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A Física

na Idade Média

No início do séc II a.C. teve início a influência romana sobre a Grécia,


Ásia Menor e Egito, mas apesar da conquista, o ambiente cultural nas cida-
des gregas continuou e a Literatura, Filosofia e Artes gregas passaram a ser
apreciadas pelos romanos. Vários eruditos gregos mudaram para Roma e
tornou-se moda entre a elite aprender a língua grega. Porém os professores
gregos ensinavam apenas aquilo que interessava aos romanos, principal-
mente temas de interesse prático tais como Matemática, Medicina, Lógica e
Retórica, dado que os próprios romanos consideravam importante a apren-
dizagem prática mesmo, ou até como passatempo, pouco se importando
com o pensamento abstrato; a ciência não era valorizada por eles e seu de-
senvolvimento ficou paralisado. A civilização romana, sofisticada, moderna
em sua política e forte nas disciplinas do Direito, progressista na tecnologia
militar e de higiene pública, com todo o acesso à ciência grega, no entanto,
não conseguiu produzir um único cientista. Mas quando consideramos em
quão poucas foram as culturas nas quais a ciência floresceu podemos consi-
derar Roma como normal e a Grécia Clássica como o fenômeno a ser expli-
cado. No final do séc II d.C., depois da morte do imperador Marco Aurélio,
Evolução dos idéias da Física A Física na Idade Médio
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0
império romano passou por uma série de mudanças profu~d~s, com agita- No período que se seguiu o conhecimento clássico seria preservado
çoes. po l't·
- 1 1ca.s, motins e disputas militares e o desastre econom1co
• . teve forte Europa ocidental pela tradição
. monástica • As. abadi·as e os 111os·te1ros
• se tor-
na
impacto na vida cultural. Com a invasão dos povos german_1cos ao l~ng~ das naram centros intelectuais, no entanto, a capacidade intelectual estava djre-
fronteiras do império, a partir de 250 d.C., a cultura declmou mais ainda. cionada para fins religiosos. Os monges escreviam a maior parte dos livros,
Na segunda metade do séc Ill, o imperador Diocleciano dividiu o império copiavam os manuscritos antigos e mantinham a maioria das escolas e bi-
em duas partes: ocidental e oriental. No ano 380 o cristianismo tornou-se a bliotecas. Os clérigos se tomaram sucessores dos filósofos da antiguidade e
religião oficial, passando a ter forte influência sobre a Filosofia. a Igreja passou a determinar o clima cultural. Poucos se interessavam pela
o clérigo mais erudito e influente, entre os primeiros filósofos cristãos, Ciência ou Filosofia, exceto na medida em que esses assuntos pudessem ser-
foi Santo Agostinho. Ele nasceu em 354 d.C. em uma pequena cidade na vir para fins religiosos.
província romana da Numídia, na África, e mais tarde tomou-se bispo de A partir do séc V alguns romanos manifestaram um certo grau de inte-
Hipona. Ele não só deu ao cristianismo uma sólida base intelectual, como resse pela ciência, começando a produzir seus próprios textos, mas em qua-
0 vinculou à tradição filosófica grega. Foi influenciado por Platino, um fi- lidade inferior à dos textos gregos correspondentes. A tradição de enciclo-
lósofo que viveu no séc III d.C., considerado o maior sucessor de Platão, pédias escritas em Latim havia começado no séc I a.C. com Marcus Varro,
mas que modificou tanto a filosofia do mestre que sua filosofia passou a ser mas os principais expoentes foram Sêneca e Plínio no séc I d.C.. Plínio es-
conhecida como neoplatonismo. Uma das características do neoplatonismo creveu sua História Natural em 37 volumes. Entre os sécs IV e VIII os autores
é o desprezo por todos os ramos da ciência. Para Agostinho, o único tipo de enciclopédias produziram uma quantidade enorme de textos que tive-
de conhecimento desejável era o conhecimento de Deus e da alma, para ele ram uma influência marcante durante a Idade Média, especialmente antes
não havia proveito algum a investigação do reino da Natureza. Em 410 d.C. de 1200. Esses livros continham a totalidade do conhecimento científico de
Roma foi saqueada pelos visigodos e a queda da cidade foi atribuída à perda então, embora apresentassem uma massa de informações não sistemática,
da fé nos antigos deuses pagãos em favor do cristianismo e os cristãos foram confusa e inconsistente. Em geral os autores copilavam material, repetindo e
culpados. Para contestar essa acusação Santo Agostinho escreveu A Cidade de distorcendo compilações anteriores, com pouco conhecimento do que esta-
Deus, sua grande obra de Teologia e Filosofia, considerada a Bíblia da idade vam escrevendo. Exceto por traduções ocasionais de textos gregos, que não
média. Agostinho estava preocupado com a questão: se o mundo foi criado circulavam, pouco foi acrescentado à tradição enciclopédica dominante.
num dado momento, porque Deus permitiu que urna eternidade transcor-
resse antes da Criação? Respondeu que o tempo não existia antes da Criação.
O tempo e o mundo foram criados juntos, mas Deus existe fora do tempo. A ciência entre os Árabes
Perguntar o que Deus fazia antes não tem sentido, não houve nenhum antes,
Agostinho concluiu. Enquanto a tradição clássica declinava no mundo romano, a cultura
No final do séc V o Império Romano do Ocidente caiu invadido pelos clássica encontrou refúgio no chamado Império Romano Bizantino, que ti-
bárbaros, dando início à Idade Média. Para a cultura em geral isso represen- nha Constantinopla como capital. Nessa parte havia um certo nível de esta-
tou, em certos aspectos, uma volta ao barbarismo. Houve urna estagnação bilidade política e a tradição do estudo dos clássicos nunca desapareceu. No
intelectual e um mergulho na ignorância e na credulidade. A ciência chegou entanto, como no oeste, o estudo estava subordinado à teologia. Até mesmo
ao seu ponto mais baixo na Europa Ocidental entre aproximadamente 500 o fechamento da Academia em Atenas em 529 d.C. pelo imperador Justinia-
d.C. e 1000 d.C., melhorando gradualmente até que obras gregas e árabes, no, marcando o fim da era greco-romana, foi considerado mais uma medida
no final do séc XII e início do séc XIII, introduzissem uma nova visão na lite- defensiva contra as tradições pagãs do que uma tentativa de destruir a tradi-
ratura científica. Se pensarmos na ciência não há dúvidas de que a erudição ção clássica grega. Entretanto, surgiram algumas obras voltadas para a filo-
caiu, em qualidade e quantidade, mas a erudição não desapareceu, e sim, sofia natural. Para citar apenas um exemplo, no séc VI John Philoponus, que
voltou-se para a doutrina cristã. vivera em Alexandria, escreveu um comentário sobre a Física de Aristóteles.
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riu s,1rra cL·m1 l'S IL'lld L' u•Sl' d ,1s lron tl'i r.1 ~ d .1 l11d1 .1 .1ll' o Es tn·ill, dL' C ilb r,11.n· L'sses ,1ssu nt os ti vessem um a utilidade prá ticn ou p udessem servi r pa rn fi ns
,, llS l' iri m•11 s. lini 7<,2 d .C. lll1 rn ns tr111d ,1 ll,1gd .1 ,1 c,1p it.1l d o lmpL~rio Ár.1- rl'li g iosos. No s6c XII, enfraquecido pelas invasões dos mo ngóis e a pilh a-
lw. l' 1w ,11 111 Htltl d .l'. 1l,1ro1111 /\ I l, .1sch1 d tun d lH l 1w~s,1 cid.1Lk 11111,1 L'SC<"l.1 ).\L'lll dns n u z,1dos, o impé rio sucumbiu . Por essa é poca a Europa eme rg ia
d l· ci 1; 111·i.1 . No:-- .-;(•L·:s Vil l' VIII ,1 ,·on l'llll' 111ttç1tlm,111,1 col hL'u PS 1x•stL,s ,Li ll'11t a 111c 11ll' do rnos dn Idn d e Méd ia e a cultura rennscin.
fil nsofi.1 l' c:il1nci,1 grq~,1 11a Ás i.1 11H•nnr L' A IL•,,rnd n,1 , lc-v ,mdo-os p Jr.1 ,1
1:u mp ,1. D o a no HOO a té t:100 d .C. u ,1r.1 be loi ,1 lín g11,1 dorninan tl' n u l'iL' n cü1
t' Fihis11!'i ,1, 0 111H1 u grq;o o h,wi a s1 d n nos sC-culos prL'CL'dcn t,·s. ,\ p .1rtir do O Renascimento científico no Oeste
