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Ciência medieval

Deus criando o universo através de princípios geométricos. Capa da Bíblia Moralisée,


1215.

Ciência medieval se refere às descobertas no campo da filosofia natural que ocorreram


no período da Idade Média - o período intermédio, numa divisão esquemática da
História da Europa.

A Europa Ocidental entrou na Idade Média em grandes dificuldades que minaram a


produção intelectual do continente. Os tempos eram confusos e havia-se perdido o
acesso aos tratados científicos da antiguidade clássica (em grego), ficando apenas as
compilações resumidas e até deturpadas que os romanos tinham traduzido para o latim.
Entretanto, com o início do chamado Renascimento do Século XII, renovou-se o
interesse pela investigação da natureza. A ciência que se desenvolveu nesse período
áureo da filosofia escolástica dava ênfase à lógica e advogava o empirismo, entendendo
a natureza como um sistema coerente de leis que poderiam ser explicadas pela razão.

Foi com essa visão que sábios medievais se lançaram em busca de explicações para os
fenômenos do universo e conseguiram avanços importantes em áreas como a
metodologia científica e a física. Esses avanços foram repentinamente interrompidos
pela Peste negra e são virtualmente desconhecidos pelo público contemporâneo, que
muitas vezes ainda está preso ao rótulo do período medieval como uma suposta "Idade
das Trevas".

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Índice
 1 História da Ciência na Europa
o 1.1 Idade Média Antiga
o 1.2 Idade Média Clássica
o 1.3 Idade Média Tardia
o 1.4 Renascença
 2 Cristianismo e o estudo da natureza
 3 Grandes nomes da ciência medieval História da ciência
 4 Idade das Trevas?
 5 O legado científico medieval
 6 Ver também
 7 Ligações externas

 8 Referências
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História da Ciência na Europa Categorias
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Disciplinas
Astronomia
Biologia
Computação
No início do período medieval, a vida cultural concentrou-se Física
nos mosteiros. Geografia
Geologia
Costuma-se dizer que os romanos eram um povo de orientação Matemática
prática. Apesar de maravilhados com as descobertas do Medicina
passado grego, não chegaram a formar novas instituições que Química
buscassem especificamente entender o universo ou o mundo Tecnologia
natural. Os verdadeiros centros de produção de conhecimento Locais
do Império Romano localizavam-se no seu lado oriental, de Portugal
cultura grega. Eles tinham sido fundados antes do domínio Brasil
romano e já não mantinham a mesma força criativa de
períodos anteriores.

Devido ao fato da classe rica do Império ser bilíngüe, não se sentia a necessidade de
traduzir os tratados científico-filosóficos produzidos pela civilização grega. Entretanto,

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era comum encontrar compilações resumidas das principais correntes do pensamento
grego na língua latina. Esses resumos eram lidos e discutidos nos espaços públicos da
agitada vida social romana.

Durante o processo de desestruturação do Império Romano do Ocidente, o ocidente


europeu foi perdendo contato com o oriente e a língua grega acabou por ser esquecida.
Desse modo, a Europa Ocidental perdeu o acesso aos tratados originais dos filósofos
clássicos, ficando apenas com as versões truncadas desse conhecimento que haviam
sido anteriormente traduzidas. É como se nos dias de hoje perdêssemos quase todos os
trabalhos científicos e sobrasse apenas parte dos textos de revistas destinadas ao
consumo popular.

Idade Média Antiga

O Império Romano do Ocidente, embora unido pela língua latina, ainda englobava um
grande número de culturas diferentes que haviam sido assimiladas de uma maneira
incompleta pela cultura romana. Debilitado pelas migrações e invasões de tribos
bárbaras, pela desintegração política de Roma no século V e isolado do resto do mundo
pela expansão do Islão no século VII, o Ocidente Europeu chegou a ser pouco mais que
uma colcha de retalhos de populações rurais e povos semi-nômades. A instabilidade
política e o definhar da vida urbana golpearam duramente a vida cultural do continente.
A Igreja Católica, como única instituição que não se desintegrou nesse processo,
manteve o que restou de força intelectual, especialmente através da vida monástica.

