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Direitos Humanos:
Evolução Histórica
José L. M. de Magalhães
1 - A Antigüidade.
PROTAGORAS (481 (?) - 411 a.C.) pode ser considerado o pensador que
antecipou as opiniões dos positivistas modernos. Sustentava que as leis feitas pelos
homens eram obrigatórias e válidas, sem considerar o seu conteúdo moral (02).
"existem princípios superiores a estas normas específicas que sejam válidas para todos
os povos, em todos os tempos, ou a Justiça e o Direito são uma mera questão de
conveniência?"
Assim, como Aristóteles, Platão está convencido de que o Direito e as leis (nomos
e nomoi) são essenciais para a estruturação da Polis. Aliás, com relação à expressão
Polis, CARL J. FRIEDRIH ressalta que muitas vezes ela é traduzida como Estado, o
que é uma "expressão moderna que é bastante enganadora quando aplicada à ordem
política grega" (08). De acordo com a convicção dos dois grandes filósofos da
antigüidade, "qualquer espécie de Positivismo legal segundo o qual a ordem arbitrária
de um tirano pudesse ser considerada lei" - uma opinião que tem sido freqüentemente
sustentada sob modernas ditaduras - "é por eles complemente excluída". (09) Com esta
afirmação surge uma questão fundamental: qual a origem, a fonte da lei, se esta não está
na vontade daquele que possui o poder efetivo no Estado? A difícil resposta pode ser
encontrada na doutrina platônica de idéias. A própria palavra "idéia" tem sido, muitas
vezes, considerada imprópria para representar o que constitui a essência da doutrina
socrático-platônica de idéia ou eidos. Palavras como "forma" têm sido sugeridas para
satisfazer ao fato de que essas idéias não são, para Sócrates e Platão, algo criado pelo
espírito subjetivo do homem, mas uma realidade objetiva e transcendente, estranha ao
homem. Platão pensava que a tarefa do reformador é de tentar criar um Estado que
participe, tanto quanto possível, da idéia, pois esta é eterna e imutável. "Quando Platão
escreveu seu famoso diálogo intitulado Politeia ou Constituição (não República!),
pensou estar a braços com um problema muito difícil, mas não insolúvel. Platão
acreditava que a solução seria ou os filósofos se tornarem governantes ou os
governantes se tornarem filósofo, isto é, homens buscando a sabedoria através de um
entendimento real das idéias".
O que interessa a CÍCERO é o direito e não a Lei. Para ele os homens nasceram
para a Justiça e será na própria natureza, não no arbítrio, que se funda o Direito. (15)
"É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada", ou ainda os
filhos de sua filha que "cometeu uma falta". Entretanto, o abandono de filhos legítimos
tinha como causa principal a miséria de uns e a política patrimonial de outros. Os pobres
abandonavam as crianças que não podiam alimentar; (...) a classe média, os simples
notáveis, preferia, por ambição familiar, concentrar esforços e recursos num pequeno
número de rebentos". (16)
"... quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente o que a lei manda,
embora não tenham lei, servem de lei a si mesmos; mostram que a lei está escrita em
seus corações" - Rom. 2, 14-15 (18).
Os Padres da Igreja vão pegar dos estóicos a distinção entre Direito Natural
absoluto e relativo. Para eles o Direito Natural absoluto era o direito ideal que imperava
antes que a natureza humana tivesse se viciado com o pecado original. Com este Direito
Natural absoluto todos os homens eram iguais e possuíam todas as coisas em comum,
não havia governo dos homens sobre homens nem domínio de amos sobre escravos.
Todos os homens viviam em comunidades livres sobre o império do amor cristão.
O papel da Igreja, em sua relação com o governo, levará São Tomás de Aquino,
assim como grande parte dos pensadores medievais, a colocar o Direito Natural como
de importância decisiva, pois só com uma norma de caráter mais geral, colocada acima
do Direito Positivo, poderia haver alguma esperança de realização da Justiça Cristã (24).
A doutrina do representante máximo da filosofia cristã_ é um primeiro passo para
a autonomização do Direito Natural como Ciência, pois se a lei natural exprime o
conteúdo de Direito Natural como algo devido ao homem e à sociedade dos homens,
esta adquire, no tocante à criatura racional, características específicas (25).
b) a Lei Natural, que é a participação da criatura humana na Lei Eterna, uma vez que
nenhum ser humano pode conhecer a Lei Eterna em toda sua verdade. A Lei Natural é a
única concepção que tem o homem dos interesses de Deus. Ela dá ao homem a
possibilidade de distinguir o bem e o mal, e por esta razão deve ser guia invariável e
imutável da lei humana;
c) a Lei Divina: uma vez que a Lei Natural consiste em princípios gerais e abstratos,
deve se completar com direções mais particulares dadas por Deus, acerca de como
devem os homens se conduzir. Esta é a função da Lei Divina que é revelada por Deus
nas Sagradas Escrituras;
Podemos perceber neste período da História, que mais uma vez, todo o
pensamento desenvolvido sobre os Direitos Naturais, e as aspirações de Justiça,
permanecem distantes da realidade. Aliás, como a própria Igreja havia pregado,
enquanto o Direito Natural absoluto era privilégio de seus Padres, para o imenso
rebanho bastava o Direito Natural relativo ou, na realidade, algo muito pior, quando em
"12 de maio de 1314 dá-se o primeiro auto de fé e seis indivíduos, acusados de heresia,
foram queimados vivos vinte e cinto indivíduos que não quiseram arrepender-se, abjurar
de suas crenças e confessar que a Igreja estava certa. _ medida que as heresias
alastravam-se, o herege passou a ser visto como uma perigosa ameaça à sociedade e
como um traidor de Deus" (27).