Sl'l. XII , Cll llll\'.1l'il111 ,1 s u rg ir ír,1 ~~ t11L't1 l<1S d L' trabal hos eh- ArquitnL"d L'S, Eu -
didl's, /\r is t.nn >t' l'tol o nH·11. O in ício do prog resso in telectua l d a é poca fe uda l d ata d a
l )s L'rnd itlls nr,1b1•s L'Slu d .1r.1m e tr,1 d tllir;im os m ,mu scri tn., g regos sa l- chamad a renascença Carolíngia do séc IX. Foi um m ovimento
vns d.is biblin1L•c;1s hd 011 ic.1s, q ue f,m:im p;irci alml'.'ntt~ de-stmídas, dcsen- iniciado por Carlos Magn o ao trazer para a sua corte os mais
vul vcra111 n AlgL•br;i, int rod1 u ir.1m ClS nlg L1ris mo~ ar.i bi cos, que tom avam as notáveis eruditos que pôde encon tra r. Com a reu rbaniznção
opcra,õcs Mitméticas m ai s f,k ci s d C' scrl' rn n•ali La d as do que com o sis te m a da Em opa nos sécs XI e XII o nível educacional melhorou. Es-
rom at 11). Hnvi a, nnquc l.1 t'pllríl . doi, sistem a!'> ri v.11s cm A,t ron om ia. Um era colas urbanas começaram a surgir substituindo as escolas mo-
l>sis tL' lll,1 d e es fer,1 s ho nHlC'l'nt ricas ck• E11 dcn. o L' Ca lipus, ado tad o por Aris- nás ticas. Essas escolas tinham metas m ais ab rangentes do que
tótl'l es. Teori,1s honwcênt rir as nfü1 11: prod u1c' m compl e tament e O f> d etalh es ns an teriores e um currícu lo m ais va riado: Lógica, Retóri ca,
dos m ov imentos p lanC'tários L' s.3n in c.1p,1 zes de exp lica r ;i va naçào de bri lho leologin, Gramáticn La tina e o Q uatriviu m (A ritmética, Ge-
Jns plnnetns . Essa v,1ria,:10 L'1-.1 L'xplic.1 d ,1 co nw um a con -..eq üéncia d a va ri a- ometri a, Música e Astronomi a). Mesmo que a ciência não fi- Ca,las Magno
,·Jo d ,1s dis tân cias ent r<' os p l,md as l ' ,1 Tl'rra. 111t1s um m odel o homocentrico zesse parte do w rrículo, ela se beneiiciou do cli ma intelectual.
por su,1 p róp ria na lurl' Za C'Xclu f,1 t,lis d is tâ ncias variávei<,. Com o re<, ult ado No ano l 100 d .C. as escolas urbanas e ram pequenas, com poucos a lLU10s.
dl:'sscs p!'lib lem as t'SSL' modelo foi supl,mt ,1d0 pe lo o ut ro, d e H iparco e Pto - Mas ,1 partir dl' en tão L'lns crescera m em núme ro e ta ma nho. N ão sabem os
lomeu, mais fl exível, m as m.1i s r c1rnpl irnd11. Fssl' mod l:'lo te m ,1 v irtu de d e cm de ta lhes como surg-iram as prime iras un ive rsidad es, mas a expansão do
tecnicamente produzir bú,lS prev is[ics de fen6 m en os .1s tron6 mico!'>, m a <, au sistema ed uc.1cin11c1l 110 nfw l elem enta r passou a ex ig ir e:;tudos de nível supe-
cu sto de um,1 suposiç.io - qtll' um corpo cl'lt>s tc pode ter mn v irn cn to cirru- rior. Em Bnlnnh,t, 1\His e O xford surg ira m escolas de Artes Liberais, Medicina,
Iar uniform e t:'m torno dt:' um p onto oulI'll q ul:' o cl:' nt ru d a Ter ra . Al ~un~ 'li..•u log i,1 l' D irl'ilu. Es !udn ntes e professores se organizava m em associações
astrónomos árabes tentaram m odi fica r o pri m eiro sis tem a . int rod u 1ind o vo lu nt,lrins t:h.imadns de universitns, um termo que origin almente não tinha
mais esft:'ras pa ra m elhora r o acord o com dados de observaç.:i o. O u tro:- Sl' qu,il qucr L'll11otnç,10 edu ca cional (a pa lavra universitas e m latim era ap licada
dedicaram ao sistem a d e Ptolom eu, fa zl'ndo algu ma s corre,;ões, com o deixa r nu período med ieval a corporações legais). Com o co rrer d o tem po, o termo
que o::. epiciclos rolassem em torno d e seus d e tL'ren tes . A l~cms astrôn o m os 1111ivcrsidade passo u a d es igna r e:;pecificamente um a associação d e professores
islâm icos, corno Aver roes (lbn Rushd, 11 26-1198), q uestio na ram os m ode los e estu dan tes, d edicad os a propós itos educacion ais, cuja existência era reco-
geométricos que Pto lomeu in ventara, alegan do qu e elt:' n ão Sl:' c1 t:ivera próxi - n hecida pela au toridad e eclesiás tica ou civil. As primeiras universidades sur-
mo da filosofia aristotélica, especialmen te em re lação ao m ovi m ento circular giram gradualmente, m as é com um associar a fundação da Universidade d e
unifonne. Os árabes desenvolveram a trigonome tria esférica, incluindo o Bolonha ao ano 1150, Paris a 1200 e Oxford a 1220.
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As primeiras urúversidades não tinham prédios permanent~s, o q~_e Essa tentativa para harmonizar a razão co fé
. . . m a ' ou para fazer a Fi-
permitia que fossem deslocadas de um local para outro com rela~va fac1h- losofia servrr aos interesses da Teologia passou h
. . . . , a ser c amada de Escolás-
dade. Em geral, tinham uma escola de artes liberais e uma ou mais faculda- nca. Historicamente pode ser vista como a coroa - d Fil .
. çao a osofia que fora
des com finalidade profissional (Direito, Medicina ou Teologia). De início o preparada pelos platorustas de Santo Agostinho e 1 d . .
pe as emais figuras do
estudante dedicava quatro ou cinco anos ao estudo do Trivium (Gramática, pensamento da Idade Média Alta bem como da ren
' ascença carolíngia A
Retórica, Lógica). Se o estudante fosse aprovado em um exame final recebia evolução do pensamento escolástico se processou em to d _ ·
• • 11 • • mo a questao dos
0 grau de bacharel em artes. Para conquistar um grau superior, como o de uruversa1s . Os chamados nommahstas afirmavam que
11
• .
os uruversais ou
mestre em Artes, doutor em Direito ou Medicina, precisava estudar ainda conceitos abstratos, não eram meras palavras mas tinham . ~' .
' uma ex1stenaa
mais. Para obter o grau de mestre em Artes tinha que estudar de três a quatro própria, real e independente. Alguns filósofos, por outro lado, sob a influên-
anos O Quatrivium. Algumas vezes o currículo de artes era complementado ci~ d~ Arist~teles, afirmavam que o Universo não era uma entidade capaz de
com Filosofia Moral, Filosofia Natural e Metafísica. Para o grau de doutor existir em s1 mesma, mas era meramente a essência do obi·eto em pam·cu1 ar.
era exigida uma formação mais especializada, sendo um dos pré-requisitos Essa doutrina é conhecida como realismo moderado. A Escolástica teve seu
o estudo de Artes. As universidades possuíam total independência acadê- auge no séc XIII, sobretudo em conseqüência dos trabalhos de Alberto Mag-
mica e os professores tinham liberdade de expressão e pensamento, mas a no e São Tomás de Aquino.
Filosofia de Aristóteles era a parte central do currículo. As universidades não O primeiro a oferecer uma interpretação compreensível da Filosofia
eram controladas pela Igreja, mas os professores eram predominantemente de Aristóteles para o mundo cristão foi Alberto Magno (1200-1280) nascido
ligados a ela. Como resultado a Teologia tinha um destaque especial. Aos na Alemanha, educado em Colônia e Pádua. Complementou os textos de
poucos elas se tornaram instituições conservadoras, preservando a ênfase Aristóteles em assuntos que achava que haviam sido tratados de maneira
na pesquisa religiosa e resistindo à introdução de doutrinas não ortodoxas. superficial, corrigindo aquilo que julgava estar errado. Sua obra inclui mais
Devido à diversidade dos eruditos as aulas eram ministradas em latim. de vinte volumes sobre os mais diversos assuntos. É dele a afirmação de que
A Europa redescobriu Aristóteles através de traduções árabes, e do Deus é a causa de tudo, mas trabalha através de causas naturais e é dever do
séc XII ao séc XVI a Filosofia dominante mudou de Platão para Aristóte- filósofo estudar essas causas. Tentou fundamentar suas conclusões na razão
les. Surgiu uma atitude positiva diante da Natureza, um renascimento do e na experiência, afirmando que a ciência natural não é conhecimento rece-
pensamento científico. No entanto, algumas idéias e opiniões de Aristóte- bido dos outros, mas a investigação das causas dos fenômenos naturais. O
les estavam em conflito com a doutrina cristã. A crença de Aristóteles em trabalho de Alberto foi continuado por seu disápulo Tomás de Aquino.