O Homem instruído desses primeiros séculos era quase sempre um clérigo para quem o
estudo dos conhecimentos naturais era uma pequena parte da escolaridade. Esses
estudiosos viviam numa atmosfera que dava prioridade à fé e tinham a mente mais
voltada para a salvação das almas do que para o questionamento de detalhes da
natureza. Além disso, a vida quase sempre insegura e economicamente difícil dessa
primeira parte do período medieval mantinha o homem voltado para as dificuldades do
dia-a-dia. Desse modo, as atividades científicas foram praticamente reduzidas a citações
e comentários de obras que faziam referência à antiguidade clássica; esses comentários
eram por vezes cheios de erros, já que os textos usados como referência, as obras que
restaram em latim, tinham informações truncadas e até deturpadas.

No final do século VIII, houve uma primeira tentativa de reerguimento da cultura


ocidental. Carlos Magno conseguira reunir grande parte da Europa sob seu domínio.
Para unificar e fortalecer o seu império, decidiu executar uma reforma na educação. O
monge inglês Alcuíno elaborou um projeto de desenvolvimento escolar que buscou
reviver o saber clássico estabelecendo os programas de estudo a partir das sete artes
liberais: o trivium, ou ensino literário (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium,
ou ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música). A partir do ano 787,
foram emanados decretos que recomendavam, em todo o império, a restauração de
antigas escolas e a fundação de novas. Institucionalmente, essas novas escolas podiam
ser monacais, sob a responsabilidade dos mosteiros; catedrais, junto à sede dos
bispados; e palatinas, junto às cortes.

Essas medidas teriam seus efeitos mais significativos apenas séculos mais tarde. O
ensino da dialética (ou lógica) foi fazendo renascer o interesse pela indagação
especulativa; dessa semente surgiria a filosofia cristã da Escolástica. Além disso, nos

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séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido estruturadas por Carlos Magno,
especialmente as escolas catedrais, ganharam a forma de Universidades.

Idade Média Clássica

O movimento de tradução dos textos gregos marca o fortalecimento da intelectualidade


européia.

Depois da contenção das últimas ondas de invasões estrangeiras no século X, seguiu-se


uma fase de relativa tranqüilidade em relação às ameaças externas, que também
coincidiu com um período de condições climáticas mais amenas. A Europa Ocidental
passa então por mudanças sociais, políticas e econômicas, que vão gerar o chamado
Renascimento do Século XII. Evoluções técnicas possibilitam o cultivo de novas terras
e o aumento da diversidade dos produtos agrícolas, que sustentam uma população que
passa a crescer rapidamente. O comércio está em franca expansão, ocorre o
desenvolvimento de rotas entre os diversos povos que reduzem as distâncias, facilitando
não só o comércio de bens físicos, mas também a troca de idéias entre os países. As
cidades também vão abandonando a sua dependência agrária, crescendo em torno dos
castelos e mosteiros. Nesse ambiente receptivo, começam a ser abertas novas escolas ao
longo de todo o continente, inclusive em cidades e vilas menores.

No campo intelectual, as mudanças são também fruto do contato com o mundo oriental
e árabe através das Cruzada e cruzeiros e do movimento de Reconquista da Península
Ibérica. Na altura, o mundo islâmico encontrava-se bastante avançado em termos
intelectuais e científicos. Os autores árabes tinham mantido durante muito tempo um
contacto regular com as obras clássicas gregas (Aristóteles, por exemplo), tendo feito
um trabalho de tradução que se tornaria valioso para os povos ocidentais, já que por este
meio voltaram a entrar em contacto com as suas raízes eruditas entretanto "esquecidas".
De facto, seja em Espanha (Toledo), seja no sul de Itália, os tradutores europeus vão
produzir um espólio considerável de traduções que permitiram avanços importantes em
conhecimentos como a astronomia, a matemática, a biologia e a medicina, e que se
tornariam o gérmen da evolução intelectual européia dos séculos seguintes.

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Mapa das universidades medievais. As universidades e as novas ordens religiosas
forneceram infra-estrutura para a formação de comunidades científicas.

Por volta de 1150 são fundadas as primeiras universidades medievais – Bolonha (1088),
Paris (1150) e Oxford (1167) — em 1500 já seriam mais de setenta. Esse foi
efetivamente o ponto de partida para o modelo actual de universidade. Algumas dessas
instituições recebiam da Igreja ou de Reis o título de Studium Generale; e eram
consideradas os locais de ensino mais prestigiados da Europa, seus acadêmicos eram
encorajados a partilhar documentos e dar cursos em outros institutos por todo o
continente.

