. Es- SIPRETES. (LL1tpOt'tTjç.) Sipretes era ~m cre-
tes perguntaram-lhe então por que razão os
tense que, durante uma caçada, viu Artemis
Gregos, antes de embarcar, tinham deixado em
banhando-se numa fonte, completamente nua.
terra um cavalo de madeira tão grande. Sínon
A deusa transformou-o em mulher.
respondeu-lhes que se tratava de uma oferenda
a Palas Atena, como expiação do sacrilégio co- SIQUEU. (LUrxotrOt; ou LUXotrOt;.) Na tradi-
metido por Ulisses quando roubou o Paládio ção mais antiga, o marido da rainha Dido tem
da cidadela de Tróia (v. Paládioi. Diversos pro- o nome de Sicarbas (v. Dido), mas, a partir da
dígios haviam aterrorizado os Gregos e Calcas Eneida, o nome de Sicarbas é substituído pelo
revelou-lhes que a deusa exigia, como repara- de Siqueu. Siqueu é um príncipe fenício, con-
ção, que lhe prestassem culto sob a forma de denado à morte por Pigmalião, irmão de Dido
um cavalo destinado a substituir a estátua rou- e rei de Tiro, que desejava apoderar-se dos seus
bada. Ora, em vez de construírem um cavalo tesouros. O crime teve lugar, segundo a tradi-
de dimensões vulgares, os Gregos imaginaram ção, durante uma caçada ou durante um sa-
fazer um tão grande que os Troianos não o pu- crifício. Pigmalião deixou o cadáver insepultó
dessem introduzir na cidade sem serem obri- e, durante algum tempo, Dido não teve conhe-
gados a destruir uma parte das muralhas. cimento do que acontecera. Mas Siqueu apa-
E faziam-no porque a vontade dos deuses, in- receu em sonhos à mulher e revelou-lhe a in-
terpretada por Calcas, assegurava aos Troia- triga, aconselhando-a a fugir. Para isso,
nos a supremacia sobre a Grécia se eles pres- revelou-lhe o local onde enterrara uma parte
tassem culto a esse cavalo, na sua cidade. Estas do ouro. Sobre a fuga de Dido, v. este nome.
falsas revelações de Sínon decidem os Troia- Em Cartago, Dido consagrara um altar a Si-
nos. Pouco depois, o presságio que interpre- queu no interior do palácio e respeitava fiel-
tam na morte de Laocoonte (v. este nome) con- mente a sua memória. Apenas Eneias, graças
firma a decisão. Libertam Sínon das amarras à vontade de Vénus, conseguiu obter os seus
e abrem uma brecha nas muralhas por onde o favores. Foi com remorsos da infidelidade à
cavalo é arrastado para dentro da cidade. memória de Siqueu que Dido se suicidou, após

Sinope: Dloo. SIC., IV, 72; Arot.. RH., Arg., 11, Siqueu: VIRO., Aen., I, 343 e S.; [V, 457 e S.; V[,
940, e escól. ad loc. 474 e S.; OV., Her., VII, 97; SIL. [TAL., [,8[; VIII,
123; ApPIAN., Punica, 1; MALAL., Chronogr., VI,
68; Eusr., ad DION. PERIEG., e esc., Georg. gr. min.,
Sipreles: ANT. LID., Transf., 17. ed. Müller, li, pp. 193 e 195.
421 SiRIS

a partida de Eneias. Nos Infernos, reencontrou companheiras de Perséfone. Porém, quando


o marido. esta foi raptada por Plutão, pediram aos deu-
Uma outra tradição, independente da ses que lhes dessem asas para poderem procu-
Eneida, faz de Siqueu, não o marido de Dido, rar a sua companheira, tanto no mar como na
mas o da irmã, Ana. terra. Outros autores afirmavam, pelo contrá-
rio, que esta transformação era um castigo que
SIRENES. CEupijvtç.) As Sirenes são génios Deméter lhes infligira por elas não se terem
marinhos, metade mulheres, metade pássaros.
oposto ao rapto de sua filha. Ou então dizia-
Umas vezes passam por filhas da Musa MeI- -se que Afrodíte lhes tirara a beleza porque des-
pómene e do deus-rio Aqueloo, outras por fi-
prezavam os prazeres do amor. Finalmente
lhas de Aqueloo e Estérope, a filha de Portáon
contava-se que, depois da metamorfose, !,r~-
e Êurite (v. quadro 29, p, 298). Atribuíam-se-
tenderam rivalizar com as Musas e estas, irn-
olhes também como pais Aqueloo e a Musa
tadas, depenaram-nas e coroaram-se com os
Terpsícore, ou então o deus marinho Fórcis.
Libânio conta que nasceram do sangue de desp~~. . ..
Tradicionalmente, a ilha das Sereias situa-
. Aqueloo quando Héracl~ o-feriu (v. Aq~elo?).
-se frente à costa da Itália meridional, sem
As Sirenes são- mencionadas pela pnmeira
dúvida ao largo da península de Sorrento (v.
vez na Odisseia, onde são duas. Tradições pos-
também a lenda de Parténope, epónimo de Ná-
teriores referem quatro: Teles, Redne, Molpe poles, cujo nome mais antig~ é Parténope),
e Telxíope, ou ainda três: Pisínoe, Agláope, Nas especulações escatológicas postenores
Telxíope - também chamadas Parténóp~, à epopeia, as Sereiras foram consideradas
Leucósia e Lígia. Os mitógrafos sabem tradí- como divindades do Além, que cantavam para
cionalmente que são músicas notáveis e conhe- os Bem-Aventurados nas Ilhas Afortunadas.
cem mesmo a parte que lhes cabe no terceto Acabaram por representar as harmonias celes-
ou no quarteto. Segundo Apolodoro, uma to- tes e é a este título que são frequentemente re-
cava lira, outra cantava e a terceira tocava presentadas nos sarcófagos.
flauta.
Na lenda mais antiga, as Sirenes viviam SIRINGE. (l:úp'yç.) Siringe é uma Hama-
numa ilha do Mediterrâneo e, com a sua mú- dríade arcádia, que foi amada por Pão O deus
sica, atraíam os marinheiros que passavam nas
perseguiu-a e, no momento em que a ia alcan-
redondezas. Os barcos aproximavam-se peri-
çar, nas margens do rio Ládon, ela transfor-
gosamente da costa rochosa da ilha, despeda- mou-se numa corça. Como o vento, com o seu
çavam-se e as Sirenes devoravam os impruden-
sopro, fizesse gemer o canavial, Pã teve a ~d7ia
tes. Conta-se que os Argonautas passaram de unir com cera canas de tamanho vano.
perto das Sirenes, mas Orfeu cantou tão me- Construiu, assim, um instrumento musical a
lodiosamente enquanto o navio Argo esteve ao que deu o nome de siringe, em recordação da
alcance da sua música que os heróis não senti- ninfa.
ram qualquer tentação de abordar a ilha - ex- Contava-se também que, próximo de Éfeso,
cepto Butes que se atirou ao mar para ir ao seu se encontrava uma gruta na qual Pã tinha d7-
encontro mas foi salvo por Afrodite (v. Butes positado a primeira siringe. Esta .gruta servia
e Érix). Quando por lá passou, Ulisses, pru- para pôr à prova as jovens que afirmavam ser
dente e curioso ao mesmo tempo, ordenou a virgens. Eram encerradas na gruta e, se eram
todos os marinheiros que tapassem os ouvidos de facto puras, ouvia-se sair da gruta os s~ns
com cera e o amarrassem ao mastro, proibindo melodiosos de uma siringe. Logo a seguir a
aos seus homens que o soltassem quaisquer que
porta abria-se sozinha e a jovem ~e~pareci~ co-
fossem os pedidos que ele lhes fizesse. Proce- roada com pinheiro. Caso contrano, ouviam-
dia assim a conselho de Circe que lhe revelara -se gritos fúnebres no ~nterior e quando, ao fim
o perigo que corria. Mal começou a ouvir a voz de alguns dias, se abna a gruta, a Jovem desa-
das Sereias, Ulisses sentiu um desejo incontr~- parecera.
lável de ir ao seu encontro mas os companhei-
ros impediram-no. Diz-se que as Sereias, por SÍRINX. V. Siringe.
não terem sido bem sucedidas, se atiraram ao
mar e pereceram. SÍRIS. (l:rp,ç.) Síris é o epónimo da cidade
Desde a Antiguidade, os mitógrafos especu- do mesmo nome no golfo de Tarento. Tão de-
laram sobre a origem e a dupla forma das Se- pressa se diz ser filha do velho rei itálico Mor-
reias. Ovídio diz que nem sempre haviam tido ges (v. este nome), como primeira m~lher do
asas. Em tempos idos, eram jovens vulgares, rei Metaponto (e, neste caso, considera-se

Sirenes: Od .• XII. I. 200; escól. ad 39; Eusr., ad CH. PICARD. Néreides et Sirénes ...• A. E. H. E. C.,
Hom .• p, 1709; escól ad Lic., 653; PAUSAN .• IX. 34. 1938. pp. 125-153.
3; X, 5. 12; 6. 5; TZETz .• ad Lyc .• 712; HVG., Fab .•
125' ApOlLOD .• Bibl .• 1. 3. 4; 7.10; 9. 25; Ep .• VII, Slringe: Ov.• Mel .• I. 689 e S.; THEOCR .• poema fi-
18; ·SOPH .• trago perdida (fragm .• ed. Pearson, 2.' gurado «a Siringe»; WESTERMANN. MYlhogr .• p. 347.
ed .• 111, p. 66. fragm. 861); PlAT.. Rep., 617 b; cf. 89 e S.; SERV.• ad VIRG .• Ec/ .• 11. 31; X. 26; Acmu..
CrI .• 403 e; Ov., Mel .• V. 512-562; Lra.• Narr .• I. 31; TAT .• VIII, 6.
PlUT .• Conv.; IX. 14.6; Apol. RH .• Arg .• IV. 895; Siris: STRAS .• VI, 264; ATHEN., XII. 523; escól. ad
cf. V. BERARD. Navigations d'Ulysse, IV pp. 197 e DION. PER .• 461; Etym. Magn .• 714. 12; cf. DIOD.
S.; F. CUMONT. Syrnbolisme funéraire, pp. 325 e S.; SIC.. IV, 67; J. BERARD, Cotonisation, pp. 344 e S.
SIRNA 422

como uma das Nereides) (v. Metaponto). Me-


taponto t?-la-á repudiado para casar com Arne,
filha de Eolo, e esta fez com que seus dois fi-
~ lhos, Beoto e Eolo lI, a matassem.
'"
2_'", ·U
SIRNA. (!:úpv<x.) Sirna é a epónima da ci-
dade de Sirna e filha do rei da Cária, Dameto .
.~ ~ Caíra de um telhado e encontrava-se em perigo
li de morte quando surgiu Podalírio (v. este
nome), que lhe sangrou os braços e a curou.
Como recompensa, Dameto casou Sirna com
"o o seu salvador.
~o SIRO. (!:úpo<;.) Siro é o epónimo dos Sírios,
e, ~ mas os dados da sua lenda são obscuros e con-
l- ·E-·~ traditórios. Segundo uns, é filho de Sínope, a
.~ o ~ filha de Asopo, e de Apoio (v. Sínope); se-
gundo outros, Siro figura entre os filhos de
o "
u
00
Agenor e de Telefaassa, sendo, portanto, ir-
e .~
••x li
mão de Cadmo, Fénix e Cílix. Era-lhe atribuída
a invenção da aritmética e a introdução da dou-
trina da metempsicose.

SÍSIFO. (!:íau'I'Oç.) Sísifo é o mais astuto


dos mortais e também o menos escrupuloso.
Era filho de Éolo (v. quadro 8, p. 116) e per-
tence à raça de Deucalião. Fundador de Co-
rinto, que então se chamava Efira, é por ve-
zes considerado também como sucessor de
Corinto nessa cidade (v. Corinto) e seu vin-
gador, ou ainda como sucessor de Medeia de
quem recebeu o poder quando ela teve de
abandonar precipitadamente a cidade (v. Me-
deia). A lenda de Sísifo abrange vários episó-
ci. dios, cada um dos quais é a história de uma
oô astúcia.
2 Autólico roubara-lhe os rebanhos. Sísifo
"O foi recuperá-l os e fez valer os seus títulos ao
'"'"
C' mostrar o seu nome que, por precaução, gra-
vara no casco de todos os animais. Esse dia
...,e
.o era precisamente a véspera do casamento de
e Anticleia, filha de Autólico, com Laertes.
~
~
u
u
0-
Durante a noite, Sísifo arranjou maneira de
~ 2 se tornar amante da jovem, que dele conce-
·U
beu um filho, Ulisses. Segundo certos mitó-
~ ~
u
grafos, Autólico deu espontaneamente a fi-
~'"" l lha a Sísifo, pois desejava ter um neto tão
astuto como ele.
o
l-~ u

'"
Quando Zeus raptou Egina, filha do Asopo,
o V5 ao levá-Ia de Fliunte para Enone, passou por
Õ'" c
u

Jl §'
... 2--'5t Corinto e Sísifo viu-o. Assim, quando Asopo,
procurando a filha por toda a parte, se apre-
ci. sentou junto dele, prometeu revelar-lhe o nome
~
..., "
III
do raptor se Asopo fizesse brotar uma nascente
na cidadela de Corinto. Asopo concordou e Sí-
2
"O sifo disse-lhe que o culpado era Zeus. Foi esse
'"'"
C'
facto que atraiu sobre ele a cólera do senhor
e
·U
.o
e
s
Sirna: STEPH. Bvz., s.u.
Siro: 1) Escól. ad Azoi.. RH., Arg., 11,946; 0100.
SIC., IV, 72. 2) EUST., ad DION. PER., 899.

S/sifo: 11., VI, 152; escól. ad 1,180; VI, 153; Od.,


XI, 593-600; ApOLLOD., Bibl., 7, 3; 9, 3; I1I, 4, 3; 10,
I; 12,6; PAUSAN., 11, 1,3; 3,11; 5, I; IX, 34, 7; cf.
X, 30, 5; PIND., O/ymp., XIII, 72; escól. ad Arot.
R H., Arg., I1I, 1240; TZETZ., ad Lyc., 107; 176; 229;
284; 344; AESCH., SOPH., EUR., trago ou drama satí-
rico Sisifo; cf. Trag, Gr. Fragm, (NAUCK), 2.' ed.,
423 SOLUNTE

dos deuses. Uma versão diz que Zeus o fulmi- SÍTON. (LL9wV.) Síton é um rei da Trácia,
nou de imediato e o precipitou nos Infernos, epónino da península de Sitónia, a mais cen-
onde lhe impôs como castigo que fizesse rolar. tral das penínsulas do Quersoneso da Trácia.
eternamente um enorme rochedo na subida de Diz-se que é filho de Ares, ou então de Posí-
uma vertente. Maio rochedo atingia o cimo, don e Ossa (a «ninfa» epónima da montanha
voltava a cair mercê do seu próprio peso e o vizinha). Casou com Anquínoe (ou Anquír-
trabalho tinha de recomeçar. Este castigo, já roe), filha de Nilo, e dela teve duas filhas, Re-
referido na Odisseia, dizia-se, porém, que ti- teia e Palene. Quanto à lenda de Palene, v. este
nha outra: explicação. Com efeito, Zeus, irri- nome. Uma variante referida por Nono dizia
tado pela denúncia de Sísifo, enviara-lhe o gé- que o próprio Dioniso se apaixonara por Pa-
nio da Morte (Tânato) para que o matasse. Iene e matou Síton com uma pancada do seu
Sísifo, todavia, apanhou Tânato de surpresa tirso para casar com a jovem. Uma alusão de
e acorrentou-o, de tal maneira que, durante al- Ovídio parece indicar que Síton se transformou
gum tempo, nenhum homem morreu. Foi pre- em mulher, mas desconhecemos em que con-
ciso que Zeus interviesse e obrigasse Sísifo a dições.
libertar Tânato, para que este pudesse conti-
SÓFACE. V. Sôfax .:
nuar a desempenhar a sua missão. Natural-
mente, a primeira vítima foi Sísifo. Este, po- SÓFAX. (LÓcpotO Quando Héracles massa-
rém, antes de morrer, em vez de aceitar a sua crou Anteu, uniu-se à mulher dele, Tinge, epó-
morte, ordenou secretamente à mulher que nâo nimo da cidade de Tânger, e com ela gerou um
lhe prestasse honras fúnebres. Quando chegou filho, Sófax, que reinou na Mauritânia. Este
aos Infernos, Hades quis saber por que razão Sófax teve um filho, Diodoro, que alargou o
_ não vinha pelas formas comuns. Sísifo império herdado do pai e fundou a dinastia dos
queixou-se amargamente da impiedade da mu- reis da Mauritânia.
lher e obteve do deus, indignado, permissão de
regressar à terra para a castigar e a fazer tor-
* SOL. (Sol.) Sol é urna divindade sabina
cujo culto se diz ter sido introduzido em Roma
nar ao bom caminho. Uma vez na terra, Sísifo
dispensou-se de voltar e viveu' até avançada pelo primeiro rei sabino, Tito Tácio, junta-
mente com o culto da Lua. A família dos Au-
idade. No entanto, quando morreu de vez, os
refii passava por ter praticado o culto do' Sol,
deuses dos Infernos, para evitar qualquer eva-
de quem erarri descendentes.
são, impuseram-lhe uma tarefa que não lhe dei-
xava nem descanso nem qualquer possibilidade Sobre as lendas helénicas do Sol, v. Hélio.
de fugir. SÓLIMO. (LÓÀUl-tOÇ.) É filho de Zeus ou, em
Havia outro episódio na lenda de Sísifo outras versões, de Ares; é epónimo dos' Sóli-
que justificava de forma bem diferente o seu mos, na Asia Menor.
castigo. Infelizmente, é-nos transmitida ape-
nas por uma notícia fragmentária de Higino, SOLUNTE. (LOÀÓõLÇ.) Euneu, Tóloas.eSo-
resumo incompleto de uma qualquer tragédia lunte eram três jovens atenienses que haviam
perdida. Higino conta que Sísifo odiava seu acompanhado Teseu na sua expedição' contra
irmão Salmoneu. Perguntou ao oráculo de as Amazonas. No regresso, Teseu trazia con-
Apoio como poderia matar o «seu inimigo», sigo Antíope e, durante a viagem de barco, So-
isto é, o irmão. Apoio respondeu-lhe que en- lunte apaixonou-se pelajovem. Confiou o se-
contraria quem o vingasse se desse filhos. à gredo a um amigo que transmitiu a mensagem
sua própria sobrinha, Tiro, filha de Salmo- a Antíope. Ela, porém, recusou-se a ceder a So-
neu. Sísifo tornou-se amante da jovem e deu- lunte que, desesperado, durante a escala, se
-lhe dois gémeos. Tiro, porém, tomando co- lançou a um rio e se afogou. Quando tomou
nhecimento do oráculo, matou os próprios conhecimento do suicídio do jovem e da causa
filhos, ainda de tenra idade. Infelizmente, do seu desespero, Teseu sentiu um violento des-
não sabemos que fez então Sísifo. Quando a gosto. Lembrou-se então de um oráculo em
lacuna no texto termina, encontramos Sísifo que a Pítia lhe ordenara que, no dia em que
nos Infernos rolando a sua pedra «por causa fosse afligido por um grande desgosto, no de-
da sua impiedade». curso de uma viagem a uma terra estrangeira,
Atribuiu-se por vezes a Sísifo a fundação fundasse uma cidade e aí estabelecesse alguns
dos Jogos Ístmicos em honra de seu sobrinho dos seus companheiros. Obedecendo, Teseu
Melicertes (v. este nome). fundou a cidade de Pitópolis, na Bitínia, nome
Sísifo era casado com Mérope, uma das que escolheu em honra de Apolo Pítio. Ao rio
Plêiades, a única que casou com um mortal (v. próximo chamou Sol unte, em memória do jo-
Plêiades). Sobre a sua descendência, em que vem ateniense, e fixou na cidade os irmãos dele,
se contam nomeadamente Glauco e Belero- bem como um outro ateniense, de nome
fonte, v. quadro 36, p. 422. Hermo.

pp. 74 e 5.; 771 e 5.; escól. adSOPH., Aj., 190; SUID., Sófax: PLUT o, Sert'., 90
s. U.; HVG., Fab., 60; 201; SERV., adVIRG., Gearg.,
Sol: VARo, LL, V, 74; DIONo HAL., li, 50; Au-
I, 138; Aen., VI, 616. Cf. S. REINACH, Cultes,
Mythes e/ Religians, li, pp. 159-205. GUST., Civ. Do, IV, 23; PAUL., p. 23.
Sítoo: PARTH., Erot., 6; CONON, Narr., 10; escól. Sólimo: Etym. Magno, 721, 43 e 5.
ad Lvc., 583; 1161; 1356; NONNo, Dian., XLVIII, Soluole: PLUT .• Thes., 26 (citando MENECRATES,
183 e 5.; OVo, Me/o, IV, 279. His/. Nic).
SÓPATRO 424

SÓPATRO. (~w1ta'tpo,.) Outrora, quando os citado» o touro em forma de simulacro, exe-


homens viviam apenas de frutos e legumes e cutado o culpado, a escassez terminou. Este
ainda não ofereciam aos deuses sacrifícios sano rito de sacrifício estabeleceu-se em Atenas,
grentos, vivia em Atenas um estrangeiro cha- onde era celebrado pelos descendentes de SÓ-
mado Sópatro que aí possuía um campo. Du- patro, os Sopátridas.
rante um sacrifício solene, Sópatro colocou a
sua oferenda sobre o altar; surgiu então um * SORANO. (Soranus.) Sorano é o deus
touro que devorou as plantas e as sementes que adorado no cume do monte Soracte, a norte
a compunham. Enfurecido, Sópatro empu- de Roma, pelos Hirpi Sorani (v. este nome).
nhou um machado e matou o animal. Depois, Este Sorano, identificado por vezes com Dis
arrependido do seu acto que considerava uma Pater, é geralmente considerado como um
impiedade, exilou-se voluntariamente em Apoio e é assim que é invocado por Virgílio,
Creta. Após a sua partida, porém, uma enorme talvez por causa do culto do lobo que está li-
escassez assolou o país. Interrogados, os deu- gado ao do deus, bem como ao de Apoio Li-
ses responderam que somente Sópatro podia cio (v. também Vejove, igualmente assimilado
indicar o remédio. Era preciso que o animal a um Apoio «infernal»).
massacrado ressuscitasse, durante a mesma SÓSTENES. (~waeÉVTJ'.) Quando os Argo-
festa, e que o assassino fosse castigado. Foram .nautas, vindos de Cízico, quiseram transpor o
então enviados emissários à procura de Sópa- Bósforo, foram impedidos por Âmico (v. este
tro e descobriram-no em Creta, acabrunhado nome). Refugiaram-se então numa pequena en-
de remorsos. Na esperança de tornar o seu erro seada onde lhes apareceu um homem alado, de
I

mais suportável se o partilhasse com outros, .prodigiosa estatura, que lhes predisse que ven-
quando os enviados atenienses lhe pergunta- ceriam Amico. Recobrando ânimo, os Argo-
ram que ritos deviam observar para apaziguar nautas atacaram Âmico e derrotaram-no com
os deuses, começou por Ihes pedir, como paga facilidade. Erigiram então um santuário ao gé-
dos seus conselhos, que lhe concedessem o di- nio tutelar que lhes inspirara confiança e
reito de cidadania. Os atenienses consentiram. honraram-no sob o nome de Sóstenes. No
Então, Sópatro acompanhou-os de regresso à tempo de Constantino, este santuário tornou-
pátria e eis o que imaginou: durante uma reu- -se uma capela do Arcanjo São Miguel.
nião de todos os atenienses, mandou trazer um
touro semelhante ao que imolara; umas jovens * SUMANO. (Summanus.) Sumano é um
apresentaram-lhe água com que purificou um deus romano, assimilado a uma manifestação
cutelo que fora amolado por outros atenien- de Júpiter: o deus dos relâmpagos nocturnos.
ses; abateu o animal que foi despedaçado e, em Sumano não possui uma lenda própria.
seguida, esfolado por outros, de tal modo que Contava-se que existia no templo de Júpiter,
todos participaram na imolação. Dividiram de- no Capitólio, uma estátua de Summanus, cuja
pois a carne do touro. Terminado o festim, en- cabeça fora cortada por um relâmpago, no ano
cheram a pele com feno e atrelaram a uma de 278 a. C., e projectada no Tibre. Este pro-
charrua o simulacro do touro assim obtido. dígio foi interpretado como uma manifestação
Constituiu-se então um tribunal para julgar o da vontade do deus, que desejava ter um tem-
assassino. De investigação em investigação, plo separado. Este templo foi-lhe consagrado,
acabou por se estabelecer que o verdadeiro cul- a 20 de Julho, no Circus Maximus. Pensava-
pado era o cutelo, que foi condenado a ser ati- -se que Sumano fora introduzido em Roma
rado ao mar. Foi o que se fez. Foram assim com os cultos sabinos importados por Tito Tá-
cumpridas as condições do oráculo: «ressus- cio.

Sópatro: PORPH., De abst., 2, 29 e 5. Sumano: OC., de div., I, 16; Ov., Fast., VI,
Sorano: VIRG., Aen., XI, 785; SERV., ad loc., 729 e 5.; PUN., N. H., lI, 138; AUGUST., Civ. D.,
IV, 23; C. I. L., VI, p. 574, n.? 206; VAR., LL,
STRAB., V, p. 250; SIL. ITAL., V, 175 e S.; PUN., N.
H., VII, 9. V, 74. cr. H. PETRIKOVITZ, Summanus; Mitteil.
des Vereins klass. Philol. in Wien, 1931, pp.
Sóstenes: J. MALAL., 4, p. 78 e s. (Bonn). 35-42.
T
* TÁCIO. (Tatius.i Titus Totius é, na tra- ofereciam em comum a Lavínio e mataram-no.
dição, o segundo rei de Roma. E de origem sa- Embora Rómulo estivesse em seu poder, não
bina, mais particularmente da cidade de Cu- lhe fizeram mal, mas, antes pelo contrário,
res. É rei desta cidade antes de ser designado escoltaram-no ate Roma, louvando a sua jus-
como chefe de guerra pela confederação sa- tiça. Rómulo conduziu a Roma o cadáver de
bina, que desejava vingar o rapto das mulhe- Tácio e concedeu-lhe grandes honras, sepultan- .
res e pôr fim aos progressos da recém-nascida do-o no Aventino, próximo do Armilustrium.
Roma. Sobre os episódios desta guerra, mar- Em contrapartida, não tomou qualquer medida
cada pela traição e pelo castigo de Tarpeia, para castigar os assassinos do seu colega. Cer-
v. este nome. O acampamento de Tácio está tos autores chegavam mesmo a afirmar que,
situado, tanto para Dionísio de Halicarnasso .apesar de os Laurentinos os terem entregue de
como para Propércio, na depressão que separa livre vontade, Rómulo libertou-os, afirmando
o Capitólio do Quirinal, nas imediações do Co- que já tinha sido feita justiça.
mitium. Após a reconciliação dos dois povos,
devida à iniciativa de Hersília e das mulheres TÁFIO. (TcX<pLOç.) Filho de Posídon e de Hi-
sabinas, foi decidido que os Sabinos e os Ro- pótoe, pertence à raça de Perseu (v. quadro 32,
manos formariam um único povo, e que Tá- p. 370). Teve por filho Ptérelas (v. este nome
cio e-Rómulo partilhariam o poder sobre a ci- e, no mesmo artigo, as variantes na filiação).
dade assim formada. Esta cidade conservaria Táfio é o herói epónimo da ilha de Tafos.
o nome de Roma - derivado do nome do seu
fundador-, mas os seus cidadãos teriam o * TAGES. (Tages.) Um dia, um lavrador,
nome de Quirites, em recordação da pátria de etrusco, ao conduzir o seu arado ao longo de
Tácio. Tácio habitaria a cidadela do Capitó- um sulco, viu, de súbito, elevar-se um monte
lio e Rómulo no Palatino. Este reinado con- de terra, que se transformou numa criança cha-
junto durou cinco anos, no decurso dos quais mada Tages. Pensavam que este Tages era fi-
se falou pouco de Tácio. Mas no quinto ano, lho do Genius Iouialis. Era dotado de uma
alguns dos seus parentes e compatriotas discu- grande sabedoria e possuía extraordinários
tiram com embaixadores laurentinos que se en- dons de adivinhação. Viveu o tempo suficiente
contravam em Roma e, por fim, depois de os para predizer o futuro aos aldeãos, que tinham
terem roubado, mataram-nos. Rómulo quis acorrido ao campo onde nascera, e ensinou-
castigar este atentado contra os direitos dos po- olhes as regras da haruspicina. Morreu em se-
vos, mas Tácio conseguiu salvar os seus paren- guida. As suas palavras foram conservadas por
tes. Os amigos das vítimas, porém, atacaram escrito e constituíram a base dos livros etrus-
Tácio durante um sacrifício que os dois reis cos consagrados à adivinhação.

Tácio: PLUT., Romul., 20; 23; DION. HAL., lI, 36 Táfio: ApOLLOD., Bibl., lI, 4, 5; TZETZ., ad Lrc.,
932; escól. a HES., Scut.; I!.
e 5.; LIV., 1,10; 14; PROP., EI., IV, 4; Ov., Fast., I,
Tages: Cic., de div.; lI, 23; Ov., Met., XV, 553;
260 e s. CENS., de d. nat., IV, 13; FEST., s. U.
TAIGETE 426

TAÍGETE. (Tau)"Éf'rJ.)Taígete, filha de Atlas TALIA. (E>aÀ(a.) Este nome, que se rela-
e de Plêione, é uma das Plêiades (v. quadro 27, ciona com a raiz que transmite a ideia de «ve-
p. 280).Une-se a Zeus e dá-lhes um filho, La- getação», é o de várias divindades, nomeada-
cedémon (v. quadro 5, p. 90). Mas ela apenas mente de uma Musa, de uma Graça e de uma
cedeu ao deus desmaiada. Quando voltou a si, Nereide.
com vergonha, ocultou-se no monte Taígeto, 1. Como Musa, e embora na origem não ti-
na Lacónia. vesse essa função particular, Talia acaba por
Contava-se também que, para a livrar de presidir especialmente à comédia e à poesia li-
Zeus, Artemis tinha dissimulado a jovem sob geira. Considera-se que deu alguns filhos a
os traços de uma corça. Quando foi devolvida Apoio, os Coribantes. Uma versão de lenda de
à sua forma primitiva, Taígete, reconhecida, Dafne fazia dela uma das amantes do herói -
dedicou à deusa a corça com os cornos doura- e identificar-se-ia com Pimpleia (v. Dafnei.
dos cuja captura tinha sido um dos trabalhos 2. Como uma das Cárites (Graças), Talia é
de Héracles (v. Héracles). filha de Zeus e de Eurínome. Presidia, neste
caso, como as suas irmãs, à vegetação.
TÁLAO. (TaÀaóç.) Tálao, o filho de Bias, 3. Por fim, Homero menciona, entre as Ne-
é célebre sobretudo por ser o pai de Adrasto reides, uma Talia, filha de Nereu e de Dóris.
(v. este nome). Reinou sobre a parte do reino
de Argos que tinha sido atribuída ao seu pai
TALO. (T&;Àwç.)l. Talo é uma personagem
por Preto (v. este nome). A sua mãe é Péro,
filha de Neleu (v. Bias). da lenda cretense que tanto é considerado um
ser humano como um autómato de bronze. No
As tradições diferem quanto ao nome da
primeiro caso, é filho de Crés (ou Crete), o he-
mulher de Tálao: umas vezes é denominada Li-
rói epónimo da ilha, e ele próprio teria tido
símaca e é considerada como filha do rei Abas
como filho o deus do Fogo, Hefesto (v. este
e, por consequência, sua sobrinha-neta (v. qua-
nome). Hefesto, por seu lado, seria o pai de
dro I, p. 8); outras vezes, Lisianassa, filha do
Radamente, Uma versão aberrante apresentava
rei de Sícion, Pólibo (v. este nome). Sobre as
Enópion como pai deTalo. No segundo caso,
suas filhas, v. quadro referido.
Tálao figura entre os Argonautas. Talo era considerado como obra de Hefesto,
que o tinha oferecido a Mines, ou a Dédalo,
* TALÁSSIO. (Talassio.) Talássio é, essen- o artista titular do rei, ou, então, era encarado
cialmente, um grito ritual que se soltava du- como o último representante na Terra da «raça
rante os casamentos, no momento em que a jo- de bronze». .
vem esposa transpunha a entrada da casa Talo é, essencialmente, o guardião de Creta.
nupcial. Este grito, de significado obscuro, ti- Vigilante infatigável, tinha sido escolhido por
nha dado origem à lenda de um certo Talás- Minos para esta missão, ou, então, por Zeus,
sio, contando-se que esta personagem era um para proteger a filha da sua querida Europa.
dos companheiros de Rómulo. Quando do Todos os dias, armado, dava três voltas a
rapto das mulheres sabinas, os pastores que es- Creta. Impedia os estrangeiros de penetrar na
tavam ao seu serviço tinham raptado uma jo- ilha, mas também impedia os habitantes de sair
vem particularmente bela e, ao levá-Ia ao amo, dela sem permissão de Minos. Foi para lhe es-
para impedir que lha tirassem, gritavam: «Ela capar, parece, que Dédalo teve de escolher a
é para Talássio.» (Em latim: Talassio.) Como via dos ares (v. Dédalo). As armas favoritas
o casamento de Talássio foi, segundo se pen- de Talo eram enormes pedras, que ele lançava
sava, particularmente feliz; este grito, de bom a grande distância. Mas os «imigrantes clan-
augúrio, conservou-se no ritual do matrimó- destinos» tinham ainda outros perigos a recear
nio. Era também dada uma outra explicação, da parte de Talo, mesmo quando conseguiam
relacionando a palavra com o grego (~aÀa,,(a ultrapassar esta primeira barreira. Quando os
(trabalho da lã). Tinha sido, com efeito, esti- capturava, Talo penetrava no fogo, levava o
pulado entre os Sabinos e os Romanos, depois seu corpo metálico ao rubro e, precipitando-
do rapto das Sabinas, que estas não seriam sub- -se sobre os infelizes, apertava-os com os seus
metidas a qualquer espécie de trabalho servil, braços e queimava-os.
mas contentar-se-iam em «fiar a lã». Era este Talo era invulnerável em todo-o corpo, ex-
compromisso que, segundo se dizia, recordava cepto na parte inferior da perna, onde se en-
o grito Talassio. contrava uma pequena veia, fechada por uma

Ta/gele: Escól. a PINO., Olymp., III, 53; Nem., lI, 7; TZETZ., ad Lyc., 78; SERV., ad VIRO., EcI., VIII,
16 (cit. um frag. de HES.); HYG., Fab., 154; 192; 68; Argum., a THEOCR., VIII, e escol. v. 92. 2) HES.,
Astr. Poet., li; 21; HELLAN., fr. 56; ApOLLOO., Theog., 909; PAUSAN., IX, 35, 5; ApOLLOO, Bibl., I,
Bibl., m, 10,3; PAUSAN., I1I, 1,2; 18, 10; 20, 2; IX, 3, I; TZET., Chil., X, 516; PLUT., Conv., IX, 14,4.
35, I; ERATOSTH., CaI., 23; TZETZ., ad Lvc., 219; 3) li., XVIII, 39; HYG., Fab., prol.; VIRG., Aen., V,
Ov., Fasl., IV, 174; PS-PLUT., de floor., 17,3. 826; Georg., IV, 338.
Tálao: ApOLLOO., Bibl., I, 9, 10; 12; 13; PAUSAN., Talo: 1) PAUSAN., VII, 4,8; VIII, 53, 5; ApOLLOO.,
lI, 21,2; APOL. RH., Arg, I, 118 e S., e escól. ad loc.; Bibl., I, 9, 26; Asot.. RH., Arg., IV, 1636,3 e s., e
TZETZ., ad Lyc., 17S. escól. ad loc.; EUST., ad Hom., XX, 302 (p. 1893);
0100. SIC, IV, 76; escól. a PLAT, Rep., I, p. 396;
Talássio: SERV., ad VIRO., Aen. 1,651; PLUT., Qu. Ov., Mel., VIII, 183 e 5.; 2) ApOLLOO., Bibl., III, 15,
Rom., 31; Rom., 15; Pomp., 4; LIV" 1,9, 12; 9; DIOD. SIC., IV, 76; PAUSAN., 1,21,4; 26, 4; Ov.,
CATO., 61, 134. Met., VIII, 236 e 55.; HYG., Fab., 39; 244; 274;
Talia: 1) HES., Theog., 77; 0105. SIC., IV, 7; SERV., ad VIRO., Aen., VI, 14; Georg., I, 143. Cf.
ApOLLOD., Bibl., 1,3, I; 4; PLUT., Qu. Conv., IX, J. SCHOO, in Mném. 1937, pp. 257-294.
427 TÂNTALO

cavilha. Quando os Argonautas desembarca- de Endímion. Do mesmo modo, a sua mãe é,


ram, Medeia, com os seus encantamentos, con- por vezes, uma das Musas, Erato ou Melpó-
seguiu rasgar esta veia e Talo morreu (v. Ar- mene. Tâmiris era de grande beleza e excelente
gonautas). Uma outra versão contava que tanto na arte do canto como na da lira, que
Peante, o pai de Filoctetes, e um dos Argonau- lhe tinha sido ensinada pelo próprio Lino. Às
tas, tinha atravessado esta veia com uma fle- vezes era mesmo considerado como o mestre
cha. Atribuía-se um filho a Talo: Leuco de Homero. Homero conta que Tâmiris ten-
(v. Idomeneu). tou rivalizar em música com as Musas, mas foi
2. Existia um outro Talo, um ateniense da vencido e as deusas, irritadas, cegaram-no e
família de Metíon e sobrinho de Dédalo, a privaram-no da sua habilidade musical. Pre-
quem este, com inveja da sua habilidade, ma- tendia, em caso de vitória, unir-se sucessiva-
tou (v. Dédalo). mente a todas as Musas. Diz-se que, depois do
TÁLPIO. (0áÀmoç.) Tálpio e o seu irmão, seu fracasso, Tâmiris teria lançado a sua lira,
Antímaco, são dois dos chefes que comandam já inútil, a um rio denominado Bálira (em cuja
os quatro contingentes dos Epeus da Élida. formação se encontram duas palavras que sig-
Descendem de Actor, o filho de Forbas nificam, respectivamente, lançar e lira), no Pe-
(v. quadro 25, p. 268), por intermédio dos loponeso. O local do castigo costuma situar-
Moliónidas, de quem são filhos (v. Moliôni- -se em Dório, perto de Pilos.
das). Tálpio tem por mãe a filha de Dexãmeno, T ÁNAIS. (TávCXlÇ.)Deus-rio, filho de
Teréfone, e por pai Êurito. Não possui uma Oceano e de Tétis (hoje denominado Don).
lenda particular, figurando apenas entre os pre- Uma lenda tardia pretendia que Tánais fosse
tendentes à mão de Helena e entre os heróis um herói, um jovem filho de Beroso e da Ama-
que tomaram lugar no interior do cavalo de zona Lisipe, que apenas honrava Ares e detes-
madeira. O seu túmulo, como o do seu irmão, tava as mulheres. Irritada, Afrodite decidiu
encontrava-se na Élida. puni-lo e, para isso, inspirou-lhe um amor in-
TALTÍBIO. (TcxÀ9ú~lOç.) Arauto de Aga- cestuoso pela mãe. Desesperado, Tánais não
mémnon, 'participou com ele na Guerra de encontrou outro meio para escapar à sua pai-
Tróia. Enquanto arauto, tinha como colega xão senão o lançar-se a um rio denominado até
Euríbato. Nas narrativas da Ilíada, Taltíbio re- então Amazónio e que, desde esse momento,
presenta diferentes papéis em ocasiões diver- recebeu o nome de Tánais.
sas. É encarregado de ir buscar Briseidea Aqui- TÂNATO. (0ávcx-roç.) Tânato é o génio mas- .
les; é enviado em embaixada a Macáon. culino alado que personifica a Morte. Na
Contava-se também que tinha acompanhado Ilíada, surge como o irmão do Sono (Hypnos),
Ifigénia a Áulis, para o sacrifício, e que tinha sendo esta genealogia retomada por Hesíodo,
participado na embaixada enviada a Cíniras que faz destes dois génios os filhos da Noite.
(v. este nome). No teatro, Tânato é, por vezes, introduzido
Existia em Esparta um santuário de Taltí- como uma personagem. Esta inovação re-
bio, que era considerado como o protector do monta ao trágico Frinico, no seu Alceste, hoje
direito internacional, assegurando a livre cir- desaparecido. Foi imitado por Eurípides na tra-
culação dos embaixadores. gédia sobre o mesmo tema.
TÂMIRIS. (0áIlUplÇ.)Tãmiris (ou Tãmiras) Tânato não possui um mito propriamente
é um dos músicos míticos aos quais se atribuem dito. O combate que trava com Héracles, no
diversos poemas e diversas inovações musicais. Alceste de Eurípides, e o seu contratempo com
Teria composto uma Teogonia, uma Cosmo- Sísifo (v. este nome) sâo apenas narrativas po-
gonia e uma Titanomaquia. Também se dizia pulares imaginadas fora de qualquer sistema
que era o inventor do modo dório. mítico.
É um dos filhos do músico Filámon (v. este TÂNTALO. (Táv-ccxÀoç.) 1. Tântalo é geral-
nome) e da ninfa Argíope. Mas outras tradi- mente considerado como um filho de Zeus e
ções apresentam-no como filho de Étlio e neto de Pluto, sendo esta filha de Crono ou mesmo