um cosmo eterno negava o ato criativo de Deus. O Deus de Aristóteles Tomás de Aquino, considerado a mente filosófica mais refinada da Eu-
movia o mundo, mas não intervinha em nada, não havia lugar para mi- ropa desde Santo Agostinho, nasceu perto de Aquino em 1225. Sua filosofia,
lagres. A idéia aristotélica de que a alma não sobrevivia ao corpo estava mais tarde chamada de tomismo, foi logo adota-
em confronto com a crença fundamental cristã da imortalidade da alma. da pela igreja e tomou-se a autoridade intelectual
O rigor nos debates filosóficos, estimulado pelas idéias aristotélicas, era máxima. Em sua obra principal, Summa Theologi-
uma ameaça para os conservadores. Surgiram vários debates entre os in- ca, tentou conciliar a filosofia de Aristóteles com
telectuais. A lógica de Aristóteles era atrativa, o conteúdo de seus textos a doutrina da igreja. Ele repetiu o argumento do
era vasto, abrangendo Psicologia, Meteorologia, Biologia etc. e explicava Primeiro Motor associando a idéia de uma Causa
de uma maneira racional o funcionamento do Universo. O problema não primeira com Deus (a causa última das coisas). Tal
era refutar os seus ensinamentos mas colocá-los de uma forma compatível argumento foi prontamente aceito pela Igreja, pois
com a teologia cristã. Os defensores de Aristóteles alegavam que a Filoso- a prova aristotélica da existência de Deus dava su-
fia pagã era um instrumento a ser usado para o benefício da religião e a porte intelectual à sua doutrina. Sobre a eternida-
ciência foi colocada como serva da Teologia. de do mundo ele afirmou que não é contraditório Tomás de Aquino
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cadeia que excitava sucessivamente as partes c .
dizer que Universo foi criado (isto é, depende de um poder criativo divi-
O - onsecutívas do meio · Por
. - .
exemplo, a atraçao de um pedaço de ferro por u m ima
no para sua ex1·stência) ,
mas no entanto' existe . que a
. eternamente. Escreveu , . . - . .
era explicada 1
. pe ª
cmsas que noção de especie: o 1ma ativava na vizinhança uma speczes magnetzca que e _
origem do nosso conhecimento está nos sentidos, mesmo para as , .
unir- . _ s
palhava atraves do meio até o ferro fazendo-o se com o una e assim
transcendem os sentidos. . . _
dando ongem ao seu moV1mento. Da mesma forma ele exp1icava .
Tomás rejeitou O argumento ontológico (ontologia é o estudo das caracte- . . .
d. .
a açao da
g ravidade.. Talvez.influencia do pela doutrina aristotélic
tisticas básicas da realidade), formulado pouco mais de um século antes de seu . _ ª que 121a que o fí-
sico devena classificar e nao medir, Bacon pensava qual·t ti
1 a vamente e nao
_
nascimento por Santo Anselmo, que afirmava que a idéia de Deus é a maior que . . . ,
quan titativam.ente. Segundo o filosofo inglês Alfred Whitehea d, por essa ra-
podemos conceber. Se essa idéia não existe, deve haver urna idéia ainda maior
zão, Bacon deixou de ser um dos fundadores da ciência moderna.
que também inclua o atributo da existência. Assim, a maior de todas as idéias
Em 1277 um concílio religioso em Paris, presidido pelo bispo Etienne
deve existir, do contrário urna idéia ainda maior seria possível.
Tempier, condenou várias teses de Aristóteles, incluindo a visão de que um
Tomás refutou a idéia do vácuo com o mesmo argument o usado por
vácuo é impossível, que Deus não poderia criar universos adicionais e nem
Aristóteles: um corpo colocado em movimen to no vácuo continuaria a se
mover os corpos celestes em linhas retas. O concílio concluiu que Deus pode-
mover indefinidamente. Mas disse que isso seria possível em um vácuo hi-
ria fazer qualquer coisa que quisesse desde que não envolvesse uma contra-
potético. Ao contrário de Aristóteles, afirmou que o movimento no vácuo
exigiria um tempo não nulo, pois para ir de um ponto a outro o corpo de- dição lógica. Atendo-s e ao poder supremo de Deus, os escolásticos procura-
veria percorrer a distância interveniente. Acreditava, todavia, que mesmo ram demonstr ar que alternativas para uma grande variedade de explicações
um movimento no vácuo exigia a ação de uma força e de uma resistência. A físicas de Aristóteles eram logicamente possíveis, e a posição dominante do
resistência era fornecida pelo corpus quantum ou tamanho ou dimensão do sistema aristotélico não foi seriamente enfraquecida. A real importância des-
corpo. Mas urna vez colocado em movimento no vácuo o corpo continuaria se edito para o desenvol vimento da ciência medieval é um tema que conti-
nua em debate até hoje.
a se mover para sempre.
Roger Bacon (1220-1292), filósofo franciscano e reformador educacio- No final do séc XIV a escolástica entrou em sua fase de decadência,
nal, negou que tanto a razão como a autoridad e pudessem fornecer conhe- marcada por discussõe s estéreis e problemas secundários. O formalismo
cimentos válidos, a não ser quando baseados na pesquisa experimental. Fez dialético levou o pensamen to, negativamente para o misticismo, ou po-
trabalhos importantes em óptica relacionados com lentes de aumento. Foi sitivamen te para o lançamen to das bases do progresso científico da Re-
o primeiro a usar explicitamente a expressão leis da Natureza no seu sentido nascença. Um nome de destaque desse período é Guilherme de Ockham
moderno, quando falou de leis de reflexão e refração. Usou o termo lei para (1285-1347), frade franciscano inglês. Ele fez a separação entre Filosofia e
descrever regularidades na Natureza da maneira como hoje o fazemos. Se- Teologia, mostrand o que a Teologia não é ciência, já que as proposições
gundo Bacon, todo ser finito era composto de matéria e forma. Os objetos do teológicas depende m de premissas sustentadas apenas pela fé. Devido ao
Universo, embora distintos uns dos outros quanto às suas substâncias, eram seu radicalism o na crítica dos dogmas da filosofia aristotélica, foi forçado
unidos em uma rede imensa de ações e reações recíprocas. Para explicar a a deixar a universid ade sem obter o grau de mestre em Teologia. Seu fa-
propagação dessas "forças" usou o termo "espécies", um conceito obscuro moso princípio non sunt multiplicanda entia praeter necessitatem, isto é, as
que não chegou a ter uma definição precisa. Ele afirmou que a espécie não necessida des não devem ser multiplicadas além da necessidade, passou a
era emitida pelo agente, pois se o fosse o agente seria eventualm ente consu- ser conhecid o como "a navalha de Ockham", ou lei da economia . Este prin-
mido pela emissão. O agente excitava a atividade potencial do meio entre ele cipio foi usado, desde então, por vários físicos quando afirmam que as leis
e o paciente, e finalmente a atividade potencial do paciente. O agente atua- da natureza devem ser as mais simples possíveis e que devemos preferir
va naquela parte do meio que era adjacente a ele e esta parte, por sua vez, as hipóteses ou teorias mais simples. Ockham parece ter sido o primeiro a
transmitia a espécie pela estimulação da energia latente das partes adjacen- fazer a distinção entre cinemática e dinâmica. C1iticou a idéia de que "tudo
tes e assim por diante. A transmissão da força era uma espécie de reação em que se move é movido por uma outra coisa".
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Ockham estava co nvencido de que todo conhecimento é obtido a par- (Te rnl de que tod o fogo é quente é 1·ustifi ··d a.Para
" . . ca
ele corno pnra muitos outros, os princt'p 10s · . .
tir da experiência através da "cognição indutiva". De tal percepção direta ' , . _ gerais
podia-se sa ber se alguma coisa existia ou não_. Nenhuma demonstr_aç~o ~e obtidos a traves da mduçao eram fundamet1t .
. ., . arn para
fazia necessária e nenhuma podia ser produ zida para mostrar a extstenc1a 0 desenvolvimento da c1enc1a. Burida.n, com oou tros