Tratando-se não apenas de instituições de ensino, as universidades medievais eram


também locais de pesquisa e produção do saber, além de focos de vigorosos debates e
muitas polêmicas. Isso também ficou claro nas crises em que estas instituições
estiveram envolvidas e pelas intervenções que sofreram do poder real e eclesiástico. A
filosofia natural estudada nas faculdades de Arte dessas instituições tratava do estudo
objetivo da natureza e do universo físico. Esse era um campo independente e separado
da teologia; entendido como uma área de estudo essencial em si mesma, bem como um
fundamento para a obtenção de outros saberes.

Outro fator importante para o florescimento intelectual do período foi a atividade


cultural das novas ordens mendicantes: especialmente os Dominicanos e os
Franciscanos. Ao contrário de ordens monásticas, voltadas para a vida contemplativa
nos mosteiros, essas novas ordens eram dedicadas à convivência no mundo leigo e
procuravam defender a fé cristã pela pregação e pelo uso da razão. A integração dessas
ordens nas universidades medievais proporcionava a infra-estrutura necessária para a
existência de comunidades científicas e iria gerar muitos frutos para o estudo da
natureza, especialmente com a renomada escola Franciscana de Oxford.

O influxo de textos gregos, as ordens mendicantes e a multiplicação das universidades


iriam agir conjuntamente nesse novo mundo que se alimentava do turbilhão das cidades
em crescimento. Em 1200 já havia traduções latinas razoavelmente precisas dos
principais trabalhos dos autores antigos mais cruciais para a filosofia : Aristóteles,
Platão, Euclides, Ptolomeu, Arquimedes e Galeno. Nessa altura a filosofia natural (e.g.
ciência) contida nesses textos começou a ser trabalhada e desenvolvida por escolásticos
notáveis como: Robert Grosseteste, Roger Bacon, Alberto Magno e Duns Scot, que

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trariam novas tendências para uma abordagem mais concreta e empírica, representando
um prelúdio do pensamento moderno.

Estudo da difração da luz por uma lente esférica, por Robert Grosseteste, c. 1250

Grosseteste, o fundador da escola Franciscana de Oxford, foi o primeiro escolástico a


entender plenamente a visão Aristotélica do caminho duplo para o pensamento
científico: generalizar de observações particulares para uma lei universal; e depois
fazer o caminho inverso: deduzir de leis universais para a previsão de situações
particulares. Além disso, afirmou que esses dois caminhos deveriam ser verificados -
ou invalidados - através de experimentos que testassem seus princípios. Grosseteste
dava grande ênfase à matemática como um meio de entender a natureza e seu método de
pesquisa continha a base essencial da ciência experimental.

Roger Bacon, aluno de Grosseteste, dá atenção especial à importância da


experimentação para aumentar o número de fatos conhecidos a respeito do mundo. Ele
descreve o método científico como um ciclo repetido de observação, hipótese,
experimentação e necessidade de verificação independente. Bacon registrava a forma
em que conduzia seus experimentos em detalhes precisos, a fim de que outros pudessem
reproduzir seus experimentos e testar os resultados - essa possibilidade de verificação
independente é parte fundamental do método científico contemporâneo.

Idade Média Tardia

A primeira metade do século XIV viu o trabalho científico de grandes pensadores.


Inspirado em Duns Scot, William de Occam entendia que a filosofia só deveria tratar de
temas sobre os quais ela pudesse obter um conhecimento real. Seus estudos em lógica
levaram-no a defender o princípio hoje chamado de Navalha de Occam: se há várias
explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples.
Isso deveria levar a um declínio em debates infrutíferos e mover a filosofia natural em
direção ao que hoje é considerado Ciência.

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Demontração de Galileu sobre o movimento acelerado. A base da famosa "Lei da queda
de corpos" foi o teorema da velocidade média.

Nessa altura, acadêmicos como Jean Buridan e Nicole d'Oresme começaram a


questionar aspectos da mecânica aristotélica. Em particular, Buridan desenvolveu a
teoria do ímpeto, que explicava o movimento de projéteis e foi o primeiro passo em
direção ao moderno conceito de inércia. Buridan antecipou Isaac Newton quando
escreveu:

...depois de deixar o braço do arremessador, o projétil seria movido por um


ímpeto dado a ele pelo arremessador e continuaria a ser movido enquanto esse
ímpeto permanecesse mais forte que a resistência. Esse movimento seria de
duração infinita caso não fosse diminuído e corrompido por uma força
contrária resistindo a ele, ou por algo inclinando o objeto para um movimento
contrário.