Tálpio: PAUSAN., v, I; 3, 3 e S.; li., lI, 618 e s.: 2.' ed., p. 720; EUR., Alc., passim; v. também Si-
EUST., ad loe.; QUINT. SM., XII, 323; ApOLLOD., silo; cfr. F. de Ruyt, «Le Thanatos d'Euripide ... »,
Bibl., I1I, !O, 8. in An/. Class., 1932, pp. 61-77.
Taltíbio: li., I, 320: I1I, 118; IV, 192 e S.; VII, 267; Tânlalo: 1) Od.; XI, 582 e S., escól. XIX, 518, e
XIX, 196; 250; 267; XXIII, 897; Ov., Her., I1I, 9 e XX, 66; ApOLLOD., Bibl., Ill, 5, 6; Ep., lI, I; PINO.,
S.; ApOLLOD., Ep., I1I, 22; HDT., VII, 134 e S.; PAU· Olymp., I, 87 e S.; escól. v. 97; Isth., VIII, 21; EUR.,
SAN., I1I, 12, 7. Or., 4 e S.; PLAT., Cra., 395 d e S.; PAUSAN., X, 31,
Tâmiris: li., li, 594 e S., e EUST., ad loc.; SUlD., 10; Luc., D. Mori., 17; NONN., Nar ., ap. WESTER.
S. u.; TZET., Chil., VII, 92 e S.; PLUT., De Mus., m, MANN, Appendix, p. 386 (My/hographl); ATHEN.,
1152 b; PLAT., lon, 533 b e S.; PUN., N. H., VII, VII, 14, p. 281 b e S.; LUCR., De Na/. Rer., I1I, 980
207; Eus., Pr. Ev., X, 6. p. 476 c; PAUSAN., IV, 33, e S.; CIC'., defin.,I, 18,60; Tusc., IV, 16,35; Hor.,
3; X, 7, 2; escól., a HES., Op., I, p. 25; ApOLLOD., Ep., XVII, 65 e S.; S., I, 1,68 e s; OV., Mer., IV,
Bibl., IV, 33, 3; escól: a EUR., Rh., 346; SoPH., trago 458 e S.; VI, 174; HYG., Fab., 9, 82; 155; ANT. LIS.,
perdida Tâmiris; 0100. SIC., 111, 67; HYG., Asrr. Transf'., 36; LACT. PLAC., ad STAT. Theb., li, 436;
Poet.; li, 6. 0100. Sic.; IV, 74. 2) PAUSAN., lI, 18,2; 22, 3; SE.
Tánais: HYG., Fab., pr., 6 (Rose); Ps.-Pl.lIT., de NEC., Th., 718; HYG., Fab., 88; 244; 296; EUR., Iph.
flor., XIV, I. Aul., 1150. 3) OV., Mel., VI, 239; HYG, Fab., 11.
Tânalo: li., XI, 241; XIV, 231; PAUSAN., 111, 18, Sobre Tântalo I, v. S. REINACH, art, cito (no artigo
I; HES., Theog., 211 e S.; Trag. Gr. Fragm., NAUCK, Sisifov.
TARAS 428

de Atlas. Reinava na Frígia, ou na Lídia, no bre ele duas lendas diferentes: ou tinha sido
monte Sípilo. Era extremamente rico e amado morto por Atreu, por ódio a Tiestes, e servido
pelos deuses, que o admitiam nos seus festins. a este em guisado ou, então, teria sido o pri-
Tinha por esposa uma das filhas de Atlas, a meiro marido de Clitemnestra, morto por Aga-
Plêiade Dione. Mas é-lhe conhecida também mémnon, seu próprio sobrinho (v. Clitemnes-
uma outra mulher, Emianassa, fiha do deus- tra e quadro 2, p. 12).
-rio Pactolo. Certos mitógrafos nomeiam igual- 3. Um dos filhos de Anfíon e Níobe tem o
mente Clite, a filha de Anfidamos, e Estérope, mesmo nome.
outra Plêiade.
Os seus filhos são Pélops, Níobe (v. qua- TARAS. (Tápcxç.)Taras é o herói epónimo
dro 2, p. 12), aos quais se acrescenta por ve- de Tarento, na Itália meridional. Era filho de
zes Bróteas, Dascilo e outros. E dele que, por Posídon e de uma ninfa local, denominada Sá-
intermédio de Pélops, descendem os «Tantá- tira, ou Satíria, e que era considerada como fi-
lidas», Tiestes e Atreu, e por fim, Agamérn- lha de Minos (daí a tradição das origens cre-
non e Menelau. tenses de Tarento) (v. Satíria).
As acções que lhe atribuem os autores du- Para um outro fundador de Tarento, v. Fa-
rante a sua vida são bastante insignificantes: lanto.
teria cometido perjúrio para não entregar a TARAXIPO. (Tcxpá:!;m1toç.) 1. Taraxipo, «o
Hermes o cão de Zeus, que Pandáreo lhe ti- perturbador de cavalos», é um génio que fre-
nha confiado (v. este nome). Este crime ter-lhe- quentava o hipódromo de Olímpia e assustava
-ia valido a cólera de Zeus e Tãntalo teria sido os cavalos que tomavam parte nas corridas,
encerrado sob o monte Sípilo antes de ser pre- próximo de uma curva onde se encontrava um
cipitado nos Infernos (v. a seguir). Uma ou- altar. Existia um certo número de lendas a res-
tra aventura relacionava-o com 110,o funda- peito deste génio. Dizia-se que era uma alma
dor da primeira Tróia. 110,com efeito, tê-lo-ia penada do herói lsqueno, sacrificado par~ "õr
expulso para a Ásia Menor depois das infeli- fim a uma fome (v. Isqueno), ou a de Olénio,
cidades da sua filha Níobe. Um outro episó- um auriga célebre de Olímpia, ou, ainda, a de
dio, por fim, fazia-o raptor de Ganimedes Dámeon, filha de Fliunte, que tinha partici-
(v. este nome). pado na expedição de Héracles contra Augias
Mas o que tornou Tãntalo mais célebre na e que tinha sido morto por Ctéato ao mesmo
mitologia foi o castigo que sofreu nos Infer- tempo que o seu cavalo. O dono e o animal ti-
nos e de que é dada uma descrição já na Odis- nham sido sepultados precisamente nesse lo-
seio, na «Descida aos Infernos», que é um dos cal. Contava-se que este perturbador de cava-
passos mais recentes do poema. Os autores, los era A1cátoo, o filho de Portáon, que tinha
contudo, não estavam de acordo acerca do mo- sido morto por Enómao quando tentava ob-
tivo deste .castigo. Era acusado de orgulho. ter a mão de Hipodamia. E o mesmo génio era
Convidado pelos deuses para a sua mesa, te- ainda relacionado com a lenda de Enómao de
ria revelado aos homens os segredos divinos de um duplo modo, quer Pélops tenha enterrado
que se tinha falado livremente na sua presença. neste local um feitiço que tinha recebido de um
Ou, então, teria roubado néctar e ambrósia du- egípcio e que lhe serviu para assustar os cava-
rante um desses banquetes e tê-los-ia dado aos los de Enómao e, assim, vencer a corrida
seus amigos mortais. Para uma outra acusa- (v. Enómao), quer o próprio Pélops tenha sido
ção, v. Pélops. Como Licáon, Tântalo teria sepultado no hipódromo de Olímpia e conti-
imolado o seu filho para servir como alimento nuasse a perturbar as corridas, como tinha per-
aos deuses. Qualquer que tenha sido, porém, turbado outrora a do seu futuro sogro. Final-
a sua falta, a punição ficou memorável. Mas mente, os melhores espíritos asseguravam que
mesmo este castigo é apresentado de diferen- existia um loureiro próximo desse altar e que
tes maneiras. Contava-se, por vezes, que Tân- a sombra da folhagem, agitada pelo vento, era
talo estava colocado nos Infernos sob uma pe- suficiente para perturbar os cavalos que cor-
dra enorme, sempre em risco de cair, mas que riam na pista.
permanecia eternamente em equilíbrio. Dizia- 2. Encontrava-se um outro Taraxipo no hi-
-se também que o seu suplício consistia numa pódromo de Corinto. Era a alma do herói
fome e numa sede eternas: mergulhado na água Glauco, filho de Sísifo, que tinha morri do de-
até ao pescoço, não podia beber, porque o lí- vorado pelos seus cavalos (v. Glauco).
quido fugia sempre que tentava mergulhar nele
a boca; um ramo carregado de frutos pendia * TÁRCON. (Tápxwv.) Herói etrusco que
sobre a sua cabeça, mas, se levantava o braço, era apontado como o fundador da cidade de
o ramo erguia-se bruscamente e ficava fora do Tarquínios, a norte de Roma, e de algumas ou-
seu alcance. tras, nomeadamente de Mântua, de Cortona,
2. Um outro Tãntalo é um filho de Tiestes, etc. Era, por vezes, considerado irmão de Tir-
ou de Bróteas, ambos filhos de Tânatlo. A sua reno e filho de Télefo. Teria sido ele quem con-
sepultura encontrava-se em Argos. Existiam so- duziu os imigrantes etruscos da Lídia até à Itá-

Taras: PAU5AN., X, 10,8; 13, 10; STAT., Si/yv., I, 1, Tárcon: STRAB., V., p. 219; STEPH. Bvz., S. U.,
103; SERV., ad VIRG., Aen., m, 551; PROB., ad VIRG., T",pxuv''''; SERV., ad VIRG., Aen., X, 179; 198;
Georg., II 176; cf. WUILLEUMIER, Tarente, pp. 35 e s. TZETZ., ad Lyc., 1242 e s; 1249: VIRG., Aen., VIII,
TlII'1IlIipo: 1) PAU5AN., VI, 20, 15; Lvc., Alex., 42 503 e 5.; X, 147 e S.; cf. M. PALLOTTINO, in Rend.
e S.; TZETZ., ad loc. 2) PAU5AN., VI, 20, 19. Accad. Lincei, 1930. pp. 49-87.
429 TÁRTARO

lia. Contava-se também que tinha nascido com ele fê-Ia esmagar sob as armas. Uma versão
os cabelos brancos, sinal de um alto destino. desta lenda situava a aventura no tempo da in-
Sobre o seu papel numa versão da lenda de vasão gaulesa.
Caco, v. este nome.
Virgílio dá a Tárcon um papel na Eneida, * TARQUÉCIO (TcxPXhwç.) A lenda de Tar-
fazendo dele aliado de Evandro e, por conse- quécio é uma variante do nascimento de Ró-
quência, de Eneias. É ele quem comanda o con- mulo e de Remo. Tarquécio era rei de Alba e,
tingente etrusco. um dia, apareceu na sua casa um falo que saía
do solo. Tarquécio perguntou à deusa Tétis o
* TARPEIA. (Tarpeia.) Tarpeia é uma he- que é que devia fazer. O oráculo respondeu que
roína romana, epónima do Capitólio (Mons uma jovem devia unir-se a esse falo e que a
Tarpeius) ou ainda, de modo mais particular, criança que nascesse dessa união teria uma vida
da rocha «Tarpeia», de onde se lançavam cer- gloriosa. Tarquécio chamou uma das suas fi-
tos criminosos. A forma mais usual da sua lhas e ordenou-lhe que cumprisse as condições
lenda é a seguinte: Tarpeia era filha de Spu- fixadas pela deusa. A jovem, por pudor, en-
rius Tarpeius, a quem Rómulo, durante a viou uma criada em seu lugar. Ao ter conhe-
guerra que se seguira ao rapto das Sabinas, ti- cimento do facto, Tarquécio, irritado, quis
nha confiado a defesa do Capitólio. Mas como matar as duas jovens. Mas a deusa Vesta apa-
Tácio, o rei sabino, estava acampado, com o receu-lhe em sonhos e dissuadiu-o do projecto.
seu exército, junto ao Capitólio (no local do Para as punir, Tarquécio atou as duas culpa-
futuro Comitium), Tarpeia viu o herói e das a um tamborete de fiadeira e prometeu que
apaixonou-se por ele. Graças à cumplicidade as libertava e que as casava quando tivessem
de uma criada (ou da sua ama), prometeu a Tá- concluído determinado trabalho. Trabalhavam
cio entregar-lhe a cidadela com a condição de durante o dia, mas de noite, enquanto dor-
ele a desposar. Tácio aceitou e Tarpeia miam, outras criadas, enviadas por Tarquécio,
introduziu-o, com os seus soldados, no Capi- desfaziam o seu trabalho. Por fim, a criada que
tólio. Mas, em vez de casar com a jovem, Tá- se tinha unido ao falo míraculoso deu à luz dois
cio fê-Ia esmagar sob o peso dos escudos dos gémeos. Tarquécio tinha a intenção de os ma-
seus homens. E Tarpeia morreu deste modo, tar, mas a mãe entregou-os a um certo Terá-
sem receber o preço da sua traição. Uma ou- sio, que os expôs nas margens do rio. Aí, fo-
tra versão pretendia que Tarpeia tivesse pedido ram amamentados por uma loba e salvaram-se
a Tácio como pagamento «aquilo que os sol- os dois. Mais tarde, destronaram e mataram
dados e ele próprio levavam no braço es- Tarquécio.
querdo», isto é, ricas jóias em ouro. Mas Tá-
cio fingiu perceber que ela queria os escudos TÁRTARO.(Táp-tcxpoç.) Nos Poemas Homé-
e fê-Ia matar do modo já descrito. ricos e na Teogonia hesiódica, o Tártaro surge
Dizia-se também que os Sabinos tinham como a região mais profunda do mundo, si-
massacrado a jovem para não parecer que de- tuada sob os próprios Infernos. A distância en-
viam a sua vitória a uma traição. tre o Hades (os Infernos) e o Tártaro é a mesma
Os mitógrafos romanos procuraram também que há entre o Céu e a Terra. Constitui as pró-
absolver Tarpeia, a quem se prestava um culto prias fundações do Universo. A lenda mostra
local no Capitólio. Contava-se, por exemplo, que é lá que as diferentes gerações divinas en-
que era filha de Tácio e que tinha sido raptada cerram sucessivamente os seus inimigos. Úrano
por Rómulo. A sua traição teria sido a vin- tinha lá encerrado os primeiros filhos que ti-
gança contra o seu raptor. Mas não se com- nha tido de Geia, os Ciclopes Arges, Estéro-
preende bem por que é que os Sabinos a teriam pes e Brontes. Mas Geia, para os libertar, ti-
sacrificado. Uma outra versão explicava o seu nha amotinado os Titãs contra o pai. Depois
suplício pela obstinação em não querer reve- da sua vitória, Crono, o mais jovem dos Ti-
lar a Tácio os planos de guerra de Rómulo. tãs, libertou os Ciclopes, mas apressou-se a
Contava-se, ainda, que Tarpeia teria idealizado encerrá-I os de novo. Estes só foram definiti-
um estratagema de guerra para deixar os Sa- vamente libertados por Zeus, que os aceitou
binos à mercê de Rómulo. Fingiu ter traido Ró- como aliados nas suas lutas contra os Titãs e
mulo e pediu como prémio o que levavam no os Gigantes. Foi a vez de os Titãs serem lan-
braço esquerdo. Pensava, assim, nos escudos çados ao Tártaro por Zeus, ajudado pelos seus
e esperava que os Sabinos, uma vez dentro da irmãos Hades e Posídon. E os recém-chegados
cidadela e desprovidos da sua principal protec- propuseram para guardá-los os Hecatonquiros,
ção, seriam facilmente mortos pelos Romanos. Gies, Coto e Briareu (v. estes nomes). O Tár-
Infelizmente, o emissário de que se servia para taro permaneceu como um lugar temido pelos
estas negociações traiu-a. Tácio teve conheci- Olímpicos. Quando um deles resistia a Zeus,
mento a tempo do perigo e, quando Tarpeia este ameaçava encerrá-lo nesse local e o rebelde
reclamou o seu escudo e os dos seus homens, apressava-se a obedecer. Quando Apoio ma-

Tarpeia: PLUT.,Rom., 17; Parall. min., 15; Ltv., Soc. Arch. Polonorum, 1949; cf. R. E. L., 1951,
I, 11,7 e SS.; DION. HAL., lI, 38 e S.; SERV., ad p. 456.
VIRG., Aen., VIII, 348; Ov., Mel., XIV, 777; Fasl.,
1,261; PROP., EI., IV, 4; VAR., LL, V, 41, cf. E. Tarquécio: PWT., Rom., 2.
PAIS, Ancient Legends, pp. 96 e S., e S. REINACH,
in Rev. Arch., 1908, pp. 42 e SS.; G. DUMÉZIL, Tar- Tártaro: li., VIII, 13e S.; 478 e S.; HES., Theog., 119
peia, Paris, 1947; L. GANSINIEC, «Tarpéia», Acta e S.; 722 e S.; 820 e S.; APOLLOD., Bibl., I, I, 4 e S.; 6,
.TASO 430

tou os Cielopes com as suas flechas, escapou jogos teria sido precisamente Androgeu, que
por pouco a este castigo e graças às súplicas maltratou cruelmente os jovens que ganhara.
de Leto, que conseguiu que, em vez de ser pre- Foi para se vingar dele que Teseu teria em-
cipitado no Tártaro, seu filho fosse apenas con- preendido a expedição a Creta. Quanto a Mi-
denado a servir um mortal (v. Apoio). Para o nos, não lhe desagradou ver-se livre de um ge-
Tártaro foram lançados os Alóadas e Salmo- neral que se tornara embaraçante e, sobretudo,
neu (v. estes nomes). Pouco a pouco, o Tár- demasiado solícito para com a rainha, Pasí-
taro confundiu-se com os Infernos propria- fae - que, por seu lado, não o repelia. Foi por
mente ditos na acção de «mundo subterrâneo», esta razão que Minos facilitou a empresa de Te-
onde se situava o local onde eram supliciados seu e que, espontaneamente, lhe deu em casa-
os grandes criminosos. Neste sentido, o Tár- mento a filha Ariadne.
taro opõe-se aos Campos Elíseos, morada dos 3. Uma outra interpretação da lenda preten-
Bem-Aventurados. O Tártaro é personificado dia que Tauro fosse um jovem de grande be-
na Teogonia de Hesíodo. Constitui um dos ele- leza por quem Pasífae se apaixonara. A rainha
mentos primordiais do mundo com Eros, o entregara-se a Tauro num momento em que
Caos e Geia (a Terra). Unido à Terra, Tártaro Minos, atacado por uma doença secreta, não
procria vários monstros: Tífon, Equidna, aos podia procriar (v. Minos e Prócris). A rainha
quais se junta por vezes a águia de Zeus e Tã- engravidou e Minos soube que a criança que
nato (a Morte) (v. quadro 14, p. 182). ia nascer não era seu filho. Não ousou matá-
-Ia, mas enviou-a para a montanha. Já cres-
TASO. (0cX<19Ç.) Taso é o herói epónimo da
ilha de Taso. E de origem fenícia, quer seja cido, o jovem, a quem chamavam «Mino-
tauro» pela sua semelhança com Tauro,
considerado filho de Agenor e irmão de recusou-se a continuar a obedecer aos pasto-
Cadmo, etc. (v. quadro 3, p. 66), quer se li- res que o tinham recebido de Minos. Este de-
gue de um modo distinto à família de Europa cidiu, então, mandá-I o prender, mas o jovem
(é então apresentado como filho de Cílix ou de refugiou-se numa gruta profunda, de onde lhe
Fénix). Acompanhava Telefaassa, Cadmo e os foi fácil rechaçar os que tinham sido enviados
outros irmãos na procura de Europa. Deteve- em sua perseguição. A população acostumou-
-se em Taso, ilha a que deu o seu nome -se a levar-lhe comida e até Minos lhe enviou
(V. Cadmo). criminosos para serem mortos. Foi deste modo
TAUMAS. (0exú!-,exç.) Taumas é um dos fi- que lhe enviou Teseu. Mas Ariadne tinha-lhe
lhos de Ponto (o Mar) e de Geia (a Terra) dado uma espada e foi assim que Tauro mor-
(v. quadro 14, p. 182; 33, p. 388). É o irmão reu.
de Nereu, Fórcis, Cato e Euríbia, e pertence,
por conseguinte, ao grupo das divindades ma- TEANlRA. (0EcXVEtpex.) Teanira é uma mu-
rítimas primordiais. Une-se à filha do .oceano, lher troiana que figurava entre as cativas de Hé-
Electra, e dá-lhe filhas: as Harpias e Iris. Não raeles quando este conquistou pela primeira vez
possui uma lenda particular. a cidade de Tróia. Coube em sorte a Télamon,
que se uniu a ela. Estava grávida quando con-
TAURO. (To<üpoç.)Tauro, o Touro, é o seguiu fugir para Mileto, cujo rei, chamado
nome dado pelos mitógrafos evemeristas a su- Aríon, a acolheu benevolamente, casou com
postos heróis cretenses para explicarem «racio- ela e educou o filho que deu à luz e que era
nalmente» os mitos de Europa e do Minotauro. o herói Trambelo (v. este nome).
1. A propósito do primeiro, dizem principal-
mente que Tauro era um príncipe de Cnosso TEANO. (0EO<VW.) 1. Teano é o nome de vá-
e que comandou uma expedição contra Tiro, rias heroínas, entre as quais a filha do rei da
de onde levou, entre outras cativas, a filha do Trácia, Cisseu, que desposara o Troiano An-
rei, Europa. Este Tauro é considerado como tenor (v. este nome). Tinha como mãe uma das
o. fundador da cidade cretense de Gortina e filhas de Ilo, Teleelia. Do seu casamento com
como pai de Minos. Antenor teve vários filhos: Ifídamas, Arqué-
2. A propósito do mito do Minotauro, loco, Ácamas, Glauco, Eurímaco, Helicáon e
contava-se que o Minotauro não era um ani- Polidamas. Educou igualmente, com grande
mal, mas um certo Tauro, chefe dos exércitos cuidado, Pedeu, um filho que Antenor tivera
de Minos, um homem cruel. Os jovens envia- de outra mulher. Estava encarregada das fun-
dos por Atenas como tributo não eram, dizia- ções de sacerdotisa de Atena, em Tróia.
-se, mortos por Minos, mas oferecidos como Quando da embaixada de Ulisses e Menelau,
prémio nos jogos fúnebres celebrados em antes da abertura das hostilidades, acolheu-os
honra de Tauro. O primeiro vencedor destes na sua casa, como hóspedes do marido. Foi,

3; lI, I, 2; m, !O, 2; PAUSAN., IX, 27, 2; HVG., As/r. Tauro: 1) PALEPH., Incr., 15; TZETZ., ad Lyc.,
Poe/., lI, 15. 1297; 1299. 2) PLUT., Thes., 16; 19; Fragm. His/.
Taso: HEROO., VI, 47; ST. Bvz., S. u.; Aso.
gr., IV, p. 539, 16.3) PALEPH., Ibid., 2; HERACLlO.,
LOOO., Bibl., m, I, 14; PAUSAN., V, 25, 12; escól. Incred., 6.
EUR., Phoen., 5, 25. Teanira: Fragm. Hist. gr., I, p. 421; TZET., ad
Taumas: HES., Theog., 237; 267; ApOLLOO., Lyc., 467; 469.
Bibl., I, 2, 6; HVG., Fab., prol., 14; SERV., ad Teano: 1) II., 69 e S.; VI, 297 e S.; XI, 221 e S.,
VIRG., Aen., m, 212; 249; Crc., de na/o D., Hl, e escól. v. 266; escól. EUR., Andr., 224; Hec., 3;
20, 51. TZETZ., ad Lyc., 340; Postb., 516; ApOLLOO., Ep.,
431 TÉLAMON

por isso, poupada, juntamente com Antenor considerável na tragédia de Sófocles Àjax. Mas
e os seus filhos, durante os combates que an- os mitógrafos mencionam-na raramente.
tecederam a conquista da cidade, e foi-lhe per- Desconhece-se qual foi a sua sorte depois do
mitido deixar a Ásia livremente. Com o ma- suicídio de Ajax.
rido, atingiu a llíria (v. Antenor). Uma TÉCTAFO. (Tix"t<l<poç.)Téctafo é um prín-
tradição posterior contava que ela tinha traído cipe indiano cuja história é contada por Nono.
a cidade, de cumplicidade com Antenor, e en- Feito prisioneiro por Deríades, tinha sido en-
tregue o Paládio aos Gregos. cerrado num subterrâneo, sem ar nem luz, e
2. Uma outra Teano é a mulher do rei Me- condenado a morrer de fome. Guardas impe-
taponto, que reinou na «Icária» e que o ma-
diam qualquer comunicação com o mundo ex-
rido ameaçava repudiar por não lhe dar filhos. terior. Mas a filha de Téctafo, chamada Eé-
Para o satisfazer, foi procurar os pastores, ria, que acabava de ser mãe, obteve dos
pedindo-lhes para lhe darem uma criança, que guardas a permissão para entrar na prisão com
ela apresentaria como sua. Os pastores deram- o fim único de ver o seu pai e -dizia-levar-
-lhe dois gémeos que ela apresentou ao rei. -lhe uma suprema consolação. Os guardas
Mas, entretanto, deu à luz ela própria dois gé- revistaram-na, mas ela não levava consigo ne-
meos. Procurou, então, desembaraçar-se das nhum alimento. Deixaram-na, então, entrar;
duas crianças encontradas, que eram, de facto, lá dentro, deu ao pai o leite do seu peito. Dé-
filhos de Melanipa e de Posídon. Ordenou aos ríades teve conhecimento deste acto de piedade
seus filhos que matassem os estranhos, mas e libertou o seu inimigo.
estes venceram e revelaram a Metaponto os cri-
mes da sua mulher, que foi repudiada (ou mor- TÉCTAMO. (Tix"t<lflOç.)Pelo seu pai, Doro,
ta?) e substituída por Melanipa (v. Eolo, 2). Téctamo descende de Helena e de Deucalião
(v. quadro 8, p. 116). Diodoro conta que in-
TEBE. (e~~1J.) Tebe é o nome de várias he- vadiu Creta à cabeça dos Pelasgos e dos Eó-
roínas, epónimas de cidades chamadas Tebas. lios. Aí, desposou a filha de Creteu, de quem
1. 2. A cidade de Tebas da Beócia relacio- teve um filho, denominado Astério (v. este
nava-se com uma Tebe, filha de Prometeu e nome). Estendeu o seu poder a toda a ilha. Este
de uma ninfa (v. Prometeu), ou com uma ou- Téctamo representa a componente «dória» da
tra, filha de Zeus e de lodama, descendente de população cretense.
Deucalião (v. quadro 8, p. 116).
3. Uma outra Tebe, que os Beócios também TEGEATES. (Tq.á"t1Jç.) Tegeates é um dos
reclamavam como sua, é a filha mais jovem do filhos do herói arcádio Licáon e o fundador
deus-rio Asopo e de Métope. da cidade de Tégea. Considerava-se que tinha
4. A Tebasda Cilícia conhecia uma heroína casado com uma das filhas de Atlas, Mera
também chamada Tebe, filha do Pelasgo Adra- (v. este nome), da qual tivera filhos, entre os
mis, o epónimo de Adramiteu, que tinha pro- quais Escafro e Límon (v. Lfmon). Uma tra-
metido a sua mão a quem a vencesse na cor- dição local fazia-o também pai de Cídon, Ar-
rida. Héracles conseguiu este feito e desposou quédio, Gortis e Catreu, que teriam emigrado
Tebe. Como recordação, fundou a cidade de para Creta e aí fundado várias cidades: Cidó-
Tebas, na Cilícia, e deu-lhe o nome da sua jo- nia, Górtina e Catre. Mas os Cretenses não
vem esposa (v. também Granico). À mesma aceitavam esta lenda (v. Cidon, Catreu e Ra-
heroína é, por vezes, dada uma outra genea- damante).
logia, que a liga à raça de Cadmo, consideran- TEGÍRIO. (T.yÚPLOç.) Tegírio é um rei da
do-a filha de Cílix. Trácia, que acolheu Eumolpo e Ísmaro quando
À mesma genealogia pertence a epónima de estes foram banidos da Etiópia. Sobre o seu
Tebas egípcia: a filha de Nilo (v. quadro 3, papel nesta lenda, v. Eumolpo.
p.66).
TÉLAMON. (T.À<lflWV.)Télamon é princi-
TECMESSA. (Tixfl1JO"O"<l').Filhado rei frígio palmente célebre por ser o pai do grande Ájax.
Teleutante, foi raptada por Ajax, o filho de Té- Existem duas tradições diferentes sobre a sua
lamon, quando da expedição contra a sua ci- genealogia. Segundo a que parece mais antiga,
dade, e levada cativa. Partilhou a vida do he- os seus pais seriam Acteu e Glauce, a filha do
rói diante de Tróia e deu-lhe um filho, rei de Salamina, Cicreu (v. este nome). A ver-
Eurísaces. Tecmessa desempenha um papel são mais divulgada considera Télamon como

III, 34; PAUSAN., X, 27, 3; SERV., ad VIRG., Aen., Téclamo: 0100. SIC., 60; V, 80.
I, 242; 480. 2) HYG., Fab., 186. Tegeates: PAUSAN., VIII, 3, 4; 45, I; 48, 6; 53,
Tebe: 1-2) STEPH. Bvz., S. U.; Fragm, Hist. gr., 2 e s.
IV, 657 a; TZETZ., ad Lyc., 1206; PINO., Isth., VIII, Tegírio: Asot.i.on., Bibl., III, 15, 4.
37 e S.; PAUSAN., ll , 5, 2; 0100. SIC., IV, 72;
Télamon: 11.• XI, 495; 591; Od., XI, 553; escól. li.,
3) Fragm. Hist, gr., lI, p. 238; 0100. SIC., V, 49, 3.
XVI, 14; XIII, 694; SOPH., Aj, 202; 433 e S.; EUR.,
4) Escól. li., IX, 383; TZETZ., ad Lyc., 1206.
Tray., 799; Arou.oo., Ribl., I, 8, 2,; 9, 16; III, 12,
Tecmessa: SOPH., Aj., passim; QUINT. SM.• V, 5, 6 e S.; HYG., Fab., 14; 89; 173; 0100. SIC., IV, 41;
21 e S.; escól. li., I, 138; HOR., O., 11,4, 5 e S.; Ov., 72; PLUT., Thes., 10; 29; PAUSAN., 1,42,4; lI, 29,
Ars Am., III, 517 e 5.; SERV., ad VIRG., Aen., I, 619; 3-10; III, 19, 13; VIII, 15,6; Ov., Met., VII, 476 e
PLUT., Alcib., I. S.; XIII, 151 e S.; Aroi.. RH., Arg., 1,93 e S.; escól.
a 1289; ATHEN., 11,43 d; PARTH., Erot., 26; escól.
Téctafo: NONN., Dion., XXVI, 101 e s. a Lvc., 467.
TELÉBOAS 432

filho de Éaco e de Endeis (ela própria neta de ilha vizinha de Tafo (hoje Méganis), se apo-
Cicreu) e irmão de Peléu e de Alcímaque, que derou da ilha de Lêucade. Teléboas tanto é
desposou mais tarde Oileu (v. este nome), e~- considerado como filho de Ptérelas (v. este
tabelecendo assim um parentesco entre os dois nome) como é considerado seu pai.
Ájax (v. quadro 31, p. 352). TELECLEIA, (T1jÀi1jxh,Ot.) Segundo uma
Sobre a primeira infãncia de Télamon e so- tradição é a mãe de Hécuba. Telecleia era [I-
bre a sua juventude, v. Peleu. Depois da morte lha de lio e mulher de Cisseu (v. Hécuba).
de Foco, seu meio-irmão, foi exilado, tal como
Peuleu, e, enquanto este se dirigia à .Tessália, TELÉDAMO. (T1jÀiOOtIlOÇ.)1. Telédamo é
Télamon tomava a direcção de Salamina, Ape- o-nome de um filho atribuído aos amores de
sar de ter tentado obter o perdão do pai, envian- Ulisses e de Calipso, talvez idêntico a Telégono
do-lhe embaixadores, Éaco não lhe permitiu re- (v. este nome).
gressar a Egina; a única coisa que autorizou foi 2, É também o nome de um dos dois gémeos
que defendesse a sua causa a partir de um mo- nascidos dos amores de Cassandra e de Aga-
lhe construído ao largo da ilha. Mas, apesar de mémnon (v. quadro 2, p. 12). Foi mo:to
tudo, Télamon perdeu a sua causa quando ainda era criança, como o seu irrnao,
Em Salamina, Télamon desposou a filha do e enterrado em Micenas.
rei Cicreu, Glauce, e, após a morte de Cicreu,
que não tinha filhos, herdou o trono. Quando TELEFAASSA, (T1jÀicpOt<7<7Ot.)
Mulher de
enviuvou, desposou Peribeia, ou Eribeia, filha Agenor, Telefaassa é a mãe de Cadmo, Cílix,
de Alcátoo, o rei de Mégara (v. quadro 2, Fénix e de Europa (v. quadro 3, p. 66). Par-
p. 12). Teve um filho de Peribeia: Ajax. tiu, com os seus filhos, em busca de Europa,
A lenda relaciona Télamon com os grandes quando esta foi raptada por Zeus. Morreu, es-
empreendimentos da época lendária: a caçada gotada, na Trácia e foi sepultada por Cadmo.
de Cálidon, antes do seu exílio em Egina, e, TÉLEFO, (T~À~cpo<;.) Télefo é o filho de Hé-
sobretudo, a expedição dos Argonautas. No racles e de Auge, a filha do rei de Tégea, Aleu
navio Argo, remava junto de Héracles, de (v. Auge e quadro 9, p. 132). De todos os fi-
quem era o companheiro favorito. Criticou os lhos de Héracles, Télefo foi o que mais se as-
Argonautas por terem abandonado H~racles, semelhou ao pai. Sobre as circunstâncias do seu
quando o herói partiu o seu remo e foi talhar nascimento, existiam duas séries de tradiçõ~s
outro na floresta, durante a escala na Bitínia, distintas, umas remontando a fontes predomi-
e, ao procurar Hilas, não se apresentou a nantemente épicas e outras' utilizando princi-
tempo de continuar a viagem (v. Argonautas). palmente os trágicos.
Mas o episódio mais célebre atribuído a Té- Segundo a primeira, Auge, depois do nas-
lamon é a sua participação na conquista de cimento do filho, foi abandonada por Aleu no
Tróia por Héracles. Foi ele quem penetrou em mar encerrada num cofre, que derivou e che-
primeiro lugar na cidade (v Hérac/es) e, com gou 'à Mísia; ou, então, Aleu entregou a filha
uma hábil resposta, escapou à fúria do seu a Náuplio, que a cedeu a mercadores, em vez
companheiro. Este ofereceu-lhe Hesíone, a fi- de a afogar, como Aleu lhe ordenara, e Auge
lha de Laomedonte (v. estes nomes), de quem foi vendida na Mísia, ao rei Teutra. Foi na
teve um filho, Teucro (v. este nome). Segundo corte de Teutra que Télefo foi criado.
uma outra versão, Télamon teria recebido, A segunda versão, pelo contrário, separa
como parte do saque da cidade de Tróia, uma Auge e Télefo. Enquanto a mãe era exposta no
cativa de nome Teanira, que concebeu um filho mar, a criança era-o na montanha, na Arcá-
dele, mas que fugiu para Mileto antes de dar à dia. Com efeito, Aleu dera Auge a Náuplio,
luz. Nessa cidade, foi recollhida pelo rei Aríon,
com a missão de este a afogar. No caminho,
de quem concebeu o herói Estrarnbelo, ou T~- a jovem deu à luz o filho, no monte Parténio,
belo, que, mais tarde, foi morto por Aquiles e abandonou-o. E, enquanto Náuplio a ven-
Télamon estava ainda vivo no final da dia a mercadores que a levariam para a Mísia,
Guerra de Tróia, na qual participaram os seus o pequeno Télefo era alimentado por uma
dois filhos Ájax e Teucro. Quando este regres- cerva. Foi, em seguida, recolhido por pasto-
sou sem 'o irmão (v. Teucro), Télamon res do rei Córito, a quem o deram. Córito edu-
expulsou-o. Apenas existem informações muito cou a criança como se fosse seu filho e deu-
confusas sobre o modo como Télamon morreu. -lhe o nome de Télefo, no qual se encontra o
TELÉBOAS. (T1jÀ~~óOtç.)Herói epónimo do vocábulo grego que significa «cervo» ou
povo dos Teléboas, que, a partir da pequena «cerva» m.Otcpoç).Já homem, Télefo interrogou