No restante da Europa um fato ao qual pode não ser dada tanta importância,
contribui de forma decisiva para que os direitos da pessoa deixem de ser meras
construções filosóficas, para começarem a se tornar realidade. Este fato foi o
aperfeiçoamento da imprensa por Gutemberg, que em 1455 fez o primeiro livro com a
nova técnica por ele inventada: os tipos, ou seja, as letras, formadas por uma liga de
antimônio e chumbo. Este primeiro livro será a Bíblia em dois volumes.
BODENHEIMER chamará esta fase do Direito Natural como fase clássica, que
para o Autor será dividida em três períodos:
LEO STRAUSS (30) vai referir-se a esta fase do Direito Natural como sendo a
fase moderna e colocará JOHN LOCKE como o mais célebre. Com relação à
classificação, a de BODENHEIMER sem dúvida nos dá uma idéia melhor da evolução
do Direito Natural; vamos recorrer aos ensinamentos de LEO STRAUSS, quando este
analisa o pensamento de HOBBES, LOCKE e ROUSSEAU, aos quais faremos uma
breve referência antes de estudarmos o ressurgimento do Direito Natural na atualidade.
Assim como todos pensadores que citamos aqui após os próprios gregos, também
HOBBES aprendeu muito com os filósofos gregos. Platão ensinará a HOBBES que a
matemática será a mãe de toda a ciência da natureza. Entretanto HOBBES considera a
filosofia antiga mais um sonho que uma ciência, o conjunto do pensamento hobbesiano
nos mostra uma combinação tipicamente moderna feita de idealismo político e de uma
concepção materialista e atéia do universo (31).
Para LOCKE a lei natural é uma regra eterna para todos, sendo evidente e
inteligível para todas as criaturas racionais. A lei natural, portanto, é igual à lei da razão.
Para ele o homem deveria ser capaz de elaborar "a partir dos princípios da razão um
corpo de doutrina moral que seria seguramente a lei natural e ensinaria todos os deveres
da vida, ou ainda formular o enunciado integral da lei da natureza, a moral completa, ou
ainda um "código" que nos dê a lei da natureza "integral". Este código compreenderia,
entre outras coisas, a lei natural penal" (36). Podemos notar que com este pensamento
está aberto o caminho para o positivismo.
Para LEO STRAUSS, a primeira crise deste espírito moderno se manifesta com o
pensamento de ROUSSEAU. ROUSSEAU pensa que a aventura moderna era um erro
radical e procura um remédio para isso no retorno ao pensamento antigo. Ele atacava
esta modernidade em nome de duas idéias da antigüidade: em nome da cidade e da
virtude, de um lado, e em nome da natureza, de outro. "Os antigos políticos falavam
sempre dos modos e da virtude; os nossos só falam do comércio e do dinheiro" (37). "O
comércio, o dinheiro, as luzes, a emancipação do desejo de adquirir o luxo e a crença na
onipotência das leis, estas são as características do nosso Estado Moderno, quer se trate
de uma monarquia absoluta, ou de uma República Parlamentar" (38).
Será a partir destas revoluções, que vão se consagrar os princípios liberais político
e econômico. Surge portanto o Estado Liberal que pouco a pouco irá tomar conta da
Europa. Porém, como bem salienta Paulo Bonavides, triunfou apenas o Liberalismo e
não a Democracia (50).
O Estado Liberal típico, não vai fazer em suas Constituições nenhum dispositivo
referente à ordem econômica. As declarações de Direito Fundamental não fazem
menção ao aspecto econômico. Este tipo de Estado vai se caracterizar pela omissão
como regra de conduta só se preocupando com a manutenção da ordem através do poder
de polícia, e a manutenção da soberania através das forças armadas (51).
Entretanto, convém ressaltar que a base fundamental deste Estado liberal, será o
direito de propriedade que é absoluto e intocável. Como já dissemos anteriormente,
Liberalismo não é sinônimo de Democracia, sendo que só posteriormente, haverá uma
fusão destes dois conceitos. Desta forma, o liberal Charles Tocqueville vai constatar a
existência de duas concepções diferentes de Estado: a concepção liberal, que defende a
correlação entre propriedade e liberdade e a concepção democrática que defende a
correlação entre igualdade e liberdade (55).