Nessa mesma época, os denominados Calculatores de Merton College, de Oxford,


elaboraram o Teorema da velocidade média. Usando uma linguagem simplificada, este
teorema estabelece que um corpo em movimento uniformemente acelerado percorre,
num determinado intervalo de tempo, o mesmo espaço que seria percorrido por um
corpo que se deslocasse com velocidade constante e igual à velocidade média do
primeiro. Mais tarde, esse teorema seria a base da "Lei da queda de corpos", de Galileu.
Hoje sabemos que as principais propriedades cinemáticas do movimento retilíneo
uniformemente variado (MRUV), que ainda são atribuídas a Galileu pelos textos de
física, foram descobertas e provadas por esses acadêmicos.

Nicole d'Oresme, por sua vez, demonstrou que as razões propostas pela física
Aristotélica contra o movimento do planeta Terra não eram válidas e invocou o
argumento da simplicidade (da navalha de Occam) em favor da teoria de que é a Terra
que se move, e não os corpos celestiais. No geral, o argumento de Oresme a favor do
movimento terrestre é mais explícito e bem mais claro do que o que foi dado séculos
depois por Copérnico. Entre outras proezas, Oresme foi o descobridor da mudança de
direção da luz através da refração atmosférica; embora, até hoje, o crédito por esse feito
tenha sido dado à Robert Hooke.

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Em 1348, a Peste Negra levou este período de intenso desenvolvimento científico a um
fim repentino. A praga matou um terço da população européia. Por quase um século,
novos focos da praga e outros desastres causaram contínuo decréscimo populacional. As
áreas urbanas, geralmente o motor das inovações intelectuais, foram especialmente
afetadas.

Linha do tempo: Dados demográficos da Europa e a presença de inovadores nos


campos da física e da metodologia científica.

Renascença

Além de estancar o processo de inovação, a peste negra foi um dos fatores que
colocaram em xeque todo o modelo de sociedade que havia encontrado seu apogeu nos
séculos anteriores. O século XV presenciou o início do florescimento artístico e cultural
da Renascença.

A redescoberta de textos antigos foi aprimorada depois da Queda de Constantinopla, em


meados do século XV, quando muitos eruditos bizantinos tiveram que buscar refúgio no
ocidente, especialmente na Itália. Esse novo influxo alimentou o interesse crescente dos
acadêmicos europeus pelos textos clássicos de períodos anteriores ao triunfo do
Cristianismo na cultura européia. No século XVI já existe, paralelamente ao interesse
pela civilização clássica, um menosprezo pela Idade Média, que passou a ser cada vez
mais associada a expressões como "barbarismo", "ignorância", "escuridão", "gótico",
"noite de mil anos" ou "sombrio".

O homem vitruviano de Leonardo da Vinci

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O humanismo renascentista rompeu com a visão teocêntrica e com a concepção
filosófico-teológica medieval. Agora conceitos como a dignidade do ser humano
passam a estar em primeiro plano. Por outro lado, esse humanismo representa também
uma ruptura com a importância que vinha sendo dada às ciências naturais desde a
(re)descoberta de Aristóteles, no século XII.

Apesar do florescimento artístico, o período inicial da Renascença é geralmente visto


como um momento de estagnação nas ciências. Há pouco desenvolvimento de
disciplinas como a física e astronomia. O apego aos escritos antigos tornam as visões
Ptolomaica e Aristotélica do universo ainda mais enraizadas. Em contraste com a
escolástica, que supunha uma ordem racional da natureza na qual intelecto poderia
penetrar, o chamado naturalismo renascentista passava a ver o universo como uma
criação espiritual opaca à racionalidade e que só poderia ser compreendida pela
experiência direta. Ao mesmo tempo, a filosofia perdeu muito do seu rigor quando as
regras da lógica passaram a ser vistas como secundárias ante a intuição ou a emoção.

Por outro lado, a invenção da imprensa, que ocorrera simultaneamente à Queda de


Constantinopla, teria grande efeito na sociedade européia. A disseminação mais fácil da
palavra escrita democratizou o aprendizado e permitiu a propagação mais rápida de
novas idéias. Entre essas idéias estava a álgebra, que havia sido introduzida na Europa
por Fibonacci no século XIII, mas só se popularizou ao ser divulgada na forma
impressa.