Teléboas: STRAB., VII, p. 322; Eusr ., ad Hom., 1249 e S.; HYG.• Fab., 99; 100; 101; 162; 244; ARlsT .•
1472, 38; v. Ptérela. Poet .• XlII. p. 1453 a. 21; STRAB.• XII. 571; XIII.
615; esc61. 11.• I. 59; PAUSAN.• I. 4, 6; IH. 26. 10;
Telecleia: Esc61. EUR., Hec., 3. VIII, 4. 9; 47. 3; 48. 7; X, 28. 8; AESCH.: trago per-
dida Os Mfsios; SOPH., trago perdidas A levadas e Os
Telédamo: 1) Eus r., ad Hom., 1796, 47. Mísios; EUR.• fr .• ed. NAUK. 2.' ed .• fr. 696 e S.;
2) PAUSAN., lI, 16, 6. trago perdida Telefo; DIOD. SIC.• IV, 33; PHILOSTR.•
Her .• 11, 14; DION. HAL., I, 28; PLUT., Rom .• 13; es-
Telefassa: ApOllOD., Bibl., 111, I, I e s. c61. ARI5TOPH.• Nu., 919; Lvc .• Alex .• 1245 e 5.;
Télefo: Ep. Or. Fragm. (KINKEL), pp. 18 e 5.; TZETZ., ad loc.; L. SECHAN, Études sur Ia tra§édie
ApOlLOD, Bibl., 11, 7, 4 e S.; 8 e S.; 1II, 9, I; Ep., grecque ... , p. 503 e S.; J. DUCHEMIN. Agon ...•
1II, 17; V, 12; TZETZ.• Anteh., 269 e S.; ad Lyc., 206; p. 103.
433 TELÉGONO

o oráculo de Delfos para poder encontrar a cicratizava e a quem Apoio predissera que
mãe. O oráculo disse-lhe para se dirigir à Mí- «o que o tinha ferido o curaria», foi da Mísia
sia, onde, com efeito, encontrou a mãe, na a Áulis, vestido de farrapos como um mendigo
corte do rei Teutra. Contava-se que anterior- (esta caracterização parece ser exclusiva do Té-
mente, encontrando-se em Tégea, tinha morto, lejo de Eurípides), e ofereceu-se aos Gregos
acidentalmente, e sem saber quem eles eram, para Ihes indicar o caminho, se Aquiles con-
os dois irmãos da mãe, Hipótoo e Pereu, con- sentisse em curá-Ia. Esclarecido sobre o ver-
cretizando assim um antigo oráculo. Este as- dadeiro sentido do oráculo, Aquiles concor-
sassínio era o tema de uma tragédia perdida de dou: colocou um pouco da ferrugem que se
Sófocles, os Alévades. Expulso da Arcádia, Té- encontrava na sua lança sobre a ferida de Té-
lefo foi consultar o oráculo de Delfos, que lhe lefo e curou-o. De acordo com a sua promessa,
ordenou que se dirigisse à Mísia, sem pronun- este conduziu a frota, que chegou sem contra-
ciar uma só palavra durante o percurso e até tempos a Tróia. Na sua tragédia Télefo ; Eurí-
que Teutra o tivesse purificado. pides conta que, por conselho de Cliternnes-
Um episódio trágico tinha-se desenvolvido tra, Télefo tirara o pequeno Orestes do seu
a partir do tema do reconhecimento de Télefo berço e ameaçara matá-lo se os Gregos não
e de Auge. Era talvez tratado em Os Misios de consentissem em que Aquiles o curasse. Mas
Sófocles. Quando Télefo chegou à corte de este episódio dramático parece ter sido inven-
Teutra, Idas, um dos Argonautas pretendeu tado pelo próprio poeta.
apoderar-se do trono. O rei pediu auxílio a Té- Após a chegada dos Gregos à Troáda, Té-
lefo, que tinha chegado da Mísia acompanhado lefo não desempenha qualquer papel na Guerra
por Partenopeu (v. este nome), prometendo- de Tróia. Só o seu filho Eurípilo se deixa con-
-lhe, em caso de vitória, a mão de Auge, que vencer por Astíoque a conduzir um contingente
considerava como sua filha adoptiva, desde o mísio em socorro de Príamo e isso apesar da
momento que ela desembarcara na Mísia. Té- promessa expressa feita por Télefo aos Gregos
lefo conseguiu a vitória e o casamento ia-se rea- de não combater contra eles (v. Euripiloi. Mas,
lizar. Mas Auge, fiel à recordação de Héracles, nessa época, Télefo já tinha morrido.
não se quer unir a nenhum mortal. Entra na Télefo está relacionado com os mitos itáli-
cãmara nupcial com uma espada. Uma ser- cos através dos seus dois filhos, Tárcon e Tir-
pente enorme, enviada pelos deuses, surge en- seno (ou Tirreno). Esta filiação surge na Cas-
tre ela e o filho e, por uma inspiração divina, sandra de Lícofron e é confirmada por Tzetzes
Auge e Télefo reconhecem-se. O incesto e o e por Dionísio de Halicarnasso. Tárcon e Tir-
crime foram evitados e a mãe e o filho regres- seno são os filhos de Télefo e de Híera. Emi-
saram à Arcádia (v. também Auge). graram para a Etrúria depois da queda de
O mais frequente era admitir que Télefo, re- Tróia. Também Roma, uma das heroínas a
conhecido por Auge, permaneceu na Mísia, quem se atribui a origem de Roma, é, por ve-
onde Teutra fez dele o seu herdeiro e o consi- zes, considerada como uma filha de Télefo, ca-
derou como um filho. Deu-lhe em casamento sada com Eneias (v. Roma).
a sua filha, Argíope. É neste momento que se
situa um episódio célebre da vida de Télefo: TELÉGONO_ (T'1Àiyovoç.)Filho dos amo-
a sua luta contra os Gregos que se dirigiam a res de Ulisses e de Circe (segundo uma outra
Tróia e o seu ferimento causado por Aquiles. versão, menos autorizada, filho de Ulisses e de
Quando da sua primeira tentativa contra Tróia, Calipso). Este Telégono não é referido nos poe-
os Gregos, ignorando a rota, desembarcaram mas odisseicos, mas só a partir dos poemas CÍ-
na Mísia, acreditando que se encontravam na clicos. Teria dado origem a um poema com-
Frígia. Certos autores pretendem que o fize- pleto, a Telegonia, escrito por Eugámon de
ram conscientemente, querendo, deste modo, Cirene.
antes de atacar Tróia, abater o poder dos Mí- Telégono foi criado na ilha de sua mãe,
sios, a fim de impedir que Príamo pudesse ape- Circe, depois da partida de Ulisses. Mas,
lar para o seu auxílio. Seja como for, Télefo quando atingiu a idade adulta, teve conheci-
fez frente aos invasores, matando muitos de- mento de quem era o seu pai. Dirigiu-se, en-
les, nomeadamente Tersandro, o filho de Po- tão, a !taca para se dar a conhecer, mas, aí,
linice, que tentara resistir-lhe. Mas quando começou por se apoderar de uma parte do gado
Aquiles se apresentou, Télefo, assustado, fu- que pertencia ao rei. Ulisses quis defender os
giu. Na perseguição, prendeu o pé num cepo seus bens e, na batalha, foi ferido pelo filho,
de vinha, caiu e Aquiles feriu-o com a lança cuja lança estava guarnecida com espinhas de
na perna. Afirmava-se que o próprio Dioniso raias (peixe que, segundo se acreditava, cau-
tinha provocado esta queda, por Télefo não lhe sava feridas mortais). A ferida foi fatal e Ulis-
ter prestado as honras devidas. Os Gregos ses morreu. Teléfono reconheceu então quem
fizeram-se de novo ao mar (v. também Hierar. era a sua vítima e chorou amargamente o seu
Entretanto, durante oito anos, os Gregos crime. Levou o cadáver de Ulisses, que Pené-
reuniram um outro exército e concentraram- pole quis acompanhar, para a ilha de Circe. Aí,
-se uma segunda vez em Áulis. Mas não sabiam desposou Penépole e Circe enviou os dois às
como alcançar Tróia. Télefo, cuja ferida não Ilhas Afortunadas. Deste casamento entre Te-

Telégono: Theog., 1014;Ep. Gr. Fragm. (ed.


HES., 36 e 5.; Luc., Hist. Ver., I1, 35; PAJmI., Erot., 3; TZETZ.,
KINKEL), pp.56 e 5.; EuST., ad Hom., 1796,49; HVG., ad Lyc., 794;HOR., Ep., I, 29 e 5.; O., Ill, 9, 8, e escól,
Fab., 125;127;SOPH., fr., ed. PEARSON, pp. 105e 5.; PORPH., ad loc.; A. HAIITMANN, Unters. uber die Sa-
SERV., ad VIRO., Aen., I1, 44; APOLLOD., Ep., VII, 16; gen von Tod des Udysseus, Munich,1917.
TELÉMACO 434

légono e Penélope preteH~ia-se: p.or vezes, 9~e servir de juiz entre ele e os pais das vítimas.
teria nascido ltalo, o herói eporumo da ltaha Neoptólemo condenou Ulisses ao exílio para
(v. Ítalo). Atribuía-se ta.mbém a Telégono a toda a vida. Foi Telémaco quem lhe sucedeu.
fundação de Túsculo (hoje Frascati) e, por ve- Inversamente, existia uma outra lenda, se-
zes, a de Preneste (Palestrina). gundo a qual Ulisses teria sido avisado por um
oráculo para desconfiar do filho. Exil!lra, e~-
TELÉMACO. (TT}ÀÉflIXXOÇ.) Telémaco é fi- tão Telémaco para Corfu, onde o tinha VI-
lho de Ulisses e de Penélope, o único nascido giado. Com efeito, o oráculo dizia respeito a
deste casamento, pelo menos segundo os poe- Telégono (v. este nome) e nada impediu o des-
mas odisseicos. Nascera pouco tempo antes da tino de se realizar: Ulisses foi morto, aciden-
Guerra de Tróia e não tinha conhecido o pai. talmente, pelo filho que tivera de Çirce. Telé-
A sua lenda desenvolveu-se sobretudo nos qua- maco tomou então o poder em Itaca. Uma
tro primeiros livros da Odisseia, que for~am tradição totalmente aberrante, sobre a qual nã?
aquilo a que se chama por vezes «TelemaqUla>?, possuímos qualquer detalhe, contava que as SI-
mas os mitógrafos conhecem um grande nu,- renes tinham reconhecido Telémaco e que o ti-
mero de aventuras anteriores e postenores a nham morto para se vingarem de Ulisses.
narrativa homérica. Quando Ulisses, devido ao Telémaco, figura secundária da Odisseia,
juramento que fizera, foi chamado para par- não tinha uma lenda bem estabelecida. Serviu,
tir para Tróia, simulou estar louco e, atrelando por isso, para as construções múltiplas dos mi-
um burro e um boi à charrua, começou a arar tógrafos que estudaram e «comentaram» a
a terra que, em seguida, semeava com sal. P~- lenda de Ulisses. Foi assim que, desenvolvendo
lamedes, para o pôr à prova, colocou Tele- o episódio homérico de Telémaco e Policaste,
maco, menino de tenra idade, frente a~ sulco. afirmaram a existência de duas crianças nas-
Ulisses parou a junta, mostrando .asslm que cidas da sua união: Persépolis e o próprio Ho-
não estava tão louco como pretendia (v. Ulis- mero. Do mesmo modo imaginaram um casa-
ses e Palamedes). Uma outra vez, Telémaco, mento de Telémaco com Nausícaa, casamento
ainda menino caiu ao mar; foi salvo pelos del- de que teria nascido Persépolis ou Ptoliporto.
fins e foi por 'isso que Ulisses tinha a imagem' O orador ático Andócides pretendia que se con-
de um delfim no seu escudo. tavam entre os seus antepassados longínquos
Os acontecimentos da juventude e da ado- Telémaco e Nausícaa.
lescência de Telémaco são narrados. na Odis- Para além destas construções tardias, Telé-
seia. Telémaco cresceu na corte de ltaca, s,?b maco permanece como uma figura principal-
os cuidados de Mentor, o velho amigo de Uhs- mente literária: a sua piedade, o seu valor, um
ses. Mas, quando tinha cerca de dezassete anos, pouco ingénuos, eram lendários e isso permi-
começaram as importunações dos pretende~- tiu a Fénelon desenvolver longamente a Tele-
tes e a sua pilhagem dos bens de Uhsses. Tele- maquia no seu célebre romance, sem se afas-
maco, sentindo-se já adulto, tentou afastá-Ios. tar demasiado da psicologia tradicional do seu
Iniciou uma viagem para saber novas de seu herói desde a Odisseia.
pai junto de Nestor, que regressara a Pilos, e
de Menelau, que se encontrava em Espa:ra. No TÉLEMO. (T~ÀtflOÇ.) Télemo é um adivinho
decurso da sua visita a Nestor foi acolhido por célebre do país dos Ciclopes. Foi ele quem, se-
Policaste, uma das filhas do rei. Na corte de gundo a Odisseia, predisse a Polifemo que
Menelau teve conhecimento de que o deus Ulisses o tornaria cego.
Proteu revelara àquele que Ulisses estava, TELFUSA. (TÉÀ'í'ouaIX.) Ninfa de uma fonte
numa ilha distante, prisioneiro de Calipso. situada na Beócia, entre Haliarto e Alalcó-
De regresso a Ítaca, pouco tempo depoisviu mene junto de uma falésia. Contava-se que
o pai regressar, sob os traços de um estrangeiro. Apolo, no seu regresso do país dos Hiperbó-
A sua primeira entrevista Joi preparada pelo reos, seduzido pela frescura do local, quis es-
boieiro Eumeu. Surge entao a conjura contra tabelecer aí o seu santuário. Mas a ninfa, te-
os pretendentes e, em seguida, o massacre. mendo ver diminuídas as suas honras se um
A estas aventuras clássicas, os rnitógrafos deus tão grande se instalasse junto dela,
acrescentam, por vezes, episódios diversos. aconselhou-o a fazê-Io em Delfos. Apoio as-
A Telegonia (v. Telégono) contava, por exem- sim o fez. Mas em Delfos teve de sustentar uma
plo, que, depois da morte de Ulisses, ~orto por luta muito dura contra Píton (v. ApoIo). De-
Telégono, este tinha casado co~ Penelope, en- pois da vitória, e compreendendo o engano de
quanto Telémaco desposava Orce. Deste ca- que tinha sido vítima, o deus regressou para
samento teria nascido Latino (v. este nome). criticar Telfusa e, para a punir, dissimulou a
Uma outra tradição fazia nascer dele Roma, fonte sob a falésia. Dedicou, em seguida, nesse
que era, então, a epónima de Roma. Telémaco lugar, um altar a si próprio.
teria morto Circe (v. Cassífone).
Contava-se que, após o massacre dos pre- TELQUINES. (TtÀiLVtÇ.) Os Tclquincs são
tendentes, Ulisses chamou Neoptólemo para os génios de Rodes, filhos do Mar (Ponto, deus

Telémaco: Od., passim: Eusr., ad Hom., 1796; Telfusa: lIymm. hom. Apol!., 244 c S.; )77 c s.
TZET., ad Lyc., 798; 805; 808; 811; AJ>OIH!I).: Ep., Telqulnes: SIRAII., r.
601; 654; ElIsl.: ad
XIV,
111,7; VII, 32 e S.; PLUT., De 5011.An., 36; SlcRV., Hom., r. 771; Dion. SIC., V, 5~ c 56; fnll ...,
ad VIRG., Aen., 1,273; PTOI.. HEPH., VII. Theog 81 e 5.; Chil., VII, 126; SLKV., ad VJII(,.,
TéIemo: Od., IX, 508 e S.; Met., XIII, 771 e 5.; Aen., iv,377; Ov., Mel., VII 367; cf. BI.INKI·NIII·R
THEOCR., Idyl., VI, 23; HYG., Fab., 125. (;IN, Hermes, 1915, 1'1'. 271·303.
435 TÉMIS

masculino) e da Terra, segundo certas tradi- 1. Um deles, conhecido apenas por uma
ções. Têm uma irmã, Halia (v. este nome), que lenda local transmitida por Pausânias, era ori-
se uniu a Posídon. Juntamente com Cafira, to- ginário de Estínfalo, no Peloponeso. Era filho
maram parte na educação do deus. Nesta edu- de Pelasgo e foi ele quem educou a deusa Hera.
cação tiveram o mesmo papel que os Curetes Em sua honra, consagrou três santuários: o pri-
na de Zeus. Atribui-se aos Telquines a inven- meiro a Hera Criança; o segundo, depois do
ção de um certo número de artes, em particu- casamento da deusa com Zeus, a Hera Núbil;
lar a ideia de esculpir as estátuas dos deuses. o terceiro, quando Zeus e Hera, depois de uma
Eram também mágicos e possuíam o poder de disputa, se tinham momentaneamente sepa-
fazer cair chuva, granizo e neve. Eram também rado, a Hera Viúva.
capazes de revestir a forma que quisessem. Não 2. Segundo Pausânias, Témeno era o nome
gostavam, porém, de revelar os seus talentos e de um dos dois filhos de Fegeu. Com o irmão
mostravam-se bastante avaros em relação a eles. Axíon, matou Alcméon. Mais frequentemente,
Um pouco antes do Dilúvio, tiveram o pres- os dois filhos de Fegeu são chamados Prónoo
sentimento da catástrofe e deixaram Rodes, a e Agenor (v. Fegeu e quadro 19, p. 239).
sua ilha natal, para se dispersarem pelo mundo. 3. Mas o mais célebre dos heróis com este
Um deles, Lico, partiu para a Lícia, onde cons- nome é um dos Heraelidas, filho de Aristó-
truiu, nas margens do rio Xanto, o templo de maco, bisneto de Hilo, o filho de Héraeles e
Apoio Licio. de Dejanira (v. quadro 18, p. 220). Tal é, pelo
Eram representados sob a forma de seres an- menos, a genealogia mais vulgarizada. Mas ha-
fíbios, meio marinhos e meio terrestres. Ti- via uma outra tradição que fazia dele neto de
nham quer a parte inferior do corpo em forma Hilo e filho de Cleodeu, que, na tradição pre-
de peixe ou de serpente, quer os pés palmados. cedente, é o seu avô. Foi a ele que, juntamente
O seu olhar era terrível e carregado de malefí- com o seu irmão, Cresfontes, foi permitido
cios. Atribui-se-lhes nomeadamente o terem conquistar o Peloponeso. Sobre os detalhes da
inundado a ilha de Rodes com a água do Es- expedição, v. Heraclidas. Uma vez terminada
tige para a tornarem estéril (v. Mace/o). Esse a conquista, Témeno obtém Argos (v. Cresfon-
facto provocou a cólera dos deuses contra eles. tes). Témeno pediu a um descentente de Dio-
Apoio matou-os com as suas flechas ou, se- medes, Ergieu, para roubar o Paládio, levado
gundo outra versão, Zeus fulminou-os e por Diomedes para Argos e, assim, privou a
precipitou-os no fundo do mar. cidade da sua protecção. Mais tarde, esta es-
tátua rniraculosa foi transportada para Esparta
TÉLQUIS. (TEÀX(ç.)Télquis figura, na tra-
(v. Leagro).
dição conservada por Pausânias, entre os reis
de Sícion (v. quadro 24, p. 265). É filho de Eu- Témeno deu a mão da sua filha, Herneto,
ropa e pai de Apis. Na tradição argiva, trans- ao Heraclida Deifontes (v. este nome),
mitida por Apolodoro, Télquis e Télxion são atraindo assim o ódio dos próprios filhos, que
os dois heróis que libertaram o país da tirania tentaram assassiná-lo quando se banhava so-
de Ápis. zinho num ribeiro. Mas Témeno não morreu
imediatamente; teve ainda tempo para deser-
* TELURE. (Tellus.) Tellus é, em Roma, a dar os filhos e entregar o reino a Deifontes.
personificação da Terra nutrícia. É, por vezes, Para o nome dos filhos de Témeno, v. qua-
honrada sob o nome de Terra Mater, a Terra dro 18, p. 220.
Mãe, eidentificada com a deusa grega Geia
(v. este nome). Forma par, em época remota, TÉMIS. (8ÉfiIÇ.) Témis, a deusa da Lei, per-
com o numen masculino Tellumo. Telure não tence à raça dos Titãs. É filha de Urano e de
ÇlosslIi 11m mito N~_ç,lendas I ()r11Q~ • .,nr VP7PÇ, • Geia (Y. nuadros 6. o. \05: 14. o. 182) e irmã
O lugar de Geia ou, e é a maior parte dos ca- das Titânides. Como deusa das leis eternas, fi-
sos, o de Ceres-Dernéter. gura entre as esposas de Zeus, a segunda de-
pois de Métis (v. este nome). Com Zeus, Té-
TÉLXION. (8EÀç(WU.)Télxion é o quinto rei mis gerou as três «Horas» (v. este nome), as
de Sícion, descendente de Egialeu (v. qua-
três Moiras (as Parcas) - Cloto, Láquesis e
dro 24, p. 265). Um outro herói com este nome Átropo -, a virgem Astreia, personificação da
(ou o mesmo?) é um dos dois assassinos de Justiça, as ninfas de Erídano, às quais Héra-
Ápis (v. este nome). eles perguntou o caminho para o país das Hes-
TÉMENO. (T"ÍjfiEVOÇ.)
Nome de vários he- pérides. Também se atribui, por vezes, a esta
róis. união as próprias Hespérides.

Télquis: PAUSAN., lI, 6; CLEM. AL. Strom., I, 102; I; 18,7; 19, 1; 21, 3; 26, 2; 28, 3 e 5.; 38, I; rn, I,
Aro: LOl)., Bib/., li, I; TZET., ad Lyc ., 177. 5; IV, 3, 3 e 5.; ApOLLOO., Bíb/., lI, 8, 2 e 5.; HYG.,
Fab., 124; 219; TZETZ., ad Lyc., 804; PLUT., Qu.
Telure: LUCR., De Nat, Rer., V, 259; VIRG., Aen.,
Gr., 48; EUR., trago perdida Teménides; cf. NAUCK,
VII, 136, e SERV., ad VIRG., Aen., I, 171; HOR., Tr. Gr. Fragm., 2.· ed., p. 592 e S., e J. DUCHEMIN.
Cant. Saec., 29; Crc., de nat . V., 111, sz: AUGUST.,
Agôn, pp. 103-104.
VII, 23 e 5.; cf. S. WEINSTOCK, in Glotta, 1933, pp.
140-152, e H. LE BONNIEC (v. art , Ceres). Témis: HE5., Theog., 135; 901 e 5.; DIOO. SIC., V,
66; ApOLLOO., Bibl., I, 1,3; HYG., Fab., prol.; ERA·
Télxíon: 1) PAUSAN., n, 5, 7. 2) ApOLLOl)., Bib/.,
TOSTH., Cat., 9; escól. Ar-oi.. RH., Ar., IV, 1396; a
li, I; TZET., ad Lyc., 177.
EUR., Hipp., 742; AESCH., Pr., 18; 209; 874; PLUT.,
Témeno: 1) PAUSAN., VIII, 22, 2. 2) PAUSAN., Qu. Rom., 56, p. 278 b; DION. HAL., I, 31; escól. 11.,
VIII, 24, 10.3) PAUSAN., 11,6,7; I 1,2; 12,6; 13, XV, 299.
TEMISTO 436

Uma tradição, apenas representada por És- apercebeu-se do que se passava e apressou-se
quilo, faz de Témis a mãe de Prometeu e o a fugir, prometendo a Apoio uma hecatombe
mesmo nome foi dado à ninfa arcádia, mãe de se o ajudasse naquele mau momento. Apoio
Evandro e mais geralmente designada por Car- protegeu-o e escapou aos seus inimigos. Mais
menta na tradição romana (v. este nome). tarde, o rei dos Enianes, Fémio, travou um
Os mitógrafos e os filósofos imaginaram que combate singular com o rei Hipéroco e, en-
Témis, como personificação da Justiça, ou da quanto este, a pedido de Fémio, se virava para
Lei Eterna, era conselheira de Zeus. Foi ela afastar um cão que o seguira até ao local do
quem lhe teria ordenado que se vestisse com combate, Fémio matou-o com uma pedrada.
a pele da cabra Amalteia, a Égide, e se servisse Os Enianes apoderaram-se então do país. Em
dela como couraça durante a luta contra os Gi- recordação destas aventuras, votavam um culto
gantes. Por vezes, atribui-se-lhe também a ideia especial às pedras e, no momento dos sacrifí-
primeira da Guerra de Tróia, que teria sido sus- cios, ofereciam aos descendentes de Témon um
citada por ela a fim de remediar o povoamento pedaço escolhido da vítima, a que chamavam
excessivo da Terra. Entre as divindades da pri- «a carne do mendigo».
meira geração, Témis é uma das raras que está TÉNERO. (T"Íjvópoç.) Rei da cidade de Te-
associada aos Olímpicos e que partilha com eles bas, na Beócia, e filho da ninfa Mélia (v. este
a vida no Olimpo. Devia estas honras não só nome) e de Apoio. Era irmão do herói Ismeno,
às suas relações com Zeus, mas, também, aos que deu o seu nome ao rio beócio homónimo.
serviços que tinha prestado aos deuses, inven-
tando os oráculos, os ritos e as leis. Foi Témis Foi sacerdote do templo de Apoio Ptoo e um
adivinho célebre.
quem ensinou a Apoio os processos da adivi-
nhação. E, antes do deus, era ela quem pos- TENES. (TiVT)ç.)Tenes, o herói epónimo da
suía o santuário pítico, em Delfos. Cita-se ilha de Ténedos, ao largo da costa troiana, é
ainda um certo número de oráculos que ela te- vulgarmente considerado como filho de Cicno
ria pronunciado, como aquele que avisava (v. este nome) e, mais raramente, como filho
Atlas de que um filho de Zeus roubaria as ma- de Apoio. A sua mãe é Próclea, uma das fi-
çãs de ouro das Hespérides e o oráculo que di- lhas de Laomedonte. Tem uma irmã, chamada
zia respeito à descendência de Tétis (v. este Hemítea. Mas Próclea morre e Cicno casa em
nome). segundas núpcias com uma mulher chamada
TEMISTO. (0ófJ.\<Ttw.) A mais célebre he- Filónome, que caluniou Tenes junto de Cicno,
roína com este nome é a filha de Hipseu, ele pretendendo que o jovem a tivesse querido vio-
próprio filho de Peneu, o deus-rio tessálio, e lentar, quando, na realidade, ele tinha ficado
de Creúsa (v. quadro 25, p. 268). Desposou insensível aos seus desafios. Cicno acreditou-
Átamas, um dos filhos de Éolo e de Enareta .a e abandonou os seus dois filhos, num co-
(v. quadro 34, p. 392). Desse casamento teve fre, no mar. O cofre, protegido pelos deuses,
quatro filhos: Lêucon, Eritrio, Esqueneu e e talvez mais particularmente por Posídon (o
Ptoo (v. Átomos, Leucóte). avõ de Tenes), acostou na ilha que se chamava'
então Lêucofris e que, em seguida, tomou o
TÉMON. (TifJ.wv.)Quando os Enianes, ex- nome de Ténedos. Os habitantes da ilha toma-
pulsos pelos Lápitas da Pelágia, erravam atra- ram Tenes como rei. Quando, mais tarde,
vés da Grécia, quiseram estabelecer-se nas mar- Cicno reconheceu o seu erro (v. Cicno), ten-
gens do Ínaco (na Acarnânia). Tiveram de tou reconciliar-se com os seus filhos. Tenes não
combater os Ínacos e os Aqueus. Como um consentiu e como o pai se encontrasse num na-
oráculo tivesse prevenido os primeiros habitan- vio, preso à margem por um cabo, cortou o
tes de que perderiam o seu país se cedessem a cabo para dar a entender que tudo estava cor-
menor porção dele, e, por outro lado, tinham tado entre eles.
prometido aos Eniades que, se os primeiros Quando os Gregos, navegando para Tróia,
possuidores lhes cedessem uma pequena par- se apresentam em Ténedos, Tenes procurou
cela do país, poderiam tornar-se senhores de impedir o seu desembarque, bombardeando-
toda a região. Para resolver a dificuldade, um -os com pedras. Mas Aquiles matou-o, ferindo-
nobre eniade, chamado Témon, disfarçou-se -o no peito. Alguns autores afirmam que Cicno
de mendigo e apresentou-se ao rei dos Ínacos, (que nesta versão se reconciliara, aparente-
Hipéroco. O rei, um homem brutal, troçou dele mente, com o filho) foi morto no mesmo com-
e, no lugar de pão, deu-lhe um pedaço de terra; bate, igualmente por Aquiles.
Témon pegou no torrão e guardou-o no seu Existia uma outra lenda respeitante à morte
saco. Vendo isto, os anciãos do país recorda- de Tenes: quando procurava proteger a sua
ram-se do velho oráculo e puseram o rei de so- irmã Hernítea dos ataques amorosos de Aqui-
breaviso sobre o que acabara de fazer. les, o herói tê-I o-ia morto. Teria sido sepultado
Pediram-lhe que impedisse este mendigo de no próprio local, onde, mais tarde, se ergue-
partir com um pedaço do seu país. Témon ria o seu templo. Neste templo, não era per-

Temisto: Escól. PINO., Pyth., IX, 31; ApOllOD., Tenes: STEPH. Bvz.. s. u., Tivtoç; SUID., ibid.;
Bibl., 1,9,2; TZET., ad Lyc., 22. Fragm. Hist. gr .. , lI, p. 157, fr. 170 (ARIST.), e p.
213; PlUT., Qu. Gr., 28; PAUSAN., IX, 14, e S.;
Témon: PlUT., Qu. Gr., 13.
0100. S,(:., V, 83; CONON, Narr., 28; ApOllOD.,
Ténero: STRAB., IX, 413; PAUSAN., IX, 10,6; 26, Ep., IlI, 23 e S.; TZETZ., ad Lyc., 232 e S.; escó!.
1; TZETZ., ad Lyc., 121 I. 11., I, 38.
437 TERAMBO

mitida a entrada a nenhum tocado r de flauta, de Eurípides, figura como conselheira piedosa,
porque um tocador de flauta denominado Eu- a quem a ascendência divina confere poderes
molpo, subornado pela madrasta de Tenes, ti- de adivinhação. Ajuda Helena a escapar do
nha prestado contra ele um falso testemunho Egipto e, por isso, incorre na cólera do irmão,
(v. Cicno). sendo apenas salva pela intervenção dos Dios-
Na lenda de Aquiles (pelo menos na sua curos. Uma tradição contava que se tinha apai-
parte pós-homérica), a morte de Tenes era um xonado pelo piloto de Menelau, Canopo
dos numerosos episódios que ligavam o herói (v. este nome).
ao seu destino. Tétis tinha-o avisado de que se 2. Uma outra Teónoe é a heroína de uma
matasse «um filho de Apoio», ele próprio, em aventura romanesca que nos é contada por Hi-
Tróia, não poderia escapar a uma morte vio- gino, sem.dúvida segundo uma tragédia hoje
lenta (v. Aquiles). perdida. E filha de Testor e tem como irmão
TEOCLÍMENO. (etoXÀÚfLEVOÇ.) 1. Adivi- Calcas, o adivinho, e como irmã Leucipe. Um
dia, quando brincava na praia, foi raptada por
nho, filho de Polifides, e, por consequência,
descendente de Melampo (v. Polifides), que piratas e vendida ao rei da Cária, Icaro. Tes-
tor partiu imediatamente em busca da sua fi-
desempenha um papel na Odisseia. É originá- lha, mas naufragou e foi atirado, por acaso,
rio de Argos, mas teve de se exilar na sequên-
cia de um assassinato. Refugiou-se em Pilos, para as costas da Cária. Preso, foi conduzido
perante o rei e entrou como escravo para a casa
onde encontra Telémaco. Acompanha este a deste. Tendo perdido ao mesmo tempo o pai
Itaca e interpreta um presságio fornecido por
e a irmã, Leucipe decidiu, por sua vez, partir,
um pássaro, no momento em que os dois de-
de acordo com uma ordem do oráculo de Del-
sembarcaram. Numa outra ocasião, predisse, fos. Cortou os cabelos, disfarçou-se de sacer-
na presença de Penépole, que Ulisses não es-
dote e, assim, alcançou a Cária. Teóneo viu-
tava longe. Por fim, anuncia aos pretenden-
-a, não a reconheceu, e tomando-a por um
tes a sorte que os espera. homem, apaixonou-se e dirigiu-lhe, através dos
2. Um outro herói com este nome, filho de seus servidores, propostas galantes. Embara-
Proteu e de Psâmate, desempenha um papel çada pelo seu disfarce, Leucipe recusou. Irri-
na Helena de Eurípides. Depois da morte de tada, Teónoe ordenou que a prendessem e en-
Proteu, que é apresentado como um rei do cerrassem na prisão; em seguida, encarregou
Baixo Egipto, sucede-lhe no trono. É um ho- um dos seus escravos de a matar. Ora este es-
mem cruel, inimigo dos Gregos, sacrificando cravo era precisamente Testor, que ninguém ti-
todos aqueles que caíam sob as suas mãos. nha reconhecido. Entrou na prisão onde estava
Tenta seduzir Helena, que se refugiara na sua Leucipe, também não a reconheceu, mas la-
corte, e, quando esta o engana, mostra-se vio- mentou a sorte que o obrigava, depois de per-
lento e quer matar a sua própria irmã, Teónoe, der as duas filhas, Teónoe e Leucipe, a come-
acusando-a de cumplicidade com Helena. Ape- ter um crime. Leucipe compreendeu então
nas acede perdoá-Ia após a intervenção dos quem tinha à sua frente e, como Testor virasse
Dioscuros. a espada contra ele próprio, arrancou-a, deu-
TEÓFANE. (ew'l'cXVT].) Heroína trácia, filha -se a conhecer e decidiu matar a «rainha» Teó-
do rei Bisaltes, era de uma grande beleza. Mui- noe. Estava prestes a consegui-Io quando esta,
tos pretendentes nobres procuravam desposá- ameaçada, invocou o pai, Testor, o que deu
-Ia; mas Posídon enamorou-se dela e para a le- lugar ao reconhecimento geral. O rei Ícaro
var transportou-a para a ilha de Crumissa (uma cumulou-os de presentes e enviou-os de re-
ilha desconhecida dos geógrafos antigos e cujo gresso à sua pátria.
nome foi, talvez, corrompido pela tradição). TERAMBO. (Ti.pafL~OÇ.) Filho de Eusiro, ele
Mas os pretendentes tiveram conhecimento do próprio filho de Posídon, e da ninfa dos
local onde ela se escondia e partiram à sua pro- montes Idótea, habitava, ainda jovem, nos cu-
cura. Posídon, para os enganar, transformou mes do monte Ótris, onde guardava grandes
a jovem numa ovelha de grande beleza, tendo- rebanhos. Dotado de uma voz melodiosa, era
-se ele próprio transformado num carneiro, igualmente hábil a tocar flauta de cana e
animal em que também transfigurou todos os pretende-se que foi o primeiro mortal a can-
habitantes da ilha. Os pretendentes, quando tar acompanhando-se à lira. Era também o fa-
chegaram à ilha, não encontraram senão reba- vorito das Ninfas, que iam escutá-Io, e o pró-
nhos e prepararam-se para comê-Ios. Vendo prio deus Pã era-lhe favorável. Cerca do final
isto, Posídon transformou-os em lobos. O pró- do Verão, Pã aconselhou-o a voltar à planície
prio Posídon, como carneiro, uniu-se a Teó- com o seu rebanho, porque o Inverno seria pre-
fane e deu-lhe um filho, o carneiro com a pele maturo e duro. Terambo, com a negligência
de ouro, aquele que devia transportar Frixo e e o orgulho próprios da juventude, não o ou-
Hele. viu. Começou, inclusivamente, a ironizar
TEÓNOE. (ewvó.".) 1. Uma primeira he- acerca das Ninfas, pretendendo que elas não
roína com este nome é a filha de Proteu e irmã eram filhas de Zeus, mas sim do deus-rio Es-
de Teoclímeno (v. Teoclímeno, 2). Na Helena perqueu. Contou também que, um dia, Posí-

Teoclímeno: 1) Od., XV, 223 e 5.; 508 e 5.; XVII, Teónoe: 1) EUR., Hei., passim; CONON, Narr., 8.
72 e 5.; 151 e 5.; XX, 350 e 5.; EUST., ad Hom., 2) HYG., Fab., 190.
p. 1780, 10 e 5. 2) EUR., Hei., passim.
Teófane: HIG., Fab., 3; 188; cf. Ov., Met., VI, 117. Terambo: ANT. LID., Transf., 22.
TERAS 438

Édipo (v. tb. quadro 9, p. 128) Adrasto

Etéocles Polinice ,....., Argia I

Láodamas Demonassa ,....., Tersandro Alastor


(v. quadro I, p. 8) I Tímias

Tisâmeno
I
Autésion
I

Teras Argia 11 Aristodemo (v. este nome e quadro


18, p. 220)

Procles Eurístenes

Quadro genealógico n. o 37

don, apaixonado por uma delas chamada Dió- belecidos na Lacedemónia. Partiu acompa-
patra, tinha fixado as outras ninfas ao solo por nhado por três navios e instalou-se na ilha, que
meio de raízes e, durante algum tempo, tinha- tomou o nome de Tera.
-as transformado em choupos. Depois, uma
vez satisfeita a sua paixão, devolvera-as à TEREU. (TTjpEúç.)Tereu, rei da T~ácia e fi-
forma primitiva. Tais eram os discursos de Te- lho de Ares, é o herói da lenda de Filornelo e
rambo. De início, as Ninfas não disseram coisa de Procne (v. Filomelo).
alguma. Em breve, porém, começaram as pri- TÉRMERO (Tépuepoç.) Térmero é o herói
meiras geadas, neve abundante caiu sobre as epónimo da cidade de Térmera, na Cária. Era
montanhas, as árvores perderam as folhas e o um pirata lélege, que saqueava não só as co~-
rebanho de Terambo começou a emagrecer. Fi- tas da Lícia e da Cária como a ilha de Cós. E,
cou só na montanha. Foi então que as Ninfas provavelmente, idêntico ao bandido de que fala
se vingaram e o transformaram em «Escara- Plutarco: matava os viajantes à cabeçada. Este
velho Come-Madeira», o qual, para se alimen- monstro foi morto por Héracles.
tar, roía a casca das árvores. Este insecto serve
de brinquedo às crianças, que lhe cortam a ca- * TÉRMINO. (Terminus.) Antiga divindade
beça, cujos enormes cornos parecem uma lira romana, cuja capela se situava no Capitólio,
(v. Cerambo). no interior do templo de Júpiter. A sua intro-
dução na religião romana é atribuída ao sabino
TE~S. (0'Ípcxç.) Teras é o herói epónimo
Titus Tatius, como, aliás, acontece para a
da ilha de Tera. Pertence à raça de Cadmo e
maior parte das divindades agr!cola~ .. E, com
é descendente de Édipo em quinta geração efeito Término é o deus que se identifica com
(v. quadro 37). os ma~cos dos campos. É essencialmente imu-
O seu pai, Autésio, estabelecera-se em Es- tável. Contava-se que, quando da construção
parta, onde Argia, a irmã de Teras, despo.sar.a do tempo de Iupiter Optimus Maximus, no Ca-
o Heraclida Aristodemo, de quem teve dOIS fi- pitólio, as numerosas divindades das capelas
lhos, Procles e Eurístenes. Aristodemo morreu que se encontravam no local aceitaram retirar-
quando os filhos eram ainda crianças e Tera~ -se para ceder o lugar ao senh?r dos I?e.us~s.
foi seu tutor e regente. Quando chegaram a Só Término recusou partir e foi necessano In-
idade de reinar, Teras deixou o país, para não tegrar o seu santuário no interior do templo.
ficar sob as suas ordens, e foi estabelecer-se Como, todavia, Término não pode erguer-se
numa ilha, que, a partir de então, se c~amou senão sob o céu, foi feita uma abertura no tecto
Tera (chamava-se anteriormente Cahste, a para seu uso exclusivo.
Muito Bela). Escolhera essa ilha porque já ti- Celebravam-se em honra de Término os Ter-
nha sido colonizada pelos Fenícios, antigos minalia, no dia 23 de Fevereiro de cada ano.
companheiros de Cadmo. Embarcou com um
certo número de mínios, descendentes dos Ar- TERO. (01Jpw.) Descendente, na terc~ira ge-
gonautas, outrora exilados em Lemnos e esta- ração, de Ificlo, o irmão gémeo de Héracles,

Teras: HEROO., IV, 147 e s.; PAU5AN., 111, 1,7 e Térmero: Escól. a EUR., Rhes., 509; PLUT.,
s.; 15,6; IV, 3, 4; VII, 2, 2; Arot.. RH., Arg., IV, Thes., 11.
1755 e s., e escól. v. 1764; PINO., Pyht.. IV, 257 e s.;
Término: VAR., LL, V, 21; 74; DIONHAL., lI, 74;
V, 72 e 5.; cf. CALLIM., Hymn, hom. Apo/l., 71 e s.
m, 69; LIV., I, 55, 2; V, 54, 7; PLUT., Qu. Rom.,
Tereu: ApOLLOD., Bib/., Ill, 14, 8; AESCH., Supp., 15; FEST., p. 162; C. I. L.,I,2.' ed., p. 310; G. PICo
61 e s.; tragédia perdida de LIV. ANOR.; HVG., Fab., CALUGA, Terminus. I segni di confine nella religione
45; 246; Ovo u«; VI, 427; LACT., PLAC., ad Ov., romana, Roma, 1974.
Met., 6. V. art. Fi/ome/o. Tero: PAU5AN., IX, 40, 5.
439 TESEU