de algo percebido dessa maneira. Para ele a certeza psicológica era indistin- escolásticos, acreditava que diferentes ht"póteses ou
güível da certeza baseada em evidências objetivas adquiridas através dos explicações podiam explicar igualmente bem (sal-
sentidos. Afirmou que o conhecimento de uma coisa não nos permite inferir var as aparências) um dado fenômeno físico. Em tal
a ex istência de qualquer outra coisa. Ele não via justificativa para inferências caso, a realidade física não era uma exigência para 0
a partir de experiências para aquilo que transcendesse a experiência. Essas mecanismo da explicação. Buridan criticou a teoria
idéias, em conjunção com a convicção de que o que não é observável não é de movimento de projéteis de Aristóteles dizendo
Nicolau de Cuso
real, caracterizaram sua filosofia como empiricismo radical. que se o ar fosse o responsável pelo movimento seria
Movimento, que Ockham definiu como um objeto tendo existências suces- mais fácil colocar urna pena em movimento do que uma pedra, mas o fato é
_ . .
sivas em lugares diferentes sem repouso intermediário, não era uma realidade que nao consegmmos Jogar uma pena tão longe quanto uma pedra.
Nicolau de Cusa (1401-1464), cardeal alemão, prefe nu · .
separada do corpo que se movia. Como o movimento não era um efeito desvin- . . . o neop1atonISmo
ao anstotehsmo. Acreditava que o Universo não tinha een tro e nem hm1- . .
culado do corpo, ele não requeria uma causa, fosse do meio, fosse de urna força
tes (não era infinito, e sim, não terminado) Para ele a ..,,erra - t
aplicada. A idéia de Ockham é um passo importante para se chegar ao princípio . · , 1' nao es ava no
da inércia, pois se o movimento não requer urna causa, urna vez que ele exis- centro do Uruverso nem em repouso. Afirmou que lugar e mov1men · t -
o nao
ta ele poderá continuar para sempre. Ockham refutou também o conceito de eram absolutos, pois dependiam do observador. Negava que a Terra, a Lua
espécie de Bacon e reconheceu explicitamente a idéia de ação à distância para e os planetas se moviam em drculos perfeitos ou com velocidade uniforme
a gravidade. Rejeitando o princípio aristotélico do contato imediato entre ob- e estava convencido de que os planetas eram feitos da mesma matéria que a
jeto motor e objeto movido, ele sugeriu que urna símulta vírtualis era suficiente Terra, mas negava a possibilidade de um tratamento matemático da nature-
para manter a continuação do movimento do objeto movido afastado do objeto za. Para os alquimistas, "peso" era uma propriedade acidental da matéria:
motor, como era o caso da atração entre dois imãs. A influência de Ockham no um aumento de peso não era necessariamente associado com um aumento
clima intelectual do séc XIV foi profunda e duradoura, produzindo uma ten- adicional de matéria. Contrariando esse ponto de vista, Cusa viu no ato de
dência de aceitar o empiricismo como o fundan1ento de qualquer conhecimento pesar (usando uma balança) o método mais confiável em pesquisa.
verdadeiro. Pela ênfase no rigor lógico sem fazer exigências sobre implicações No final da Idade Média algumas das mentes mais criativas da Eu-
reais, ele encorajou uma tendência para a imaginação de todo tipo de possibili- ropa estavam abandonando o aristotelismo e aderindo a novas manei-
dades sem levar em conta a realidade física. Nicolau de Aub:ecourt, o mais pro- ras de pensar. A filosofia de Aristóteles, nas suas várias interpretações,
eminente e radical seguidor de Ockham, rejeitou o aristotelismo como inimigo co ntinuou a ser ensinada nas universidades, mas ela havia perdid o sua
da fé cristã, dizendo que todas as conclusões da filosofia natural de Aristóteles vitalidade e criatividade.
eram indemonsb·áveis, e portanto, inconclusivas. Ele defendeu o atomismo dos
antigos gregos como uma explicação mais adequada para o Universo.
Jean Burida.n (1300-1358), filósofo, professor na Universidade de Paris e A cosmologia medieval
discípulo de Ockham, apoiou a ênfase no empiricismo, mas discordou de que
o conhecimento adquirido indutivamente a partir de observações e da expe- Aristóteles havia pro posto uma Terra estacionária e essa idéia era aceitJ
riência não podia fornecer uma certeza inteiramente adequada para as exi- sem contestação, mas surgiram discussões filosóficas sobre a possibilidade
gências da ciência nah1ral. Disse explicitamente que se pela experiênàa não de um movimento rotacional da Terra. A vantagem de tal movimento era
conseguimos descobrir um exemplo em que o fogo não é quente, a afirmação eliminar a necessidade do movimento de rotação diário das esferas celestes.
Evolução das idéias da Física A Física na Idade Média
70 - - - - - -- - -- - - -
- - -- -- -- - - - - 71

