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Cultura Medieval

Professor Rodrigo Furtado

Período medieval – Séc. IV ao final do Séc. XIV

Cultura medieval e a nova religião cristã

De que modo é que a cultura medieval se vai articular com a cultura clássica?

Se é sequência ou ruptura e como?

Ideia da ignorância como estereótipo medieval e a quebra desse estereótipo.

Cinco temas para 1000 anos de cultura medieval

Poder, discussão em torno do poder e sua articulação cultural.

O que é e onde está a sabedoria que vem do mundo clássico, sophia do mundo clássico.

O espaço, o que vê um homem na idade média quando olha para o que o rodeia.

O tempo, o que é a história e a vida humana e a sociedade como categoria cultural como
definir o grupo.

Processos civilizacionais que atravessam o mundo medieval de que modo a guerra, a família,
a sexualidade vão evoluir e permitem compreender a cultura, a violência, a família, a religião
como tudo isto faz evoluir.

Grandes desafios deste período, mundo medieval e mundo renascentista.

Avaliação – Um ensaio e um teste.

Ensaio – responder a uma de três perguntas 2500 palavras (times new roman 12 6/7 páginas)

-Qual a relação entre cultura medieval e cultura clássica? Ver Beowulf ou a saga dos
nibelungos.

- Qual a relação do cristianismo com a cultura clássica? Ver a Divina Comédia de


Dante.

- A cultura medieval era ignorante? Ver primeiro capítulo das confissões de Santo
Agostinho.

O Ensaio deverá ser entregue até dia 8 de Dezembro.


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O Teste terá duas chamadas, uma a 20 de Dezembro e outra a 23 de Dezembro.

No final do Séc. XIV / XV em Itália o renascimento que teria existido fora uma interrupção
da cultura clássica que estivera morta mil anos e coube aos renascentistas recuperar o que
fora a cultura clássica, esses mil anos, esse período intermédio onde não houve cultura
clássica é a era medieval.

Contudo isso não é inteiramente verdade, isso é uma construção ideológica é uma
reivindicação, mas neste período médio fez-se várias vezes alusão ao passado clássico e à sua
recuperação.

No renascimento essa reivindicação é mais poderosa, em 1400, mas não é original, nem
particularmente nova nem sequer na perspectiva.

“Anões sentados nos ombros de gigantes.” – Bernardo de Chartres – Séc. XIV

Os homens do seu tempo eram anões, homens pequenos (medievais) sentados nos ombros de
gigantes (os clássicos).

Mas isto não diminui os medievais, porque ao estarem sobre os gigantes vêem mais longe,
mais alto e mais além que os clássicos.

Nós somos por causa dos gigantes antigos, esta é a metáfora medieval, menos menores eram
melhores que os clássicos.

Mas o que é ser melhor? E o que pensam eles ao dizer que eram melhores?

A cultura Clássica é do mediterrâneo e por o ser tem uma base oriental, Egipto,
Mesopotâmia, Síria, Ásia Menor, Homero.

Alexandria como capital do Império de Alexandre Magno era uma capital crioula, misturada.

A Cultura romana é filha da cultura Grega.

Na cultura romana a cultura vem do oriente também, a cultura clássica é uma cultura erudita,
letrada, a cultura clássica concretiza-se na oralidade, mas é escrita, perde carácter oral e vai
existir por escrito, só tem acesso aos textos quem sabe ler, logo é uma cultura erudita, e de
textos complexos, o latim de Virgílio é semelhante ao Português de Camões, escreve para ser
difícil.

Virtus – Aretê - A virtude clássica.

Aristocrático – Aristoi – os melhores ao poder, os excelentes.

A cultura vem da erudição, ainda nos dias de hoje a cultura vem do excelente.
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A cultura clássica é uma cultura da cidade, nasce na pólis.

A cultura romana surge dos povos ocupados, são estes que querem a cultura romana na
impossibilidade de se afirmarem militarmente.

Os nomes dos deuses variam consoante as línguas mas eles são os mesmos.

Tudo isto serve de contexto e forma a cultura medieval.

330 – Fundação de Constantinopla.

Medieval – Médio – o que está no meio é o que os renascentistas vão chamar aos seus
antepassados pós-clássicos.

476 – Devolução dos regalia do Ocidente ao Imperador do Oriente – Divisão do Império.

800 – Coroação de Carlos Magno.

Constantino fundou Constantinopla – a Cidade de Constantino, será uma segunda Roma, terá
um segundo senado, será a cidade do Imperador.

Haveria a possibilidade de haver Romas fora de Roma.

Constantino é o primeiro imperador Cristão.

O mediterrâneo no período clássico, no lado oriental ainda falavam grego, Constantino opta
por um território de cultura grega, isto vai cindir o mediterrâneo.

476- Há dois imperadores Rómulo no ocidente, Zenão no Oriente, Rómulo é uma criança –
Rómulo Augustulo, este imperador é deposto por Odoaro, um general romano que decide
tomar o poder.

Mas não assume o poder para si, toma os símbolos de poder, o ceptro, a coroa, e o manto
púrpura, e envia estes regalia para Constantinopla.

É este o ano do último imperador romano do ocidente, apenas perdura o império do Oriente
ou Império Bizantino (Bizâncio era o nome antigo de Constantinopla).

A Europa fragmenta-se em pequenos territórios dominados por povos locais, Godos,


Visigodos, Francos, Vândalos, Alanos, etc… A Europa vai viver estilhaçada, é uma
sociedade mais pobre, os indicadores de conforto vão desaparecer.

622 – Hégira – Na península arábica, Maomé vai fugir de Meca para Medina, o momento
fundador do Islão, os primeiros líderes islâmicos assumem uma postura muito agressiva e
bélica, expansionista.

711 – Chegada dos Muçulmanos à península Ibérica. O califado de Bagdad é a potência


política da época e mais uma vez nasce do Oriente para o Ocidente.
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800 – 25 de Dezembro – dia de Natal – O Império de Carlos Magno – Carlos Magno é


coroado imperador, a capital está no Reno, na actual Alemanha, o Império de Carlos Magno
não irá sobreviver muito tempo após a sua morte.

Roma tinha simbolismo, por isso o Imperador teve de ser ungido em Roma.

1096 – 1ª Cruzada – Nos reinos Cristãos no Ocidente, O Papa Urbano II proclama a


necessidade de Cruzadas para recuperar os lugares santos para os Cristãos – a ideia de Guerra
Santa. Entre 1096 e o final do Séc. XIII houve nove grandes cruzadas e várias menores, o
saldo é negativo para os Cristãos.

A ideia de como ver o outro.

A Ideia do que deve fazer um Cristão para recuperar o que é ideologicamente dele.

Nasce o problema do Controlo sobre Israel, encontravam-se terras para os segundos filhos da
nobreza e encontrava-se espaço pois na Europa já não havia espaço.

O Sacro Império Romano Germânico, a Alemanha só nasce no Séc. XIX, bem como a Itália.

1453 – Fim da Guerra dos 100 anos, entre França e Inglaterra, vence a França e assume-se
como o principal poder na Europa. No mesmo ano os Turcos conquistam Constantinopla que
deixa de ser romana, é este o fim da Era medieval.

Czar- Kaiser – César – entre o final do Séc. XIV e Séc. XV dá-se o cisma do Ocidente, dos
dois papas, o de Avinhão e o de Roma, discute-se qual é o legítimo, é após a peste negra.

No Séc. XV há expansão para ocidente com os descobrimentos.

Cristianismo

Séc. I AC – Séc. I DC – O Mediterrâneo é mar Romano, rotas comerciais, é um mar muito


movimentado e dinâmico, prefere-se viajar por mar é mais rápido, mais seguro e por ser isto
também é mais barato, até ao Séc. XVIII é a era em que mais se viaja, há uma mobilidade
geográfica muito grande, em larga parte devido aos exércitos.

O Mediterrâneo Oriental era onde as grandes civilizações estavam, Egipto, Síria,


Mesopotâmia.

Antes dos Clássicos este mundo fora conquistado por Alexandre Magno no final do Séc. IV
AC que conquistou todo o Mediterrâneo Ocidental o que potencia a exportação de cultura
grega para o Mediterrâneo oriental, Egipto Etc… Uma cultura Crioula, helenística.

Tradução da Bíblia Hebraica Israel e Palestina, os textos hebraicos tinham textos sagrados na
sua língua materna, a Palestina era conquista de Alexandre Magno e a cultura grega vai
influenciar a cultura hebraica, esses textos vão ser traduzidos para o grego, o grego era a
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linguagem franca da altura, foi a tradução dos setenta (septuaginta) mas com esta tradução
introduziram-se textos novos que só existem com a Bíblia Grega como por exemplo o Livro
da Sabedoria de Salomão, o Livro do Profeta Daniel não coincide entre a Bíblia Hebraica e a
Bíblia Grega a versão grega expande o texto com elementos da cultura grega, o tópico do
Sábado era uma invenção Hebraica, o Sábado seria para descansar, mas os gregos não tinham
esta ideia, não tinham este dia de descanso, a questão do Sábado ainda hoje é observada e
discutida em Israel, os judeus ortodoxos observam isto.

As restrições alimentares religiosas, como a proibição de consumir carne de porco, a


circuncisão, os rapazes no mundo grego não eram submetidos à circuncisão, mas no mundo
hebraico isso era obrigatório para os rapazes.

Sobre a circuncisão só no Séc. II AC num papiro que contém uma carta dum jovem judeu
apaixonado pela cultura grega a um médico, a cultura grega era também a cultura do
desporto, os gregos helenizavam pelo desporto, nos desportos gregos os gregos praticavam
desporto nus, o padrão era o grego, o contexto de belo é diferente, um homem circunciso é
diferente esteticamente, os circuncisos eram vistos como campónios, provincianos não eram
verdadeiramente gregos nem modernos, nesta carta o atleta judeu perguntava ao médico
como poderia reverter a circuncisão cosendo-a.

O templo era o centro da religião hebraica, era numa divisão do templo, no santo dos santos
que morava Deus.

É em tópicos como o Sábado e em outras questões que judeus e cristãos primitivos vão
divergir, na circuncisão também, bem como na questão da carne de porco, porque o templo
vai deixar de ser central, porque deixa de ser central na religião cristã.

O Cristianismo nasce da discussão que existe dentro do Judaísmo, nasce por reacção ao
judaísmo, para dar resposta helenista a questões estagnadas no judaísmo.

O culto de Isís (Egipto) deusa egípcia, este culto assenta na ideia de morte e ressurreição,
Osíris o marido de Isís é despedaçado, desmembrado, e Isís reúne os pedaços e retorna-o à
vida, há insistência no culto à deusa Isís, em Roma há um grande templo dedicado a Isís
ligado à Primavera é aqui que se comemora a morte e ressurreição de Osíris, Melcarte era
outro deus que também morria e ressuscitava na Primavera.

Símbolos relacionados com a água, sangue, estas religiões escreviam muito, tinham textos
que só serviam para os fiéis, eram cultos iniciáticos, tinham uma longa preparação, até ao
acolhimento pleno no seio da comunidade, os primeiros cristãos também o foram, os
primeiros baptistérios (locais onde eram baptizados os fiéis) ficavam fora das igrejas, alguns
ficavam às portas, só mais recentemente são colocados dentro das igrejas.

Só depois de baptizados podiam entrar na igreja, o cristianismo é grego e romano é produto


do seu tempo, da cultura greco romana com uma matriz hebraica.

O Cristianismo nasce no contexto da resposta grega ao judaísmo, não escrevem em hebraico,


escrevem em grego que é a língua da época.
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O começo do Evangelho de João, “No princípio era o Verbo.” S. Jerónimo traduz a Bíblia do
grego para o latim, a vulgata de S. Jerónimo.

Em Latim “Verbo” significa palavra, em grego está a palavra “Logos” que significa
raciocínio, o acto de pensar, a capacidade dum indivíduo pensar.

Logos é central em filosofia grega, a razão por trás de todas as coisas, a ciência é o descobrir
dessa razão.

No Séc. I no Evangelho de João, o centro da cultura e da razão é o raciocínio, é Deus, a razão


é anterior ao homem e o homem nasce desta razão.

O cristianismo está no coração do mundo clássico é por este texto que o Cristianismo se
posiciona no seio da cultura grega.

O logos, o Verbo, é Cristo, Cristo é a razão e o raciocínio.

Apesar do Cristianismo nascer no mundo grego não se quer misturar com o pagão, “Não é do
mundo o meu reino” os cristãos apontam para um mundo para lá do mundo a cidadania dos
cristãos é o Céu, não são iguais nem aos Judeus nem aos pagãos.

Tertuliano um autor do Séc. II aponta três raças, os pagãos, os judeus, e os cristãos.

Para o Judaísmo e para o cristianismo a divindade era apenas uma, são monoteístas, ao
contrário dos politeístas que criam em vários ou dos enoteístas como dos de Mitra e Isís que
prestavam culto a um só deus e reconheciam a existência de outros deuses, para os
monoteístas outros deuses não podem existir.

Os Hebreus combatiam pelo seu Deus e se há apenas uma divindade o culto a outras
divindades é contra a razão.

Os cristãos negam a identificação de Javé com Júpiter. Os cristãos não prestam culto a outros
deuses, isolam-se e comungam o corpo e sangue de Cristo, isto é mal visto aliado ao seu
próprio isolacionismo vai levar à perseguição a que são sujeitos, quando Nero os culpa pelo
Incêndio de Roma, inicia-se a perseguição.

Mas a cultura grega é helenista a sua base em Antioquia na Síria e Alexandria no Egipto,
nestas duas grandes metrópoles haviam muitos intelectuais, que iriam encontrar no
cristianismo fundamento e perguntavam-se “e se Deus for a razão?”

Platão procurava o bom o belo em si, os cristãos perguntam se o bom e o belo em si é Deus.

O Cristianismo identifica Deus com a Razão.

O problema da Verdade, para os cristãos Deus é a razão por isso a verdade é Deus, tem
fundamento filosófico.

Justino é o primeiro grande filósofo cristão, passou pelo estoicismo, busca a verdade, Deus
sendo a razão, a verdade é Deus, aceita os princípios dos Cristãos.
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Clemente de Alexandria, Pateno, e Orígenes, que tenta formar o cristianismo platónico, o


bem e o belo em si é Deus e a procura do Deus Cristão.

Cultura e poder na era medieval, se há ou não continuidade da era clássica.

25-7-336 DC Constantinopla, Bósforo, Mar Negro, no estreito de Bósforo que separa a


Europa da Ásia, seis anos depois da fundação da cidade, no palácio de Constantino.

Colina do Palatino, palácio abandonado por Constantino em Roma.

Neste dia vão ser celebrados os 30 anos de governo de Constantino, todos os imperadores
tinham o título de “Augusto” em 306 fora Augusto Constantino, na sala em que está a ser
celebrada esta data, 30 anos era uma longevidade rara, só Octávio César Augusto (o primeiro)
tinha reinado tanto tempo.

Há uma personagem encarregue de fazer o Pangírio, ou o elogio do imperador, Eusébio de


Cesareia, o elogio do imperador era algo normal.

Eusébio de Cesareia é um bispo cristão, será um cristão a fazer o elogio do imperador,


Constantino já era cristão há 20 anos, Eusébio era bispo de Cesareia uma localidade na
Palestina, é um dos principais intelectuais do seu tempo, é o historiador mais influente da
idade Média, até ao Séc. XIII é de sua autoria a história eclesiástica, estabelece as listas das
grandes cidades do império, o que sabemos dos primeiros anos do cristianismo deve-se a este
homem.

A Crónica de Eusébio de Cesareia é a história universal em colunas, uma grande tabela, cada
coluna corresponde a um povo (Egipto, Hebreus, Romanos etc…) é uma cronologia
civilização a civilização desde Abraão até ao seu próprio tempo 326 DC, ele tenta ajustar os
diversos acontecimentos pelos diversos povos (isto no mundo antigo era tarefa difícil) ele faz
a primeira grande história consultável, é possível ver o que aconteceu nos diversos povos
num dado ano.

Este homem escreve a vida de Constantino é ele que é o escolhido para fazer o louvor
pangírico a Constantino.

Ele diz que os que estão no interior do Santuário e foram purificados que fechem os ouvidos
ao profano.

Não é um discurso feito numa igreja, mas ele diz que todos os presentes tiveram acesso ao
templo, as cerimónias religiosas eram feitas fora das portas do templo. Na antiguidade apenas
os deuses viviam nos templos daí que as festividades tivessem de ser fora das portas.

Eusébio dá ar duma cerimónia religiosa, mistério é uma palavra religiosa, conjunto de saberes
que apenas é dado aos iniciados, a linguagem usada é religiosa apenas os purificados na
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piedade terão acesso à companhia dos que servem o Senhor Soberano Deus e recebem os
mistérios divinos.

Na era de Virgílio ou Augusto isto seria incompreensível hoje é o festival do nosso grande
Imperador e nós seus filhos alegramo-nos por isso sendo nós inspirados no sagrado, é Deus
que preside a tudo isto.

É Deus que domina tudo e todos, é através de Deus que o nosso imperador divinamente
favorecido, é o administrador de Deus no mundo, é uma imagem transcrita da soberania
divina, o poder de administrar o mundo em nome de Deus.

O governante é uma transcrição de Deus, é Deus que fala pela vontade do Imperador.

O título imperial é sagrado, Deus ama o imperador porque todos os que o imperador governa
estão sobre o poder do imperador e de Deus.

O imperador é amigo e intérprete de Deus, da palavra de Deus e procura levar a toda a raça
humana a palavra de Deus que deve proclamar a todos as leis da verdade a todos os que
habitam sobre a terra.

Investido à semelhança do soberano celeste ele dirige o seu olhar para o alto e forma o poder
na terra de acordo com o original divino sendo essa imagem conforme à monarquia de Deus
na qual só existe um Deus e só pode existir um imperador, sendo o reino da terra uma
imagem do reino dos céus.

A monarquia é a melhor de todas as formas de poder, a igualdade democrática é a anarquia e


desordem, haver vários reis é tão falso como haver vários deuses, só um soberano, só uma
palavra.

Na antiguidade clássica há três formas de organizar o estado, monarquia, aristocracia e


democracia, Augusto tentou conjugar as três, Eusébio escolhe a monarquia diz que a
democracia é anarquia e desordem.

Monarquia – O poder de um só.

Este texto é o embrião do pensar medieval sobre o poder.

Constantino não era o único imperador

312 DC – Vários indivíduos tinham o título de Augusto.

Constantino e Maxêncio, Maxêncio estava em Roma e Constantino fora de Roma,


Constantino vai a Roma à entrada Norte, derrota Maxêncio na ponte Mílvia, com a vitória
torna-se o único imperador do ocidente, Constantino diz que teve uma visão e terá visto o
Símbolo:
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As iniciais de “Cristo” em grego (Chi Roh) e terá visto a frase “com este sinal vencerás”

Constantino vai dizer que a vitória se deve à divindade cristã, converte-se ao cristianismo e
assume-se como cristão.

Constantino já tivera visões de Apolo e de outros deuses do paganismo romano.

Em 313 junta-se com Licínio, imperador do Oriente para promulgar o édito de Milão, a
primeira lei que dá explícita liberdade de culto aos cristãos e os autoriza a não fazerem as
liturgias cívicas a outras divindades.

Revoga o confisco de propriedade a cristãos que haviam sido confiscados por serem cristãos.

Deuclaciano perseguiu os cristãos por se recusarem a prestar culto aos deuses cívicos.

Os cristãos podiam ser multados, confiscados ou enviados para as arenas combater, ou servir
de alimento a leões.

Está com isto a formar-se a igreja na Europa ocidental, ainda hoje nas actividades que têm a
ver com o culto religioso são isentas de impostos, não pagam IVA nem IRC, foi na era de
Constantino que isto surgiu.

A isenção do serviço decurial, todos os bispos (líderes das comunidades cristãs) estavam
isentos de impostos e serviços militares, deixaram de ter obrigações políticas.

Constantino vai pagar as grandes basílicas cristãs, São Pedro no Vaticano na margem Norte
do Rio Tibre.

As Basílicas de São Pedro e São Paulo em Roma foram construídas neste tempo e
acrescentadas no Séc. XVI, a Basílica do Santo Sepulcro em Jerusalém, também atribuído a
Helena mãe de Constantino.

O Cristianismo nunca foi muito unido desde o Séc. I que havia conflictos, como é hoje
sempre foi, os diversos grupos pediam a arbitragem imperial.

Constantino tinha interesse nestas questões e em 317 no Norte de África quando Deuclaciano
quis que prestassem culto aos deuses pagãos, a maior parte dos cristãos submetia-se a isto
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com medo das sanções, Deuclaciano queria que lhe entregassem os livros das Escrituras a fim
de os queimar.

Trado – Entregar em latim, traditores vai originar a palavra “Traidores” – os que entregam.

Em 325 Constantino convoca os bispos a Niceia na actual Turquia, para um concílio cujo
objectivo é a fixação de doutrina, para começar queriam responder definitivamente à
pergunta “Quem é Jesus Cristo?” este concílio foi convocado e presidido por Constantino que
participou no concílio.

Na prática o cristianismo é uma religião de cidades e não do campo, vai começar a crescer, o
padrão de conversão é de cima para baixo, as elites convertem as massas.

As camadas menos favorecidas e os intelectuais são as camadas mais resistentes à conversão,


a família imperial converte-se e os seus seguidores tendem a imitá-los, o mundo rural resiste
muito ao cristianismo, os intelectuais e o exército resistem.

A partir de Constantino há três concepções de poder, que vão concorrer a que morre mais
depressa é a concepção urbana de poder, urbs – cidade – Roma, a urbs por excelência é
Roma, que diz que o governo deve ser partilhado, o poder é do imperador e do povo, do
senado.

Constantino já não vive em Roma, qual é o papel de Roma e do senado de Roma quando este
perde a sua relevância? Houve quem dissesse que sem Roma não haveria império, mas era
uma elite ultrapassada, que se tinha visto ultrapassada, o império era romano mas o senado e
os senadores vão querer resistir ao cristianismo, irão continuar a seguir Júpiter.

A deusa Victória tinha uma estátua no senado, a tradição era que quando os senadores
entravam deitavam pó de incenso aos pés da deusa, isto era um sacrifício, uma oferenda, um
acto de veneração à deusa, Graciano imperador cristão depois de Constantino proíbe isto por
ser uma mentira, os senadores mesmo os cristãos acharam esta proibição uma afronta.

Mais, achavam que a tradição era para se manter, enviaram uma embaixada, uma comissão a
Milão, falar com Graciano para o convencer a revogar esta proibição, Graciano nega porque
afirma que é o representante de Deus na terra e não pode tolerar isto, o senado deixa de ter
relevância, concepções colectivas de poder deixam de aparecer até à Baixa Idade Média.

Com Constantino é uma religião favorecida mas ainda não é a religião oficial.

O Eusebianismo político é a segunda concepção de poder que diz que o melhor intérprete de
Deus na terra é o imperador, até em questões de doutrina.

Esta concepção de poder é antiga, precede os cristãos no Mediterrâneo, faraós no Egipto, são
concepções pré-clássicas, o imperador contudo, nunca mais se irá chamar “deus” pois o Deus
Cristão é um só.

Os pagãos eram fragmentados, mesmo que fossem deuses, eram um entre muitos, mas o
imperador é o melhor intérprete, é sobre-humano, é o intérprete do Deus único, o poder de ser
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a voz do Deus único é apenas inferior a ser Deus, a etiqueta do corpo, o imperador aparece
sempre longe, o trono deixa de estar ao nível das pessoas, está elevado, ao fundo e em cima, o
quarto passa a ser o sacrário, ou o sagrado cubículo, todos têm de se baixar perante o
imperador, ajoelhar diante do imperador, falar com ele de joelhos, porque é o intérprete, tocar
o imperador é tocar o seu manto, beijar o imperador é tocar a capa, tudo isto distancia o
imperador da demais humanidade, o imperador é a transcrição de Deus, os que fazem a
triagem do acesso ao imperador são os mais poderosos, quem lê as suas cartas por exemplo.

Hierarquia – poder sagrado em Grego, a ideia é de que chegar a Deus é passar pela
hierarquia, no topo está o imperador e quanto mais está afastado do imperador menos poder
se tem.

No final do Séc. IV o episcopalismo de Ambrósio é a reacção a isto.

Concepções em torno de poder

Concepção de poder urbana

O imperador é o melhor intérprete de Deus, é assim que é apresentado.

A etiqueta imperial – o imperador está distanciado do povo, o imperador está no topo da


escadaria, o quarto do imperador é recôndito, pouca gente tem acesso a ele.

O Episcopalismo – o mais importante defensor desta teoria é Ambrósio de Milão, Milão é


uma cidade que o imperador frequenta, o imperador da metade ocidental não abandona
Roma, prefere Ravena e Milão, o bispo da sede de Milão vai dar o seu cunho à doutrina
imperial.

O senado mandou embaixada a Milão para permitir que a estátua da deusa Victória voltasse,
quando Ambrósio sabe isto pede também uma audiência ao imperador para lhe pedir que a
estátua não regresse.

Ambrósio diz que a divindade Victória nada significa mas mais que isso está a dizer que o
imperador não pode decidir de outra maneira.

Ambrósio é quem estabelece os limites do poder imperial e é a igreja que estabelece estes
limites é isto o episcopalismo, o conflito entre os limites do poder do imperador e a igreja no
Séc. XVI isto vai levar ao cisma de Henrique VIII.

A Imperatriz no Ocidente Justina que não era do grupo Cristão de Ambrósio, era do grupo
cristão ariano, os arianos reclamavam a possibilidade de usar uma igreja em Milão para
celebrar a Páscoa. Ambrósio bispo de Niceia opõe-se-lhes, chama Justina e os arianos
hereges.

Ambrósio nega a igreja mais que isso impõe a não entrega da igreja aos arianos.
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O Imperador Teodósio do Oriente na cidade de Tessalónica.

Houve tumultos nesta cidade devido a um auriga (um condutor de carros de corrida puxados
a cavalos), estes desportistas tinham claques semelhantes às claques de futebol actuais, o
governador de Tessalónica quis prender o auriga, os adeptos revoltaram-se e matam o
governador Teodósio manda uma legião a Tessalónica para pacificar a cidade, a legião invade
Tessalónica e mata sete mil pessoas, o que por qualquer padrão é um banho de sangue, sete
mil cidadãos romanos mortos numa acção policial, Ambrósio intervém e acusa Teodósio de
ter exorbitado os seus poderes e diz a Teodósio que tem de se curvar para obter perdão tem de
se curvar perante a divindade e de se arrepender publicamente, tem de se vestir de
sarapilheira (um tecido muito pobre, semelhante ao tecido do hábito dos monges
franciscanos, ou dos actuais sacos de batatas) tem de se curvar perante Ambrósio como o
representante de Deus, tem de pedir o perdão de Deus à pessoa física de Ambrósio.