Une-se a ApoIo, de quem tem um filho, Qué- (v. quadro 29, p. 298). Tem como irmãos On-
ron, o herói epónimo de Queroneia, na Beó- questo, Prótoo, Celeutor, Licopeu e Melanipo,
cia (v. quadro 32, p. 370). e, com eles, expulsou o tio, Eneu, do trono de
Cálidon (v. Eneu e Diomedes), quando o an-
TERPSÍCORE. (Tóp~txópa.) Uma das nove cião ficou incapaz de se defender. Mas Tersi-
Musas, filhas de Zeus e de Mnemósine. Por ve- tes é sobretudo célebre pelo papel pouco posi-
zes é considerada como mãe das Sirenes (v. este tivo que lhe atribui a Iliada na Guerra de Tróia.
nome), cujo pai teria sido o deus-rio Aqueloo. Segundo a Iliada, Tersites é o mais feio e o
E também apontada como mãe de Lino mais cobarde de todos os gregos que comba-
(v., contudo, Lino), de Reso, etc. No início, tem em Tróia. É coxo e as suas pernas são tor-
as suas atribuições não são mais especificadas tas; é corcunda e os cabelos são raros. Quando
que as das suas irmãs (v. Musas). Agamémnon põe os seus soldados à prova
TERSANDRO. (0épaavopoç.) Conhecem-se propondo-Ihes o levantamento do cerco, Ter-
pelo menos dois heróis com este nome. sites é um dos primeiros a aceitar esta solução
1. Um é o filho de Sísifo e de Mérope e figura entre os cabecilhas da sedição que está
(v. quadro 36, p. 422). Teve dois filhos, Ha- prestes a verificar-se. Ulisses castiga-o com uma
liarto e Corono, epónimos das cidades beócias bastonada, sob a risada dos soldados.
de Haliarto e de Coroneia. Contava-se ainda - mas esta narrativa não
2. O outro é filho de Polinice e de Argia. figura na I/fada - que Tersites tinha partici-
Nele se reúne, pois, a raça de Édipo e a de pado na caçada ao javali de Cálidon, mas que,
Adrasto (v. quadro I, p. 8; 37, p. 438). Par- ao ver o animal, tomado de pavor, tinha fu-
ticipou na expedição dos Epígonos contra Te- gido. As epopeias cíelicas informam-nos que
bas. Foi ele quem deu o peplo de Harmonia Tersites ficou a dever a morte à própria mal-
a Erífile, para que esta persuadisse o filho, Ale- dade. Quando Pentesileia, a bela amazona, foi
méon, a tomar parte na expedição (v. Erifile). morta por Aquiles -que se apaixonou por ela
Depois da conquista da cidade, Tersandro ob- quando a viu moribunda-, Tersites escarne-
teve o poder e fez regressar a Tebas os habi- ceu deste amor e, com a ponta da sua lança,
tantes que tinham fugido no momento do arrancou os olhos da jovem. Indignado com
saque. Desposou a filha de Anfiarau, Demo- este crime, Aquiles matou Tersites a murro.
nassa, de quem teve um filho, Tisâmeno. Par- Em seguida, fez-se purificar deste assassínio em
ticipou na primeira expedição contra Tróia, Lesbos (v. também Diomedes).
aquela que terminou com o desembarque na TESEU .. (01Jaóúç.) Teseu é o herói por exce-
Mísia. Foi morto por Télefo. Os seus funerais lência da Atica e o simétrico do herói dório Hé-
foram celebrados por Diomedes. Virgílio, po- raeles, cujas principais façanhas tiveram por
rém, faz eco de uma tradição segundo a qual cenário o Peloponeso.' As principais fontes so-
Tersandro teria participado na Guerra de Tróia bre a lenda que lhe diz respeito são a sua Vida,
propriamente dita, figurando entre os guerrei- escrita por Plutarco, e as notícias de Apolo-
ros que tomaram lugar no cavalo de madeira. doro e de Diodoro.
TERSITES. (0ópal"tTjç.)Tersites é, pelas suas Considerava-se que Teseu vivera uma gera-
origens, um herói etólio. É, com efeito, o neto ção antes da Guerra de Tróia, na qual tinham
de Portáon e de Eurite e um dos filhos de Ágrio participado os seus dois filhos, Demofonte e Áca-

Terpsícore: HES., Theog., 78; TZETZ., ad Lyc., STRAS., IX, 399; CALLlM., Hec., EUR., Hipp., pas-
653; SUJO., s. u. lllvoç; arg. EUR., Rh. sim.
Tersandro: l)PAusAN., X, 30, 5; escól. Od., XI, Ciclo cretense: Od., XI, 322 e s.; 631; cf. PAUSAN.,
326.2) P,ND., O/ymp., 11, 76, e escól. ad loc.; PAU· I, 20, 3; X, 28, 2 e s.; SERV., ad VIRG., Georg., 1,
SAN., 11, 20, 5; ApOLLOD., Bibl., I1I, 7, 2; HVG., 222; Aen., I1I, 74: VI, 21; PLUT., Thes., 15 e s.; es-
Fab., 69; SERV., ad VIRG., Aen., 11, 261; escól. Arot.. cól. Od., XI, 322, e li., XVIII, 590; HYG., Fab., 41;
RH., Arg., IV, 1764; a EUR., Phoen., 135; PAUSAN., 42; 43; Aslr. Poel., 11, 5; LAcT. PLAC., ad STAT.,
m, 15, 6; IX, 5, 15 e s.; 8, 7; EUST., ad Hom., Achil., 192; 0100. SIC., IV, 61; VI, 4; PAUSAN., I,
p. 489, 37; STAT., Theb., I1I, 683; LACT., PLAC., ad 22,5; CATUL., LXIV, 215 e s.; ERATOSTH., Cai., 5;
STAT., Theb., I1I, 697; XII; 348. ApOLLOO., Ep., m, Ov., Mel., VIII, 174 e S,. Her., X.
17; DICT. CR., 1, 14; VIRG., Aen., 11, 261. Actividade polüica: PLUT., ibd., 24; THUC., 11, 15;
Crc., de leg., 11, 5; Isoc., X, 35.
Tersites: /1., 11, 211 e s.; QUINT. SM., I, 770 e s.; Guerradas Amazonas: PLUT., ibid., 26 e s.; ApOL·
ApOLLOO., Bibl., I, 7,10; Ep., V, 1; Ep. Gr. Fragm.
LOD., Ep., I, 16 e s.; 0100. SIC., IV, 28; PAUSAN., I,
(KINKEL), p. 33; 0100. SIC., 11, 46; Ov., Ponl., 111, 2, 1; 15,2; 41, 7; 11, 32, 9; V, 11,4 e 7; SENEC.,
9,9 e s.; Met., XIII, 232 e s.; TZETZ., ad Lyc., 999;
Hipp., 927 e s.; HVG., Fab., 30; 241; TZETZ., ad
1000; ANT. Lrs., Transj., 37; escól. SOPH., Ph., 445;
Lyc., 1329.
cf. SOPH., ibid., 439 e s.; PROCL., Chrest., p. 458;
Amizade com Piríloo: PLUT., ibid., 30 e s.; HEL·
EUST., ad Hom.ç p. 208; trago perdida Querémon; LAN., fr, 74; ApOLLOD., Ep., I, 21 e 5.; AEL., Hist.
cf. L. SÉCHAN, Etudes ... , p. 527 e s. Var., IV, 5; PAUSAN., X, 29, 9; escól. ARISTOPH.,
Teseu: Infância: PLUT., Thes., 3 e s.; ApOLLOO., Eq., 1368; A. GELL., N. A., X, 16, 13. V. também
Bibl., m, 1 e s.; EUR., Supp., 1 e s.; PAUSAN., 1,27, art. Pirítoo.
7; 11, 33, 1; escól., STAT., Theb., V, 431; HYG., Fab., Morte de Teseu: PLUT., ibid., 35 e 5.; PAUSAN., I,
37; Lvc., 494 e s. 17,6; D,OD. SIC., IV, 62, 4; ApOLLOD., Epit., I, 24;
Regresso: PLUT., ibid., 6 e s.; ApOLLOO., Bibl., 11, cf. S. REINACH, op. cit.. , (art. Sísifo); F. H. WOL·
6,3; m, 16, 1 e s.; Ep., I, 1 e s.; BACCH., xvm, 16 GENSINGER., Theseus, disse., Zurich, 1935; H. HER·
e s.; 0100. SIC., IV, 59; PAUSAN., 1,44, 8; 11, 1, 3 TER, in Rh. Mus., 1939, pp. 244-286; 289-326; cf. A.
e s.; Ov., Met ., VII, 404 e s.; lbis, 407 e s.; HVG., VON SALLlS, op. cit., (art. Ariadne); H. HERTER,
Fab., 38; escól. li., X, I, 74; fragmento SoPH., Egeu; «Theseus», in R. E., Suppl. XII, 1973, pp.
EUR., id., SERV., ad VIRG., Aen., VI, 20; VIII, 294; 1045-1288.
TESEU 440

mas (v. estes nomes). É, todavia, mais novo do II - O regresso a Atenas. - Aos dezasseis
que Héracles pelo menos uma geração e certas anos, Teseu tinha atingido um tal grau de vi-
tradições associam os dois heróis em grandes gor que Etra julgou chegado o momento de lhe
expedições colectivas da idade lendária: a pro- revelar o segredo de sua origem. Conduziu-o
cura do velo de ouro (v. Argonautas) e a guerra junto do rochedo onde Egeu escondera a es-
contra as Amazonas. Mas, neste caso, trata-se pada e as sandálias. O jovem, com um empur-
de uma organização artificial, destinada a im- rão, deslocou o rochedo, tomou os objectos e
por à lenda uma cronologia verosímil. decidiu ir a Atenas para se dar a conhecer. Re-
I -As origens e a infância. - Existem duas cordando as recomendações de Egeu, que de-
tradições sobre as origens de Teseu: a tradição sejava evitar problemas ao filho, pediu-lhe in-
humana e a tradição divina. A primeira faz dele sistentemente que seguisse a estrada junto ao
filho de Egeu e de Etra, unindo assim o san- mar de Trezénia para a Ática e Piteu acrescen-
gue de Erecteu e, pelo pai deste, Erictónio, o tou os seus rogos aos de Etra. Para isso, ima-
de Hefesto (v. quadro 12, p. 144)ao de Pélops ginou todos os perigos que o esperavam se se-
e de Tântalo (v. quadro 2, p. 12). Contava-se guisse a estrada do interior, ao longo do istmo
como Egeu, não podendo ter filhos de mulhe- de Corinto. Nesse momento, com efeito, Hé-
res sucessivas, interrogara o oráculo de Delfos. racles estava cativo na Lídia, no palácio de Ôn-
O deus respondera-lhe através de versos obs- fale, e todos os monstros que viviam escondi-
curos, proibindo que «abrisse o odre de vinho dos com medo do herói voltavam a aparecer
antes de chegar à cidade de Atenas». Não com- e retomavam as suas pilhagens. O Istmo estava,
preendendo o que isto significava, Egeu assim, infestado de assaltantes. Mas Teseu não
afastara-se do seu caminho para consultar o Ihes deu ouvidos. Ciumento da glória de Hé-
rei de Trezénia, Piteu, um dos filhos de Pélops. racles, decidiu imitá-I o e matou sucessiva-
Piteu compreendeu imediatamente o sentido do mente: Perifetes, em Epidauro, de cuja maça
oráculo. Conseguiu embriagar Egeu e, durante se apoderou; o bandido Sínis, em Cencreis,
a noite, deitou ao seu lado a filha, Etra. Egeu onde esquartejava os viajantes com a ajuda de
uniu-se a Etra, que concebeu um filho, que se- um pinheiro (v. Sínis); a porca de Crómion,
ria Teseu. No entanto, dizia-se também que Te- um animal feroz que já matara muitos homens
seu era, na realidade, filho de Posídon. Na pró- e que era considerada como o resultado da
pria noite em que Egeu se uniu a Etra, ela tinha união de Tífon e de Equidna. Chamava-se
ido, enganada por um sonho que lhe enviara Feia, do nome da mulher idosa que a alimen-
Atena, oferecer um sacrifício numa ilha, onde tara. Teseu matou o animal com um golpe de
fora possuída à força pelo deus Posídon, que espada. Nas Rochas Cirónicas, matou Ciro
lhe tinha dado um filho. E este filho que Egeu (v. este nome). Em seguida, lutou contra Cer-
pensa que é seu. cion, em Elêusis, e matou-o (v. Cércion). Um
Seja como for, Teseu passa os seus primei- pouco mais longe, acabou com Damastes, cog-
ros anos em Trezénia, confiado ao avô Piteu. nominado Procrustes (v. este nome).
Egeu, que receava os sobrinhos, os Palãntidas Depois de ter ultrapassado todas estas pro-
(v. este nome), não quisera levar a criança para vas, Teseu chegou às margens do Céfiso, onde
Atenas. Ao partir, tinha dissimulado uma es- encontrou homens da raça dos Fitálidas, que
pada e um par de sandálias atrás de um grande o acolheram favoravelmente e aceitaram
rochedo e tinha confiado esse segredo a Etra, purificá-lo das mortes que cometera. Assim,
recomendando-lhe que apenas o revelasse ao purificado, Teseu entrou em Atenas. Estava-
filho que ia nascer quando ele fosse suficien- -se no oitavo dia do mês de Hecatombéon.
temente forte para deslocar o rochedo e pegar Nessa altura, os assuntos públicos da cidade
nos objectos escondidos. Nessa altura, calçado estavam na maior confusão. Egeu encontrava-
com as sandálias e armado com a espada, de- -se, então, sob o poder da maga Medeia, que
via partir à procura do pai, em grande segredo, prometera livrá-lo da sua desoladora esterili-
para evitar que os Palântidas maquinassem a dade através de encantamentos. Teseu chegou,
sua morte. precedido pela reputação de destruidor de
Teseu teve como pedagogo um certo Cóni- monstros, e Medeia adivinhou imediatamente
das, a quem os Atenienses da época histórica a sua verdadeira identidade. Mas Egeu, que ig-
sacrificavam ainda um carneiro na véspera da norava que este estrangeiro era o seu filho, teve
festa de Teseu. Contava-se em Trezénias um medo. Medeia não fez nada para o desenga-
facto revelado r da valentia da criança: um dia nar, persuadindo-o, pelo contrário, a convidar
em que Héracles era hóspede de Piteu e que o jovem para jantar, sob pretexto de o querer
se sentara pousando ao lado a sua pele de leão, honrar, quando, na realidade, planeava
as crianças do palácio, pensando que um leão desembaraçar-se dele, envenenando-o. Teseu
vivo entrara na sala, fugiram aos gritos. Ape- aceitou o convite e não quis fazer-se reconhe-
nas Teseu, que na altura tinha sete anos, tirou cer imediatamente. No entanto, durante o jan-
uma arma a um dos servidores e atacou o tar, desembainhou a espada que o pai lhe dei-
monstro. xara, como se pretendesse cortar a carne com
Já adolescente, Teseu dirigiu-se a Delfos, ela. Ao vê-Ia, Egeu entornou a taça de veneno,
onde ofereceu, de acordo com os costumes, a já preparada, e reconheceu oficialmente o fi-
sua cabeleira ao deus. Mas, em vez de cortar lho perante todos os cidadãos reunidos. Me-
inteiramente os cabelos, contentou-se em ra- deia foi exilada e repudiada por Egeu (v. Me-
par a parte da frente da cabeça, à maneira dos deia).
Abantes (uma população belicosa mencionada Contava-se também que, antes de tentar
na lIíada), instaurando assim um costume envenená-lo, Medeia havia tentado matá-lo
ainda atestado na época histórica. enviando-o a combater um touro monstruoso
441 TESEU

que devastava a planície de Maratona e do qual a si mesmo para seguir para Creta. Contava-
se dizia ser o próprio touro de Creta levado -se, também, que era o próprio Minos a esco-
para o Peloponeso por Héracles, donde havia lher as suas vítimas e que reclamara Teseu, con-
fugido (v. Héracles). Este touro lançava fogo cordando que os jovens deviam apresentar-se
pelas narinas. Teseu capturou-o, acorrentou- sem armas, mas, se conseguissem matar o Mi-
-o e ofereceu-o em sacrifício a Apoio Delfínio. notauro, monstro a que deviam ser lançados
Este sacrifício, dizia-se, teve lugar na presença como alimento, obteriam o direito de regres-
de Egeu e quando Teseu (que ainda não se dera sar livremente. Sobre a natureza do Minotauro
a conhecer) puxou da sua espada para cortar e as diferentes versões que existiam a esse res-
os pêlos da fronte do animal (de acordo com peito, v. Minotauro.
o ritual de consagração), Egeu reconheceu a Teseu partiu num navio ateniense, no sexto
arma que tinha deixado atrás do rochedo, em dia do mês de Muníquion. O piloto era Nau-
Trezénia. Esta versão do reconhecimento, in- sítoo, um homem natural de Salamina, que lhe
compatível com a que foi apresentada anterior- fora dado pelo rei desta cidade, Ciro, porque
mente, é sem dúvida uma invenção de um o neto dele fazia parte dos jovens enviados a
poeta trágico. Minos. Entre as jovens, figurava Eribeia ou Pe-
É durante a caçada ao touro de Maratona ribeia, a filha do rei de Mégara, Alcátoo.
que se situa o episódio de Hécale, narrado por Sobre Peribeia, contava-se a seguinte histó-
Calímaco, num pequeno poema célebre. Hé- ria: Minos, que nesta versão tinha ido ele pró-
cale é uma mulher idosa que vivia numa ca- prio escolher os reféns, apaixonou-se pela jo-
bana, no campo. Foi em sua casa que o herói vem durante a travessia. Peribeia chamou
passou a noite que precedeu a captura do Teseu em seu auxílio, o qual declarou a Mi-
touro. Hécale assistiu-o durante a velada de ar- nos que, na qualidade de filho de Posídon, era
mas e demonstrou grande amabilidade, prome- tão nobre como ele, que era filho de Zeus. Mi-
tendo oferecer um sacrifício a Zeus se o jovem nos apelou então para o pai, que enviou um
regressasse vivo da sua empresa. Mas, quando relâmpago. Para pôr Teseu à prova, Minos lan-
regressou com a presa, Hécale já tinha mo r- çou um anel ao mar e ordenou-lhe que, se era
rido e o seu corpo já colocado sobre a pira. Te- verdadeiramente filho de Posídon, o fosse apa-
seu, então, fundou em sua honra um culto a nhar. Teseu mergulhou imediatamente e foi re-
Zeus Hecalésio. cebido no palácio de seu pai, que lhe entregou
Uma vez reconhecido oficialmente pelo pai, o anel de Minos. Mais tarde, Teseu teria des-
Teseu teve de lutar contra os seus primos, os posado Peribeia, que se tornou célebre, sobre-
cinquenta filhos de Palas. Enquanto Egeu não tudo, como esposa de Télamon (v. este nome).
tivera descendência, os Palântidas esperavam Ao partir, Teseu recebera do pai dois jogos
partilhar a sua sucessão. Mas, quando viram de velas para o navio. Velas negras para a
esta fugir-Ihes com o regresso de Teseu, ida - porque a viagem era funesta. Mas Te-
revoltaram-se e tentaram obter o poder pela seu incutira em todos tanta confiança na sua
força. Dividiram-se em dois grupos, tendo um coragem que ninguém duvidava de que conse-
atacado abertamente a cidade a partir de Es- guiria matar o Minotauro. Com esta esperança,
feto; o outro grupo ficou emboscado em Gar- e porque contava que a viagem de regresso
geto, para apanhar os inimigos pela reta- fosse de alegria, Egeu dera-lhe também velas
guarda. Mas tinham com eles um arauto brancas.
originário de Agnunte, chamado Leos, que des- Ao chegar a Creta, Teseu, tal como os com-
vendou a Teseu o plano dos Palântidas. Teseu panheiros, foi fechado no Labirinto, que era
atacou o grupo que se encontrava emboscado o «palácio» do Minotauro. Antes, porém, fora
e massacrou-o. Os outros dispersaram e a notado por Ariadne, uma das filhas de Minos,
guerra terminou. O facto de a população de a qual, apaixonada, lhe entregara um rolo de
Agnunte nunca se casar em Palene (a aldeia de fio para que pudesse reencontrar o caminho no
que Palas era epónima) era explicado por este Labirinto. Segundo uma outra versão, Ariadne
episódio. Para expiar a morte dos Palântidas, dera-lhe, não um rolo de fio, mas uma coroa
dizia-se, por vezes, que Teseu tinha sido exi- luminosa, que recebera de Dioniso como pre-
lado de Atenas e que fora obrigado a passar sente de noivado. Assim, graças à luz desta co-
um ano em Trezénia. Tal é a versão seguida roa, Teseu teria encontrado o seu caminho no
por Eurípides no seu Hipálito; mas como Labirinto obscuro. Por último, às vezes, esta
acrescenta que Teseu estava, então, acompa- coroa divina não é considerada presente de
nhado por Fedra, e que foi lá que esta conce- Ariadne, mas de Anfitrite, que a teria dado ao
beu a paixão pelo enteado, conclui-se que a herói quando este descera ao palácio de Posí-
cronologia ordinária dos acontecimentos está don em busca do anel de Minos (v. supra).
alterada e que a expedição contra as Amazo- Ariadne, antes de ajudar Teseu, impusera-
nas se situa em data anterior ao massacre dos -lhe como condição que a desposasse e levasse
Palântidas, o que é contrário à tradição mais para a sua pátria. Teseu assim lho prometeu
divulgada e parece ser uma inovação do poeta. e cumpriu a promessa. Depois de vencer o Mi-
Ill - O ciclo cretense. - Sabe-se que no se- notauro (morto a murro), Teseu sabotou os na-
guimento da morte de Androgeu, o filho de vios dos Cretenses para impedir qualquer ten-
Minos, este exigira aos atenienses um tributo tativa de perseguição e fez-se ao mar, durante
de sete jovens, pagável de nove em nove anos a noite, acompanhado de Ariadne e dos jovens
(v. Androgeu). Quando chegou o momento de atenienses que a sua façanha tinha salvo.
pagar este tributo pela terceira vez, os Atenien- Segundo a versão mais célebre da lenda, Te-
ses começaram a murmurar contra Egeu. Te- seu, certa noite, fez escala em Naxos. Ariadne
seu reflectiu e, para os acalmar, designou-se adormeceu e, ao acordar, estava só. No hori-
TESEU 442

zonte, desaparecia o navio de Teseu, que a honra de Zeus, Teseu fundou, ou, melhor,
abandonara. Os mitógrafos interrogavam-se reorganizou os Jogos Ístmicos, em Corinto, em
sobre a causa deste abandono: uns assegura- honra de Posídon.
vam que Teseu amava outra mulher, Aglaia, Foi sob o reinado de Teseu que teve lugar
a filha do Fócio Panopeu; outros, que aban- a expedição dos Sete contra Tebas. Sobre o
donara a jovem por ordem de Dioniso, que, seu papel, v, Adrasto. Teseu já concedera
tendo visto Ariadne, se apaixonara por ela; ou- protecção a Edipo quando este procurou re-
tros, ainda, que o deus a tinha levado durante fúgio em Colono (v. Edipo); assegurou, Igual-
a noite ou, então, que teria sido Atena ou Her- mente, a sepultura dos heróis caídos frente à
mes quem teria convencido Teseu a abando- cidade. O mesmo papel será atribuído ao fi-
nar Ariadne. Esta foi desposada em seguida lho, Demofonto, no momento do regresso dos
por Dioniso, que a levou para o país dos deu- Heraclidas (v. esta palavra).
ses (v. Ariadne). V -A Guerra das Amazonas. - A tradi-
Existiam ainda outras versões do episódio de ção conservava a recordação de uma guerra
Ariadne, como, por exemplo: o navio que a que os habitantes da Atica haviam sustentado
transportava, juntamente com Teseu, fora le- contra as Amazonas, que tinham invadido o
vado por uma tempestade para Chipre. seu país. Sobre as origens desta guerra, as nar-
Ariadne, que estava grávida e muito enjoada, rativas diferem. Dizia-se, por vezes, que Te-
tinha desembarcado. Teseu voltara ao navio seu participara na expedição de Héracles
para cuidar da sua segurança, mas um golpe (v. este nome) e que recebera Antíope, uma das
de vento arrastara-o para o largo. As mulhe- Amazonas, como cativa, em recompensa dos
res da ilha, apiedando-se da pobre abando- seus feitos. Mas a maioria dos mitógrafos afir-
nada, tomaram conta dela e levavam-lhe car- mava que tinha sido ele sozinho a raptar An-
tas escritas por elas próprias, dizendo terem tíope. Tendo desembarcado no reino das Ama-
sido escritas por Teseu. Entretanto, Ariadne zonas, fora bem acolhido - porque estas
morreu ao dar à luz o filho. Mais tarde, Te- guerreiras não detestavam os estrangeiros - e
seu regressou, deu dinheiro às mulheres e ins- tinham-lhe enviado presentes. Teseu convidou
tituiu um ritual e um sacrifício em honra de aquela que os levava, Antíope, a subir para
Ariadne. bordo. Uma vez a jovem a bordo, zarpou trai-
No regresso, Teseu fez uma outra escala em çoeiramente. Teria sido esta a causa da guerra.
Delos, onde consagrou no templo uma estátua Então, as Amazonas avançaram em força con-
a Afrodite, que lhe tinha sido dada por tra Atenas, apoderaram-se da Ática e fixaram
Ariadne. Aí, com os jovens salvos, dançou o seu campo na própria cidade. A batalha de-
uma dança circular complicada, que represen- cisiva teve lugar junto de Pnix, no sopé da
tava as sinuosidades do Labirinto. Este rito Acrópole, no dia em que, na época clássica,
subsistia na época histórica. , se celebrava a festa das Boedrómias. As Ama-
Ao chegar à vista das costas da Atica, Te- zonas obtiveram uma vitória passageira, mas
seu, absorto pela dor da perda de Ariadne, uma das suas alas foi aniquilada pelos Atenien-
esqueceu-se de mudar as velas negras do seu ses e tiveram de assinar a paz.
navio e de içar as velas brancas, sinal de vitó- Existiam outras versões desta guerra, que fa-
ria. Egeu, que esperava o seu regresso na mar- ziam intervir as aventuras amorosas de Teseu.
gem, avistou a vela negra e, acreditando que Segundo certos autores não fora para libertar
o filho tinha morrido, precipitou-se no mar, Antíope que as Amazonas teriam invadido a
que a partir de então tomou o nome de mar Ática,mas porque Teseu repudiara Antíope de-
Egeu. Contava-se também que o ancião vigiava pois de ter casado com Fedra, que lhe fora
o mar do alto da Acrópole, no local onde se dada por Deucalião, O filho de Minos. An-
ergue agora o templo de Vitória Aptera. tíope, que tivera um filho de Teseu (Hipólito),
Quando viu a vela negra, precipitou-se do alto quis vingar-se e organizou uma expedição con-
da falésia e morreu. tra a Atica. O ataque teve lugar no próprio dia
IV -Actividade política em Atenas.- do casamento de Teseu com Fedra. Antíope,
Depois da morte de Egeu, Teseu, livre dos Pa- à cabeça das Amazonas, tentou invadir a sala
lântidas (cf. supra), assumiu o poder em Ate- do festim, mas os convidados conseguiram fe-
nas. O seu primeiro acto foi realizar o «sine- char as portas e mataram Antíope. Noutra ver-
cismo», isto é, reunir numa única cidade os são, que apresentava a expedição das Amazo-
habitantes até então disseminados pelo campo. nas como uma tentativa para libertar Antíope,
Atenas tomou-se capital do Estado assim cons- Teseu permanecia-lhe fiel, e ela tomava par-
tituído. Dotou-a com os edifícios políticos es- tido contra as suas irmãs e caía na batalha. Foi
senciais: o Pritaneu, a Bule, etc. Instituiu a apenas após a sua morte que Teseu desposou
festa das Panateneias, símbolo da unidade po- Fedra. Por fim, uma tradição obscura assegu-
lítica da Ática. Cunhou moeda e dividiu a so- rava que, por ordem de um oráculo, Teseu
ciedade em três classes -os Nobres, 0S Arte- imolara Antíope, no início da guerra, como sa-
sãos e os Agricultores - e instaurou, nas suas crifício a Fobo (a divindade do Medo).
grandes linhas, o funcionamento da democra- VI -A amizade com Pirítoo. - É à matu-
cia, tal como existia na época clássica. Con- ridade de Teseu que pertencem vários episó-
quistou a cidade de Mégara e incorporou-a ao dios cujo carácter comum é o de serem conse-
Estado que criara. Erigiu uma estela, na fron- quência da sua amizade com Pirítoo, o herói
teira entre a Atica e o Peloponeso, para mar- lápita. Sabe-se como esta amizade nasceu
car o limite dos dois Estados: de um lado o país (v. Pirítoo) e como Pirítoo, seduzido pelas
dório, do outro, o jónio. E, do mesmo modo aventuras e pela reputação de Teseu, desejara
que Héracles fundara os Jogos Olímpicos em pô-lo à prova. Mas, no momento de atacar o
443 TESEU

herói, foi atingido por urna tal admiração por tado na Cadeira do Esquecimento. Contava-
ele que renunciou ao combate e declarou-se seu -se que, ao fazer esforços para se libertar da
escravo. Teseu, atingido no seu amor-próprio, sua cadeira, Teseu aí deixara presa urna parte
concedeu-lhe a sua amizade. de si próprio e isso explicava o facto de os Ate-
Juntamente com Pirítoo, Teseu participou nienses sempre terem sido pouco carnudos de
no combate dos Lápitas contra os Centauros. nádegas.
Depois, um dia, os dois amigos decidiram que Para urna interpretação evemerista da lenda
apenas desposariam filhas de Zeus, dado que de Teseu e de Pirítoo junto de Hades, v. Piri-
ambos eram filhos dos dois deuses maiores: Te- too.
seu era filho de Posídon e Pirítoo filho de Zeus. VII - A morte de Teseu. - Quando Teseu,
Teseu decidiu obter a mão de Helena e Pirí- libertado por Héracles do seu cativeiro, regres-
too a de Perséfone. sou a Atenas, deparou-se-lhe urna situação bas-
Os dois amigos começaram por raptar He- tante crítica: as facções partilhavam o poder
lena. Teseu tinha então cinquenta anos e e ele era rei apenas de nome. Por fim, tendo
Helena ainda não era núbil. Chocados por esta perdido a esperança de se ver restabelecido no
diferença de idades, alguns mitógrafos afir- trono, enviou em segredo os filhos para Eu-
mam que não foi o próprio Teseu a raptá-Ia, beia, para junto de Elefenor, filho de Cálcon,
mas que os autores do rapto foram Idas e Lin- e ele próprio se exilou, amaldiçoando Atenas.
ceu e que a confiaram a Teseu. Ou, ainda, que Contava-se que tentara refugiar-se em Creta,
o pai de Helena, Tíndaro, encarregou-o de a na corte de Deucalião, seu cunhado, mas que
vigiar com medo de um dos filhos de Hipo- fora lançado por urna tempestade para a costa
coonte, que a queria raptar. Mas a versão mais de Ciro, ou que se dirigira espontaneamente
difundida e, segundo se acreditava, mais ve- a Ciro para encontrar o rei Licomedes, ao qual
rosímil, é a seguinte: o uniam laços de parentesco. Além disso, pos-
Teseu e Pirítoo foram juntos a Esparta e rap- suía na ilha domínios familiares. O rei Lico-
taram Helena quando esta executava urna medes acolheu-o aparentemente com favor,
dança ritual no templo de Ártemis 6rtia. Em mas, conduzindo-o a uma montanha, para lhe
seguida, fugiram. Foram perseguidos, mas os mostrar, disse, a perspectiva da ilha, precipi-
fugitivos pararam em Tegeia. Os dois compa- tou-o traiçoeiramente do alto de um rochedo
nheiros, urna vez em segurança, decidiram ti- e matou-o. Outros autores afirmam que Lico-
rar Helena à sorte e aquele que fosse favore- medes não teve qualquer intervenção no caso
cido prometia ajudar o outro a conquistar e que Teseu se matou acidentalmente ao pas-
Perséfone. Tiraram à sorte e Teseu obteve He- sear na montanha, urna noite, depois de jan-
lena, mas, corno ela ainda não estava em idade tar. Seja como for, esta morte passou desper-
de se casar, levou-a, em grande segredo, a cebida na altura. Menesteu continuou a reinar
Afidnas, e deixou-a sob a protecção da sua em Atenas, de acordo com a decisão dos Dios-
mãe, Etra. Em seguida, partiu para conquis- curos e os dois filhos de Teseu participaram
tar Perséfone. como simples particulares na Guerra de Tróia.
Durante a sua ausência, os irmãos de He- Após a morte de Menesteu, regn,ssaram e re-
lena, Castor e Pólux, invadiram a Ática à cuperaram o reino de Atenas (v. Acamas e De-
cabeça de um exército de arcádios e de lacede- mofonte).
mónios. Começaram por reclamar pacifica- Quando da Batalha de Maratona, contra
mente a sua irmã ao povo ateniense, mas, os Persas, os soldados atenienses viram um
quando este teve de confessar que não possuía guerreiro de uma dimensão prodigiosa com-
a jovem e que não sabia onde ela se encontrava, bater à frente do seu exército; compreende-
tornaram urna atitude belicosa. Então, um ram que se tratava de Teseu. Depois das
certo Academos, que descobrira o esconderijo Guerras Médicas, o oráculo de Delfos orde-
de Helena, revelou-lhes o segredo. Por este nou aos Atenienses que recolhessem as cinzas
facto, durante as numerosas invasões da Ática de Teseu e lhe dessem uma sepultura digna
pelos Lacedemónios na época histórica, os seus na cidade. Címon executou a ordem da Pítia.
exércitos respeitaram sempre a Academia, que Conquistou a ilha de Ciro e, aí, viu uma
era o jardim funerário do herói Academo. Os águia que, pousada num montículo, esgara-
Dioscuros, sabendo que Helena estava escon- vatava a terra com as garras. Címon, inspirado
dida em Afidnas, conquistaram a cidade e en- pelo céu, compreendeu o significado do pro-
contraram a sua irmã, levando consigo Etra ca- dígio. Escavou a terra, encontrou um ataúde
tiva (v. Etra). Instalaram, em seguida, no contendo um herói de urna dimensão prodi-
trono de Atenas um bisneto de Erecteu, cha- giosa, junto do qual estavam depositados
mado Menesteu, que reuniu à sua volta os des- urna lança de bronze e urna espada. Címon
contentes, em especial os nobres, irritados com levou estas relíquias para a sua trirreme e os
as reformas de Teseu. Atenienses acolheram as cinzas do seu herói
Nos Infernos, entretanto, Teseu e Pirítoo com festas magníficas. Deram-lhe urna se-
eram vítimas da sua temeridade. Aparente- pultura condigna dentro da cidade, perto do
mente, foram bem acolhidos por Hades, que local onde se construiu, mais tarde, o ginásio
os convidou a sentarem-se à sua mesa para to- de Ptolomeu. Este túmulo tornou-se um lu-
marem parte num banquete. Mas, fixados nos gar de asilo para os escravos fugitivos e para
seus assentos, não se puderam levantar e fica- os pobres perseguidos pelos ricos, porque,
ram prisioneiros. Quando Héracles desceu aos enquanto vivo, Teseu fora um campeão da
Infernos, quis libertá-Ios, mas, apenas Teseu democracia.
recebeu dos deuses autorização para regressar Para o episódio de Hipólito e de Fedra,
à terra. Pirítoo permaneceu eternamente sen- v. estes nomes.
TÉSPIO 444

TÉSPIO. (EHcrnwç.) Téspio, o herói epóni- Graico, a quem se atribui por vezes a funda-
mo da cidade beócia de Téspias, é um dos ção da cidade de Tessalónica.
filhos de Erecteu, o rei da Ática (v. quadro 12, 2. Existia ainda um Téssalo ligado ao ciclo
p. 144). Tinha abandonado a Ática e fundado de Héracles. Julgava-se que era filho de Hé-
um reino na Beócia. Este herói desempenha um racles e de Calcíope, ou, ainda, de Astíoque
papel acessório no ciclo das lendas heráclidas. (e nesse caso seria irmão de Tleptólemo,
Foi a seu lado que Héracles, com a idade de v. quadro 17, p. 219). E rei da ilha de Cós e
dezoito anos, iniciou as suas aventuras, ma- envia os seus dois filhos, Fidipo e Antifo, para
tando o leão do Citéron (v. Héracles). Téspio combaterem na Guerra de Tróia. Fidipo e An-
tinha cinquenta filhas, todas de uma só mu- tifo, após a conquista da cidade, estabelece-
lher, Magamede, ou de diversas concubinas. ram-se na região a que deram o nome de Tes-
Durante todo o tempo que durou a caçada, He- sá1ia em recordação do seu pai (v., sobre o
rácles hospedou-se em casa de Téspio e uniu- nascimento de Téssalo, Héracles).
-se, em cada noite, a cada uma das suas filhas. 3. Finalmente, a lenda conhecia um Téssalo,
O rei desejava, com efeito, ter filhos de um tal filho de Medeia e de Jasão, que escapou ao ata-
herói e este estava tão fatigado com as suas jor- que da mãe e que fugiu de Corinto para Iolco,
nadas que não se apercebia da mudança e acre- quando da morte de Acasto, filho de Pélias,
ditava encontrar sempre a mesma compa- e assumiu aí o poder. Teria sido ele a dar à re-
nheira. Uma outra tradição assegura que gião o nome de Tessália.
Héracles possuiu todas as jovens em sete noi- 4. Para Téssalo, filho de Hémon, v. Hé-
tes ou, mesmo, numa única noite. Todas con- mon, 2.
ceberam um filho de Héracles; a mais velha e
a mais jovem tiveram, cada uma, dois gémeos TÉSTIO. (0ta-rwç.) Téstio é um rei de Plêu-
(v. quadro 17, p. 219). A maior parte desses ron e um herói etólio. É geralmente conside-
jovens foi levada, por ordem de Héracles, por rado como neto de Agenor, ele próprio filho
Iolau para a Sardenha, onde se estabeleceram de Plêuron. A sua mãe é Demonice e o pai é
como colonos. Dois teriam regressado a Tebas Ares (v. quadro 26, p. 272). É-lhe atribuída
e sete permaneceram em Téspias. Contava-se como esposa tanto Eurítemis como Deidamia,
que, em vez de morrerem, os filhos das Tes- a filha de Perieres, como Laofonte (filha de
píades que se haviam estabelecido na Sardenha Plêuron e, por conseguinte, na genealogia or-
tinham adormecido com um sono profundo, dinária, sua tia-avó). Teve numerosos filhos,
eterno, e escapado assim à corrupção do tú- entre os quais Meleagro, Leda, Hipermestra,
rnulo e à chama da fogueira. Íficlo, Evipo, Plexipo, Eurípilo, os tios de Me-
Téspio é, igualmente, o amigo que purificou leagro por vezes chamados Testíades e que fo-
Héracles após o assassinato dos filhos que ti- ram mortos durante a caçada no Cálidon
vera de Mégara. (v. Meleagro). A filha Hipermestra é talvez
Sobre Téspio, pai de Hipermnestra, v. Tés- identificada com uma outra Hipermestra, «fi-
tio. lha de Téspio», dado que os dois nomes, Tés-
tio e Téspio, são muitas vezes confundidos nos
TESPROTO. (0.crnpw"tóç.) Tesproto é um manuscritos.
dos filhos de Licáon. Abandonou a Arcádia Para a lenda de Téstio e de Cálidon, v. Cá-
e estabeleceu-se no Epiro, na região que tomou lidon.
o nome de «pais dos Tesprotos». Foi junto dele TESTOR. (0ta-rw1t.) Filho de Apoio e de
que, numa versão da lenda, Tiestes procurou Laótoe e pai do adivinho Calcas, tal como de
refúgio (v. Tiestes).
duas filhas, Leucipe e Teónoe. Ele próprio é
TÉSSALO. (0taalXÀóç.) Nome do herói epó- sacerdote de Apoio e herói de uma aventura
nimo da Tessália. Sobre a sua identidade exis- romanesca, que nos foi conservada por Higino
tiam várias tradições diferentes: (v. Teónde). .
1. Os historiadores latinos conheciam um rei TÉTIS. (0t"t\ç.) Tétis é uma das Nereides,
com este nome, natural do pais dos Tesprotos, filhas de Nereu, o Velho do Mar, e de Dóris.
que teria conquistado a Tessália e aí teria fun- É, por consequência, uma divindade marítima
dado o seu reino. Este Téssalo era filho de e eterna, a mais célebre de todas as Nereides.