Jean Buridan lembrou que os astrônomos observam movimentos relativos -


Sobre a afirmação de que se a Terra o-irasse h avena
o· um vento forte
.
em vez de absolutos, e que um possível movimento rotacional da Terra não contra-argumentou dizendo que o ar girava com a 1 erra. A s1tuaçao
. _ '
, , era
mudaria os cálculos astronômicos. Disse que não perceberíamos um movi- analoga a de uma pessoa em uma _cabine fechada e rn um navio .
. . em mo-
mento rotacional da Terra da mesma forma que uma pessoa em um navio em vimento. Mas no final, Oresme aceitou a visão tradicion aJ d e uma Terra
. , . .
movimento, ao passar por outro navio em repouso, não poderia dizer qual estacionana, dizendo que esta era a vontade de Deus · É bom Iem brar que
navio está em repouso e qual está em movimento. A afirmação de que a Terra naquela época não existia nenhuma prova de que a Terra es ti. vesse em mo-
está em repouso ou movimento não poderia, portanto, ser feita apenas a par- vimento. Mostrar que ela poderia estar girando não excluía a possibilidade
tir de observações celestes, mas sim usando argumentos físicos. Em seguida de ela estar estacionária.
diz que, ao lançarmos uma pedra para cima em uma Terra em movimento, a
pedra não volta ao ponto de lançamento, pois enquanto ela está no ar a Terra
terá se deslocado sob ela. Como uma pedra sempre retoma ao ponto de par- O estudo do movimento na Idade Média
tida, podemos afirmar que a Terra não se move.
Alguns anos mais tarde, Nicolau de Oresme (1325-1382), bispo cató- As teorias do movimento na idade média eram uma mistura de concei-
lico, economista e matemático, refutou o argumento de Buridan, usando tos. A própria idéia de movimento era bastante complicada, levando a várias
o mesmo argumento do movimento relativo de navios. Ele disse que em discussões. Alguns acreditavam que o "movimento" não era uma coisa se-
uma Terra girando, enquanto a pedra está se movendo verticalmente para parada do corpo que se movia, mas apenas o corpo e os lugares sucessivos
cima e depois, verticalmente para baixo, ela também está se movendo ho- que ele ocupava. Outros sustentavam que existia algo mais, inerente ao cor-
rizontalmente. Assim, a pedra tem dois movimentos simultâneos, vertical po que se deslocava, chamado de movimento. Lembremos que Aristóteles e
e horizontalmente circular e permanece sempre acima do local de onde foi seus seguidores consideravam o movimento como um dos quatro tipos de
lançada. Ilustrou esse argumento com um exemplo em um navio similar ao mudanças e esperavam que a análise do mesmo seguisse as regras para as
que Galileu usaria anos mais tarde. mudanças em geral. Buridan rejeitava a teoria de Aristóteles de movimento
de um projétil, argumentando que se fosse verdade que o ar escorresse para
Se um homem estivesse em um navio movendo-se rapidamente a parte de trás do projétil, uma lança pontiaguda em ambas as extremidades
na direção leste sem saber do movimento, e se ele deslizasse se deteria antes de outra.
sua mão em uma linha reta para baixo ao longo do mastro, Uma análise mais quantitativa do movimento teve início no séc XIV
pareceria para ele que sua mão estaria se movendo em um com um grupo de filósofos e matemáticos do Colégio de Merton, em
movimento retilíneo; assim, de acordo com essa opinião, parece- Oxford. Eles começaram fazendo uma distinção entre Cinemática e Dinâ-
nos que a mesma coisa acontece com uma flecha que é lançada mica, afirmando que o movimento poderia ser estudado tanto do ponto
diretamente para baixo ou para cima. Dentro do navio pode de vista da causa quanto do efeito. A partir daí desenvolveram os funda-
haver todo tipo de movimento - horizontal, em zigue-zague, mentos para tratar da Cinemática. Apresentaram a idéia de velocidade
para cima, para baixo, em todas as direções - e eles parecem como um conceito ao qual podemos atribuir um valor numérico (mas a
ser exatamente o mesmo daqueles em que o navio estivesse em velocidade foi tratada como um conceito escalar), distinguiram veloci-
repouso. Então, se um homem nesse navio caminhasse para oeste dade de velocidade instantânea e definiram movimento uniforme (mo-
menos rapidamente do que o navio estivesse se movendo para vimento com velocidade constante) e uniformemente disforme (unifor-
o leste, pareceria para ele como se estivesse se movendo para miter disformis), que é O movimento uniformemente acelerado. William
o oeste quando na verdade estaria se movendo para o leste, e Heytesburg (1313-1372) do Colégio de Merton definiu com precisão 0
similarmente como no caso precedente, todos os movimentos movimento uniformemente acelerado como aquele em que se adquirem
pareceriam o mesmo como se a Terra estivesse em repouso 1• incrementas iguais de velocidade em períodos iguais de tempo. Definiu ª
Evolução das idéias da Física A Física na Idade Média
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. . t' de maneira análoga àquela que faria Galileu três conceitua i imaginár io de uma gradação·, um modo d e me d1- - e, apre-
. 1a nao
velocidade mstan anea
séculos mais tarde. . se ntad_o. :ara entender b~m o conceito aristotélico envolvido, pensemo s
· cei·to abstrato de velocidade como uma medida de na vanaçao de uma qualidad e como o amadurec imento de uma fruta. A
Como surgiu o con
movimento? Lindberg responde: técnica descrita acima seria equivalen te a represent ar graus de amadure-
cimento ao longo de uma vertical sem haver estabelecido uma unidade
A idéia fundamental era que qualidades ou formas de medida. A intensida de de uma velocidade aumentav a com a rapidez
podiam existir em vários graus ou intensida~es : da mesma forma como o avermelh amento de uma maçã aumentav a com
não existe um grau único para quente ou fno, mas uma o amadurec imento.
variação de intensidade, ou grau, indo do muito frio ao
muito quente. Além disso, foi reconhecido que formas ou
,
1

1
Figura 2. 1.
qualidades podiam variar do mesmo modo; isto é, elas 1 Temperatura ao longo de
podiam ser intensificadas ou enfraquecidas . Quando essa uma borro aquecido
discussão geral de qualidades e suas variações foi transferida
para o caso particular do movimento local a idéia de
velocidade apareceu 2 . A B e D E F

Um progresso considerável aconteceu com as representações geomé-


Figura 2.2.
tricas de "qualidades". Uma análise bem elaborada foi apresenta da por
Movimento retilíneo
Oresme, que usou segmentos de retas para represent ar a intensida de de V
uniforme.
uma dada qualidade. Ele começou com o estudo da intensida de de uma
qualidade em um ponto de um objeto. Consideremos, por exemplo, uma
barra aquecida AF (figura 2.1) tal que a temperat ura aumente uniforme - A tempo B
mente de uma ex tremidade à outra. A linha horizonta l represent a o objeto
e o segmento vertical, em cada ponto na figura, represent a a "intensid ade
Figura 2.3.
do calor" naquele ponto. Consideremos agora um corpo em movimen to Movimento retilíneo
com uma velocidade que varia no tempo. A linha horizonta l neste caso, uniformemente acelerado
V