Essas transformações facilitaram o caminho para a Revolução científica, mas isso só


ocorreria depois do movimento Renascentista ter chegado ao norte da Europa, com
figuras como Copérnico, Francis Bacon, Galileu e Descartes. Foram essas figuras que
levaram adiante os avanços ensaiados pelos sábios da Idade Média, mas estes
personagens já são muitas vezes descritos como pensadores pré-iluministas, ao invés de
serem vistos como parte do renascimento tardio.

Cristianismo e o estudo da natureza

A filosofia entre as sete Artes Liberais (c. 1180).

O pensamento de Santo Agostinho foi basilar ao orientar a visão do homem medieval


sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do

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conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da
razão humana, sendo, portanto, mais importante. Agostinho afirmava que a
interpretação das escrituras deveria ser feita de acordo com os conhecimentos
disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação
"alegórica" do livro bíblico do gênesis vão influenciar fortemente a Igreja medieval, que
terá uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Durante os tempos confusos da dissolução do Império Romano do Ocidente e dos


primeiros séculos da Idade Média muito da cultura clássica se perdeu, mas o declínio
cultural teria sido bem mais intenso não fosse pelo monasticismo, mais especificamente
pela ação dos monges copistas. É bem verdade que os textos em grego já não estavam
mais acessíveis pelo esquecimento do idioma e que os escritos que passavam pelo
trabalhoso processo de cópia manual eram selecionados de acordo com a importância
dada a eles pelos religiosos.

A Igreja também esteve a cargo da estrutura educacional, ou, pelo menos,


supervisionando a mesma. Quando Carlos Magno chamou o monge Alcuíno para
elaborar uma reforma na educação européia, a Igreja ficou responsável tanto pelas
escolas monacais quanto pelas escolas catedrais. A maioria das universidades nos
séculos XII e XIII surgiram precisamente de escolas ligadas às catedrais e funcionavam
sob a proteção de jurisdição eclesiástica.

Com relação à investigação da natureza, que renasceu na Idade Média Clássica, já foi
mencionada a importância das ordens religiosas mendicantes. Embora Bernardo de
Claraval e alguns outros religiosos tenham chegado a desencorajar o estudo das ciências
por entenderem que muitos buscavam esses conhecimentos por vaidade, seus pontos de
vista jamais foram adotados. A Inquisição estava presente, mas a Igreja concedia aos
professores muita elasticidade em suas doutrinas e, em muitos casos, estimulou as
investigações científicas.

Nas universidades, o campo da filosofia natural dispunha de grande liberdade


intelectual, desde que restringisse suas especulações ao mundo natural. Embora se
esperassem retaliações e castigos caso os filósofos naturais passassem desse limite, os
procedimentos disciplinares da Igreja eram voltados principalmente aos teólogos, que
trabalhavam numa área bem mais perigosa. Em geral, havia suporte religioso para a
ciência natural e o reconhecimento de que esta era um importante fator no aprendizado.

Grandes nomes da ciência medieval

Robert Grosseteste (1168-1253), Bispo de Lincoln, foi a figura central do movimento


intelectual inglês na primeira metade do século XIII e é considerado o fundador do

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pensamento científico em Oxford. Tinha grande interesse no mundo natural e escreveu
textos sobre temas como som, astronomia, geometria e óptica. Afirmava que
experimentos deveriam ser usados para verificar uma teoria, testando suas
conseqüências; também foi relevante o seu trabalho experimental na área da óptica.
Roger Bacon foi um de seus alunos mais renomados.

Alberto Magno (1193-1280), o Doutor Universal, foi o principal representante da


tradição filosófica dos dominicanos. Além disso, é um dos trinta e três Santos da Igreja
Católica com o título de Doutor da Igreja. Tornou-se famoso por seu vasto
conhecimento e por sua defesa da coexistência pacífica da ciência com a religião.
Alberto foi essencial em introduzir a ciência grega e árabe nas universidades medievais,
mas nunca hesitou em duvidar de Aristóteles. Em uma de suas frases famosas, afirmou:
a ciência não consiste em ratificar o que outros disseram, mas em buscar as causas dos
fenômenos. Tomás de Aquino foi seu aluno.