Téspio: Eusr., à Hom., p. 266; Aroi.i.on., Bibl., Testor: 11., I, 69; Fr. Hist. gr., I, p. 88; TZETZ.,
lI, 4, 9 e S.; 7, 6 e S.; PAUSAN., 1,29,5; VII, 2, 2; ad Lyc., 427; 980; 1047; ov., Met., XII, 19; HVG.,
IX, 23, I; 26, 6; 27, 6; X, 17,5; 6; OIOD. SIC., IV, Fab., 97; 128; 190.
29 e S.; STEPH. Bvz, S. U., EI'<mttot; escól. SOPH.,
Tra., 460; PHILOPON, comment. ARIST., ed. Vitelli,
XVII, p. 715, 15 e s. Tétis: 11., I, 348 e S.; 493 e S.; IX, 410 e S.; XVIII,
22 e S.; 368 e s.; XIX, I e S.; XXIV, 77 e S.; 120 e
Tesproto: ApOlLOD., Bibl., m, 8, I; STEPH. Bvz., s.; HES., Theog., 240; 1003; Aeot.t.on., Bibl., I, 2,
S. u. 'AfJ.~p"x(,,; TZETZ., ad Lyc., 481; HVG., Fab., 7; 3, 5; 9, 25; m, 5, 1; 13,4 e S.; Ep., nr, 29; VI,
88. 5 e S.; TZETZ., prol. Ali. ad 11., 426; 451; Anteh.,
Téssalo: 1) PUN., N. H., IV, 28; VElL., I, 3, 2; 180; HVG., Fab., 54; 92; 96; 97; 106; 270; Astr.
HEROD., VII, 176.2) Il., lI, 677; cf. HVG., Fab., 97; Poet., lI, 18; Ov., Met., XI, 423 e s.; Aroi., RH.,
APolLOD., Ep., V, 15; OIOD. SIC., V, 54; STRAB., IX, Arg., IV, 790 e s.; escól., I, 582; PIND., Nem., IV,
5, 23. 3) OIOD. SIC., IV, 34 e s. 100 e S.; escól. Il l, 60; IV, 109; CATUL., 64; EUR.,
Ihp. Aul., 701 e S.; cf. L. SÉCHAN, «Les noces de
Téstio: ov., Met., IV, 487; STRAB., X, p. 461; Thétis et de Pélee», Rév, Cours et Conf., XXXII, I,
466; PAUSAN., II1, 13, 8; ApOllOD., Bibl., I, 7, 7; pp. 673-688; lI, pp. 330-340; J. KAISER, Peleus und
V. os artigos Alteia, Leda, Hipermestra. Thetis, Munique, 1912.
445 TEUCRO

Existe, todavia, uma tradição obscura que pois da morte de Pátroclo, fez com que lhe fos-
apresenta Tétis como filha do Centauro Quí- sem fabricadas outras por Hefesto, que lhe era
ron. inteiramente devotado. Finalmente, consolou-o
Tétis foi educada por Hera, do mesmo modo em todos os momentos graves da sua existên-
que esta o havia sido por Tétis (a filha de cia. Tentou, nomeadamente, impedi-Io de ma-
Urano e Geia, TT}9úç).Explicam-se muitos epi- tar Heitor, porque ele próprio morreria pouco
sódios da sua lenda pelos laços de afeição que tempo depois.
uníam a Nereide à esposa de Zeus. E Tétis, por Mais tarde, morto Aquiles, Tétis interessou-
exemplo, quem recolhe Hefesto, quando este -se igualmente por Neoptólemo, que era seu
é precipitado por Zeus do alto do Olimpo por neto. Aconselhou-o a não regressar com os ou-
ter pretendido intervir a favor de Hera (v. He- tros aqueus e aguardar alguns dias em Téne-
festo, e as variantes). É ela quem, por ordem dos, salvando-lhe, assim, a vida (v. também
de Hera, toma o leme da nau Argo durante a Motossoi.
travessia das Simplégades. Por fim, segundo TÉTIS. (TT}9úç.)Tétis é uma das divindades
certos mitógrafos, recusa o amor de Zeus, primordiais das teogonias helénicas. Personi-
quando este se quis unir a ela, para não con- fica a fecundidade «feminina» do mar. Nas-
tristar Hera. Outras tradições, é um facto, cida dos amores de Úrano e de Geia, é a mais
interpretam este episódio de outro modo e con- jovem das Titânides (v. quadros 6, p. 105,
tam que Zeus e Posídon pretenderam conquis- e 14, p. 182). Desposou Oceano, um dos seus
tá-Ia até ao dia em que um oráculo de Témis irmãos (v. Oceano), de quem teve um grande
revelou que o filho que nascesse de Tétis seria número de filhos, mais de três mil, que são to-
mais poderoso que o pai. Os dois grandes deu- dos os rios do mundo. Tétis criou Hera, que
ses não insistiram e apressaram-se a entregá- lhe confiou Reia (também ela uma Titânide),
-10 a um mortal. Outras fontes, ainda, atri- durante a luta de Zeus contra Crono (v. Hera).
buem este oráculo a Prometeu, que teria Como testemunho do seu reconhecimento,
precisado que o filho nascido dos amores de Hera conseguiu reconciliar Tétis com Oceano,
Zeus e Tétis seria um dia o senhor do Céu. De após se terem zangado.
qualquer modo, tornada inacessível para os A morada de Tétis é geralmente situada no
deuses, Tétis apenas podia desposar um mor- Extremo Ocidente, para lá do país das Hespé-
tal. Quíron, um Centauro, teve conhecimento rides, na região onde, todos os fins de tarde,
do caso e apressou-se a aconselhar o seu pro- o Sol termina o seu curso.
tegido Peleu a aproveitar a ocasião para des-
posar uma divindade. Mas esta criou-lhe mui- TEUCRO. (T'eõxpoç.) Teucro é o nome de
tas dificuldades. Como todas as divindades dois heróis, ambos ligados ao ciclo troiano,
marítimas, Tétis possuía o dom de se transfor- mas separados por seis gerações.
mar e utilizou-o. Peleu conseguiu, contudo, 1. O primeiro é geralmente considerado
vencê-Ia e desposá-Ia (v. Pe/eu). como filho do deus-rio frígio Escamandro e de
Sobre o nascimento de Aquiles e as tentati- uma ninfa do monte Ida, Ideia (v. quadro 7,
vas de Tétis para lhe obter a imortalidade, p. 112). Mas existem outras tradições que fa-
v. Aqui/es. Estas tentativas conduziram à rup- zem de Teucro um estrangeiro emigrado na
tura do casamento entre Tétis e Peleu, mas não Tróada. Faziam-no, por exemplo, oriundo de
foi motivo para a Nereide se desinteressar pelo Creta, e mais precisamente do Ida cretense,
filho. Quando este completou nove anos e o com o pai, Escamandro. No momento da sua
adivinho Calcas a informou de que Tróia não partida, haviam consultado o oráculo, que Ihes
poderia ser conquistada sem o auxílio de Aqui- ordenara que se estabelecessem no local onde
les, Tétis, que sabia que Aquiles encontraria fossem atacados pelos «filhos do solo». Uma
a morte diante da cidade, levou-o para o pa- noite, quando acampavam na Tróada, as suas
lácio de Licomedes, em Ciros, e dissimulou-o armas, os seus escudos e as cordas dos seus ar-
entre as jovens. Mas Aquiles não pôde esca- cos foram roídos por ratos. Compreendendo
par ao seu destino e partiu para a guerra. Té- que o oráculo se tinha concretizado, fundaram
tis tentou, então, protegê-Io por todos os nesse local um templo a Apoio Esminteu (o
meios, mas o seu esforço foi em vão. Deu-lhe Apoio dos Ratos) e estabeleceram-se aí. Os mi-
um companheiro destinado a evitar-lhe os er- tógrafos áticos pretendiam que Teucro era ori-
ros fatais (v. Tenes). Tétis proibiu-o de desem- ginário do seu país e que tinha emigrado para
barcar em primeiro lugar na costa troiana, visto a Tróada.
que o primeiro herói a desembarcar seria tam- Qualquer que seja, porém, a sua origem,
bém o primeiro a morrer. Deu-lhe armas e, de- Teucro era o antepassado da família real de

Télis: 11., XIV, 201 e S.; HES., Theog., 136; 237 515; XV, 442 e S.; XXlII, 850 e S.; PAUSAN., I, 23,
e S.; fr. 260, Rz.; Ov., Fast., li, 191; Mel., li, 509; 8; 28, 11; AESCH., trago perdida Mulheres de Sala-
527 e S.; XI, 950 e S.; Hvc., Fab., 177; Astr. Poet.. mina; SOPH., trago perdida Teucro; Aiax; 342 e S.,
li, I; ApOLLOO., Bibi., I, 1,3; li, I, I; 0100. SIC., e escól. ad loc.; 1008 e 5.; escól. a 1019; QUINT. SM.,
IV, 69; 72. V, 500 e 5.; XII, 322; TZETZ., ad Lyc., 447; 452;
Posth., 645; VIRC., Aen., I, 619 e 5., e SERV.,
Teucro: I) ApOLLOO., Bibl., Il l, 12, I e S.; 0100. ad loc.; PINO., Nem., IV, 46 e escól. ad loc.; escól.
SIC., IV, 75. TZET., ad Lyc., 29; 1302 e S.; 1465; EUR., Hei., 147 e 5.; OV., Met.; XIV, 696 e 5.; HOR.,
SERV., ad VIRG., Aen.,lII, 108; AEL., Hist. An., XII, O., I, 7, 21 e S.; STRAB., XIV, p. 672; 682; ATHEN.,
5; STRAB., Xlii, 604; DION. HAL., 1,61 e s. 2) li., VI, VI, p. 256 b; SIL. lTAL., 1II, 368; XV, 192; PHI.
31; VII, 266es.; Xlii, 370es.; Xlii, I70es.; XIV, LOSTR., V. Apoll., V, I.
T~UTAMO 446

Tróia. Acolheu Dárdano (v. este nome), deu- nome). Teve vários filhos desse casamento, no-
-lhe a sua filha, Batíia (ou Arisbe). Deste ca- meadamente Ájax, o jovem fundador da ci-
samento nasceu, entre outras crianças, Erictó- dade de 6lbia, na Cilícia.
nio, o pai de Trós (v. quadro citado). De acordo com os autores, sabemos que
2. O segundo Teucro é filho de Télamon e Teucro permaneceu em Chipre, onde morreu,
de Hesíone, ela própria filha de Laomedonte ou, ainda, que tentou regressar a Salamina da
e irmã de Príamo (v. quadros 7, p. 112, Ática: aportou no momento em que Télamon
e 31, p. 352, e Télamon). E, pois, meio- acabava de ser expulso do seu reino e encon-
-irmão de Ájax, mas, pela sua mãe, pertence trara refúgio em Egina. Fez-se reconhecer pelo
à família real de Tróia. É considerado na pai e restabeleceu-o no trono. Mas dizia-se tam-
Iliada como mais jovem que o seu irmão e o bém que tinha iniciado a viagem para a Atica
melhor arqueiro de todo o exército grego. ao ter conhecimento da morte de Télamon.
Participa com Ájax na expedição contra Não conseguiu desembarcar, vencido pelo so-
Tróia, apesar de Príamo ser seu tio. As suas brinho Eurísaces. Dirigiu-se, então, para a Es-
façanhas são consideráveis. Mata sucessiva- panha, onde fundou a futura Cartagena.
mente Orsíloco, 6rmeno, Ofeleste, Daitor, Encontram-se também os seus traços em Ga-
Crómio, Licofonte, Amopáon, Melanipo, des.
Gorgítion, Arqueptólemo; fere Glauco e é
ele próprio ferido por Heitor, mas é salvo TÊUTAMO. (T~ú~<Xf.l.oç.) Rei da Assíria, vi-
pelo irmão . No decurso de outros combates, gésimo sucessor de Nínias, também chamado
mata ainda Imbrio, Prótoo e Perifetes, Clito Tautano. O seu reinado coincide com a época
e quase mata Heitor. Participa, por fim, nos da Guerra de Tróia. Príamo enviou-lhe embai-
jogos fúnebres, onde disputa a prova de tiro xadores com um pedido de auxílio; Têutamo
com arco. acedeu ao seu pedido e enviou-lhe um contin-
Nos poemas posteriores, contavam-se as gente de dez mil etíopes, dez mil habitantes de
aventuras que lhe diziam respeito. No mo- Susa e duzentos carros de guerra. Este exército
mento da morte de Ájax, estava ausente, estava sob o comando de Mémnon, filho de Ti-
participando numa expedição de pirataria tono (v. este nome). Tal é a versão «histori-
na Mísia, mas regressou a tempo de prote- cista» do mito de Mémnon.
ger o cadáver do irmão contra os ultrajes TEUTARO. (Teúrcpoç.] Cita, pastor de An-
dos Atridas. Desesperado, esteve quase a fitrião, Teutaro foi o pastor que ensinou ao
suicidar-se, sendo apenas impedido pelos as- jovem Héracles a utilização do arco e a quem
sistentes. Teucro é nomeado entre os com- presenteou com o seu arco e as suas flechas
batentes que tomaram lugar no cavalo de (v. Héracles).
madeira.
O «regresso» de Teucro não foi feliz. Che- TEUTRA. (T~úep<xç.) 1. Teutra é um rei da
gou sem problemas até Salamina, onde reinava Mísia que desempenha um papel na lenda de
Télamon, mas, na viagem, foi separado do Télefo. O seu reino estendia-se até à emboca-
barco que transportava o seu sobrinho, Eurí- dura do Caíco. A sua mãe chamava-se Lísipe
saces (v. este nome). Por essa razão, Télamon e contava-se que Teutra tinha morto, na
recebeu-o bastante mal; criticou-o igualmente montanha, um javali que implorava a sua
por não ter protegido Ájax e por não o ter vin- piedade com voz humana eque se tinha refu-
gado. Depois, expulsou-o e Teucro teve de se giado no santuário de Artemis Ortosia.
exilar. Conta-se que, antes de partir, fez um Como castigo, a deusa enlouqueceu-o e atin-
discurso, da proa do seu barco, na baía de giu-o com uma espécie de lepra. Lísipe, com
Freátis, para se defender da acusação que lhe o auxílio do adivinho Políido, conseguiu
fizera Télamon. É a este episódio que se fazia acalmar a cólera de Ártemis e Teutra recupe-
remontar o uso de os exilados tentarem uma rou a saúde. A montanha onde Teutra teve
última vez defenderem-se, nesse lugar, antes de esta aventura denomina-se, em recordação
abandonarem a pátria. do facto, Teutrânia.
Dirigiu-se em primeiro lugar para a Síria, Foi Teutra quem acolheu Auge, quando esta
onde foi recebido pelo rei Belo, que, nesse mo- foi vendida por Náuplio. Conta-se, por vezes,
mento, se preparava para conquistar a ilha de que a desposou e, mais tarde, que fez de Té-
Chipre. Belo instalou Teucro na ilha, onde este lefo seu filho adoptivo; outras vezes, ainda,
fundou a nova Salamina (Salamina de Chipre). admite-se que tratava Auge como sua filha. So-
Levou com ele prisioneiros de guerra troianos, bre estas variantes da lenda, v. Télefo, Seja
que formaram uma parte de população. Ele como for, Teutra morreu sem deixar descen-
próprio desposou Êunoe, a filha do rei Cipro, dência masculina e foi Télefo quem lhe suce-
o epónimo da ilha. Êunoe deu-lhe uma filha, deu.
Astéria. Segundo uma outra tradição, Teucro 2. Este Teutra não deve confundir-se com
estabeleceu-se pacificamente na ilha, onde des- outros heróis do mesmo nome, nomeadamente
posou Êunoe, a filha do rei Círinas (v. este um grego morto por Heitor em Tróia.

Têutamo: 0100. SIC., 11, 22; ef. Eus., Chron., I, Teutra: n ApOllOD., Bibl., 11,7,4; 111,9, I; PAU-
66 (Sehn.). SAN_,VIII, 4, 9; X, 28, 8; STEPH_Bvz., S. u. 't<u6pv!ot;
0100. SIC., IV, 33; STRAB., XII, 571 e 5.; HVG., Fab.,
Teutaro: TZETZ., ad Lyc., 50; 56; 458; escól, a 99; 100; PS_-PLUT., de flor., 21, 4. 2) 11., V, 705;
TEOCR., XIII, 9. TZETZ., Hom., 100_
447 TIDEU

TIA. (0tÍOt.) Tia, a Divina, pertence à pri- TÍCIO. (TL"tUÓÇ.) Tício é uma gigante, filha
meira geração divina, anterior à dos Olímpi- de Zeus e de Elara, que umas vezes é conside-
coso É uma das Titãnides, filha de Úrano e de rada como filha de Orcómeno e outras como
Geia (v. quadro 14. p. 182). Une-se a Hipérion filha de Mínias. Com medo dos ciúmes de
(v. quadro 16, p. 202), de quem tem três fi- Hera, quando a sua amante ficou grávida, Zeus
lhos: Hélio (o Sol), Eos (a Aurora) e Selene escondeu-a nas profundezas da terra. E foi da
(a Lua). terra que saiu, ao nascer, o gigante Tício.
Quando Leto deu Ártemis e Apoio a Zeus,
TIA. (0u[Ot.) Segundo uma tradição de Del-
Hera, com ciúmes da sua rival, lançou contra
fos, Tia é uma ninfa da região, filha do deus-
ela o gigante Tício, inspirando-lhe o desejo de
-rio Céfiso, ou, ainda, do herói Castálio, um
a violentar. Mas Tício foi fulminado por Zeus
dos primeiros habitantes. Tia foi possuída por
e lançado nos Infernos, onde duas serpentes
Zeus, que lhe deu um filho, Delfo, o epónimo
(ou duas águias) devoram o seu fígado, que re-
de Delfos (v. Delfo). Tia foi a primeira a ce-
nasce de acordo com as fases da Lua. Segundo
lebrar o culto de Dioniso nas encostas do Par-
outros autores, foram os filhos de Leto que
naso e é, diz-se, em recordação de tal facto que
protegeram a mãe e crivaram o monstro de fle-
as Ménades tomam por vezes o nome de Tía-
chas. Tício ficou, assim, eternamente no solo,
des. Dizia-se também que ela tinha sido pos-
onde o seu corpo cobria nove «hectares». Exis-
suída por Posídon.
tia na Eubeia uma gruta onde Tício recebia um
Existia uma outra tradição a respeito da
culto.
mesma heroína: filha de Deucalião, teria
dado a Zeus dois filhos, Magnes e Mácedon,
os epónimos das regiões de Magnésia, na TIDEU. (Tuôtúç.) Tideu é um herói etólio,
nascido do segundo casamento do rei Eneu
Tessália, e da Macedónia (v. Macedon).
com Peribeia, a filha de Hipónoo (v. qua-
TIAS. (0tÍOtç.) Numa das versões da lenda dro 29, p. 298). Entre as diversas tradições re-
de Adónis, Tias é apresentado como seu pai lativas ao casamento de Eneu e de Peribeia,
e como filho do rei da Babilónia, Belo. Casou existe uma segundo a qual a jovem teria sido
com a ninfa Orítia e foi pai de Mirra (v. Adó- seduzi da por Eneu e, em vez de este se casar
nis). com ela, teria sido abandonada aos porquei-
* TIBERINO. (Tiberinus.) 1. Na lenda ro- ros. E é entre estes que teria crescido o jovem
mana, Tiberino surge com um duplo aspecto: Tideu. Pretendia-se, por fim, que Eneu pos-
por um lado, o deus do Tibre, uma abstrac- suíra, por ordem de Zeus, a própria filha,
ção poética, de acordo com o tipo helénico; por Gorge, e que Tideu era, na realidade, fruto
outro lado, como rei de Alba, o décimo des- desse amor.
cendente de Eneias. Teria morrido junto ao rio, Chegado à idade adulta, Tideu cometeu um
então chamado Albula, que, após este acon- crime: segundo as fontes, a sua vítima foi o ir-
tecimento, teria tomado o nome de Tibre. mão de Eneu, A\cátoo, ou, então, os filhos de
2. Uma tradição diferente faz de Tiberino Meias, que tinham conspirado contra Eneu:
um herói, epónimo do rio, mas de origem di- Feneu, Eurialo , Hiperlau, Antíoco, Eumedes,
vina e não descendente de Eneias. Seria o fi- Esternops, Xantipo e Estenelau; ou, ainda, o
lho do deus Jano e de Camasena, uma ninfa seu próprio irmão, OIénio. Seja como for, teve
do Lácio. Morto afogado no rio, ter-lhe-ia de abandonar a pátria e, depois de errar du-
dado o seu nome. rante algum tempo, chegou à corte de Adrasto
ao mesmo tempo que Polinice. Sobre o encon-
* TmURNO. (Tiburnus.) Tiburnus, ou Ti- tro dos dois heróis, v. Adrasto. Adrasto con-
burtus, é o herói epónimo, fundador da cidade sente em purificar Tideu do seu crime, e, aten-
latina de Tibur (Tivoli). É, por vezes, consi- dendo a um antigo oráculo, dá-lhe uma das
derado como um dos três filhos do herói te- filhas, Deípile, enquanto Polinice desposa ou-
bano Anfiarau, idos para Itália após a morte tra, Argia. Ao mesmo tempo, Adrasto promete
do pai para fundarem colónias (v. também Ca- aos seus dois genros devolver-Ihes as suas pá-
tilo). trias. Foi assim que Tideu foi levado a tomar

Tia: HES., Theog., 135; 371 e s.; ApOLLOO., Bibl., Arg., I, 761 e s.; e eseól. ad loc.; LUCR., De Nat.
I, 1,3; 2, 2; PINO., Isth., V, I, e escól. v. 2. Rer., I1I, 984 e s.; VIRG., Aen., VI, 595 e s.; Etna,
80; HVG., Fab., 55; PAUS., X, 4, 5; 29, 3; STRAB.,
Tia: PAUSAN., X, 6, 4; cf. 29, 5; STEPH. Bvz., s. u. IX, p. 423; Ov., Met., IV, 457 e s.; ef. G. OUMÉZlL,
McxxtOov(",; HES., fr. 25 (Rz). in R. Hist, Rei., CXI (1935), pp. 66-89; S. REINACH,
op. cit., (art , Sisifo).
Tias: ANT. LIS., Tr., 34.
Tideu: tt., IV, 372 e s.; V, 126; 800 e s.; VI, 222
Tiberino: I) VIRG., Aen., VIII, 31 e s. 2) SERV., ad e s.; ApOLLOO., Bibl., I, 8,4 e s.; I1I, 6, 1 e s.; 10,
VIRO., Aen., VIII, 330; VAR., LL, V, 30; OION. 8; HVG., Fab., 69; 70; 71; 97; 175; 257; PAUSAN., III,
HAL., I, 71; 0100. SIC., VI, 5; Ov., Fast., lI, 389 e 18; 12; IX, 18. 1 e s.; X, 10,3; EUST., ad Hom., p.
·s.; Met., XIV, 614 e s. 971; eseól.ll., V, 126; XIV, 114; 120; 0100. SIC., IV,
65; PLUT., Prov., I, 5; STAT., Theb., 1,401 e s.; 669
Tibumo: VIRG., Aen., VII, 671, e SERV., ad loc.;
e s.; lI, 307 e s.; VIII, 717 e s., etc.; e LAcT. PLAC.,
XI, 519; SOLlN., 11, 8; PLlN., N. H., XVI, 237.
ad loc.; SOPH., arg., Ant.; Oed. Col., 1315; fr. ed.
Ticio: Od., XI, 576 e s.; PINO., Pyth., IV, 160 e Pearson, m, p. 38 (fr. 799); EUR., Phoen., 134; 419;
s.; e escól. ad loc., ApOLLOD., Bibl., I, 4,1; eseól. eseól. v. 135; TZETZ., ad Lyc., 1066; eseól. PINO.,
Od., VII, 324, e Eusr., ad loc., p. 1581; Ar-oí., RH., Nem., X,. 12, ete.
TIESTES 448

parte na expedição dos-Sete Chefes, que tinha Para as grandes linhas desta lenda, v. Atreu.
por fim instalar de novo Polinice no t.rono de Por instigação de Hipodamia, Tiestes e Atreu,
Tebas. na sua juventude, matam o seu meio-irmão,
Quando do episódio de Arquémoro, Tideu Crisipo. Depois deste assassínio, fugiram para
tomou o partido de Hipsípile contra o rei Li- junto de Esténelo e conquistaram o poder em
curgo (v. estes nomes) e bateu-se contra este. Micenas (v. Atreu). Mas Tiestes tornou-se
Anfiarau e Adrasto apaziguaram a querela. amante de sua cunhada, Aérope (v. este nome).
Nos jogos que estão são celebrados em honra Para se vingar, Atreu concebeu, então, o pro-
de Arquémoro, e que se tornarão nos Jogos jecto horrível de dar a comer ao irmão os pró-
Nemeus, Tideu vence na prova de pugilato. prios filhos. Para isso, matou os filhos que
Tideu é, em seguida, enviado como embai- Tiestes tinha tido de uma concubina (segundo
xador a Tebas, mas Etéocles recusa-se a escutá- uns, em número de três: Aglau, Calileonte e
-10. Então, para pôr os Tebanos à prova, Ti- Orcómeno - ou de dois, segundo outros-
deu desafia-os individualmente para um Tântalo e Plístenes) e preparou com eles uma
combate singular e aniquila-os uns após outros. refeição, que deu a comer ao irmão. Em se-
Ao partir, os Tebanos armaram-lhe uma em- guida, mostrou-lhe os braços e as cabeças.
boscada, formada por cinquenta homens. Ti- O Sol, horrorizado, retrocedeu no seu movi-
deu matou-os a todos, excepto Méon (v. este mento. Tiestes fugiu, então, para junto do rei
nome, 1). Durante o cerco, uma tradição obs- Tesproto (v. este nome) e, de lá, dirigiu-se a
cura situa um episódio que demonstra a fero- Sícion, onde se encontrava a sua filha, Peló-
cidade de Tideu: Ismena, a irmã de Etéocles, pia. Tinha tomado conhecimento por um orá-
amava um jovem tebano de nome Teoclímeno culo que só poderia vingar-se do irmão atra-
e tinha-lhe marcado um encontro, fora da ci- vés de um filho nascido de um incesto com a
dade, junto a uma fonte. Por instigação de filha (v. Egisto). Este filho, Egisto, conseguiu
Atena, Tideu seguiu os jovens enamorados e matar Atreu e devolver a Tiestes o trono que
surpreendeu-os. Teoclímeno conseguiu fugir, lhe fora usurpado.
mas Ismena, prisioneira, tentou comover Ti-
deu, que permaneceu insensível e a matou. TÍFIS. (n'l~uç.) Tífis é o primeiro-piloto do
No combate decisivo diante das sete portas navio Argo. E considerado filho de Hagnia e
da cidade, o adversário de Tideu era Melanipo. é natural de Sifas, na Beócia. Atribui-se-lhe um
A deusa Atena, protectora de Tideu, prepara- conhecimento profundo dos ventos, do curso
va-se para lhe conceder a imortalidade, que ela dos astros, etc., que tinha recebido da própria
lhe obtivera de Zeus. Mas quando Anfiarau, Atena, mas nunca é apresentado a tomar parte
que não perdoava a Tideu o ter organizado a nos combates em terra firme. Tífis não veria
expedição onde ele próprio devia encontrar a o final da expedição, pois morre de doença no
morte, compreendeu a intenção da deusa, cor- palácio do rei Lico, no país dos Mariandinos,
tou a cabeça de Melanipo e levou-a a Tideu. nas margens do Ponto Euxino. O seu sucessor
Este rachou o crânio do seu inimigo e sorveu ao leme é Anceu.
o cérebro. Desgostosa com este acto, Atena de- TÍFON. (Toeóv.) Tifeu ou Tífon é um ser
cidiu privar Tideu da imortalidade e retirou- monstruoso e o mais jovem dos filhos de Geia
-se do campo de batalha. (a Terra) e do Tártaro (v. quadro 14, p. 182).
O cadáver de Tideu foi sepultado devido aos
cuidados de Méon, que se mostrava agradeci- Existe, contudo, uma série de versões ligando
Tífon a Hera e a Crono. Geia, descontente com
do por ter sido poupado. Uma outra tradição a derrota dos Gigantes, caluniou Zeus junto
pretendia que o corpo de Tideu tivesse sido le- de Hera e esta pediu a Crono um meio para
vado pelos atenienses de Teseu e enterrado em se vingar. Crono entregou-lhe, então, dois ovos
Elêusis. impregnados com o seu próprio sémen: enter-
Tideu é o pai de Diomedes (v. este nome).
rados, estes ovos deviam dar nascimento a um
TIESTES. (8ut(mlç.) Tiestes é o irmão gé- génio capaz de destronar Zeus. Esse génio foi
meo de Atreu e, como ele, filho de Pélops e Tífon.
de Hipodamia (v. quadro 2, p. 12). A sua Segundo uma outra tradição, Tífon era um
lenda é totalmente preenchida pelo seu ódio filho de Hera, que ela concebera sem recurso
contra Atreu e pelas vinganças que os dois ir- a qualquer princípio masculino, tal como
mãos tramaram, alternadamente, um contra o concebera Hefesto (v. este nome). Deu o seu
outro. Tema trágico por excelência, esta lenda filho monstruoso a educar a um dragão, a
foi utilizada pelos poetas e arbitrariamente serpente Píton, que vivia em Delfos (v. Pi-
complicada com episódios cada vez mais cruéis. ton).

Tiestes: 11., Il , 106 e S.; e eseól. ad loc.; ese61. OV., Me/., V, 321 e S.; HVG., Fab., 152; ApOL·
EUR., Or., 4; 12; ApOLLOD., Bibl., lI, 4, 6; Ep., lI, LOD., Bibl., I, 6, 3; ese61. 11., Il, 783; Hymn. hom.
10; STRAB., VIII, p. 337; HVG., Fab., 86; 87; 88; SE· Apo/l. Pyth.; ll, 127 e S.; 159 e S.; NONN., Dyon.,
NEc:., Th.; SOPH., trago perdida Th.; V. A/reu, Aé- I, 481 e S.; Cf. WERNER «Typhon , der Feind der
rope, Egisto ; Agamémnon. Zeus»; Z/. für Welt., 1937, pp. 49-54; G. SEIPPEL,
Der Ty ph on m y t h os; disso GreisswId, 1939;
nfis: Aroi.., RH., A~., I, 105, e eseól. ad loc.; ll, F. VIAN, «Le myt he de Typhée ... », Eléments
815 a 854; ete.; HVG., Fab., 14; 18; PAUSAN., IX, 32, 4;
orientaux ... (v. art . Afrodite), pp. 19-37; J. P.
APOLLOD., Bibl., I, 9, 16; SENEc:., Med., 2 e s., 617 e s. VERNANT, «L'union avee Métis et Ia royauté du
Tífon: HES., Theog., 820 e S.; PINO., Py/h.,I, 15 ciel», in Mel. Ch. H. Poech, Paris, 1974,
e s.; AESCH., Pr., 351 e S.; ANT. LIS., Transf., 28; pp. 101-116.
449 TíNDARO

Tífon era um ser intermédio entre um' ho- tada por Teseu, atravessaram a Mégara. Ti-
mem e uma fera. Em tamanho e em força, ul- malco juntou-se-Ihes e participou na tomada
trapassava todos os outros filhos da Terra: era de Afidna, sendo morto por Teseu durante o
maior do que todas as montanhas e com fre- combate.
quência a sua cabeça tocava nas estrelas. TlMANDRA. (TlfLtXvOpa.)
Timandra é uma
Quando estendia os braços, uma das sua~ mãos das filhas de Tíndaro e de Leda (v. quadro 2,
atingia o Oriente e a outra tocava o OCidente p. 12; 21, p. 242). Era casada com Équemo
e em vez dos dedos tinha cem cabeças de dra- (v. este nome) e, segundo uma tradição trans-
gão. Da cintura para baixo estava rodeado de mitida por Sérvio, ter-lhe-ia dado um filho:
víboras. O seu corpo era alado e os olhos lan- . Evandro (v. este nome). Mas, tendo descon-
çavam chamas. Quando os deuses viram este tentado Afrodite ao neglicenciar a oferta de sa-
ser atacar o céu, fugiram para o Egipto e crifícios rituais, a deusa enlouqueceu-a. Timan-
esconderam-se no deserto, onde assumiram a dra deixou-se raptar por Fileu (v. este nome),
forma de animais. ApoIo transformou-se em que a levou para viver em Dulíquio.
milhafre, Hermes em ibis, Ares em peixe, Dio-
niso em bode, Hefesto em boi, etc. Apenas TIMETES. (EJufL01"Iç.) Numa tradição trans-
Atena e Zeus resistiram ao monstro. Zeus mitida por Diodoro, Timetes é um filho de
fulminou-o de longe com os seus raios e, Laomedonte e, por consequência, um dos ir-
quando se aproximou dele, atingiu-o com a sua mãos de Príamo. Mas, na maior parte dos ca-
foice de aço. O combate teve lugar no monte sos, Timetes é o marido de Cila (v. este nome)
Cásio, nos confins do Egipto e da Arábia Pe- e, por conseguinte, cunhado de Príamo e nã,o
treia. Tífon, que estava apenas fendo, conse- seu irmão. Príamo, interpretando mal um ora-
guiu recuperar e tirou a foice ao deus. Cortou culo tinha condenado Cila à morte. Timetes
os tendões dos braços e das pernas de Zeus, não lhe perdoou e, para se vingar, foi um dos
colocou o deus indefeso às costas e levou-o primeiros a introduzir o cavalo de madeira den-
para a Cilícia, onde o encerrou numa caverna, tro da cidade de Tróia.
a «gruta Corícia». Escondeu, por outro lado, TÍNDARO. (Tuvôáptwç.)Tíndaro, o pai dos
os músculos e os tendões de Zeus numa pele Dioscuros, de Helena e de Clitemnestra, tal
. de urso e entregou-os à guarda do dragão fê- como de Timandra e de Filónoe (v. quadro 21,
mea Delfine. Hermes e Pã - alguns autores re- p. 242), é um herói lacedemónio. As diversas
ferem Cadmo- roubaram os tendões e reco- tradições não estão de acordo sobre a sua ge-
locaram-nos no corpo de Zeus. Este recupe- nealogia. É, por vezes, apresentado como fi-
rou imediatamente a sua força e, subindo ao lho de Ébalo e da Náiade Batia, ou de Gorgó-
céu num carro puxado por cavalos alados, fone uma das filhas de Perseu (v. quadro 5,
atacou o monstro com os seus raios. Tífon p. 90). Outras vezes, no lugar de Ébalo, o seu
fugiu e, na esperança de aumentar a sua pai é Perieres, de Messene, ou, ainda, Cinor-
força, quis comer os frutos mágicos que cres- tas, que é normalmente considerado como pai
ciam no monte Nisa. Foi pelo menos esta a de Perieres. Nas duas últimas tradições, a mãe
promessa que as Moiras lhe tinham feito, é Gorgófone. Tem como irmãos (ou meio-
para o atraírem. Zeus alcançou-o e a perse- -irmãos, segundo as tradições, v. Gorgójone)
guição continuou. Na Trácia, lançou I?ont~- Icário, Afareu e Leucipo, aos quais se acres-
nhas contra Zeus, mas este, com os raios, fe- centa, por vezes, uma irmã, Arene,
-Ias cair sobre o monstro. Assim, o monte Hipocoonte, após a morte de Ebalo, expul-
Hemo ficou a dever o seu nome ao sangue sou os irmãos e ficou como senhor absoluto
(em grego ótlfLa)que correu de uma. das su~s de Esparta. Icário e Tíndaro fugiram para a
feridas. Definitivamente desencorajado, Ti- corte do rei Téstio, em Cálidon. Foi ai que Tín-
fon fugiu e, enquanto atravessava o mar da daro desposou Leda, a filha de Téstio. Mais
Sicília, Zeus lançou sobre ele o monte Etna, tarde, e após Hipocoonte e os seus filhos te-
que o esmagou. E as chamas que saem do rem sido vencidos por Héracles, este devolveu
Etna são ou as que o monstro lança ou o que o reino de Esparta a Tíndaro (v. Hipocoonte).
resta dos raios com que Zeus o abateu. Segundo uma outra tradição, Hipocoonte e
Atribui-se a Tífon a paternidade de vários Icário permaneceram juntos em Esparta e che-
monstros (o cão Orco, a hidra de Lerna, a Qui- garam a acordo para expulsarem Tíndaro. Este
mera), que concebeu com Equidna, a filha de ter-se-ia, então, refugiado em Pelene, na Acaia,
Calírroe e de Crisaor (v. quadro 33, p. 388). ou junto do seu meio-irmão Afareu, na Mes-
TIMALCO. (TlfLaÀxoç.)Timalco é o filho sénia.
mais velho do rei de Mégara, Megareu. Sobre os filhos de Tíndaro e o papel repre-
Quando os Dioscuros procuravam a irmã, rap- sentado por Zeus no seu nascimento, v. Dios-

Timalco: PAUSAN., 1,41,3 e s. S.; HVG., Fab., 77; 78; 79; 80; 92; 117; 119; ApOL·
LOD., Bibl .. 1,9, 5; 11, 7, 3; 111, 10, 3 e S.; Ep., I!,
Timandm: APOLLDO., Bibl., III, 10,6; PAUSAN., VIII,
15 e S.; PAUSAN., I, 17,5; 33, 7 e S.; I!, 1,9; 18,2
5, I; escól. PINO., Olymp., XI. 80; HES., fr. 90 (Rz);
e S.; 34, !O; 111, 1,4 e S.; 12,5; 13, I; 8; 15, li; 16,
SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 130; EUST., ad Hom.,
p. 305, 17. 2; 17.2-4; 18, li; 14; 20, 9; 21, 2; 24, 7 e S.; IV, 27,
I; 31. 9; V, 8. 4; VII!, 5, I; 34, 4; DIOD. SI('., IV,
Timetes: 11., 111, 146; 0100. SIC., 111,67; VIRG.,
33: escól. EUR., Or., 457; STRAB., X. p. 461; EUR.,
Aen., 11,32, e SERV.. ad loc. Hel., passim; Or., passim; A. H. KRAPPE, «Tynda-
Tíndaro: HES., fr. 94 (Rz); EUST., p. 293. li; es- fel), Studi e Mata. di Storia delle rei.. XV (1939).
cól. 1I.,V, 81; TZET., ad Lyc., 1123; Chil., I, 456 e pp. 23-29.
TINGE 450

curos, Helena, Leda, Clitemnestra. Tíndaro de aumentar até à época helenística e à pró-
representa tarnbém'um papel na lenda dos Atri- pria Roma (v. Fortuna). Não possui mito e
das: após a morte de Agamémnon, a ama de não passa de uma abstracção. Acaba por ab-
Menelau envia as crianças do rei de Sícion, Po- sorver certas deusas, como Isis, e dar origem
lifides, que as confia, por seu lado, ao rei Eneu, a uma divindade mista, chamada Isítique, que
em Cálidon. Quando Tíndaro regressa de Cá- figura no sincretismo religioso da época impe-
lidon para Esparta, leva consigo as duas crian- rial, representando o poder, a meia-Providên-
ças e educa-as no seu palácio. Foi aí que os dois cia, o meio-Acaso, a que está submetido o
irmãos conheceram Helena e Clitemnestra. mundo. Tique é, por vezes, representada cega.
Sobre as dificuldades que se depararam a Tudo isto é um jogo de símbolos e não pertence
Tíndaro com a grande beleza de Helena e os à mitologia propriamente dita.
inúmeros pretendentes à sua mão, v. Helena
TÍQUIO. (TuXtoç.) Nome de um sapateiro
e Icário. Depois da divinização dos seus dois
célebre, originário da Beócia, que tinha fabri-
filhos, Castor e Pólux, Tíndaro chamou para
cado o escudo de couro de Ajax, filho de Té-
junto de si o genro, Menelau, e legou-lhe o
lamon. Ficou como o protótipo dos sapatei-
reino de Esparta. Tíndaro estava ainda vivo no
ros e é muitas vezes citado como tal.
momento do rapto de Helena e foi durante a
Guerra de Tróia que casou a neta, Hermíone, TIRÉSIAS. (TtLptcrl<XÇ.)Adivinho célebre,
com Orestes (v. Hermioney: Afirmava-se, por desempenha ..no ciclo tebano o mesmo papel
vezes, que teria sobrevivido a Agamémnon e que Calcas no ciclo troiano. Pertence, pelo
que teria sido o acusador de Orestes perante pai, Éveres, que descendia de Udeu, à raça
o Areópago (v. Orestes) ou mesmo em Argos, dos Espartos (v. esta palavra). A sua mãe é
perante o tribunal do povo. a ninfa Cariclo (v. a sua lenda).
Tíndaro figura entre as personagens ressus- Existiam diversas lendas sobre a juventude
citadas por Asclépio. Era honrado como he- de Tirésias e o modo como tinha adquirido o
rói em Esparta. seu talento de adivinho. Contava-se, por um
lado, que fora Palas que o cegara, porque, aci-
TINGE. (Tty'Y'l.) Nome da esposa do gigante
dentalmente, Tirésias a vira nua. Mas, a pe-
Anteu, que foi morto por Héracles. Este uniu-
dido de Cariclo, para o compensar, a deusa
-se a Tinge e deu-lhe um filho, Sófax (v. este
concedera-lhe o dom da profecia. A versão
nome), que fundou a cidade de Tingis (hoje
mais célebre é bastante diferente. Um dia,
Tânger), em honra de sua mãe.
quando passeava no monte Cilene (ou então
TIODAMAS. (EhLOMfL<XÇ.)Tiodamas é o no Cíteron), o jovem Tirésias viu duas serpen-
nome de um herói ligado ao ciclo de Héracles tes a copularem. Neste ponto, os autores não
e cuja lenda tanto é localizada no país dos estão de acordo: ou Tirésias separou as serpen-
Dríopes como em Chipe. No primeiro caso, é tes ou feriu-as ou, finalmente, matou a serpente
considerado como pai de Hilas (v. este nome). fêmea. Seja como for, o resultado foi que ele
Sobre a própria lenda, v. Héracles. próprio se tornou numa mulher. Sete anos de-
pois, passeando no mesmo local, reviu duas
TIONE. (EJUWV'Ij.) Tione é, em certas tradi-
serpentes copuladas. Interveio do mesmo
ções, o nome da mãe de Dioniso, mais geral-
modo e retomou o primitivo sexo. A sua des-
menfe chamada Sémele (v. este nome).
ventura tornara-o célebre e, um dia, quando
Explicava-se esta diferença de denominação
Zeus e Hera discutiam para saber quem, se o
quer pretendendo que, nos dois casos, não se
homem ou se a mulher, desfrutava o maior
tratava do mesmo Dioniso, quer considerando
prazer no amor, tiveram a ideia de consultar
Sémele o nome «mortal» da mãe do deus e
Tirésias, que era o único a ter a dupla expe-
Tione o seu nome «divino», aquele que lhe foi
riência. Tirésias, sem hesitar, afirmou que, se
dado depois da sua apoteose, quando o deus
o gozo do amor se compusesse de dez partes,
retirou a mãe dos Infernos para a colocar en-
a mulher tinha nove e o homem apenas uma.
tre as divindades (v. Dioniso).
Isto encolerizou Hera por ver assim revelado
TIQUE. (TúX'Ij.) Tique é a Fortuna, ou, pelo o grande segredo do seu sexo e castigou-o
menos, o Acaso divinizado e personificado por com a cegueira. Zeus, para o compensar,
uma divindade feminina. Tique é desconhecida concedeu-lhe o dom da profecia e o privilégio
nos Poemas Homéricos, mas adquire, mais de viver durante muito tempo (sete gerações
tarde, uma grande importãncia, que não cessa humanas, diz-se).