explicou Oresme, é a duração do movimento e a velocidad e é represent a-


da na vertical.
A velocidade uniforme é represent ada por uma figura onde todos os A tempo B
segmentos verticais são do mesmo comprim ento (figura 2.2). Na figura
2.3 temos um movimento uniformemente acelerado. Oresme identifico u
Figura 2.4.
a "quantidade total" de movimento com a distância percorrid a, que no G
Diagramo usado por Oresme
diagrama dele era representada pela área da figura. Note que a área não F
poro demonstrar o
era para ele igual à distância percorrida, mas uma medida da mesma. D teorema da velocidade médio
A velocidade como grandeza não tinha unidades . Somente a linha hori-
~ontal (o ~empo) é uma quantidad e no sentido métrico, enquanto que a
linha ver~cal _representa a intensidade de uma qualidad e, quer dizer, em A B e
-
graus de mais" ou de " menos,, • El a nao .
tem unidades , exceto no sentido
Evolução das idéias da Física
A Física na Idade Médio - - - -- - - - - - - -- - - - 75
74
d 0 por meios geométricos, o
trou em torno e 135 ' queda dos corpos e afirmou que a distância percorrida pelo corpo em que-
Oresme demons ' , . d M rton (considerado por alguns his-
1 d pelos sabios e e . . da poderia ser calculada a partir do tempo transcorrido usando o teorema
teorema formo a O .b . _ medievais mais importante para
a das contn wçoes . da velocidade média.
toriadores como um . po movendo-se com moVlffiento
, . F' . ) que diz que um cor
a historia da is1ca ' a distância em um dado tempo
lerado percorre a mesm
uniformemente ace .
e ele percorreria, caso se
movesse com movimento unifor-
, . O
Dinâmica
que aque 1a qu .d d ,d·a A demonstração e simples.
•d d ·gual à veloe1 a e me i ·
me e veloc1 a e i , d lo triângulo AGC na figura No séc VI Philoponus (como foi mencionado anteriormente) criticou
• eiro caso e representa o pe
movimento no pnm t EB O movimento no segundo fortemen te a idéia de movimento de Aristóteles. Ele refutou a afirmação
2 4 e sua velocidade média pelo segmen o . , d tr· A çmlo AGC de Aristóteles de que o tempo de queda de um corpo caindo através de
c~; o é re resentado pelo retângulo AFDC. Como a area . o , iano .
p d tA gulo AFDC e a distância percorrida e proporcional um meio é inversamente proporcional ao seu peso. Escreveu que um argu-
, · l - , rea o re an ,
e igua a a . D fi a 2 4 podemos demonstrar mento baseado em observações reais é muito mais efetivo do que qualquer
a, are
, a, o teorema fica demonstrado. a gur .
d. A · argumento verbal:
t bém outro teorema da escola de Merton, que diz que a istaricia per-
am 'd . . a metade de um movimento uniformemente acelerado
corn a na pnmeir , d Se deixarmos cair da mesma altura dois pesos, um dos quais
, . 1 a um terço da distância percorrida na segunda metade (a area ~
e igua •A AEB) o e o-eneralr- é muitas vezes mais pesado que o outro, veremos que a razão
uadrilátero BEGC é três vezes a área do triangu 1o . re~m o
;ou essa relação ao indicar que as distâncias percorridas em mtervalos de dos tempos necessários para eles chegarem ao chão não
. . . movimento uniformemente acelerado depende da razão dos pesos, mas a diferença em tempo é muito
tempos iguais, sucessivos, em um , d
estão entre si na razão 1:3:5, etc. (a série de números impares c~meçari o pequena. Assim, se a diferença nos pesos não é grande, isto é,
com 1), o que pode ser facilmente demonstrado considerando a area sobre se por exemplo um é o dobro do outro não haverá diferenca no
a curva em cada intervalo de tempo. Desse teorema segue-se um resultado tempo, ou ela será imperceptível, emb~ra a diferença nos ;esos
importante. Consideremos cada segmento AB, BC, ... (no eixo_~o tempo e não se;a desprezível quando um corpo pesa o dobro do outro 3 .
estendendo a figura 2.4) como igual à unidade de tempo, e o tnarigulo AEB
como unidade de distância. No primeiro irltervalo de tempo temos, por de- Philoponus rejeitou também a idéia de Aristóteles de que um meio po-
fini ção, t = 1, d = 1. No segundo mtervalo t = 2, d = 4 (a so~a ~as _áreas nos dia ao mesmo tempo su stentar e resistir ao movimento de um projétil, dizen-
dois intervalos), no terceiro t = 3, d = 9, mostrando que a distarioa percor- do que o movimento complicado exigido do ar para que isso acontecesse era
rida é proporcional ao quadrado do tempo. Outra contribuição de Oresme altamente improvável. Em seguida, comentou que não era o ar que fornecia
foi a distinção entre velocidade lirlear e velocidade angular. Escreveu que a força motora para o projétil, pois se isto fosse o caso não seria necessário
em um movimento circular a velocidade lirlear mede-se pela distância li- que a pedra estivesse em contato com a mão, ou a flecha com a corda do arco.
near que o corpo percorre, mas a velocidade rotacional indica-se mediante Propôs a idéia de que todo movimento, natural ou forçado, é o resultado de
os ângulos descritos ao redor do centro do movimento. motores internos. Ele afirmou que quando um projétil é lançado, um "poder
Os filósofos medievais lidavam com os problemas relacionados ao motor incorpóreo", algumas vezes denominado virtus impressa, é comuni-
movimento de uma maneira hipotética, sem fazer qualquer tentativa para cado a ele fazendo com que ele continue em movimento. Este "poder" não
relacioná-los com movimentos reais na Natureza. Mas é justo dizer que persiste indefinidamente, diminuindo gradualmente mesmo no vácuo. Ele
naquela época seria muito difícil, por exemplo, determinar experimen- é destruído também pela resistência do meio e pela tendência natural do
talmente se um dado movimento era uniformemente acelerado ou não. corpo. Em resumo, Philoponus substituiu a força motora devida ao ar am-
No entanto, nos meados do séc XVI o espanhol Domingo de Soto (1494- biente, proposta por Aristóteles, por uma força motora interna comunicada
1570) associou o conceito de movimento uniformemente acelerado com a originalmente ao corpo pelo agente que o colocou em movimento. Como o
Evolução das idéias da Física
76 - - - - - - --
A Física na Idade Média
---- - - - -- - -- - - - - - - - - - 77

. . d Fl · e hen chamou a atenção ontologicamente os dois concei-


histona or ons o ' . mou que o impetus de um corpo era proporcional à velocidade deste e à sua
- total desacordo um com o outro: um exphca algo para o qual o quantidade de matéria. Mas o impetus era a causa do movimento e não uma
toses tao em
outro nega a necessidade de uma explicação. . medida do mesmo. Buridan pensava que o impetus era de natureza per-
Avicena (980-1037) apresentou a idéia de uma força impressa que de- manente e só se corrompia pela interferência de outras forças ou devido à
pendia do peso do corpo no qual atuava. Em sua te~ria'. essa_ f~rça resiste a resistência externa. Relacionou o processo ao calor ganho por um atiçador
mudanças no estado de movimento do corpo e persiste mdefirudamente no colocado no fogo. Quando o atiçador é removido do fogo ele retém alguma
vácuo, mas como um movimento que dura para sempre não existe na Na- coisa que o mantém quente. Lentamente o que quer que tenha sido adqui-
tureza, concluiu que o vácuo não existia. Avempace (Ibn Bajja- 1106-1138) rido do fogo se exaure e o atiçador esfria. Ele supôs que, se toda resistência
filósofo árabe espanhol, defendeu as idéias de Philoponus e refutou a afir- ao movimento pudesse ser removida, um corpo colocado em movimento
mação de Aristóteles de que o tempo de queda de um corpo é diretamen- se moveria indefinidamente e, presumivelmente, em uma linha reta com
te proporcional à densidade e, portanto, à resistência do meio através do velocidade uniforme. Essa idéia lhe pareceu absurda em um Universo qu e
qual ele cai. Disse que essa afirmação seria verdadeira somente se o tempo ele acreditava finito, levando-o a negar a possibilidade de movimento no
necessário para um objeto se deslocar de um ponto a outro fosse devido vácuo. Para ele, um corpo em queda livre estava sobre a influência da gra-
somente à capacidade resistiva do meio interveniente. Mas Aristóteles, por vidade e do impetus:
outro lado, havia observado que planetas e estrelas, da mesma forma que
os corpos terrestres, não se deslocam instantaneamente de um ponto a ou- No começo, somente a gravidade provoca o movimento;
tro. Porém ele havia dito que os corpos celestes se movem sem esforço mas logo imprime um impetus ao corpo. Então, o movimento é
através do éter que não oferece qualquer resistência. Era, portanto, óbvio causado pelo impetus ;untamente com a gravidade.
que velocidades planetárias diferentes podiam ocorrer sem a existência da É assim que o movimento se acelera e, à medida que aumenta
resistência ativa de um meio. Avempace concluiu que não somente a re- a velocidade, o impetus se torna mais intenso4 .
sistência de um meio era desnecessária para a ocorrência do movimento,
como sua única função era retardá-lo. Notemos que o impetus difere fundamentalmente da inércia como ex-
A idéia de uma força impressa para explicar o.movimento de projéteis plicação para o movimento de um projétil depois que ele é arremessado,
foi rejeitada por vários filósofos, entre eles os do Colégio de Merton, que pois o impetus era uma força motriz interna comunicada originalmente ao
argumentavam que o meio deveria fornecer a "potência" para o movimen- corpo pelo agente que o colocou em movimento. Para Budidan o impetus
to do projétil. A teoria foi retomada em 1320 por Francisco de Marchia, que também se aplicava ao movimento circular (usou a rotação de uma pedra
propôs uma versão na qual a força impressa incorpórea, ou virtus derelicta de moinho para ilustrar a permanência dessa força). Aplicou a idéia à dinâ-
como ele a chamou, era uma força temporária e auto-dissipativa capaz de mica celeste, afirmando que a causa do movimento no céu é um impetus que
mover um corpo contrariamente à sua inclinação natural. Nesse processo Deus impôs em cada uma das esferas celestes ao criar o mundo. O impeh6,
o ar continuava a exercer um papel subsidiário, pois quando um corpo era nesse caso, não diminui, segundo ele, porque não há resis tência capaz de
colocado em movimento o ar em torno, segundo ele, recebia também uma corrompê-lo. Ao ser aplicado ao movimento dos planetas o impetus for-
força impressa que ajudaria no movimento do corpo. Os trabalhos desse neceu um elo entre a dinâmica terrestre e a dinâmica celeste, tomando-se
autor podem ter influenciado Buridan, que apresentou uma teoria mais Buridan, nesse sentido, um predecessor de Copérnico e Galileu. Segundo
elaborada segundo a qual o projetante transfere ao projétil uma qualida- alguns historiadores a teoria do impetus - embora incorreta - representou
de permanente, que ele chamou de impetus e que era a responsável pela o primeiro passo na história da revolução científica . Discípulo de Buridan
continuação do movimento do projétil ao longo da direção imposta sobre Alberto da Saxônia aceitou essa idéia corno urna "força" auto sustentada e
ele de início. De certa forma, o impetus podia ser considerado como uma também a teoria do impetus circular. No caso de um corpo em queda obser-
internalização da força motora que Aristóteles tomara como externa. Afir- vou, no entanto, que a resistência, aumentando mais rapidamente do que
Evolução das idéias da Física A Física na Idade Médio
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.. . .tava a velocidade do corpo. Foi ele, aparen- cairiam no vácuo com velocidades iguais Is
0 impetus era adqumdo, hnu d · · tu·t· · so porque unid d d
d' stinção embora e maneira m I iva, téria em um corpo composto homogêneo s- 1'dê .
ao nticas um ,
ª es e ma-
t ente o primeiro a fa zer uma 1 ' A