Mas se o imperador é o melhor intérprete de Deus como pode ele negar toda a etiqueta
imperial e fazer isto? Se não fizer isto Ambrósio excomunga-o, afasta-o dos ritos cristãos.

Teodósio aparece em Milão vestido de sarapilheira para se submeter ao julgamento de


Ambrósio, o imperador apesar de tudo não é um sacerdote cada bispo era autónomo, mas era
bispo de uma cidade influente, a hierarquia da igreja irá surgir no Séc. XI

O que é Deus?

Séc. IV
Quando Constantino se converte, converte-se a quê?

Não havia consenso sobre o que era Deus, não havia ainda ligação entre Deus Pai e Cristo,
não se entendia ainda bem a relação entre eles.

Não estava fixa a doutrina, a cultura.

Heresia é algo que nasce de diferentes concepções de Deus, aquele que pensa de forma
diferente da forma dogmática é um herege, o que pensa de acordo com o dogma é ortodoxo, a
partir do momento em que os cristãos eram perseguidos houve necessidade de saber porque
estavam a sofrer eles, quem era este Deus pelo qual estavam a sofrer, é daqui que nasce a
necessidade de estabelecer e fixar a doutrina.

Uma doutrina herética era a dos arianos que tinha no sacerdote egípcio Ario o seu principal
defensor, opõe-se-lhe Atanásio de Alexandria.

A discussão é esta:

- Ario diz que Jesus Cristo não é da mesma substância do Pai, eventualmente é uma figura
nem inteiramente humana, nem inteiramente divina, o Filho está subordinado ao Pai, é isto o
subordinacionismo. Se isto é hierarquia, tempo, essência, quem ordena mais, quem é mais
antigo, quem é mais santo, se o Pai ou o Filho, e se o Filho é criatura do Pai ou não, se foi
criado pelo Pai ou não?
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Porque se o Filho for igual ao Pai não é monoteísmo, porque sendo igual ao Pai há dois
deuses.

Constantino é chamado a decidir isto, em 325 convoca o concílio de Niceia presidido pelo
imperador constantino, Eusébio de Niceia estará presente.

É aqui que se define o credo Cristão, define-se que o Filho é unigénito, o Pai gerou apenas
este Filho é uma filiação única, nasceu do Pai antes de todos os Séculos, Jesus Cristo é Deus
de Deus, gerado e não criado Deus verdadeiro de Deus Verdadeiro, consubstancial ao Pai, a
substância de Cristo é a divina.

Niceia estabeleceu a divindade de Jesus, ambos são Deus, ambos têm a mesma substância.

O cristianismo crê em Deus trinitário, diferente do Deus Hebraico ou Islâmico.

Consideram Ario um herege, os arianos contudo vão ser recebidos nos anos seguintes na
corte de Constantino, um desses bispos é Eusébio de Cesareia que tenta mitigar as decisões
do Concílio pelo ponto de vista dos arianos, é este homem que é suspeito de ser herege.

Pelo arianismo pode-se configurar o imperador com Cristo, pois se Cristo era menos que
Deus Pai poderia ser repetido, poderia haver mais, se a imagem do imperador se aproximar
do Filho, é mais próxima de Deus, é por esta configuração com Cristo que se atinge maior
proximidade com a divindade.

Surge aqui o papel da mãe do imperador Helena que recebe o título de “Augusta”.

Quando arianos e Niceianos discutiam, Helena peregrina até Jerusalém e descobre a palavra
“inventio” e vai descobrir os restos da Cruz de Cristo revelados por uma visão, vai inventar a
Santa Cruz, vai trazê-la primeiro para Constantinopla e depois para Roma, vai mandar
construir a basílica da natividade em Belém, e a pedra onde Jesus Cristo ascendeu aos Céus, a
Igreja da Ascensão.

A imperatriz é mãe do quase novo Cristo, é daqui que surge o culto mariano.

Em 381 o assunto fica mais resolvido, em 358 o Imperador Valente que era ariano morre em
batalha contra os Godos que atravessaram o Danúbio até à Bulgária, o imperador vai até
Adrianópolis e é morto em combate, a Valente sucede Teodósio que convoca o concílio para
Constantinopla, Teodósio que sucede a Ambrósio decide não participar no concílio é aqui que
é definido o conceito de Trindade, Deus Uno e Trino.

Este Concílio reafirma Niceia, o imperador não participou no concílio, mas este concílio
rectifica o concílio de Niceia e endossa a concepção coordenacionista, tem a tradução no
poder.

Teodósio tem um filho, Arcádio que se torna co-imperador com o pai, ambos Augustos,
ambos estão ao mesmo nível, o pai e o filho, o imperador é a imagem de Deus na terra e
como Deus há legitimação religiosa, o Pai e o Filho, Constantino estava quase ao nível do
Filho, aqui Pai e Filho estão ao mesmo nível.
14

Constantino tinha visões, Teodósio também tinha visões com os Apóstolos, Teodósio não se
vê à maneira de Eusébio.
No Séc. V surge a discussão sobre se Cristo seria Deus e Homem e em que medida.

Quando Cristo encarnou qual era a sua natureza se Deus ou se Homem, ou se um pouco de
ambos, a posição que ganha é que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, totalmente
Deus e totalmente homem.

451 – Concílio de Calcedónia irá resolver isto.

Os bispos viajavam com exércitos Cirilo o bispo que vai defender que Cristo era verdadeiro
Deus e verdadeiro Homem, ambas as naturezas coabitavam na totalidade, não confundidas
nem misturadas, indivisas e inseparáveis.

Em Calcedónia discute-se Maria, Mãe de Cristo, Maria teve de ser mãe de um ser humano
uma portadora ou mãe da figura divina, mãe de Cristo ou mãe de Deus? Vence a posição que
Maria é Mãe de Deus.

O concílio de 451 é promovido por quem? Em 450 morre Teodósio II sem herdeiros, tinha
uma irmã mais velha que assumira a regência, Pulquéria que decide não abandonar o poder,
Pulquéria Augusta reclamava ser virgem que se dedicara a Deus, mas para manter o poder
tinha de casar, com Marciano um general de Teodósio II, para manter o poder no dia do
casamento anuncia que nunca irá deixar de ser virgem, será sempre virgem.

Maria será sempre virgem, Pulquéria será um duplo desta imagem, a que casando nunca
deixaria de ser virgem.

A ideia do culto mariano já existia, mas agora passa a ser dogma, mas já se acreditava que
Maria era Virgem.

No paganismo primitivo os deuses eram uma ordem de criaturas como qualquer outra, mas
não há reflexão sobre a sua natureza.

No Cristianismo discute-se essa personagem, Deus e a relação da sua natureza com o Filho.

Está-se a definir o que é Deus, qual é a substância da divindade.

Pulquéria precisa disto para afirmar a sua posição, que Maria seja Virgem, Mãe de Deus e
Imaculada.

Como os Cristãos a partir do Séc. IV definem Deus?

Qual o lugar do filho na Trindade, é a discussão sobre o centro da Fé, estas definições ainda
hoje são estruturantes e uma discussão também em torno do poder. Mesmo admitindo a
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divindade de Cristo ninguém o tinha visto. Discutem com base na experiência deles, como se
organiza Deus, pois sendo único é Trino.

No mundo oriental de Constantinopla estas concepções eusebianistas vão-se manter.

Em 1453 quando Constantinopla é tomada pelos Turcos não havia império apenas havia um
título de honra, o império do Oriente tem a sua primeira morte no Séc. VII com o Islão, a
ideia de um imperador distante, dum ser à parte dos demais humanos, a etiqueta da corte
muito distanciadora aliada às concepções Eusebianistas, no ocidente as coisas não vão ser
assim, pela chegada das invasões germânicas no Séc. IV, as populações de matriz germânica
não mediterrânica que migram para Sul, o império vai tentar absorve-las mas tem
dificuldades.

O imperador Rómulo Augustulo é deposto por um germânico, Odoacro que envia os regalia,
os símbolos para Constantinopla, o imperador de Constantinopla vai reivindicar o ex-império
ocidental a capacidade real de intervir no ocidente é quase nula.

Séc. II AC – Emílio Sura que vai influenciar a idade média pela invenção para a interpretação
para a história do mundo da translatio imperii, ele defende com esta interpretação a passagem
de poder, a translatio imperii define toda a história universal como uma sucessão de impérios,
de poderes, desde o primeiro império babilónico, o império mais antigo, ao império romano,
o último herdeiro do primeiro império que se foi sucedendo até ao império romano.

Babilónia, Egipto, Cartago, Macedónia, e finalmente o Romano, contudo é uma cronologia


adaptada, forçada para mostrar a passagem de poder.

Os textos de Emílio Sura perderam-se mas a teoria não, outros autores vão tomar estes textos
e na sua concepção de translatio imperii Dionísio de Helicarnasso é um destes autores, mas o
maior exemplo é a Eneida de Virgílio, onde Júpiter diz a Vénus que o Romano é o império
final, que não haverá outro, não haveria mais nada que pudesse vir a seguir.

Nos anos 90 desenvolveram-se teorias discutindo o fim da história, é o fim da evolução das
estruturas, com a queda da URSS de algum modo o mundo tinha chegado à etapa final por
isso os filmes de ficção científica e cyberpunk, já os romanos faziam algo parecido, não
conseguiam ver além deles.

Quando no Séc. IV Eusébio faz a sua crónica, a cronologia civilização a civilização,


conforme o tempo vai passando o número das colunas vai diminuindo até haver só uma, a dos
romanos, isso coincide com a assimilação dos impérios, aqui está a translatio imperii, Roma é
a depositária de todo o poder

No início do Séc. V há um autor cristão – Orósio – Provavelmente de Braga, é um historiador


que emigra para o Norte de África, Orósio parte a visitar Santo Agostinho – Agostinho de
Hipona, que estava a escrever A Cidade de Deus, Orósio vai escrever uma história a história
contra os pagãos, uma história universal, Orósio vai usar a translatio imperii e vai justificar a
transicção entre quatro grandes impérios Pérsia, Babilónioa, Cartago, Macedónia e Roma, o
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império mais feliz de todos vai ser o império romano, quando Constantino transfere a capital
para Constantinopla era esta cidade a herdeira da velha Roma.

Os historiadores irão dizer que o poder migrou de Roma para Constantinopla, mas Roma de
facto caiu, a ideia de que o império Romano não tem fim fica em cheque, vai ter de ser
reinterpretada.

Em 410 a 24 de Agosto os Visigodos entram em Roma e saqueiam durante 3 dias a cidade,


Roma caiu aos Visigodos, os Cristãos crêem que Jesus Cristo virá segunda vez, a Parúsia, os
Cristãos acharam que esta queda seria um sinal dessa segunda vinda.

A Felicidade do império Romano de Orósio tinha a ver com paz.

No Oriente isto foi um duro golpe, os Cristãos justificaram isto com o facto de Constantino já
saber isto (por adivinhação) e fundou Constantinopla para fundar o império, Itália pós-
imperial em 476 Zenão recebe as regalias de Odoacro, de facto Zenão não vai aceitar esta
devolução pois ela significava o fim do império e o fim do domínio da Itália, Zenão organiza
uma expedição para recuperar a Itália para o império, a ideia foi a seguinte:

Na actual Sérvia e Bósnia havia uma população germânica que aí residia, essa população
eram os Ostrogodos, tratavam-se por primos dos Visigodos, o imperador deixou-os em paz
mas deviam mandar os filhos como reféns para serem educados para Constantinopla, um dos
rapazes era Teodorico que foi educado pelos melhores professores de Constantinopla, esta é
uma ideia Romana a de dominar pela educação e romanizar os inimigos, do ponto de vista
cultural Teodorico era muito educado, Zenão chamou Teodorico e enviou-o à Itália com os
Ostrogodos atacar Odoacro, Teodorico aceitou, Zenão não estava confortável com a presença
dos Ostrogodos, e assim recuperava a Itália e via-se livre da ameaça dos Ostrogodos, o plano
resultou, Teodorico vai vencer Odoacro e vai-se tornar senhor da Itália, Teodorico recebe o
Título de Patrício e o imperador vai ungi-lo rei dos Ostrogodos, Teodorico torna-se
independente do imperador, Teodorico vai instalar-se na Itália, vai trazer estabilidade à Itália
uma região que é próspera Teodorico não é um bárbaro sabe grego melhor que qualquer itálo,
Sabe Homero, houve uma translatio Regni, uma passagem do Reino, o império do ocidente
caiu mas fez-se a sua passagem para os Ostrogodos.

Teodorico vai importar a etiqueta imperial e vai usá-la para si próprio vai restaurar os
monumentos de Roma antiga que estavam degradados, faz isto para se promover como
sucessor dos romanos, um neo-romano, a legitimidade do seu poder vem de Zenão, e de
Anastásio, ao fazer essa passagem ele simbolizava a antiga Roma, o coliseu que estava vazio
e em mau estado, vai ser restaurado e vão voltar a haver jogos, vai promover o advento, o
imperador quando entra na cidade, entra em festa, à imagem da entrada de Cristo em
Jerusalém pela Páscoa, vai haver festas para receber o imperador.

No ano 500 Teodorico celebra os seus 30 anos de governo sobre os Ostrogodos, já estava há
7 anos em Itália, vai haver um pangírico, nunca lhe chamam imperador e ele nunca reclama o
título, vai reclamar o título “Sempre-Augusto”, estabelece-se em Ravena, é lá que está o seu
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mausoléu, imita alguns símbolos pagãos, mesmo sendo cristão, a sua influência clássica é
assim tão forte.

O padrão imperial manteve-se, Reis como Teodorico vão insistir na ideia da passagem de
poder desde Roma sem qualquer corte, querem manter a ficção de que Roma é ainda o seu
império.

No caso dos Visigodos Teodorico está até 526 em Itália, morre nesse ano, nos visigodos e na
península Ibérica, no Séc. V e VI é um espaço fragmentado sem rei que possa ter poder para
repetir o feito de Teodorico, no Séc. VI há o Rei Leovigildo, rei entre 569 e 585, este vai
levar a cabo a conquista da península ibérica para os Visigodos, quando ele morre, quase toda
a península estava dependente dos visigodos, à medida que este expande o território, vai
tentar copiar o imperador de Constantinopla, Leovigildo é o primeiro a usar uma coroa, um
manto e a sentar-se num trono à maneira do imperador, eram demasiado fracos e pouco
credíveis para reclamar isso para si, por isso quando Leovigildo conquista os velhos reis
fragmentados tenta fazer isso para a península e vai estabelecer a capital régia para Toledo no
centro geométrico da península 1000 anos mais tarde Filipe II vai fazer o mesmo com
Madrid, Toledo passa a ser a nova Constantinopla e vai fundar uma segunda cidade para
Recaredo, seu filho para assegurar a sua descendência, Recópolis.

Quando Leovigildo morre sucede-lhe Requerdo, os reis dos visigodos eram arianos, acharam
que o filho não era da mesma substância do pai, Requeredo convoca um concílio em Toledo,
o terceiro concílio de Toledo 589, que vai celebrar a conversão de Requeredo ao credo de
Niceia.

O imperador de Constantinopla já era crente do credo coordenacionista do credo de Niceia,


assim do ponto de vista da simbologia do poder, o rei da península ibérica tem o mesmo
credo que o imperador e os mesmos símbolos, É Requeredo que preside ao Concílio de
Toledo, Requeredo não se vai chamar Imperator, mas vai reclamar o título Flávio Requeredo,
porque Constantino se chamava Flávio Constantino.

Princeps era um título imperial, Requeredo vai reclamar, este título, Felix, Pio, Glorioso, no
ano 626 o rei dos Visigodos Suintíla vai unificar a península sob o domínio visigótico vai
chamar-se o detentor da monarquia imperii sobre toda a hispânia, mas ele está a expulsar os
romanos da península, aqui também há translatio, eles vão expulsar para legitimar o império.

No ano 800 em Roma Dia de Natal o rei dos Francos Carlos Magno, vai para Roma, Leão III
que tinha sido acusado de roubo e de falta de castidade pede ajuda a Carlos Magno que tinha
um enorme império, Carlos aceita ajudar Leão no dia de Natal, reza a lenda que sem que nada
o fizesse prever quando Carlos Comunga, em vez de Leão lhe dar a comunhão coroa-o
imperador Carlos Magno, em parte o império é de tal forma grande, o império Carolígio, é
um novo império romano que não incluí a Ibéria, o Sul da Itália mas inclui a germânia, é o
império romano ou mais tarde romano germânico ou Sacro Império Romano Germânico que
vai durar até ao Séc. XIX, Frederico II vai ser o seu último imperador, só vai ser derrotado
por Napoleão, o Papa estava em Paris para coroar Napoleão Imperador, um novo Carlos
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Magno a capital deste novo império romano é a cidade fundada por Carlos Magno Aquis
Granum actual Aachen, esta foi a última das translatio.

Agostinho

Pulsões, tentações, pulsões da carne, todos sente pulsões da carne não há pessoas
100%carnais, todos têm algo de espiritual.

Princípio do corpo, da matéria e do espírito.

Assim também é a sociedade humana a que puxa pela Cidade de Deus pelo império, também
a Igreja, também o império vive este equilíbrio difícil entre corpo e espírito.

Para Agostinho o espiritual está acima do material, mas o papel de todos, do império da
Igreja ergue-se do material para o espiritual, do inferior para o superior, Agostinho estabelece
este princípio de alguma mistura, ele diz que só chegamos à cidade de Deus postumamente,
neste mundo apenas podemos ter amostras dela.

Finais do Séc. IV - Gelásio Bispo de Roma vai pegar na doutrina de Agostinho para escrever
uma teoria política baseada nisto, ele escreve ao imperador de Constantinopla descrevendo
duas ordens de coisas pelas quais o mundo é governado, a autoridade sagrada dos bispos e a
regalia potestas, o poder régio, autoritas e potestas, autoridade e poder, autoridade está nos
bispos e nas igrejas, mas quem tem poder, os meios é o imperador, o rei, mas o juízo divino
recaí mais fortemente sobre os sacerdotes que são responsáveis por eles mesmos e pelos reis,
os bispos devem obedecer às disposições políticas do rei, mas nos assuntos espirituais os reis
devem obedecer aos bispos, o poder temporal deve obediência ao mundo espiritual, o mundo
temporal deve tratar os assuntos da carne para que o mundo espiritual trate das coisas
superiores.

Gelásio separa essas funções, uma é superior à outra mas as duas devem ser relativamente
independentes.

Os reis devem tratar do temporal do corpo, dos aspectos materiais, os bispos são deste modo
libertados de funções políticas e deixados para contemplar o espiritual.

Entre os Visigodos o Rei é ungido com óleos pelo bispo de Toledo, essa unção imita a unção
dos reis de Israel que são ungidos pelos profetas.
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Foram os Visigodos os primeiros a fazer isto, o que leva a outra consequência, só há rei se
houver bispo, o poder real só existe porque é sancionado pelo poder eclesiástico, isto dá
corpo à teoria de Gelásio “eu te aceito como Rei e te marco com esta unção.”

Os bispos podiam depor os reis, isto aconteceu com Suíntila no ano 800, aconteceu o mesmo
com Carlos Magno que está limitado ao poderio papal, foi o bispo de Roma que o coroou, o
título depende do bispo. Luís filho de Carlos Magno é também coroado pelo bispo de Roma
como sucessor de Carlos Magno.

Se o bispo não quiser coroar o rei há conflicto de autoridade, vão ter de passar mil anos até
Napoleão para que ele seja auto-coroado.

O bispo de Roma é o Papa, o título de Papa é dado nos Sécs. III, IV e V, os bispos mais
importantes usavam-no o de Alexandria, Roma, usavam este título no Séc. III, consideravam-
no herdeiro do Apóstolo Pedro, o bispo de Alexandria era o herdeiro de Marcos
(Evangelista), o de Constantinopla herdeiro de S. André (Apóstolo), faziam-se listas de nome
e ligando estes bispos aos apóstolos, este forjar de listas era a forma de se legitimarem, de
justificarem a sua sucessão.

No reinado do bispo de Roma Leão I, também chamado Leão Magno, no Séc. V vai afirmar a
primazia do bispo de Roma, não era necessariamente o mais importante mas Leão Magno vai
reclamar esta primazia por ser descendente do mais importante Apóstolo, Roma já não é parte
do Império, a Itália está sem imperador por isso o bispo de Roma é alguém muito importante.

Os Cristãos vão considerar que o Bispo de Roma é um bom representante do imperador de


Constantinopla, tinha funções diplomáticas, o bispo era um bom símbolo da romanidade no
ocidente.

Na época de Carlos Magno aparece um documento conhecido como a doação de Constantino,


isto é um documento forjado como se fosse um documento escrito pelo punho Constantino
500 anos antes de Carlos Magno, e dizia que Constantino concedia ao bispo Silvestre de
Roma o poder imperial, é forjado, é falso, concedia ainda o poder sobre toda a igreja e que
Constantino teria oferecido ao papa a própria coroa imperial que Silvestre teria humildemente
recusado, ainda dava um conjunto de territórios no centro de Itália que seriam os estados
papais, os estados pontifícios, assim Silvestre só não era imperador porque não queria, tinha
poder e tinha território, só na segunda metade do Séc. XIX desapareceram os estados
pontifícios, o bispo de Roma irá conhecer esta anexação com Mussolini e o tratado de Latrão.

A autenticidade deste documento foi relativamente cedo impugnada, foi algo suspeito.

Carlos Magno e o bispo de Roma viviam em relativa harmonia, o clero não casava desde o
concílio de Elvira do Séc. IV, desde então que esta restrição existe, mas quando tinham filhos
os cargos episcopais não eram herdados, eram transmitidos por eleição, no caso da eleição do
bispo de Roma em 1059 estabeleceu-se que o Papa era eleito por um colégio de bispos,
bispos especiais que tinham o título de Cardeal, Cardeal era um título que podia ser dado a
qualquer sacerdote, o cardeal ainda hoje é o eleitor do papa, qualquer baptizado do sexo
masculino pode ser eleito papa, mesmo leigo, a eleição do bispo de Roma várias vezes foi
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violenta porque muitas vezes o imperador queria impor os seus candidatos, é uma tentativa de
limitar quem pode escolher no final do Séc. XI Gregório VII vai entrar em conflicto com
Henrique IV sobre quem tem autoridade para escolher os outros bispos e quem investe quem,
é o problema das investiduras, Henrique IV diz que tem o poder de investir bispos, em
Portugal os reis tinham o poder de confirmar os bispos, davam o seu aval ao cargo de bispo
por uma pessoa.

O poder temporal estava submetido ao poder espiritual com Gergório VII que se baseia no
Evangelho de Mateus “Eu te digo, tu és Pedro e sobre ti edificarei a minha Igreja.” Se Cristo
disse isto a Pedro, os bispos podem dizer isto aos fiéis, Cristo não disse a Pilatos ou a Tibério
que o imperador poderia fazer o mesmo aos seus apóstolos, assim se houver uma disputa
entre o poder régio e o papa, os fiéis devem obediência ao papa.

Gregório VII diz que o papa pode intervir perante qualquer rei por motivo de pecado para ser
corrigido pelo papa, a autoridade régia depende da autoridade papal, a igreja tem poder de
supervisão e de comando, a igreja tem o poder de entronizar e de depor, mas Gregório VII
não tem poder militar, não tem exército, o imperador Henrique IV vai instalar candidatos seus
na segunda metade do Séc. XI, a partir de Gregório VII as guerras entre imperador e papa vão
ser constantes, anti-papa é um herege, é o lado que perde determinada guerra.

Séc. XIII – Inocêncio III este papa vai intervir num conflicto sucessório, há vários
pretendentes ao trono, vai escrever o venerabilem, um decreto onde Inocêncio III aproveita a
fraqueza do imperador, neste documento ele diz que é o papa que sabe quem é o verdadeiro
imperador e o unge, quando o imperador está ausente cabe ao papa escolhê-lo, o papa pode
confiscar terras e entregá-las a outros em 1255 Sancho II é deposto com base neste decreto,
“É um pecador, casou sem autorização do papa.”

Inocêncio III vai convocar o 4º concílio de Latrão a ideia é a de que o papa é o vigário de
Cristo, e assim vence sobre Eusébio de Cesareia, de jure (de direito) o papa é governante de
toda a terra, os reis são os representantes do papa e a teoria do sol e da lua, o poder dos reis
na terra é o reflexo do sol do papa. Luís XIV vai reclamar o título de “rei-sol”.

Ambrósio de Milão e o seu conflicto com Teodósio vai ser resolvido por Bonifácio VIII na
Bula Unem Sanctum e o rei Filipe IV, o responsável pela purga dos templários, Bonifácio vai
dizer “nós declaramos que é absolutamente necessário para a salvação que estejamos
submetidos a Roma e ao seu pontífice, fora disto não há salvação possível, se não estão
sujeitos ao poder do pontífice romano estão condenados ao inferno.”

Como vai o mundo medieval pensar o poder e as ideias em torno de poder?

Confrontam-se duas concepções poder final do Séc. XII princípio do Séc. XIII Ciceronianus
ou Christianus?
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Não é uma discussão clássica, pois no ambiente clássico não há separação evidente entre os
sacerdotes e os políticos, não se separam as funções, a discussão do mundo medieval tem
esse pressuposto a não separação entre o mundo político e o mundo religioso.

Como têm os problemas actuais origem no mundo medieval.

Sabedoria – Cultura erudita.

O que é a sabedoria e como se discute e produz sabedoria.-

Final do Séc. IV O suposto assalto dos Cristãos ao Templo de Alexandria, À Biblioteca


(baseado no filme “Agora” de Amenabar, 391 DC é um confronto de Cristãos contra pagãos,
a incultura do novo mundo Cristão, contra o mundo culto de poetas, historiadores e filósofos
clássicos.

Como se os cristãos medievais tivessem vindo destruir o mundo clássico, é patente neste
filme essa ideia de incultura, esse tópico é hoje debatido.

O professor defende a falsidade do Filme Agora nesse aspecto, nessa conquista da incultura
Cristã, o professor não se considera um negacionista mas tem a sua perspectiva sobre os
acontecimentos que é a seguinte:

Essa oposição entre o mundo clássico e o mundo Cristão, é puramente artificial porque o
mundo cristão é também clássico, os primeiros cristãos eram homens do império romano, o
cristianismo era uma das várias religiões que nasceram ou se desenvolveram no império, o
cristianismo até à época de Constantino vai ser uma religião pouco numerosa, só com a
conversão de Constantino vai começar a atraír mais fiéis, por imitação do topo, e não por
revolução das bases, nasce com um grupo de pescadores na palestina, mas o seu florescer é
fomentado pelas elites, o tipo de discussão em torno da definição Cristã de Deus, não é
cultura de massas, nem popular, é uma discussão demasiado complexa para as massas, é uma
discussão do neo-platonismo grego, da realidade do mundo, das várias partes que compõem o
mundo.
Em Niceia a discussão é de alta complexidade, as massas não faziam ideia do que estava a ser
discutido, mesmo hoje ainda não fazem, é uma discussão conceptual, filosófica, teológica, do
neo platonismo.