Roger Bacon (1214-1294), o Doutor Admirável, ingressou para a Ordem dos


Franciscanos por volta de 1240, onde, influenciado por Grosseteste, dedicou-se a
estudos nos quais introduziu a observação da natureza e a experimentação como
fundamentos do conhecimento natural. Bacon propagou o conceito de "leis da natureza"
e contribuiu com estudos em áreas como a mecânica, a geografia e principalmente a
ótica.

As pesquisas em ótica de Grosseteste e Bacon possibilitaram o início da fabricação de


óculos, no século XII. Futuramente, esses conhecimentos seriam também
imprescindíveis para a invenção de instrumentos como o telescópio e o microscópio.

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Tomás de Aquino (1227-1274), também conhecido como o Doutor Angélico, foi um
frade dominicano e teólogo italiano. Tal qual seu professor Alberto Magno, é santo
Católico e doutor desta mesma Igreja. Seus interesses não se restringiam à filosofia;
também interessou-se pelo estudo de alquimia, tendo publicado uma importante obra
alquímica chamada "Aurora Consurgens". Entretanto, a verdadeira contribuição de São
Tomás para a ciência do período foi ter sido o maior responsável pela integração
definitiva do aristotelismo com a tradição escolástica anterior.

Duns Scot (1266-1308), o Doutor Sutil, foi membro da Ordem Franciscana, filósofo e
teólogo. Formado no ambiente acadêmico da Universidade de Oxford, onde ainda
pairava a aura de Robert Grosseteste e Roger Bacon, teve uma posição alternativa à de
São Tomás de Aquino no enfoque da relação entre a Razão e a Fé. Para Scot, as
verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão. A filosofia, assim, deveria
deixar de ser uma serva da teologia e adquirir autonomia. Duns Scot foi mentor de outro
grande nome da filosofia medieval: William de Ockham.

William de Occam (1285-1350), o Doutor Invencível, foi um frade franciscano, teórico


da lógica e teólogo inglês. Occam defendia o princípio da parcimônia (a natureza é por
si mesma econômica), que já podia ser visto no trabalho de Duns Scott, seu professor.
William foi o criador da Navalha de Occam: se há várias explicações igualmente
válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples. Isso tornou-se parte
básica do que viria a ser conhecido como método científico e um dos pilares do
reducionismo em ciência. Occam morreu vítima da peste negra. Jean Buridan e Nicole
Oresme foram seus seguidores.

Jean Buridan (1300-1358) foi um filósofo e religioso francês. Embora tenha sido um
dos mais famosos e influentes filósofos da Idade Média tardia, ele está hoje entre os
nomes menos conhecidos do período. Uma de suas contribuições mais significativas foi
desenvolver e popularizar da teoria do Ímpeto, que explicava o movimeto de projéteis e
objetos em queda livre. Essa teoria pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e
para o famoso princípio da Inércia, de Isaac Newton.

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Nicole d'Oresme (c.1323-1382) foi um gênio intelectual e talvez o pensador mais
original do século XIV. Teólogo dedicado e Bispo de Lisieux, foi um dos principais
propagadores das ciências modernas. Além de suas contribuições estritamente
científicas, Oresme combateu fortemente a astrologia e especulou sobre a possibilidade
de haver outros mundos habitados no espaço. Ele foi o último grande intelectual
europeu a ter crescido antes do surgimento da peste negra, evento que teve impacto
bastante negativo na inovação intelectual no período final da Idade Média.

Idade das Trevas?

Ao contrário do que muitos aprenderam na escola, as pessoas educadas na Idade Média


não acreditavam numa Terra plana.

Noções preconceituosas sobre a Idade Média já foram amplamente propagadas,


inclusive por motivações políticas, e ainda hoje permanecem mitos no imaginário
popular. Isso também é verdadeiro quando se trata das noções da ciência no período: ele
é muitas vezes referido pejorativamente como idade das trevas, sugerindo que nele não
teria havido nenhuma criação filosófica ou científica autônoma.