em ' C tando a tese de Aristóteles, propos que era ortanto, cada unidade de matéria tem a m _ as as outras e,
entre massa e peso. omp1emen d U . P esma razao entre 1
. d qu e aspirava alcançar o centro o m- esados e elementos leves (ou se1·a a mesma _ e ementos
o centro de graV1dade e um corp O , . P ' razao entre a f
. d l ornem caminha na superhc1e da Terra sua a resistência interna). orça motora e
verso. Disse que quan um 1° ,
Pelo que se sabe, Bradwardine foi O prim · f
cabeça move-se mais rapidamente do que seus pes. . . e1ro a azer uma an T1
. trabalho de Buridan, mas acreditava que o tmpe- temática detalhada do movimento, isto é procu _ ª se ma-
Oresme con tmuou o . • A • ' rar uma relaçao d' A •

· · n1o e dependia da aceleração e da velocidade do entre força, res1stenc1a e velocidade. Enquanto . , marruca
tus se consuffila por si mes . • A • que para Anstoteles a natu-
corpo. Mesmo os adeptos da teoria do impetus acreditavam, p~rém, ~ue u~ reza da resistencia era algo obscuro, os escolásf , .
. icos a consideravam como
·, il · 1· ha reta até que essa força tivesse exaundo, e so entao uma força. Bradwardme começou dando uma f _
proiet se movia em m . . , . ormu1açao matemática a
cada uma das alternativas então existentes e refut d d
.
se encurvava iap1 'damente caindo verticalmente para o solo. No final do sec
-
chamando a atençao para as conseqüências absu d
°
an ca a uma delas
. . . '
XIV Blasius de Parma, estudando choques de corpos, rejeitou a teoria do . r as e mace1táve1s. Ex-
impetus e falou da persistência do movimento: p ressou
. .
essas alternativas em palavras ou em term d
. '
-
os e razoes, mas por
simplicidade vou usar aqui a notação moderna rn·m · 1 . h _
. , . · eiro e e tm a a versao
E isto é evidente porque quando um corpo pesado encontra de Anstoteles de que a velocidade era proporcional , . -
a razao entre a força
um corpo rígido e rebate em uma direção contrária, aplicada e a resistência do meio:
uma qualidade tal como o movimento não pode ser
destruída instantaneamente5 . [ vaF/~

Como elementos leves e pesados, acreditava-se, deviam mover-se Mas essa relação não fornece v = O quando a força e' 1gua
· 1ou menor
por suas próprias naturezas em sentidos opostos, e como havia surgido a que a resistência. Ela prevê movimento para F -- R, O que é absurd o. "vemos
prática de designar graus a cada um dos elementos (terra, água, ar e fogo) também que a velocidade fica infinitamente grande quando a resistência é
em um corpo composto, chegou-se à idéia de que peso e leveza eram redu zida a zero (lembremos que Aristóteles usou es te argumento como pro-
força s atuando em sentidos contrários, ou seja, qualidades dentro de um va da inexistência do vácuo).
mesmo corpo composto. A qualidade com o número maior de graus era, Philoponus havia feito uma revisão da formulação aristotélica, sugerin-
portanto, designada de força motri z e sua oposta de resistência interna. do que a velocidade deveria estar relacionada com a diferença entre a força e
Na queda de um corpo, peso e leveza funcionavam como força motriz e a resistência e não ao seu quociente, isto é:
resistência inte rn a respectivamente. No movimento para cima os papéis
eram invertjdos. Se doi s corpos compostos eram comparados tais que em [ va(F~
um o peso excedesse à leveza de seis para doi s e em outro de seis para
quatro, era razoável supor qu e o corpo com menor grau de leveza cairia Esta fo rmulação prevê corretamente que qu ando F "" R a velocidade é
com maior velocid ade. nula. Segu ndo essa concepção, a velocidade de um corpo no vácuo é dire-
Dentro do contexto da física medieval e restrito aos corpos compos- tamente proporciona l à força. Esta idéia foi aceita por Avcmpace e por São
tos, a resistência in tern a parecia se r a maneira mai s razoável d e justificar Tomás de Aquino. Mas essa form ulação não pode se r correta, Bradwardine
o movimento natural no vác uo. A partir daf um resultado interessante escreveu, pois e la con tradiz a afi rmação de Aristóteles de que dobrando a
foi deriv ado por Thom as Bra dwardine (1290-1343), matemático do Co- força e a resistênci a, a ve locid ade não muda. Havia uma te rceira alterna ti -
légio de Merton e arcebispo de Canterbury. Ele concluiu que dois cor- va proposta pelo fi\ósofo muçulmano Averroes (l bn Rushd, li 26-1198), que
pos homogêneos de tamanhos diferentes e, portanto de pesos diferentes, na ling ua ge m q ue es tou usand o fi cari a:
Evolução das idéias da Física
8 0 - - - - -- -- - - - A Física na Idade Média - - -- - - - -- - - - - - -- 81