Há cristãos que querem juntar o cristianismo à reflexão filosófica, de matriz platónica,


aristotélica, estóica.

Quando o imperador se converte a atenção ao culto Cristão aumenta, os intelectuais vão


tornar-se curiosos sobre a nova religião, vão surgir duas espécies de sabedoria no Séc. IV
Jerónimo é o tradutor da Bíblia para Latim, traduz a septuginta do Grego para Latim, inclui
alguns textos em hebraico e faz a vulgata (vulgata de S. Jerónimo) a sua carta a Eustóquio
(que era uma senhora) conta a história das duas sabedorias, Jerónimo é adepto dum estilo de
vida ascético, corta com os banquetes, mas não podia passar sem a sua biblioteca, a vida era
ascética mas as leituras eram opulentas, lia Cícero, e outros clássicos, e não gostava da
linguagem rude dos evangelistas, num sonho Deus interrogou-o e chamou-o ciceroniano e
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não cristão, argumentando “onde está o teu tesouro aí está o teu coração” é repreendido por
Deus por ler mais atentamente Homens que a palavra de Deus.

A sabedoria está ligada a livros à existência de livros, os livros divinos e os livros dos
mortais, Jerónimo e os demais intelectuais, eram versados em ambos, mas qual é o meu
verdadeiro tesouro, os livros humanos ou os livros humanos, a resposta de Jerónimo é
simples os livros divinos são superiores ao dos mortais, a linguagem e o estilo dos textos
sagrados são muito mais rudes, muito mais elementares, ainda hoje na FLUL para começar a
estudar Grego começa por se estudar os Evangelhos, pela sua linguagem acessível, não têm a
eloquência de um Cícero nem a complexidade de um Virgílio, onde colocamos a pedra de
toque na avaliação dum texto? Na sua qualidade formal, ou no seu conteúdo, e no significado
profundo desse conteúdo, que textos nos permitem descobrir melhor Deus, os dois tipos de
textos são duas maneiras de entender a sabedoria, porque em última instância ainda hoje para
um Cristão a sabedoria perfeita e última é a de Deus, o bom e o belo em si é Deus, o bem sem
qualquer mal é Deus, o mundo perfeito é o mundo divino, já nos textos dos primeiros
Cristãos se dizia que Cristo era Logos, era o Logos, era a razão perfeita, a argumentação entre
os evangelhos e Cícero, no contexto desta cultura e entendimento é óbvio que os evangelhos
vão aparecer como os textos mais importantes de todos, a própria palavra de Deus era o
Próprio Deus, ainda hoje nas saudações quando se lê o evangelho há uma resposta e réplica
“palavra da Salvação/Graças a Deus” há portanto este debate sobre quais os textos mais
importantes.

Se a isto juntarmos o facto da conversão se estar a fazer de cima para baixo, a potencialidade
deste pensamento se expandir é enorme, a conversão não é uma imposição de baixo para
cima mas de cima para baixo, são os de cima que vão defender isto, Jerónimo é um membro
destas elites.

Surge também a proibição das religiões pagãs, a ideia de que o que não é Cristão é Irracional,
o que não é cristão não existe, rapidamente no Séc XVI todos já acham os deuses clássicos
ficção, no intelectual pagão, prova pelo seu paganismo é a falacidade do seu pensamento,
sendo um intelectual não cristão, mas que presta culto aos deuses antigos, está a prestar um
culto irracional é sinal da sua própria irracionalidade, Basílio de Cesareia e Gregório de
Nazianzo,

Se alguém é filósofo não sendo cristão esse homem não é racional, sendo irracional em
breves passos se torna proibido, Fírmico Materno, Pagão vai converter-se escreve o livro
“sobre o erro das religiões profanas” dedicada ao imperador Constâncio II filho de
constantino e vai pegar em vários cultos, Mitra, Ísis etc, e vai mostrar que todos esses rituais
eram vazios de conteúdo, rituais para o nada, ele descreve os cultos pelo que é um bom
instrumento para estudar esses rituais, a conclusão dele é que falta pouco para que o mal seja
destruído e que a idolatria do passado possa morrer, é um texto destinado a forçar o
imperador a proibir os deuses antigos, é um texto de pressão, Pagão – Paganus – é sinal desta
discussão, os pagãos são os não cristãos, com excepção dos Judeus, não há uma religião pagã,
pagão são todas as religiões não cristãs e judaicas, Pagos – Campo, território rural, Paganus é
o habitante desse território fora da cidade, vem do mundo antigo, um entendimento de
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cidades e do campo, as cidades são um sítio civilizado, versus o mundo rural onde o homem
também pode estar mas a natureza é muito mais presente, o paganus é o habitante desse
mundo rural, o paganus é o campónio, paganus é o que os cristão passaram a chamar aos não
cristãos o que é pejorativo, está associado a uma ingenuidade, ignorância, esta ideia vai ser
repetida à exaustão, pelo que pagão passou a significar tudo o que não era Cristão, o
ignorante, o verdadeiro sábio é o Cristão, isto é um processo lento, a própria conversão de
Constantino, que se considerava um místico, é ele que promove a construção de S. Pedro em
Roma, Édito de Milão, concílio de Niceia, Santo Sepulcro, tudo é obra de constantino, o
pontifex máximus, o sumo pontífice, Constantinopla é uma cidade que tem dois templos de
outros deuses, patrocinados pelo imperador, o que é contraditório, mas as coisas estão em
evolução, ainda se discute quem é Deus, tudo está em transição, acontece o imperador
participar em rituais pagãos.

As religiões das várias cidades do império romano, as religiões cívicas, os deuses não
estavam na sua pujança máxima, já estavam em crise independentemente da evolução Cristã.
Juliano, Imperador familiar de Constantino, que volta ao paganismo, chegado a Antioquia na
Síria nas festividades não cristãs, idealizou as festividades de determinada forma algo idílica,
encontrou as festas vazias, as religião antiga estava em decadência em atrofia no Séc. IV, isto
é um santuário de Apolo, conhecidas em todo o Mediterrêneo oriental, e estavam desertas, os
cultos oficiais já estavam a morrer, já atraíam pouca gente, estavam a ser substituídos pelos
cultos mais pessoais, cultos que necessitavam de uma iniciação, privados, como o de Mitra e
Ísis, os cultos públicos estavam a perder força.

Em 341 o édito de Constante proíbe o culto não cristãos, “que cesse a superstição e que se
faça a abolição da insânia dos sacrifícios.” Proíbe-se os rituais, já fora proibido aos cristãos
participarem nos rituais cívicos, mas esta é a primeira vez que se proíbe os cultos, há
confrontos entre Cristãos e pagãos mas relativamente esporádicos, não tão intensos como no
“agora” quando Constâncio II visita Roma como turista, fica impressionado com os templos
antigos, e com a cidade no geral, gostou muito do Fórum de Trajano, não manda destruir
nada, mas em 380 o Imperador Teodósio decreta o cristianismo como a religião do império
em 391 declara como ilegais os cultos não cristãos, em 391 extingue-se para sempre o fogo
do Templo de Vesta, no fórum romano na entrada na Via Sacra (designação ainda não Cristã)
havia um pequeno templo circular à deusa Vesta, uma deusa do lar, adossado ao templo havia
a casa das Vestais as sacerdotisas de Vesta que entravam no templo e tinham de manter a
virgindade, aos 30 anos podiam sair do templo, caso quebrassem os seus votos eram
enterradas vivas, uma das funções das vestais era manter o fogo do templo de Vesta sempre
aceso, quando se apagava era sinal de péssimo agoiro, havia rituais para o reacender, com
este édito é apagado de vez o fogo de vez

Teodósio vai explicar porque a virgindade das Vestais é algo mau, votado ao erro, mas vai
advogar a ideia de virgindade como ideal feminino, o estado ideal da mulher é aquele em que
a mulher permanece Virgem, daí que a Mãe de Jesus só poderia ser Virgem, admite casos em
que é aceitável às mulheres perder a virgindade, mas a manter uma espécie de virgindade
24

espiritual, o prazer sexual é algo pecaminoso, este ideal mantém-se até ao Séc. XX, uma
mulher não deve ter prazer no sexo.

A Destruição de templos, os números que temos para a destruição de templos é reduzido, na


Gália só 2,4% dos templos pagãos foram destruídos nesta época, Na Ásia menor só um
templo foi destruído, na Grécia só um templo foi destruído pelos Godos, na Itália só um
templo foi destruído, na Bretanha só um, na Síria e Palestina foram destruídos 21 templos
porque era área de conflicto, por regra os cristãos não destruíram os templos pagãos, por
motivos religiosos, na biblioteca de Alexandria.

A Biblioteca de Alexandria, fundada por Ptolomeu II, que ocorre no início do Séc. III AC foi
feita por Júlio César, porque quando este procura tomar o poder em Roma, vai dar origem a
uma guerra civil, dessa guerra civil eé derrotado Pompeio, que foge para Alexandria, no
Egipto também se vivia uma guerra civil de Cleópatra contra o Irmão, Júlio César ajuda
Cleópatra contra o Irmão e ataca Alexandria e vai sem querer incendiar a biblioteca de
Alexandria no ano 47 AC adjacente havia uma biblioteca mais pequena, um templo dedicado
a Serápis, esta biblioteca ficou não se sabe ao certo quantos livros tinha, nem a sua
importância, as fontes que falam da destruição do Serapeum não falam de biblioteca, não se
sabe se lá havia uma biblioteca, se do Séc. I AC ao Séc. IV a biblioteca havia sobrevivido, no
“Agora” há uma projecção sem muita base, o conflicto nasce quando O Bispo Teófilo se
apodera dos objectos sagrados há manifestações dos não cristãos, havia um milhão de pessoas
em Alexandria, a reacção é violenta, e os pagãos fogem para o Serapeum, e levam para lá
reféns que vão executando os reféns crucificando-os, o que é uma agressão até ideológica,
uma vez que Cristo foi crucificado, o templo foi atacado e destruído, o Imperador Teodósio
em Constantinopla intervém e amnistia os Cristãos.

O mundo pagão não é todo monoteísta

O conflicto absoluto entre Cristãos e não-cristãos baseia-se num debate sobre a racionalidade
a eliminação dos cultos pagão baseia-se numa crise sobre os cultos cívicos e no debate sobre
o que é ou não racional.

Educação e cultura Clássica

Na antiguidade o grau de literacia, a capacidade de aprender e estudar textos básicos seria


alta, muitas pessoas (sobretudo homens), sabiam ler, as paredes de cidades romanas estavam
cheias de grafitti, a cidade de Pompeios (Pompeia) estava cheia de grafittis e foi possível
recuperar muito do que foi escrito, eram mensagens escritas por populares não eram feitas
por dignatários, uns eram populares outros eruditos, a linguagem varia entre o erudito e o
grosseiro.
25

Em todas as cidades do império romano havia eleições todos os anos, as eleições requeriam
literacia mínima, nem todos conseguiam ler Virgílio ou Cícero, como hoje nem todos são
capazes de entender Camões, a educação desde o mundo grego, no mundo romano assentava
em três disciplinas – o Trivium – Gramática a mais básica de todas as disciplinas, aprender a
ler e a escrever, escrever correctamente, retórica – a base da vida política, a arte de persuadir
pelo discurso. E a dialética, implicava o debate de pensamento complexo, algo acima da
retórica, a base da lógica aristotélica, com base em pensamento lógico. Que deve levar a uma
resposta que deve debater o assunto de forma científica.

A estes saberes somavam-se outros quatros saberes, o quadrívium – a aritmética, a geometria,


a música e a astronomia.

O Trívio compunha os saberes úteis e o quadrívio os saberes inúteis, do ponto de vista da


vida nas cidades e das necessidades do espírito sobre as necessidades do corpo. A gestão das
cidades de como construir discursos persuasivos domínio da inutilidade é algo menos útil
(consideravam eles para um político).

Começava-se a estudar nos escolas desde os 6/7 anos, havia escolas públicas e privadas, os
professores eram pagos pelas cidades, não há diplomas, ou sabem fazer algo, ou não sabem.

A educação era baseada na memorização e os castigos corporais por não aprenderem a lição
eram comuns, as escolas privadas são patrocinadas pelas famílias de cristãos que se juntam
para pagar a professores para educar os seus filhos, Alexandria e Antioquia tinham destas
escolas.

Orígenes de Alexandria do Séc. III escreve a Gregório, Orígenes é um professor neo-


platónico cristão diz ele que quer extraír dos gregos um plano de estudo, para que todos os
filhos entendam as disciplinas de forma a que os Cristãos não fiquem para trás na educação.

Os jovens Cristãos não podem ficar espoliados do saber, querem que tenham os mesmos
conhecimentos que os outros, que estejam ao mesmo nível.

Clemente de Alexandria, tudo o que é proveitoso e necessário à vida vem de Deus, sendo essa
filosofia dos gregos um degrau para aceder ao pensamento Cristão, mesmo Platão e
Aristóteles não sendo Cristãos são fundamento para Deus e são bons.

João Crisóstomo apresenta o melhor dos filósofos gregos, não rejeita a cultura clássica faz
dela pressuposto.

Santo Agostinho, contemporâneo de João Crisóstomo escreve De doctrina Christiana – sobre


a doutrina cristã, como se deve aprender a doutrina Cristã.

Agostinho nasce pagão, nasce no norte de África para ser professor de retórica em Milão
junto da corte do imperador, chegado a Milão ainda não é Cristão irá converter-se pelos
discursos de Santo Ambrósio, a corte do imperador era o local mais prestigiado e Agostinho
era considerado brilhante pelos seus pares mesmo ainda sendo pagão, converte-se e regressa
26

ao Norte de África, torna-se bispo de Hipona, vai escrever muito, é professor e faz a apologia
do trivio e do quadrívio, da sua necessidade para os cristãos.

O percurso académico termina aos 16/17/18 anos, a vida é mais curta.

O sonho de Jerónimo, os textos cristãos e não-cristãos, os textos pagãos têm uma utilidade, a
compreensão dos textos superiores, o texto religioso, não em linguagem mas em conteúdo,
utilizam a comunicação clássica para a compreensão de Deus, O Deus que está escrito na
Bíblia, a retórica interessa para a pregação, quanto melhor convencermos o nosso público,
mais sabemos converter, e a dialética para debater ideias, no Séc. III ainda se discute quem é
Deus tem de ser uma ideia precisa, não pode ser vago, vai ao pormenor e para isso é preciso,
importa a dialética.

Pseudomorfose – Termo de autoria de Henri Marrou.

Mantém-se as regras e as formas clássicas mas os conteúdos estão a ser mudados, mesmo que
as formas sejam as mesmas os conteúdos estão a ser rehierarquizaram-se, os temas cristãos
passam a ser mais importantes que os outros.

Claudiano, poeta é um imitador de Virgílio e dos poetas clássicos, vem do Egipto onde o
Grego é a principal língua de cultura, vem para o ocidente para a corte de Teodósio, escreve
em latim vai ser bem acolhido, vai ter vários mecenas incluindo o imperador, o rapto de ((?)
Nota: o nome - não percebi o que escrevi falhou-me este nome) filha de ceres, levada para o
mundo inferior, vai escrever este mini poema épico, sobre esse rapto, o tópico pagão é
puramente literário, é mera ficção, um adereço cultural, nada tem de religioso, (a par do que
hoje se faz com a série “Sobrenatural” por exemplo, temas religiosos abordados como ficção)
como Camões não era pagão mas escreve sobre esses deuses pagãos, Claudiano é pago para
escrever sobre deuses antigos, utilizam-se os tópicos clássicos como recurso literário,
Crisóstomo significa “boca de ouro” João o Crisóstomo bispo da nova Roma, que tinha
aprendido retórica em Antioquia de Libânio um pagão que vai morrer pagão, não se irá
converter ao cristianismo, João Crisóstomo era o “boca de ouro” porque causava imenso
impacto quando falava, as formas do discurso são as mesmas o conteúdo muda.

Juvenco (hispânico) escreve “os livros dos evangelhos” é um poeta épico em 4 cantos que
imita deliberadamente a Eneida de Virgílio, em que Eneias é Jesus Cristo, não é um herói
militar mas é um herói de viagem, itinerante.

Proba é a principal escritora do Séc. IV “em Louvor de Cristo” um poema épico em que todos
os versos são retirados da Eneida, vai pegar em versos, reorganizá-los para formar um novo
texto, para transformar o texto da Eneida num texto de louvor a Cristo, outro exemplo de
pseudomorfose.

Nesta época há textos escritos de raiz, mas há textos mais curtos, manuais, o que estes
homens procuravam fazer era construir resumos dos textos originais.

Tito Lívio que tinha escrito 145 livros em latim pesado, reproduzir 145 livros era uma tarefa
para milionários, por isso só chegaram até nós os resumos de Tito Lívio os Periochae que são
27

resumos de Tito Lívio, foram estas selecções e resumos que sobreviveram, os livros, rolos e
códices estragavam-se com o passar do tempo, copiar obras longas é caro, copiar 145 livros
de resumos é melhor do que copiar 145 livros de uma só obra de um só autor, mesmo sendo a
obra integral.

A capacidade de cópia era muito menor, copiavam-se obras breves, cujo o processo de cópia
fosse simples (poucas imagens, linguagem simples, ausência de tabelas ou esquemas), perda
de livros não foi apenas uma questão de maldade, o principal motivo terá sido o económico, é
caro reproduzir livros e já então um autor sobreviveria ao seu tempo se fosse leccionado na
escolas, a principal razão porque Cícero, Virgílio e Homero vão sobreviver é porque os
Cristãos consideraram que eles deveriam continuar a ser ensinados.

Com a queda do império romano do ocidente e a invasão dos povos germânicos, com a
cultura de breviário, os reis são todos cristãos, usam pseudomorfose para usar forma clássica
em temas cristãos.

Boécio é um homem forte da aristocracia romana vai apoiar Teodorico, é um dos principais
intelectuais do seu tempo, vai ser implicado numa conspiração contra Teodorico, é conhecido
no oriente dos textos de filosofia antiga, conheceu Aristóteles, Platão e Agostinho, sabe
grego, Santo Agostinho não sabia grego, Boécio quer traduzir toda a obra de Aristóteles e
Platão para Latim, a tradução tinha por fim tornar legíveis os textos de Aristóteles e Platão
escreve “A consolação da filosofia”, “a procura do saber” na prisão, a filosofia perfeita é a
filosofia Cristã, a consolidação da filosofia faz-se por intermédio dos autores pagãos é usando
essa autores que se chega ao Deus Cristão.

Cassiodoro contemporâneo de Boécio um aristocrata da Itália, o seu pai fora perfeito do


pretório em Itália, vai colaborar com Teodorico vai desempenhar cargos na função de
Teodorico, que quer dar a ideia de voltar ao império romano, educados nos tópicos antigos,
governador em nome do rei dos Ostrogodos, escreve cartas chamadas “as várias” são cartas
que envia ao rei e envia a privados, imita Cícero que escreve cartas, epístolas com os temas
novos, é um colaboracionista apresenta Teodorico como imperador sem título, diz-se que foi
escolhido por Deus, que é o Sempre Augusto, nos últimos 50 anos Cassiodoro funda um
mosteiro, o Vivário, um mosteiro cujo conceito não teve continuidade, organiza-se em torno
da igreja mas também da biblioteca, não era comum em contexto monástico, nele quis reunir
todos os textos da cultura antiga, era milionário, o seu texto “as instituições” de Cassiodoro
estuda os livros, a vocação, a função destes monges era copiar os textos antigos para chegar a
Deus, para Cassiodoro ler os textos antigos leva a Deus.

Gregório Magno que pertence à mesma aristocracia romana na segunda metade do Séc. VI,
foi perfeito de Roma, embaixador em Constantinopla e resolve ser monge. Em 590 Gregório
é escolhido como bispo de Roma, é um diplomata, um aristocrata, que vai procurar
representar o imperador de Constantinopla na cidade e Roma, os seus textos são todos de
temática puramente religiosa, como Boécio o objectivo é chegar a Deus, são textos de
carácter estritamente cristão, final do Séc. VI vai imitar os textos antigos mas apenas sobre
temáticas religiosas, a forma é a clássica, o tema é 100% cristão.
28

Pseudomorfose – o conteúdo muda a forma mantém-se

As alterações na forma de entender a cultura de Gregório, o tipo de pensamento é o Cristão


mas a mudança contínua foi feita ao longo de 250 anos.

Na Hispânia visigótica Isidoro de Sevilha entre o mundo clássico e o mundo tardio medieval,
a cidade e o modo como se entende o espaço e o mundo urbano foi o que mais mudou.

No mundo antigo o território organizava-se em torno das cidades-estado, a pólis, isso


organizava política e culturalmente a cidade, a cidade é o espaço da cultura, daí o termo
derrogatório “pagani”, pagãos ou campónios.

Quantas micro-unidades de poder existiam no império Romano é impossível saber como cada
cidade se auto-organizava, desde que actuasse de forma pacífica com os romanos, era uma
autonomia baseada num governo colectivo, as elites locais na maior parte governavam as
cidades, no Séc. IV esta autonomia das cidades é sobretudo a capacidade das cidades se
autogovernarem, deixar de pagar impostos a Roma é uma das razões que leva à queda do
império, as cidades vão começar a atrofiar a sua malha urbana e passam a ser governadas por
intermédio dos bispos e do novo poder que é a igreja.

Os rapazes estavam fadados a tentar a carreira política local, Mérida era a capital da
Lusitânia, o horizonte político local, o militar, as elites não eram militarizadas eram
desmilitarizadas, as elites queriam que os populares exercessem as políticas delas, por isso as
fronteiras eram policiadas, mas o interior não tinha presença militar, não sabiam combater, a
população não tinha treino militar, por isso as invasões foram tão bem sucedidas.

As elites pelo contacto com os povos germânicos vão militarizar-se, vão-se desenvolver
exércitos locais, o horizonte das elites era o mundo militar, poder comandar exércitos
próprios, a segunda hipótese era a Igreja, era seguro do ponto de vista físico e material, entrar
num mosteiro, numa escola episcopal para homens ou senhoras, neste novo contexto que se
está a formar ser-se culto, ter cultura erudita perde importância por duas razões, porque a
cultura clássica erudita é inútil para o homem cristão, a cultura por si mesma não era
condição para a salvação pelos evangelhos, a cultura de matriz clássica torna-se inútil, no
mundo clássico era sinal de distinção.

Até ao Séc. XX ser-se culto é dominar a cultura clássica, eram os cultos que disputavam o
conhecimento dos textos clássicos, quando a disputa do governo deixa de ser importante, a
cultura clássica deixa de ser interessante se o que é interessante é ser-se militar.

No mundo greco romano a cultura erudita era essencial para os homens e até para os
militares, no mundo medieval isto deixa de ser assim, torna-se mais relevante a preparação
física do que a literacia, mesmo a mínima, a vida política está em decadência incluindo em
Roma.
29

Cassiodro ou Gregório Magno começaram a sua carreira como políticos, transitaram para a
carreira eclesiástica a sua vida é uma mudança de paradigma, os saberes úteis no contexto da
cidade, o Trívio está a ser cada vez mais inútil, saber ler e escrever é útil ao direito e à
administração, um núcleo duro ligado às cortes, as leis são escritas, os reis visigóticos
promulgam leis, o Código de Recisvindo, na Igreja também importa ler e escrever, Bíblia é o
conjunto de livros sagrados, biblioteca significa Bíblia em latim, a igreja mantém a escrita
porque é uma religião do livro, e porque era o sítio onde era importante saber falar, a homilia
o sermão sempre foi importante no período em que o sacerdote explica o texto é herança
retórica antiga.

Isidoro de Sevilha

Agostinho diz que é importante ler e escrever em contexto cristão e em contexto eclesiástico
fora do contexto eclesiástico ler e escrever era inútil ou as leis e a administração que na maior
parte são do clero também, são eles que chamam a si esta função e pelo ensino também, é em
contexto eclesiástico que se vai procurar suprir as necessidades do ensino, os professores que
eram contratados ou pelas famílias ou pelas cidades vão ficar sem emprego, vai ser a igreja
que os vai empregar o ensino fica 100% nas mãos da igreja, tinha de se aprender a ler e
escrever em espaço eclesiástico, mesmo em contexto eclesiástico o sacerdócio está reservado
aos homens, as mulheres tinham um ensino muito inferior.

As monjas sabiam ler o latim básico da Bíblia, mas não sabiam escrever, as freiras tinham
uma formação inferior.

O reino visigótico resulta da fragmentação do império romano na península, no Séc. VI vão


ser derrotados pelos Francos, vão demorar a estender o seu domínio a toda a península, as
populações não sabiam nada de rigor militar por isso os visigodos invadiram com facilidade.

Isidoro de Sevilha é o mais importante intelectual, escreve centenas de manuscritos, não é


visigodo, é um hispano romano, um romano da Hispânia para distinguir das populações
nativas da península, anteriores aos romanos é de Cartagena perto de Valência, uma das
zonas mais romanizadas nascido perto de 560 a sua família emigra para Sevilha, todos
incluindo a sua irmã Florentina vão ser membros do clero, Leandro e todos os seus demais
irmãos vão ser monges, Leandro vai educar Isidoro, o seu irmão mais novo Leandro vai ser
governador de Sevilha, quando Leandro morre Isidoro vai ser sucessor do Irmão, o comércio
era considerado uma coisa vil era para estrangeiros ou para as não-elites, quando um
comerciante enriquecia comprava terras, isso levava a que não fosse visto como reles, para o
comércio não era preciso escrever bastava a aritmética do quadrívio.

Isidoro encarava a cultura de forma a preservar o saber antigo, que está a ficar atrofiado,
copiar livros é cada vez mais caro, procura pessoas para poder mandar copiar livros, ele quer
preservar o saber para a formação escolar do clero, como instrumento de escola do clero, do
saber verdadeiramente essencial seleccionar o que fosse mais importante e preservar tudo o
que ajudava a entender mesmo que resumidamente a compreensão dos textos sagrados.

O grande desígnio de Isidoro é responder às exigências duma cultura religiosa.


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Os textos de Exegese bíblica, uma tentativa de explicar a Bíblia, sínteses da Bíblia,


introdução (resumos a todos os livros do Antigo Testamento).