Tinge: PLUT., Sert., 9. Tíquio: Il., VII, 220 e S.; HESYCH., S. U.; Ov.,
Tiodamas: Escól. Ar-oi.. RH., A rg., I, 131; ApOL· Fas!., m, 824; PUN., N. H., VII, 196.
LOD., Bibl., 11, 7, 7; HYG., Fab., 14; Arg. a SOPH., Tirésias: Od., X, 487 e S.; XI, 84 e S.; escól. X, 494;
Tr., NONN., ed. WESTERMANN, pp. 370 e S.; CONON, XXIII, 323; EUST., ad Hom., p. 1665,41 e S.; ApOL·
Narr., 11. LOD., Bib/., 11, 4, 8; II1, 4, I; 6, 7 e S.; 7, 3 e S.;
HYG., Fab., 67, 68; 75; 125; 128; CALUM., Lav.
Tione: OPP., Cyn., 1,27; cf. HOR., O., I, 17,23; Pall., 57 e S.; SOPH., O. R., passim; EUR., Phoen.,
Ov., Me/., IV, 13; DIOD. SIC., m, 62; IV, 25; Cic., 834 e S.; 1589 e S.; PAUSAN., IX, 33, 1 S.; Ov., Met.,
de na/o D., m, 58; ApOLLOD., Bibl., m. 5, 3. Il l, 320 e S.; TZETZ., ad Lye., 683; ef. TH. ZIEUNSKI,
Tique; PAUSAN., IV, 30, 4; Cf. BOUCHÉ-LECLERC, «De Tireside ... infortuniis», Eos, 1926, pp, 1-7;
in Rev. Hist, Rei., XXIII (1891), pp. 273 e S.; F. AL· A. H. KRAPE, in Am. Journ. Phil., 1928, pp. 267-
LEGRE, Êtude sur Ia déesse greeque Tyché, Lyon, -276; L. BRISSON, Le mythe de Tirésias. Essa i
1889. d'analyse structurale, Leyden, 1976.
451 TISÂMENO

Atribui-se a Tirésias um certo número de peu e ia com frequência para as margens cho-
profecias respeitantes aos acontecimentos mais rar a sua paixão. O deus Posídon, um dia, saiu
célebres da lenda tebana. Revelou, por exem- das águas e uniu-se a ela sob a forma de Eni-
plo, a Anfitrião a verdadeira identidade do seu peu e deu-lhe dois gémeos, que ela deu à luz
rival junto de Alcmenajv. Héracles); desven- secretamente. Os seus dois filhos foram Pélias
dou os crimes de que Edipo, sem o saber, se e Neleu (v. estes nomes). Entretanto, Tiro era
tornara culpado e aconselhou Creonte a expul- objecto de maus tratos pela madrasta, Sidero,
sar o rei para livrar a cidade de Tebas da mal- segunda mulher de Salmoneu. Quando os fi-
dição que ele impunha; profetisou, quando da lhos cresceram, libertaram-na e mataram Si-
expedição dos Sete Chefes, que a cidade seria dera. Tiro desposou então Creteu e deu-lhe três
poupada, se o filho de Creonte, Meneceu, fosse filhos: Éson, Feres e Amitáon (v. o quadro ci-
sacrificado para apaziguar a cólera de Ares tado).
(v. Meneceu). Finalmente, ao tempo da expe- Tiro intervém numa lenda muito diferente,
dição dos Epígonos, aconselhou os Tebanos a cujo relato, mutilado, é parcialmente conser-
negociarem um armistício e a deixarem secre- vado por Higino. Sísifo e Salmoneu, que são
tamente a cidade durante a noite para evitar irmãos, odeiam-se. Mas o oráculo comunicara
um massacre geral (v. Epigonos). a Sísifo que só poderia vingar-se do irmão se
Na poesia helenística e romana, Tirésias tivesse um filho de Tiro, sua sobrinha. Une-se
torna-se o «adivinho universal» de Tebas. a ela e dá-lhe dois filhos, que Tiro mata, ao
É ele quem aconselha o rei Penteu a não se conhecer o destino que os esperava. Ignoramos
opor à introdução do culto de Dioniso na Beó- o que Sísifo fez então; sabemos somente que
cia e quem revela a sorte da ninfa Eco após a foi punido, nos Infernos, pelo seu incesto
sua metamorfose. Prediz, igualmente, a morte (v. Sisifo).
de Narciso. Já nas lendas odisseicas tinha um
TIRRENO. (Tupp1]vóç.)Herói epónimo dos
papel particular: é para o consultar que Ulis- Tirrenos (os Etruscos). Umas vezes é conside-
ses empreende a viagem ao país dos Cimérios rado como irmão de Lido, epónimo dos Lídios,
e a evocação dos mortos, a conselho de Circe. e filho de Átis e Calítea, outras como um dos
Tirésias, com efeito, recebera de Zeus o privi-
légio de conservar, depois da morte, o seu dom filhos de Héracles, inventor da trompa. A sua
de profeta. mãe seria, neste caso, Ônfale. É, finalmente,
Tirésias teve uma filha, a adivinha Manto, também considerado como filho de Télefo e
que foi, por seu lado, mãe do adivinho Mopso de Híera. Tem, então, um irmão, Tárcon. Tir-
(v. estes nomes). rena, de origem Iídia, ter-se-ia exilado após a
Guerra de Tróia - ou ainda no decurso de uma
A morte de Tirésias está ligada à conquista
fome que assolou o país - e estabelecido na
de Tebas pelos Epígonos. Seguiu os Tebanos
no seu êxodo e parou, com eles, de manhã, Itália central, dando origem ao povoetrusco.
perto de uma fonte denominada Telfussa. Al- * TIRRO. (Tyrrhus.) Nome do chefe dos
terado pela caminhada, bebeu desta água, que pastores dorei Latino. Colocou-se à frente dos
era fria, e morreu. Segundo uma outra versão, camponeses latinos para vingar a corça sagrada
Tirésias teria permanecido na cidade com a morta pelo jovem Ascânio. Mais tarde, depois
filha. Os vencedores aprisionaram-nos e da morte de Eneias, é junto dele que, com re-
enviaram-nos para Delfos a fim de serem con- ceio do genro, se refugiará Lavínia para dar
sagrados ao seu deus, ApoIo. No caminho, Ti- à luz o filho, Siluius (v. Lavinia e Ascânio).
résias, que era muito velho, morreu de fadiga. TISÂMENO. (Ttecquvóç.) 1. Tisârneno, o
TIRO. (Túpoç.) Ninfa fenícia, amada por Vingador, é principalmente o nome de dois he-
Héracles. Contava-se que o seu cão, certo dia, róis, dos quais um é filho de Orestes e de Her-
comera uma concha de púrpura (um murex) míone (v. quadro 15, p. 200). Tendo Orestes
e se aproximara da dona com o focinho colo- herdado de Menelau o trono de Esparta,
rido. Admirada com a cor, a jovem declarou sucedeu-lhe Tisâmeno, que reinou até ao dia
a Héracles que só continuaria a amá-Io se lhe em que foi atacado pelos Heraclidas. Tisâmeno
oferecesse um vestido da mesma cor. Docil- foi morto ao lutar contra eles. Uma outra tra-
mente, Héracles procurou e encontrou a tinta dição contava que fora expulso de Argos e de
púrpura, glória de Tiro. Esparta pelos Heraclidas, mas que obtivera
permissão para se retirar com os seus súbdi-
TIRO. (Tupw.) Tiro é filha de Salmoneu e tos. Dirigiu-se, então, aos Jónios estabelecidos
de Alcídice (v. quadro 23, p. 258). Tiro foi na costa norte do Peloponeso e pediu-Ihes aco-
educada em casa do irmão de Salmoneu, seu lhimento para si e para os seus súbditos. Os
tio creteu. Aí, enamorou-se do deus-rio Eni- Jónios, temendo que Tisâmeno, cujo valor

Tiro: POL., I, 45 e s. Tirro: VIRG., Aen., VII, 485; 508 e S.; SERV., a
VII, 484; cf. DION. HAL., 1, 70 (que dà a forma Tir-
Tiro: Od., lI, 120; XI, 235 e S.; ApOLLOD., Bibl., rena).
1,9,7 e s.; DIOD. SIC., IV, 68; SOPH., duas trago per-
didas sobre Tiro (NAUCK, 2.' ed., pp. 272 e s.); Tisâmeno: 1) Trag. perdida de SOPH., Herm.;
HYG., Fab., 60; 239; 254; STRAB., VIII, p. 356; Eusr'., ad Hom., p. 1479, 10 e s.; escóI. EUR., Or.,
PROP., I, 13, 21. 1654; ApOLLOD., Bibl., lI, 8, 2; 3; Ep., VI; 28;
Tirreno: DION. HAL., I, 27 e s.; HEROD., I, 94; TZETz., ad Lyc., 1374; HYG., Fab., 124; PAUSAN., lI,
HYG., Fab., 274; TZETZ., ad Lyc., 1239; 1249; SERV., 18,6; VII, 1,7; 6, 2; VELL., I, 1,4.2) PAUSAN., IX,
ad VIRG., Aen., X, 179; 198; PAUSAN., lI, 21, 3. 5, 15.
Úrano Geia
(ver os quadros 6, p. 90; 14, p. 184)

,....., Crio ,.....,

mm
Oceano e-> Tétis Cós Febe Hipérion ,....., Tia Euríbia Jápeto ,....., Ásia Reia ,..., Crono ,..., Fílisa
(ou Clímene)
I

I~
Oceânides Astéria
I
Leto v-->Zeus Eo Hélio Sélene Astreu Palas Perse Atlas Prometeu r--> Celeno Epimeteu e-> Pandora Quíron

"'''n
(entre as quais: Estige, Ásia, (quadro :8) (ver quadro 16, p. 202) (ver quadro 33, p. 388) (ver quadro
Electra, Dóris, Eurínome, 27, p. 280)
Métis, etc.)

Ártemis Apoio Deucalião Lico Quimereu Pirra


(v. Quadro 8, p. 117) (v. quadro 8, p. 117)

l-----r---·~

Fn
Héstia Deméter ,..., Zeus Hera+-e+v--« Zeus Hades Posídon e-> Anfitrite Zeus
(ver quadro 40, p. 471)

Perséfone Hefesto Ares Hebe Ilítia Tritão Rode

Quadro genealógico n. o 38
453 TLEPÓLEMO

guerreiro e sabedoria eram conhecidos, os TITÂS. (Tl~ãvtç.) Titãs é o nome genérico


viesse a submeter ao seu domínio, recusaram de seis filhos varãos de Úrano e Geia (v. qua-
e atacaram-no. Tisâmeno foi morto na bata- dro 6, p. 105; 14, p. 182). Pertencem à gera-
lha, mas os seus soldados alcançaram a vitó- ção divina primitiva e o mais jovem é Crono,
ria e cercaram os Jónios, que haviam retirado de quem sairá a geração dos Olímpicos
para a cidade de Hélice. Finalmente, os sitia- (v. Crono). Têm seis irmãs, as Titânides (v. Ti-
dos obtiveram autorização para se dirigirem tânides), com as quais se uniram para engen-
para a Ática, onde foram recebidos pelos Ate- drar toda uma série de divindades secundárias
nienses. Os companheiros de Tisâmeno, senho- (v. quadro 38, p. 452).
res da região, fizeram funerais magníficos ao Após a mutilação de Úrano por Crono, os
seu rei. Os filhos de Tisâmeno estabeleceram Titãs, que tinham sido expulsos do Céu pelo
o seu domínio na região conquistada aos Jó- pai, apoderaram-se do poder. Oceano, toda-
nios, que tomou O nome de Acaia: O mais ve- via, negou-se a auxiliar CroJ10 e manteve-se
lho, denominado Cometes, sucedeu-lhe, par- sempre afastado. Ajudará, porém, Zeus
tindo em seguida para fundar uma colónia na quando este, por sua vez, decide destronar
Ásia. Os outros quatro filhos de Tisâmeno Crono. Esta luta, que dá o poder aos Olímpi-
chamavam-se: Daímenes, Esparton, Télis e cos, é conhecida por Titanomaquia e é longa-
Leontomenes. mente contada por Hesíodo na Teogonia, mas
2. O segundo herói com o nome de Tisâ- o passo talvez seja interpolado (v. Crono).
meno é um filho de Tersandro e de Demonassa. Zeus teve como aliados nesta luta não apenas
É descendente de Édipo na terceira geração os Olímpicos - Atena, Apoio, Hera, Posídon,
(v. quadro 37, p. 438). Era demasiado jovem . Plutão, etc. - mas também os Hecatonquiros,
no momento da segunda expedição de Tróia que tinham sofrido o domínio dos Titãs, Pro-
(seu pai fora morto durante o desembarque na meteu, embora fosse filho de Jápeto, e a Es-
Mísia, v. Tersandro) pari! tomar o comando tige, a primeira das Oceânides.
do contingente tebano. Foi Penei eu quem, no
seu lugar, vingou a morte do rei precedente ao TITONO. (Tl9wvóç.) Embora uma genealo-
matar o filho de Télefo, Eurípilo (v. Pene/eu). gia aberrante apresente por vezes Titono como
Ao atingir a idade adulta, Tisâmeno reinou em filho de Eos (a Aurora) e do Ateniense Céfalo
Tebas. Teve um filho, Autésion, que não lhe (v. quadro 4, p. 79), este herói é normalmente
sucedeu, mas, antes, teve de se exilar e juntar- relacionado com o ciclo troiano e considerado
-se ao Heraclidas no Peloponeso. Tisâmeno como um dos filhos de Laomedonte (v. qua-
teve, então, como sucessor Damasícton, o neto dro 7, p. 112). A sua mãe é Estrimo, a filha
de Peneleu. do deus-rio Escamandro. Titono é, por con-
sequência, o irmão mais velho de Príamo. Ti-
TISÍFONE. (Ttlal<pÓv1].)1. Tisífone, a Vin- tono era de grande beleza e foi visto pela Au-
gadora do Morto, é uma das três Erínias. Não rora, que se apaixonou e o raptou. Tiveram
possui lenda particular, excepto o episódio obs- dois filhos, Emátion e Mémnon (v. estes no-
curo que a mostra apaixonada pelo jovem e mes). No seu amor por Titono, Aurora pediu
belo herói Citéron (v. este nome), que matou, a Zeus que lhe concedesse a imortalidade; mas
através da mordedura de uma serpente que ti- esqueceu-se de obter a juventude eterna. As-
rou da própria cabeleira. sim, enquanto a sua amante permanecia sem-
2. Uma tragédia perdida de Eurípides, que pre igual, Titono envelhecia e encarquilhava a
tinha por tema as aventuras de Alcméon, re- tal ponto que foi necessário colocá-lo, como
fere uma filha deste, Tisífone, que foi confiada a uma criança, num cesto de vime. Por fim,
pelo pai ao rei de Corinto, Creonte, e vendida a Aurora transformou-o em cigarra.
como escrava (v. A/cméon).
TLEPÓLEMO. (TÀ1}1tÓÀtfJ.Oç.)
Tlepólemo é
TITÂNIDES. (Tl~",v(llt,.) Denominam-se as- um filho de Herácles e de Astíoque, a filha do
sim as seis filhas de Úrano e de Geia: Tia, Reia, rei dos Tesprotos, Filas. Herácles unira-se a ela
Témis, Mnemósine, Febe e Tétis (v. quadro 14, depois da conquista da cidade de Éfira, du-
p. 182). Uniram-se aos seus irmãos, os Titãs, rante a expedição efectuada contra Cálidon.
para engendrar divindades de diferentes ordens A Iltada, contudo, dá o nome de Actor ao pai
(v. quadro 38, p. 452, e os diversos artigos que de Astíoque (v. quadro 36, p. 422).
Ihes são consagrados). Parece que não toma- Depois da morte de Héracles, os Heraclidas
ram o partido dos seus irmãos na Titanoma- tentaram durante algum tempo, em vão, re-
quia. gressar ao Peloponeso (v. Heraciidas). Mas,

Tisífone: 1) V. Erinias, Citéron. 2) ApOllOD., Titono: li., XI, I e s.; e escól. ad /oc.; XX, 237 e
Bib/., I1I, 7, 7. s.; Od., V, I, e escól.; HES., Theog., 984; ApOlLOO.,
Bib/., m, 12, 3; HVG., Fab., 270; DIOO. SIC., nr, 67;
Titânides: V. art. Titãs e os artigos particulares. IV, 75; SERV., ad VIRG., Georg., I, 447; m, 48; 328;
EL., Nat. An., V, I; Hymn. hom., IV, 218 e S.;
TZETZ., ad Lyc., 18.
Titãs: HES., Theog., 132 e S.; 531 e S.; Ar-ot.
LOD., Bib/., I, 1,2 e S.; HVG., Fab., prol. (Rose); Tlepólemo: li., 11, 653 e s., e escól. ad /oc.; V, 627
150; 155; li., XV, 224 e s.; escól. v. 229; cf'. e s.; PINO., O/ymp., VII, 50 e s.; ApOlLOO., Bib/.
AESCH., Pr., 201 e s.; cf. MAROC, «Kronos und die 11,7,6; 8; Ep., m, 13; VI, 15; HVG., Fab., 81; 97
Titanen», in Studi e materiali di Storia delle reli- 162; DIOO. SIC., IV, 36; 57 e s.; STRAB., XIV, p. 653
gioni, VIII, 1932. PAUSAN., Ill, 19, 10; TZETZ., ad Lyc., 911.
TMOLO 454

enquanto os Heradidas deviam, após cada ten- texto de o ir purificar dos crimes da noite. Em
tativa, regressar à Ática, Tlepólemo e o seu tio- seguida, Toas conseguiu fazer-se ao mar numa
-avô, Licímnio, o meio-irmão de Alcmena velha barca e abordou a Táurica. Uma outra
(v. quadro 32, p. 370), bem como os filhos de tradição fazia-o desembarcar na ilha de Sícino
Licímnio, obtiveram dos Argivos a permissão (uma das Cídades), que tinha então o nome
para se estabelecerem em Argos. Durante uma de Énoe. Contava-se, também, que tinha al-
questão que se levantou entre Tlepólemo e o cançado a ilha de Quios, onde reinava o seu
seu tio-avô, este foi morto com uma pancada. irmão Enópion. Quando souberam que Toas
Segundo outros autores, este assassínio foi aci- se tinha salvo, as Lémnias venderam a sua fi-
dental ou porque Tlepólemo pretendia atingir lha Hipsípile como escrava.
um boi ou porque queria castigar um escravo, 2. Um outro Toas é o neto do precedente e
sendo, em ambos os casos, o bastão desviado filho de Jasão e de Hipsípile (v. este nome).
sem intenção. De qualquer modo, os parentes É irmão gémeo de Euneu e participou com este
do morto obrigaram Tlepólemo a exilar-se de na libertação da mãe, escrava do rei Licurgo
Argos. Partiu, em companhia da mulher, Po- (v. Hipsipile, quadro 23, p. 258). Figurava, a
lixo, e estabeleceu-se em Rodes. Aí, fundou três esse título na tragédia de Eurípides, hoje per-
cidades: Lindo, láliso e Camiro. dida, denominada Hipsipile, sem que os frag-
Tlepólemo figura entre os pretendentes à mentos conservados permitam determinar
mão de Helena. Partiu para a guerra contra exactamente qual o papel que desempenhava.
Tróia à cabeça de nove navios, deixando em 3. A lenda conhecia um outro Toas, rei da
Rodes Polixo como regente. Foi morto por Táurica no momento em que lfigénia passou
Sarpédon. Sobre a vingança de Polixo, v. este a ocupar as funções de sacerdotisa de Ártemis.
nome. Esta personagem foi, por vezes, identificada
Os companheiros de Tlepólemo, no regresso com o Toas lémnio, filho de Dioniso e de
de Tróia, fizeram primeiro escala em Creta, e, Ariadne (v. supra), que, depois da fuga de
em seguida, estabeleceram-se «nas ilhas da Ibé- Lemnos, teria encontrado asilo na Táurica.
ria». Quando Orestes e Pílades chegaram ao país e
encontraram a irmã, o rei quis fazê-los sacri-
TMOLO.,(TfLWÃOÇ.) 1. Tmolo, nome de um
ficar por ela, de acordo com o uso, mas eles
monte da Lídia, é também o nome do marido
fugiram com lfigénia e com a estátua da deusa.
de quem Ônfale é viúva. '
Toas perseguiu-os, o que provocou a sua morte
2. É, ainda, o de um filho de Ares e de Teo-
(v. Ifigénia).
gone, igualmente rei da Lídia, que violou uma
4. No «Catálogo das Naus», a Iliada nomeia
companheira de Artemis, chamada Arripe.
A deusa fê-lo matar por um touro furioso. um outro Toas, filho de Andrémon, como
O seu filho Teodímeno sepultou-o na monta- chefe de um contingente etólio. A mãe era
Gorge, uma das filhas de Eneu e de Alteia e,
nha que, após esse acto, tomou o nome de
por consequência, uma das irmãs de Meleagro
Tmolo.
(v. quadro 29, p. 298; 9, p. 128). Figura entre
TOAS. (0óotç.) Nome de vários heróis, os os pretendentes de Helena e, no fim da guerra,
mais importantes dos quais são: entre os guerreiros que tomaram lugar no ca-
1. Um dos filhos de Dioniso e de Ariadne valo de madeira. No regresso de Tróia,
(v. quadros 23, p. 258; 3D, p. 312). É, por ve- estabeleceu-se, segundo uns, em Itália (no Brut- '
zes, considerado como filho, não de Dioniso tium) ou, segundo outros, na Etólia, e foi junto
mas sim de Teseu, tal como os seus irmãos dele que Ulisses, expulso de !taca por Neop-
Enópion e Estáfilo (v. Ariadne). Considera-se tólemo, se teria refugiado, desposando a sua
que nasceu na ilha de Lemnos e reinou sobre filha e dando-lhe um filho, denominado Leon-
a cidade de Mírína, cujo epónimo é Mírina, sua tófono (o Matador do Leão) (v. Ulisses). Foi
mulher. Com ela, concebeu uma filha, Hipsí- este Toas, filho de Andrémon, quem mutilou
pile (v. este nome), que desempenha um papel Ulisses, antes de uma expedição de espiona-
na lenda dos Argonautas. Quando as Lémnias gern, para o tornar irreconhecível (v. Ulisses).
decidiram massacrar todos os homens da ilha, 5. Um outro Toas, originário de Corinto, é
na sequência de uma maldição de Afrodite, o neto de Sísifo, pelo lado do pai Órnito
Hipsípile decidiu poupar Toas e este foi o único (v. quadro 36, p. 422). É irmão de Foco, o he-
dos habitantes de Lemnos que sobreviveu ao rói epónimo da Fócida (v. Foco). Mas, en-
massacre. Hipsípile deu-lhe a espada com que quanto o irmão emigrou para a Fócida, Toas
o devia matar e conduziu-o, disfarçado, ao estabeleceu-se em Corinto, onde sucedeu ao pai
templo de Dioniso, onde o dissimulou. Na ma- no trono. O filho, Damofonte, sucedeu-lhe e
nhã seguinte, conduziu-o à beira-mar, vestido conservou o reino até à chegada dos Heracli-
de Dioniso, no carro ritual do deus, sob o pre- das. Esta é, pelo menos, a tradição coríntia.

Tmolo: 1) ApOLLOD., Bibl., lI, 6, 3.2) PS,-PWT., des Lemniennes, Paris, 1924. 2) EUR., loc. cito
de flor., VII, 5. 3) HYG" Fab., 120; 121; SOPH., trag., perdida Cri,
ses, V. art. Ifigénia. 4) li., Il, 638 e s.; IV, 527 e S.;
Toas: 1) Asoi.. RH" Arg" I, 634 e s.; IV, 424 e S.; XV, 281 e S.; TZETZ., ad Lyc. , 780; HESYCH., s. U.;
ApOLLOD., Bibl., III, 6, 4; Ep., I, 9; LACT. PLAC., ApOLLOD" su«. I, 8, 6; HYG., Fab., 81, 97; 114;
ad STAT., Theb., IV, 768; DIOD, SIC" V, 79; Ov, STRAB" VI, p. 255; VIRG., Aen., lI, 262; ApOLLOD.,
uer. , VI; HYG., Fab" 15; 74; 120; 121; 254; 261; Ep., VII, 40; PLUT., Qu. Gr. 14.5) PAUSAN., lI, 4,
VAL. FLAC., Arg., Il, 242 e S.; EUR., trago perdida 3; escól. Eu'R" Or., 1094. 6) ApOLLOD., Bibl,, Hl,
Hipstpile (v. este nome); cf. G. DUMÉlIL, Le crime 10,6.
455 TRIPTÓLEMO

6. Estes heróis são distintos de um outro filho, de nome Silo, e um neto, Alcméon, dis-
Toas, filho de lcário e irmão de Penélope tinto do filho de Anfiarau, que tinha o mesmo
(v. quadro 21, p. 242).
nome. Mostrava-se o seu túmulo nas proximi-
TON. (Elwv.) Rei do Egipto na época em que dades de Pilos.
aí chegou Helena. A sua esposa, Polidamna, TRÉZEN. (Tpot~~v.) 1. Trézen é o herói epó-
enviou a Helena um filtro capaz de lhe fazer nimo da cidade de Trezénia, situada no golfo
esquecer todos os seus sofrimentos (v. também Sarónico. Na tradição local, era considerado
Polidamna). como filho de Pélops e de Hipodamia e irmão
TOOSA. (Elówaa..) Toosa é filha de Fórcis. de Piteu (v. este nome e quadro 2, p. 12). Pi-
Amada por Posídon, deu-lhe um filho, Poli- teu e Trézen emigraram para a cidade que to-
femo. maria o nome deste, no tempo em que reinava
o rei Écio, e passaram a reinar os três em co-
TOXEU. (TOÇEÚÇ.) 1. Toxeu, «o Arqueiro», mum. Trézen teve dois filhos, Anaflisto e Es-
é o nome de um dos filhos do rei de Ecália, Êu- feto, que emigraram para a Ática.
rito. Foi morto por Héracles, ao mesmo tempo 2. Um outro herói com o mesmo nome re-
que os seus irmãos. presenta um papel na lenda de Euopis e Dímete
2. Um dos filhos de Eneu, rei de Cálidon, (v. este nome).
e de Alteia (v. quadro 29, p. 298) tem o mesmo
nome. Eneu matou-o com a sua própria mão, TRIAS. (Elpta.L) As «Trias», as Profetizas,
porque Toxeu «tinha saltado por cima do são três irmãs, filhas de Zeus, três ninfas do
fosso» (comparar com a morte de Remo). Parnaso. Considerava-se que tinham criado
Apoio, ao serviço do qual tinham permane-
TRACE. (ElP<XX1}.) Heroína epónima da Trá- cido. Atribuía-se-lhes a invenção da adivinha-
cia. É filha de Oceano e de Parténope e irmã ção com a ajuda de pequenas pedras. Gosta-
de Europa (epónima do continente). Afirmava- vam muito de mel, que lhes era oferecido por
-se que, como as mulheres do seu país, era uma aqueles que as iam interrogar.
feiticeira notável.
TRICA. (TplXX1}.)Filha do deus-rio Peneu,
TRAMBELO. (Tp<XiJ.~1}Àoç.)
Trambelo é fi- a esposa do rei Hipseu (v. quadro 25, p. 268).
lho de Télamon e da cativa troiana Teanira Epónima da cidade de Trica, na Tessália.
(v. este nome). Foi criado, em Mileto, pelo rei
Aríon, que tinha recolhido a sua mãe, fugitiva. TRÍOPAS. (Tptó1ta.ç.) Tríopas é o nome de
Sobre os seus amores com Apríate, e sobre a um herói com uma genealogia muito incerta,
morte da jovem, v. Apríate. Pouco tempo de- que figura simultaneamente nas lendas tessá-
pois, como Aquiles regressasse da sua expedi- lias e nas lendas argivas. Tanto é considerado
ção de pirataria, Trambelo combateu contra como sendo filho de Éolo e de Cãnace ou como
ele e foi morto. Mas Aquiles, admirando o va- desta e de Posídon ou, ainda, como filho de
lor do jovem, quis saber a sua identidade e to- Lápites e de Orsínome (v. quadro 25, p. 268)
mando-conhecimento que era um filho de Té- ou de Forbas e de Eubeia, da raça de Níobe
lamon, e, por consequência, seu parente, e de Argos (v. quadro 19, p. 239) - e é a tra-
erigiu-lhe um túmulo na praia. dição argiva. Um dos filhos do Sol e de Rodo
tem também o nome de Tríopas (v. Helíades).
TRASIMEDES. (Elpa.crUiJ.>101}ç.)
Um dos fi-
Sobre as relações que aproximam as genea-
lhos de Nestor. Acompanhou o pai, tal como
logias tessálias e argivas, cf. Forbas.
o irmão Antíloco (v. este nome), na Guerra de
Atribui-se, por vezes, a Tríopas a fundação
Tróia. Comandava um contingente de quinze
da cidade de Cnido.
navios. Participa, em segundo plano, em di-
versos episódios: combate junto ao corpo do TRIPTÓLEMO. (Tpt1t'tÓÀEiJ.Oç.)
Triptólemo
irmão, contra Mémnon, e figura entre os guer- é o herói eleusino por excelência, ligado ao
reiros que tomaram lugar no cavalo de ma- mito de Deméter. Na lenda mais antiga, é sim-
deira. Regressa são e salvo a Pilos, no fim da plesmente considerado como um rei de Elêu-
guerra, e é acolhido por Telémaco. Teve um siso Em seguida, é considerado como filho do

Ton: Od., IV, 228, e EUST., ao v. 219. Trias: HE5VCH., S. U.; STEPH. Bvz., ibid., Hymn.
Toosa: Od., I, 71; ApOLLOD., Ep., VII, 4. hom. Hermes, 554 e 5.; Fr. Hist. gr., I, p. 416; IV,
p. 637; CALLlM., Hymn. Apoll., 45.
Toxeu: 1) HE5., fr. 110 (Rz); OIOD. SIC., IV, "37.
2) ApOLLOD., Bibl., I, 8, I. Trica: Eusr., ad Hom., p. 330, 26; STEPH. Bvz.,
S. u.
Trace: E5CÓl. AE5CH., Pers., 185; STEPH. Bvz.,
S. U., TZETZ., ad Lvc., 533; EU5T., a OION. PER., Tríopas: ApOLLOD., Bibl., I, 7, 4; OIOD. SIC., V,
322. 61; CALL., Hymn . Dem., 96 e 5.; PAUSAN., lI, 16, I;
Trambelo: EU5T., ad Hom., p. 343 e 5.; Lvc., 22. I; IV, I, I; 3, 9; 26, 8; 27, 6; 31, li; X, li, I;
Alex., 457 e s.: e escól, ad loc.; PARTH., Erot., 26. escól. EUR., Or., 932.