Este individualismo dos séculos XVII e XVIII corporificados no Estado Liberal, e
a atitude de omissão do Estado frente aos problemas sociais e econômicos vai conduzir
os homens a um capitalismo desumano e escravizador. O século XIX vai conhecer
desajustamentos e misérias sociais que a revolução industrial vai agravar e que o
Liberalismo vai deixar alastrar em proporções crescentes e fascista a liberal-democracia
se viu encurralada (56). O Estado não mais podia continuar se omitindo perante os
problemas sociais e econômicos.
Desta forma, após a Primeira Guerra Mundial, as novas Constituições que irão
surgir, "não ficam apenas preocupadas com a estrutura política do Estado, mas
salientam o direito e o dever do Estado em reconhecer e garantir a nova estrutura
exigida pela sociedade" (57).
Percebe-se neste momento que o Estado deveria deixar aquela sua conduta
abstencionista e passar a garantir os Direitos Sociais mínimos da população. Para que
realmente os Direitos Individuais pudessem ser usufruídos por toda população,
deveriam ser garantidos os meios para que isto fosse possível. Desta forma, se o
Liberalismo fala em liberdade de expressão e consciência, deve toda população ter
acesso ao direito social à educação, para formar livremente sua consciência política,
filosófica e religiosa e ter meios, ou capacidade de expressar esta consciência.
(03) BODENHEIMER, Edgar. Teoría del Derecho, ob. cit., p. 127; Friedrich, Carl
Joachim. La Filosofía del Derecho. Fondo de Cultura Económica, México, 1969, pp. 27
e ss; Machado Neto. A. L. Para uma Sociologia do Direito Natural. Livraria Progresso,
Salvador, 1.957.
(04) LITRENTO, Oliveiros Lessa. Curso de Filosofia de Direito, Rio de Janeiro, Ed.
Rio, 1.980, p. 31.
(05) LITRENTO, Oliveiros Lessa. Curso de Filosofia do Direito, ob. cit., p. 41.
(06) SICHES, Recaséns. Tratado General de Filosofia del Derecho, 6ª edição, Editorial
Porruá, S.A., México, 1978, p. 428.
(07) SICHES, Recaséns. Tratado General de Filosofia des Derecho, ob. cit., p. 428.
(11) FRIEDRICH, Carl J. Perspectiva Histórica da Filosofia do Direito, ob. cit., p. 44.
(13) FRIEDRICH, Carl Joachim. Perspectiva Histórica da Filosofia do Direito, ob. cit.,
p. 44.
(16) História da Vida Privada. São Paulo, Companhia de Letras, 1.990, coleção dirigida
por Philipe Ariés e Geoges Duby, vol. I. pp. 23-24.
(17) BLOCH, Léon. Lutas Sociais na Roma Antiga, 2ª edição, Publicações Europa-
América, Portugual, 1.974, pp. 89 e 90.
(24) FRIEDRICH, Carl Joachim. Perspectiva Histórica da Filosofia do Direito, ob. cit.,
p. 59.
(30) STRAUSS, Leo. Droit Naturel et Histoire. Librairie Plon, Paris, Traduit de l'anglais
pour Monique Nathan et Eric Dampière, 1.954, p. 180.
(34) BODENHEIMER, Edgar. Teoría del Derecho, ob. cit., pp. 152-153.
(42) ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social e Outros Escritos, ob. cit., p. 211.
(43) SALGADO, Joaquim Carlos, "Os Direitos Fundamentais e a Constituinte", ob. cit.,
p. 13.
(49) RUSSOMANO, Rosah. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. rev. ampl., Rio de
Janeiro, Freitas Bastos, 1978, p. 214.
(50) BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição, Forense, Rio
de Janeiro, 1980, p. 7.
(51) NICZ, Alvacir Alfredo. A Liberdade de Iniciativa na Constituição, Ed. Revista dos
Tribunais, São Paulo, 1.981, p. 2.
(52) NICZ, Alvacir Alfredo. A Liberdade de Iniciativa na Constituição, ob. cit., p. 11.
(55) GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. 3ª edição, LePM editores,
Porto Alegre, 1980, pp. 22 e 23.
(56) MALUF, Sahid. Direito Constitucional, 15ª edição rev. ampl., Sugest·es Literárias,
São Paulo, 1.983, p. 495.
(62) REIS FILHO, Daniel Aarão. A Revolução Alemã - mitos e versões, Ed.
Brasiliense, São Paulo, 1.984, p. 11.
(64) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, ob. cit., p. 60.
(65) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, ob. cit., p. 63.
(67) TRORAVAL, Jean. Les Grandes Etapes de la Civilization Française. Bordas, Paris,
1978, p. 404-405.
(68) TRORAVAL, Jean. Les Grandes Etapes de la Civilization Française, ob. cit., p.
405.
(69) KONDER, Leandro. Introdução ao Fascismo. 2ª edição, Ediç·es Graal Ltda., Rio
de Janeiro, 1.979, p. 28.
(70) THORAVAL, Jean. Les Grandes Etapes de la Civilisation Français, ob. cit., p. 405.