Este texto de Isidoro é o resumo de cada livro da Bíblia, perguntas sobre o antigo testamento,
perguntas e respostas, simbolismo dos livros da Bíblia, simbolismo das metáforas da Bíblia,
ofícios eclesiásticos, o que são, a forma de sabermos como estava organizada a igreja no
tempo de Isidoro, sobre os homens ilustres.

Resumiu a Crónica de Eusébio de Cesareia (a das colunas cronológicas).

História dos Godos, Vândalos e Suevos e é o texto que mais se usa para estudar este período.

As etimologias é a obra mais importante de Isidoro, é uma enciclopédia temática e a sua ideia
é preservar o conhecimento essencial, é feita para o clero, é uma obra de consulta algo que
possa ser facilmente consultável, são vinte livros temáticos, o que há para saber sobre a
gramática, retórica, dialética, astronomia, música, aritmética, em suma o trívio e o quadrívio,
acrescenta medicina e direito, o livro nono é uma lista de línguas e uma tentativa de as
classificar por famílias, os povos, um dicionário, os animais, geografia e fenómenos celestes,
minerais e metais, guerras, espectáculos, escudos, espadas, agricultura etc…

20 livros e como fontes usou autores de escola e breviários, esses manuais, esses breviários
(resumos) vão ser a sua fonte, já são os intermediários

A cultura clássica já só se sabe em 2ª mão – Isto é muito importante

Já não conhecia Virgílio e Cícero, já não vai às fontes, o seu conhecimento já é em 2ª mão e
abreviou as versões já de si abreviadas.

Actualmente somos capazes de recuperar o modo como Isidoro trabalhou, conseguimos


reconstruir o seu trabalho em 70% os outros 30% serão citações das fontes originais.

No melhor dos casos os autores pagãos eram citados mas não eram conhecidos, nunca uma
obra como Virgílio fora consultada na íntegra Séc. VII – A Eneida chegou-nos resumida e
não a versão integral, os autores clássicos vão chegar-nos resumidos.

Este livro reinterpreta os mitos antigos como histórias. Nas metamorfoses de Ovídeo há um
mito sobre a perdiz (a ave), o que Isidoro acha é que esses mitos não aconteceram, mas a
história tem um fundo de verdade, a sua função é limpar do maravilhoso pagão e chegar ao
fundo de verdade, na “perdiz” diz como nasceu a serra (ferramenta de carpintaria) esta
interpretação da mitologia é o – Evermerismo – a interpretação da história mítica purgada do
maravilhoso pagão.

Nas sentenças está plasmado como se deve ler a mitologia clássica, não se preservam textos
por prazer, isso é demoníaco, o prazer das palavras é pecaminoso, o amor que se deve
cultivar é o amor às palavras simples da Bíblia, os textos antigos já não se copiavam.

Houve tentativas de passar textos antigos sem o maravilhoso pagão, mas nunca foram bem
sucedidas, o prazer de ler esses textos pode ser uma tentação para os incautos.
31

Pelo critério económico tem de se preservar o que vale a pena saber e é pelos critérios de que
vale saber um bocadinho de tudo, ou de tudo o que ajude a perceber como pensa Deus, é este
o maior fim destes homens – Perceber Deus.

Os evangelhos não foram abreviados, são livros curtos e fáceis de copiar.

Monaquismo – movimento na origem dos monges – monákos – um só, sozinho, solitário,


monge.

As origens do monaquismo radicam no mundo clássico, recorde-se que o cristianismo é


diferente das religiões clássicas, o que o torna atraente, implica um modo de vida diferente
das religiões clássicas em que eram bastante amorais, representavam os deuses em conflicto
interno, nas religiões antigas os códigos de conduta eram ditados pela reflexão a-religiosa da
filosofia.

Com o judaísmo e o decálogo (dez regras) dos dez mandamentos judeus, na época romana
antes de Constantino consideravam que o cristianismo lhes dava resposta a dúvidas morais,
os grupos filosóficos pitagóricos, estóicos ou neoplatónicos muitos viviam em conjunto,
procuravam o uno que dava unidade ao universo ou ao bem e ao belo em si, um princípio da
filosofia neoplatónica, os estóicos vão considerar a ataraxia, a tranquilidade absoluta para ver
o belo, a cidade era muito confusa, pouco tranquila em contexto não cristão surge a palavra
“ascese” – o treino físico e também é a palavra que os alunos usam para dizer “estudar”
porque implicava muita memória, uma mortificação, sacrifícios corporais, o treino para nos
libertarmos do corpo e da matéria, não foi inventado pelos cristãos mas pelos clássicos para
controlar pulsões sexuais em ambiente pagão, é aí que começam a idealizar a fuga à cidade
que não permite a fixação no bom e no belo em si, a fuga à política, porque nos afasta do bem
em si, em ambiente pagão surge a ideia de que o ambiente na cidade, desvirtua o mundo
natural das ideias perfeitas, assim se vêem as ideias mais limpidamente como na alegoria da
caverna de Platão, a fuga ao mundo material, o mundo que vemos é um mundo enganador,
vemos as sombras nada do que vemos é perfeito, a fuga a tudo o que construímos são coisas
que nos afastam mundo platónico das ideias puras, na religiosidade antiga além dos deuses
normais surgem várias vezes daimones, seres espirituais nada materializáveis, intervinham
muito na vida humana, como estavam na origem dos desejos mormente sexuais a fuga ao
sexo e à comida seria a fuga à matéria são desejos por coisas irreais, porque a verdade é a do
mundo das ideias e devo treinar para buscar as coisas perfeitas em si.

Em ambiente pagão surgem os primeiros ermitas ou anacoretas, o anecoretismo, ambos os


termos designam pessoas que fugiam das cidades e iam para o campo ou para o deserto, eram
comuns na Síria e no Egipto como forma de Ascese, estes homens e mulheres tanto lhes era
difícil dominarem as suas pulsões sexuais e da comida que tentam controlar retirando-se.

Em ambiente cristão o primeiro nome é Antão do deserto, Egípcio, terá morrido muito muito
velho com aproximadamente 100 anos. Antão é um cristão que vai usar treino técnico para a
sua própria vida, vai buscar no deserto o bom e o belo em si, o uno, Deus que Antão
32

considerava não ser possível encontrar nas cidades, as tentações de Santo Antão foram
imortalizadas por Bosh e não só, tentação é tudo o que afasta o ser humano de Deus, do
mundo da beleza em si, procura o controlo do corpo e das paixões, pela sua longevidade vai
ser considerado um fenómeno, vai juntar à sua volta vários seguidores, ao ponto de Antão
fugir deles porque já era demasiada gente, havia peregrinações organizadas apenas para
verem de longe Antão, já no final da sua vida surgem aldeias provisórias, surgem as
primeiras comunidades de pessoas que se afastam da cidade para procurar o deserto, surge
um discípulo de Antão chamado Pacómio que se vai tornar independente de Antão.

Pacómio sente-se atraído pela fuga para o deserto mas decide organizar uma comunidade de
anacoretas que fogem para o deserto, ele estabelece regras para o entendimento da
comunidade, a comunidade não é centrada em Antão, Antão quer estar só, Pacómio vai
centrar em torno de si essa comunidade, estas comunidades são contemporâneas de
Constantino Séc. IV, estes ermitas são autónomos da comunidade, são centrais na Síria,
Egipto e Palestina, pequeninas comunidades em torno destes homens em áreas violentas vão
ser instrumentos políticos.

São Jerónimo propõe um modelo alternativo. Viveu em Roma e era muito próximo de
Dâmaso, vai começar a tradução da Bíblia para latim, Jerónimo vai dizer que é possível
buscar Deus nas cidades, vai juntar matronas romanas, viúvas, para treinar o espírito. Sai de
Roma e fixa-se em Belém onde Jesus tinha nascido, vai fundar dois mosteiros, um feminino,
outro masculino.

Vários bispos vão procurar juntar outros homens para a fuga ao mundo, isto era um estilo de
vida atraente.

S. Martinho Bispo de Tour (o das castanhas) Séc. IV vai fundar na cidade uma comunidade
destes homens a que ele próprio pertencia, Ambrósio de Milão vai fazer o mesmo, Santo
Agostinho fará o mesmo em Hipona e Isidoro de Sevilha também. Procurar Deus implicaria
abandonar o corpo.

Muitos destes homens escreviam a sua regra para estas comunidades, a mais influente é a
regra de S. Bento Séc. VI Itália – Bento de Núrcia que vai escrever a regra mais influente em
todo o mundo medieval para a vida do monge, tem três partes, o monge deve dormir e comer,
a outras duas, o monge deve orar e laborar, orare ed laborare, cada uma destas tarefas deve
demorar oito horas por dia, as oito horas de oração não são seguidas, a noite é um período a
evitar, o trabalho era maioritariamente manual, a comunidade deve ser auto-suficiente o ideal
seria se não dependesse de ninguém, a comunidade deve produzir tudo aquilo de que precisa,
mas também estudar porque o cristianismo era uma religião do livro, tudo o que nos ajudasse
a entender as escrituras era benéfico “A ociosidade é inimiga da alma.” No ócio só nos
ocorrem inutilidades.

Porque a ociosidade era inimiga da alma, os fratres – os irmãos devem dedicar-se ao trabalho
manual e à leitura, entre a Páscoa e as calendas de Outubro da 4ª à 6ª hora, as horas de
oração, devem ler integralmente durante a Quaresma um códice, os irmãos mais velhos
33

deviam vigiar para que ninguém fosse ocioso, que não esteja a ser inútil a si e aos outros, para
que estudassem os livros, isto exigia que os monges lessem, como iam eles obter os livros?

Os mostreiros passaram a ter o seu scriptorium, o sítio onde se copiavam livros, há irmãos
cujo trabalho é copiar livros, a regra de S. Bento exige que haja livros, como Cassiodoro que
o fundou o Vivário, um mosteiro organizado em torno da biblioteca, o Vivário perdeu-se a
regra de S. Bento perdurou porque havia trabalho além daquele centrado no livro, havia
trabalho do campo, agricultura.

Havia o Abbas (Abba – Pai) o Abade que dirigia o trabalho no mosteiro.

Mosteiro de Saint Gall

Para entrar espaço do mosteiro tem de se entrar pela igreja, pela purificação, pela eucaristia, o
claustro é o símbolo do paraíso divino, é normalmente um espaço com jardim, as actividades
agrícolas e artesanais, o hospital tudo isso está previsto no mosteiro, as actividades menos
nobres estão longe da igreja do lado da igreja está a sacristia, onde os monges se paramentam
(se vestem) onde quem vai celebrar missa se veste, como paralelo da sacristia está o
scriptorium e a biblioteca, Deus Cristo é palavra, logos, a biblioteca é uma das maneiras de
aceder a Deus.

Os animais os servos e os hóspedes ficam mais distantes.

Viaja-se a pé, precisa-se de sítio onde pernoitar, é dever do Cristão acolher os viajantes, não
se fecha a porta a quem precisa de pernoitar.

Os primeiros mosteiros são coisas provisórias, tendas, cabanas, com o tempo passaram a ser
financiados pela nobreza ou pelo Bispo, os mosteiros passaram a receber testamentos,
ficaram encarregues de rezar pelas almas de quem lhes doasse terras, os fiéis deixavam as
suas terras em testamento aos mosteiros que rezassem por eles.

A época de Carlos Magno vai ser importante para a cópia de livros, vai tentar passar a ideia
do regresso ao passado do tempo dos imperadores romanos, vai promover a educação
sobretudo nos mosteiros vai encarrega-los de promover a educação, vai mandar os homens do
seu império procurar livros, ele quer fazer o levantamento do que existe no seu império,
livros, breviários, antologias e recuperar as regras da educação antiga, a escrita do latim
estava num estado miserável, o mesmo alfabeto já era escrito de formas diferentes em
diferentes regiões do império, ele queria recuperar os costumes antigos e uniformizar o
ensino, vai consegui-lo em algumas regiões, no Reno, a zona da Capital, no Norte da Itália,
foi onde a cultura clássica se manteve mais tempo, e na região da Borgonha, tentou
uniformizar a liturgia, o rito, antes de Carlos Magno o rito não era uniforme, cada padre fazia
o que lhe apetecia, Carlos Magno implementou a liturgia comum para todos.

Carlos Magno criou a letra Carolina, uma letra uniforme, dado que o alfabeto já era escrito de
formas diferentes em diversas regiões, uniformizou também a pronúncia do latim, que
também já variava, não é o latim de Cícero, mas latim eclesiástico.
34

As bibliotecas medievais eram sobretudo eclesiásticas, não havia livros profanos, quase todos
eram eclesiásticos.

A reforma de Carlos Magno para recuperar a educação antiga é quase sempre em contexto
eclesiástico, o cristianismo não perdeu o seu ambiente escrito, sempre foi uma religião do
livro.

Como se constitui a cultura escrita na era medieval?

O modo como as pessoas na idade média vêem a realidade – 3 áreas essenciais, o espaço e o
tempo, como se marca o tempo, e o terceiro é a sociedade, como eles a definiam e
representavam.

O espaço no mundo clássico grego tinha duas concepções adaptadas pelos romanos, a
aristotélica da realidade que tem como centro Alexandria, os filósofos ligados ao museu e à
biblioteca são filósofos do Liceu, muitos dos filósofos emigraram para Alexandria para o
museu (a casa das musas) são estes homens que vão apresentar cálculos para medir a
esfericidade da terra, calculavam com base na sombra para apresentar uma curvatura para a
medida da terra, Eratóstenes calcula a circunferência da terra, Eratóstenes tinha provado
matematicamente que a terra era redonda. Era no mundo grego em Alexandria que se
começam a desenhar os três continentes conhecidos, Europa, Ásia e África, em Alexandria
consideravam o hemisfério Sul desconhecido.

Eratóstenes tem uma tentativa de cartografar o mapa da época, Ptolomeu também tem um
mapa, tem coordenadas, que pelos padrões de hoje não são nada rigorosas mas são a primeira
tentativa de estabelecer coordenadas ao longo da terra.

Estrabão – Geografia, física e antropologia e Plínio o antigo, estes homens têm o fascínio do
antigo, de medir calcular e cartografar tudo.

A concepção platónica diz que o mundo físico é uma sombra do mundo real, o mundo das
ideias, essa imagem metafórica das ideias perfeitas, qual é a forma perfeita e real das coisas e
assim a terra é representada no plano, nessa concepção platónica o centro simbólico é o mar
mediterrânico, em Platão o mar mediterrânico está ao centro, é o umbigo do mundo, no
centro do mar mediterrânico está Roma, mas os platónicos diziam que o que viam era
erróneo, Roma estava no centro do mediterrâneo, no centro dos três continentes e no meio do
oceano que tudo envolvia, Roma era o centro do mundo, Roma estava no centro do mundo
perfeito, e no centro de Roma estava o imperador, Roma domina o centro, Roma é o centro,
Roma no mundo das ideias é o cume da perfeição, mesmo havendo China e Índia, o mundo
perfeito é o mundo de Roma, é o que provoca a união de todo o mundo.

Este confronto entre duas filosofias ambas com origem em Antenas vai durar todo o mundo
clássico.
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Os platónicos achavam que estavam a descobrir a realidade perfeita, do ponto de vista Cristão
que tem uma influência neoplatónica esta corrente simbólica é a que vai vingar, o que é a
realidade?

Podemos ter uma concepção real da realidade o que conseguimos tocar, de onde vem a
ciência ou o que está para lá deste mundo mesurável, e esta segunda do ponto de vista Cristão
é a que está certa, actualmente consideramos que nenhuma das duas é completamente
correcta ou errada.

Nesta concepção cristã o espaço é reflexo da vontade de Deus, é criado por Deus, o
cristianismo incorpora os mitos hebraicos da criação do mundo, esses mitos dizem que Deus
criou o mundo.

Deus age no espaço ao criar a matéria e ao moldar pela sua vontade o tempo atmosférico.

Os hebreu diziam que apenas existiam três continentes povoados pelos três filhos de Noé,
Sem para a Ásia, Tem para a África e Jafeth para a Europa, no caso cristão não vão dizer que
o centro da Terra não é Roma, é Jerusalém no Mediterrâneo, no cruzamento entre
continentes, numa chave entre todos os continentes, os mapas medievais não são como os
actuais, não são rigorosos, são metáforas, para explicar o espaço como símbolo, daí a
designação “aqui há monstros” o mar é o sítio do desconhecido, do que não se controla.

A natureza é uma imagem de Deus e olhando para a natureza o homem é capaz de descobrir
Deus, a natureza é um livro e pela sua leitura chegamos a Deus, porque a natureza é a
imagem de Deus, daí a natureza ser símbolo cujo significado temos de descobrir para chegar
a Deus.

O mundo medieval vive obcecado com a ideia de descobrir Deus, reconhece-se Deus sabendo
como Ele age, através da natureza e através da Criação, por isso a representação rigorosa de
Deus como as de Eratóstenes e a de Ptolomeu são inúteis porque não respondem à pergunta
“quem é Deus, como Ele é e como age?” É uma pergunta total, porque conhecendo Deus
conheciam todas as coisas, mas primeiro vem a fé, tudo o resto vai ser construído em torno
dessa fé, individual e colectivamente, é em torno dessa razão, desse logos que é Deus, Deus é
a pedra de toque tudo o mais se constrói em torno disso.

Cosmas – Grego, Cosmas Indicoplestes, Cosmas o que viajou até à Índia.

Escreveu a topografia cristã, a descrição do espaço físico, dos Topos, mas uma discrição
cristã.

Para conhecer a terra tem de conhecer o espaço físico real e descreve-o à maneira platónica o
mundo tem a forma duma caixa, a terra é a base da caixa e o céu é o resto da caixa, ele sabe
que o mundo tal como ele o vê não é assim, mas o mundo real é assim.

A caixa é símbolo da Arca da Aliança, o mundo é como uma grande arca da aliança entre
Deus e os homens, onde estavam guardadas as tábuas com os mandamentos dados a Moisés,
o mundo para Cosmas é a arca da aliança entre o homem e a divindade, não pretende ser
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rigoroso eles sabem que o mundo que eles vêem e o mundo real não são a mesma coisa não
vale a pena catalogá-lo e medi-lo.

Mapa T no O

De autoria de Isidoro de Sevilha, o círculo representa Deus, a circunferência é o símbolo da


perfeição, não tem vértices, T é o símbolo da Cruz.

Na terra estava inscrita a Trindade, uma única terra com três partes, a Ásia a maior, e em
baixo as duas menores, a Europa e a África e no meio o Mediterrâneo, em redor está o oceano
que circunda tudo, a terra é o micro cosmos do macrocosmos que é Deus, o micro cosmos
pode ir de algo ínfimo, ao ser humano, que é a imagem de Deus, e a terra como imagem do
macro cosmos que é Deus, os pontos cardeais, Norte Sul, Este Oeste variam Norte no local de
Oeste, Sul no Local de Este, Este no Local de Norte e Oeste no local de Sul (pela definição
actual).

O beato – o homem feliz – O homem de Liébama, autor do mapa da península.

O ocidente é referenciado como o ponto onde estava o Éden, o paraíso, onde os homens
deviam regressar por isso o oriente fica na parte de cima do mapa.

Nos descobrimentos vão ser precisos mapas úteis para as viagens marítimas, mas os mapas
medievais não tinham por fim ser úteis, eram meramente simbólicos.

Os medievais distinguiam entre espaço habitado e não habitado, sendo o espaço habitado uma
cidade ou um mosteiro, sendo um espaço habitado é um espaço seguro, o espaço não
habitado não é visto como seguro, há o “dentro” e o “fora”, o espaço da cidade e o espaço do
campo.

Estar numa floresta à noite é assustador, o mundo de dia é de Deus, a noite é o domínio da
oposição a Deus.

O medo à noite é irracional é entranhado desde esse tempo, a noite é o tempo do inseguro.
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Os espaços caóticos, noite, mar, espaços onde há perigos e demónios, espaços sem Deus.

Espaço do mosteiro e outros espaços, o espaço do mosteiro é um espaço de segurança, os


desertos onde se refugia Antão é de todos os espaços o mais seguro, o espaço mais seguro é
o mosteiro, e de todos os locais seguros, o mais seguro de todos é a igreja, ainda hoje se
pensa que dentro das igrejas se pode chegar mais facilmente a Deus.

Como as concepções platónicas interpretaram o espaço Cristão? Platão abre caminho para o
Cristianismo como vendo Deus como o bom e o belo em si, portanto como chegar a Deus?

Pela leitura do mundo não com uma visão aristotélica mas por uma leitura simbólica do
mundo e do espaço com uma visão mais platónica.

Tempo – Como se pensou o tempo?

Dois níveis, uma a perspectiva do tempo histórico e outra do tempo quotidiano.

Partindo do mundo clássico para o tempo histórico, o mundo clássico tinha as suas
interpretações de história, a de Hesíodo num dos seus textos “trabalhos e dias” Séc VII AC,
fala das raças humanas, do ferro, do bronze, do ouro, dos heróis, hoje viveríamos na do ferro,
não há progresso a ideia de progresso está afastada desta concepção pois vinham a degradar-
se e não a evoluir, no mundo antigo, quanto mais antigo era algo melhor era, há concepções
cíclicas, as estações, algo que implique calendarização, esse ciclo é projectado para uma
interpretação da história, a vida humana mais comum, vai ser uma espiral, o ciclo duma vida
humana, começa infante e morre idoso, falava-se numa espécie de reencarnação a história
seria uma imagem dessa organicidade.

Políbio explica isso, os impérios e as civilizações são cíclicos, os fenómenos naturais para os
clássicos provém dos deuses, como há muitos deuses, não há plano, no mundo antigo há
dificuldade em ver esta providência divina, mas Roma conquista todo mundo e isso fazia
parte da profecia dos deuses Juno tenta impedi-lo, há uma sucessão ambígua quanto ao plano
divino.

Na concepção Cristã, há o nascimento de Cristo, Jesus teve uma existência histórica, sabia-se
a sua vida, ao contrário dos mitos gregos, que faziam a história dos deuses como fora do
nosso tempo, o nascimento de Cristo ocorreu na era do imperador Augusto, morre no tempo
do Imperador Tibério vive na Judeia onde era governador Pôncio Pilatos.

No final para os Cristãos Cristo haveria de regressar como é narrado no livro do Apocalipse,
a Parúsia, o fim do mundo como o conhecemos, os Cristãos são herdeiros dos hebreus, dos
Judeus que tinham os textos do Antigo testamento que continham a história dos hebreus que
não consta dos clássicos, as histórias da Bíblia, a história da Criação, o Genesis, é um começo
hebreu que foi incorporado pelos Cristãos, é simultaneamente hebreu (originalmente) e
Cristão (por incorporação).
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A criação do mundo relaciona-se com a Crónica de Eusébio de Cesareia, Eusébio quer


interpretar a história, pergunta-se porque nasceu Deus na altura do primeiro imperador
Romano, Eusébio queria interpretar a história e o seu simbolismo, é algo neoplatónico, saber
essa interpretação é saber a realidade e se soubermos responder à pergunta “porque nasceu
Deus no tempo de Augusto?” Sabíamos que no tempo de Augusto havia a Pax Romana, o
Mediterrâneo estava unificado, porque só com Augusto veio a paz? Eusébio responde – Para
que Deus viesse ao mundo em paz e com isso se pudesse viajar sem constrangimentos de
guerra.

Mas também porque o Deus único encarnou quando todo o mundo estava sob o domínio de
um único homem ligando assim monoteísmo e monarquia, Eusébio é quem faz a ligação
entre o imperador e a divindade, como Augusto trouxe a paz a toda a terra Jesus também
traria, o plano de Deus é um plano a que ninguém se pode opor, há uma inteligência por
detrás da história, uma ideia platónica e assim como olhando para o espaço podemos “ver”
Deus, olhando para a história entendemos o pensamento de Deus através do seu plano, assim
para Eusébio conhecer a história era conhecer o plano divino, a logos, o raciocínio divino.
Todo o passado é palco da intervenção divina, conhecer esse plano é conhecer o que Deus
quis para a salvação do homem, o plano é a providência, a intervenção de Deus é a
intervenção na história pessoal de cada um mas também na vida colectiva onde Deus também
intervém.

Orósio de Braga vai para junto de Agostinho, a história de Orósio em sete livros, o que ele
procura compreender porque existem desgraças e porque existem coisas boas, Orósio diz que
as desgraças se devem aos pecados cometidos, e as coisas boas acontecem se formos
virtuosos, Orósio diz que antes do Cristianismo a calamidade deve-se à falta de Deus, e no
Cristianismo o mundo é feliz e se por acaso é infeliz é por culpa dos pagãos.

Para Orósio o saque de Roma explica-se porque em Roma ainda existiam muitos pagãos e os
Cristãos deixavam que eles existissem, a história de Orósio em sete livros é símbolo dos sete
dias da Criação, sete épocas simbólicas, Deus descansava no Sétimo dia, o nascimento de
Cristo marca o fim do sexto livro e no sétimo dia Deus descansou no sétimo livro trata-se da
vida no outro mundo.

Agostinho na sua “Cidade de Deus” apresenta uma concepção diferente, Agostinho divide a
história em seis idades, as seis idades clássicas da vida humana, bebé, criança, adolescente,
jovem, adulto e velho. É adaptando o mundo clássico à nossa história Cristã, a sétima idade
está para lá da vida humana e está para lá da história, Orósio vai ser muito influente esse
concepção de que Deus recompensa a virtude e castiga os pecados é comum, a ideia de que o
mundo está a envelhecer em direcção à Parúsia, o castigo e a recompensa são póstumos para
Agostinho, o julgamento é feito após a morte, para Agostinho o sofrimento na vida é
inevitável, é a forma como nos comportamos face a esse sofrimento que revela a nossa
virtude ou o nosso pecado, e é por essa postura que seremos avaliados no pós-vida.

Translatio imperii, a sucessão de impérios – Tranlationes, sucessões, dos Visigodos para os


reis das Astúrias, as sucessões dos impérios, os historiadores portugueses nunca vão dizer que
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os portugueses descendem dos visigóticos mas dos Suevos, é dos Suevos que reclamamos a
nossa herança, à tranlatio imperii vai suceder a translatio regni, explicam também a origem
dos povos, na época clássica há o investimento da etiologia, a busca das origens, estes autores
criam mitologias das origens destes povos, Isidoro vai defender que os Visigodos descendiam
dos filhos de Noé.

Os clássicos e os medievais tinham horror ao vazio, não tinham o zero como algarismo, o
número 0 (zero) não existia, o nada não existia.

Os mitos da origem, na época medieval este fascínio pelas origens mantém-se.