Trasimedes: 11., IX, 80 e 5.; X, 196 e 5.; 255 e S.; Triptólemo: Hym. hom. Demet., 153; 474; PAU·
XVI, 317 e 5.; Od., Hl, 39; 442 e S.; QUINT. SM., lI, SAN., I, 14, 2 e 5.; 38, 6; 41, 2; VII, 18, 3; HVG.,
342; XII, 319; ApOLLOD., Bibl., I, 9, 9; HVG., Fab., Fab., 147; Astr. Poet., 11, 14; OV., Fast., IV, 549 e
97; PAU5AN., IV, 31, 11; 36, 2. S.; Tr., 111, 8, I e S.; SERV., ad VIRG., Georg., I, 19;
LACT. PLAC., ad STAT., Theb., lI, 382; ApOLLOD.,
Trézen: 1) PAU5AN., lI, 30, 8 e 5.; STEPH. Bvz.,
Bibl., I, 4, 5; SOPH., trago perdida Triptólemo;
s. U. 2) PARTH., Erot., 31. PLAT., Ap .• 42 a.
TRITÃ
456

rei Céleo e de Metanira (v. estes nomes) e ir- Tritão aparece igualmente numa lenda local
mão de Demofonte (v: este nome). Outras tra- beócia, em Tânagra, Contava-se que, no de-
dições fazem dele o filho de Disaules e de curso de uma festa de Dioniso, as mulheres to-
Baubo (v. este nome), ou do herói Elêusis mavam banho no lago. Enquanto nadavam,
(v. este nome), ou, até, da Terra e do Oceano Tritão tinha-as atacado, mas, respondendo às
(v. quadro 14, p. 182). suas súplicas, Dioniso foi em seu auxílio e pôs
Como recompensa pela hospitalidde que De- Tritão em fuga. Dizia-se também que Tritão
méter recebera em Elêusis, em casa dos pais de se entregava a depredações nas margens do seu
Triptólemo, a deusa deu-lhe um carro puxado lago, roubando rebanhos, etc., até ao dia em
por dragões alados e ordenou-lhe que percor- que colocaram um cântaro de vinho na praia.
resse o mundo, semeando por todo o lado Tritão, atraído pelo cheiro, aproximou-se e be-
grãos de trigo. beu. Em seguida, adormeceu no local, o que
Em certas regiões, depararam-se a Tripó- permitiu matá-Io à machadada. E assim que
lemo vivas resistências. Carnabon, o rei dos se interpretava «racionalmente» a vitória de
Getas, por exemplo, matou um dos seus dra- Dioniso sobre o deus marítimo.
gões, mas Deméter substituiu-o imediatamente O nome de Tritão é muitas vezes aplicado
por outro. Em Patras, Antías, o filho de Eu- não a um mas a toda uma série de seres, que
meio, tentou atrelar os dragões ao carro divino, fazem parte do cortejo de Posídon. Têm a
durante o sono do herói, e ser ele próprio a se- parte superior do corpo semelhante à de um
mear, mas caiu do carro e morreu. Eumelo e homem, mas a parte inferior tem a forma de
Triptólemo fundaram em sua honra a cidade um peixe. São normalmente representados a
de Antía. soprar em conchas que Ihes servem de trom-
Mais tarde, Triptólemo tornou-se juiz dos pas (v. Miseno).
Mortos, nos Infernos, onde, por vezes, figura
ao lado de Éaco, Minos e Radamante. TROFÓNIO. (Tpo'l'wvtoç.) Trofónio é o he-
Atribui-se a Triptólemo a instituição das rói de Lebadeia, na Beócia, onde possuía um
Tesmafórias, que são, em Atenas, as festas de oráculo muito célebre. As tradições diferem so-
Deméter. bre a sua genealogia. Às vezes, é apresentado
Sobre a tentativa de Deméter para conceder como filho de Apoio e de Epicasta e, por con-
a imortalidade a um dos filhos de Céleo, v. De- sequência, genro de Agamedes (v. este nome);
mofonte. Considera-se, por vezes, que foi Trip- outras vezes, é apontado como um dos filhos
tólemo quem foi objecto dos encantamentos de Ergino (v. quadro 34, p. 392). Teria sido
da deusa. Para os filhos atribuídos a Triptó- amamentado por Deméter. A sua reputação é
lemo nas tradições locais, v. Crócon. grande, sobretudo como arquitecto. Atribuía-
-se-lhe, em colaboração com Agamedes, a
TRIT ÃO. (Tpíreov.) Em sentido restrito, Tri- construção de vários edifícios famosos: a casa
tão é um deus marítimo análogo a Nereu, de Anfitrião, em Tebas; um dos templos de
Glauco, Fórcis, etc. Na maior parte dos casos Apoio, em Delfos; o tesouro de Augias, na
é considerado como filho de Posídon e de An- Élide; o de Hirieu, em Hiria; o templo de Po-
fitrite (v. quadro 38, p. 452). Tem como irmã sídon, em Mantineia, A sua habilidade era tão
Rode (v. este nome). Embora a sua residência grande que fez um mau uso dela, o que cau-
seja, geralmente, todo o mar, Tritão é, por ve- sou a sua perda (v. Agamedes). Existiam, po-
zes, considerado, nas lendas atestadas tardia- rém, outras versões a propósito da sua morte.
mente, como o deus do lago Trítonis, na LÍ- Dizia-se, por vezes, que era o preço pago por
bia. Atribui-se-Ihe, neste caso, uma filha, Apoio pela construção do seu templo, porque
Palas, companheira de brincadeiras de Atena a morte é a melhor recompensa que a divin-
(v. Palas), que foi morta acidentalmente por dade pode dar a um mortal.
esta. A tradição conhece uma outra filha de
Tritão, uma sacerdotisa de Atena, denominada TROILO. (Tpw[Àoç.) Troilo é o mais jovem
Trítia, que foi possuída por Zeus, de quem teve dos filhos de Príamo e de Hécuba, embora se
um filho, Melanipo. pretenda por vezes que esta o tenha concebido
A lenda faz intervir Tritão na expedição de Aquiles. Existia um oráculo segundo o qual
dos Argonautas. É ele quem, aparecendo sob Tróia não poderia ser conquistada se Troilo
os traços de Eurípilo, dá uma porção de terra atingisse a idade de vinte anos. Mas foi morto
a Eufemo como presente de hospitalidade por Aquiles pouco tempo depois da chegada
(v. estes nomes) e indica aos navegadores a dos Gregos às muralhas da cidade. As tradi-
rota a seguir para chegarem ao Mediterrâ- ções diferem quanto às circunstâncias da sua
neo. morte: ou foi surpreendido por Aquiles

Tritão: HES., Theog., 930 e s.; EUR., Cyc., 263 e VIII, 10,2; IX, li, 1; 37, 4-6; 39, 2-40, 3; X, 5,13;
S.; eseól. Or., 364; HEROO., IV, 179; 188; PINO., STRAB., IX, p. 421; c.c., Tusc., I, 114; erf. A. H.
Pytb., IV, 19 e S.; e eseól. ad loc.; Arot.. RH., Arg., KRAPPE, op. cit., art. Agamedes.
IV, 1588 e S.; e eseól. a I, 109, etc.; PAUSAN., VII,
22,8 e S.; IX, 20, 4 e S.; 33, 7; ApOLLOO., Bibl., I, Troilo: Il., XXIV, 257; EUST., ao v.251,
4, 6; III, 12, 3; HVG., Fab., pr., 18 (Rose); Ov., p. 1348; ApOLLOO., Bibl., m, 12, 5; Ep., m,
Her., VII, 49-50; TZETZ., ad Lyc., 34; 519; 754; 886; 32; Lvc., Alex., 307, e escól. ad loco escól. a li.,
SERV., ad VIRG., Aen., I, 144; DIOO. SIC., IV, 56. VI, 49; Ep. Gr. Fragm. (KINKEL), p. 20; VIRG.,
Aen., I, 474 e s.; e SERV., ad loco DION. CHR.,
Trofónio: Hymn. hom., 11, 118; eseól. ARISTOPH., Or., XI, 77; SOPH., trago perdida Troilo; DICT.
Nu., 508; PHILOSTR., V. Apoll., 8, 19; PAUSAN., CR., IV, 9.
457 TURNO

quando, uma tarde, conduzia os cavalos ao be- Eneias. É filho do rei Dauno e neto de Pilumno
bedouro, não longe das Portas Ceias (v. tam- (v. estes nomes). A sua mãe é a ninfa Venília.
bém Polixena), ou, então, foi capturado e sa- Como a lenda de Latino e todas as aventu-
crificado pelo herói. Uma outra variante ras de Eneias no Lácio, a história de Turno
pretende que Aquiles o tenha visto na fonte e comporta várias versões, entre as quais é difí-
se tenha apaixonado por ele. Mas Troilo fu- cil discernir qual é a mais antiga. Segundo o
giu e encontrou refúgio no templo de Apoio estádio da lenda que remonta, possivelmente,
Timbreu. Aquiles tentou, em vão, fazê-lo sair; ao Origines de Catâo, Turno aliou-se a Latino
depois, encolerizado, trespassou-o com a sua após o casamento da filha deste com Eneias.
lança, no interior do próprio santuário. Latino tê-lo-ia chamado em seu auxílio para
o defender das pilhagens dos Troianos. Latino
TRÓQUILO. (TpóX\Àoç.)Este herói, cujo foi morto na primeira batalha. Turno fugiu
nome recorda o da «roda», é um argivo, filho para a corte do rei Mezêncio, em Cere, e ob-
de 10. Atribui-se-lhe a invenção dos carros, no- tém o seu auxílio (v. Mezêncioy. Regressa, en-
meadamente do carro sagrado que era utilizado tão, para atacar Eneias, travando-se uma se-
no culto da Hera argiva. Perseguido pelo ódio gunda batalha, na qual Turno é morto.
de Agenor, foge da sua pátria e refugia-se na Segundo uma outra versão, Eneias e Latino
Ática. Aí, teria desposado uma mulher de Elêu- são aliados e são ambos atacados pelos Rútu-
sis, da qual teve dois filhos, Euboleu e Trip- los de Turno. Durante a batalha, Latino e
tólemo (v. este nome). Mais tarde, teria sido Turno são mortos.
incorporado entre os astros, onde forma a Virgílio desenvolveu a figura de Turno. Fez
constelação do Auriga. dele o irmão de Juturna e noivo de Lavínia,
a filha de Latino, que lhe tinha sido prome-
TRÓS. (TpWi;.) Herói epónimo da raça troiana tida pela tia, Amata (v. estes nomes). A sua
e do povo troiano. E filho de Erictónio, ele hostilidade contra Eneias é tanto de origem pes-
próprio filho de Dárdano, e da filha do deus- soal como política. E o próprio Turno quem
-rio Simoente, Astíoque (v. quadro 7, p. 112). provoca a guerra contra os Troianos, apesar
Desposou Calírroe, a filha de Escamandro, de do desejo contrário de Latino, e mostra-se seu
quem teve vários filhos: uma filha, Cleópatra, inimigo encarniçado. Jovem e violento, não
e três filhos, Ilo, Assáraco e Ganimedes. pode suportar que estrangeiros se venham es-
tabelecer na Itália central e levanta contra eles
* TURNO. (Turnus.) Turno é um herói itá- todas as populações vizinhas. Acaba por ser
lico, rei dos Rútulos, no tempo da chegada de morto por Eneias em combate singular.

Tróquilo: PAUSAN., I, 14,2; escól. ARAT., Phaen., Turno: DION. HAL, I, 64; LIv., I, 2, I e S.;
161; Hvo., Astr. Poet., li, 13; TERT., De spect., 9. VIRO., Aen., VII-XII, passim.; SERV., ad VIRO.,
Aen., I, 267; IV, 620; IX, 742; v. os art. Mezên-
Trós: u., XX, 230; ApoLLOD., Bib/., m, 12,2; ce. cio, Eneias, e R. CRAHAY e J. HUBAUX, «Les deux
NON, Narr., 12; OIOD. SIC., IV, 75; PAUSAN., V, 24, Turnus», in St udi et Mal ... , XXX (1959),
5; TZETZ., ad Lyc ., 1232. pp. 157-212.
u
UCALEGONTE. (Oux<xÀÉ-ywv.) 1. Nome de pela Odisseia. As variações só começam com
um dos velhos troianos amigos de Príamo. Fi- o nome dos antepassados mais afastados. Do
gura no Conselho de Anciãos da cidade. A sua lado paterno, o seu avô é Arcísio - e isto a
casa era vizinha da de Eneias e foi destruída partir da Odisseia -, mas Arcísio tanto é con-
pelo fogo na noite em que Tróia foi conquis- siderado como filho de Zeus e de Euriodia
tada. como de Céfalo ou, ainda de Cileu, filho de
2. Ucalegonte é, também, numa tradição Céfalo (v. Céfalo).
obscura, um Tebano, pai da Esfinge. Do lado materno, a Odisseia indica Autó-
lico como seu avô e, por consequência, Her-
ULISSES. ('Ooouaatúç.) Ulisses, em grego mes como bisavô. Mas existia uma tradição se-
Odisseu (o nome latino U/yxes resulta de um gundo a qual Anticleia, antes do seu casamento
empréstimo dialectal), é o herói mais célebre com Laertes, teria sido possuída por Sísifo e
de toda a Antiguidade. A sua lenda, que cons- o pequeno Ulisses seria, na realidade, o filho
titui o tema da Odisseia, foi objecto de modi- daquele (v. Anticleia, Stsifo, Autólico). Esta
ficações, de adições e de comentários até ao fim versão é mencionada principalmente pelos trá-
da Antiguidade. Mais ainda do que a de Aqui- gicos e é desconhecida nos Poemas Homéricos.
les, esta lenda prestou-se a interpretações sim- Ulisses nasceu em Ítaca, que é uma ilha da
bólicas e místicas. Ulisses, por exemplo, foi costa ocidental da Grécia, a nordeste de Cefa-
muitas vezes considerado pelos estóicos como lénia, no mar Jónio. Foi Anticleia quem o deu
o protótipo do Sábio. à luz, mais precisamente no monte Nérito, num
I. Nascimento. - A genealogia de Ulisses dia em que tinha sido surpreendida pela chuva
é relativamente constante. Os autores estão de e em que a água a impediu de prosseguir o seu
acordo quanto ao nome do seu pai, Laertes, caminho. Esta anedota tinha origem num tro-
e ao da mãe, Anticleia. Esta filiação já é dada cadilho sobre o nome de Odysseus, que seria

Ucalegonte: 1) li., III, 148; VIRO., Aen., lI, 31 e a XXIV, 119, e III, 267; EUST., p. 827,34; 1466,56;
S.; SERV., ad 1oc. 2) Escól. EUR., Phoen. 26. XENOPH., Cyn., I, 2; LID., EI. VI., IV, 925 e S.; 937;
PAUSAN.,X, 8,. 8; m, 12, I e s.; 20, 10 e 5., AroUDD.,
Ulisses: I. Nascimento: Od., XI, 85; XV, 363 e S.; Bibl., III, 10, 8 e S.; Ep., III, 9 e S.; SOPH., Aj., 1Il
XVI, 119 e S.; e escól. v. 118; XIX, 395; 416; 482 e e S.; escól. Phil., 1025; Hvo., Fab., 81; 95; 96 escól.
S.; XXIV, 270; 517; EUST., p. 197, 22; 1796, 34; a Asoi.. RH., Arg., 1,917; Ov., Met., XIII, 36;
1572,53; 1701,60; escól.lI., lI, 173; X, 266; AESCH., TZETZ., ad Lyc., 276; 818; Anteh., 307 e S.; SERV., ad
fr. 175 (NAUCK., 2.' ed); SOPH., Aj., 190, e escól.; VIRO., Aen., lI, 81; Appendix Narrat. (WESTERM.),
Ph., 417, e escól.; 448; 623 e S.; escól. 1311; EUR., p. 378, 52; Proi.. HEPH. (WEST.), p. 184.
Cyc., 104; ApOLLOD., Bibl., I, 9, 16; nve., Fab., III. A guerra diante de Tróia: li., I, 308 e S.; 439
200; 201; Ov., Met., XIII, 144 e S.; SERV., ad VIRO., e S.; lI, 637; III, 205 e S.; escól. a 201; 206; IV, 329
Aen., li, 79; VI,529; TZETZ., ad Lyc.; 344; 786; e S.; 494 e 5.; V, 669 e S.; VI. 30 e 5.; IX, 169 e 5.;
ATHEN., IV, 1582; STEPH. Bvz., S. u., 'A).o<)'·Kof'tIlOtL X, 137 e S.; 272 e 5.; 526-579; XI, 139 e S.; 310 e S.;
11. A/é à Guerra de Tróia: Od., 11,46 e S.; 172 e 396 e S.; 767 e S.; Od., IV, 244 e S.; 271 e 5.; 342 e
S.; IV, 689 e S.; XIX, 428 e S.; XXI, 11 e S.; escól. 5.; escól. v. 343; VIII, 75 e S.; 219 e S.; escól. v. 517;
459 ULISSES

um fragmento (pouco mais ou menos) da frase de Tróia. Reconhecido, Tíndaro não teve di-
grega que significa: «Zeus choveu no caminho» ficuldade em obter a mão de Penélope para
(Xot'tcX'tijv óoov U't.v Ó Z.Ú,). Mas a Odisseia dá Ulisses. Segundo outros autores, esta teria sido
uma outra interpretação do nome do seu he- o prémio de uma corrida em que Ulisses saiu
rói: teria sido Sísifo quem denominou assim vencedor.
a criança porque ele próprio «era detestado por Deste casamento nasceu um filho: Telémaco.
muitas pessoas» (Odysseus recorda, com Este era ainda uma criança quando se espalhou
efeito, 61lúaaOllott, ser odioso). a notícia de que Páris tinha raptado Helena e
Na tradição que faz de Ulisses filho de Sí- que Menelau pedia auxílio contra o raptor.
sifo, Anticleia teria dado à luz em Alalcorné- Ulisses resignou-se com dificuldade a manter
nio, na Beócia, quando se dirigia a Ítaca em o juramento por que se tinha ligado e, poste-
companhia de Laertes, e foi em recordação do riormente aos Poemas Homéricos, contava-se
local do seu nascimento que Ulisses teria cha- que tinha chegado a simular loucura para ser
mado Alalcoménio a uma cidade de Itaca, dispensado da expedição. Foi Palamedes quem
11.Até à Guerra de Trôia. - Durante a sua descobriu o estratagema, ganhando assim o
juventude, Ulisses fez várias viagens. Uma tra- ódio do herói (v. Pa/amedes). Quando viu que
dição tardia pretende que, como Aquiles, te- tinha sido descoberto, Ulisses aceitou o inevi-
nha sido um dos alunos do Centauro Quíron. tável e partiu para Tróia. Antes, o seu pai
Homero não nos diz nada disso. A Odisseia tinha-lhe dado um conselheiro, Miisco, com a
faz apenas alusão a uma caçada ao javali, no missão de velar por ele durante a guerra. Este
monte Parnaso, em que tomou parte durante Miisco não é mencionado nos Poemas Homé-
a sua estada junto de Autólico. Durante esta ricos.
caçada, foi ferido no joelho e a cicatriz que daí Ulisses, a partir desse momento, entrega-se
resultou ficou indelével. Será ela que o fará re- com ardor à causa dos Atridas. Acompanha
conhecer, mais tarde, no seu regresso de Tróia. Menelau a Delfos para este consultar o oráculo
No tempo de Pausãnias, os guias do santuá- e mesmo, segundo certas tradições, desloca-se
rio precisavam que Ulisses tinha recebido esta com ele uma primeira vez a Tróia para recla-
ferida no local onde se situava o ginásio de Del- mar Helena (v. infra). Procura o jovem Aqui-
fos. Ulisses fez outras viagens a mando de les, cuja presença fora declarada indispensá-
Laertes. Deslocou-se, nomeadamente, à Mes- vel pelos Destinos se se quisesse conquistar a
sénia para reclamar os carneiros que lhe tinham cidade. Descobre-o, por fim, em Esciro e, so-
sido roubados. Na Lacedemónia, encontrou zinho ou acompanhado por outros heróis (Nes-
Ífito, que tinha sido seu hóspede e de quem re- tor e Fénix, Nestor e Palamedes, Diomedes,
cebeu como presente de hospitalidade o arco consoante as tradições), disfarçou-se de mer-
de Êruito, que lhe servirá mais tarde para ma- cador e penetrou no gineceu do rei Licomedes,
tar os pretendentes. onde vivia Aquiles (v. este nome). Aí, enquanto
Ao atingir a idade adulta, obteve de Laer- oferecia as suas fancarias de tecidos e de ar-
tes o trono de Ítaca, bem como todas as rique- mas, reconheceu Aquiles pela prontidão deste
zas da casa real..•que se compunham sobretudo ao escolher as armas. Ou, ainda, fê-lo trair-se
de rebanhos. E nesse momento que se situa, pela emoção de ouvir o toque da trompa de
nas narrativas posteriores à Odisseia, a sua ten- guerra. Por fim, durante este período prepa-
tativa para desposar Helena, a filha de Tín- ratório, vêmo-lo, também, como embaixador
daro. Vendo, porém, que o número de preten- dos Atridas em Chipre, junto de Cíniras (v. este
dentes era considerável, renunciou a Helena nome).
para assegurar um casamento quase tão van- lI!. A guerra diante de Tráia. - Durante
tajoso e desposou Penélope, a prima de He- a primeira expedição, que conduz ao desem-
lena e filha de Icário (v. Pené/ope). Preten- barque na Mísia (e que é ignorada nos Poemas
dendo ser alvo do reconhecimento de Tíndaro, Homéricos), o papel de Ulisses parece ter sido
imaginou um estratagema capaz de o livrar de insignificante e ter-se limitado a interpretar cor-
apuros perante o elevado número de preten- rectamente o oráculo que dizia respeito à cura
dentes à mão de Helena. Aconselhou-o a exi- de Teléfo pelo «autor da ferida». Enquanto
gir de cada um deles a garantia de respeitar a Aquiles desistia da interpretação, Ulisses ob-
escolha que seria feita e de ajudar o eleito a servou que se tratava, na realidade, da lança
conservar a sua esposa no caso de alguém a dis- e não do guerreiro (v. Te/éfo). E sobretudo na
putar. É deste juramento que irá sair a Guerra segunda expedição, a Guerra de Tróia propria-

IX, 159; XI, 508e 5.; XVII, 133 e S.; Eusr., p. 1495, pp. 105 e s.) (v. Telégono); EUR., Cyc., 141; 412;
5; 1498,65; SOPH., Phil., 5; trago perdida 'A"x'TIj' 616; ApOLLOO., Ep., VII, 2 final; PAUSAN., VIII, 12,
au;/'EÀtVlj, ; HVG., Fab., 98; 101; 102; OV., Mel., 6; HYG., Fab., 125; 126; 127; PLUT., Qu. a-.. 14;
XIII, 193 e S.; Her., I; ApOLLOO., Ep., m, 22 e S.; PARTH., Erol.,2; 3; 12; DION. HAL., 72; XII, 16;
28 e S.; V, 14; TZETZ., Anteh., 154 e S.; 194 e S.; PUN., N. H., V; 28; TZETZ., ad Lyc., 794; 805 e S.;
Prol. Ali. 11., 405; Posth., 617 e S.; 631; Lvc., 780; 1242; 1244; OV., Met., XIV, 223 e S.; Ibis, 567 e S.;
DICT. CR., I, 4; lI, 20; V, 13 e S.; ARIST., Poet., SERV., ad VIRG., Aen., 11,44.
XXIII; EUR., Rh., 504 e S.; 710 e SS.; escól. ad loc.;
Hec., 238 e s. e escól.; QUINT. SM., V. 278 e S. A bibliografia moderna é imensa. V. principalmente
IV. O regresso a ltaca: Odisseia, passim; HES., V. BÉRARO, introdução à Odyssée, 3 vol., Paris,
Theog., 1111 e S.; Eusr., p. 1615, 10; 1676; 1796; 1924; 10., Les Navigattons d'Ulysses, 4 vol., Paris
Ep. Gr. Fragm. (KINKEL), p. 56 e S.; escól. a Aroi.. 1927, 1929. Sobre a relação de Ulisses com Lisboa,
RH., Arg., 111, 200; AESCH., A., 814 e S.; SOPH., v. R. M Rosado Fernandes, «Ulisses em Lisboa»,
trago perdida Teleg. (v. PEARSON, fr. de Sófocles, lI, Euphrosyne, C. E. C., Lisboa, 1985, pp. 139-161.
Déion '-' Diomedes
(v. quadros 8, p. 117; 22, p. 245)

Perseu
I
Céfalo Hermes Quíone

Ébalo "-' Gorgófone Calcomedusa •__ Arcísio Autólico "-' Anfítea

I
I
Ésimo
Icário "-' Peribeia Laertes "-' Anticleia
(v. quadro 21, p. 242) I (v. também quadro 36, p. 422)

Penélope r-c- ----------------- ~------------------- "-' Evipe


A filha de Toas, o Etólio "-' 1 Ulisses [ ----------- "-' Calídice Calisto Sínon
Circe "-'

h
(ou Face, ou Ctímene)

I
Telémaco Arcesilau
I
Poliportes Leontófono Nausítoo Nausínoo Polipetes Leôntofron (ou Euríalo)

I I I I I I I I I
Telégono Ágrio Latino Aúson Romo Anteias Árdeas Cassífones Cassífone

Quadro genealógico n. o 39
461 ULISSES

mente dita; que Ulisses se mostra activo. Serve lemo, em que foi acompanhado ou por Dio-
de intermediário a Agamémnon para Ifigénia medes ou por Fénix (v. Neoptólemo).
se deslocar até Áulis sob um pretexto plausí- Atribuem-se igualmente a Ulisses outras ac-
vel (v. Ifigénia). ções, muitas vezes pouco honrosas, como as
Ulisses conduz a Tróia um contingente de empresas de espionagem. Já a Ilíada o mostra
doze navios. Faz parte dos chefes que se reu- em reconhecimento nocturno com Diomedes,
nem em conselho e é considerado como par dos no episódio da Dolonia (v. Dólon e Diomedes), .
mais ilustres. No caminho para Tróia, aceita no decurso do qual matou Dólon e capturou
o desafio que lhe lança o rei de Lesbos, Filo- os cavalos de Reso (v. este nome). Mais tarde,
melides, e mata-o em combate. Este episódio, sobre o modelo da Dolonia, foi imaginado
ao qual se faz alusão na Odisseia, toma-se, nos o episódio do roubo do Paládio (v. esta pala-
autores posteriores, um assassinato em que vra). É igualmente a Ulisses que se atribuem
Ulisses foi auxiliado por Diomedes, seu com- as intrigas que conduziram à morte de Pala-
panheiro, ou seu cúmplice usual. Durante a es- medes (v. este nome) e a uma primeira ideia
cala em Lemnos, no banquete dos chefes, Ulis- da construção do cavalo de madeira - estra-
ses, segundo o testemunho da Odisseia, discute tagema cujo sucesso assegurara através de uma
com Aquiles. Um, Ulisses, louvava a prudên- expedição particularmente audaciosa, men-
cia; o outro exaltava a bravura. Agamémnon, cionada na Odisseia. Primeiramente, fez-se
a quem Apoio tinha predito que os Gregos con- mutilar com chicotadas por Toas, o filho de
quistariam Tróia quando a discórdia se mani- Andrémon (v. Toas, 4), para evitar ser reco-
festasse entre os assaltantes, viu nessa discus- nhecido, e, vestindo-se de andrajos, apresen-
são o presságio de uma vitória rápida. Este tou-se na cidade como um trânsfuga. Aproxi-
episódio foi deformado pelos mitógrafos pos- mou-se de Helena, que, depois da morte de
teriores, que imaginaram uma querela entre Páris, tinha desposado Deífobo, e convenceu-a
Agaménnon e Aquiles, primeiro sintoma da- a atraiçoar os Troianos. Contava-se que He-
quela que devia, nove anos mais tarde, opor lena tinha avisado Hécuba da presença de Ulis-
os dois heróis um ao outro e que constitui o ses, mas este, com as suas súplicas, lágrimas
assunto da I1íada. Ulisses tê-los-ia conciliado. e discursos hábeis, sensibilizara a rainha, que
Para mais, o episódio, em vez de ser situado lhe prometera guardar segredo. Foi-lhe possí-
em Lemnos, é transportado para Tenedos. vel retirar-se e regressar ao campo aqueu, não
É ainda em Lemnos, ou na ilhota vizinha de sem antes ter massacrado alguns troianos, no-
Crise, hoje desaparecida, que teve lugar, de meadamente os guardas da porta.
acordo com o conselho de Ulisses, o abandono São numerosas as proezas guerreiras de Ulis-
de Filoctetes (v. este nome). ses durante a guerra. As suas vítimas foram:
Um outro episódio foi introduzido pelos Democoonte, Cérano, Alastor, Crómio, Al-
poetas posteriores a Homero, episódio contem- candro, Hálio, Noémon, Prítanis, Pidites, Mo-
porâneo da viagem para Tróia: a embaixada líon, Hipodemo, Hipéroco, Deiopites, Tóon,
que, de Tenedos vai, reclamar Helena. Após Énomo, Quersidamas, Cáropo, Soco. Protege
o rapto, já Ulisses e Menelau tinham feito uma Diomedes quando este é ferido e cobre-lhe a
primeira viagem a Tróia, acompanhados por retirada. Comanda o destacamento encerrado
por Palamedes, para tentarem regularizar o no cavalo de madeira e alerta os seus compa-
conflito de modo pacífico. Renovaram a sua nheiros contra a astúcia de Helena, que vem
tentativa a partir de Tenedos, mas uma vez sondar à sua volta, imitando as vozes das suas
mais em vão e foram seriamente ameaçados pe- esposas. É o primeiro a sair do cavalo e acom-
los Troianos, devendo a sua salvação à inter- panha Menelau, que quer apoderar-se o mais
venção de Antenor (v. Menelau). depressa possível de Helena, a casa de Deífobo
Durante o cerco, Ulisses mostrou-se um e, segundo uma versão, impede o marido ul-
combatente da maior coragem, um conselheiro trajado de matar a sua esposa (v. Menelau).
prudente e eficaz. É utilizado em todas as mis- Segundo uma outra versão, aguarda que se
sões que requerem habilidade oratória: na acalme a cólera dos Gregos e evita, assim, que
I1íada, por exemplo, é encarregado da embai- a jovem seja lapidada, como aqueles queriam.
xada junto de Aquiles, quando Agamémnon Salva, igualmente, um dos filhos de Antenor,
se quer reconciliar com ele; já fora ele quem Helicáon (v. este nome).
entregara a cativa Criseide a seu pai, concluíra Sobre o papel de Ulisses no momento da par-
o armistício com os Troianos, organizara o tilha das armas de Aq uiles e as suas intrigas
combate singular entre Páris e Menelau, redu- contra Ájax, v. este nome. Ulisses é igualmente
zira Térsito ao silêncio na assembleia dos sol- responsável pela morte de Astíanax e pelo sa-
dados e persuadira os Gregos a permanecerem crifício de Polixeno. Entre as cativas troianas,
na Tróada. coube-lhe em partilha Hécuba e, na tradição
A esta actividade diplomática, tal como é segundo a qual a velha rainha foi lapidada, te-
apresentada na I1íada, os poetas posteriores (e ria sido Ulisses quem lhe lançou a primeira pe-
isso, em parte, a partir da Odisseia) acress;en- dra, embora anteriormente o tivesse salvo (v.
taram diversos episódios: a embaixada a Anio supra). ,
para que ele consinta em enviar as suas filhas IV. O regresso a !taea. - Esta parte das
(v. Ânio) e, assim, assegurar o reabastecimento aventuras de Ulisses é a que constiti o objecto
do exército, a embaixada a Filoctetes quando da Odisseia mas, também aqui, a lenda sofreu
Heleno (feito prisioneiro e interrogado por alterações e adições em épocas posteriores.
Ulisses) revela que as flechas de Héracles eram Sabe-se que Agamémnon e Menelau não es-
necessárias para assegurar a conquista da ci- tiveram de acordo acerca da data de partida
dade (v. Fi/oetetes); a embaixada a Neoptó- para o regresso do exército à Grécia (v. Aga-
ULlSSES 462

mémnon e Menelau). Menelau partiu em pri- Éolo recebeu-o com hospitalidade e deu-lhe
meiro lugar, com Nestor: Ulisses seguiu-os, mas uma pele de boi que continha todos os ventos,
em Tenedos discutiu com eles e regressou a excepto uma brisa favorável que devia condu-
Tróia, para se reunir a Agamémnon. Quando zir Ulisses directamente para Itaca. Já podiam
este se fez ao mar, Ulisses foi o único dos prín- ver as fogueiras acesas pelos pastores na ilha
cipes gregos a segui-Io, mas em breve foi sepa- quando Ulisses adormeceu. Os companheiros,
rado por uma tempestade. Chegou à costa da pensando que o odre de Éolo estava cheio de
Trácia, ao país dos Cícones, onde conquistou ouro, abriram-no. Os ventos escaparam-se em
a cidade de Ísmaros. De todos os habitantes, furacão e lançaram-nos na direcção oposta, Os
apenas poupou um, Máron, que era sacerdote navios abordaram de novo o reino de Eolo.
de Apoio. Como agradecimento, Máron pre- Ulisses voltou a encontrar o rei e pediu-lhe de
senteou-o com doze vasilhas de um vinho doce novo vento favorável. Éolo respondeu que não
e forte, que lhe será de grande utilidade no país podia fazer nada por ele, agora que os deuses
dos Ciclopes (v. infra). No desembarque, Ulis- tinham provado tão claramente a hostilidade
ses perdeu seis homens em cada um dos seus na- ao seu regresso. Ulisses retomou a navegação,
vios. Perante um contra-ataque dos Cícones do ao acaso, e, subindo para o norte, acostou ao
interior, fez-se de novo ao mar (v. Ctconesi. país dos Lestrígones, geralmente identificado
Singrando para o sul, chegou, dois dias de- com a costa nas imediações de Fórmias ou
pois, à vista do cabo Maleia, mas um vento vio- de Gaeta, no Norte da Campãnia. Tornado
lento de norte impeliu-o até ao largo de Citera prudente pela experiência com os Ciclopes,
e, dois dias mais tarde, acostou no país dos Lo- Ulisses enviou alguns homens à frente para fa-
tófagos. Enviou alguns dos seus homens a fa- zerem um reconhecimento da região. Encon-
zerem averiguações sobre os habitantes e es- traram a filha do rei, que os conduziu até junto
tes receberam-nos favoravelmente. Deram-Ihes do pai, Antífates. Este devorou um imediata-
a provar um fruto do seu país, o loto, que uti- mente. Os outros fugiram perseguidos pelo rei
lizavam como alimento. E este fruto era tão e por todo o seu povo até ao rio. Os Lestrígo-
delicioso que não quiseram ir-se embora. Ulis- nes lapidaram os Gregos, afundando os navios
ses teve que os obrigar a partir contra-vontade. e matando os homens. Apenas Ulisses conse-
Os geógrafos antigos situavam este país na costa guiu cortar o cabo que prendia o navio e fazer-
da Tripolitana. -se ao mar.
Subindo para o norte, Ulisses e os seus com- Reduzido a uma única embarcação e à sua
panheiros aportaram a uma ilha repleta de ca- equipagem, continuou a dirigir-se para o norte
bras onde se puderam reabastecer abundante- e em breve abordou à ilha de Eeia, onde habi-
mente. Daí passaram para o país dos Ciclopes, tava a maga Circe (sem dúvida o actual pro-
sempre identificado com a Sicília. Acompa- montório do monte Circeu, ao sul do Lácio)
nhado por doze homens, Ulisses desembarcou (v. a narrativa das aventuras no artigo Circe).
e penetrou numa caverna. Tinha tido o cuidado Quando partiu da ilha. de Eeia, Ulisses deixou
de levar consigo os odres cheios de vinho para a Circe um filho, Telégono, talvez dois: Telé-
servirem de presente de hospitalidade para os gono e Nausítoo (v. quadro 39, p. 460).
seres humanos que encontrasse. Na caverna, Circe aconselhou-o a consultar a alma de Ti-
encontraram muito queijo, leite fresco e coa- rés ias para conhecer os meios de assegurar o
lhado, etc. Os seus companheiros pressionaram seu regresso a !taca. Tirésias disse a Ulisses que
Ulisses para se servir e partir, mas este não ele regressaria à sua pátria só e num navio es-
quis. E quando regressou o proprietário da ca- trangeiro, que deveria vingar-se dos pretenden-
verna, o Ciclope Polifemo (v. este nome) tes e, mais tarde, partir de novo, com um remo
apoderou-se dos estrangeiros e aprisionou-os ao ombro, à procura de um povo que não co-
no seu antro. Em seguida, dispôs-se a devorá- nhecia a navegação. Ofereceria, então, um sa-
-Ios dois a dois. Ulisses, entretanto, ofereceu- crifício expiatório a Posídon e, finalmente,
-lhe o vinho de Máron. O Ciclope, que nunca morreria com uma idade avançada, no meio
tinha bebido vinho, achou-o bom e bebeu tanto da felicidade e longe do mar. Por fim, após ter
que ficou muito bem disposto. Perguntou, en- avistado um certo número de heróis entre os
tão, o nome a Ulisses e este respondeu-lhe: mortos evocados, Ulisses regressou para junto
«Ninguém» Como recompensa por uma tão de Circe. Em seguida, partiu, não sem que a
excelente bebida, prometeu devorá-Io em úl- maga ainda lhe tivesse dado os seus conselhos.
timo lugar. Em seguida, após uma última taça, Passou primeiro ao largo da ilha das Sirenes
adormeceu. É conhecido como Ulisses, com a (situada na vizinhança do golfo de Nápoles)
ajuda de uma estaca endurecida ao fogo, per- (v. Sirenes). Teve, depois, de enfrentar as Ro-
furou o único olho do gigante e, chegando a chas Errantes e o estreito de Caríbdis e Cila (v.
manhã, conseguiu sair da gruta sob o ventre estes nomes). Alguns marinheiros foram devo-
de um carneiro. O Ciclope pediu auxílio aos rados por este, mas o navio escapou aos remoi-
congéneres quando foi ferido, mas, quando lhe nhos de Caríbdis e, em breve, alcançou a ilha
perguntaram quem o atacava, o gigante foi de Trinácria, onde pastavam os bois brancos
obrigado a responder «ninguém», Não com- que pertenciam ao Sol. Parou então o vento
preendendo o sentido da resposta, os outros Ci- e faltaram os víveres. Para matar a fome, e
clopes tomaram-no por doido e foram-se em- apesar da proibição de Ulisses, os marinheiros
bora (v. Polifemo). Foi a partir desse momento mataram alguns bois para os comerem. O Sol
que Posídon, que era pai de Polifemo, come- viu e lamentou-se a Zeus, pedindo uma repa-
çou a odiar Ulisses. ração. Quando o barco retomou a navegação,
Tendo assim escapado ao Ciclope, Ulisses levantou-se imediatamente uma tempestade en-
chegou à ilha de Éolo, o senhor dos Ventos. viada pelo senhor dos deuses; o navio afundou-
463 ULISSES

-se e apenas Ulisses, que não tinha participado, sobre os quais se estende a autoridade de Ulis-
no banquete sacrílego, conseguiu, com grande, ses. Penélope esforçava-se por os desencora-
dificuldade, salvar-se agarrado a um mastro. jar e, para isso, tinha imaginado um estrata-
A corrente levou-o de novo através do estreito. gema que se tornou célebre. Tinha-Ihes
e foi por milagre que escapou ao remoinho de prometido uma resposta no dia em que aca-
Caríbdis. Nove dias depois, período durante basse de tecer a mortalha do velho Laertes. Du-
o qual foi joguete das ondas, Ulisses chegou à rante o dia trabalhava nessa tarefa, mas à noite
ilha de Calipso (provavelmente a região de desfazia o trabalho diurno.
Ceuta, na costa marroquina, defronte de Gi- Ulisses, quando acordou, decidiu não se di-
braltar) (v. Calipso). Embora a Odisseia não rigir imediatamente ao palácio. Vai primeira-
mencione nada de semelhante, os autores pos- mente a casa de Eumeu, o chefe dos seus por-
teriores asseguravam que Ulisses tinha tido da queiros, homem em quem deposita grande
deusa um ou mesmo vários filhos: Nausítoo, confiança. Dá-se a conhecer e encontra lá Te-
Nausínoo (v. quadro 39, p. 460). A estada lémaco. Os dois dirigem-se então ao palácio,
junto de Calipso durou dez anos - ou oito ou indo Ulisses disfarçado de mendigo. Ninguém
cinco ou mesmo um, segundo os autores. Por o reconhce, excepto o cão, Argos, que, com
fim, a pedido de Atena, a protectora do he- os seus vinte anos, levava uma existência infe-
rói, Zeus, por intermédio de Hermes, deu or- liz. Ao ver o dono, levanta-se, contente, e volta
dem a Calipso para libertar Ulisses. Calipso, a cair, morto.
contrariada, pôs à disposição a madeira neces- No palácio, Ulisses pede de comer aos pre-
sária para construir uma jangada e Ulisses par- tendentes. Estes insultam-no e um mendigo de
tiu para este. Mas a cólera de Posídon não di- nome Iro, que costumava estar presente nos
minuiu. O deus provocou uma tempestade, que festins dos pretendentes, desafia para um com-
partiu a jangada. Foi nu e agarrado a um bo- bate este intruso que ameaça os seus privilé-
cado de madeira que Ulisses alcançou a ilha dos gios. Ulisses derruba-o com alguns murros.
Feaces, a que a Odisseia chama Esquéria e que O herói é, então, objecto de vários insultos por
é provavelmente Corfu. parte dos pretendentes, nomeadamente do mais
Esgotado, Ulisses adormeceu na mata que importante entre eles, Antínoo. Penélope, que
bordejava um rio. De manhã, foi acordado pe- teve conhecimento da chegada do mendigo es-
los gritos e risos de um grupo de jovens. Eram trangeiro, deseja vê-I o para lhe perguntar se
Nausícaa, a filha do rei da ilha, e as suas cria- tem notícias de Ulisses. Mas este decide trans-
das, que tinham ido lavar a roupa e brincar nas ferir o encontro para a noite.
margens do rio. Ulisses apareceu-Ihes e pediu Quando chega a noite, Telémaco, de acordo
auxílio. Nausícaa indicou-lhe o caminho que com as instruções do pai, faz transportar para
conduziu a casa de seu pai, o rei Alcínoo, en- uma sala do piso superior todas as armas que
quanto que ela, com as suas criadas, regressava existem no palácio. O encontro entre Ulisses
a casa por outro caminho, para não despertar e Penélope tem então lugar. Ulisses não se dá
a malícia dos transeuntes. a conhecer e limita-se a pronunciar palavras de
O acolhimento tributado por Alcínoo e pela esperança. A própria Penélope tinha sonhado
rainha, Arete, a Ulisses foi afectuoso e muito que o marido chegaria em breve, mas não quer
hospitaleiro. Ofereceram um grande banquete acreditar e propõe-se organizar, no dia se-
em sua honra e Irlisses narrou longamente as guinte, um concurso entre os pretendentes e dar
suas aventuras. Em seguida, cumularam-no de a sua mão ao vencedor. Ela confiar-Ihes-á o
presentes e, como tivesse declinado o convite arco de Ulisses e o vencedor será o que melhor
que lhe fora feito para desposar Nausícaa e per- souber servir-se dele. Ulisses encoraja-a a exe-
sistisse no desígnio de regressar a Ítaca, colo- cutar esse projecto.
caram um navio à sua disposição. Durante a O concurso teve lugar no dia seguinte. Con-
viagem, que foi breve, Ulisses adormeceu e os sistia em atravessar com uma flecha os anéis
marinheiros feaces depositaram-no num lugar formados por vários ferros de machados dis-
isolado da ilha Itaca, com os tesouros que lhe postos lado a lado. Sucessivamente, todos os
tinham sido oferecidos por Alcínoo. O navio pretendentes empunham o arco, mas nenhum
regressou a Esquéria, mas, no momento em o consegue armar. No fim, Ulisses pede a arma
que estavam a atingir a ilha, foi transformado e, à primeira tentativa, atinge o alvo. Os ser-
em pedra por Posídon, que assim se vingou do vidores de Ulisses fecham as portas do palá-
auxílio prestado a Ulisses; a própria cidade foi cio, Telémaco empunha as armas e começam
rodeada por uma montanha e deixou de ser um a massacrar os pretendentes. Em seguida, as
porto. . criadas que não tinham observado para com
A ausência de Ulisses tinha durado vinte estes a discrição necessária, levam os cadáve-
anos. Estava tão transformado em consequên- res, limpam a sala e são enforcadas no pátio
cia da idade e dos perigos que ninguém o re- do palácio, tal como o cabreiro Melãntio, que
conheceu. Penélope, entretanto, esperava-o tinha tomado partido pelos inimigos do amo.
fielmente (tal é, pelo menos, a versão da Odis- Ulisses dá-se, por fim, a conhecer a Penélope
seia; v. Penélope). Era objecto das solicitações e, para vencer os seus últimos escrúpulos,
dos pretendentes, que se tinham instalado no descreve-lhe o quarto nupcial, que só os dois
palácio de Ulisses, onde devoravam as suas ri- conhecem. •
quezas em loucas prodigalidades. Estes preten- No dia seguinte, Ulisses desloca-se ao
dentes são em número de cento e oito e os mi- campo, ao local onde vivia o pai, para se dar
tógrafos conservaram os seus nomes. Eram a conhecer. Entretanto, os pais dos pretenden-
oriundos de Dulíquio, de Same, de Zacinto e tes massacrados reuniram-se e, armados, exi-
da própria Itaca - estes são os territórios giam uma satisfação. Graças à intervenção de
ÚRANO 464