Para justificar o título de "Idade das Trevas", já foi dito que na "noite de mil anos", que
supostamente teria sido a era medieval, a ciência teria conhecido um longo período de
"falta de inspiração" em comparação com a produção científica clássica. Este
preconceito se deve ao pequeno volume de produção científica e filosófica produzida na
Idade Média em relação ao periodo Classíco e Helenístico. Fica a dúvida se seria
adequada a comparação de uma era na qual a Europa começou em frangalhos com o
período áureo da antiguidade clássica, já que as condições sociaís e economicas eram
diferentes. Mesmo a produção científica do Império Romano fica empalidecida diante
das descobertas teóricas do passado grego, inclusive durante o longo período de
prosperidade proporcionado pela "Pax Romana" e mais ainda após a morte de Marco
Aurélio, em 180 d.C.. Além disso, se o lado oriental (grego) do Império Romano for
deixado de fora, para contemplar-se apenas especificamente a tradição filosófica dos

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povos ocidentais durante a Antiguidade, a diferença passa a ser ainda mais intensa.
Apesar disso, a idéia de obscurantismo ou fraqueza intelectual quando se imagina o
ocidente durante o período Romano é menos popular.

Embora nenhum historiador sério utilize mais a expressão "Idade das Trevas" para
sugerir atraso cultural, ainda hoje, mesmo nas escolas, são ensinadas noções
equivocadas como a idéia falsa de que os estudiosos medievais acreditavam que a terra
fosse plana (ver também a seção Ligações externas).

O legado científico medieval

Ilustração do ensino da geometria numa tradução medieval de Os elementos de


Euclides.

Depois de superado o abalo de desastres como a Peste Negra, na parte final da Idade
Média, o Ocidente pôde demonstrar um crescimento científico ainda mais exuberante no
período subseqüente. Os avanços na óptica, obtidos durante a Idade Média, logo iriam
gerar aparelhos como o microscópio e o telescópio. Esses dois instrumentos juntamente
com a prensa móvel, (fruto medieval), são vistos por muitos como os equipamentos
mais importantes já criados para o avanço do conhecimento humano. É preciso também
ressaltar os avanços na física:

O tardio movimento científico medieval concentrou-se na ciência física (...). Foi


um trabalho que deveria ter continuidade nos séculos seguintes, na época que
veio a se chamar de Renascença e no período que é muitas vezes denominado
de Revolução científica. E é nas ciências físicas que vemos mais claramente a
emergência da ciência moderna, baseada, em grande parte, nas atitudes
inquiridoras dos sábios do fim da Idade Média. (Colin A. Ronan, "História
ilustrada da ciência").

Mas, foram provavelmente o nascimento e desenvolvimento das universidades,


juntamente com as primeiras sementes do que se tornaria a metodologia científica
contemporânea, as heranças mais importantes do período. Muito em breve aquela
civilização que herdara um império em frangalhos iria revolucionar o entendimento do
homem acerca de seu lugar no mundo e no universo. Por mais que os homens do
renascimento e de momentos históricos subseqüentes às vezes fizessem questão de
esquecer, muito disso foi possibilitado pelas conquistas medievais.

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Ver também
 Tecnologia medieval
 Renascença carolíngia
 Renascimento do Século XII
 Escolasticismo
 História da ciência

Ligações externas
 O mito da terra plana - Uma correcção aos livros de história

Referências
 Costa, Ricardo da. "Reordenando o conhecimento: a Educação na Idade Média e
o conceito de Ciência expresso na obra Doutrina para Crianças (c. 1274-1276)
de Ramon Llull". In: OLIVEIRA, Terezinha (coord.). Anais Completos da II
Jornada de Estudos Antigos e Medievais: Transformação Social e Educação.
Universidade Estadual de Maringá, 2002, p. 17-28 (ISSN 1676-6733). [1]

 Costa, Ricardo da. "A Educação na Idade Média. A busca da Sabedoria como
caminho para a Felicidade: Al-Farabi e Ramon Llull". In: Artigo publicado em
Dimensões - Revista de História da UFES 15. Dossiê História, Educação e
Cidadania. Vitória: Ufes, Centro de Ciências Humanas e Naturais, EDUFES,
2003, p. 99-115 (ISSN 1517-2120). [2]

 Costa, Ricardo da. "Las definiciones de las siete artes liberales y mecánicas en la
obra de Ramon Llull". In: Revista Anales del Seminario de Historia de la
Filosofía. Madrid: Publicaciones Universidad Complutense de Madrid (UCM),
vol. 23 (2006), p. 131-164 (ISSN 0211-2337). [3]

 Marcondes, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a


Wittgenstein. Segunda Edição. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. ISBN 85-
7110-405-0.

 Principe, Lawrence M. History of Science: Antiquity to 1700. Teaching


Company, curso em áudio No. 1200.

 Ronan, Colin A.. História ilustrada da ciência. Volume II, 1987.

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