Hildegarda de Binga – Séc XII – uma interessada em história, é abadessa na Alemanha,


escritora e poetisa e num desses poemas diz como Deus pensa, a história é para ela uma
cidade cercada por uma muralha, o Sul é Adão, o ocidente é Noé, o Norte é o nascimento de
Cristo, e o Oriente é depois de Cristo.

Jhoachim de Fiore – Idade do Pai, idade do Filho e idade do Espírito Santo, o Pai é a idade do
Antigo Testamento, o Filho é a idade do Cristianismo, o Espírito Santo é a Parúsia.

Os medievais preocupavam-se muito com o fim dos tempos, em caluculá-lo, em calcular


quando regressa Jesus Cristo entendendo que a história simboliza coisas.

Numa carta de S. Pedro lê-se “Para Deus um dia são como mil anos e mil anos um só dia.” O
tempo divino é diferente do tempo humano, pela lógica se o mundo foi criado em sete dias, o
mundo deveria durar sete mil anos, tendo como referência a idade dos patriarcas descritas no
Genesis somavam-se essas idades e via-se quanto tempo nos restava antes da Parúsia, desde
Constantino que se tenta descobrir o dia do fim do mundo.

O ano em que Cristo nasceu, nos Evangelhos é pouco preciso, terá nascido na época de
Quirino, já Herodes teria nascido.

Dionísio o Exíguo - O ano 754 depois da fundação de Roma, corresponde ao nosso 1DC,
Herodes morreu em 750 antes da fundação de Roma pelo que gera dúvida quanto ao ano
concreto do nascimento de Cristo.

Dionísio o Exíguo foi quem fez a datação presente, em Portugal D. João I ou D. Duarte
adoptam este calendário, antes disso usava-se a era hispânica que usava a morte de Júlio
César.

Tempo quotidiano – O calendário não tinha semanas mas tinha 12 meses que ainda são os
que usamos, os dias do mês que usamos com a excepção do mês de Fevereiro tudo era igual
aí.

Os romanos mudaram os nomes dos dias da semana alusivos aos deuses pagãos, Mercúrio,
Vénus, Saturno (Saturday) e o dia do sol (Sunday), em Portugal todos os dias são cristãos,
Sábado – hebraico, Domingo – Dia do Senhor, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª Feiras, o termo “feira” são
alusivos à fé assim “Segunda-Feira” é o dia da Segunda fé.
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As horas são variáveis de acordo com o sol, na era romana o calendário era definido pelos
pontífices, os cristãos vão herdar isso, é a igreja que divide o calendário, os sete dias são uma
invenção cristã, a igreja como guardiã do tempo é uma invenção cristã.

Júlio César é quem organiza o tempo em Roma, no Séc. XVI é o papa que reforma o
calendário o calendário gregoriano.

No mundo Cristão essas festas são substituídas por festas Cristãs, exemplo disso é o Natal,
não se sabe o dia certo do nascimento de Cristo, em 25 de Dezembro de 1DC celebrava-se o
dia do sol invicto, Cristo é o novo sol, o dia é marcado pelas horas canónicas a que hoje se dá
uma conotação cristã, a hora para o calendário solar são sete horas que variam em duração
consoante estejamos nos meses de Inverno ou de Verão, dado que de Inverno os dias são
mais curtos e no Verão mais longos mas são sempre sete horas, não são contadas horas à
noite.

O sino marca as horas durante o dia e o quotidiano nas igrejas e nos mosteiros, roubar o sino
era punido muito violentamente.

As Laudes são orações cantadas antes do nascer do sol, marcam o início do dia, o dia era a
época que se controlava, em que vemos, o sol é a metáfora de Deus, se trabalhamos durante o
dia estamos iluminados por Deus, à noite não é possível dividir as horas, é a época que não se
controla, não se pode medir o tempo, é a hora dos demónios, esta vontade de controlar o
tempo é uma ficção uma artificialidade, é tentar dar um sentido religioso ao tempo, mas não é
natural, a época medieval controlava o dia e as suas horas de forma mais natural que a nossa.

Há uma cristianização da ideia de história que tem como base o mundo clássico, o espaço
próximo quotidiano, como se entende o espaço perfeito que é o mosteiro e o mais perfeito
que é a igreja.

A cristianização da ideia da semana e a cristianização do tempo ao longo do dia, a ideia de


que tudo tem de parar para olhar para a dimensão divina.

Como dividimos o tecido social? A sociedade como concebia as divisões dentro dos seres
humanos e como se projecta isso na vida social e como nisso reconheciam a divindade? A
cidade de Deus de Santo Agostinho, define a existência de duas cidades, a cidade de Deus e a
cidade da terra, não são claramente identificáveis com estruturas, a cidade de Deus não é
necessariamente sempre a Igreja, nem a cidade da terra é sempre o Império, as duas cidades
convivem na realidade humana e em cada humano, Agostinho dá de si mesmo o exemplo do
que o puxa para o mundo material e do que o puxa para o divino, a matéria não é
necessariamente má, mas também não é 100% boa.

Se no mundo terreno vive a cidade de Deus e a cidade da terra, nós vivemos numa
peregrinação, peregrino é todo e qualquer homem livre que não tem cidadania política, há
dois homens livres em Roma, os homens livres que podem votar e ser eleitos – os Cives –
Cidadãos, e os peregrinos, homens livres sem direitos políticos, 212 édito de Caracala que
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aplica o Ius civile a estrangeiros e romanos - a cives e a peregrinos, os peregrinos são homens
livres mas não estão bem ao nível dos Cives, os peregrinos são estrangeiros sobre a terra, a
cidadania cristã está na pátria celeste, na cidade de Deus, é aqui que Santo Agostinho vai
insistir, que a vida plena é póstuma, há a ideia de segunda vida, que pode ser de salvação ou
de condenação, já é uma ideia que vem da Odisseia e da Eneida, nos clássicos por regra a
vida pós-morte era má. Para Agostinho a cidadania plena vem no pós vida, na terra somos
peregrinos, na cidade de Deus seremos verdadeiros cidadãos, o sofrimento é justificado por
sermos peregrinos e ser incerta ainda a nossa recompensa.

As almas ressuscitarão com a segunda vinda de Cristo.

Para Jerónimo há três tipos de pessoas, as pessoas virgens, a seguir os continentes, e por fim
os casados, Jerónimo tenta criar uma comunidade de monges em Roma para realizar a fuga
ao corpo, ele considera que o corpo engana-nos e desvia-nos do mundo perfeito, o corpo e os
seus prazeres são enganadores, a ideia é a de que o ser humano não se deixe atrair nem pelo
seu nem por outros corpos, o aspecto sexual é o mais difícil de controlar, o sexo é a metáfora
de todos os tipos de vícios.

Nesta tripartição de S. Jerónimo (Virgens, Continentes e casados) não critérios nem


económicos, profissionais, o único critério é a ligação maior ou menor à pura matéria.

Aproveitar a vida na terra é um erro, devemos aproveitar mas não nos ligarmos às coisas
terrenas.

O amor verdadeiro é o amor pela alma do outro, nunca é o amor corpóreo.

A recusa da relação sexual como recusa de tudo aquilo que nos prende à matéria, porque a
matéria perfeita não se pode percepcionar.

Divisão entre o império e a Igreja, divisão entre os poderes temporais e espirituais, Gelásio I
dividia entre homens que se dedicam ao tempo (à política) e ao espírito, vai dividir entre
clero e todos os demais, Gregório VII divide entre os guerreiros, os que combatem e monges
– os que rezam.

Dionísio Aeropagita, Pseudo Dionínio Aeropagita – Séc. VI fala sobre dois tipos de
sociedade, a celeste e a humana, as sociedades celeste e humana, a celeste divide-se em
tríades, serafins querubins e tronos, depois os domínios, as virtudes e as potestades e abaixo
os arcanjos, os anjos e os principados.

Pseudo Dionísio, a partir desta mitologia inventa, metaforiza, o mundo celeste perfeito, o
próprio Deus é trino 3x3, três é o número perfeito, Pseudo Dionísio defende que a sociedade
celeste é uma hierarquia, o ponto mais baixo é o anjo, e depois uma progressão até aos
serafins, a hierarquia é mesmo ela sagrada, esta progressão é imóvel, é uma imagem do
próprio Deus, é o contrário de revolução, a hierarquia é uma escada, degraus que é preciso
passar para chegar a Deus, uma subida, uma ascenção.

Dionísio Aeropagita usa e cria metáforas, um sistema que explique a pós-vida, uma metáfora.
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Na sociedade terrena tudo é imperfeito, há apenas duas tríades 3x2, os fiéis, o mundo humano
começa com a divindade, há os penitentes os monges, os diáconos, os sacerdotes e os bispos,
esta é uma divisão puramente religiosa, não há aqui reis nem guerreiros, o mundo humano é
assim representado é uma escada em ascenção 9+6=15 a vida depois da morte é mais
complexa, podemos passar por todos eles, pela graça divina pode fazer-se a evolução nesta
escada.

Boleslau Boca Torta, Militas belicosé/militares rustici laboriosi/trabalhadores


manuais/camponeses e clérigos é a mesma divisão trifuncional social da sociedade de Abón
de Fleury.

A divisão entre nobreza, clero e povo nasce no Séc. X e vai vingar mas é a de Boleslau Boca
Torta.

A principal actividade da nobreza é combater pode haver militares não nobres, mas têm por
função combater, a maior parte dos soldados são camponeses chamados a combater e quando
acaba a guerra voltam a trabalhar no campo.

Esta divisão vai durar quase intacta até à Revolução francesa como revolução do povo (3º
estado) contra os outros dois estados (nobreza e clero) o alto clero são os que são recrutados
da nobreza e o baixo clero recrutados do povo.

A ideia de ordem e não de imobilismo social mas uma ordem que é possível atravessar, a
ordem é estática mas é possível passar por ela como na hierarquia do Pseudo Dionísio
Aeropagita, é uma ordem sagrada.

Jonas de Orleães “É da máxima importância que cada um esteja no seu lugar.” Que cada
coisa esteja no seu lugar.

A sociedade humana é como uma casa e tudo deve estar no seu lugar, cada órgão tem a sua
função como no corpo, Carta de S. Paulo aos Eféseos.

Por em causa esta ordem, este corpo, do ponto de vista mental é uma enorme revolução, é
uma revolução mental quando no Séc. XIX puseram isto em causa era o fim do mundo, o fim
duma mentalidade.

A palavra “Corpo” na cultura medieval é muito importante “corpo” é a matéria imagem


imperfeita do verdadeiro corpo e o corpo perfeito pode ser ou a forma perfeita do homem que
habita em Deus que só veremos depois de morrer, mas há um único corpo perfeito no mundo
terreno, o Corpo de Cristo na Eucaristia, (a hóstia consagrada) chama-se a isto O Corpo
Verdadeiro de Cristo, substância não é pão, o acidente é pão, só vemos pão, mas devido às
nossas limitações, à matéria, ali está O Corpo de Cristo se pudéssemos ver além seria isso que
veríamos, o corpo místico de Cristo, é a própria Igreja.

S. Tomás de Aquino diz Cristo é o corpo verdadeiro, a Igreja é o corpo místico de Cristo,
logo não há salvação, além da Igreja, não há vida além deste corpo, cortado um membro ou
órgão, fora do corpo ele morre.
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Bonifácio VIII diz que fora da Igreja não pode haver salvação por causa disto.

Por isto quem não está na Igreja já está morto.

Pelo baptismo um Cristão torna-se cidadão da cidade de Deus, mas só ascenderá a essa
cidadania plena postumamente.

As concepções da pós-vida clássicas são sombrias, as de Agostinho não, só na cidade de


Deus seremos plenos.

Séc. XI

Ao longo do Séc. V o império romano do ocidente vai desagregar-se, vai dar origem aos
Regna, reinos em que as tribos vão ganhar preponderância, Ostrogodos, Visigodos, Suevos,
Francos, esse período dos vários reinos vai marcar o início de um outro tipo de estruturas, os
reis destes vários regna vão tentar imitar o império romano ainda que a nível local, é uma
cultura de matriz romana tardia e cristã tardia, este é o momento da criação do império de
Carlos Magno a 800, a península ibérica e a Itália ficaram de fora deste império, mas ele era
gigantesco abrangia as actuais França, Alemanha e o Norte da Itália

Quando Carlos Magno é coroado imperador há dois imperadores no espaço Cristão, Carlos
Magno e o Imperador de Constantinopla, Carlos Magno vai recuperar o império romano
como ele pensava que ele era, com um distanciamento de 300 anos e tenta recuperar a cultura
erudita cristã, recuperada no final do império, Orósio, Agostinho, etc…

De todos os textos copiados Carlos Magno tenta catalogar os textos do seu reino e copiá-los,
dos que consegue fazer isto apenas 10% respeitam a cultura clássica, os outros 90% são
cultura cristã erudita, o passado romano cristão é uma espécie de modelo.

Depois de Carlos Magno o império Carolíngio não vai durar muito tempo, Carlos Magno
morre em 814, e Luís o Piedoso seu filho sucede-lhe, Carlos Magno divide o império pelos
seus três filhos, dá-se a fragmentação do território e surge o feudalismo.

Com o estilhaçar do território os vários senhores feudais, os proprietários da terra vão


começar a exercer mais direitos sobre os seus territórios, o que é um processo lento, a
fragmentação do território pelos poderes que o governam depois do império de Carlos Magno
ainda é acentuada.

A área da Europa é dividida, estilhaçada, parte-se em propriedades privadas, grandes, médias


e por vezes pequenas e esses senhores proprietários tendem a afirmar-se como autónomos,
tendem a ter exércitos privados e exercem justiça nos seus territórios, conseguem exercer as
suas leis, há muitos títulos, condes, duques, etc... Todos têm o seu pequeno exército, cobram
impostos para si, esta fragmentação é de base feudal, implicam as relações de vassalagem,
uma rede política entre senhores em que todos dependem de todos, assim sucessivamente até
ao imperador, quanto mais fragmentadas forem estas relações de facto não significa que
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quem está em cima tem mais poder, essa fragmentação enfraquece as relações de cima,
estabelece um vassalo e um suserano que por sua vez é vassalo de outro.

A insegurança – o Mundo pós Carlos Magno entende que está a ser atacado de todos os lados,
há três grandes focos de instabilidade no mundo Carolíngio:

- O aparecimento rapidíssimo do mundo muçulmano – a Hégira em 622 e até 711 vão


conquistar um território vastíssimo que se estende até à península Ibérica em apenas 90 anos,
este mundo não vai ser vencido por Carlos Magno, não se enfrentam propriamente, além de
escaramuças, os Muçulmanos ficam na Península Ibéria até ao Séc. XV, em Portugal até ao
Séc. XIII, o mundo nunca mais vai ser completamente cristão, não há unidade do
Mediterrâneo, no Sul de Itália e na Ibéria reagem ao mundo islâmico de forma pacífica a
maior parte das vezes.

- Os vikings – Da Escandinávia nos Sécs. IX, X e XI vão saquear a Europa, são navegantes
que partem do Norte gélido para saquearem e não para se estabelecerem, nunca se
estabelecem muito tempo na Europa, não têm grandes exércitos, vão pilhar o litoral, não
conquistaram a península Ibérica mas atacavam frequentemente o norte da Península,
estabeleceram-se por vezes na Gália, e Grã-Bretanha.

O viking é visto como o inimigo é o tópico do bárbaro e do estrangeiro que nos vem devorar.

- A ameaça dos Magiares, os Húngaros, vão viver do saque, Norte dos Balcãs, a Norte dos
Cátaros (ou será Cárpatos?), vão saquear, o saque era uma forma de economia de territórios
pobres.

Estes povos vêem no mediterrâneo o horizonte de riqueza, de fertilidade, onde era bom
saquear.

O único importante herdeiro de Carlos Magno (além da França) é o império romano


Germânico da dinastia dos Otões (Otão I, Otão II, etc…) Séc. X – Os Otões não dominavam
um império centralizado, mas fragmentado, ali não há unidade, os senhores estão
constantemente a reorganizar-se é difícil traçar uma fronteira.

A reforma cultural de Carlos Magno vai falhar na maior parte do seu império, é difícil que ela
se implemente, com a queda do império romano essa recuperação vai cair e depois de Carlos
Magno vai cair ainda mais, o clero é ignorante, sabe muito pouco latim, a liturgia fragmenta-
se e o clero cristão do ocidente da Europa desde o Séc. IV está proibido de casar, monges,
padres, não podem casar, mas o celibato não foi nem é sempre cumprido, mas com esta
fragmentação os sacerdotes viviam em concubinato com as suas famílias.

Os senhores feudais vão ser influentes junto das igrejas das aldeias, vão dotar as paróquias e
controlar o padre e vender lugares nas igrejas, a pertença à igreja é um sinal de segurança,
podem-se comprar as igrejas, a sinonia, a compra de locais na igreja, no Séc. XVI isto vai ser
uma crítica à igreja que os padres vendiam lugares como cardeais, o Papa Leão X um Medici
de Roma, que tinha quatro Medici como cardeais.
45

O bispo de Roma era escolhido pelas famílias de Roma, mais tarde será pelos cardeais e pelo
conselho cardinalício.

No império dos Otões a liturgia é irregular, o latim é pobre.

No Séc. XI surge um slogan que começa a ser repetido, o slogan da reforma, “Precisamos de
nos reformar.” Nasce dentro de membros do clero, dos intelectuais, é o clero que vai dizer
isto, é a reforma da igreja, das instituições, do culto, há dois grandes núcleos onde isto será
forte, Roma, o bispo de Roma , é a reforma gregoriana levada a cabo pelo papa Gregório VII,
não foi ele o primeiro a querer esta reforma, reforma da eleição do papa vem neste sentido,
foi feita por um antecessor de Gregório, os cardeais, a independência dos senhores feudais e
do imperador Romano Germânico, o Papa é superior ao imperador, esta reforma reforça o
Papa, tem como pressuposto o entendimento do mundo humano, é o Papa que está mais
próximo de Deus.

O bispo de Roma diz “Eu sou Pedro, o sucessor do mais importante dos Apóstolos e devo
controlar a igreja, os reis e o imperador.”

O papa acha que quem escolhe os bispos não é o imperador, é o papa, os bispos são
escolhidos no Vaticano e os reis são escolhidos pelo Papa, são rectificados pelo Papa, bula
Manifesto Probatio, a Bula que reconhece Afonso Henriques como Rei de Portugal.

Gregório VII diz que a Igreja é independente, intervir nela é erro, é pecado.

Vão tentar recuperar os escritores cristãos antigos, Gregório vai dizer que em cada diocese
tem de haver uma escola onde os sacerdotes vão aprender.

O reforço do ensino do clero que passa pela reunificação da liturgia e pelo reinvestimento no
latim, a documentação pontifícia mostra isto, o latim passa a ser melhor, o papa é o
governante dos estados papais, a chancelaria mostra isto, a chancelaria papal melhora o seu
latim, uma administração mais sólida e baseada na recuperação das leis do império romano.

No final do Séc. XI Afonso VI de Castela, avô de Afonso Henriques tenta recuperar esta
chancelaria.

A ideia da reforma parte de Roma.

Além disso do centro da Borgonha, em Cluny um mostreiro fundado no início do Séc. X por
Guilherme da Aquitânia que vai tentar tornar-se vassalo directo do papa e independentizar-se
dos senhores feudais da região, e vai conseguir vai tornar-se independente, vai ter moeda,
justiça, e exércitos próprios, quer exportar mosteiros, são imperialistas, exportam monges,
enviam monges a fundar mosteiros que serão sempre vassalos de Cluny, a partir deste núcleo
chegaram a ter 1200 mosteiros, priorados, a seu cargo com cerca de 10000 monges, nunca
são mosteiros grandes, mas vão ser muitos.

Estes priorados obedecem ao abade de Cluny, são todos seus vassalos, todas as terras têm de
ter mosteiro por isso não se trata de conquista militar, mas o abade de Cluny vai promover o
conceito de reforma, a maior parte dos papas desta época, ex-monges de Cluny, o papa
46

Gelásio II vai morrer na abadia e é na abadia que se escolhe o novo papa, estes papas vão
usar a rede de Cluny para estabelecer mosteiros no seu reino e nesse intercâmbio Afonso VI
vai casar com uma sobrinha do Abade de Cluny – Sofia – Afonso VI em 1085 conquista
Toledo, o que era muito importante, o bispo de Toledo – Bernardo, tenta promover a reforma
em todo o reino, a liturgia que Gregório VII e Carlos Magno não conseguiram implementar, o
que ainda era a liturgia visigótica, Bernardo de Toledo vai implementar na Península Ibérica
a liturgia romana, bem como o latim que vai ser uniformizado com a letra carolina.

Na Península esta letra ainda não tinha entrado, usava-se a letra visigótica e vai passar a usar-
se a letra carolina.

Parente do Abade de Cluny chega à península o Conde D. Henrique, vai casar-se com D.
Teresa e vai ser pai de Afonso Henriques que funda Portugal.

Gregório VII estabelece a cristandade para a Europa, e para a ser Cristã a igreja tem de estar
no topo, no cume, o protestantismo é uma reacção a isto, os reis para os protestantes têm de
estar acima da Igreja.

Nasce o conceito de monge guerreiro, um híbrido, o templário, e a ideia de cruzada, Urbano


II decide recuperar a terra santa, a Palestina, o que implica guerra e nobres, mas podia
implicar monges, os monges iriam recuperar a terra santa, é missão cristã, e nesses casos os
monges podem combater, nascem as ordens templárias, hospitalárias, a Ordem de Malta
etc… Os cavaleiros destas ordens podem combater, há a possibilidade dos monges se
tornarem guerreiros e tomarem armas.

Até aqui os monges tinham os seus exércitos que combatiam por eles, Crato, Avis, Santiago
de Espada vão ser ordens militares.

Ensaio: o objectivo é dar a resposta pessoal (mas devidamente fundamentada) de cada aluno a
uma das três perguntas, com base nos textos sugeridos para cada ensaio, partindo do texto
sugerido e respondendo a essa pergunta.

Tem de ser clara desde o início a resposta adoptada,

As ordens mendicantes – a igreja devia tornar-se mendiga, dominicanos e franciscanos.

A mortalidade por doença era elevadíssima no séc. XV na nobreza por vezes 50% das
crianças menores de cinco anos morria.
47

Construções culturais de grupos sociais na idade média.

A nobreza – aristocracia laica não clerical

No final do Séc. X, início do Séc. XI assume-se como grupo social, a desagregação do


império carolíngio resulta na feudalização do ocidente, a fragmentação em reinos e territórios
de senhores nobres, bispos, abades que governam o território – a Senhoralização do ocidente
– a característica da Europa depois de Carlos Magno, vai levar a que surjam um número vasto
de pequenos senhores ligados por uma rede de vassalagem, que atravessa toda a sociedade.

Implica uma territorialização do poder, os terrenos são pequenos, exerce-se poder sobre terras
é característica deste mundo fragmentado, cada bocado é um pequeno território unido aos
outros por laços de vassalagem, de juramentos entre senhores, de fidelidade, de dependência
mútua que atravessam todos, desde os reis aos camponeses, todos estão implicados
estabelece-se assim o controlo dos fragmentos do território, dentro de cada um destes
territórios um clérigo ou um leigo, é este senhor que exerce a justiça no território, é ele quem
exerce a fiscalidade, os impostos são regulamentados por ele, é responsável também pelos
exércitos, são estes os seus poderes.

Não há uma regra única, nem as relações são uniformes, mas é semelhante a isto, os senhores
após Carlos Magno vão viver de forma autónoma, o próprio poder eclesiástico é
fragmentado, a dificuldade em controlar todas as igrejas duma paróquia, a dotação duma
igreja, decidir quem é o bispo que comanda uma igreja.

As mentalidades vão ser influenciadas por isto, da forma como se entende a sociedade em
termos religiosos, os casados, os castos, os monges, ou as divisões trinitárias do pseudo
Dionísio Aeropagita.

Critérios de pureza religiosa, no Séc. X há o surgimento de outras maneiras de entender a


sociedade, os critérios de entender a sociedade de forma tripartida, tendo por base a função
social, o que define as pessoas é a função social, a repartição tri-funcional, os que rezam, os
que combatem e os que trabalham, esta feudalização da sociedade leva a que as muitas
pessoas que governam a sociedade podem também definir-se como laico, não-clerical.
Resultam duma percepção da sociedade não dominada pelo ambiente clerical, os monges e o
povo, a partir do Séc. XI é cada vez mais comum definir a nobreza por “cavaleiro”, o nobre é
o cavaleiro.

Os monges dividem-se e a nobreza divide-se, o topo é definido pela sua função, cavaleiro, os
que andam a cavalo, é um título militar. Um homem ou é clérigo ou cavaleiro, ou nos estratos
mais baixos clérigo ou camponês, ser cavaleiro implica combater na guerra, e é através da
guerra que estes grupos não clericais se vão definir, a literatura do Séc. XI e XII, as canções
de gesta, é uma das novidades do Séc. XI, até aqui a literatura era quase exclusivamente
religiosa, é marcada por tipos religiosos, apenas 10% das bibliotecas versam sobre clássicos
pagãos.

A partir do Séc. XI surge a literatura de gesta que constrói à posteriori, uma memória nova
que nunca existiu, uma memória para este grupo de cavaleiros.
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Havia nobres que não pertenciam ao clero, a definição de sociedade estava no clero em
termos de pureza.

Os militares sempre tinha existido mas não se definiam, ao autonomizarem-se vão definir-se,
os cavaleiros vão definir-se como grupo autónomo, a literatura de gesta é a memória
diacrónica deste grupo, é a criação das suas origens como memória, é um movimento de
criação do passado no presente dum passado mitológico para a nobreza que se está a
autoconstruir, é dotar a nobreza duma memória que se rege mais pelos valores do presente
que com os valores do passado, uma vez que essas memórias são criadas com esses valores,
com o que queremos encontrar lá, não podem ser usadas para estudar história, mas podem ser
usadas para saber quem foram as pessoas que as escreveram, para dizer ao presente como ele
deve ser, esta literatura é em verso ritmado, poesia não métrica baseada num ritmo que vai
dar origem à rima, é possível que alguns destes textos tenham origem oral, são muito
identitários à maneira de Homero, identidade de grupo, estes poemas são longos, anónimos
com muitas versões, são muito plásticos, vão ser modificados porque não são poemas
religiosos, não são poemas de autor, não são poemas em torno dos quais haja aura de
autoridade, mesmo depois de passados a escrito vão ser reelaborados, não são lineares mas
episódicos, cada episódio vale por si mesmo, estes poemas incluem seres mitológicos,
dragões, demónios, cenários irreais, feiticeiros, magos, é uma poesia nascida para justificar os
cavaleiros, é criada à margem do clero, mas não surgem em conflicto com o mundo clerical, é
paralelo.