Atena, sob os traços do velho Mentor, em conquista romana. Como o nome de Héracles,
breve se restabelece a paz em Ítaca. também o de Ulisses se ligou às diferentes fa-
Esta é a narração da Odisseia. Os poetas ses da descoberta do Extremo Ocidente, simul-
posteriores introduzem episódios romanescos, taneamente graças ao episódio dos Cimérios (v.
sobretudo amorosos, como, por exemplo, as supra) e às viagens misteriosas realizadas no
aventuras de Ulisses e Polimele na ilha de Éolo fim da sua existência.
(v. Polimele). Completaram também a Odis- A lista dos filhos de Ulisses é extremamente
seia, acrescentando-lhe diversos «fins». Eis os variável. Era modificada ao gosto dos genea-
episódios mais marcantes destas lendas, a logistas para, como no tempo de Catão, for-
maior parte meramente literárias. necer títulos de nobres a todas as cidades itá-
Depois do massacre dos pretendentes, Ulis- licas.
ses ofereceu um sacrifício expiatório a Hades, Atribui-se, assim, à sua união com Circe fi-
Perséfone e Tirésias, e partiu a pé através do lhos, como Árdeas, epónimo da cidade latina
Epiro até alcançar o país dos Tesprotos. Aí, de Ardea, Latino, epónimo dos Latinos, etc.
ofereceu a Posídon o sacrifício que Tirésias lhe (v. também Romo, Cassifone, Evipe e quadro
tinha mandado fazer. A rainha do país, Calí- 39, p. 460).
dice, insistiu para que até ficasse junto dela e
ofereceu-lhe o seu reino. Ulisses concordou e ÚRANO. (Oüpavoç.) Úrano é a personifica-
os dois tiveram um filho: Polipetes. Reinou al- ção do Céu, como elemento fecundo. Desem-
gum tempo conjuntamente com Calídice e ob- penha um importante papel na Teogonia he-
teve vitórias sobre os povos vizinhos. Mas siódica, onde figura como filho de Geia (a
quando Calídice morreu, entregou o reino a Terra). Noutros poemas, é apresentado como
Polipetes e regressou a Ítaca, onde conheceu descendente de Éter (v. Éter) , omitindo-se,
o segundo filho que lhe tinha dado Penélope, nesta tradição que remonta à Titanomaquia,
Poliportes. o nome da mãe, que seria, sem dúvida, Hé-
Entretanto, Telégono, o filho de Ulisses e de mera, a personificação feminina do Dia. Na
Circe, tinha sabido pela mãe quem era o pai teogonia órfica, Úrano e Geia são dois filhos
ti tinha partido à sua procura. Desembarca em da Noite.
Itaca e pilha os rebanhos. Ulisses foi em so- As lendas de Ú rano mais conhecidas são aque-
corro dos seus pastores e tem lugar o combate las em que ele intervém como esposo de Geia
em que Ulisses é morto pelo filho (v. Telé- (o Céu cobre, de facto, a Terra inteira, sendo
gono). Quando soube quem era a sua vítima, o único à sua medida). Dela teve inúmeros fi-
Telégono lamentou-se e levou o cadáver, bem lhos. Reunimos (ver Geia), num quadro genea-
como Penélope, para a mansão de Circe. lógico de conjunto, a lista dos filhos de Urano,
Outras versões contam que Ulisses, acossado segundo Hesíodo e Apolodoro (quadro 14,
pelos pais dos pretendentes, tinha submetido p. 182; 6, p. 105; 38, p. 452). Contam-se en-
o caso ao julgamento de Neoptólemo, que en- tre eles: os seis Titãs, as seis Titânides, os três
tão reinava no Epiro. Neoptólemo, desejando Ciclopes e os três Hecatonquiros. Mas Geia,
apoderar-se de Cefalénia, condenou Ulisses ao descontente com tal fecundidade, e querendo
exílio. Ulisses dirigiu-se para a Etólia, para furtar-se ao brutal abraço do seu esposo, pe-
junto de Toas, o filho de Andrémon. Aí des- diu aos filhos que a protegessem dele. Todos
posou a filha de Toas, que lhe deu um filho, se recusaram, excepto o mais novo, Crono, que
Leontófono, e morreu em idade muito avan- armou uma emboscada e, com a ajuda de uma
çada. Uma outra tradição, transmitida por Plu- «foicinha» que sua mãe lhe dera, cortou os tes-
tarco, quer que após o julgamento de Neop- tículos ao pai, lançando-os ao mar (v. Crono
tólemo Ulisses se tenha exilado em Itália. e Geia). Tal mutilação é geralmente situada no
Sobre as aventuras de Ulisses em Itália e so- cabo Drépano, assim denominado a partir do
bre a última parte da sua vida, existia toda uma nome grego que designa foice. Por vezes, o local
série de tradições que não conhecemos senão indicado é Corfu, na região dos Feaces. Segundo
por alusões obscuras. Contava-se, em especial, tal versão, a ilha mencionada não seria mais
que Ulisses e Eneias se tinham encontrado no do que a foice que Crono lançara ao mar e aí /
decurso das suas viagens e que se tinham re- se enraizara. Os próprios Feaces teriam nas-
conciliado. Ulisses estabeleceu-se na Tirrénia cido do sangue derramado pelo deus. Outra ver-
(o país etrusco) e fundou trinta cidades. Aí te- são alude à Sicília, que teria sido fecundada pelo
ria tomado o nome de Nano (v. este nome), sangue de Úrano, aí residindo o segredo da sua
que, em língua etrusca, significaria «o Er- extraordinária fertilidade.
rante». Ulisses seria morto numa cidade deno- Algo diferente é a tradição transmitida por
minada Gortina, geralmente identificada com Diodoro Sículo a respeito de Urano. Este te-
Cortona, com o sofrimento que lhe causou as ria sido o primeiro rei dos AtIantes, povo par-
mortes de Telémaco e de Circe. ticularmente piedoso e justo que habitava as
Tácito conta (Germania, III) que Ulisses ti- margens do Oceano. Tê-Ios-ia iniciado nas prá-
nha, nas suas viagens, alcançado as margens ticas da vida civilizada e na cultura. Ele pró-
do Reno e, como recordação, erigira, na mar- prio era um hábil astrónomo e teria inventado
gem, um altar que subsistia ainda no tempo da o primeiro calendário, a partir dos movimen-

Úrano: HES., Theog., 126 ss; 463 e S.; 886 e S.; m, 57 S.; PLAT., Ti., 40 e; MACROB., Sat., I, 8, 12;
924 e S.; Tilanomachia, fr. 1 (KINKEL); cf. Cic., de ApOLLOD., Bibl., I, I, ~ S.; Cf. G. DUMEZIL,
nal. D., Ill, 17,44; Frag. Orph., 89, 1; DIOD. SIC., Ouranos- Varouna, Paris, 1934.
465 ÚRANO

tos dos astros, sendo ainda capaz de predizer filhos. A complicação e as variações destas ge-
os principais acontecimentos que o mundo vi- nealogias explicam-se pelo facto de não tradu-
ria a conhecer. Na hora da morte, ter-lhe-iam zirem lendas precisas, mas interpretações sim-
sido atribuídas honras divinas e pouco a pouco bó~icasde cosmogonias eruditas. Alia-se a isto
teria sido confundido e identificado com o pró- o facto de Urano desempenhar um papel pra-
prio céu. Segundo esta tradição, Úrano teve ticamente sem importãncia nos mitos heléni-
quarenta e cinco filhos, dezoito dos quais de cosoContudo, Hesíodo conserva a memória de
Tita (que tomou mais tarde o nome de Geia), duas profecias atribuídas conjuntamente a
denominados Titãs, designação genérica deri- Úrano e Geia: a primeira teria advertido Crono
vada do nome da mãe. As filhas de Urano fo- de que o seu reino chegaria ao fim no dia em
ram: Basileia (a Rainha), mais tarde Cíbele, e que um dos filhos o havia de vencer; a segunda
Reia, cognorninada Pandora. Basileia, senhora teria sido a profecia destinada a alertar Zeus
de uma grande beleza, sucedeu ao pai no trono contra o filho que teria de Métis. Foi por obe-
e casou com Hiperíon, um dos irmãos, de decer a esta advertência que o pai dos deuses
quem teve dois filhos: Hélio (o Sol) e Selene engoliu Métis, quando ela se encontrava grá-
(a Lua). Entre os outros descendentes de vida de Atena (v. Métis e Zeus).
Urano, Diodoro menciona Atlas e Crono. Se- Acerca da lenda síria de Úrano e de Crono,
gundo Platão, Oceano e Tétis são também seus transmitida por Fílon de Biblo, v. Crono.
v
* VACUNA. (Vacuna.) Nome de uma mente infernal e, na origem, parece ter presi-
muito antiga deusa sabina, que tinha um san- dido aos pântanos e às manifestações vulcâni-
tuário em ruínas junto da propriedade de Ho- cas. Véjove, que não possui uma lenda, era um
rácio, nas margens de Licenza. Os escoliastas deus gentílico dos Julii (Júlios),
identificam-na, muito vagamente, com Diana, * VÉNUS. (Venus.) Antiga divindade latina,
com Minerva e, até, com a Vitória. Não pos-
possuía um santuário próximo de Ardea, edi-
sui nenhuma lenda.
ficado em data anterior à fundação de Roma.
* VALÉRIA. (Valeria.) Durante uma epi- Considerada durante muito tempo como pre-
demia que assolou a cidade de Falérios, um sidindo à vegetação e aos jardins, é agora en-
oráculo ordenou que, para fazer cessar o fla- carada por certos autores como um génio me-
gelo, uma virgem fosse sacrificada a Juno, to- diador da oração. Mas tudo isto é muito incerto..
dos os anos. O sacrifício foi consumado, mas, É assimilada, no século 11 a. C., à Afrodite
num ano, a escolha recaiu numa jovem cha- grega. A gensJulia, que pretendia descender de
mada Valéria Luperca. No momento em que Eneias, tomava Vénus como antepassado.
ela própria se ia imolar com uma espada, junto * VERTUMNO. (Vertumnus.) Deus de ori-
do altar, surgiu uma águia que lhe levou a es- gem provavelmente etrusca, tinha uma estátua
pada e deixou cair um pequeno bastão junto em Roma, no bairro etrusco, à entrada do
do martelo ritual, que se encontrava sobre o Foro. Vertumno personificava a ideia de «mu-
altar, e, afastando-se, soltou a espada sobre dança». Era-lhe atribuído o dom de se trans-
uma bezerra que pastava num prado vizinho. formar em quantas formas pretendesse. Oví-
Valéria compreendeu as indicações dadas pelo dio atribui-lhe amores com a ninfa Pomona
pássaro. Sacrificou a bezerra e, levando com (v. este nome), provavelmente porque Ver-
ela o martelo, tocou os doentes atingidos pela tumno era, sob vários aspectos, protector da
epidemia, que imediatamente se curaram. vegetação e, mais particularmente, das árvo-
res de fruto.
* VÉJOVE. (Veiouis.) Deus romano iden-
tificado tardiamente com Apoio, tinha um an- * VESTA. (Vesta.) Deusa romana de carác-
tiquíssimo santuário no Capitólio e um outro ter muito arcaico, preside ao fogo do lar do-
na ilha Tiberina. Tem um carácter essencial- méstico. Pertence, como a Héstia helénica

Vacuna: HOR., Epist., I, 10, 49 e escól, ad loc., FEST:, p. 265; PUN., N. H., XIX, 50; LUCR., De
Nat. Rer., I, I e 5.; cf. R. SCHILLlNG, «La Vénus ro-
Valéria: PLUT.,Parall. min., XXXV. maine», Rev. Et. lat., 1942,pp. 44-46;R. SCHILLlNG,
Véjove: Cic., de nato D., 111, 62; A. GELL., V, 12, La Religion romaine de Vénus ... , Paris, 1954.
8 e 5.; OV., Fast.; Il l, 437 e 5.; VAR., LL, V, 84.
E. GJERSTAD, «Veiovis, A preindoeuropean God in Vertumno: VAR., LL, V, 46; PROP., IV, 2; Ov.,
Rome?». Opusc. Romana, IX, 1973,pp. 35-42. Met., XIV, 643 e 5.; Fast., VI, 410.

Vénus: STRAB., V, p. 232; SOLlN., lI, 14; MA. Vesta: SERV., ad VIRG., Aen., VIII, 190; IX,
CROB., Sat., I, 12, 12 e 5.; VAR., LL, VI, 20; 33; 257. AUGusT., Civ. D., VII, 16; Cic., de nato D.,
467 VULCANO

(v. este nome), ao grupo das doze grandes deu- citado por Asclépio e transportado por Arte-
sas. O seu culto estava sob a dependência di- mis para Itália (v. Hipólito). Esta interpretação
recta do Grande Pontífice, assistido pelas Ves- apoiava-se num trocadilho, decompondo Vir-
tais, sobre as quais exercia uma autoridade bius em Vir (homem) e bis (duas vezes); «o que
paternal. O culto de Vesta, segundo a maior foi morto duas vezes»; via-se nisso uma alu-
parte dos autores, foi introduzido em Roma são à ressurreição do herói.
por Rómulo, o que levanta algumas dificulda-
des, porque o seu templo (com uma forma re- * VOLTURNO. (Vulturnus.) Antiga divin-
donda como as mais antigas cabanas do Lá- dade romana, possuía um flãmine e uma festa,
cio) erguia-se, não no interior da cidade os Volturnalia, que se realizava a 27 de Agosto.
palatina mas à margem desta, no Forum ro- Uma lenda pretendia que Volturno (ou o deus-
mano e, por consequência, no exterior da ci- -rio da Campânia, homónimo com o qual tal-
dade atribuída a Rómulo. O carácter arcaico vez se identificasse) fosse o pai da ninfa Ju-
turna (v. este nome).
da deusa é ainda confirmado pelo facto de o
animal que lhe era sacrificado ser o burro, ani- * VULCANO. (Vulcanus.) Divindade ro-
mal mediterrãneo por excelência, por oposição mana, possui um flâmine e uma festa, os Vol-
ao cavalo, que é indo-europeu. Nos dias das canalia, que se realizava a 23 de Agosto. Te-
Vestalia (em meados de Junho), os burros jo- ria sido introduzido em Roma por Tito Tácio,
vens eram coroados com flores e não trabalha- mas uma outra tradição atribui a construção
vam. Para explicar tal singularidade, foi ima- do seu primeiro santuário a Rómulo, que o te-
ginada, tardiamente, uma lenda que mostrava ria mandado construir sobre o espólio tomado
a deusa, casta entre todas, protegida pelo burro ao inimigo durante uma guerra. Era usual, nas
contra uma tentativa amorosa de Priapo festas de Vulcano, lançar no fogo pequenos
(v. este nome). Trata-se de uma lenda tardia, peixes e, por vezes, outros animais. Conside-
de inspiração helenística e completamente ar- ravam que estas oferendas representavam as vi-
tificial. das humanas, para cuja conservação eram ofe-
recidos aos deuses os referidos animais.
* VÍRBIO. (Virbius.) Génio cujo culto es- Vu1cano, que não possuía nenhuma lenda pró-
tava ligado ao de Diana, no bosque sagrado pria, foi identificado com Hefesto (v. este
de Nemi (Arícia). O facto de os cavalos serem nome). Considera-se, contudo, por vezes, que
impedidos de penetrar neste bosque tinha le- Vulcano é pai de Caco (v. este nome) ou de Cé-
vado ao nascimento da crença em que Vírbio culo (v. este nome) ou, ainda, do rei mítico Sér-
não era outro senão o filho de Teseu, Hipó- vio Túlio (geralmente considerado como filho
lito, outrora morto pelos seus cavalos, ressus- do Lar doméstico) (v. Sérvio).

li, 67; CATO, De Agr., 143, 2; Ov., Fast.; VI, Volturno: VAR., LL, VI, 21; VII, 45; PAUL.,
319 e S.; LACT., Div. Inst., I, 21, 25 e S.; DEN.· p. 379; ARNOB., III, 29.
HAL., 11, 65; PLUT., Rom., 22, 1; cf'. V. SMIALEK,
Vulcano: VAR., LL, V, 74; 83 e S.; VI, 20; MACR.,
«De prisci Vestae cultus reliquiis», Eos, 1926,
pp. 39-50; E. DEL BASSO, «Virgines Vestales»,
SaI., I, 12, 18; PUN., N. H., XVI, 236; XXXVI,
204; PLUT., Rom., 24, 5; VIRG., Aen., VII, 679;
AI/i. Accad. Napoli, LXXXV, 1974, pp. 161-
VIII, 190 e S.; PAUL., p. 38; Ov., Fasl., VI, 637; cf',
-249.
J. CARCOPINO, Virgile et les Origines d'Ostie, Paris,
Vírbio: Ov., Mer., XV, 545 e S.; SERV., ad VIRG., 1921; M. GUARDUCCI, in Mél. B. Nogara, 1937,
Aen., V, 95; VIRG., Aen., VII, 765 e S.; Ov., Fast., pp. 183-2-3; H. J. ROSE, in Journ. Rom. Stud.,
Il l, 266 e s. 1933, pp. 46-63.
z
ZACINTO. (Zeixuv9o,.)Zacinto é o herói absorver o coração de Zagreu, fecundando-a
epónimo da ilha de Zacinto (hoje Zante), no assim com o «segundo Dioniso».
mar Jónio. Segundo as tradições, este herói é Zagreu é um deus órfico e a lenda precedente
considerado como filho de Dárdano (v. qua- pertence à teologia dos mistérios órficos. É ao
dro 7, p. 112) ou como um arcádio, oriundo orfismo, por exemplo, que se deve atribuir a
da cidade de Psófis. identificação do herói com Dioniso. Ésquilo,
pelo contrário, chamava-lhe «deus subterrâ-
ZAGREU. (ZorypEú,.)Zagreu é geralmente neo» e assimilava-o a Hades.
considerado como filho de Zeus e de Perséfone
e como o «primeiro Dioniso». Para o procriar, ZELO. (ZfiÀoç.)Zelo, o «Zelo», ou a «Emu-
Zeus ter-se-ia unido a Perséfone sob a forma lação», é filho de Estígia e de Oceano. É ir-
de uma serpente. Zeus, que tinha por ele uma mão da Vitória, da Força e da Violência
afeição particular, destinou-lhe a sua sucessão (v. quadro 33, p. 388).
e a soberania do mundo. Mas os Destinos de- ZETO. (Zfi6oç.)V. Anfion,
cidiram de outro modo. Por precaução con-
tra os ciúmes de Hera, Zeus confiou o pequeno ZEUS. (Z.Ú,.) Zeus ~ o mais importante deus
Zagreu a Apoio e aos Curetes, que o educa- do Panteão helénico. E, essencialmente, o deus
ram nas florestas do Parnaso. Mas Hera con- da Luz, do céu claro, tal como do raio, mas
seguiu descobri-lo e encarregou os Titãs de o não se identifica com o Céu, do mesmo modo
raptarem. Zagreu tentou em vão escapar que Apoio não se identifica com o Sol nem Po-
metarnorfoseando-se. Tomou, nomeadamente, sídon com o Mar. No pensamento helénico, os
a forma de um touro; mas os Titãs despeda- deuses perderam o valor cósmico que podem
çaram-no e comeram-no, em parte cru, em ter tido num outro momento da sua evolução.
.parte cozinhado. Palas conseguiu salvar, ape- Zeus interessa-nos aqui apenas como herói de
nas, o coração, ainda palpitante. Alguns res- lendas.
tos dispersos foram recolhidos por Apoio, que É nos Poemas Homéricos que é criada a per-
os enterrou junto da trípode de Delfos. Mas sonalidade de Zeus, rei dos homens e dos deu-
a vontade de Zeus devolveu a vida à criança, ses, deus que reina nas alturas luminosas do
quer porque Deméter tivesse reunido os seus Céu. Na maior parte do tempo, Zeus perma-
restos, quer porque Zeus tivesse feito Sémele nece no cimo do monte Olimpo, mas também

Zacinto: STEPH. Bvz., S. U.; PAUSAN., VIII, 24 e Proptr., Il, 18. p. 15; HYG., Fab., 155; 167; PLUT.,
S.; DION. HAL., I, 50. Qu. Gr., 12. Cf. S. REINACH, «Zagreus, 1e Serpent
cornu», in Cultes, Mythes et Religions, lI, pp. 58-65.
Zagreu: AESCH., fr. 5; 228 (Nauck z); esc61. a
PINO., Isth., VII, 3; TZETZ., ad Lyc., 355; cf. 207; Zeus: Os textos em que Zeus é mencionado são de-
PROCL., in PLAT., Ti, 200 d; MACROB., Somm. Scip., masiado numerosos para serem citados. São apenas
I, 12; NONN., Dion., V, 565 e S.; VI, 155 e S.; indicados alguns, considerados particularmente im-
HESYCH. e SUID., s. U.; 0100. SIC., Ill, 62; 64; CAL. portantes: li., I, 396 e s.; VIII, 13 e s.; XXIV, 527
L1M., fr. 171; 374; Ov., Met., VI, 114; CLEM. ALEX., e s.; esc61. a XV, 229; XXIV, 615; HES., Theog.,
469 ZEUS

viaja. Encontramo-Io, por exemplo, entre os devorando os fillros e as filhas à medida que
Etíopes, povo piedoso por excelência, cujos sa- Reia os ia dando à luz (v. Crono e Reia). Ao
crifícios lhe são particularmente agradáveis. nascer o sexto filho, Reia decidiu recorrer à as-
Pouco a pouco, a morada de Zeus desliga-se túcia e salvar o pequeno Zeus, que acabava de
de qualquer montanha particular e pela expres- nascer. Deu-o à luz de noite, secretameme, e,
são «Olimpo» entende-se apenas a região eté- de manhã, levou a Crono uma pedra envolta
rea onde habitam os deuses. em panos. Crono devorou esta pedra, acredi-
Zeus preside não só às manifestações celes- tando que se tratava de uma criança. Zeus es-
tes como provoca a chuva, lança o raio e os tava salvo e, a partir desse momento, nada po-
relãmpagos - poder simbolizado pela sua deria impedir a realização dos destinos.
égide (v. em baixo)- mas, sobretudo, man- Existem duas tradições distintas relativa-
tém a ordem e a justiça no mundo. Encarre- mente ao local do nascimento de Zeus. A mais
gado de purificar os assassínios da mácula do corrente situa-o em Creta, no monte «Egeu»
sangue, vigia pela conservação do juramento ou no monte Ida ou, ainda, no monte Dicte.
e pelo respeito dos deveres devidos aos hóspe- A outra, defendida por Calímaco no seu Hino
des; é a garantia do poder real e, em geral, da a Zeus, coloca-o na Arcádia (v. Neda). Mas
hierarquia social. Exerce estas prerrogativas em mesmo Calímaco admite que a primeira infân-
relação aos homens, mas, também, no interior cia do deus decorreu no antro cretense onde
da sociedade dos deuses. Ele próprio está sub- a sua mãe o confiara aos Curetes e às Ninfas
metido aos Destinos, de que é o intérprete e (v. Curetes). A sua ama foi a ninfa (ou a ca-'
que defende contra a fantasia dos outros deu- bra) Amalteia, que o alimentou com o seu pró-
ses - pesa, por exemplo, os destinos de Aqui- prio leite (v. Amalteia). Contava-se que,
les e de Heitor e, quando o prato em que este quando esta cabra morreu, Zeus usou a sua
se encontra desce para o Hades, proíbe Apoio pele como armadura: foi a égide, cujo poder
de intervir e abandona o herói ao seu inimigo. comprovou, pela primeira vez, no combate
Deus providencial, consciente da sua respon- contra os Titãs.
sabilidade, é o único que não se deixa arreba- A criança divina foi também alimentada com
tar pelos seus caprichos - pelo menos quando mel. As abelhas do Ida destilaram-no propo-
não se trata dos seus caprichos amorosos e, sitadamente para ele (v. as interpretações eve-
mesmo nesse caso, as suas aparentes fantasias meristas nos artigos Melissa e Melisseu).
não são sempre isentas de uma certa política Os Cretenses não se contentavam em mos-
(v. em baixo). E o distribuidor dos bens e dos trar o lugar onde, segundo eles, Zeus tinha nas-
males. Homero, na Iltada, conta que, na porta cido, mas mostravam também um «túmulo de
do seu palácio, existem duas jarras, uma con- Zeus», com grande escândalo dos mitógrafos
tendo os bens, e outra os males. Normalmente, e poetas, para quem Zeus era o deus imortal.
Zeus tira o conteúdo alternadamente de uma A conquista do poder. - Quando Zeus
e de outra para cada um de nós. Mas, por ve- atingiu a idade adulta, quis apoderar-se do
zes, retira exclusivamente de uma delas e o des- poder que Crono detinha. Pediu, então, con-
tino que daí resulta é ou inteiramente bom ou, selho a Métis (a Prudência) (v. Métis), que
e é o que mais se verifica, inteiramente mau. lhe deu uma droga, graças à qual Crono foi
Esta concepção de Zeus como potência uni- obrigado a vomitar as crianças que tinha de-
versal desenvolveu-se a partir dos Poemas Ho- vorado. Apoiando-se nos irmãos e nas irmãs
méricos e chega, entre os filósofos helenísti- que, assim, tinham voltado à vida, Zeus ata-
cos, à concepção de uma Providência única: cou Crono e os Titãs. A luta durou dez anos.
entre os estóicos (nomeadamente Crisipo, que No final, Zeus e os Olímpicos foram os ven-
consagrou um poema a Zeus), Zeus é o sím- cedores e os Titãs expulsos do Céu
bolo do deus único que encarna o Cosmos. As (v. Crono). Para obter esta vitória, Zeus, a
leis do mundo são apenas o pensamento de conselho de Geia, libertou do Tártaro os Ci-
Zeus. Mas esse é o limite extremo da evolução clopes e os Hecatonquiros, que Crono aí
do deus e sai do espaço da mitologia para per- aprisionara. Para isso, matou a sua guardiã,
tencer à teologia e à história da filosofia. Campe. Os' Ciclopes deram, então, a Zeus o
O nascimento de Zeus. - Zeus pertence, trovão e o raio, que tinham forjado; deram a
como todos os Olímpicos, à segunda geração Hades um capacete mágico que tornava invi-
divina. É filho do Titã Crono e de Reia. E, do sível quem o colocasse; a Posídon, o tridente,
mesmo modo que Crono era o mais jovem da cujo embate agita a terra e o mar. Uma vez
linhagem dos Titãs, também Zeus IJasceem úl- vencedores, os deuses partilharam o poder,
timo lugar (v. quadro 38, p. 452). E conhecido tirando-o à sorte. Zeus obteve o Céu, Posí-
o modo como Crono, advertido por um orá- don ficou com o Mar e Hades com o Mundo
culo de que um dos seus filhos o destronaria, Subterrâneo. Zeus ficou ainda com a preemi-
tentava impedir a concretização desta ameaça nência sobre o universo.

passim e 468 e s.; CALLlM., Hymn. a Zeus.; PAU· 124 e S.; 138 e S.; 152 e S.; 173; .176 e S.; 195 e S'.;
SAN., VIII, 38, 2; IV, 33, 1; LVD., De Mens., IV, 223 e S.; CLEM. AL., Hom., V, 12 e s. V. também
48; ApoLLOD., Bibl., I, 1, 6; 2, 1 e S.; DIOD. SIC., os artigos citados no texto. Bibliografia moderna
70 e S.; Ov., Fast., IV, 207 e S.; Met., VI, 103 e muito abundante. Cf. em particular: A. B. COOK,
S.; VIRG., Georg., IV, 153; SERV., ad VIRG., Aen., Zeus, Cambridge, 1925; M. P. NILSSON, Vater
m. 10-4; LUCR., Nat. Rer., n, 629; HVG., Fab., Zeus, Ar. Rei. Wiss, pp. 156-171; Ch. PICARD, in
praef'., 19 e S.; 23 e S.; 31 e s. (Rose); 2; 7; 8; 14; Rev. tu«. Rei., 1926, pp. 65-94; E. LIÉNARD, in
19; 29 e S.; 46; 52 e S.; 61 e S.; 75 e S.; 91 e S.; 106; Latomus, 1937, pp.9 e S.; etc.
ZEUS 470

A vitória de Zeus e dos Olímpicos foi, to- passava por filho de Zeus e de Pluto (v. qua-
davia, em breve contestada. Juntamente com dro 2, p. 12). Do mesmo modo, a raça de
os Olímpicos, Zeus teve de lutar contra os Gi- Cadmo ligava-se à de Zeus por 10 e seu filho,
gantes, excitados contra ele pela Terra, irritada Épafo (v. quadro 3, p. 66). Os Troianos, pelo
por saber que os seus filhos, os Titãs, estavam seu antepassado Dárdano, nasceram dos amo-
aprisionados no Tártaro. Sobre esta luta, a Gi- res de Zeus e da Plêiade Electra (v. quadro 7,
gantomaquia, v. Gigantes. Finalmente, como p. 112). Os Cretenses consideravam-se descen-
última prova, Zeus enfrentou Tífon e este foi dentes de Europa e dos três filhos que tinha
o combate mais rude que teve de travar. No tido de Zeus: Minos, Sarpédon e Radamante
decurso da luta, foi feito prisioneiro e muti- (v. quadro 30, p. 312). De um modo seme-
lado pelo monstro, mas um estratagema de lhante, os Arcádios tinham por antepassado
Hermes e de Pã libertou-o e, por fim, alcan- Árcade, filho de Zeus e da ninfa Calisto
çou a vitória (v. Tífon). (v. quadro 10, p. 132), e os seus vizinhos Ar-
As uniões de Zeus. - Cronologicamente, a givos tinham por epónimo Argo, nascido,
primeira das esposas de Zeus é Métis, a filha como o irmão Pelasgo, epónimo dos Pelasgos,
de Oceano. Para escapar ao deus, Métis tomou de Zeus e da Níobe Argiva (v. quadros 19 e 20,
diversas formas, mas em vão. Teve de subme- pp. 239 e 240). Os Lacedemónios, por fim, re-
ter-se e concebeu uma filha. Mas Geia predisse clamavam ser descendentes da ninfa Taígete e
a Zeus que, se Métis desse à luz uma filha, esta, do deus (v. quadro 5, p. 90).
por sua vez, conceberia um filho que destro- Ainda que os mitógrafos, sobretudo a par-
naria o seu pai. Por isso, Zeus engoliu Métis tir da época cristã, considerem todas estas
e, quando chegou o momento do parto, Pro- uniões como actos de libertinagem, os poetas
meteu (algumas fontes referem Hefesto) fen- e os mitógrafos anteriores esforçam-se por re-
deu com um golpe de machado o crãnio de conhecer as razões profundas que levaram o
Zeus, de onde saiu, completamente armada, a deus a dar filhos a mortais. É assim que se ex-
deusa Atena. plicava o nascimento de Helena pelo desejo de
Zeus desposou em seguida Témis, uma das diminuir a população demasiado numerosa da
Titãnides, e dela teve filhas, as Estações Grécia e da Ásia provocando um conflito san-
(as Horas), chamadas, respectivamente, Irene grento. Do mesmo modo, o nascimento de Hé-
(Paz), Eunomia (Disciplina) e Dice (Justiça). racles tinha por finalidade suscitar um herói
Em seguida, as Moiras (v. este nome), que são capaz de libertar a terra de monstros maléfi-
as agentes do Destino. O casamento com Té- cos. Resumindo, a procriação surge em Zeus
mis, que é a encarnação da Ordem Eterna, da como um acto de acção providencial. Já os An-
Lei, tem um evidente valor simbólico e exprime tigos realçavam que muitas dessas uniões tive-
como Zeus, o deus todo-poderoso, pode ser ram lugar sob a forma de animais ou de ou-
submetido aos Destinos, visto que estas, suas tras: com Europa, sob a forma de um touro;
emanações directas, são apenas um aspecto de com Leda, de um cisne; com Dánae, de uma
si próprio. chuva de ouro, etc. Estas extravagâncias, que
Zeus uniu-se ainda a Dione, uma das Titâ- se explicam por vezes pela hipótese de substi-
nides e nela gerou Afrodite (v. neste nome as tuição de cultos locais mais antigos por Zeus,
outras versões a respeito deste nascimento). nos quais a divindade substituída tinha uma
Com Eurínome, filha do Oceano, concebeu forma animal ou feiticista, eram, para eles, fre-
as Graças (v. Cárites): Aglaia, Eufrósina e Ta- quentemente objecto de indignação e procura-
lia, que são, na origem, espíritos da vegetação. ram dar-lhes uma explicação simbólica. Para
De outra Titãnide, Mnemósina, que simbo- . Eurípides, por exemplo, a chuva de ouro que
liza a Memória, teve as Musas (v. este nome). reduziu Dánae é uma imagem da omnipotên-
Por fim, com Leto, gerou Apoio e Ártemis. cia da riqueza.
É só neste momento que, segundo Hesíodo, Estas aventuras expuseram muitas vezes
se situa o casamento sagrado com Hera, sua Zeus à cólera de Hera. Uma das explicações
própria irmã. Mas é geralmente considerado dadas pelos Antigos para as metamorfoses do
como muito mais antigo. Deste casamento nas- deus era precisamente o desejo de se ocultar
ceram Hebe, Ilitia e Ares (v. Hera). à sua esposa, mas trata-se, evidentemente, de
Com uma outra das suas irmãs, Deméter, uma efabulação tardia, posterior em todo o
Zeus teve uma filha: Perséfone. caso às lendas de. metamorfose. Também as
Estas são as uniões de Zeus com as deusas, amantes de Zeus. assumiram com frequência
mas as suas uniões passageiras com mortais são formas de animais. 10 foi metamorfoseada em
inumeráveis. Citaremos aqui apenas as prin- vaca; Calisto tornou-se uma ursa, etc.
cipais (v. quadro 40, p. 47\). Lendas diversas. - Zeus intervém num
Não há uma única região do mundo helénico grande número de lendas difíceis de agrupar.
que não se tenha vangloriado de ter por herói A Iliada conhece uma conjura tramada con-
epónimo um filho nascido dos amores de Zeus. tra ele por Hera, Atena e Posídon e que tinha
Do mesmo modo, a maior parte das ~randes fa- por fim acorrentá-lo. Foi salvo por Egéon
mílias da lenda ligavam-se a Zeus. E assim que (v. este nome). Noutra ocasião, lançou He-
os Heraclidas descendem não só da união do festo no vazio e tornou este deus definitiva-
deus com Alcmena, mas, num grau mais remoto, mente coxo, castigando-o assim por ter to-
da união de Zeus com Dánae, visto que são mado o partido de Hera (v. Hefesto e Hera).
Perseides (v. quadro 32, p. 370). Aquiles e Restabeleceu a ordem no mundo depois do
Ájax descendem de Zeus pela ninfa Egina roubo de Prometeu, agrilhoando este no
(v. quadro 31, p. 352), enquanto o antepas- Cáucaso (v. Prometeu). Mas, perante a mal-
sado de Agamémnon e de Menelau, Tântalo, dade dos homens, decide o grande Dilúvio,
471 ZEUXIPE

de que a raça humana só conseguirá salvar-se Acredi~ava-se que Zeus tinha raptado o jo-
graças a Deucalião (v. este nome). É a este vem Ganirnedes na Tróade e que tinham feito
Zeus Libertador que, uma vez terminado o dele o seu escanção particular em substituição
Dilúvio, Deucalião oferecerá o seu primeiro de Hebe (v. Ganimedes).
sacrifício. Em Roma, Zeus foi identificado com Júpi-
Vemos Zeus intervir nas querelas que sur- ter, como e!e deus do céu luminoso e deus pro-
gem um pouco por todo o lado: entre Apoio tector da Cidade, no seu templo do Capitólio.
e Héracles a propósito da trípode de Delfos
ZEUXIPE.'(Zwç[,t1tT).) Nome de várias he-
(v. Héracles); entre Apoio e Ida por causa de
Marpessa (v. este nome); entre Palas e Atenas, roínas, contando-se entre as principais:
provocando assim, involuntaríamente, a morte ,I. A ~ulher do rei da Atica, Pandíon e, tam-
bem, mae de Erecteu, Butes, Procne e Filomela
da primeira (v. Palas); entre Atena e Posídon,
(v. quadro 12, p. 144). É irmã da sua própria
que disputavam a posse da Ática; entre Afro-
~ãe, a Náiade Praxítea, desposada por Pan-
dite e Perséfone, que disputavam o belo Adó-
díon. '
nis (v. este nome). Castiga ainda um certo nú-
2. Uma outra é a filha do rei de Sícion, La-
mero de criminosos, nomeadamente sacrílegos
como Salmoneu, Ixíon (vingando deste modo rnedonte (v. quadro 24, p. 265). Desposou Sí-
cion, do qual teve uma filha, Ctonofile.
um insulto particular), Licáon, etc. Vêmo-lo
também intervir nos trabalhos de Héracles, 3 .. Uma terceira Zeuxipe, por fim, é a filha
dando-lhe armas contra os inimigos ou de Hipocoonte. Desposou Antífates, o filho de
retirando-o das suas mãos quando é ferido Melampo, e deu-lhe dois filhos: Ecleu e An-
falces (v. quadro I, p. 8).
(v. Héracles).

Zeuxipe: 1) ApOLLOD., Bibl., nr, 14, 8; HYG., I Fab., 14.2) PAUSAN.,li, 6, 5. 3) DIOD. SIC., IV, 68.

Métis: Atena.
Térnis: Horas, Moiras.

l
Dione: Afrodite.
Eurínome: Cárites;
(uniões divinas)
Mnemósine: Musas.
Leto: Apoio, Árternis.
Deméter: Perséfone.
Hera: Ares, Hebe, Ilitia, (Hefesto).
Alcmena: Héracles (v. quadro 32, p. 370),
ZEUS ) Antiope: Anfion, Zeto (v, quadro 27, p. 280),
Calisto: Arcade (v, quadro 10, p. 132),
Dánae: Perseu (v, quadro 32, p. 370),
Egina: Éaeo (v, quadro 31, p. 352),
Electra: Dárdano, Iasio, Harmonia (v. quadro 7, p. 112).
) Europa: Minas, Sarpédon, Radamante (v, quadro 30, p. 312),
(uniões humanas) Ia: Epafo (v, quadro 3, p. 66),
I Laodamia: Sarpédon (v, quadro 36, p. 422),
Leda: Helena, Dioseuros (v, quadro 2, p. 12),
Maia: Hermes (v, quadro 27, p, 280),
Niobe: Argos, Pelasgo (v, quadros 19 e 20, pp. 239 e 240),
Pluto: Tântalo (v, quadro 2, p. 12),
Sémele: Dioniso (v. quadro 3, p. 66).
Taígete: Lacedémon (v. quadro 5, p. 90).

Quadro genea1ógico n. o 40

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