Um :,arpo pesado é lançado mais longe com uma funda do que com
~ moo, por~ue, à medida que a funda gira, imprime-se ao corpo um
1mpetus mmor do que apenas com a mão. Quando o corpo deixa a
a qua 1, p Orém, apresenta também alguns problemas.
_ Bradwardine,
funda e move-se por si mesmo, segue uma frnietória tangencial na
buscando uma alternativa, procurou por uma relaçao tal que quando F = última revolução da funda .. . sob a influência do impetus adquirido6 .
R a velocidade seria nula (evitando assim uma fórmula em função de di-
ferenças aritméticas). A solução que encontrou foi que a razão F / R ~evia
aumen tar geometricamente à medida que a velocidade aumentasse antme- Conclusão
ticamente. Fez os cálculos usa ndo a linguagem complicada das proporções.
Em linguagem moderna diríamos que as razões F 1 / R, , F2 / ~ guardam Além do que foi apresentado neste capítulo, uns poucos outros filóso-
entre si a relação: fos fizeram trabalhos significativos relacionados com a Física na idade mé-
dia. Um dos mais originais foi Adelardo de Bath, no início do séc XII, que
escreveu sobre a natureza humana, Meteorologia, Astronomia, Botânica e
Zoologia e, no seu atomismo, afirmava a indestrntibilidade da matéria. No
ond e n = v / v 1 e FJF2 > 1. Podemos apresentar este resultado de uma início do séc XIV Theodoric de Freiberg propôs uma explicação para o arco
2
forma mais adequada (e modern a) escrevendo: íris, usando a idéia de reflexão e refração, que é próxima da teoria correta.
Houve progresso também na Astronomia. A partir do final do séc
r ~ = lo;ª (F/R) , ~: ~a = F~~~ ! XII, os conhecimentos astronômicos passaram a ser mais disseminados e
vários livros textos foram escritos. Alguns suplementavam o trabalho de
(o conceito de logaritmo foi inh·oduzido mais tarde por Nepier, no séc Ptolomeu com diagramas geométricos, mas a idéia central era sempre o
XVII). Vemos que quando F = R temos corre tamente v = O. Essa formulação geocentrismo. Em 1450, George Peurbach (1423-1462), um astrônomo ale-
de Bradwardine era bem mais complicada que as anteriores, e conquanto mão, escreveu um texto did á tico intitulado Nova Teoria dos Planetas (im-
mais sofis ti cada, não passava de uma simples formulação matemá tica sem presso em 1475) no qual apresentou um modelo simplificado da teoria
fazer uso de qualquer fato ex perimental. Por outro lado, a ambi güid ad e exis- de Ptolomeu . No lugar dos diagramas representando linhas geométricas,
tente nos termos "força" e "resistência" ainda não havia sid o resolvida. No apresentou esfe ras sólidas de espessuras finitas. O movimento do Sol em
entanto, segu ndo Max Jamme1~ a introdução da relação acima significou um um d efe rente se transformou no Sol d entro das paredes de uma esfera
passo importante para a au to consistência matemática da Mecânica . d efe re nte qu e, por sua vez, estava e mbebida e m uma esfera ma ior que
Para finali zar, é impor ta nte mencionar uma importante esco la ita lia- abrangia a Terra . Os planetas eram tratados usa nd o
na do séc XVI da qual fa ze m parte Niccolo Fo nt ana Tar tag li a e G iovan- técn icas similares, mas mais complicadas. Peu rbach
ni Bati sta Benedetti. O primeiro negava que um mes mo cor po pudesse acredi ta va que seu model o não era ape nas um dispo-
mover-se simu ltaneamente com mov imento néltura l (como o de queda) s itivo matemático, mas tinha rea lidade físi ca . O tra-
e violento (como a projeção), e o segundo, embora concebesse ess a pos-
ba lho de Peurbach foi contin uado por seu discípu lo
Johannes Mu e ller (:1436-'1476), m ais conhecido como
sibilid ade, afirmava qu e à medida que o i111pclus impresso pela p rojeção
Regiomon tano, ma te m ático, astrônomo prodígio e fi -
dimin uía, a gra vidade intervin ha gradu a lmente, mantendo a id éia de que
g ura ce ntra l no re nasc imento da Astronomi a. Regio-
q~ anto maior a ve locidad e confer ida pe la projeção tanto menor e ra a gra-
monta no publicou o livro Ep(lome do AlmaResto, que
vidade do co rpo projetado . Para expli car o movimento de uma pedra lan-
escrevera com Peu rbach, de onde Copérn ico tirou
çad a por um a funda , Benedetti substitu iu o impclus circular de Buridan
m uita coisa sem fazer re fe rê ncia. .Jo/mnnm, Mudlor
por um impelus retilín eo. Escreveu :
Evolução dos ioéios da Física
82 - -- - -- -- - - A Física na Idade Média
- - -- - - - - - - 83
Neste ponto se faz interessante a apresentação de um tema curioso do
em gera l careciam de formação maternáti AC .
' ca. osmolog1a d·
ponto de vista histórico. Quando astrônomos ~abes no séc IX comparar_am interessada na natureza do céu e nas ca . d . me ieva 1estava
suas observações com aquelas de Ptolomeu, fize ram duas descobertas im- usas os movimentos d
celestes, deixando os detalhes desses mo . os corpos
portantes: uma verdadeira a outra falsa. Primeiro, encontraram que a obli- v1mentos para os astrôn N
universidades, a Filosofia natural lidava co omos. as
ilidade da eclíptica era menor do que tinha sido antes. Segundo, verifica- m as causas e natureza d ·
e tinha um status superior ao da Astronon . "f' . as cmsas
;am que a taxa de precessão dos equinócios era m ais rápida. O fenôm eno da
. . 11a. 0 s 1s1cos" (ou melhor os
filósofos naturais) desconsideravam os con ·t . d '
ce1 os usa os pelos astrônomos
precessão vari ávet chamado de trepidação, ori ginou-se em erros de obser- e por sua vez os astrônomos ignoravam a co t·b·i ·d d '
, . . mpa 1 1 1 a e entre a Física e
vação, passados através d e gerações de astrônomos entre Ptolomeu e Copér- a matemahca do movimento dos astros rest · · d
. ' nngm o-se ao cálculo desses
nico. Copérn ico aceitou o fenômeno como verdadeiro e montou um meca- movimentos sem se preocuparem com as suas causas.
ni smo elaborado para ex plicá-lo (como veremos no capítulo seguinte). Tycho . A Matemática tinha um status ambíguo no meio acadêmico do séc XVI.
Brahe (de quem dou mais detalhes no próximo capítul o) foi o p riff1eiro a Fot levantada a questão se os métodos de prova geom ét 11ca .· po denam·
.. ser
perceber que os movimen tos complexos das estrelas fixas não eram reais, reconc1hados com os padrões aristotélicos de uma ciência demonstrativa.
mas advinham da falta de apreciação para os erros de observação. Um me- Aristóteles havia considerado o siloirismo corno ae fert·ae men ta d e rac1oc111.10
· , ·

cani smo foi proposto para exp licar essas mud anças. O astrônomo Thabit ibn ideal e a mais poderosa. Para muitos, uma disciplina que empregasse esse
Qurra envolveu a oitava esfera com uma nona esfera, que foi cham ada de modo de raciocínio era mais importante, mais confiável e de padrão mais
"primus mobile" . Lembremos que a esfera das estrela s fixa s, ou firmamento, elevado do que uma que não o fi zesse. Os detratores da Matemática como
era a oitava. O Sol, a Lua e os cinco planeta s conhecidos ocupavam as esferas uma ciência afirmavam que as demonstrações matemáticas não eram com-
inferiores. A nona esfera, na teo ria de Thabit, era a responsáve l pela rota- paráveis ao silogismo, pois em uma demonstração verdadeira, de acordo
ção diária do cosmos, cujo movimento ela comu ni cava às esferas inferiores. com Aristóteles, as premissas levam às causas próprias da conclusão. Os crí-
Thabit sugeriu que os equinócios (apare ntes) da oitava esfera moviam-se em ticos sustentavam que esse não era o caso com respeito a uma demonstração
círculos pequenos centrados nos eq uinócios (verdad eiros) da nona es fera. O geométrica e viam as demonstrações da geometria euclidiana como cons tru-
deito desse movimento oscilatório, ou I rcpid ação, era aum entar e dim inuir ções arbitrárias que não apresentavam qualquer conexão com as conclusões
alternativa mente o movimento de prccl'ssão da non a es fera. No séc XIII, a e que não atendiam aos padrões superiores da Filosofia natural.
precessão to tal desde o tempo dos anti gos gregos chegou a um va lo r gra n- A questão do legado d a ciência medieval para a ciência moderna é um
de o sufi cientl' para fazer do movirnl'nto proposto por Th abíl di fícil de ser tema de di scussão. Há os ciue consideram a Idade Média como um período
man tid o sem mudanças e un1.J precessão estacion ári a fo i propos ta. A super- de es tagnação científica e outros que dão um va lor exagerado à sua contri-
posição de um "movimento oscilatório" a um movimcn lo e'>tacionário para buiçfío. Lindbcrg 7 assume uma posição intermedi ,íria e aponta as que ele
frente dava ori gem à taxa de prccess.'õio vari áve l. Como na física ari.-, to lélica acredita são as contribuições medievais mais importantes. Primeiro, ele diz
um corpo pod ia ter somente um movinwnl o, a adi ção d e um a p recessão es- que os es tudiosos do período final d a Idade Média criaram uma tradi ção
tacionária exigia a introdução de um a d écim a esfcr,1. Assim, o mov imento intelec tu al, na ausência da qual o progresso ulteri or na Filosofia natura l seria
da oita va esfera era a trcpid aç5o, o d a nona a precessão e o da d écim a a rota- impossível. Em segundo lugar, d iz ele, os filósofos europeus procuraram en-
çã o diária . Posteriormente um a décim a primeira esfe ra, habitad a po r Deus e Lcnder o conteúd o do vasto co nhecimento filosófico ganho dos gregos e ára-
5C U ', eleito'>, fn i acrescent ada.
bes. Em terceiro, aponta o apoio intelectual das escolas e uni versidades que
É importante di zer que a A<;tronomi a li nh a cm ge ral pouca conexão surgiram naquela época . Em quarto lu gar menciona as discussões e críticas
feitas sobre a filosofia aristotéli ca e finalmente a rev isão com pleta da teoria
com a Cosmologia, havendo um a cla ra di stinção entre esses d ois ramos do
conhecimen to. A Astronomia era uma di scip lina técnica relacionad a com a
de movim ento de Ari stóteles.
observação e a aná lise matemática do movimen to d os corpos celestes. A Cos-
mologia, por outro lado, era o domínio dos teólogos e filósofos natu rais, que

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