O primeiro é Beowulf, é um poema de guerra episódico começou a ser cantado no séc. VI


mas só vai passar a escrito no Séc XI, é germânico e anglo-saxónico, é um poema sobre as
origens da nobreza anglo-saxónica, que vai imaginar o seu passado como sendo o de
guerreiros extraordinários, o principal é a guerra embora também haja elementos religiosos, é
uma história da definição do grupo dos antepassados dos cavaleiros, não é história é a
definição a partir da poesia, é a criação de mitos, até a própria violência é hiperbólica,
exagerada, o passado é violento em exagero, a masculinidade define-se pela guerra do
homem como forte, violento por oposição ao que deve ser a mulher, o homem fez-se para a
guerra.

Estes textos são escritos na língua pré-germânica, uma espécie de auto-alemão, no caso da
saga dos nibelungos, esta ideia dos germânicos como guerreiros conquistadores vai
influenciar a Alemanha nazi, esta saga dos nibelungos passou a escrito em 1200 mas apesar
disso passou a escrito depois de muitas redacções é a base do Professor Tolkien, não tem base
real, falar dos Nibelungos ou Burgúndios, que viviam na Borgonha, mas foram derrotados
pelos Francos, a memória dos Burgúndios é a história dos Nibelungos, das suas guerras entre
eles e com os Hunos refere-se ao Séc. V foi passado a escrito em 1200, das suas personagens
nenhuma existiu, é a história de Ziegfried, um cavaleiro que vai pedir a mão de Cremilde,
uma princesa da Burgúndia, vai ser morto pelo rei da Burgúndia e pelos irmãos de Cremilde,
a segunda parte é a vingança de Cremilde sobre os irmãos e os pais. Ziegfried é um herói
bélico, é invulnerável, à semelhança de Aquiles excepto um ponto nas costas e vai morrer
ferido nesse ponto, é assassinado, não morre em combate. É um texto popular na Alemanha.
49

Em francês há a canção de Rolando, a um passado de Carlos Magno, existem várias histórias


deste tipo, de Carlos Magno e dos seus cavaleiros, as aventuras e os acontecimentos são
ficcionais, não são históricos, a Canção de Rolando é a mais famosa, a base é um
acontecimento histórico a batalha de Roncesvalles em 778 é uma pequena escaramuça nos
Pirenéus entre os homens de Carlos Magno e Muçulmanos, esta batalha que não passou duma
escaramuça vai tornar-se numa expedição nunca vista, cheia de peripécias, a canção acaba
com a derrota das forças de Carlos Magno como aconteceu de facto, Rolando sobrinho de
Carlos Magno vai morrer mas como um grande herói, os valores ali cantados não são os de
Carlos Magno, são os deste mundo de cavaleiros já não tem tantas referências religiosas mas
o tema central é a guerra e não Deus.

A matéria da Bretanha – as lendas arturianas

Não se sabe se existiu de facto Artur, mas todos os seus valores são os presentes, o Graal, as
cruzadas, as irmandades de cavaleiros, o juramento de matéria feudal, os feiticeiros Merlin e
Morgana, é matéria que nada tem a ver com o Séc. VI mas com o Séc XI/XII é uma mitologia
em torno dos cavaleiros é uma mitologia nova, medieval.

Na Ibéria havia Cid o campeador, o cantar do Cid – Cid foi uma personagem real existiu no
Séc. XI é um indivíduo do centro norte da península Ibérica, não havia fronteiras definidas na
Ibéria, nesta altura não havia linha definida. Este Cid era um salteador, vivia do saque, era um
cavaleiro que liderava uma pequena hoste, um pequeno grupo dinâmico que tanto atacava
cristãos como muçulmanos, ocasionalmente tomava castelos, negociava a quem os rendia,
não era o único destes generais de fronteira, vivia no sul do Tejo. Tomou Évora e Beja e
entregou-as ao rei português, no caso de Cid vai-se criar o Cantar del mio Cid que é um texto
de carácter militar não religioso cheio de elementos ficcionais, e que mostram sobretudo o
herói guerreiro que combate os Muçulmanos e lidera a reconquista, nada disto exclui a
divindade cristã mas Deus já não é central, a centralidade está sobre a figura do cavaleiro não
muito diferente do herói homérico, quem escreveu sobre estes heróis está a escrever sobre a
masculinidade não-clerical que tem de ser guerreira, os heróis homéricos, a aretê, a virtude
guerreira desses homens é característico da mos maiorum romana, a lealdade, e a virtude do
cavaleiro, o cavaleiro é leal até à morte ao seu senhor, a sua palavra é verdadeira e é piedoso
do Deus Cristão e da sua própria família, respeita a sua família, é alternativa para os
cavaleiros não eclesiásticos, se um homem não for padre deve ser cavaleiro, isto é o ideal do
guerreiro, uma das razões para o mundo medieval andar sempre em guerra é porque um
homem define-se na guerra, ou na batalha, ou em torneios, mesmo nos torneios pacíficos
ocasionalmente morrem os justantes, os que neles participam e combatem, os reis vão
promover os torneios, Ricardo Coração de Leão era fanático por torneios, Henrique II de
Inglaterra morreu em torneio. Depois todos os códigos dos romances de cavalaria estão nestes
torneios, as donzelas e a luta pela sua mão, os escudeiros, quando Cervantes escreve o D.
Quixote como sátira aos romances de cavalaria é isto que ele critica, a cruzada é a guerra para
recuperar a terra santa, aparece como legítima em contexto religioso, mas a guerra é
necessária para a auto-definição da nobreza, vai-se combater em nome de Deus, combater os
infiéis, os Muçulmanos, para que um cavaleiro possa ser cavaleiro, para que possa comprovar
aquilo que era, os nobres tomavam parte na batalha, não se ficavam por comandar, mas
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combatiam activamente, os templários, hospitalários, vão ser a união da cultural clerical dos
monges com a cultura militar, combatem militarmente o infiel, é uma tentativa de criar uma
categoria, entre o mundo clerical e o mundo guerreiro, o que é importante é que isto é um
processo, é a construção da imagem masculina ideal, paralela dum processo social, a
construção da identidade paralela do grupo é a imagem do grupo.

A Europa está a mudar e a cultura está a acompanhar estas mudanças

As canções de Gesta são formas da nobreza se definir de forma não clerical, variam de região
para região mas os temas são similares, na península ibérica surgem no Séc. XI ou XII os
textos de gesta aqui são obedientes à mesma necessidade a auto-definição da elite não clerical
medieval.

A Auto-definição cultural dos aristocratas, há uma mudança no modo como se define a


família e as heranças na família, desde a época clássica há dois tipos de modelos, o modelo
agnático e o modelo cognático, o cognatismo é uma estrutura familiar de base horizontal que
se baseia na partilha de poder dentro da mesma família, não há um só pai mas vários, e o
poder transmite-se do pai para os filhos, geralmente para os filhos homens, isto implica o
fraccionamento da propriedade, os filhos terão menos património que os pais, é uma estrutura
de base germânica, é relevante nos primeiros 500 anos do mundo medieval, as estruturas
políticas são frágeis porque os nobres dividem o seu património por filhos, os merovíngios
fizeram isto muitas vezes, o Rei Clóvis vai dividir o seu reino pelos filhos, Luís o Piedoso
filho de Carlos Magno vai fazer isto, os vários reis das Astúrias vão fazer isto.

O modelo Agnático é o modelo vertical, implica que cada família tem um único chefe, a
sucessão vai fazer-se de pai para filho homem, e em regra o mais velho, o primogénito,
apenas este vai herdar a herança única da família, é o modelo que se vai impor a partir de
1000/1100.

Em Portugal apenas o modelo agnático vigorou, este é preferido por razões de poder, apenas
este poder preserva o património que vai transitando incólume.

A partir do Séc. XI a Europa ocidental, em larga medida é próspera, deve-se a alterações


climáticas favoráveis, e a invenções agrícolas como o arado de ferro.

A taxa de mortalidade infantil é altíssima 50% dos filhos dos reis morrem até aos cinco anos.

Com a melhoria das condições de vida, o consumo de carne aumenta, há mais produção de
gado, deixam de morrer 80% dos filhos da nobreza para passar a morrer “apenas” 50%, é
assim que se vai preservar o património.

As linhagens sem filhos homens desaparecem, começam a inventar-se nesta época os


apelidos, até aqui uma pessoa era “Fulano, filho de fulano” Afonso Henriques (Henriques é
um patronímico – filho de Henrique).

O apelido da mãe não passa de geração.


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Os restantes filhos que não o primogénito dedicam-se à guerra ou ao clero, o pai de Afonso
Henriques era filho sem herança que veio para a península em busca de fortuna, as cruzadas
vão ocupar estes filhos segundos e terceiros, o agnatismo implica os conflictos entre irmãos e
família pelo único património que existe.

No Séc. XI estamos em transição entre os dois modelos, aparecem os livros de linhagens, os


nobiliários, as famílias querem criar a sua memória familiar, e que essa memória seja distinta
da do grupo, as histórias destas famílias exaltam a história, mesmo recorrendo à lenda, neles
são patentes os valores militares como nas gestas porque surgem mais ou menos ao mesmo
tempo justificam a família, em termos sociais, uma família em particular através da guerra, é
este texto que justifica a família.

Em Portugal há quatro casos de livro de linhagens, o livro velho, o nobiliário da Ajuda e o


livro do Conde D. Pedro, o tipo de texto é por vezes ficcional, procuram dizer qual o
património da família, é uma geografia do poder da família para cada propriedade, há a sua
história cartografam pelos feitos da família o seu património, os grandes valores da família
são os da aristocracia militar da época.

Um nobre é nobre pelo seu valor militar e no seu valor humano, a bondade tem a ver com as
virtudes, honra, lealdade, fidelidade, coragem.

Ninguém vence uma batalha por si, mas com a ajuda de Deus e dos santos no caso português
Santiago “mata-mouros” e S. Jorge, o mouro pode ser visto como velhaco mas nunca como
fraco ou medroso, o oponente tem sempre de ser forte para que a victória seja mais valorosa.

Ricardo Coração de Leão – Coração de Leão refere-se à sua coragem e não à bondade,
quando encontra Saladino este é retratado como um cavaleiro, Saladino não é retratado com
menosprezo, mas como um cavaleiro.

As histórias são feitas para serem cantadas e não lidas escrevem-se apenas para que possam
perdurar para que daqui a 100 anos a família ainda a possa recordar, este tipo de história é o
mais relevante em ambiente não episcopal, não há festa em castelo que não implique este tipo
de canto relacionado com a família, em parte a satirizar este tipo de textos muito famosos até
ao Séc XVI surge D. Quixote, D. Sebastião foi educado com base neles, terá sido por isso que
quis conquistar Alcácer Quibir.

No Séc. XI a igreja está em reforma do papa Gregório VII e dos seus sucessores que
implicam a reforma da liturgia e que os reis dependem dos papas.

Implica também o casamento, até aqui o casamento não implica a cerimónia religiosa, os
padres não podiam casar, até aqui havia apenas uma aceitação de parte a parte, era apenas um
vínculo que se podia quebrar ou repudiar, podia haver concubinato, um homem relacionado
com várias mulheres e vários filhos de várias mulheres diferentes, Afonso VI de Castela
casou quatro vezes, teve mais quatro ou cinco concubinas e teve filhos de todas elas.

No Séc. XII o repúdio foi comum, era uma espécie de divórcio, no Séc XI a mudança nas
estruturas familiares, podemos pelo modelo Cognático deixar o património a vários filhos
52

pelo modelo agnático há que determinar quem é o filho mais velho, de que mulher, os
bastardos herdam ou não? A Legitimidade era muito fluída quando a igreja intervém,
intervém na ideia de reforçar o agnatismo, só é herdeiro quem herdar por um tipo de
casamento, que tem três características:

1- Tem de ser necessariamente monogâmico, um marido e uma esposa.


2- Exige a participação dum ministro religioso que abençoe o casamento.
3- O Casamento é indissolúvel, excepto em casos muito excepcionais.

Isto protege a legitimidade dos filhos, assim a legitimidade está marcada por este casamento,
a mulher legítima passa a ser fonte de legitimidade da linhagem e quem faz a linhagem
acontecer torna-se mais central a esposa e não a concubina, mas a mulher passa a ser mais
controlada, está completamente à mercê do marido, vai ser controlada porque na falta de
testes de paternidade, apenas vale a palavra da mulher quanto à paternidade, se não dormir
com o seu marido, dorme com outras mulheres da cada, mas nunca dorme só.

O primeiro filho legítimo é muito importante é para ele que o casamento é feito, é esse o seu
fim antes de mais nada, é esse o fim das relações sexuais, a manutenção da linhagem, a
regulamentação das relações sexuais passar por proibições de relações sexuais em alguns
dias, o ideal era que ninguém se casasse ou dessem em casamento nos dias santos, os casados
deviam abster-se de relações sexuais nos dias santos, Páscoa, Natal, e todos os Domingos.

Esta valorização do casamento faz-se como acto religioso, como um sacramento, associado
ao triunfo do agnatismo neste tempo, a mãe de Cristo é reverenciada desde o Séc. V mas nos
Sécs. XII/XIII o seu culto vai-se expandir, até aqui não havia igrejas consagradas a Maria,
mas a partir daqui e de Cluny passar a haver muitas igrejas consagradas a Maria, o casamento
perfeito é o casamento entre José e Maria, o homem ganha poder sobre a mulher, a linhagem
é masculina, a organização social assenta na masculinidade, só dá poder à mulher legítima, a
punição do adultério feminino pode levar à morte.

As Noras de Filipe IV o Belo da Borgonha – Este Rei teve três filhos e todas as suas três
noras foram acusadas de adultério, de tentarem trair os maridos, duas morreram na prisão, a
terceira foi perdoada pelo marido mais tarde, Filipe IV vai passar a sua linhagem a um primo,
vai ser o rei que efectua a purga templária (O extermínio de todos os templários), vai trazer o
Papa para Avinhão, era um rei poderoso, isto foi o fim da sua linhagem.

As cantigas trovadorescas de amigo e de amor, a poesia torvadoresca era de amor, este tema
não existia desde a época romana, trata de amor cortês, implica sempre um triangulo
amoroso, entre o poeta, a mulher e o seu marido, o poeta está apaixonado pela mulher já
casada, o poeta é vassalo do marido, a mulher aparece como “senhor – A minha Senhor”, é
uma poesia amorosa que se refere aos homens, é um amor nunca realizado, é um amor
platónico, que usa o amor por linguagem feudal, para garantir que o vassalo está apaixonado
pela mulher mas é fiel ao seu senhor, a mulher é um mero adereço, o objectivo é garantir que
o homem é louvado por ter uma bela mulher, é uma maneira de louvar o homem, aparentando
louvar a mulher, mas esta só é louvada enquanto esposa de um homem.
53

Cultura nobiliárquica

A cultura nobre começa a distinguir-se, é uma vontade de ser diferente do grupo clerical e
popular. Não há coisas que distingam culturalmente um nobre do povo, até aqui a cultura
popular e clerical até ao Séc. XI/XII são as que se distinguem, pelas narrativas ou outros
factores, a cultura popular oferece a todos os grupos um conjunto de narrativas de símbolos,
na política sim mas culturalmente não, a maior parte dos nobres não tem cultura de erudição,
sabem do mundo que os rodeia tanto como o povo, a cultura urbana não clerical, é a que une
os nobre e o povo, o que se distingue mais é a falta duma ordem nos comportamentos, a
ordem é a ordem desejada por Deus, mas também a ordem litúrgica, as missas, as orações, o
quotidiano dos monges, muitas vezes também a liturgia vai-se desagregar com agitações
políticas antes de Carlos Magno, mas até esta ordem é comum em cultura religiosa, os ritos,
as vestes, os paramentos mudam durante o ano, essa ideia de ordem é comum ao mundo
clerical, são elementos de ordenação simbólica da realidade, a liturgia de missa e das diversas
orações é simbólica do que está invisível, do que não é possível ver, a cultura profana é o
oposto disto, não há ordem estabelecida, a cultura clerical representa os outros como
intrinsecamente em desordem, os que não vivem no contexto da igreja.

Todos os outros em relação à cultura são dominantes até ao Séc. X/XI quando há narrativas
orais não religiosas raramente são passadas a escrito, estão na área da desordem, do não
habitado por Deus, quando o Rei sobe ao poder e há uma unção essa formalização não é
profana, a coroação tem o seu ritual, que não deve ser informal, esse conjunto de gestos
aponta para uma ordem religiosa, quando um exército vai para batalhar há formalizações do
ponto de vista religioso é a religião que dá ordem ao que é profano, a cerimónia religiosa é
fundamental a qualquer campanha militar para garantir o favor de Deus, o papel dos homens
é combater e captar essa benevolência e quanto mais bem ordenado for o ritual, mais Deus irá
gostar, Deus gosta de ordem.

Antes da queda do império o que distingue as elites do resto da população é a educação, a


erudição a cultura escrita, a cultura era um elemento de distinção com a desagregação do
império essa cultura vai tornar-se saber inútil, o importante era saber combater, ao perder
importância a cultura, as elites clericais e nobres deixam de se distinguir da restante
população, o clero tem acesso à escrita os outros grupos não, não há regras que permitam
distinguir os nobres da demais população, com o Séc. XI/XII permite distinguir a aristocracia
não-clerical e o resto da população, as canções de gesta sevem para definir os nobres não
clericais, não são linhagens clericais nem populares, é a definição dum grupo aristocrata.

A educação passa a ser um conjunto de gestos de características que os distingue da demais


população, do ponto de vista gestual um nobre não pode cuspir à mesa, é uma questão de
educação, não se assoa à manga da camisa, são gestos que um nobre não tem, está de tal
modo intrínseco à educação que são regras estabelecidas aqui que não eram universais, mas
hoje já são, no Séc. XI/XII vai ser criada do quase vazio estas regras de distinção do grupo
dos demais, o que se pode fazer gestualmente ou não, a questão da roupa, em momentos
54

formais a nobreza distingue-se pela roupa, isto vai ser expandido ao vestuário dos homens e
mulheres, codificavam-se os gestos. O vestuário do clero já era distinto, os nobres vão
distinguir-se pelo vestuário também e instrumentos que afastam o corpo da matéria, talheres,
a faca para cortar alimentos e a colher, até aí comia-se à mão, o garfo só vai ser inventado no
Séc. XVII, a ideia de que um dos espaços onde se vê se uma pessoa é bem ou mal educada é
a mesa, a mesa está ultra-codificada, esta educação está enraizada e codificada, é aqui que os
grupos sociais mais se distinguem – civilitas- educação de etiqueta boas maneiras, é algo
muito lento, começa no topo da sociedade e desce para a base até ao Séc. XIX as regras de
civilidade eram as da elite.

O controlo do corpo passa pelo controlo sexual, dá-se a reforma Gregoriana, uma nova forma
da igreja controlar a sociedade, distingue-se pela forma como controla o corpo, lavar as mãos
antes e depois da refeição é um ritual introduzido agora, é uma questão da pureza simbólica e
não de higiene, a maior parte da população come com as mãos como elas estão, lavar as mãos
é um sinal de pureza.

Essa ordem vai dar origem a um conjunto de rituais que passam a espelhar o quotidiano, a
missa o momento onde o ritual, a ordem está mais bem codificada, a seguir as refeições e
tudo isso passa a ser muito codificado, a música e a dança dos jograis, dos trovadores, a
dança popular, não tinha muito registo pelo que não foi recuperada, as danças e as músicas
recuperadas são em momento nobre e não popular, é associada a festa, no Séc. XII passa a
haver registo, a música popular elimina a coreografia, tal como hoje mas em ambiente de
elite, tenta ordenar-se a dança com coreografias simples que toda a gente segue, não em
ambiente popular, mas aristocrático, a coreografia é o que ainda hoje distingue dança clássica
da dança moderna, a música popular ainda hoje é muito simples comparada com a música
erudita, nos cerimoniais militares e civis dos nobres e reis que se distinguem do mundo
religioso.

Por lado codifica-se a etiqueta que tem origem religiosa como controlar o corpo, até ao Séc.
XII a etiqueta mais importante é a religiosa, o tipo de rituais são sempre uma imitação dos
imperadores, no Séc. XII vai nascer a etiqueta própria da corte, de facto a autonomização da
elite é paralela ao conceito de corte, as pessoas que vivem com um senhor e são quase iguais
a ele, até ao Séc. XII há a corte do rei e pouco mais, os nobres não se tentam rodear ou não
existe o conceito ou é embrionário, no Séc. XI/XII os senhores convidam os vassalos para
virem para a sua corte, para junto de si, convidar para a corte é afirmar o lugar de cada um, o
senhor da corte convida os outros para que o lugar de cada um seja claro, é um espelho do
lugar que cada um deve ocupar, reconhecer tácita ou expressamente o lugar de alguém, a
corte é filha do feudalismo, na corte negociamos a nossa posição relativa uns com os outros,
mesmo quando convidamos o nosso senhor para nossa casa, não tem de haver lugar fixo para
a corte, há vários castelos e os castelos podem ser configurados de vários modos, os senhores
podem visitar o castelo dos vassalos e ocupar o lugar de todos, daí que a etiqueta seja muito
importante, somos reconhecidos como quase iguais pela maneira como nos comportamos, se
nos comportamos como o senhor somos semelhantes a ele, senão somos iguais aos demais.
55

Na Gália vão surgir várias cortes, que vão tentar que os seus castelos surjam como polos de
atracção de gente, ser excluído da corte é ser excluído socialmente, a corte ganha centralidade
social e cultural, temos de estar à altura das expectativas quando reunimos a corte, se damos
comida má, a comida e a bebida não podem faltar, na corte também se joga esse equilíbrio,
ambos têm coisas a dar e ambos esperam coisas do outro.

Norbert Elias – O processo civilizacional.

Ele procura definir na corte nos Séc. XV e XVI uma maneira de controlar na corte, a corte é
sempre uma tentativa de controlar, é pela educação e pelas boas maneiras que a nobreza se
auto-regula, é um grupo não-uniforme vai ter o seu pináculo com Versailles e Luís XIV, onde
tudo é codificado, quando o rei acorda toda a gente o vê, quando come todos o vêem comer, e
como os outros o olham a ver comer, é uma ordem hierárquica, Versailles tem este modo de
actuar em corte como modo de controlar os nobres e os reis.

Versailles é uma tentativa de codificar, de domesticar o rei, Norbert Elias e esta tese são
datados de 1930, hoje sabe-se mais, sabe-se hoje que as cortes são uma tentativa de
domesticar os vassalos através de um jogo de símbolos em tempo de paz, na corte é o espaço
onde os nobres se podem modelar uns aos outros, a tentativa de moldar os comportamentos
através da participação na corte, ser convidado para a corte é uma honra, mas se não nos
soubermos comportar?

Tentamos imitar os reis e os nobres, a corte serve para a prática dessa etiqueta, se vivemos
sozinhos desleixamo-nos nas regras de etiqueta, a corte serve para mostrar que que sabemos
comportar-nos, que estamos e sabemos bem qual é o nosso lugar, no Séc. XVII Versailles é
extremamente formal, o lugar à mesa é um lugar hierárquico, se estamos a comer perto do
senhor estamos hierarquicamente mais estimados, estar longe do senhor não é bom, assim
interpreta-se o lugar de cada um, é um lugar competitivo mas não militar, todos competem
pelo seu lugar, pela nossa educação, por sermos mais civilizados, os homens competem nos
torneios em tempo de paz, a derrota ou a victória estabelece o nosso lugar na hierarquia e é
por isso que a cultura das cortes é uma cultura da vergonha, tudo e todos fogem de cair em
vergonha, não se saber comportar é uma vergonha, a sanção tácita de que quem nos vê nos
pune tacitamente se agimos mal, no Séc. XII surgem os primeiros manuais de civilidade,
dividem-se em três partes, a hierarquia, dar passagem a quem é mais importante que nós, dar
a vez na passagem mas esperar que quem está abaixo de nós nos dê a vez, ocupar o seu
devido lugar num banquete, mandar levantar alguém é uma grande vergonha para quem é
mandado levantar, ou sabemos de antemão, ou esperamos que nos indiquem onde nos
sentamos, a mesa e a refeição, os talheres que já foram à nossa boca não vão ao prato comum,
não se assoa à mesa e sobretudo nunca à manga, não cuspir à mesa, lavar as mãos antes e
depois das refeições, não falar com a boca cheia, não rir demasiado alto, questões sexuais,
aceita-se que um nobre homem frequente uma prostituta mas não se aceita que a traga para
casa, urbanus magnus, o primeiro manual de etiqueta, escrito à volta de 1200.
56

O lugar do cavaleiro na corte, o cavaleiro distingue-se na guerra mas também na corte pelas
suas maneiras, o cavaleiro tem de ser um homem educado, civilizado, são os dois palcos onde
um cavaleiro se apresenta como tal.

O cavaleiro é o homem educado, o que dá o lugar às senhoras, etc… O cavaleiro em tempo


de paz é o homem civilizado, há a caça ou os torneios, encenações de guerra em tempo e
contexto de paz, a honra do cavaleiro, a sua palavra é tão valiosa como uma assinatura
escrita, a expressão “palavra de honra” deriva daqui, a honra das senhoras que passa pela
componente sexual, para as senhoras a dignidade, a dignitas, ser considerado digno de ser
cavaleiro e das honras que o senhor lhe dá, indignidade é algo grave, o cavaleiro é generoso,
a generosidade é característica do rei e do nobre para com os seus vassalos e com os demais,
é algo que serve para ser visto, estes homens são homens que nos tempos livres se dedicam à
música, os cavaleiros, interessavam-se pela música e poesia, gostam de poesia, é distinto
gostar de arte, da música erudita e dança erudita também, distingue o nobre dos outros, saber
dançar, o cavaleiro tem de aprender a dançar, os passos mínimos, distingue-se pela sua
sensatez, e por isso o cavaleiro é bonito, os homens no Séc. XI/XII começam a mostrar
preocupação com o seu aspecto físico, os homens passam a fazer a barba, ou mesmo a rapá-
la, a competição intensa dentro da corte, o modo como me visto e comporto, se me apresento
com determinado tipo de ornamentos, isso favorece a minha aparência, a minha aparência é
trabalhada, os cavaleiros na literatura são sempre belos, os senhores rivalizam uns com os
outros pelo esplendor da sua corte.

Tudo isso faz parte desta cultura aristocrática e da Europa que se está a formar.

Grupos sociais marginais

Nas concepções religiosas antigas, clássicas, as figuras divinas tanto podiam agir de forma
favorável como desfavorável, os deuses não são sumamente bons nem maus.

Quando na antiguidade com Platão se pensa no mundo das ideias, o mundo das ideias
perfeitas não é em si mesmo uma entidade. Já em contexto cristão há a absoluta
transcendência da divindade cristã, Deus transcende o mundo e é a verdade absoluta, Júpiter
não era isto.

Também em contexto de antiguidade tardia IV e V os maniqueístas consideravam que tal


como há o bem absoluto, também há o mal absoluto, não tem de ser um deus, ainda que para
o maniqueísmo estes conceitos são absolutos, há conceito absoluto de bem e de mal, os
cristãos não vão aceitar exactamente isto, mas vão aceitar parecido, o polo do bem e o polo
do mal, mas o mal não é absoluto, o bem é, e o sumo bem é Deus, mas não há um sumo mal,
o que não significa que não haja mal mas não é equivalente ao bem, os textos hebreus
57

explicam isto, os homens no mito de Adão e Eva escolheram o mal, opção que vinculou toda
a sua descendência.

Os hebreus falavam de um ser que desejava a divindade, umas vezes é referido por satanás
outras por lúcifer, daimon, o seu nome não é certo, é o diabo, e nas mitologias hebraicas há a
explicação deste ser, que foi segundo elas, criado por Deus, é uma criatura de Deus, um anjo
que se revolta contra a divindade no tempo mitológico e foi expulso da comunidade angélica
e teria caído sobre a terra e na terra era onde esse ser espiritual vivia. Estas histórias são
hebraicas mas têm paralelo na cultura grega no culto à deusa Atê, a deusa do erro, uma deusa
que enquanto vivia na antiguidade, onde quer que pouse leva o indivíduo a errar, no Olimpo
isso fazia os deuses errar e Zeus precipita-a sobre a terra e a partir daí vive entre nós fazendo-
nos errar.

Demónio é uma designação clássica para falar de seres divinos, abstractos, espirituais,
incorpóreos, demónio é um ser estranho, um ser divino a meio-termo entre Deus e o homem,
diabo é aquele que divide, é um termo grego que diz que é aquele que separa, o objectivo da
figura de satanás é de tentar separar-nos dividir-nos do mundo perfeito, do bom e do belo em
si.

Do ponto de vista cristão este ser não tem o poder de Deus, Deus tem sempre capacidade de o
vencer, Agostinho diz que isso é devido à Graça divina, se alguém me separa da verdade e do
bem, isso é uma coisa má, se esse bem em si é a verdade perfeita, o que nos separe dessa
verdade torna-nos ilógicos, torna-nos irracionais, essa separação é um acto irracional, é algo
que respeita ao foro do ilógico, do irracional, a sua função é a de nos separar, é aquele que
engana como enganou Eva a comer a maçã, a hyubris, o miasma, a mancha com que o
homem fica maculado ao afastar-se da verdade, o pecado que é um afastamento de Deus.

Os marginais estavam separados de Deus e dos homens por influência do diabo.

Os hereges são aqueles que sendo cristãos não aceitam a doutrina da maioria dos cristãos, os
vários grupos chamam-se hereges uns aos outros, o credo de Niceia venceu este conflicto e
marcou os outros como hereges, todos acham que os hereges não podiam sobreviver era
melhor persegui-los, os grupos que se vão combater fisicamente, o outro, o herege é sempre
irracional e inspirado pelo diabo, estava a afastar-me a mim e aos outros de Deus,
contrapondo os arianos e os do credo de Niceia, os arianos do ponto de vista dos niceianos
estavam inspirados pelo demónio e estavam a motivar a divisão, aceitar o erro é aceitar a
irracionalidade, não pode haver convivência com a irracionalidade, quando o império
Romano do Ocidente, os reis germânicos foram arianos por muito tempo, houve essa
convivência mas sempre tiveram de ser combatidos.

Que tipos de penas eram aplicadas aos hereges? Depende da gravidade e relevância da
heresia, a excomunhão, a proibição de culto, a proibição de ensinar, o confisco dos bens, ou
dos bens da igreja herética, a prisão e em casos excepcionais a morte, no Séc. IV Prisciliano
foi o primeiro herético morto na península ibérica.
58

Na era de Carlos Magno o que Carlos Magno procura fazer, a unificação da liturgia e da letra,
e unificar a fé, na fragmentação política da Europa havia doutrinas estranhas, há que unificar
a fé, há que fixar os princípios básicos da fé cristã, isto era evidente para Carlos Magno, e a
quem cabe punir? Quem deve perseguir? Se cabe à igreja, a igreja tem de ter meios para isso,
se há separação entre estado e igreja não pode pertencer aos nobres, se a igreja quer perseguir
e o estado não?

A quem compete a unidade religiosa? Conflicto entre a igreja e os poderes seculares, a


resposta centralizada só vai surgir no Séc. XI, há bispos severos, há bispos brandos, não há
uniformidade nesta acção, surge esta uniformidade com a reforma de Gregório VII, um dos
objectivos é que a verdade impere e que a heresia deixe de existir, e é por isso que o Papa
Lúcio III vai instituir a inquisição, primeiro a inquisição episcopal, poderes para os bispos
perseguirem os hereges, sempre para que a única verdade impere, e para uniformizar penas, é
uma tentativa de uniformizar a aplicação de penas, surgem os primeiros códigos de penas.

A inquisição papal só surge com o papa Gregório XIII, o santo ofício, hoje chamado
congregação para a doutrina da fé, teve de mudar de nome porque “inquisição” ficou com
muito má imprensa, o órgão que supervisiona as heresias, até ao Séc. XIII só surge esta
centralização para uniformizar as penas, o papel da inquisição é impedir a separação, o diabo,
os bispos passam a ter meios humanos e militares para fazer esse combate, os poderes
seculares vão assumir também esse combate, como é que se impõe uma pena? Os reis não
querem hereges, porque os reis dependem da boa vontade de Deus, um rei não pode alienar
Deus, logo não pode sequer impedir a perseguição dos hereges, como vão ser declarados os
Cátaros.

Bruxas – Já se falava em bruxas na era clássica, os gregos falavam de mulheres que faziam
feitiços, as bruxas clássicas invocavam daimones pagãos, as poções, isto faz parte da
religiosidade clássica rural popular.

Feitiçaria em Latim diz-se superstitio, superstição, a astrologia estava próxima disto, os


imperadores consultavam astrólogos e bruxas, há amuletos, os objectos que protegem do
mau-olhado e dão sorte, o olhar cristão sobre isto não era algo controlado, por isso
consideravam superstições um erro, religião é razão, superstição é irracional, é erro, os
bruxos invocavam diabos, os rituais satânicos são-lhes atribuídos, acha-se que as bruxas
voam, fala-se de bruxas e de noite, a noite é o período do demónio, Deus é do dia e do sol.

Associadas à noite, vêm relatos de orgias, canibalismo, ninguém sabe muito bem o que elas
fazem.

Para Santo Agostinho são heréticas, é um erro religioso, afasta as pessoas da razão, para as
punir há penas mais ou menos duras, a excomunhão de cinco a dez anos, multas, prisão, mais
raramente a morte, se o feitiço tivesse causado a morte aí podiam ser mortas.

A pena de morte só se torna mais comum com Carlos Magno, vai tornar-se mais comum no
Séc. XII/XIII, no renascimento vão-se matar ainda mais bruxas na Europa.
59

Prostitutas normalmente eram toleradas, são sempre condenadas socialmente, na antiguidade


e na idade média, os pais não vão querer que as suas filhas sejam prostitutas.

Agostinho condena-as mas de forma mitigada, reconhece-lhes a função de regular os apetites


sexuais, isso é uma função que não é boa mas é justificável, é uma função importante para o
clero, que idealmente não forma família, mas canaliza as pulsões sexuais, idealmente está-
lhes vedado o sexo, mas Agostinho reconhece a dificuldade desta conduta, por isso lhes
atribui esta função numa sociedade que vive em guerra, as mulheres não vão à guerra,
canaliza assim as tensões sexuais.

Haviam bairros onde as prostitutas não eram perseguidas, não nos bairros das famílias
citadinas, mas situados extramuros ou nos portos, respondiam assim aos desejos dos homens,
perto dos quartéis militares havia bordéis legalizados, raramente mulheres são presas por
prostituição, mas os homens são, se a isso cumulassem bruxaria, já eram presas.

A prostituição era tolerada, o único sexo bom é o sexo para fim reprodutivo, o bom é o que
está no mundo divino, o sexo só é bom se se sublimar a parte física, o sexo não-procriativo, o
sexo recreativo, não era bom, por isso muitas mulheres eram educadas para só aceitarem ter
sexo no período da ovulação.

Todo o tipo de práticas sexuais não ligadas à procriação, sexo oral, sexo anal, masturbação,
eram mal vistas pois prendem-se apenas com prazer corpóreo.

Os homossexuais eram separados, a ideia de que o sexo entre pessoas do mesmo sexo é
contra a natureza, porque relações sexuais entre duas pessoas do mesmo sexo à partida não
produzem um filho, o sexo entre pessoas do mesmo sexo é condenado por isso.

No Génesis a história de Sodoma e Gomorra, Deus destruiu-as por serem habitadas por
homossexuais.

Os cristãos não condenam os homossexuais à morte, na antiguidade ser-se passivo era


intolerável, ser-se activo é tolerado, um homem passivo podia ser um escravo ou um rapaz
mais jovem, em França havia bordéis masculinos, tolerados, frequentados por homens, o
bordel de Paris dos Séculos XII/XIII, em Veneza havia prostituição de rua masculina,
travestismo masculino em Paris e Inglaterra, homens presos por estarem vestidos de mulher,
esta condição era por regra uma agravante, não o crime em si, raramente alguém era preso
por ser homossexual.

Há homossexualidade literária, Santo Anselmo tem textos para outros homens de carácter
quase amoroso, como é Santo Anselmo será um amor sublimado, mas de Ricardo Coração de
Leão fala-se do seu gosto de viver rodeado de homens, morreu sem herdeiros.

Até ao Séc. XIII as condenações são pouco uniformes, a homossexualidade feminina é mais
tolerada, tem haver com questões culturais, no Séc. XIII há um endurecimento das penas,
castração, corte de seios, desmembramento e morte, no renascimento vão ser condenados
mais homossexuais que na idade média.
60

Judeus e Muçulmanos

Judeus foram o povo que matou Jesus Cristo, desde a idade média até aos nossos dias, quem
o matou, matou a divindade, esta ideia fica enraizada.

A rivalidade pelas escrituras, pela Bíblia hebraica o antigo testamento como preparação para
o cristianismo, os judeus obviamente não se vêem assim.

Em toda a idade Média há motivos de perseguição e escravatura de Judeus, no reino


visigótico obrigavam-se a conversões forçadas de Judeus, mas vão muitas vezes ser tolerados,
vai variar de bispo para bispo, os judeus passam a viver em bairros próprios, as judiarias, e
tinham de usar marcas próprias da sua religião, chapéu, ou na Alemanha nazi a estrela.

Na Idade média em Lisboa havia duas judiarias, dedicavam-se a actividades que os cristãos
tinham dificuldade em praticar, comércio, uma vez que os comerciantes tinham má fama, Em
Roma os senadores eram proibidos de comerciar, os judeus tornaram-se ricos por isto.

Ou a medicina, embora esta não fosse vista de forma muito diferente da bruxaria, os judeus
podiam fazer feitiços, autópsias, que os cristãos não podiam fazer, o médico do rei por regra
era judeu, vão ser demonizados, as catástrofes naturais vão ser associadas aos judeus, Deus
na era medieval é um Deus que castiga, eram presos, confiscados, etc…

No caso dos Muçulmanos, quando os muçulmanos chegam no Séc. VIII à península, era uma
religão com menos de 100 anos, por isso ninguém sabia quem eram, as primeiras referências
a Maomé eram obscuras, vai haver uma mitologia cristã em torno de Maomé.

Na doutrina cristã dizem que o demónio se vestiu de anjo Gabriel e enganou Maomé.

As primeiras construções, ideias políticas e culturais em torno da ideia de reino

Séc. XV

Do ponto de vista histórico em finais do Séc XII há um esforço de centralização do poder um


pouco por toda a Europa, a partir de final do Séc. XII há um conjunto de senhores que vão
procurar controlar o território de forma muito mais eficaz.

Os senhores até aqui dominavam pequenos espaços, as relações de vassalagem não permitiam
este controlo mais efectivo, aproximadamente em 1150 há um esforço de alguns senhores de
ultrapassar esta fragmentação.

Este esforço de ultrapassar a fragmentação de criar entidades supralocais, unidades com um


tamanho maior, esta vontade gera muita instabilidade militar e política há muita violência e
combates entre os poderes que se querem consolidar, o rei é na maior parte um símbolo, não
tem muito poder efectivo, ou de um senhor que assume o título de rei como é Afonso
Henriques e isso faz-se com guerra.
61

A reforma gregoriana dos vários papas que vão suceder a Gregório VII é uma reforma
administrativa sólida que se estende à Europa ocidental, esta reforma assenta na criação da
igreja como estrutura política que assenta na recuperação do direito romano e de regras
administrativas, a chancelaria papal, uma máquina administrativa que parte de Roma para se
espalhar a toda a Europa.

Esta forma de organizar vai ser copiada, imitada fora de Roma, Inglaterra, França, parte da
Alemanha, a Península Ibérica, vão imitar a chancelaria papal, vão recuperar o direito romano
e adaptar a chancelaria papal às estruturas locais, esta vontade de imitar a chancelaria papal a
nível regional como se a máquina administrativa facilitasse as negociações entre reinos.

Há chanceleres portugueses que vão estudar a chancelaria para Roma, e por vezes isso é um
conhecimento que vai ser usado contra Roma.

Os vários reis procuram inquirir no seu território, Afonso II e Afonso III vão criar uma
máquina administrativa, vão criar as inquirições, inquéritos para conhecer o reino que o Rei
de Portugal procurava dominar, ir pelo território a conhecer o que era de quem.

São desta altura a criação de Cartulários, livros onde se regista o que era de quem, as terras,
as escrituras que mostravam o que era de quem, o território estava muito fragmentado, esta
actividade era difícil e perigosa para quem fazia as inquirições.

As confirmações são a confirmação de que determinado território pertence efectivamente a


alguém, isto é copiar o modelo administrativo papal, este esforço é contraditório, por um lado
os reis procuram estabelecer o poder alargado a um reino alargado. O poder não deve ser
fragmentado, mas não quer poder imperial nem papal.

Católico significa universal.

Desde Gregório VII que há uma ofensiva papal para afirmar a sua superioridade sobre todos
os reinos.

Inocêncio III vai afirmar na Bulla Venerabile que é ele que escolhe os reis, na falta de um rei
é ele que escolhe o sucessor e cabe ao papa tirar o reino a um rei não merecedor e proclama
que é a função dos reis defender a igreja.

Os reis são meros funcionários do papa, Bonifácio VIII proclama como sendo necessário para
a salvação que todos estejam submissos ao papa.

(nota á parte - O cisma do Oriente já ocorreu em 1054. Com ele a Igreja cristã, dividiu-se
entre Católicos que obedecem ao Papa de Roma e ortodoxos que obedecem ao Patriarca de
Constantinopla, vai haver algumas diferenças entre a fé católica e a fé ortodoxa,
nomeadamente quanto à veneração de ícones, em larga medida divide uma cristandade
helenista e os cristãos ocidentais.)

Na fundação de Portugal Afonso Henriques foi reconhecido pelo Papa, em troca teve de
pagar o censo, uma esmola a Roma.
62

Estes episódios mostram como o Papa é um poder simbólico e como os reis se tentam eximir
a esse poder. O papa quase não tem poder militar, por um lado afirma-se doutrinariamente
mas não tem poder militar, o papa tenta impor o seu poder mas o rei tenta impor o seu poder
no território.

Bonifácio VIII diz que só há salvação se alguém estiver submetido ao papa, estre este papa e
o rei Filipe IV de França vai haver conflicto porque o rei não aceita o domínio sobre si,
Bonifácio VIII excomunga-o, Filipe IV invade e captura o papa e fá-lo prisioneiro.

O conjunto de mecanismos culturais que os reis vão utilizar para ultrapassar estes
constrangimentos, um deles passa pela afirmação simbólica do próprio rei, um deles a nível
textual, a historiografia cronistica herdada de Eusébio de Cesareia, há uma historiografia
diferente, de memórias que se retro projectam no passado como as canções de gesta mas ao
nível do rei regional, uma especialização da historiografia em torno do rei.

Crónica geral de Espanha de Afonso X de Leão e Castela, vai promover a história geral ainda
semelhante à crónica de Eusébio, vai pagar para se escrever esta história, mas vai mudar de
ideia a meio da história geral e vai passar a escrever a história de toda a península, os reis
vêm desde a época visigótica e explica porque estão destinados a dominar toda a hispânia.

Em Portugal D. Pedro conde de Barcelos vai traduzir a primeira crónica geral de Espanha de
1344, o grande texto fundador da historiografia portuguesa, tradução quase fiel de Afonso X,
é nela que Pedro de Barcelos faz a primeira memória do reino de Portugal, desde Hercules a
Pedro de Barcelos.

Em França em torno da Abadia de Saint Denis, o panteão dos reis de França, os monges desta
abadia vão escrever pequenas crónicas acrescentadas rei a rei. A abadia faz a protecção dos
túmulos dos reis, abadia que vai surgir como panteão.

É também pelo nascimento da historiografia que se justifica o nascimento do rei e do reino e


é assim que se supera a fragmentação.

São sempre histórias da tese que obedecem às exigências de quem as manda escrever. Um
segundo aspecto é o nascimento o surgimento de festas em torno do rei, quase todas já
existiam mas eram privadas, a principal é a sagração ou a coroação do rei.

Os reis desde os visigodos eram ungidos com óleos mas passam a ser ungidos em público,
isto favorece o simbolismo em torno do rei, o rei vai em cortejo pelo meio do povo este
cortejo sai da igreja (legitimidade religiosa) o cortejo parte para o meio do povo.

Isto só serve funções simbólicas, passa a ser uma figura sagrada, um cortejo religioso de que
é ele a figura principal, o rei faz milagres nesse dia, isto confere-lhe autoridade, o rei
taumaturgo (thaumasta – que faz magia), o rei que tem o carisma (carismático – aquele que
age em nome de Deus) em Portugal é-se rei “pela Graça de Deus”.
63

Na península ibérica o rei não é coroado nem ungido, o rei é aclamado por toda a gente ou em
ambiente militar (os seus nobres, ou nas cortes), o escudo de Afonso Henriques estava
exposto como objecto quase sagrado.

O rei era alçado (erguido) no seu escudo.

O rei era aclamado nas localidades, o arraial pelo rei de Portugal, simbolicamente ele estava
presente.

Cunhavam moeda, todas as pessoas tinham acesso a representação do rei, do Minho ao


Algarve o mesmo tipo de moeda, usado para criar identidade, e distinção em relação aos
demais.

Os funerais régios, os funerais eram por regra privados, a partir do Séc XIV, os reis quando
morrem passam a ter direito a funerais públicos, o cortejo mostra o rei pela última vez, é
levado pelos campos para sepultar noutra cidade, os reis quando morrem são representados
em estátuas de cera – efigias que mostram a cara do rei, é a ultima vez que o povo vê o seu
rei, o rei nunca morre, não há hiato porque o rei tem dois corpos, o mortal e a representação
simbólica que é o reino, o reino é o corpo do rei, um reino doente adoece o rei, o reino é
imortal.

As entradas régias nas cidades

Os reis quando entram nas cidades é motivo de festa, as cortes são itinerantes, o rei quando
entra na cidade é recebido em festa, criam-se construções em madeira para receber o rei,
como os arcos nos santos populares, chegam a construir-se tronos carros puxados por animais
para o rei entrar na cidade, o rei tem de estar longe para se dar a solenidade mas próximo o
suficiente para ser visto.

Há mecanismos para fomentar essa união.

A criação de unidade étnica dentro do reino, se houver unidade étnica entende-se mais fácil a
expulsão de judeus e muçulmanos, é essa tentativa de fomentar o igual e expulsar o diferente.

O povoamento do território, Sancho I foi o povoador, fundou aldeias pelo território, deslocou
população do litoral para o interior.

A criação de línguas nacionais, na Europa do Séc. XII, há muitas línguas, a unificação da


língua faz-se por motivos políticos.

Na Galiza e no Norte de Portugal, falava-se a mesma língua, abandona-se a partir do Séc.


XIII o latim, as chancelarias do rei vão abandonar o latim, no reinado de D. Dinis passa-se a
escrever numa das formas de português, para afirmar o português como marca do território,
cria-se diferenciação referente ao outro, eliminam-se as línguas regionais para criar unidade
em relação à língua do rei.

Em Portugal vence o sotaque do Sul, de Lisboa, da capital e do Rei.


64

A Igreja de Filipe IV – a igreja Galicana que obedece ao rei e não ao papa, que dá unidade
cultural ao reino, falha em França mas tem sucesso em Inglaterra e na Alemanha.

A emergência dos Proto-reinos, a criação artificial de invenção de unidade em torno da figura


régia, questões como a imitação dos poderes regionais, nobres, reis, bispos da chancelaria
papal a adaptação desta chancelaria a realidades locais, como a chancelaria papal com
representantes de Roma, legados papais por toda a cristandade e como essa administração é
retomada por toda a Europa imitada mesmo que usada em oposição ao papa, as estratégias
culturais em torno da administração regional dos vários reinos, a construção destas
identidades regionais, a singularidade histórica, étnica dum reino, o que a distinguia dos
outros reinos serve mais para explicar o presente do que o passado, a reinvenção de si e do
seu passado por via artificial em torno da figura do rei como topo dessa artificialidade,
espectáculo religioso que se projecta para fora da igreja. O rei no andor, a sacralidade do Rei,
o corpo do reino, os funerais, as entradas régias, o espectáculo em torno da figura régia, o rei
é longínquo mas está próximo na sua teatralidade, tudo isto gera identidade, isto são
expressões de gozo que só no Séc. XVI e XVII Bourbon Franceses, Versailles.

A Universidade

A reforma gregoriana está no início das faculdades, a centralização da igreja no conjunto da


realidade europeia, resultavam numa consciência de que o Latim e a liturgia estavam a
degradar-se, o latim escrito estava desligado da oralidade, havia línguas com influência do
latim, quando a língua escrita é diferente da língua oral, o galego-português data do Séc. XII,
a língua oral está a influenciar a língua escrita. Já não se sabe como era o latim oral, o latim
escrito está adulterado, consequência da feudalização da Europa, o latim como língua da
igreja, como língua da comunicação vai ser um objectivo da reforma de Gregório VII, o latim
era a única língua escrita a Ocidente, a Oriente havia o Grego, o árabe existia mas não era
usado, a letra comum retomada de Carlos Magno vai ser retomada por Gregório VII, os
monges de Coimbra recusaram escrever com a letra Carolíngia, havia alguma oposição
regional, há reforço do direito, da administração papal muito era regra de direito essas são
regras processuais de direito canónico.

Gregório VII e os seus sucessores vão formar escolas catedralícias, os escolares eram alunos
que iam aprender essas matérias, latim, direito, a letra, o ensino ao clero era ideia de Isidoro,
de Agostinho, do trívio e do quadrívio, as escolas catedralícias apontavam para a formação do
clero. Os seus homens queriam recuperar os modelos de educação sobretudo do Trívio, a
gramática é só do latim, a retórica e a dialética muito disto estava esquecido, o Papa Gregório
VII que vai insistir na patrística e nos textos religiosos como a base da educação cristã, vai
ser a insistência na textualidade cristã, o ensino por si era o ensino da máquina administrativa
de Roma pelas dioceses, a sua mini chancelaria, construída à imagem de Roma.

O final do Séc XI e Séc XII, são eras de crescimento económico na Europa, há bons anos
agrícolas, o que notamos a partir da segunda metade do Séc. XI, no Norte da Europa há
crescimento económico, há crescimento demográfico, mais tempo de vida, mais saúde, mais
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filhos, melhor resistência às doenças, Norte da Alemanha, Sul de Inglaterra, Flandres e Norte
de Itália.

As cidades tinham atrofiado mas no mar do Norte ao longo do Reno, no Norte da Itália vai
haver desenvolvimento, se há mais gente nas cidades têm de ser acompanhadas
religiosamente, tem de haver mais clero para acompanhar esta gente os mosteiros, têm de
formar mais gente para dar apoio espiritual à população, os bispos estão a imitar a chancelaria
papal.

A peste negra só viria no Séc XIV, por enquanto há desenvolvimento.

Tenta formar-se um grupo de homens que perceba de direito canónico civil que possa
assegurar o funcionamento da chancelaria papal, são os bispos e os reis que querem apostar
na educação para formar agentes, magistrados, legados, diplomatas, todos estes precisam de
formação.

Esta necessidade não é necessidade de cultura erudita, é pragmática voltada para aspectos
práticos, voltada para a administração, por via árabe os muçulmanos fazem chegar à Europa
textos desconhecidos textos traduzidos do grego para o árabe onde estão os textos de
Aristóteles que foram preservados pelos árabes.

Sabia-se quem era o opositor de Platão mas não se sabia o que ensinava, a realidade tal como
os sentidos a vêem, é um precursor da ciência moderna, nos Sécs. XII e XIII redescobrem-se
textos aristotélicos, a física, a ética, estes textos vão ser conhecidos em Latim, todos vão
querer ter algo de Aristóteles, vai influenciar muito os intelectuais cristãos, os comentários
que alguns árabes tinham feito a estas obras, comentários conhecidos em Latim. São estes os
elementos que levam ao nascimento das universidades.

A redescoberta de Aristóteles

O fortalecimento das corporações que já existiam, mas com a expansão urbana vão florescer,
são corporações profissionais, uma forma de se organizar profissionalmente sob a égide dum
padroeiro, um precursor da segurança social, dos sindicatos, são uma espécie de ajuda mútua,
se um ferreiro adoece e não pode trabalhar a corporação assume a sua baixa, isto desenvolve-
se em ambiente urbano em que as pessoas nas cidades já não produzem tudo o que
consomem, são sustentados pelo mundo rural, a universidade nasce duma imitação deste tipo
de corporação.

Os bispos organizavam pequenas escolas episcopais, a primeira em Portugal é em Braga, na


Sé de Braga, fundada por D. Pedro, vivem quatro docentes nesta escola.

Paris vai tornar-se numa das maiores cidades do mundo medieval e há que formar muita
gente, Bolonha no Norte de Itália, Montpellier, Oxford.

O ensino é dependente do bispo, é ele que passa a licença de ensino, é o atestado de que
aquela pessoa pode ensinar, a escola estava sob fiscalização do bispo, o bispo vigia o
funcionamento da escola, o bispo fornece o espaço para as aulas, o ensino é ainda clerical.
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A primeira disciplina que se independentiza é o direito porque serva para todas as formas de
administração, com o tempo há a tendência para a autonomização dos professores de direito,
da vigilância episcopal, porque tem aplicação extra-religiosa, em Montpellier e em Bolonha
por regra o número de alunos é crescente, os clérigos e os juristas do rei vão atender esta
administração régia.

Os professores e alunos começam a imitar as corporações dos artífices, entendem que se se


organizarem, se forem acusados em tribunal podem defender-se melhor, os escolares e
professores entendem isso, surgem corporações de professores e estudantes com as suas
regras, com alguns privilégios específicos, alguma segurança na doença, na velhice, um
acordo nas corporações, os associados têm benefícios particulares, os privilégios distinguem
uma associação das outras, não há uma única corporação de professores, normalmente estas
profissões são hierarquizadas, um reitor eleito pelos seus associados para mandato curto,
2/3/5 anos.

No caso dos escolares e no caso dos professores essa hierarquização tem haver com o grau do
saber, não há diplomas na antiguidade, há apenas formação, quem vai inventar os graus vão
ser estas corporações, o primeiro grau é o de bacharel, estas corporações são semelhantes às
ordens profissionais, são elas que dão a licença para exercer a profissão, o grau de licenciado
dá-lhes a licença de ensinar, doutor é um sábio.

Cada corporação estabelecia isto que distingue externa e internamente, uma das
características é a sua hierarquização e a sua especialização em torno de saberes, é o início
das faculdades, o professor generalista é o mais comum, imitação das corporações
profissionais, a especialização era a faculdade que reúne os saberes dentro dum grupo de
saberes, por exemplo a faculdade de letras não ensina biologia, é uma vontade de especializar
o que tem consequência na profundidade do saber, se no ensino clerical se vai aprender um
pouco de tudo, mas o aprofundamento é menor, o nacimento das faculdades vai potenciar esta
ultra-especialização.

A democratização no ensino prende-se com o acesso, Paris e Oxford vão criar os colégios,
instituições de beneficência que ajudam os alunos pobres, as residências, são residências para
indivíduos com dificuldades em pagar os custos de deslocações, com o tempo passam a ser
associações de ensino, vão contratar professores para ensinar, é Oxford a residência nos
colégios é obrigatória, é o embrião do ensino privado, cada colégio tem o seu grupo de
professores.

As nações são residências que agrupam indivíduos oriundos da mesma proveniência


geográfica como o quartier latin, a residência dos latinos, já não existem nações, Coimbra
terá colégios até ao Séc. XVIII, a perda do monopólio clerical, o equilíbrio já se começou a
fazer por exigência régia.

É um ensino muito imobilista, é muito pouco criativo é muito reprodutivo, a base ainda é a
bíblia, o seu objectivo é o combate às heresias, Agostinho é uma autoridade, Jerónimo
também, não são questionados, a autoridade dura até ao Séc. XXI, a autoridade do professor
só por ser professor não é contestada.
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A Lectio, de onde partia o ensino, uma leitura, o professor ditava apenas aquilo que o aluno
tinha de escrever, a lectio devia fazer a exegese do texto, a interpretação literal servia para
tirar do texto a sententia, a lei que se retira do estudo dos textos, isto durou até ao Séc. XX.

A questio – à lectio seguia-se a questio a segunda fase da aula, perguntas e respostas, os


professores formulavam eles mesmos a pergunta, e apresentavam a resposta correcta, era algo
que apostava na memorização, não havia parte criativa.

A disputatio eram confrontos intelectuais entre dois professores (mas por regra eram
confrontos previamente acordados), a determinatio era o resultado final, a summa era a
síntese o sumário.

A lógica Aristotélica ajudou muito a isto, a fazer perguntas e respostas lógicas.

É daqui que nascem as universidades, as comunes, e universitas, universitas studi, a


corporação do ensino, que normalmente se organizam em bairros, associa alunos e
professores, organiza o estudo, o plano de estudo e de exames é definido por cada uma, os
exames são comuns o que uniformiza alunos em grupo podiam reivindicar melhor, os
membros dessa corporação estão livres de determinados impostos.

A Licença ou o bacharelato é outorgada pelo director da instituição, os salários variam de


caso para caso, os professores podem ser pagos pelos estudantes, pelo bispo ou pelo rei.

Só se admitiam pessoas que soubessem ler e escrever, no mínimo com 14 anos, e por regra
havia dois ciclos, o primeiro era obrigatório, as artes liberais, as do trivio e o quadrívio, a
faculdade das artes, humanidades e no segundo ciclo havia 3 licenciaturas, direito, medicina e
teologia, isto formava quatro faculdades, artes, direito, teologia e medicina.

Em 1200 estas universidades vão-se autonomizar em relação ao bispo, com o apoio do papa,
porque Inocêncio III vai aceitar essas filiações das faculdades se tornarem dependentes dele,
o papa está demasiado longe para controlar o que quer que seja, isto é uma forma de se
tornarem independentes, a licença papal estabelece a regra de que uma universidade com a
licença papal é uma universidade como o papa, vale em qualquer lado, as que dependiam do
bispo tinham validade regional, as licenças papais são universais, válidas em todo o universo,
os seus alunos podem cobrar mais, atrair mais gente.

Ao longo do Séc. XIII há fundações de faculdades pelos reis porque um conjunto de


professores que quer criar uma corporação independente do bispo, pede ajuda ao rei.

O rei quer que a formação dos seus quadros, da sua chancelaria seja autónoma, independente.

É o que acontece em Portugal, a universidade de Lisboa em 1290 fundada em Alfama por D.


Dinis nasceu assim, a corporação mais próxima era em Salamanca, D. Dinis quis a licença
papal e em 1290 Nicolau IV deu essa licença, teologia, direito, medicina e artes vão ser as
primeiras faculdades portuguesas.
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O mundo dos Séc. XV e XVI é o mundo da reforma protestante e da contra-reforma, desde o


Séc. XI a reforma religiosa é o tema com Cluny e a reforma Gregoriana.

Cluny é o maior de todos os mosteiros da Europa medieval pela influência que gera.

A ideia da riqueza exterior da igreja e outros tópicos, a crítica à riqueza da igreja, o


afastamento doutrinário entre a igreja e as escrituras, o que se pensava ser o cristianismo
primitivo, um divórcio da doutrina dos primeiros cristãos e a igreja dos Séc. XI e XII, a moral
da igreja, considerava-se a igreja corrompida moralmente pela sinonímia e pelo nepotismo, a
venda de lugares na igreja e pela promoção de familiares para cargos eclesiais, em detrimento
dos mais meritórios, favoreciam os familiares.

A falta de castidade, um discurso anticlerical que marca muito o debate na Europa, no Séc.
XI/XII anti hierarquia, os mil anos da igreja são marcados por este discurso, no Séc XIX vai
atingir o seu apogeu, esse anticlericalismo vai nascer aqui, é um discurso com 1000 anos,
idealizava o primeiro tempo do cristianismo como um período de concórdia onde todos eram
santos e viviam como irmãos, o que é uma idealização, uma imagem idílica de algo que
historicamente nunca aconteceu.

Nasce a ordem dos Cartuxos, o regresso ao mundo primitivo, à pobreza evangélica, a


castidade entendida como um bem absoluto, S. Bruno – O seu fundador vai estabelecer-se
nos Alpes da Borgonha, uma ordem que se vai caracterizar pelo silêncio quase absoluto, não
falam, na liturgia, nas orações falam, mas as refeições e a maior parte do quotidiano é
passado em rigoroso silêncio, em contemplação, como hermitas, é esse o seu modo de vida,
pobreza extrema, viver da natureza e da contemplação, são uma resposta reformista à igreja.

A Ordem de Cister na Borgonha, a Borgonha é desenvolvida demograficamente e


economicamente e está a crescer.

Cister vai advogar a pobreza individual, procura retomar a ordem de S. Bento e reformá-la,
consideravam a Ordem de S. Bento (ora et labora), corrompida e afastada da sua origem,
tinha-se adulterado.

Cister que retoma a regra de S. Bento à letra, vão-se vestir de branco e não de negro,
Bernardo de Claraval é o grande difusor desta ordem, esta ordem no Séc. XII define que a
obra pode ser rica e receber doações, mas que cada monge é totalmente indigente, faz votos
de ausência de propriedade, de pobreza, vão apoiar ferozmente as cruzadas, estas reformas
são promovidas por quem se comunica com a hierarquia da igreja.

Há também os que se movem fora da influência da igreja, surgem no Séc. XI na Europa


Ocidental, os maniqueístas, que se dizem cristãos mas maniqueístas, estes monges vêem o
mundo dominado pelo polo divino e pelo polo diabólico, vão criticar a igreja
institucionalizada, vão propor o celibato efectivo e não apenas aparente, um celibato estrito,
real, era algo estruturante, o jejum muito rigoroso, eram muitos deles ermitas, viviam em
ermitérios, vão ser parecidos com os cartuxos, defendem a não necessidade do baptismo, e
alguns negam a crucificação de Cristo, Deus encarnado não podia ter sido crucificado, estas
posições não eram admissíveis, em 1020 defendem o retirar-se do mundo, escapar à carne,
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não prejudicar ninguém, se estes mandamentos fossem observados não seria necessário o
baptismo, pois se estes mandamentos não fossem respeitados, estariam condenados mesmo
que baptizados.

Entendem haver desfasamento da igreja primitiva, têm formação religiosa e escrita, quase
todos passam pela escola e por mosteiros, e é da leitura destes textos, que encontram o
desfasamento da prática da instituição.

Tanquelmo de Antuérpia, uma cidade muito próspera, uma das principais cidades de
comerciantes, no Séc XII só há um único padre em Antuérpia, para todos esses milhares de
fiéis, um único padre, para mais um padre que vivia em concubinato incestuoso com a sua
irmã, Tanquelmo vai reagir contra isto violentamente e rompe com a igreja, rompe com a
hierarquia, com a igreja institucional, com os sacramentos e vai promover a reforma da
igreja.

Vão negar o corpo eucarístico no pão consagrado, Pedro de Bruys nega-o também, afirma
que o pão consagrado é um símbolo e não Deus autêntico manifestado no altar.

Dá-se uma perseguição dos templos, das igrejas, Pedro de Bruys vai ser morto por queimar
crucifixos, defende que o crucifixo é um mero símbolo, nada de valioso, está a queimar
ídolos, e a combater a idolatria.

Henrique de Lausanne, um beneditino que vai conhecer Pedro de Bruys e suceder-lhe,


divorcia-se do seu mosteiro e vai continuar esta mensagem contra a igreja, recusa o
sacramento da ordem, nega seja preciso receber sacramentos para ser sacerdote, é o primeiro
a rejeitar a ideia de pecado original, Bernardo de Claraval vai prendê-lo.

É o início da inquisição episcopal no Séc. XII, contra os hereges e no Séc. XIII a inquisição
papal.

Os Cátaros (em grego significa – os puros, por oposição aos impuros) ideal da pureza, a
pureza da mensagem, a pureza primitiva, a impureza da instituição, os Albigenses da cidade
de Alby,

No Séc. XII há grupos dualistas maniqueístas, os Cátaros são maniqueístas, há grupos destes
pela Europa, até ao Norte da Itália, Sul de França, Provença, Catalunha, Barcelona, até
Florença, 1150, vão por vezes tornar-se quase maioritários, os Cátaros vão rejeitar todo o
Pentateu (os primeiros cinco livros da Bíblia) e parte do Antigo Testamento, Deus teria tido
dois filhos, Cristo e lúcifer, lúcifer era o deus do antigo testamento, que seria o criador do
mundo material, rejeitavam o antigo testamento, por esse se reportar a lúcifer e não a Cristo,
negavam que Cristo alguma vez tivesse tido corpo, Cristo seria um holograma, uma aparição
imaterial, o corpo era algo diabólico, logo Cristo o polo bom não poderia ter tido corpo, ver
Cristo era ver apenas uma imagem e não um corpo, pois o corpo material também não
ressuscita, vão rejeitar o baptismo, a eucaristia, o sacerdócio, o casamento, a procriação,
alguns não comem senão vegetais, tudo o que é derivado da carne é mais luciferiano, vão
rejeitar o culto dos santos, recusam o casamento e as relações familiares, um filho é um filho
de toda a comunidade, não há propriedade privada, são muito austeros e rigorosos, terão
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muito êxito para lá do Séc. XII, ao ponto de formarem uma igreja própria, bispos, uma
estrutura semelhante à igreja institucional católica, nunca terão igrejas físicas, os sacerdotes
chamam-se coadjuvantes, as mulheres podem celebrar se não houver homens, terão o apoio
de muitos senhores feudais do Sul da França.

Os Valdenses vão aparecer no último quartel do Séc. XII liderados por Pedro Valdo,
comerciante com formação escolar, defende a ideia de pobreza, Pedro Valdo defende a ideia
de traduzir a Bíblia que só existia em latim (a vulgata de S. Jerónimo), não havia traduções
do latim, a ideia de pobreza era aceitável desde que se mantivessem dentro da igreja, a pureza
da igreja evangélica, a Bíblia devia ser traduzida, Pedro Valdo paga para que se traduza a
Bíblia para as várias línguas, Alexandre III numa primeira fase concorda, no Séc. XVI vão
haver traduções autorizadas da Bíblia, ainda havia alguma resistência eclesiástica a esta
tradução porque qualquer pessoa que pudesse ler a Bíblia poderia interpretá-la mal.

Na doutrina a única coisa que importa é a Bíblia, mas a igreja defende também a tradição, a
interpretação da comunidade, conceitos como a concepção imaculada de Maria por exemplo.

Pedro Valdo dirá que só a Bíblia importa, o que é extra-bíblico não importa, Pedro Valdo
também será condenado.

Para os Cátaros e Valdenses a reacção será violenta, uma reacção a longo prazo, os condes de
Toulouse, apoiam os Cátaros, o condado de Toulouse vai ser um refúgio para os Cátaros,
Inocêncio III lança a cruzada Albigense, uma cruzada dentro da Europa apontada contra os
condes de Toulouse e contra os Cátaros, o último Cátaro a ser morto em 1321 chamava-se
Guilherme, será morto em Toulouse.

A acção do romance de Umberto Eco, o Nome da Rosa, tem lugar nesta fase final.

Os Condes de Toulouse eram vassalos do rei de França, o reforço do poder vai fazer-se em
torno de senhores que se querem independentizar, vai falhar, uma das formas é a adesão aos
Cátaros.

Francisco de Assis nascido em 1181 em Assis, filho de comerciantes, decide abandonar o


comércio da família e tornar-se pobre, regressar á pobreza original, tornar-se mendicante
viver da mendicidade, vive do que lhe querem dar, rejeita qualquer propriedade, não aceita
tratar de comércio, aceita trabalho manual, tal como os Valdenses e os Cátaros vai atrair
gente, em 1220 haveria 1000 pessoas em torno de Francisco, o mesmo número que os
Valdenses, um número menor que os Cátaros, chamam-se a si mesmos frades menores, o
frade mais pequeno de todos, a igreja vai impor-lhes a existência duma regra, Francisco não a
quer porque limita a liberdade, a imposição é: Ou há regra ou acabam os Franciscanos,
Francisco conforma-se e é promulgada a regra Bulata, o cardeal Ubolino vai formar esta
regra, Francisco é afastado do controlo desta gente, não os dirige a partir de 1223, nasce a
Ordem Franciscana mas não é dirigida por Francisco, o papa Ubolino vai canonizar
Francisco, António de Lisboa vai-se-lhes juntar.
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Os Franciscanos não são dualistas, não vão defender nem a tradução da Bíblia nem a rejeição
da tradição católica, tirando a centralidade da Bíblia concordam com a doutrina de Pedro
Valdo.

Os dominicanos nascem na mesma altura, Domingos de Gusmão é um aragonês e o que


propõe é combater os Cátaros, mas esse combate faz-se pela palavra, é a ordem dos
pregadores, os princípios são semelhantes aos franciscanos, insistem mais na pregação.

Francisco de Assis vive nas cidades mas quer contemplar.

Os dominicanos vão estar ligados ao nascimento das universidades, todos estes movimentos
nascem no turbilhão urbano medieval, todos são de ambiente urbano, uns aceitam submeter-
se outros não.

Os Franciscanos vão viver divididos entre a pobreza e a obediência à igreja, passam a ter
mosteiros, vacilam entre manter-se fiéis às ideias de Francisco ou a obediência à Igreja.

Lutero não vai ser queimado porque toda a Alemanha do Norte o vai defender.

Concepções e debates em torno do poder, os últimos da idade média, mas vão continuar até
ao Séc. XIX

Dante nasce na Península Itálica, é uma realidade fragmentada, o papa, os estados papais,
Dante o autor da “comédia” onde já se anuncia o renascimento.

Autor também do texto em latim “de monarquia” 1312, num contexto de grande
conflitualidade, o papa tinha sido transferido pelo Rei de França para Avinhão, há muito
conflicto entre o poder do papa, o seu poder temporal face a outros reis.

Dante vai escrever este texto em latim porque o latim ainda é a grande língua intelectual, não
é poesia, não é lazer, a poesia é algo mais leve, a teoria política é mais densa, “de monarquia”
é para entrar num debate intelectual, o papa tinha-se deslocado para Avinhão, estava em
conflicto com o rei Francês e com o imperador, todo o poder vem do papa, “não há salvação
fora do domínio papal” Dante reage contra isto, Dante mostra que está conta a ideia de todos
os poderes da terra serem inferiores ao papa.

Dante continua a tradição de Santo Agostinho para quem a cidade de Deus e a cidade da terra
coabitavam na terra, Dante vai continuar a afirmar isto e a dizer que a felicidade na terra
compete ao imperador assegurar, já ao papa e aos seus representantes compete assegurar a
felicidade celeste dos seus fiéis, trabalhar na terra para que os homens possam atingir a
felicidade celeste, Deus é a fonte de todo o poder é ao mesmo tempo rei e sacerdote, mas para
o Deus Cristão o seu poder régio difunde-se pelos reis e pelo imperador germânico, o
aspecto divino espelha-se no papa e na igreja, Dante reforma assim os dois poderes.
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Outros autores vão ser mais radicais.

Mancílio de Pádua do Norte da Itália, um grande intelectual, reitor da universidade de Paris,


com o mesmo conflicto entre o papa João XXII e o imperador germano, se o homem comum
se colocasse fora do domínio papal, segundo Bonifácio VIII, perde a salvação portanto
obedecemos ao rei ou ao papa, especialmente quando eles entram em guerra e ordenam
coisas antagónicas, em última instância concorda com Dante, deve seguir-se o papa nas
coisas de felicidade celeste, mas em termos políticos deve seguir-se o imperador Mancílio de
Pádua escreve a obra “defensor Pacis”, o defensor da paz, também escrito em latim, o papado
e o império devem estar separados do ponto de vista da discussão teológica Mancílio defende
que Jesus Cristo não tinha poder temporal mas apenas poder espiritual, não tinha exército
nem cobradores de impostos, não tinha oficiais, a encarnação do Filho como Filho de Deus
não lhe deu trono algum, “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, a igreja é
a assembleia de todos os fieis, o “de monarquie” vai ser proibido para os católicos e o
“defensor pacis” também.

Guilherme de Ockham, discípulo de Mancílio de Pádua, Franciscano. Os franciscanos


nascem duma ideia de apelo à reforma dos poderes eclesiásticos, esse apelo passa pelo apelo
à pobreza, e o regresso à pureza inicial do que eles entendiam ser o cristianismo primitivo,
com a institucionalização dos franciscanos com a regra Bulata, a partir deste momento há o
desconforto dos Franciscanos, há radicalismo na sua pureza, todos na ordem deviam viver da
esmola, viver o mais pobremente possível, mas com a institucionalização da ordem isto vai
mudar, há mosteiros franciscanos passam a ter propriedade comum, podem produzir algo
para não dependerem das esmolas, este temperar, moderar, vai gerar muitos debates nos
franciscanos, Guilherme de Ockham vai colocar-se nesta discussão: “o que é ser pobre?” com
S. Boaventura, é uma pobreza mas não miserável, a propriedade pode ser afinal colectiva,
Guilherme de Ockham tem uma obra gigantesca, ele discute se Jesus era mesmo pobre, e se
Jesus tinha tido propriedade comum, Guilherme vai concluir que Jesus era pobre e que ele e
os Apóstolos não tinham propriedade comum, devido a isto a Igreja não deveria ter
propriedade, esta era uma discussão medieval, esta ideia é acusada de heresia e Guilherme de
Ockham rompe com o papa, a obediência à autoridade política fica sem sentido, era legítimo
desobedecer ao papa, ainda que sem grande sucesso estas posições vão divergir do papa.

John Wyclife, Séc. XV, ingles (todos estes homens são formados na universidade) é um
conjunto de intelectuais letrados que se forma fora dos mosteiros, são clérigos mas com
formação urbana, John Wyclife, é o primeiro dos grandes reformadores, escreve “de civile
domino” sobre o domínio civil, aqui “civil” surge por oposição a eclesiástico, é um texto
muito claro, tudo o que está no espaço do reino pertence ao rei, mesmo que esteja situado
dentro de mosteiros e igrejas, tudo no reino, mesmo que da igreja pertence ao rei, essa
autoridade vem de Deus, a unção vinha da Igreja, para Wyclife o poder do rei vem da
divindade sem intermediários, a ideia seguinte é a de Henrique VIII, que não aceita
autoridade maior que ele em Inglaterra, não há ateus nem agnósticos, estes homens são
cristãos, mas divergem da política da igreja, a igreja não precisa de terras, nem de exércitos,
nem impostos, para isso tem o apoio do rei, o rei deve apoiar e fornecer à igreja os meios para
a sua missão espiritual, também Wyclife vai ser condenado, escreve ainda “de eclesia” onde
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defende que que dentro dum reino o poder sobre os sacerdotes deve ser exercido pelo rei, o
que faz dos sacerdotes súbditos do rei, o rei é o líder máximo, é esta a origem da igreja
anglicana, isto não é separação de poderes, mas antes a submissão ao rei, vai recusar o
celibato dos padres, recusa as indulgências, o perdão dos pecados pelo pagamento de quantias
em dinheiro (Lutero vai atacar isto no Séc. XVI) a intercessão dos santos vai ser posta em
causa, os protestantes vão recusar a intercessão dos santos, o papa não é o líder duma igreja
universal, Wyclife ataca o papa e o seu poder espiritual, quer também traduzir a Bíblia para
inglês.

Jan Hus, Checo (reino da Boémia), um universitário, um clérigo, é na igreja que todos estes
homens vão ser formados e é deles a ideia de reformar a igreja que quer Cátaros, quer
valdenses querem mudar, isso por contexto religioso, estes querem mudá-lo por via política.

Não estão interessados em vida comunitária mas em debate intelectual, Jan Hus conhece os
textos de Wyclife e vai ser esse o seu maior influenciador, Jan Hus vai defender tudo o que
Wyclife defende, vai ser excomungado pelo papa, não se vai arrepender, vai pregar nas
praças, vai ser preso em 1412 e em tribunal vai apelar ao próprio Jesus Cristo, é acusado de
espalhar ideias heréticas, o que acontece é o surgimento da ideia que não precisamos de
intermediários, somos julgados directamente por Deus, tinha-se espalhado no Séc. XII a
prática da confissão auricular, se um Cristão tem um pecado grave deve confessá-lo a um
padre que servirá de intermediário para o perdão divino, essa confissão tinha-se gerado a
partir do Séc. XI, sem o padre como intermediário os pecados não são perdoados, Jan Hus
defende que não há necessidade dessa intermediação clerical, não reconhece a autoridade
eclesiástica, afirma-se directamente submetido a Deus.

Os textos ainda são todos manuscritos, os autores mandavam copiar e por a circular os textos,
as universidades tinham interesse neste debate, o rei da Boémia apoiou Jan Hus porque daí
retirava poder, os apoiantes de Hus vão ser sacerdotes locais e o próprio rei da Boémia, em
1415 há o concílio de Constança para resolver o problema dos papas e o problema de Jan
Hus, ele vai ao concílio e é preso e foi executado, contudo aproveita para explicar a sua visão
do cristianismo, vai ser condenado à morte, isto vai gerar revoltas durante todo o Séc XV, as
guerras Hussitas, para libertar da esfera eclesiástica.

O cisma do ocidente. No Séc. XIV o bispo de Roma residia em Avinhão mas decide voltar a
Roma, em Avinhão vão eleger um segundo papa, estes dois papas vão combater-se, surge o
último debate medieval, a autoridade dentro da igreja. Quem deve ter mais poder? O papa ou
o concílio? ( o conjunto dos cardeais) e Qual deve ser superior? É para isto que em 1415,
reúne o concílio de Constança e é eleito um terceiro papa.

O concílio decide que os três papas devem abdicar e deve eleger-se um quarto papa, Martinho
V.

O que o concílio de Constança mostra é que o concílio está acima do papa, é isto o
conciliarismo, ideia esta que vai ser condenada, vai ser dito que o papa está acima do
concílio.
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Há continuidade em toda a cultura medieval com a cultura clássica, não há rompimento, o


cristianismo é uma religião clássica.

A moral romana é a moral medieval, a condenação dos homossexuais, a limitação da mulher,


vem do mundo romano, os cristãos apenas lhe deram nova roupagem.

Não há na era clássica cisão entre política e religião, apenas os medievais tardios o vão fazer,
os clássicos não dividiam política e religião, a religião apenas era diferente.

Os medievais conformaram o Deus cristão com a ideia de verdade, os deuses clássicos não
faziam isto,

A grande verdade no mundo medieval é oculta, é o Deus que é perfeito como as ideias são
perfeitas, é o casamento entre filosofia e religião, os medievais deificam a sabedoria, a razão.

Teologia é a filosofia centrada no mundo das ideias perfeitas, Deus.

TESTE – 3 grupos 1º grupo 15 perguntas de resposta rápida, a valer 0,3 valores cada uma,
(resposta de uma linha)

2º grupo 3 perguntas de resposta média 10 a 15 linhas, uma breve explicação.

3º grupo 8 valores, pergunta de desenvolvimento, escolha 1 de duas sobre um dos três temas
sujeitos a ensaio, um texto com algumas ideias, desenvolver cultura medieval e cristianismo,
cultura medieval e sabedoria, cultura medieval e cultura clássica.

Para as respostas às perguntas rápidas e médias, ver os sumários das aulas 3,4,5,6,9,10, 13,
16, 17 e 18.

A par das perguntas de desenvolvimento a resposta pode ser baseada em qualquer aula
mesmo que extra-aula, mas o ponto de partida são estas 10 aulas.

Para a pergunta de desenvolvimento pensar em 10 exemplos que ilustrem a nossa resposta.

Dia 23 Sala 2.14 14h 2ª chamada.


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Terminado a 19 de Dezembro de 2019,

Feito com amizade para os meus colegas de cultura Medieval.

António

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